Sei sulla pagina 1di 27

Resenhas

Sexualidades, nacionalidades e escolarização

Sexualidades e institución 1998 e que foi publicado em espanhol no ano


passado (2000), por iniciativa da Fundación
escolar Paideia, no âmbito da Colección Educación
Crítica, dirigida por Jurjo Torres Santomé.
EPSTEIN, D.; Johnson, R. Não foi propriamente pelo tipo de prazer
acima referido, mas como doutoranda em fase
final de curso que fiz minha primeira leitura deste
Madrid: Paideia; Ed. Morata, 2000. 232 p. livro de Epstein e Johnson, há quase três anos.
Estava envolvida com a escrita de minha tese e
essa leitura me foi apontada como um
“exemplo” de pesquisa pós-estruturalista, na qual
a construção de um referencial teórico-
metodológico complexo se fazia por dentro da
O que diferencia um livro de tantos outros análise empírica, numa investigação que
que lemos e nos leva a nominá-lo como um envolvia procedimentos e dados extraídos de
livro especial? Essa pergunta talvez não tenha fontes de natureza e amplitude bastante diversas.
sentido quando pensamos nas leituras que E a autora e o autor faziam isso utilizando um
fazemos com um prazer “que se constrói aos estilo de escrita que, com essas características
poucos, à medida que se liga a palavra à frase, (ou apesar delas), conseguia reunir um (para
ao que é dito”, leituras nas quais a história ou o mim) conjunto expressivo de qualidades:
conteúdo, em si, quase que passam para o consistência, acessibilidade, clareza,
segundo plano, já que passa a importar muito simplicidade e rigor.
mais “a maneira como esse narrado vai sendo Naquele momento, portanto, não me
desenvolvido, num crescendo, tomando o leitor aproximei do livro em função do tema nele
por inteiro, prazer desfrutado pouco a pouco discutido, ou buscando a “aprendizagem” dos
até o prazer final, supremo deleite que se sente referenciais teóricos e dos conceitos-chave ali
ao fechar o livro e querer mais...”1 adotados. O que eu buscava, com a leitura,
Mas faz todo o sentido tentar responder a era visualizar um jeito de analisar e articular dados
isso quando se trata de resenhar um livro, e conceitos e de narrar esse processo de
exatamente porque temos, então, de fazer uma pesquisar. Um jeito que envolvesse: operar com
análise e uma indicação -empreendimentos que conceitos mais do que discorrer sobre eles;
envolvem refletir sobre e narrar a nossa própria possibilidades de fazer leituras significativas de
experiência de leitor ou leitora. Corremos alguns aspectos naturalizados ou banalizados do
riscos nesse processo porque o modo como o cotidiano; construir um texto que expressasse a
fazemos atravessa e demarca outras relações, conflitualidade e multidimensionalidade do
ainda inscritas no futuro, com o texto em pauta. social e da cultura, explorando os efeitos da
Pode-se argumentar que essa é, exatamente, a articulação de gênero com outros marcadores
finalidade de uma resenha e, portanto, a sociais tais como sexualidade e nacionalidade;
atribuição do/a resenhista, de forma que resolvi compor uma análise na qual se conectassem,
correr esses riscos pela primeira vez, para falar de de forma visível, o olhar “interessado” reivindicado
um livro que considero especial: Schooling pelos Estudos Feministas e Culturais com os efeitos
Sexualities, o livro de Debbie Epstein e Richard da virada lingüística, operada pelo pós-
Johnson, editado pela Open University Press em estruturalismo de Foucault e Derrida.

ESTUDOS FEMINISTAS 609 2/2001


Não era pouca coisa que eu desejava gênero, raça e nacionalidade. Para Debbie
saberxencontrar ali! No entanto, encontrei muito
la marginación y la estigmatización de
de tudo isso nesse livro, naquela ocasião. Isso me
determinados grupos há sido tema de sus
salta aos olhos cada vez que me deparo com a
estudios desde donde le alcanza el
quantidade de marcações coloridas e com o teor
recuerdo. Su origen y educación judios, de
das anotações com as quais enchi as margens e
sudafricana opuesta al segregacionismo,
o corpo do texto nessa primeira leitura e sempre
partícipe de una tradición de socialismo
que revejo o texto com que narro a trajetória
judio, fueran la clave de la temprana
teórico-analítica que empreendi por dentro de
formación de su identidad. [...] quando se
minha própria investigação2 .
declaró lesbiana publicamente [...] se hizo,
Essa é, então, uma das importantes razões
tal vez, inevitable que más pronto o más
pelas quais recomendo hoje, já como professora tarde su trabajo se centrara en los temas
de dois programas de pós-graduação na UFRGS, de sexualidad y escuela (p. 20).
a leitura do livro a estudantes e a minhas/meus
orientandas/os, quando estas/es se deparam Já Richard Johnson refere que suas diversas
com o desafio de elaborar seus projetos e identidades não marcadas (homem branco, de
dissertações ou teses dentro destas abordagens classe média e heterossexual) contribuíram para
teórico-metodológicas. O livro pode, que a sexualidade não se constituísse como uma
efetivamente, ser explorado como um bom clave tan evidente de su vida personal. [..]
exemplo de pesquisa nestes campos teóricos. las preocupaciones por la sexualidad y la
Explorá-lo sob esta ótica, no entanto, exige do escuela surgieron en parte de las
leitor ou da leitora pesquisadora uma certa experiencias de sus intimos amigos
intimidade com teorizações feministas e culturais homossexuales y lesbianas. La influencia de
contemporâneas e com a obra de Michel sus amigos y colegas feministas le llevaron
Foucault. Exatamente porque opera com estes también a hacerse preguntas sobre la
referenciais teóricos para analisar uma heterosexualidad (p. 20).
problemática específica, sem a pretensão de
discuti-los exaustivamente, o texto de Epstein e É, pois, acerca das implicações das políticas
Johnson não deve ser buscado com o objetivo educacionais inglesas (fortemente marcadas
de introduzir
introduzir-se -se nestes campos de estudo. pelo tatcherismo, pelo neoliberalismo e pelo novo
Mas o livro pode e deve ser lido ainda por trabalhismo dos anos 90) e de sua veiculação e
outras razões, sobretudo por aquelas e aqueles discussão na mídia, sobre o processo de
que tratam de discutir e problematizar as escolarização e sobre a produção de
complexas e conflituosas relações que se identidades sexuais e de gênero que se efetiva
estabelecem entre sexualidade, culturas neste espaço, que trata o livro.
nacionais e instituição escolar nas sociedades Fundamentalmente, a autora e o autor procuram
ocidentais contemporâneas. explorar as relações entre sexualidades e escola,
Egressos do Departamento de Estudos nacionalidades e sexualidades e nacionalidades
Culturais de Birminghan Inglaterra – onde este e escola, e a discussão acerca destas relações
campo de estudos de estruturou e consolidou é apresentada, no livro, em duas grandes partes.
a partir dos anos 70, Debbie Epstein e Richard A primeira parte, intitulada Las sexualidades
Johnson são estudiosos culturais e feministas en el ámbito público, analisa os processos pelos
que contabilizam uma extensa produção quais a política, o governo formal e os meios de
intelectual. Debbie trabalha como professora comunicação produzem um determinado tipo de
e orientadora na Faculdade de Educação da “público nacional” que parece e pretende ser
Universidade de Londres e Richard Johnson na universal. Nesta parte se explora e se exercita,
U n i v e r s i d a d e Tr e n t d e N o t h i n g h a m . E m portanto, de forma ampla e consistente, uma das
consonância com as perspectivas teóricas e grandes contribuições dos Estudos Culturais para
políticas que assumem, a autora e o autor se o campo da Educação: as noções de que
inscrevem dentro de sua investigação e, ao identidades são produzidas em múltiplas e
fazê-lo, colocam em plano crítico processos variadas instâncias do social e da cultura e de
particularmente significativos de sua vida e de que os meios de comunicação, em particular (e
sua formação em relação à sexualidade, a mídia em geral), se constituem como um locus

ANO 9 610 2º SEMESTRE 2001


expressivo dessa produção, nas sociedades ser bastante promissora para aqueles e aquelas
contemporâneas. Estas noções remetem que, no Brasil, se envolvem com esta discussão,
educadores e educadoras para o conceito de em um contexto onde todos se movimentam com
pedagogias culturais, o qual implica o muitas cautelas e grandes receios. Pensar as
reconhecimento e a problematização da práticas de orientação ou educação sexual, na
importância educacional e cultural da imagem, escola, ainda está reduzido a um exercício
das novas tecnologias da informação, enfim, da apoiado, muito freqüentemente, em um
relação entre escolarização e cultura da mídia biologicismo estreito que naturaliza a sexualidade
nos processos de organização das relações e hierarquiza sujeitos e grupos em função de suas
sociais e na produção das subjetividades. práticas sexuais e cujos objetivos explícitos se
Remetem também para um importante vinculam à promoção da saúde reprodutiva e à
deslocamento no âmbito da teorização prevenção de gravidez na adolescência e de
educacional, que desvincula e projeta o currículo DST/AIDS. Nessa perspectiva, Debbie Epstein e
para além da escola, e isso impõe uma Richard Johnson, quando descrevem
reconceptualização das próprias noções de mecanismos e estratégias que permitem
escola, de currículo, de conhecimento escolar entender como a sexualidade é social e
válido, do ser professor e do ser aluno... culturalmente produzida, em meio a múltiplas e
A segunda parte do livro, intitulada Las complexas relações de poder que envolvem e
sexualidades en la escuela, se fixa, como referem conformam os processos de escolarização, nos
os próprios autores, “com minuciosidad y de possibilitam, com o seu estudo, repensar a nossa
forma analítica en la producción de las prática e construir outras abordagens para essas
identidades sexuales en este nivel escolar” (p.23). e muitas outras questões.
Analisa-se, aí, com base em diários de campo e Enfim, um livro que vale a pena ser lido por
depoimentos de professores/as e estudantes, não educadoras/es e pesquisadoras/es que desejam
apenas o currículo sexual formal, ou seja, as exercitar aquilo que Foucault 3 chamou de
propostas de educação sexual mas, sobretudo, separar-se de si mesmo: separar-se, para olhar
as culturas sexuais de docentes e estudantes, que de fora, como se não as conhecêssemos, teorias
atravessam e constituem a dinâmica escolar, em e práticas que nos constituem tão profundamente
especial no que se refere aos mecanismos e às que nem as percebemos mais como aprendidas,
estratégias de controle, resistência e ou ainda, como sugere a metáfora
disciplinarização que aí se efetivam. O objetivo freqüentemente empregada por estudiosos
desta análise é entender, fundamentalmente, culturais, incorporar o olhar estrangeiro que, por
como é vivida e, por extensão, como poderia ser ser estrangeiro, ainda é capaz de exercitar o
vivida a escolarização por docentes e estudantes estranhamento, a perplexidade e a descoberta
gays e lésbicas. Isso, na perspectiva da autora e diante do próprio saber/fazer...
do autor, permite pensar em como “se relacionan
sus experiencias com las estruturas más generales 1
PAIXÃO, S. P. O prazer da aprendizagem. In: LISPECTOR,
de la desiguald y, en particular, sobre la forma C. Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. 17. ed.
en que la heterosexualidad obligatoria es una Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. p. 5.
matriz organizativa destas” (p. 113). Em síntese,
2
MEYER, D. Identidades traduzidas: cultura e docência
trata-se, para eles, de buscar compreender as teuto-brasileiro-evangélica no Rio Grande do Sul. Santa
Cruz do Sul/RS: EDUNISC; Sinodal, 2000.
complexas e múltiplas facetas dos processos 3
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: o uso dos
pelos quais sexualidade e escola se interferem prazeres. 8. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1998.
mutuamente.
Em seu conjunto, esta abordagem das DAGMAR ESTERMANN MEYER
relações entre sexualidade e escolarização pode

ESTUDOS FEMINISTAS 611 2/2001


Um olhar feminino sobre o anarquismo?1
Entre a história e a liberdade: fascismo na Itália. Este é um dos pontos fortes da
Luce Fabbri e o anarquismo obra. As tensões do surgimento do fascismo são
contemporâneo vividas “por dentro”, e a narrativa de Luce é
instigante nesta parte.
A fuga da Itália e o exílio no Uruguai é um
RAGO, Margareth.
outro momento forte do trabalho, no qual se
São Paulo: UNESP, 2001. 368 p. misturam emoções, história política e análise
teórica. A autora prende, aí, o leitor, envolvendo-
o nas tramas de uma história quase épica. O
Uruguai, descrito por Luce como lugar de
Historiadora conhecida do público liberdade e acolhida, é pintado com as cores
brasileiro, Margareth Rago tem publicado da admiração, quase no limite da idealização,
trabalhos que focalizam a História das Mulheres especialmente quando se refere ao presidente
e das Relações de Gênero, dentro de uma que governava este país àquela época: José
perspectiva foucaultiana e anarquista. Neste seu Batlle & Ordoñez.
último livro, Entre a História e a Liberdade: Luce Dois outros personagens, além de Luce, são
Fabbri e o anarquismo contemporâneo, a autora muito focalizados na obra – certamente pela
utiliza eses mesmos referenciais para analisar a força da narradora: o pai de Luce, Luigi Fabbri,
vida e a obra de uma intelectual anarquista: Luce e o anarquista Errico Malatesta. A obra destes é
Fabbri. discutida em meio à narrativa das lutas na Itália,
Através de uma escrita ágil e atraente, a da fuga da família Fabbri, passando antes por
autora conta-nos, em 341 páginas, os 92 anos Genebra e Paris e, finalmente, indo para o exílio
de vida desta pensadora italiana. A maneira na América do Sul.
como mistura a história da vida privada com a Outro ponto de destaque da obra é a
obra intelectual da anarquista leva o leitor a se narrativa da Guerra Civil Espanhola, vivida por
enternecer, a amar e a viver, juntamente com a Luce a partir do exílio no Uruguai. Esta guerra é
autora, as experiências de vida e reflexões de pensada como uma rica experiência anarquista.
Luce Fabbri. A leitura que Luce faz, morando na América,
A partir das análises de autores como Michel através das informações que chegam pelos
Foucault e Hannah Arendt, a autora compara a jornais, panfletos, cartas, informantes, é
vivência, os ditos e os escritos de Luce Fabbri, impressionante. A Espanha desse tempo foi, para
mesmo que, por vezes, a própria Luce não se Luce e para os demais anarquistas da época,
reconheça – como a autora destaca – nestas “uma grande esperança que se abre no horizonte
análises, aproximações e comparações que faz e, repentinamente, uma enorme frustação”.
da obra da anarquista italiana com a destes Naqueles anos, Luce e os companheiros
autores. pareciam ver, aí, todos os ideais anarquistas se
Passado e presente entrecruzam-se nesta concretizarem: “vivemos mais na Espanha do que
obra. O resultado não é uma biografia, mas o aqui”. Eles organizaram comitês de ajuda,
desenho de uma vida, construída como obra de divulgaram informações, atuaram em várias
arte. Neste desenho, o pensamento anarquista frentes de propaganda. Muitos partiram para
constitui a paisagem: o suporte é a memória. Esta lutar. Depois veio a dolorosa derrota pela falange
é, o tempo todo, tematizada e questionada. franquista. Luce salienta, especialmente, os
O livro divide-se em cinco capítulos, os quais companheiros anarquistas mortos pelos
reproduzem um percurso temporal: do comunistas.
nascimento e da vida em Bolonha (Itália) à No balanço que o livro faz sobre o
adolescência e à juventude vividas em diversos anarquismo, são dissecadas as várias tendências
pontos do país. Simultaneamente, ficamos que o formam, os debates, as discussões do
conhecendo o momento em que Luce descobriu- momento atual e do passado. São muito ricas as
se anarquista e o cotidiano do surgimento do análises que a autora apresenta da obra da

