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1) Os direitos humanos têm raízes antigas, mas se apresentam modernamente mediante a configuração jurídica, remetendo à idéia de norma.
2) A modernidade restaurou a dimensão humana da política ao consagrar o homem na origem das instituições políticas, ao invés da justificação teológica do poder.
3) A consagração moderna de direitos humanos tem origem no conceito de soberano e no direito natural como direitos que acompanham o cidadão e não podem ser suprimidos,
1) Os direitos humanos têm raízes antigas, mas se apresentam modernamente mediante a configuração jurídica, remetendo à idéia de norma.
2) A modernidade restaurou a dimensão humana da política ao consagrar o homem na origem das instituições políticas, ao invés da justificação teológica do poder.
3) A consagração moderna de direitos humanos tem origem no conceito de soberano e no direito natural como direitos que acompanham o cidadão e não podem ser suprimidos,
1) Os direitos humanos têm raízes antigas, mas se apresentam modernamente mediante a configuração jurídica, remetendo à idéia de norma.
2) A modernidade restaurou a dimensão humana da política ao consagrar o homem na origem das instituições políticas, ao invés da justificação teológica do poder.
3) A consagração moderna de direitos humanos tem origem no conceito de soberano e no direito natural como direitos que acompanham o cidadão e não podem ser suprimidos,
Educao em Direitos Humanos: fundamentos terico-metodolgicos
5 - Fundamentos e marcos jurdicos da educao em direitos humanos Antonio Maus Paulo Weyl Introduo Os direitos humanos constituem uma expresso moderna, mas, convm ressaltar, sua cultura possui razes distantes, para alm da modernidade. Ainda que consideremos o marco das declaraes de direito da poca moderna e contempornea 1 , devemos sempre lembrar que os direitos humanos constituem uma conquista da civilizao. Essa memria nos indica que o sentido dos direitos humanos requer a compreenso ampla do social-histrico e de nosso tempo inserido na tradio do pensamento humano, exerccio que talvez facilite entender as difculdades que encerram sua realizao. A inclinao humana para a justia to antiga quanto tardia a complexidade desse projeto. De acordo com Hegel, as civilizaes mais antigas operam suas representaes subjetivas mediante a objetividade das realidades imediatas. Assim, a natureza, que oferece as condies materiais da existncia, representa uma signifcao mais extensa e profunda e oferece aos homens o fundamento real do direito e da justia. Desta feita, as sociedades antigas vivenciavam a fora do sagrado, a manifestao objetiva da vontade divina impondo o destino das decises. Os exemplos podem ser referenciados nos cdigos orientais, como o de Hammurabi, o mais conhecido dentre eles. Mas a vontade de Deus est presente, tambm, nas normas sociais na experincia dos hebreus, ou na Antiguidade Clssica. Essa racionalidade, no obstante a aparente simplicidade, confgura uma reconstruo imaginria da natureza, apresentando-a como paradigma para as relaes humanas (estruturando compreenses de virtude, de tica, de justia). Mediante essa criao imaginria, os homens construram uma idia de ordem, ao espelho da natureza, com a vantagem de absorver o inusitado e o catico prprios da natureza no campo das possibilidades 1 As Declaraes de Direitos Inglesa, Americana, Francesa e a de 1948. 104 Educao em Direitos Humanos: fundamentos terico-metodolgicos humanas. Ao mesmo tempo, partindo da natureza como princpio, essas representaes reorganizaram a idia acerca da sociedade e dos homens, conferindo a estes a dignidade prpria das coisas sagradas. Em certo sentido, nosso desafo no distinto daquele enfrentado pelos antigos. Afnal, estamos diante do mesmo movimento de compreenso do mundo, ainda que com outros pressupostos e ferramentas, elementos estes que compem a especifcidade do social-histrico, mas que foram construdos na experincia que transcende nosso tempo histrico. A noo moderna de Direitos Humanos Modernamente, os direitos humanos se apresentam mediante a confgurao jurdica, remetendo idia de norma. Um exemplo de que nossas ferramentas transcendem sua historicidade, pois j o direito foi uma criao antiga e que resultou em importantes instrumentos de proteo e de garantias de direitos. Por exemplo, as razes do direito como um sistema - o Direito Romano - consagram a idia de cidadania