ANO 9 612 2º SEMESTRE 2001


intelectual anarquista. O socialismo libertário é autora, por vezes, demonstre um grande fascínio
apresentado como a única utopia que “não foi pela pensadora e afirme estar oferecendo um
derrotada, no campo teórico, pelos “olhar feminino” sobre o anarquismo. No Brasil e
acontecimentos”. na América Latina, a história do anarquismo tem
O anarquismo de Luce dá continuidade ao sido contada à luz das experiências masculinas.
de Errico Malatesta; porém, diferente deste, É, então, o envolvimento das mulheres que torna
considera importantes as contribuições trazidas o passado singular.
pelo conhecimento científico sobre o homem e Luce apresenta uma narrativa estruturada
a sociedade. Para Luce, “a idéia de liberdade racionalmente, muito mais pública do que
se amplia à medida que progride a ciência, a privada, e reconhece ter tido dificuldades, até
qual produz uma liberdade sempre maior”. 1933, de aceitar as lutas feministas –
Desconsiderando as tendências anárquicas consideradas por ela como coisas da burguesia.
que partem de leis históricas, ou que constroem Na época das entrevistas que concedeu à
utopias e, ainda, as que negam o mundo autora, ao referir-se às mulheres, dizia que elas
presente, Luce afirma que a anarquia não tem “podem revolucionar o mundo se não imitarem
um programa delimitado, é uma concepção. os homens, já que são portadoras de uma cultura
Mais do que “um ponto bem fixo, ao qual se deva própria, de outras formas de percepção, de
chegar”, a anarquia é “um caminho a seguir”. organização e de elaboração prática, estética
Luce critica todo irracionalismo considerado e mental”.
como predomínio do instinto sobre a razão e, Negando que isso possa ser resultado de
conseqüentemente, opressão dos semelhantes, uma essência biológica, diz que, até os dias
pois, de acordo com ela, os homens têm o instinto atuais, a maneira como homens e mulheres são
do poder. Critica também os anarquistas construídos diferenciadamente torna as mulheres
terroristas, os “expropriadores individualistas, inexperientes para serem guerreiras,
considerando-os danosos para o movimento comandantes e generais, no entanto muito mais
libertário como um todo. A vida de Luce mostra aptas para organizar a vida social. Esta posição,
que o anarquismo pode ser praticado de defendida também pela autora, aproxima-se
diferentes maneiras. A autora mostra como a daquela reivindicada pelo “feminismo da
pensadora constrói sua própria vida – espaço de diferença”, que, entretanto, a própria narrativa
atuação pública e privada – como uma da vida da pensadora anarquista parece negar.
experiência anarquista. Assim, antes de uma luta Luce não viveu, em sua época, os
política, trata-se “de uma questão ética, que constrangimentos de seu gênero. Teve acesso a
envolve a produção da subjetividade”. Neste lugares fechados para as mulheres comuns e foi
sentido, o caminho é mais importante do que a poupada – pela mãe e, depois, pelo marido –
finalidade. das tarefas domésticas comumente atribuídas às
Na narrativa de Luce, as reflexões sobre o mulheres. Talvez por isso não reconheça – e isto
socialismo, a linguagem, a cultura, a liberdade é explicitado no livro – que o fato de ser uma
têm um peso maior do que a narrativa da vida mulher tenha a importância que a autora
privada: a cronologia é marcada pela vida pretende atribuir-lhe.
política. É assim que, entremeando estas São, portanto, provocantes as questões que
discussões, ficamos sabendo de seu casamento, este livro apresenta: o anarquismo como
do nascimento da filha, da morte do pai e da combate às diferentes formas de autoritarismo;
mãe, do marido. A autora argumenta que não o feminino como uma outra narrativa histórica, e
encontrou, em Luce, o sentimento burguês de também como uma proposta de organização de
intimidade, e atribui isso à sua timidez em falar vida.
do privado.
Esta obra traz, assim, um retrospecto muito 1
Esta resenha foi publicada em francês pela revista CLIO
importante do anarquismo contemporâneo; – Histoire, Femmes et Sociétes.
mostra que não é possível pensá-lo sem as
contribuições de Luce Fabbri, mesmo que a JOANA MARIA PEDRO

ESTUDOS FEMINISTAS 613 2/2001


Discutindo Identidades: multiplicidades
políticas, culturais e de gênero
Identidades: estudos de cultura Estado-nação transnacionalizado, mas também
dos indivíduos. Nesse sentido, o não-lugar, a
e poder política de cotas e a dignidade humana, assim
como outros pontos de discussão, são de grande
FELDMAN-BIANCO, Bela; CAPINHA, interesse para os estudos feministas e nos
Graça (Orgs.). permitem repensar as inclusões, e suas
paradoxais exclusões, não apenas das
São Paulo: Hucitec, 2000. 176 p. identidades étnicas, mas também das
identidades ou não-identidades de gênero.
Em “Por uma concepção multicultural de
direitos humanos”, Boaventura Sousa Santos
A análise das fronteiras das identidades e procura identificar as condições em que os
seus embates dentro de uma produção direitos humanos podem ser postos a serviço de
contemporânea de políticas culturais e das uma política progressista e emancipatória. Nesse
identidades como políticas, tendo por contexto sentido, nos leva à discussão das tensões
as reconfigurações do capitalismo global e seus dialéticas que atravessam a modernidade
embricamentos com política e cultura, são ocidental na atualidade. É a partir dessas tensões,
algumas das questões abordadas em entre regulação social e emancipação social,
Identidades: estudos de cultura e poder. entre Estado e sociedade civil e entre Estado-
Organizada por Bela Feldman-Bianco e Graça nação e globalização, que Sousa Santos tece
Capinha, esta obra reúne cinco ensaios de um quadro analítico que reforça o potencial de
autores de Portugal, Estados Unidos e Brasil. Em emancipação da política dos direitos humanos,
sua maioria, estes textos foram preparados para tanto no que se refere à fragmentação política e
apresentação na mesa-redonda “Globalização, cultural quanto à globalização. Para tanto, Sousa
Estado e Embates de Identidades”, na Iª Santos procura uma especificação sobre o que
Conferência Internacional sobre Identidade é, ou como se define, a globalização.
Étnica e Relações Raciais da Reunião Bienal da Entendendo-a como geralmente centrada numa
Associação Brasileira de Antropologia, realizada definição econômica, o autor privilegia, em sua
em Salvador em abril de 1996. Foram escolhidas análise, um conceito de globalização voltado
pesquisas sobre “migrações internacionais e/ou para as dimensões sociais, políticas e culturais.
raça, que pudessem proporcionar subsídios Acertadamente, o autor define que o que
comparativos para se examinar criticamente: as denominamos “globalização” é, antes de tudo e
(re)imaginações de nação numa conjuntura fundamentalmente, um termo que deve ser
marcada por redefinições do papel dos Estados- usado no plural. O termo “globalizações” define,
nação; a emergência de novas políticas segundo ele, a multiplicidade de relações sociais
nacionais de exclusão ou inclusão de população que estão envolvidas em todo esse processo. A
desterritorializada; e as negociações, partir deste ponto, elabora o conceito de que
contradições, conflitos e embates de identidade globalização “é o processo pelo qual
em situações de transnacionalidade.”1 Apesar de determinada condição ou entidade local
os ensaios reunidos nesta obra não estarem estende a sua influência a todo o globo e, ao
centrados nas identidade de gênero(mesmo fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar
trazendo os artigos de Mary Castro, que aborda como local outra condição social ou entidade
as identidades no feminismo, e de Ângela Gillian, rival.”2 Assim, explica ele, aquilo a que chamamos
que a certa altura faz relações entre gênero e globalização é sempre a globalização bem-
etnia), suas discussões abrem-se para as diversas sucedida de determinado localismo. Partindo do
categorias identitárias, permitindo que sejam fato de que o “globalizado” traz em si conceitos
repensados e relidos velhos pressupostos a partir hegemônicos de um “vencedor”, Sousa Santos
da noção da redefinição de espaços, não só do procura justificar uma política progressista de

ANO 9 614 2º SEMESTRE 2001


direitos humanos com âmbito global e constantemente renovados pelas condições que
legitimidade local. Para tanto, e tendo enfrentam dentro e fora do país. Como a
consciência de que os direitos humanos não são identidade se dá nas fronteiras, no embate
universais como artefato cultural, propõe um cultural, a construção social da cor branca nos
diálogo intercultural sobre a dignidade humana. Estados Unidos, país receptor dos haitianos
Esse diálogo intercultural dar-se-ia, no entanto, analisados, reforça e reproduz os conceitos
entre diferentes culturas, saberes e universos de haitianos de raça como nação. Pautar-se no
sentido. Assim, somente um diálogo intercultural sangue ou na raça para legitimar nacionalismos
intermediado por uma hermenêutica diatópica é, segundo penso, uma postura delicada e
levaria a uma concepção mestiça de direitos desconfortável. Fazer uso de ideologias e
humanos, organizada como constelação de conceitos que historicamente foram e são usados
sentidos locais. Por hermenêutica diatópica, como pontos legitimadores de discriminação e
entenda-se a discussão dos pressupostos de preconceito é, no mínimo, colocar-se ao sabor
dignidade humana em suas diferentes formas do vento. E se ele soprar para o lado contrário
culturais, tendo em vista suas carências e lacunas, das posições desejadas, poderemos retomar
numa busca do maior preenchimento possível de subposições. Além disso, como mostram os
sentidos do que seria, definiria ou permitiria uma autores, os haitianos que vivem nos Estados Unidos
política multicultural de direitos humanos o mais acabam não se identificando com outros grupos,
completa, compreendida e aceita possível. Os pois ser haitiano, acima de tudo, é o que os
direitos humanos, dessa forma organizados, define.
fariam sentido em diferentes culturas. Sousa Para além da raça e do sangue, a
Santos nos leva numa viagem para além dos etnicidade permite muito mais mobilidade aos
interesses hegemônicos e dos orgulhos culturais indivíduos. E, como sugerem os autores, para
exacerbados. Utópico, seu ensaio tem o mérito podermos reagir à “nova ordem mundial”,
de nos levar a pensar as possibilidades de devemos agir coletivamente, indo além dos
maturidade do conceito de dignidade humana. limites ditados por sangue ou nação.
Já em “Laços de sangue: os fundamentos Assim como Nina Schiller e George Fouron,
raciais do Estado-nação transnacional”, Nina Ângela Gillian apresenta uma discussão sobre a
Glick Schiller e Georges Fouron nos levam a atual reconstrução social do conceito de raça
perceber as configurações políticas que diversos no Brasil e nos Estados Unidos, partindo de uma
países exportadores de emigrantes estão reflexão sobre as formas de erosão do princípio
tomando, revitalizando o nacionalismo diante de da igualdade resultantes da dinâmica de
uma economia global e redefinindo o conceito globalização econômica.
de Estado-nação como transnacional. Os autores Em seu ensaio “Globalização, identidade e
tomam por exemplo e base de pesquisa o Haiti, os ataques à igualdade nos Estados Unidos:
onde, segundo eles, o nacionalismo tornou-se esboço de uma perspectiva para o Brasil”, Gillian
uma forma de identidade racial. Assim, como aponta que as tensões que atravessam a questão
outros Estados exportadores de emigrantes, os da identidade e, sobretudo, a identidade racial,
haitianos definem a nacionalidade pela tanto na sociedade estadunidense quanto na
descendência e não pela partilha da história brasileira, têm por sintoma as diferentes
política comum, língua, cultura ou território. reformulações de que tem vindo a ser sujeito o
Nação e raça, num contexto de migração princípio da ação afirmativa na luta política dos
transnacional, acabam definindo a identidade anos 90. A ação afirmativa como princípio
nacional. Esta definição do Haiti como Estado sem assenta no Movimento pelos Direitos Cívicos e
fronteiras permite a existência do território haitiano na Lei dos Direitos Cívicos de 1964 e visava
como espaço social que pode-se manter dentro eliminar o desequilíbrio entre os sexos e a
dos limites legais de outros Estados-nação. discriminação racial no local de trabalho e na
Segundo os autores, é por conceberem a escola nos Estados Unidos. Era um instrumento
nação com base na raça e no sangue que, tanto para auxiliar a eliminar os preconceitos raciais,
os emigrantes quanto os que permanecem nos de sexo e contra grupos minoritários em geral.
seus países, como os dirigentes políticos dos No entanto, o que Gillian demonstra é que a
países exportadores de imigrantes, criam lógica de mercado assumiu o “politicamente
ideologias de um Estado-nação transnacional. Os correto”, deturpando o discurso da luta contra o
laços de sangue unem todos os haitianos, sendo racismo e a opressão sexual e de classe. Dentro

ESTUDOS FEMINISTAS 615 2/2001


de uma política de que “todos são iguais sem sociais. Políticas que privilegiam essa posição
distinção”, eliminam-se e privatizam-se os tencionam a supressão do indivíduo, numa lógica
programas sociais de ajuda aos pobres ou de mercado sabotadora de potencialidades
reorganiza-se a política de cotas nas pessoais.
universidades. Acompanhando as discussões sobre
No Brasil, a ação afirmativa é entendida identidades, Graça Capinha, em seu ensaio “A
como sistema de cotas impostas, identificadas poesia dos emigrantes portugueses no Brasil:
como discriminação invertida ou, pelos ficções críveis no campo da(s) identidade(s)”,
simpatizantes, discriminação positiva. Enquanto analisa poemas escritos por emigrantes
nos Estados Unidos a ação afirmativa está quase por tugueses no Brasil, procurando as
destruída pelas políticas econômicas que ambigüidades e contradições de identidades
promovem a privatização, no Brasil tem sido que se dão no confronto entre inclusão e
proposta pelos setores que apóiam o exclusão, assimilação e resistência, dominante e
neoliberalismo. No Brasil, segundo Gillian, esse dominado, num processo de diferenciação entre
programa se coloca como um paliativo o “nós”e o “eles”, colonizador e colonizado. Dessa
imperfeito e problemático que é oferecido pelo forma, a identidade portuguesa articula-se nas
Estado-nação. Trazendo ao lume as identidades fronteiras étnicas, num espaço materializado pela
étnicas e suas relações e associações com as língua escrita, sob a forma de poemas.
identidades de gênero, Ângela Gillian discute a Reforçando um passado em comum em
persistência, na atualidade, de conceitos raciais detrimento do colonialismo, falando ora de
e de classe que exprimem preconceitos e irmandade, ora de identidade luso-brasileira,
pressupostos de “miscigenação”, historicamente esses imigrantes tecem estratégias de
ligados, por Gilberto Freyre, à formação racial do sobrevivência que os jogam entre o desejo de
Brasil no período colonial. Segundo Ângela Gillian, assimilação e a resistência cultural. Essas
a narrativa sexual, vista em Gilberto Freyre, diferentes perspectivas variam conforme o “lugar”
persiste no padrão histórico da mistura racial. de onde falam: “tornou-se claro, não só nas
Assim, definir-se pela pele “morena”, “mulata” ou referências à questão da discriminação nas
“negra”, hoje, traz uma questão de debate sobre entrevistas e poemas, como no número de poetas
militância, subalternidade ou servilismo sexual. emigrantes a escrever, que existem diferenças
Nesse contexto de sexualidade racial fundamentais entre o tecido étnico de São Paulo,
hierarquizada, “há uma erotização da do Rio e de Salvador, e que essas diferenças se
desigualdade estrutural entre os homens da elite fundem com a questão de classe quando se trata
e as mulheres subalternas que sobrevive”. 3 de identificar o ‘português’”.4 Segundo ela, em
Considerando historicamente a violência racial São Paulo, onde há maior número de outros
e sexual como pináculos de uma cultura social, grupos étnicos europeus, maior é o número de
feitorial e hierárquica, que sobrevive no Brasil, imigrantes portugueses a escrever, e foi
Ângela Gillian nos leva a pensar as formas de se precisamente onde mais a questão da
negar a ser “objeto”, se negar a ser transformado discriminação e da resistência se colocou. Já no
em “mercadoria descartável”, diante das Rio de Janeiro, Graça Capinha encontrou uma
possíveis disputas raciais, étnicas ou de gênero situação que chama de intermediária, pois o
fomentadas por políticas econômicas de tecido social é claramente de descendência
mercados globalizados. Segundo ela, o processo portuguesa. Não houve de forma tão explícita,
de construção da identidade, para negros e quanto em São Paulo, a referência às
mulheres, está na luta pela cidadania plena, no discriminações ou à necessidade de resistir.
esforço pelo reconhecimento da pluralidade e Houve, no entanto, manifestações de um grande
na legitimação do direito e exercício da sentimento de vergonha. O emigrante sente que
liberdade. Tanto no Brasil quanto nos Estados a situação econômica atual não faz jus a sua
Unidos, há a incapacidade das elites de perceber memória de Portugal como centro. Ao mesmo
o racismo na perspectiva daqueles que o sofrem, tempo, revela medo de que o “outro”, sabendo
o que acarreta políticas sociais que aprisionam desta situação, encontre condições de legitimar
os indivíduos em malhas restritoras de raça, classe discriminações de pobreza e ignorância contra
e diferença sexual. Negar as diferenças é, ele. Fica facilmente perceptível aqui o espaço
segundo percebo, uma forma de tornar invisíveis étnico enquanto possibilitador de confronto
e mascarados os preconceitos e discriminações cultural e, conseqüentemente, espaço de

ANO 9 616 2º SEMESTRE 2001


“formação” de identidades. Na Bahia, entretanto, nesse sentido que a autora busca “sublinhar –
não há produção poética dos imigrantes quanto à transnacionalidade e ao conceito de
portugueses que justifique uma referência. Assim, estrangeiro – o fato de, na multiplicidade de
Graça Capinha estipula que a afirmação da trânsitos, se vir a selecionar ou reler construtos
identidade portuguesa, na Bahia, faz-se culturais de experiências nacionais”.5 As releituras
precisamente pela ausência dessa afirmação. e seleções dariam, segundo a autora, subsídios
Isso faz sentido quando pensamos que o discurso para lidar com poderes, assimetrias e
de identidade não se constrói sozinho, dentro discriminações. Assim, Mary Castro nos leva numa
apenas do grupo, pois as identidades definem- viagem onde o desejo de “ser” pode prevalecer
se nas fronteiras étnicas, no embate cultural entre sobre noções homogeneizadoras de
os grupos. Essas fronteiras não são estáticas e sim experiências. Crítica, ela fica incomodada com
dinâmicas, e a dinamicidade é dada pela autores que buscam “enquadrar” os indivíduos
característica relacional da etnicidade. em padrões de identidade e representação pré-
Graça Capinha aponta que a construção codificados e já aceitos dentro das noções de
identitária, quando resultado de interseção entre “razão” da modernidade. Esses autores, agindo
duas línguas e culturas, será sempre múltipla e assim, negam os impulsos do desejo e diferentes
plural. Da mesma forma múltiplas e plurais, as configurações dos processos de singularização.
falas poéticas dos imigrantes trazem no bojo o Negam-se, dessa forma, a ver que as
que são e o que foram, numa duplicidade possibilidades de “norte” são muitas, permitindo
identitária entre os dois tempos (passado e a existência de maneiras de recusar modos de
presente) e os dois espaços (Portugal e Brasil). codificação preestabelecidos. Partindo desse
Segundo ela, o espaço local é transnacionalizado ponto, Mary Castro reflete que, no que se refere
e é nesse sentido que o passado torna-se às especificidades culturais, conceitos como
presente. “cultura global”, “cultura mundo” e “cultura
Assim, nesse campo discursivo que é o mundializada”, apesar de úteis para as
poema, não se encontra “uma identidade”, mas discussões sobre culturalismo, não dão conta da
sim mutáveis “configurações identitárias”. Logo, criatividade de sentidos e singularidades no
em maior ou menor grau, variando conforme o processo de relações globais, nem das tensões
ajustamento ou embate com outros grupos entre identidades impostas em relações de
imigrantes e seus posicionamentos dentro do subalternidade ou da angústia do trânsito nas
contexto social local, os imigrantes portugueses fronteiras e margens, em processos de
escreveram sobre suas saudades, medos e “desidentidades” ou “não-identidades”. Dessa
esperanças e deixaram entrever os paradoxos e forma, o “não-lugar”, percebido como espaço
dualidades de suas identidades na terra de de identidades fronteiriças e/ou marginais,
imigração. permite a reanálise do “lugar”. Dentro desse
Como último artigo, temos “Transidentidades contexto de possibilidades de subjetivações,
no local globalizado. Não-identidades, margens identitárias ou não, que escapam do controle
e fronteiras: vozes de mulheres latinas nos E.U.A.”, enquadrador de uma cultura racional e
de Mary Garcia Castro. Partindo de trabalhos de homogenizadora, essas mulheres latinas sugerem
escritoras mexicanas, chicanas e porto-riquenhas que se repensem os processos de exclusão
que moram nos Estados Unidos, Mary Castro em econômica ou cultural, para impedir que as
“Transidentidades.....”examina espaço de trânsito inclusões sejam sempre seletivas quanto a sujeitos
entre fronteiras identitárias. Através de seu não- e identidades. Dentro disso, a autora busca fazer
lugar, de mulher em mundo de homem, de cor reflexões críticas à tendência, em certos
escura em espaço branco, de nação movimentos sociais, como o movimento negro e
transterritorializada, essas escritoras permitem que o feminismo, de se fixar em identidades.
se vislumbrem as não-identidades, as O que podemos, por fim, observar no
transidentidades, margens e fronteiras da conjunto de Identidades: estudos de cultura e
identidade. A partir delas, Mary Castro percebe poder é a preocupação com a discussão não
as reconfigurações de identidade na terra de só das identidades, seus significados e embates
imigração. O ser estrangeiro permite que se fronteiriços, mas também das desidentidades, os
repensem, diante do outro e da terra do outro, não-lugares, as múltiplas e possíveis formulações
diferentes representações de raça, de identidades, entre fronteiras de gênero, classe,
nacionalidade, etnicidade e diferença sexual. É raça e nação. Tudo isso margeado por um

ESTUDOS FEMINISTAS 617 2/2001


contexto de Estados-nação, transnacionais ou 1
FELDMAN-BIANCO, Bela e CAPINHA, Graça (Orgs).
não, devidamente hierarquizados no sistema Identidades: estudos de cultura e poder. São Paulo:
econômico global. No mais, é evidente a Hucitec, 2000. p. 13.
2
SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção
preocupação com a dignidade humana em suas
multicultural de direitos humanos. In: FELDMAN-BIANCO,
multifacetadas possibilidades, e é apontada
Bela e CAPINHA, Graça (Orgs). Identidades: estudos de
como uma possível margem de apoio uma cultura e poder. São Paulo: Hucitec, 2000. p.22
política multicultural de direitos humanos. Além 3
GILLIAN, Ângela. Globalização, identidade e os
disso, esta obra permite que repensemos certos ataques à igualdade nos Estados Unidos: esboço de
conceitos e políticas sociais criados e sustentados uma perspectiva para o Brasil. In: FELDMAN-BIANCO, Bela
por outras nações dentro de seus contextos de e CAPINHA, Graça (Orgs). Identidades: estudos de
história e cultura, que muitas vezes são importados cultura e poder. São Paulo: Hucitec, 2000. p. 97.
e ajustados às nossas necessidades, mas não nos
4
CAPINHA, Graça. A poesia dos emigrantes portugueses
no Brasil: ficções críveis no campo da(s) identidade(s).
explicam nem nos ajudam a explicar nada, pois
In: FELDMAN-BIANCO, Bela e CAPINHA, Graça (Orgs).
não se adaptam às nossas especificidades
Identidades: estudos de cultura e poder. São Paulo:
culturais. Identidades...... caracteriza-se assim Hucitec, 2000. p. 119.
como uma obra que se abre para a discussão 5
CASTRO, Mary Garcia. Transidentidades no local
dos significados e limites da política identitária, globalizado. Não-identidades, margens e fronteiras:
numa postura contra-hegemônica das vozes de mulheres latinas nos E.U.A. In: FELDMAN-BIANCO,
possibilidades de “ser” na atualidade. Bela e CAPINHA, Graça (Orgs). Identidades: estudos de
cultura e poder. São Paulo: Hucitec, 2000. p. 152.

LILIANE EDIRA FERREIRA CARVALHO

Feminismo e psicanálise, ainda...


questões. Primeiro, o recurso à categoria mulher
Para além do falo: uma crítica a nas formas essencializadas que o conceito e os
Lacan do ponto de vista da estudos de gênero vêm discutindo e
mulher complexificando há pelo menos duas décadas
(e a Rosa dos Tempos não esteve alheia a esta
BRENNAN, Teresa (Org.). ebulição, já que se constituiu neste campo e para
ele tem contribuído, trazendo a público
Rio de Janeiro: Record/Rosa dos numerosas obras). Além disso, a ênfase na
Tempos, 1997. (Coleção Gênero, v. 4). oposição entre psicanálise e estudos feministas,
360 p. com um caráter linear e definitivo, o que os
próprios textos desta coletânea se encarregam
de desmentir.
Estas questões não são novas. Já haviam
Inicialmente, ressaltaria a importância da ocorrido com a edição, em 1990, do livro da
tradução desta coletânea pela Editora Rosa dos americana Nancy Chodorow, com o título original
Tempos, aproximando-nos de autoras que são The Reproduction of Mothering: Psychoanalysis
pouco traduzidas no Brasil. São textos densos, and the Sociology of Gender, traduzido pela Rosa
reveladores dos níveis de aprofundamento dos Tempos como Psicanálise da Maternidade:
teórico que marcam, nos países europeus, as uma crítica a Freud a partir da mulher.
trocas fecundas e não isentas de tensões, entre Será que este apelo a uma tensão
estudos feministas e psicanálise. irreconciliável, uma clivagem entre psicanálise e
A tradução brasileira do título original da feminismo promove a venda de livros? Penso que,
edição inglesa Between Feminism and ao contrário, o encontro (tenso e fértil) entre os
Psychoanalysis, no entanto, coloca-nos algumas campos atingiria um público mais amplo de