como um elenco de garantias objetivas, que acompanham o indivduo e conforma o conceito de cidado; por outras palavras, mediante essas garantias normativas, o cidado mais que o individuo, e, ao mesmo tempo, o indivduo, considerado em sua ptria, no pode ser menos que cidado. Em Roma, com o Direito, na Repblica, o conceito de cidado abranger, ainda, os direitos ao exerccio das funes pblicas. Como a Grcia, Roma edifcou instituies civis, com ancoragem na viso religiosa do mundo, mas mediante um sistema complexo de normas jurdicas. A partir da decadncia do Imprio Romano, entretanto, o crescente domnio do Cristianismo sobre as instituies civis resultou numa (re)confgurao da poltica (e do direito), imagem que s ser reorganizada pelo pensamento poltico moderno. O pensamento moderno restaurou a dimenso humana da poltica. Esse resgate consigna o nascimento da verso contempornea de direitos humanos. Na sua origem, entretanto, devemos destacar a ocorrncia de um duplo movimento: a) a redescoberta do clssico, da flosofa e da arte antigas, dentre elas a cincia (arte) do direito, o ativo dilogo com o passado, que implicou a forte presena da tradio nas nascentes instituies; b) as transformaes econmicas experimentadas pela Europa a partir do sculo 105 Educao em Direitos Humanos: fundamentos terico-metodolgicos XI, que criaram um campo propcio para a propagao dessas idias. Uma nova riqueza concentrada nas emergentes cidades passou a constituir um centro real de poder e a demandar por novas representaes, em face da impotncia das instituies feudais e eclesisticas. O interesse pelo clssico, no Renascimento, um registro da insero moderna na tradio do pensamento flosfco, de um dilogo que teve implicaes na emergncia das instituies. Os traos mais marcantes do moderno, como as idias de Soberania e do Direito, seguindo o pressuposto da razo e da cincia, se desenvolvem sobre as imagens do antigo. Sobre essas imagens, a fundao do moderno afastou a justifcao teolgica do poder e do direito e consagrou o homem na origem dessas instituies. esse o signifcado da emergncia das teses contratualistas. Para citar, mediante a (re) instituio do conceito de soberania, esse movimento edifcou o Estado Moderno (e contemporneo). Sem romper com a dogmtica crist, essa idia, ao fnal, concorreu para apartar Igreja e Estado, emancipando a instituio civil da moralidade crist que aprisionava as foras produtivas do emergente capital e os princpios de sua burguesia. Com efeito, a idia da soberania concede ao poder poltico um status independente em relao ao poder da Igreja, mas, especialmente, fundamentao teolgica da autoridade. O Soberano no se justifca na Criao, mas na ao e na razo humanas, prprias da natureza humana. essa a idia bsica que opera um retorno natureza, que compreende instinto e razo, para efetivar a reaproximao do homem com as instituies polticas. Afnal, se a poltica um fazer humano, signifca compreender que a justia no a forma, por excelncia, de nossas instituies. Esse pressuposto, por certo, nos coloca diante de questes que permaneceram (e permanecem) insolveis no pensamento humano, mas que s foram verdadeiramente enfrentadas pelos antigos. o caso da investigao acerca da virtude ou da percepo da indivisibilidade absoluta das dimenses ou esferas do pblico e do privado, dentre outras. Mas o caminho foi reaberto, ainda que essas sendas no tenham sido exploradas pela tradio contempornea. Para os limites de nossa empresa, ressaltamos a tese de que as idias do moderno se forjam nesse olhar ao antigo e nas imagens daquele pensamento. E, especialmente, que 106 Educao em Direitos Humanos: fundamentos terico-metodolgicos esse movimento realiza o importante resgate do humano, a consagrao do homem na origem das instituies. Ao fnal, o Estado Soberano foi a forma poltica da burguesia. Entretanto, o imaginrio institudo transcende os interesses imediatos e se apresenta como a forma, por excelncia, da organizao poltica sob os tempos modernos. O discurso no se apresenta como de classe, ao contrrio, institudo como um paradigma universal, constituindo novos critrios de julgamento acerca da justia das instituies. A modernidade, no obstante o predomnio de classe, afrma-se sobre categorias universais, estabelecendo sobre elas os princpios basilares dos emergentes direitos humanos, como a centralidade do homem na justifcao da poltica, afrmada na vertente contratualista ou na distino