ANO 9 618 2º SEMESTRE 2001


feministas ou de psicanalistas que usualmente Áustria invadida pelos nazistas, o país de Ernest
não estão voltados para as discussões sobre Jones, seu biógrafo, de Robert Strachey, tradutor,
gênero. comentador e editor de sua obra em inglês,
Quem é esta “mulher” com um ponto de língua a partir da qual ela se difundiu para
vista homogêneo que critica Freud (no subtítulo inúmeras outras línguas. País de Melanie Klein,
de Chodorow) e Lacan (no desta coletânea), cuja contribuição à teoria e à clínica
jogando fora a criança com a água do banho? psicanalíticas foi de extrema importância e
Certamente, para a editora, é brasileira, já que levantou temas fundamentais para as teorias
as feministas européias e americanas estão feministas, nas discussões sobre a fase pré-
discutindo séria e profundamente os encontros e edipiana e a ênfase no papel da relação mãe–
oposições entre psicanálise e feminismo, há várias filho no desenvolvimento emocional da criança.
décadas, conforme este livro vem demonstrar. Os seminários se realizaram em diálogo com
A coletânea teve por base uma série de psicanalistas feministas da França, país de
quinze seminários realizados na Universidade de Jacques Lacan, o teórico do retorno a Freud pela
Cambridge, no King’s College e na faculdade de releitura de sua obra à luz dos avanços da ciência
Ciências Sociais e Políticas, entre janeiro e julho lingüística, e cuja contribuição à teoria e à prática
de 1987, conforme explicita Teresa Brennan em psicanalíticas tem sido responsável pelo diálogo
seu prefácio, acrescentando que as mulheres da psicanálise com os paradigmas e movimentos
que os apresentaram, provenientes da Índia, dos das últimas décadas e da virada do século.
Estados Unidos, da França e da própria Inglaterra, Destes seminários emergem as figuras de
identificadas com posições distintas e muitas psicanalistas cujas teorizações se fazem no
vezes opostas, eram principalmente teóricas da encontro entre psicanálise e feminismo. A
literatura (apenas duas tendo antecedentes nas importância da edição desta coletânea está
ciências sociais). Informando sobre as questões justamente aí, onde se discutem e aprofundam
em torno das quais se fizeram os debates, a os olhares sobre as obras de autoras, como as
organizadora dos seminários e da coletânea francesas, pouco traduzidas entre nós, pelo
ressalta como ponto comum entre psicanálise e menos nos textos que dialogam com o feminismo
feminismo, a preocupação com a transformação (o caso de Júlia Kristeva, por exemplo). Assim, os
social. seminários destacam as contribuições de Luce
A introdução do livro, escrita também por Irigaray, que deles também participou, de Hélène
Brennan, tem partes distintas. Nas páginas iniciais Cisoux e Júlia Kristeva, pela França, de Juliet
e no item “Os textos” (p. 27 a 36), em que produz Mitchell e Jacqueline Rose pela Inglaterra. Se as
a resenha perfeita da coletânea, ela apresenta francesas se destacam por sua oposição a
os artigos, caracterizando-os de forma sucinta, Lacan, quando se trata de pensar sobre a
contextualizando -os nas seis partes que feminilidade em relação ao significante fálico,
compõem a estrutura do livro, cada uma Mitchell e Rose destacam as contribuições da
contendo dois ou três textos articulados em torno psicanálise freudo-lacaniana ao pensamento
dos temas privilegiados nos seminários. feminista (não contra ele).
Enfatizando que a psicanálise é uma As autoras que participaram dos seminários
entidade inteiramente política, a autora ensina discutiram especialmente as contribuições de
que “o livro se refere a quatro questões que uma nova geração de psicanalistas, pós-
ficaram estagnadas no pensamento psicanalítico lacanianas, às teorias feministas. Foi lembrada
feminista: o estatuto do ‘simbólico’ lacaniano, a também a americana Nancy Chodorow,
diferença e o conhecimento sexuais, influência naturalmente a mais conhecida entre nós, via
do essencialismo sobre a política feminista e a influência dos Estados Unidos sobre nosso sistema
relação entre a realidade psíquica e o social” (p. acadêmico, a partir dos anos 60. Acredito, no
entanto, que a articulista Toril Moi conseguiu
10). Questões cujas reflexões, no seu entender,
definir bem a importância relativa de Chodorow
levam a um impasse por terem sido ignorados
com respeito à psicanálise kleiniana das relações
seus contextos político ou psicanalítico. É disso
de objeto, com a qual ela costuma ser
que ela vai tratar na outra parte de seu artigo, identificada, quando a caracterizou como mais
referenciando-se fortemente nas demais autoras próxima das psicologias do ego americanas,
da coletânea. versões da psicanálise que Lacan coloca fora do
Estes encontros ocorreram na Inglaterra, campo freudiano, na medida em que minimizam
país que acolheu Freud, quando precisou sair da a concepção de inconsciente.

ESTUDOS FEMINISTAS 619 2/2001


No primeiro capítulo da coletânea Jane entender, desdobrou os sentidos dos conceitos
Gallop, professora de língua inglesa na para além de Freud, reivindicando a releitura do
Universidade de Wisconsin, estranha a parceria autor?
entre feminismo e psicanálise lacaniana, através Nos capítulos seguintes, as autoras tratam
da crítica aos escritos psicanalíticos de Juliet de aspectos da história institucional das relações
Mitchell. Autora, entre outros livros, de Feminism entre feminismo e psicanálise.
and Psychoanalysis: the daughter’s seduction e Lisa Jardine, autora de vários livros sobre
Reading Lacan, ela esclarece que seu artigo se filosofia da ciência e mulher e literatura,
constitui numa versão revista de Juliet Mitchell e professora visitante em Cambridge, fala da
as “ciências humanas”, que seria publicado em aceitação da teoria psicanalítica feminista nas
um volume intitulado Lacan and the Human universidades, o que, no entanto, não se fez
Sciences. acompanhar de qualquer alteração nas relações
Gallop traça o percurso de Mitchell, do de poder entre homens e mulheres nas
marxismo a Althusser e deste a Lacan. administrações institucionais. Ela reflete sobre a
Comentando vários textos da autora, Gallop autorização das falas femininas e masculinas nas
ressalta os dilemas com os quais ela se debate: instituições analisando um trecho de Deus e o
natureza x cultura, humano x biológico. gozo da mulher, do Livro 20 d’O Seminário de
Analisando a forma como Mitchell utiliza o termo Lacan (p. 99-101, na edição brasileira da Jorge
histórico adjetivando invariavelmente o simbólico Zahar), em que o autor fala da mulher não toda
lacaniano, Gallop procura demonstrar que são e sua “juissance” suplementar, “um gozo para
as questões da autora, como feminista marxista além do falo”, do qual, por mais que se lhes
procurando juntar feminismo e psicanálise nos suplique (às psicanalistas mulheres), elas nada
anos 60, que orientam sua leitura particular de têm a dizer.
Lacan. Este artigo é de muito interesse, já que Jardine contrapõe este discurso de Lacan,
Mitchell é uma das psicanalistas feministas que classifica como pedagógico, “o discurso da
traduzidas no Brasil (Interlivros, de Belo Horizonte, autoridade, a hierarquia da instituição
1979, e Campus, Rio de Janeiro, 1988). acadêmica” (p. 93), ao de “Speculum, l’autre
O artigo de Rachel Bowlby, autora de livros femme”, de Luce Irigaray, em que esta abandona
e conferencista de língua inglesa na Universidade Lacan e começa a produzir seu modelo teórico
de Essex, refere-se às dificuldades das traduções de um imaginário feminino alternativo. A articulista
de teorias. Analisa a difícil relação entre feminismo reconhece que este discurso dentro do discurso
e psicanálise na Inglaterra como marcada pela psicanalítico tem a capacidade de nele se
reinterpretação, na tradução para o inglês, dos introduzir para desancorar o discurso masculino
da teoria, deslocando seu falocentrismo. Neste
termos com que Freud teorizou a questão da
sentido, é um discurso político, desestabilizador.
feminilidade, os enigmas e negações do feminino,
A autora, no entanto, refere-se ao desconforto
em especial o repúdio ao feminino.
que ele causou a ela e a muitas feministas, pela
Bowlby, fazendo analogia com a tríplice
reintrodução de partes do corpo feminino no
encruzilhada que se antepõe entre a menina e a
discurso, quando o corpo tem sido
feminilidade, retoma os diferentes termos
tradicionalmente identificado pelo feminismo
utilizados por Freud (verwerfen, ablehnen e como o lugar da opressão das mulheres.
weisen), traduzidos por Strachey como repúdio, Alice Jardine, professora de línguas e
apenas. Fala do repúdio das feministas inglesas literaturas românicas na Universidade de Harvard,
à psicanálise, as acusações de parte a parte autora e editora de livros sobre feminismo, reflete
sobre quem está do lado do masculino sobre a psicanálise na universidade e, em sua
(patriarcal) e quem faz o resgate do feminino, condição de feminista ensinando na academia,
repetindo, como numa relação/ruptura amorosa, sobre a prática de duas gerações de professoras,
quem exerce o direito jurídico (masculino) de explícita e politicamente feministas, na instituição
repudiar o outro (a mulher). Voltando à tradução acadêmica (as doutoradas entre 1968 e 1978 e
de Freud, a autora se pergunta qual é realmente as doutoradas após 1978). Comparando-as com
o usurpador: Strachey, que, talvez por as primeiras psicanalistas, ela analisa o percurso
ingenuidade e não por incompetência, unificou, percorrido pelas mulheres, da voz à escrita, do
simplificando e radicalizando, os termos privado ao público, estabelecendo analogia
empregados pelo autor, ou Lacan, que, no seu destes com o fetichismo e a paranóia.

ANO 9 620 2º SEMESTRE 2001


A autora compara as duas gerações de abra mão do jogo de representação da mulher,
feministas psicanalistas da academia às três ou da ligação entre o simbólico, ou discursivo e
gerações de psicanalistas referidas por Júlia o corporal, ou material (p. 140).
Kristeva em Les temps des femmes. Enquanto as Margaret Whitford, conferencista sobre
primeiras gerações de feministas e psicanalistas língua francesa no Queen Mary College, em
acadêmicas combinavam sedução e resistência Londres, autora e editora de livros sobre filosofia
aos discursos feminista e psicanalista, as e feminismo, propõe uma releitura de Luce
segundas gerações pareciam fazer plena Irigaray. Analisando as críticas e leituras da
transferência com os dois discursos. Enquanto as feminista psicanalista francesa por feministas
primeiras gerações se enquadravam na radicais e feministas psicanalistas de língua
categoria de mulheres que postulavam um lugar inglesa, a autora argumenta que estas não dão
na história linear, ou daquelas que afirmavam um conta da complexidade das concepções da
tempo diferente para as mulheres, fora da história francesa. Whitford sintetiza as críticas a ela em
dos homens, as mulheres da segunda geração dois grandes grupos: o primeiro ressalta que
lutavam por um lugar na história masculina, Irigaray é uma essencialista biológica que
apenas para afirmar suas diferenças singulares proclama uma feminilidade constituída pela
e radicais, procurando confundir público e biologia; o outro grupo é formado pelas críticas
privado. Ela acredita que, cruzando as gerações, de psicanalistas lacanianas que a acusam de
as mulheres feministas possam livrar-se da essencialista psíquica, que distorce as
paranóia e seus públicos, do fetichismo e seus implicações da teoria de Lacan.
privados e, ainda, do próprio conceito de A articulista ressalta a erudição filosófica dos
geração. escritos de Irigaray, o que em certas
Iniciando as partes da coletânea intituladas circunstâncias tem alimentado as críticas contra
“Por outro simbólico”, as primeiras autoras ela, procurando esclarecer em que consiste seu
discutem “A coisa essencial”. Rosi Braidotti, projeto. Analisa diferentes textos da autora para
professora de estudos da mulher na Universidade contra-argumentar com seus críticos de língua
de Utrecht, chama a atenção para o conceito inglesa. Whitford afirma que a escrita de Irigaray,
de diferença que tem ocupado a agenda jamais simples ou livre de contradições, contribui
ocidental desde Nietzsche e Freud, minando a para os entendimentos distorcidos de suas idéias.
concepção de sujeito conhecedor, derivada do Contra as leituras que considera equivocadas da
homem da razão. Ela se refere à psicanálise como autora, ela ressalta que a reafirmação da
teoria que representa a mudança histórica que diferença anterior ao Édipo entre homens e
abre a modernidade para a crise da visão mulheres, a recuperação da centralidade da
clássica do sujeito e para a proliferação das relação mãe/filha como base da diferença, não
imagens do outro como signo da diferença. torna Irigaray uma essencialista biológica linear.
Analisa psicanálise e feminismo nos seus Whitford entende que a argumentação da
encontros e discordâncias, refletindo sobre as autora, quando caracteriza a relação mãe/filha
concepções de sujeito, diferença, identidade, como não simbolizada, é uma argumentação
subjetividade, sexo, gênero. construída sobre o simbólico, postulando por um
Considerando mulher e feminismo como simbólico feminino e um imaginário feminino.
metáforas privilegiadas da diferença e da crise Lembra que Irigaray não é uma pré-lacaniana,
dos valores racionais masculinos, Braidotti idealiza mas uma pós-lacaniana que se confronta com
uma ontologia feminista, em que as mulheres se as implicações da obra de Lacan, ressaltando
responsabilizem por todas as definições que têm que a ordem simbólica está amarrada a uma
sido feitas sobre a mulher como essência histórica estrutura metafísica masculina, fundada num
(p. 140). A autora retoma a questão do corpo e imaginário masculino, que precisaria ser
do essencialismo, reportando-se a Irigaray e seu subvertida.
projeto de um simbólico feminino. Tomando o Pelos argumentos de Whitford sobre ela,
essencialismo como uma diferença e afirmando pode-se entender que o projeto de Irigaray se
que “a mulher teórica feminista que está desenvolve no sentido de buscar um significante
interessada em pensar sobre a diferença sexual feminino que represente a mulher na ordem do
e o feminismo hoje não pode se dar ao luxo de simbólico. Exatamente o que sugere Lacan com
não ser uma essencialista” (p. 128), ela se o axioma “A mulher não existe”, ressaltando que
posiciona por um outro essencialismo, que não não há um significante simbólico que represente

ESTUDOS FEMINISTAS 621 2/2001


a mulher, já que ela se diferencia, como o pública do patriarcado, ou pela criação de uma
homem, em torno do significante masculino, o outra linguagem, que não alcança hegemonia,
falo. mantendo-se às margens, estranhada. Wright
Luce Irigaray, psicanalista praticante, defende a construção de um espaço para a
pesquisadora e autora de muitos livros, foi a mulher entre estas fronteiras, no contexto pós-
feminista francesa convidada para os seminários moderno.
que resultaram nesta coletânea. Seu artigo Ressaltando estar, em sua investigação
procura recuperar a importância do gesto na crítica da psicanálise, do feminismo e do pós-
cena psicanalítica, obliterada pela importância modernismo, “interessada em revelar os
atribuída à linguagem verbal. Voltando à famosa fundamentos incertos de qualquer sistema
cena do fort-da, analisada por Freud (e revista idealista que se considere baseado em dados
por Lacan, por Derrida), em que seu neto Ernest, ontológicos” (p. 190), Wright sustenta que a crítica
brincando com um carretel preso a uma linha, feminista oferece a instância mais clara e visível
procura lidar com a ausência da mãe, das dificuldades de tentar subverter ou reformar,
acompanhando os gestos de lançar e puxar o a partir de dentro, qualquer sistema. Assinala, no
carretel com os sons fort-da (longe-perto, lá-ici entanto, a importância, para a pesquisa crítica,
em francês), Irigaray reflete sobre estes sons, suas de poder manter-se aberta a tal subversão. A
diferenças no alemão e no francês, onde se autora ressalta que a crítica literária, que
produzem na boca, no palato, onde se prendem enfrentou a ortodoxia na instituição psicanalítica,
ou se soltam – nos lábios, atrás dos dentes, os foi o campo onde floresceu a psicanálise-pelo-
sons que se projetam, aqueles que se incorporam. feminismo, tornando a psicanálise mais política
Retoma a significação dos gestos de mãos e do que já era para algumas feministas. A crítica
braços de Ernest para lançar e trazer de volta literária deu às mulheres acesso ao discurso como
seu carretel e procura diferenciar os gestos de escritoras e como críticas, o que elas não haviam
meninos e meninas diante da ausência da mãe. logrado obter na psicanálise ou na política. Wright
Ressalta o fato de que Ernest era menino para destaca, na relação entre psicanálise e gênero,
argumentar que a criança do fort-da não o fato de esta ter oferecido ao feminismo os
poderia ser uma menina. instrumentos conceituais para demonstrar que o
Relembrando gestos femininos na análise e gênero é simbólico e não biológico, ao mesmo
em análises de meninas, a autora descreve tempo em que, paradoxalmente, construía a
possibilidades gestuais de as meninas lidarem mulher em torno do símbolo fálico. Afirmando
com a ausência da mãe (sem o controle do dever-se à teoria e à prática do lapso de
objeto externo) e postula uma diferenciação linguagem causado pelo desejo inconsciente o
sexual anterior ao Édipo, que se revelaria em fato de as feministas continuarem a abraçar Freud
outros sons, em cantilenas com os lábios e Lacan, a articulista discute algumas críticas de
fechados, e outros gestos, circulares, centrados feministas inglesas a Lacan. Através da leitura de
em si. Na parte final de seu artigo Irigaray Toril Moi, ela retoma Júlia Kristeva, centrando-se
compara Dora e Schreber, “o casal das origens na questão pré-edipiana da relação da criança
da prática analítica” (p. 184), seus gestos, com a mãe e na escritura desta relação. Cita
movimentos, palavras, para defender sua Suleiman, que, apontando para o fato de as
concepção de uma diferença sexual desde mães serem escritas, ao invés de escreverem,
sempre – sua concepção de que a criança solicita mais informações das próprias mães,
psicanalítica não é neutra, diante de uma através de diários, ensaios, etc., instando-as a
diferenciação que se irá produzir em um falarem sobre si e suas relações com os filhos,
momento estruturante posterior. desconstruindo assim, talvez, o arcabouço
Nos capítulos seguintes, com subtítulo “Para patriarcal que harmoniza a mulher com este
além do falo”, temos mais três autoras. Elizabeth lugar-tarefa da maternagem.
Wright, conferencista e visitante de língua alemã Wright discute o percurso do feminismo que,
em Cambridge, analisa a relação entre adotando a psicanálise, encampa o pós-
feminismo e psicanálise concentrando-se na modernismo, ambos interessados em estender
crítica feminista, para a qual a questão fronteiras para além das oposições binárias.
fundamental é como dar à mulher acesso ao Discutindo a intersecção entre feminismo e pós-
discurso: através da submissão à linguagem modernismo, o primeiro oferecendo ao segundo

ANO 9 622 2º SEMESTRE 2001


uma política aos campos literário e artístico, Wright vários textos de Cisoux, Schiach procura mostrar
procura destacar as principais linhas do debate de que modo e até que ponto a autora interroga
sobre o pós-modernismo, desde diferentes os conhecimentos que estruturam as identidades
posições, que analisa pela referência a vários e as relações sociais femininas. Em sua opinião,
autores/as. Ela reflete também sobre o até os excessos de Cisoux, que se encontram e
rompimento das fronteiras dos discursos, são perpetuados nos textos filosóficos e de ficção,
comentando a prática de uma escrita pós- devem ser compreendidos como parte de seu
feminista de escritoras influenciadas por Lacan, compromisso de minar as representações da
como Kristeva e Hélène Cisoux. Ressaltando que “mulher”.
“o feminismo examina os processos pelos quais O argumento de Schiach é que os textos
se concede, ou se recusa, o acesso da mulher em que a autora francesa analisa a obra de
ao discurso, e ao mesmo tempo inaugura um Clarice Lispector, como também suas peças de
novo modo de pensar, escrever, falar” (p. 201) e teatro, não devem ser lidos somente como parte
as críticas feministas oferecem, junto com leituras da construção de uma estética feminina, mas
subversivas de textos tradicionais e modernos, um devem ser colocados no contexto de um conjunto
contínuo desafio às estruturas de poder de problemas teóricos sobre a natureza da
dominantes com suas alegações de diferença (questão melhor articulada, segundo
imparcialidade, a autora destaca que não há Schiach, na obra de Derrida). Tomando o gênero
nada de imparcial sob o sol, nem o próprio como um termo estruturante, na opressão oficial
discurso feminista, que prospera com suas e simbólica, Cisoux tenta desenvolver uma prática
diferenças internas (e por elas). de escrita para as e em benefício das mulheres,
O artigo escrito por Morag Schiach, já que é na escrita que ela vislumbra a
conferencista sobre língua inglesa no Queen Mary possibilidade de transformação.
College, autora de livros, um dos quais sobre No último capítulo destas considerações
Hélène Cisoux, tem como título uma citação desta “Por um outro simbólico”, Naomi Segal, professora
autora, tirada de seu texto “A risada da Medusa”: de línguas modernas no St. John’s College,
“O ‘simbólico’ deles existe, detém poder – nós, as Cambridge, autora de livros sobre filosofia,
semeadoras da desordem, o conhecemos bem literatura e psicanálise, parte da interpretação
demais”. do mito de Narciso centrando-se na figura e no
Schiach analisa a obra de Cisoux, de quem papel de Eco na narrativa, para analisar algumas
é tradutora para o inglês. Em seu entender, os obras do récit confessional francês dos séculos
escritos desta autora permitem “analisar o que XVIII e XIX. Todos textos escritos por homens, sobre
definimos como teoria feminista ou crítica homens e, por implicação, segundo a autora,
feminista e considerar as implicações de uma para homens.
prática teórica que começa com uma política Segal ressalta como uma das semelhanças
articulada” (p. 205) já que o feminismo é um termo entre os textos, na narrativa da vida fracassada
político, um questionamento do poder e da do protagonista, o fato de a mulher central, um
possibilidade de mudança. Para Schiach, tanto mais velha que ele, servir de foco às
recorrendo aos termos da psicanálise, Cisoux está temáticas da morte da mãe no parto e do desejo
constantemente minando-os. O simbólico é incestuoso. Narrativas em que as mulheres são
descrito como o simbólico “deles”, um conceito faladas pelos homens (narradores, protagonistas,
do qual as mulheres deveriam distanciar-se, na leitores) e lhes servem de espelho. Narrativas em
possibilidade de articularem um novo simbólico, que, para que eles possam emergir ao simbólico
“nosso”. Para a autora, Cisoux equacionou o do pai, elas precisam ser abandonadas e mortas.
poder com o simbólico, equação que nem todos De acordo com Segal, “essa manobra coloca em
aceitariam, mas fundamental para a escrita da cena uma epistemofilia na qual o conhecimento
francesa, para quem “a organização da dele é buscado a expensas do dela” (p. 230). É
linguagem, os duplos conjuntos hierarquizados este o destino da maioria das mulheres nos récits
de oposição que estruturam o pensamento analisados. Mas, mortas as mulheres, os
filosófico e a linguagem narrativa, é o que produz protagonistas ficam sem o eco, o espelho que os
o fundamento lógico para, e os meios de, oprimir sustenta e os torna visíveis para si próprios. Para
a mulher” (p. 207). Poder ao qual ela antepõe a a autora, a morte dos homens em conseqüência
possibilidade de recusa e desordem. Analisando de seu narcisismo aponta para uma alternativa,

ESTUDOS FEMINISTAS 623 2/2001


uma leitura própria de mulheres, uma medida em que possa abandonar qualquer
comunicação entre mulheres, segundo uma aspiração de lograr a um fechamento mágico,
outra epistemologia. imaginário. Esta autora relaciona o método clínico
A quinta parte da coletânea, intitulada de análise com uma nova forma de
“Razão e revolução”, é composta por dois artigos. conhecimento, que estabelece uma relação
No primeiro, Toril Moi, residindo na Inglaterra e diferente entre sujeito e objeto, não simplesmente
lecionando literatura na Noruega e nos Estados invertendo a relação, mas subvertendo-a,
Unidos, autora e editora de livros sobre feminismo ligando os dois pólos, tornando-os dependentes
e literatura, escreve sobre “Pensamento patriarcal na situação de análise, introduzindo aí um novo
e a pulsão do conhecimento”. Analisa a termo – o inconsciente que, como Lacan ressalta,
produção de autoras como Evelyn Fox Keller e não está só do lado do analisando, mas também
Susan Bordo, em suas críticas a Descartes e à do analista, um ponto de encontro lingüístico,
filosofia e humanidades em geral. Keller classifica significativo, que circula.
a ciência como uma ideologia que divide o Para superar a separação entre razão e
mundo em duas partes, a que conhece (mente) emoção, em que incorre a própria Keller quando
e a que é conhecida (natureza), dividindo sujeito critica, através de Descartes, a filosofia ocidental,
e objeto e atribuindo gêneros às partes Toi utiliza a concepção freudiana de
dicotomizadas. Segundo T. Moi, Keller se epistemofilia, ou pulsão do conhecimento, como
fundamenta nas idéias de Chodorow sobre o possibilidade de resposta ao feminismo, no
desenvolvimento das estruturas da personalidade sentido em que desloca os dualismos razão/
masculina e feminina para refletir sobre a ciência emoção, mente/corpo. Argumenta que, usando
masculina. Apontando esta inspiração comum esta concepção, Freud destaca a implicação do
entre Keller e Bordo, a autora as coloca, com corpo, da sexualidade, em qualquer atividade
Chodorow e Gilligan, como “expoentes de uma humana e na própria sublimação. Conforme
variedade psicossocial do feminismo da explicita, Toi pensa que uma filosofia da ciência
diferença” (p. 256), denunciando, em suas feminista e antiessencialista tem mais a ganhar
posições, um essencialismo ao contrário – com Freud e Lacan do que com as psicologias
culturalista. do ego americanas (p. 273).
Comentando os escritos de Michelle le Gayatri C. Spivak, autora de livros e artigos
Doeuff sobre conhecimento, feminismo e sobre feminismo, desconstrução e crítica ao
feminilidade, destaca a crítica desta autora à imperialismo, professora de língua inglesa na
filosofia (ciência masculina) que, Universidade de Pittsburgh, é uma célebre
paradoxalmente, busca a completude, achando tradutora de Derrida para o inglês. O artigo de
possível construir uma estrutura sem falhas, Spivak inicia pelo comentário da introdução do
quando o fator que a possibilita é a falta – o que livro de Jacqueline Rose Sexuality in the Field of
falta ser pensado. Ciência patriarcal que circula Vision, em que esta rejeita Derrida como um certo
a mulher como duplamente faltante: em relação tipo de essencialista subjetivista. Spivak se
ao falo e em relação ao conhecimento. A falta percebe como defendendo um tipo de Derrida
da mulher como falta errada, sendo sempre a contra Rose defendendo um tipo de Lacan. A
de um homem e não a falta de conhecimento, questão tratada por Spivak, segundo suas
condição para a filosofia, tornando-a incapaz, palavras, não é que a desconstrução não
assim, de filosofar, de pensar racionalmente. O consiga fundar uma política, enquanto outros
pensamento racional como emblema da auto- modelos de pensamento o conseguem, mas o
suficiência narcísica masculina. A mulher como fato de a desconstrução contribuir para
símbolo da falta e da negatividade denunciar os problemas implícitos dos programas
fundamentando a própria filosofia ocidental – o políticos, ao torná-los mais visíveis. “Agir não é,
irracional, fora do discurso da razão, é o que na portanto, ignorar a desconstrução, mas sim
verdade o confirma, por contraste. A feminilidade transgredi-la ativamente sem dela abrir mão” (p.
como a sombra, o excluído, o inimigo interno que 277). Com este propósito, a autora se detém na
opera dentro da filosofia, como suporte da questão do nome mulher na filosofia de Nietzsche,
racionalidade. através da análise de Derrida e na concepção
Le Doeuff fala da importância de uma elaborada por este de différance.
ciência aberta, inacabada, capaz de refletir A respeito do sujeito feminino nos escritos
sobre sua própria relação com a exclusão, na de Rose, Spivak procura marcar a distinção entre

ANO 9 624 2º SEMESTRE 2001


epistemologia/ontologia, de um lado, e axiologia, análise feminista, que depende da existência de
do outro, o que a seu ver está confundido nas uma semi-independência psíquica em relação
críticas de Rose ao sujeito descentrado de às estruturas patriarcais.
Derrida. Discutindo várias formas de nomear Parveen Adams, conferencista sobre
mulher no projeto político do feminismo (e psicanálise de Brunel, co-fundadora e co-editora
pensando sobre as mulheres que se sentem da publicação feminista m/f, escreve um ensaio
excluídas das nomeações/representações sobre o lesbianismo sado-masoquista,
feministas), a autora aponta para a esperança, diferenciando-o do masoquismo clínico,
por trás da vontade política, de que a própria caracterizado como patológico.
possibilidade do nome possa ser finalmente De acordo com ela, no sentido de centrar-
apagada. se fora da ordem do social e familiar e recusando
Joan Copjec, editora de revista em Nova as formas de patologia feminina organizadas
York, autora de artigos e livro sobre feminismo, dentro do campo fálico, a lésbica sado-
psicanálise e cinema, inaugura a última parte da masoquista resolve seu problema de entrada no
coletânea, ainda referida à “Diferença sexual”, desejo sem qualquer coisa que possa ser
que trata do “Psíquico no social”. Preocupada caracterizada como gozo feminino. Como uma
com a questão do real, que considera subsumida sexualidade transgressora que só pode associar-
nas análises contemporâneas da relação entre se a uma realidade psíquica numa relação
psicanálise e política, sua tese é a de que “o real complexa com alguma porção muito nova da
é o que une o psíquico ao social”, e esta relação realidade externa, o lesbianismo sado-
é governada pela pulsão de morte (p. 305). masoquista consegue lograr, segundo a autora,
Baseia-se nos escritos de Freud O Mal Estar a separação radical entre gênero e sexo.
na Civilização e Para Além do Princípio do Prazer Como se pode perceber, esta é uma
para elaborar suas reflexões sobre o princípio da coletânea de muito interesse, tanto para os
realidade e o social, o princípio do prazer, as estudos de gênero quanto para outras áreas,
pulsões de vida e morte. Compara escritos de como a crítica literária e a psicanálise. Traz
Freud e Bergson, de Bergson e Lacan. Analisa a discussões densas, atuais, com enfoques
questão da causa, pela referência a Lacan e variados, que não caberiam “no ponto de vista
Aristóteles, chegando à questão do sujeito e do da mulher”, sugerido no subtítulo da edição
sujeito do feminismo. No interesse de evitar a brasileira. Ela mostra justamente o oposto: a
eliminação da realidade psíquica ou da riqueza e diversidade de concepções de
realidade social nas análises, ela afirma que o mulheres reunidas para discutirem suas reflexões
conceito de causa precisa ser recuperado e em torno de temas relevantes para os estudos
repensado no sentido de possibilitar a feministas e de gênero.
compreensão da relação entre a ordem social e
a existência psíquica, especialmente para a MARA COELHO DE SOUZA LAGO

ESTUDOS FEMINISTAS 625 2/2001


Mulheres em Santa Catarina: com quantos
modos de faz uma História?
História das mulheres de Santa que fizeram de suas vidas é buscada, em grande
parte dos artigos, através do trabalho com a
Catarina. memória e do uso de relatos orais. Em muitos
casos, também se recorre aos escritos mais
MORGA, Antonio (Org.). íntimos, como cadernos pessoais e de
recordação, à imprensa e aos processos judiciais,
isto é, aos possíveis lugares em que possam ser
Florianópolis: Letras Contemporâneas; encontrados os registros de todos aqueles que
Chapecó: Argos, 2001. 285 p. sempre viveram à margem da História e, até há
pouco, também às margens das preocupações
dos historiadores.
Em “Personagens à beira de um porto:
mulheres de Itajaí”, Marlene de Fáveri apresenta
Os onze trabalhos que compõem História o conjunto de mulheres que compunham aquela
das mulheres em Santa Catarina são parte de cidade portuária, as quais, convivendo com as
um movimento historiográfico mais amplo, em idealizações e expectativas que eram construídas
que os modos de pensar e viver das mulheres, para as suas vidas, experimentaram, de forma
seus sentimentos, lutas e ações passaram a ser diversa, os desafios presentes em sua
abordados e analisados em sua historicidade. Faz cotidianeidade. Às representações da doçura, do
parte de uma História que assumiu a intersecção comportamento exemplar e da boa dona-de-
de variados e múltiplos ritmos de tempo, casa, segundo o ideal proposto para a mulher
diversificando e ampliando as suas possibilidades alemã e mais abastada, a autora não apenas
interpretativas. Ao fazê-lo, foi construindo contrapõe a coexistência de outras identidades
diferentes caminhos analíticos e denotando uma étnicas, como as contrasta com a presença das
acurada preocupação em propor suportes mulheres pobres e/ou às margens de tal modelo:
teóricos e metodológicos, que propiciassem comerciantes, solteironas, meretrizes, lavadeiras,
resultados em que a visibilidade da ação das doceiras, vendedoras ambulantes, mendigas,
mulheres também pudesse ultrapassar o loucas etc. Perscrutando arquivos de jornais,
momento em que se pautava por uma narrativa escritos memorialísticos e contos, a autora analisa
simplesmente descritiva. Assim, tais estudos como essas mulheres produziram práticas
visaram a compreender e explicar a experiência reveladoras de um esforço de autonomia e
feminina em contextos específicos, sem descuidar resistência, diante das injunções sócio-culturais
de sua coerência e compromisso com o a que estiveram submetidas.
adensamento dos referenciais teóricos envolvidos São outras, porém, as configurações de
na análise. Movidas por essas preocupações, classe, etnia e gênero que implicam a
vemos desfiar-se as diversas tematizações e conformação das experiências, das lutas e
problematizações que os vários autores deste formas de resistência das mulheres que são
livro propuseram para as ‘mulheres de Santa abordadas por Carlos Renato Carola, em “As
Catarina’. É nesse sentido que se procura dar a trabalhadoras das minas de carvão de Santa
conhecer as suas formas de expressão e Catarina”. O cotidiano do trabalho dessas
manifestação em variadas dimensões sócio- mulheres, que ultrapassa os limites da casa e do
culturais e espaciais. São parteiras, professoras, labor doméstico, é enfatizado em sua dimensão
estudantes, jornalistas, prostitutas, mineiras, política: trata-se das relações de poder e dos
agricultoras, donas-de-casa etc. Vivem no modos de sociabilidade experimentados pelas
campo e/ou na cidade ou vilas, nas casas, nas mulheres mineiras em seu espaço de trabalho.
ruas, festas, minas, salões e casebres; realizam As múltiplas faces de suas ações diante dos
travessias entre o campo e a cidade e por conflitos e dos processos de controle e
oceanos, interligando espaços e culturas exploração a que foram submetidas são
distantes. A compreensão de como viveram e do discutidas pelo autor, que as remete à

ANO 9 626 2º SEMESTRE 2001


diversidade de funções e às diferentes formas de poloneses, no oeste catarinense. É bastante
reação diante da diversidade de funções e interessante o modo como a autora relaciona as
trabalhos que exerceram, inclusive aqueles mudanças geracionais e, especialmente, de
extremamente “pesados”. Tanto as brigas, faixa etária com a forma como as colonas
suspensões, desobediências e faltas, como a perceberam e sentiram as transformações no
obediência, conversas, risos, músicas e mundo rural e os seus deslocamentos físicos por
brincadeiras são vistas como interfaces de um outros espaços e territórios. Sem se descuidar das
mesmo processo, em que dominação e diferenças étnicas e culturais dessas mulheres,
resistência se engendram mutuamente. Nesse Arlene Renk faz uma análise que acompanha um
sentido, as mulheres não são interpretadas processo, permeado por tensões, em que a
simplesmente como vítimas, mas, sim, como autoridade paterna e limites étnicos e
atores sociais de jogos que permitem um confessionais restringiam qualquer possibilidade
questionamento e recusa dos discursos que de autodeterminação feminina. Ao acompanhar
afirmam a docilidade, a fragilidade e a o deslocamento dessas camponesas para o
submissão femininas, legitimando e sustentando mundo urbano, a autora redimensiona e
as hierarquias de gênero. temporaliza o processo de “encolhimento do
Janine Gomes da Silva, em ““Lugares do mundo rural” e de redefinição das fronteiras entre
recôndito, espaços de sociabilidade: história das cidade e campo. Os significados das mudanças
mulheres imigrantes de Joinville”, destaca como nas formas de sociabilidade e das mobilidades
as vivências cotidianas de mulheres que sociais, espaciais, econômicas e culturais são
compuseram a elite germânica que emigrou reinterpretados sob a perspectiva das
para a cidade de Joinville, a partir de 1851, foram reavaliações que as mulheres fizeram de seus
permeadas pelas tensões entre brasileiros, percursos de vida e dos sonhos, desejos,
alemães e demais grupos étnicos, num processo expectativas e práticas que expressaram, sob a
em que a cultura do grupo dominante procurou perspectiva de uma outra geração e faixa etária.
se impor sobre a cidade, constituindo espaços Através do estudo de várias trajetórias individuais
de sociabilidade restritos e excludentes dos de vida, vemos emergirem individualidades que
demais grupos. É compondo e constituindo esse rompem, mesmo que de forma relativa, com as
cenário que se podem entender as ações e rígidas relações familiares e comunitárias
formas de sociabilidade de várias mulheres anteriormente vividas. Nesse processo, as
alemãs. Além de indicar as suas diferentes mulheres passam a ganhar visibilidade política,
trajetórias sociais e espaciais, Silva discute como deslocando-se por novos espaços e assumindo
muitas delas construíram o seu presente, em novos papéis em movimentos sociais,
novas terras, a partir da reconstrução dos laços cooperativas, sindicatos, partidos políticos,
de sociabilidade, que se sustentaram em práticas associações filantrópicas e religiosas e, mesmo,
de suas próprias memórias. Estas se encontravam na Assembléia Legislativa. Além disso, ao mesmo
expressas em velhos álbuns de recordações, que tempo em que a velhice é percebida em sua
traziam registrados os laços de amizade que imposição de limites, pois algumas se referem ao
precisaram deixar nos lugares por onde corpo como “estragado” e “carroça velha”, em
passaram, seja na Europa, seja no Brasil. seus enunciados também transparece uma
Entrecruzando desejos de felicidade, de fé e grande satisfação, aliada a um sentimento de
bondade com evocações de saudades e de maior liberdade, em poder, agora, “viver a vida”.
recordação, tais álbuns podem ser considerados Nesse sentido, é fundamental o valor que
como elementos emblemáticos do modo como atribuem aos recursos da aposentadoria, a qual
ressignificaram as suas tradições, estabelecendo ainda permite o tempo livre e a possibilidade de
vínculos entre o passado e o presente. viver outros espaços de sociabilidade a que antes
Com outro enfoque, Arlene Renk,, em não tinham acesso: bailes, viagens em excursões
“Mulheres camponesas: experiências de etc.
geração”, procura reconhecer o modo como a A reconstrução dos modos de vida e de
memória e a cultura operam os vínculos entre socialização de mulheres imigrantes teuto-
passado e presente, ao tratar das variações nas brasileiras da Colônia Blumenau é também objeto
experiências sociais em torno de trajetórias dos estudos de Cristina Scheibe Wolf,, em “Como
espaciais e culturais na vida de camponesas, se forma uma “boa dona de casa”: a educação
descendentes de imigrantes alemães, italianos e de mulheres teuto-brasileiras na Colônia

ESTUDOS FEMINISTAS 627 2/2001


Blumenau (1850-1900)”. Utilizando-se de jornais, Através de um trabalho criterioso e revelador de
cartas e memórias, a autora nos apresenta uma uma fina acuidade e sensibilidade, a autora
análise atenta e rigorosa, sob a forma de um texto percorreu um caminho em que levantou os
extremamente prazeroso de ser lido, em que logo acervos das bibliotecas escolares, a circulação
sinaliza para o papel fundamental que era e veiculação de livros pelos jornais e chegou às
atribuído às mulheres na reconstituição e estratégias que foram desenvolvidas para a
organização social da vida dos imigrantes. Assim, apropriação do lido, através não somente de
no processo em que estes procuraram forjar uma testemunhos pessoais das leitoras, como também
identidade étnica teuto-brasileira, é que foram dos registros manuscritos de suas impressões
reafirmando as suas expectativas e idealizações sobre as leitura, feitas durante o período em que
acerca de um certo modelo de mulher. Para isso, se formavam professoras.
contrapuseram a imagem da mulher brasileira Se o romance, tipo de literatura chamada
“fútil, ociosa e desleixada” à da mulher alemã “cor-de-rosa” e aprovada pela Igreja Católica,
“boa dona-de casa, ordeira e trabalhadora”. foi reconhecido por esta autora como o principal
Sem perder de vista as formas diferenciadas e tipo de leitura realizada por leitoras de meados
conflituosas em que ocorriam esses processos de do século XX, em Florianópolis, é neste mesmo
socialização – mediados pelas intersecções entre lugar, mas em outro tempo, que Antonio Morga,
gênero, classe e local de moradia –, a autora em “Espaços de visibilidade feminina: Nossa
também procura reconstituir toda a sua Senhora do Desterro no século XIX”, também
complexidade, considerando o embricamento identifica a literatura romântica e o drama como
entre os diversos modos e lugares em que se divulgadores de uma pedagogia das condutas
realizam: nos âmbitos familiares, religiosos e que visou a um controle sobre as formas de
escolares. Os valores morais e os hábitos de sociabilidade e as práticas afetivas das mulheres.
conduta da “boa dona-de casa” são aqui Contudo, ambos os autores remetem a
analisados tendo em vista uma certa “cultura do temporalidades históricas e a enfoques teóricos
trabalho” que foi sendo constituída/reconstituída e metodológicos distintos. Morga se refere a
em torno de determinadas necessidades, literatura, música e peças teatrais, veiculadas
interesses e sentimentos. Estes eram marcados pelos romances, pela imprensa, por sociedades
pelos valores da solidariedade, generosidade e dramáticas e por diversos manuais para orientar
afetividade, oriundos de um estilo de vida o contato entre homens e mulheres e para manter
tradicional, que se mesclavam àqueles os códigos de sedução dentro das normas de
preconizados pelos reformadores religiosos sociabilidade preconizadas. Procura identificar os
católicos e protestantes: diligência, ordem, discursos do e sobre o teatro e as diversas formas
economia etc. de expressão do romantismo, incluindo os
Buscando trilhas que permitam conhecer os sentimentos que suscita o “compartilhamento das
processos em que se constituíram as lágrimas”, com o discurso médico-higienista e
subjetividades de mulheres que viveram em um com as distinções sociais que a burguesia em
outro tempo e lugar, Maria Teresa Santos Cunha ascensão busca produzir, ao normatizar formas
procura compreender as “Práticas de leitura entre de requinte e modos de comportamento diante
professores primários (1950-1960)” em de si e do outro.
Florianópolis. Aqui, tais práticas são entendidas Por outro lado, ao encontrar registros de
enquanto uma das estratégias que formaram as práticas sociais de mulheres, naquele período,
sensibilidades, o gosto e os sentimentos, depara com figuras diversificadas e
constituindo visões de mundo e modelando contraditórias. Os viajantes descreviam a polidez,
condutas, normas e valores que deveriam urbanidade, luxo no trajar-se e boas maneiras da
compor o “ser mulher”. Porém, o processo de mulher desterrense. A imprensa, grande
leitura também é percebido em uma outra veiculadora, em tons românticos, de modelos
dimensão, qual seja, enquanto uma prática para a conduta feminina, opunha as figuras da
criadora de sentidos múltiplos e singulares, o que mulher esposa, filha e mãe às da namoradeira,
implica a compreensão de que os assentimentos sedutora e vaidosa; além disso, também se
e/ou dissentimentos costumam ser referia, de forma anônima, aos casos daquelas
experimentados de forma contraditória, pois se desviantes da norma. Em seu texto, para além
encontram sempre referidos às vivências de objetivar ou conseguir definir um determinado
particulares que cada sujeito experimenta. perfil para as mulheres de elite de Desterro –

ANO 9 628 2º SEMESTRE 2001


comparando suas práticas com as clivagens estende até a década de 1950-1960 e às
sociais que sofreram suas condutas e cidades de Florianópolis e Treze de Maio,
subjetividades – o autor conseguiu conferir àquele respectivamente. O modo como significam a
contexto histórico determinado um olhar sobre o importância e o sentido dos relatos orais, dos
modo como a construção daquela dada quais se servem para a pesquisa, determina os
sociedade e de seus laços de sociabilidade foi rumos dos conhecimentos que produzem. Para
também permeado pelas preocupações que as compreender os elementos que compunham a
práticas e comportamentos de mulheres cultura e o contexto histórico de que tais práticas
suscitavam. Além disso, tal estudo também fizeram parte, Réchia procurou distinguir o que
permite dar maior visibilidade às formas como as era recorrente nas lembranças das parteiras, a
mulheres fizeram parte dos processos sob os quais forma como elas se lembravam e como atribuíam
as relações de poder e as tensões sociais significações para a gravidez, para os rituais em
emergiram. torno do parto, para o resguardo e para o “ser
É também sobre Florianópolis, entre os parteira”. Também atribuindo grande
períodos estudados por Cunha e Morga, que se importância para o modo como as mulheres
debruçou o olhar de Karla Leonora Dahse Nunes. lembram, Torquinst chama a atenção para a
Procurou reconstituir, em “Antonieta de Barros: “per formance narrativa” presente nos
uma história”, o campo sócio-cultural testemunhos de mulheres não letradas que
determinado em que se inscreveram as ações estiveram envolvidas com tais práticas: parteiras,
dessa personagem e, ao mesmo tempo, analisar parturientes, filhas de parteiras. Tanto quanto o
as suas possibilidades, mesmo que relativas, de discurso verbal, o discurso corporal que o
ação autônoma especialmente na condição de acompanha é um elemento essencial na
jornalista, em que foi modelada e também interpretação operada pelo pesquisador. Os
ajudou a modelar formas de agir. Não se saberes e poderes femininos relativos aos
descuida, portanto, do fato de que as suas ações cuidados com o corpo, a saúde e as crianças
estiveram determinadas pelos limites de um são entendidos como constituídos e constituintes
tempo – trata-se da década de 1930 – em que de uma dada experiência e cultura. Denotam
ganhavam relevância os padrões de exigência uma prática de trabalho que é atravessada por
estética conferidos à modernidade e onde se outras categorias de valor: necessidades de
manifestava o “desejo de controle político de sobrevivência, solidariedade, prestígio e
gestos, olhares, lugares, sabores, autonomia. Revelam territórios de maior
comportamentos, padrões”. Porém, o que se liberdade de deslocamento espacial das
destaca neste estudo é o modo particular com mulheres, relativizam territórios de poder, prestígio
que “Maria da Ilha” (pseudônimo de Antonieta) e autoridade em sociedades onde as diferenças
denotou uma percepção e sensibilidade crítica e hierarquias de gênero, classe e etnia são
e contundente sobre vários dos fatores que bastante demarcadas. Os trabalhos, por fim,
implicavam a submissão e exclusão das abordam o estabelecimento do discurso médico-
mulheres. Nunes faz notar a maneira como a científico e a medicalização das parteiras,
experiência e as condições específicas de vida processo que, segundo Tornquist, faz irromper ao
de uma mulher negra e provinda de uma classe lado dos saberes, anteriormente compartilhados,
social menos privilegiada, que foi professora, uma multiplicidade de práticas que “rompem
jornalista e chegou a ser deputada estadual, com a idéia de irmandade/unicidade entre as
marcaram as formas com que expressou os seus mulheres”, revelando “nuances bastante
modos de ver e sentir as questões de seu tempo. complexas nas interfaces entre gênero, classe e
Carmen Suzana Tornquist, com “A mão e a profissionalização”.
luva: processo de medicalização do parto e o Em seu conjunto, todos os textos deste livro
corpo feminino em Florianópolis”, e Karen Cristina que puderam recorrer ao uso do trabalho com
Réchia, com “Das senhoras dos “repolhos” e das a memória, visando a reencontrar as
“roças”: ou de como nasciam os bebês”, experiências de personagens femininas
tematizam os saberes das mulheres e das escondidas pelo tempo e desconhecidas pelas
parteiras em torno da prática do parto e a rede caminhos da pesquisa historiográfica, também
de sociabilidades, as esferas de poder e prestígio se preocuparam em situar/explicar as
que se constituíam em torno desse fato. Ambas implicações metodológicas da opção por tal
se referem a um período quase similar, que se caminho. É o caso do empenho rigoroso de

ESTUDOS FEMINISTAS 629 2/2001


Maria Bernadete Ramos Flores, em “Trabalho da divulgação da produção científica no país. Com
memória/memória do trabalho/trabalho e festa”. a apresentação dos diversos enfoques,
Ao mesmo tempo em que a autora vai explicando problematizações e rumos das pequisas dos
e tecendo os fios das lembranças sobre festas diversos trabalhos, contidos neste livro, nesta
que as mulheres do interior da Ilha de Santa resenha, puderam ser indicados os diversos
Catarina relataram, também as vai referindo aos caminhos de pesquisa que permitem descontruir
valores, crenças e experiências que foram estereotipias de gênero e, ao mesmo tempo,
forjadas no cotidiano de suas experiências compreender a ação das mulheres como
coletivas de vida. Assim, entrelaçam-se história engendrada, também, pelas suas origens
do cotidiano e história e memória de mulheres, nacionais e étnicas, pelas suas relações de classe
reconstituindo-se um cotidiano politizado e e trabalho, religiosas, geracionais, etárias etc. Tais
complexo, que ultrapassa os limites do doméstico caminhos e resultados de investigação
e do interior da casa e em que se entrosam o possibilitam, portanto, romper com categorias
lúdico, o trabalho e o religioso. Desta perspectiva, abstratas e idealidades universais, como as de
observam-se processos sociais antes não visíveis “condição feminina” ou “cultura feminina”.
e que revelam múltiplas e diversificadas vivências, Vemos emergir experiências múltiplas e
as quais, por sua vez, denotam o caráter histórico contraditórias realizadas na trama de um
do entrecruzamento de temporalidades e cotidiano complexo e politizado, sempre remetido
espacialidades múltiplas. a conjunturas concretas e provisórias. Ao se
História das mulheres em Santa Catarina atribuir visibilidade e explicação à ação das
demonstra o esforço em redimensionar e mulheres, redimensiona-se a compreensão dos
particularizar os objetos da produção processos sócio-históricos, ao mesmo tempo em
historiográfica brasileira e, ao mesmo tempo, que as teorias e metodologias que dão suporte
revela um esforço rumo à necessidade de ao fazer historiográfico são também revistas,
descentralizar os tradicionais pólos de redimensionadas e ressignificadas.

MARIA DE FÁTIMA SALUM MOREIRA

Traduzindo identidades
Identidades traduzidas: cultura e e Gênero (GEERGE) e a docência na Faculdade
de Educação (FACED/UFRGS). Estas pertinências,
docência teuto-brasileiro- muito bem tramadas, não caíram em qualquer
evangélica no Rio Grande do Sul tom confessional mas evidenciaram, sim, que as
investigações são sempre interessadas, uma vez
que elas se desenvolvem em torno de
MEYER, Dagmar Elisabeth Estermann questionamentos feitos por alguém que começa
e consegue formular determinadas perguntas a
Santa Cruz do Sul: EDUNISC; São
partir de um lugar e em um tempo específico.
Leopoldo: Editora Sinodal, 2000. 242 p. Os dados, além de sustentarem análises
engenhosas, são discutidos quanto à
procedência, fidedignidade, modo de coletar e
de usar, ou seja, ela discute como chegou aos
Mobilizando um invejável e alentado dados e como estes chegaram ao livro, sem
confortos do distanciamento” (p. 8), a pesquisa descuidar em nenhum momento da elegância
teve uma história que aponta a inserção da da escrita: justa escolha das palavras, frases
autora, Dagmar, em três contextos bem distintos ordenadas, controle dos parágrafos, o que só
e definidos: uma família de imigrantes alemães, vem assegurar, mais uma vez, a qualidade do
um Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação estilo em que o texto é construído.

ANO 9 630 2º SEMESTRE 2001


A opção por desnaturalizar/desconstruir Detetivescamente, como convém a uma
idéias e conceitos já arraigados, os ditos “lugares- pesquisadora, a autora perseguiu evidências,
comuns”, foi realizada com pleno êxito, sempre pistas, e esta perseguição foi realizada por ações
historicizados, isto é, sempre colocados na ordem relacionais e diversificadas, sistematizadas ao
do histórico, portanto, do mutável, como se longo do livro e expressas por ações como
encontra na passagem descrita à página 38: “os “selecionei”, “organizei dados”, “analisei”,
imigrantes alemães não compunham, então, um “reorganizei a pesquisa”, “fui induzida a buscar”,
grupo homogêneo, sob muitos aspectos: eram “percorri caminhos investigativos”. E foi na
oriundos de diferentes Estados e regiões, muitos totalidade dessas dimensões que, para além das
eram camponeses e servos, outros tantos análises que empregam gênero como categoria
marginalizados urbanos, alguns podiam ser útil, Dagmar buscou a compreensão dos papéis
intelectuais em exílio político”. De igual maneira, ou dos destinos de mulheres e homens,
a passagem que se encontra à página 115 humanizando um passado que não foi tão certo
quando a autora reafirma “a impossibilidade de e preciso quanto algumas teorias criadas para
se falar, no contexto sócio-histórico alemão, entendê-lo.
acerca da escola, da formação de professores Ao longo dos três capítulos do livro, a autora
e professoras ou do exercício do magistério no problematiza as representações em torno de uma
singular, o que, por extensão, mina também a cultura teuto-brasileiro-evangélica, mostrando as
idéia de uma concepção homogênea e representações culturais e a produção de
amplamente compartilhada de escolarização identidades culturais; analisa a Escola e a
que passaria a ser apresentada como sendo uma Docência como uma arquitetura de um regime
característica (ou tradição cultural) desses de representação cultural; e aborda, no terceiro
imigrantes no Brasil”. capítulo, uma identidade docente entre a
Essas citações remetem, igualmente, à tradição e a tradução cultural. Tudo isto
questão do método utilizado. Ele foi construído/ apresentado em análises sofisticadas que
tramado a partir de uma salutar e bem-sucedida interligam conceitos como nação, religião,
abertura epistemológica (anunciada à página gênero e raça/etnia.
28) que lhe deu legitimidade, abandonando Sem dúvida, um outro grande mérito deste
corajosamente o modelo dogmático e, por vezes, livro reside na sutileza, no detalhamento e no
ortodoxo ainda presentes em certos setores da cuidado com que a autora se debruça sobre a
pesquisa em Educação, em que as situações já questão da cultura, como frisou na Apresentação
estão definidas por antecipação, cabendo às/ a professora doutora Guacira Lopes Louro
aos estudiosas/estudiosos apenas comprová-las. (UFRGS), para quem “as representações de
Ao invés disso, a profundidade sem afetação, a escola e de docência, inscritas no interior de um
flexibilidade interpretativa e os diálogos fecundos determinado contexto cultural, são analisadas
com os campos de Estudos Culturais e Estudos como resultantes e, ao mesmo tempo,
Feministas mostraram a História e suas formações constituidoras desse projeto cultural específico”
discursivas como uma representação do passado (p. 9).
que caminha através do relacional das disputas, Ao final, a certeza de que as Identidades
das hipóteses em confronto, sem a ansiedade foram traduzidas e revelaram outras
cartesiana de causa e efeito encadeados em possibilidades de puxar o fio da História da
uma seqüência fatal de conclusões. Educação, na perspectiva dos Estudos Culturais
e Feministas, além, é claro, do barthesiano prazer
de ler.

MARIA TERESA SANTOS CUNHA

ESTUDOS FEMINISTAS 631 2/2001


Paternidades e masculinidades em contextos
diversos

Paternidades en América Latina. masculino, até então os estudos de gênero


vinham privilegiando pesquisas sobre a condição
Fuller, Norma (Ed.). das mulheres na família, no trabalho, nos
diferentes espaços de poder. Os movimentos
Lima: Pontificia Universidad Católica del feminista, gay e lésbico tiveram papel
Perú, Fondo Editorial, 2000. 418 p. fundamental ao alertar para as desigualdades
de gênero, para os direitos sexuais e reprodutivos.
A evidência das diferenças de sexo e de como
estas diferenças constroem as desigualdades de
Tem sido possível pontuar uma mudança de gênero e as relações de subordinação constitui,
enfoque nos estudos de gênero, particularmente por tanto, a base para o crescimento de
a partir de 1994, pós-Conferência Internacional pesquisas focalizando os homens e a construção
sobre População e Desevolvimento, no Cairo, e das masculinidades.
pós-Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing, Na América Latina, incluindo o Brasil, o
1995), que direcionaram sua atenção para a interesse está relacionado, no âmbito mais geral,
participação masculina e a responsabilidade dos às mudanças nas relações de gênero e à
homens nas questões que afetam o cuidado com inadequação dos paradigmas explicativos
os filhos e as decisões com relação à reprodução diante da complexidade da dinâmica social; no
e à sexualidade. Ao se acompanhar o fluxo da âmbito mais restrito, político até, relaciona-se à
produção sobre identidade masculina e constatação de que a compreensão das práticas
paternidade percebe-se que nos anos 90 o tema masculinas, por exemplo, pode contribuir para
ganha um fôlego especial, aglutinando boa melhorar os resultados de programas voltados
parte das pesquisas desenvolvidas no campo dos para a saúde das crianças, para a prevenção
estudos de gênero no Brasil. É também nesse de doenças sexualmente transmissíveis e para as
período que o tema da masculinidade aparece decisões de planejamento familiar. Em parte, essa
com maior ênfase em outros países da América temática surge como reflexo do desenvolvimento
Latina. Até então, nos estudos sobre a vida que os estudos feministas e de gênero
privada, a fala de mulheres de diferentes alcançaram desde a década de 1970 e que
camadas sociais era predominante. Sobre a demonstravam a necessidade de novas e
subjetividade masculina pairava um quase diferentes estratégias para maior eqüidade entre
silêncio, quebrado apenas por alguns homens e mulheres, bem como para expressão
pesquisadores/psicólogos que chamavam a das sexualidades e culturas sexuais. Os modelos
atenção para uma suposta “crise da hegemônicos de masculinidade e feminilidade
masculinidade”. heterossexuais como via única na conformação
A constatação de que muitas demandas das identidades sexuais e dos comportamentos
colocadas pelo movimento feminista ainda não são colocados em questionamento.
haviam sido equacionadas redefiniu, por outro Este preâmbulo nos ajuda a dimensionar a
lado, uma agenda de pesquisa e intervenção, importância de uma coletânea como
sobretudo com questões relativas à saúde e aos Paternidades en América Latina, organizada por
direitos sexuais e reprodutivos. Não surpreende, Norma Fuller. Os/as autores/as reunidos/as neste
portanto, que a década de 1990 tenha como livro passam a ser, na atualidade, fonte básica
referência um interesse específico pela para novos estudos sobre masculinidade e
construção social da masculinidade como objeto paternidade. Mara Viveros, José Olavarria, Benno
de pesquisa, sobretudo entre pesquisadores do de Keijzer, Teresa Valdés, Ondina Fachel Leal e a
campo da saúde reprodutiva e da sexualidade. própria Norma Fuller, entre outros, versam em seus
Ainda que a noção de gênero aponte para o textos sobre o significado que a paternidade tem
caráter implicitamente relacional do feminino e para os homens, para o seu projeto de vida,

ANO 9 632 2º SEMESTRE 2001


problematizando as dificuldades que os homens quase todos os artigos que compõem a
enfrentam e o impacto das transformações coletânea. A precarização do trabalho
conjugais para o exercício da paternidade. remunerado entre os homens, por exemplo, tem
Os artigos resultaram da Conferência afetado sobremaneira a identidade masculina,
Paternidades na América, organizado pelo ao colocar em risco o lugar de provedores
Departamento de Ciências Sociais da PUC do econômicos do grupo familiar, outro aspecto
Peru. Por isso, além dos textos, que permitem uma discutido pelos/as autores/as. Mara Viveros
leitura comparativa das análises e das argumenta que as novas exigências das mulheres
informações colhidas em pesquisas em diferentes e as crescentes demandas afetivas dos filhos têm
países, é possível acompanhar o debate aumentado, em muitos casos, os sentimentos de
subjacente à temática, em geral privilégio frustração dos homens, por não conseguirem
apenas daqueles que estiveram fisicamente mais sustentar o ideal de provedores e de modelo
presentes ao evento. O debate assim explicitado paterno para seus filhos. Esses temores podem
acaba contribuindo, juntamente com as resultar muitas vezes em situações de violência
pesquisas apresentadas, para o delineamento de familiar. Ao ler os relatos descritos nos artigos,
metodologias de trabalho e políticas públicas percebe-se claramente um questionamento dos
voltadas para a população masculina e para as homens pesquisados sobre a forma como têm
demandas desta. vivenciado a paternidade. Numa atitude
Apesar das perspectivas teóricas e claramente reflexiva, esses homens percebem as
analíticas distintas, os textos coincidem ao contradições sobre como têm exercido sua
expressar a paternidade como uma dimensão paternidade e nem sempre as expectativas por
fundamental na vida dos homens, sejam eles dos eles mesmos criadas têm sido alcançadas (Este
segmentos populares, sejam dos médios, para é outro ponto em comum nos artigos: há um
os quais o exercício da paternidade está modelo de paternidade ideal que tanto permeia
relacionado a fatores específicos que precisam o imaginário social dos homens pesquisados
ser considerados quando se for estudar esse como o dos/as pesquisadores/as.).
assunto. Entre os fatores que influenciam a O encontro de pesquisadores com
construção social da paternidade está a relação diferentes pontos de vista, que adotam
familiar (com o pai, com a mãe e depois com a procedimentos analíticos e teóricos distintos,
própria mulher ou mãe de seu filho); as condições como é o caso desta coletânea, resulta num
sociais e econômicas; a relação com o grupo panorama das principais questões ainda em
de pares. Também a estrutura sociocultural de aberto, clamando por serem investigadas.
uma dada sociedade marca a vida de homens Algumas delas puderam ser pinçadas durante a
(e de mulheres) e por conseqüência exerce efeito leitura, tais como o impacto do divórcio e dos
sobre a paternidade, até mesmo na pais separados de seus filhos nas relações
disponibilidade de tempo que os homens têm familiares e de gênero; casais homossexuais e o
para se dedicar aos filhos e à família. Algumas estabelecimento de relações familiares e de
tarefas com relação aos filhos e à casa filiação; a jornada de trabalho e as implicações
demandam mais tempo do que outras, na articulação família/filhos/trabalho, e o efeito
influenciando a divisão social e sexual do disso nas atribuições paternas e maternas; o
trabalho, da mesma forma que certos valores e impacto das novas tecnologias reprodutivas na
costumes estabelecem expectativas com relação definição de parentalidade; a equação
à masculinidade e à paternidade. autoridade/poder relacionada à paternidade e
A paternidade, assim como a maternidade, aos novos arranjos familiares; o lugar masculino
é um momento de transformação, marcada, na saúde reprodutiva e no planejamento familiar,
sobretudo na sociedade latino-americana, pela incluindo a decisão por eventual aborto etc. O
assunção da responsabilidade (de prover, de livro suscita estes e outros temas, mas sobretudo
cuidar, de proteger). Essa relação aparece em permite cotejar hipóteses para as pesquisas sobre
famílias e relações de gênero.

SANDRA UNBEHAUN

ESTUDOS FEMINISTAS 633 2/2001


Um roteiro da construção social da “violência
de gênero”: conflitos interpessoais e
judiciarização
Violência, gênero e crime no policial comentado” (Mireya Suárez); “Notícias de
violência: uma leitura” (Tânia Montoro); e
Distrito Federal. “Violência contra mulheres na mídia impressa”
(Adriana Carvalho Lopes). Na segunda parte: “Pai
SUÁREZ,Mireya e BANDEIRA, Lourdes
e avô: o caso de estupro incestuoso do pastor”
(Orgs.). (Lourdes Bandeira e Tânia Mara Campos de
Almeida); “Violência conjugal: os espelhos e as
Brasília: Paralelo 15;Editora da marcas” (Lia Zanotta Machado e Maria Tereza
Universidade de Brasília, 1999. 536 p. Bossi de Magalhães); “Uma reflexão sobre a casa
como lugar de violência inocente” (Tânia Mara
Campos de Almeida); e “Retóricas sobre o crime”
(Danielli Jatobá França). A terceira parte é
composta por: “Sexo, estupro e purificação” (Lia
O livro organizado por Mireya Suárez e Zanotta Machado); “Violência sexual, imaginário
Lourdes Bandeira é fruto de um trabalho coletivo de gênero e narcisismo” (Lourdes Bandeira); e “A
no sentido forte do termo. Trata-se da publicação estrutura de gênero e a injunção do estupro” (Rita
dos resultados de projetos de pesquisa voltados Laura Segato). Na última parte, um capítulo único
para o estudo das “violências contra as mulheres” intitulado “Um recorrido pelas estatísticas da
e articulados em torno do convênio do Núcleo violência” (Lourdes Bandeira). Destaca-se
de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (NEPeM) da também a interessante introdução assinada por
Universidade de Brasília com a Secretaria de Mireya Suárez e Lourdes Bandeira.
Segurança Pública do Distrito Federal. É obra de A complexidade do campo em que se situa
equipe, composta de 12 capítulos assinados por a obra está marcada pela transversalidade dos
várias pesquisadoras que, sem perder fenômenos abordados, bem como pela sua
especificidade nem autonomia, mantêm uma persistência. Ela tem colocado em questão, nos
interlocução entre si que demonstra a base últimos anos, a capacidade analítica dos
cooperativa sobre a qual foi realizado o trabalho modelos clássicos e as políticas de intervenção
como um todo. Assim, supera-se a simples neles baseadas. Nas últimas décadas essa
justaposição de trabalhos, ampliando-se o temática tem sido motivo de inquietação em
alcance dos resultados de cada um países tão diferentes quanto Estados Unidos da
isoladamente. O diálogo entre os capítulos é América, França, Canadá ou Brasil, e atravessa,
peça fundamental para a realização do tour em cada um deles, o conjunto dos seus
d’horizon sobre a complexa temática recortada segmentos sociais. Desse modo, os movimentos
no livro. A meu ver, o mérito primeiro de Violência, sociais que lutam contra a impunidade nos casos
gênero e crime no Distrito Federal é o efeito de de “violência contra mulheres” são, ao mesmo
conjunto, ou melhor, a complementaridade de tempo, fenômeno local e global, e os modelos
perspectivas. interpretativos e propositivos resultam de
Para se ter uma idéia da extensão do complexo amálgama desses dois campos. Há
campo coberto pela obra, convém destacar que que se considerar ainda que a expressão
os 12 capítulos estão organizados em quatro violência contra a mulher reagrupa toda uma
partes: “Discursos sobre a violência”; “Narrativa gama de fenômenos, razão pela qual pode ser
da violência”; “Reflexões teóricas sobre o estupro” considerada como um conjunto heterogêneo de
e ; “Uma análise dos dados sobre a violência”. A experiências sociais. A homogeneização que
primeira parte engloba os seguintes capítulos: “A resulta dessa expressão é problema teórico, mas
noção de crime sexual” (Mireya Suárez, Danielli também tem implicações na definição de
Jatobá França e Renata Weber); “O discurso políticas sociais de intervenção.

ANO 9 634 2º SEMESTRE 2001


Os enormes avanços realizados no Uma terceira característica, mais sutil, resulta
conhecimento empírico das relações do cruzamento das duas anteriores: o resgate
interpessoais, sobretudo no âmbito da da polifonia presente nas práticas sociais
conjugalidade e das práticas institucionais analisadas pelas pesquisadoras. De fato, ao
correlatas, nos convidam para mais um longo dos 12 capítulos estão presentes as vozes
movimento que deve ser o da dúvida teórica das mulheres, mas também da mídia, dos
radical. Porém, uma dúvida teórica que envolva agressores, além das falas dos policiais e dos
a percepção social dos fenômenos estudado e discursos dos teóricos. Pode-se afirmar, portanto,
dialogue diretamente com ela. Nesse sentido, que estamos diante de uma obra rara, cuja
entendo que o livro Violência, gênero e crime no raridade aponta para uma trajetória, um roteiro
Distrito Federal responde a uma demanda, supre de pesquisa, ao mesmo tempo “engajada” -
uma carência, da maior atualidade para as como se dizia no jargão militante - e
ciências sociais: uma releitura teórica e empírica contemporânea, por mostrar cenários em
da construção social da “violência de gênero” constante remontagem.
no Brasil. As três marcas que pontuaram a minha
Na obra cruzam-se discussões teóricas, leitura da obra fazem pensar na importância
análise de dados e a construção simbólica da desse tipo de trabalho, no seu alcance como
“violência” na mídia, resultando uma visão mais instrumento para a elaboração de políticas
profunda e abrangente dos temas abordados. públicas e, sobretudo, na virtude de apresentar
Assim, temos uma leitura teórica que desloca o as múltiplas trilhas percorridas para a construção
centro da análise para fenômenos concretos, social da “violência de gênero”. Isso me leva a
afastando-se da homogeneização contida na identificar na obra uma proposta de pesquisa
noção de “violência”, o que contribui para que deve ser seriamente discutida, porque nos
desmitificar o alarmismo de um crescente e permite refletir para além da generalidade do
inelutável aumento da “violência”, que, ao invés objeto “violência”, especificando-se na
de nos despertar para a ação, pode inibir nossa complexidade dos conflitos interpessoais e na
capacidade de agir. Neste livro, nos capítulos transformação da intimidade, para usar a fórmula
sobre estupro, incesto e “crimes sexuais”, por consagrada. O que acredito poderá, no limite,
exemplo, a discussão teórica torna-se mais refletir-se nas políticas sociais, especialmente no
refinada e abre perspectivas para modelos questionamento da posição privilegiada, senão
interpretativos específicos e para o exclusiva, dos processos de judiciarização. Afinal,
desenvolvimento de ações concretas de precisamos de novos modelos interpretativos que
prevenção e promoção de políticas públicas nos permitam ultrapassar os limites dos territórios
alternativas. Seus capítulos se alinham num fluxo conceituais que mostraram a sua força fazendo-
comum, compondo um mosaico de nos ver a invisibilidade da “violência contra a
questionamentos teóricos em diálogo com a sua mulher”, mas que agora nos prendem aos seus
base empírica, o que é a segunda, mas próprios avanços.
igualmente importante, qualidade desta obra.
THEOPHILOS RIFIOTIS

ESTUDOS FEMINISTAS 635 2/2001

Potrebbero piacerti anche