do esprito a partir de um deslocamento de toda objetividade, na vertente hegeliana. A retomada do Direito foi forjada sobre a imagem do direito romano. O resgate dessa tradio, entretanto, distingue o direito romano como a expresso defnitiva da Razo (natureza humana), imagem que , de certa maneira, virtuosa e problemtica. Virtuosa porque reconhece o direito como expresso do humano; problemtica porque no percebe nem o horizonte histrico de sua emergncia, nem a fora do instinto, do intuitivo, do afeto, na produo desse fenmeno. Ao fm, essa imagem concorre para a instaurao de um dogma, que recoloca a razo (o direito) no lugar da f, o que subtrai o carter dinmico e criativo que marca o direito romano no seu perodo clssico. Em nosso objeto, entretanto, convm ressaltar a idia aqui presente, de conferir ao direito a expresso do humano, o que reala a dignidade humana como fundamento presente na emergncia do pensamento moderno. A consagrao moderna de direitos humanos tem origem na emergncia do conceito de soberano, aquele a quem todos devemos obedincia e que ele prprio no deve obedincia a ningum. Uma questo enfrentada pelos fundadores do pensamento moderno foi a indagao se os indivduos que deram origem ao Soberano tm direitos sob o regime de sociedade e, caso positivo, quais direitos possuem. As respostas oferecidas estabelecem a verso moderna de direito natural, como um direito que acompanha o cidado e que no pode ser suprimido em nenhuma circunstncia. 107 Educao em Direitos Humanos: fundamentos terico-metodolgicos O direito natural, nessa confgurao, a verso primeira dos direitos humanos para os modernos. Locke foi, nesse sentido, um pensador paradigmtico, no por ter inaugurado essa matriz, de um direito natural, mas porque: a) permitiu uma fundamentao jurdica desses direitos, ao propor que os homens tm direitos naturais que os acompanham na sociedade; b) compreendeu que esses direitos naturais, em tese, podem se opor ao Estado; c) e que, na hiptese dessa oposio, os direitos naturais do homem prevalecem sobre os demais. Para Locke, portanto, os direitos naturais (humanos) limitam at mesmo o Estado. Importante registrar que Locke tinha em mente os direitos especifcamente dos proprietrios. A liberdade, compreendia em um sentido pragmtico, os atributos da propriedade, de usar, dispor, gozar dos bens, o que, sob a lgica do mercado emergente, inclua o sem numero de espcies de contratos, como aqueles relativos fora de trabalho. A fundamentao desses direitos, entretanto, mais abrangente. Estabelece, ao menos no nvel conceitual, o principio da igualdade, outra idia guia da instituio moderna que compe a base de nossa compreenso de direitos humanos. Essas idias esto na origem das declaraes de direito do sculo XVIII e confguram os pilares de nossa compreenso de direitos humanos. Essas solues, rigorosamente, no podem ser festejadas como uma panacia para os problemas da atualidade. Entretanto, destacamos o sentido revolucionrio da criao moderna, que foi, em grande parte, resultado do pensamento; nisso consiste o processo de emancipao humana. Se no alcanamos resultados radicais, ao fm de um largo processo histrico, vale considerar que a (re)confgurao importou em mudanas sociais efetivas. Na poca contempornea, a violao da dignidade da pessoa humana, decorrente das guerras mundiais passou, a exigir respostas mais efetivas para a garantia dos direitos humanos. J na Amrica Latina, a experincia das ditaduras militares tambm mobilizou a sociedade para a defesa dos direitos humanos. Essa cultura dos direitos humanos desenvolve-se primeiro no combate aos regimes autoritrios e pelas liberdades democrticas. Reconquistado o Estado de Direito, os direitos humanos se espraiam em pautas diversas, como 108 Educao em Direitos Humanos: fundamentos terico-metodolgicos a excluso social, os problemas ambientais e, ainda, a violncia estatal policial, dentre outras. Cabe destacar, ademais, que o processo de globalizao da economia coloca novos desafos para a concretizao dos direitos humanos. A reduzida capacidade fnanceira dos Estados difculta a implementao de polticas pblicas de promoo dos direitos humanos, enquanto aumentam as desigualdades de renda e riqueza entre os pases e entre a populao de cada pas. Por outro lado, a globalizao tambm comporta o fortalecimento de organizaes movimentos transnacionais de defesa dos direitos humanos. O contedo aberto dos Direitos Humanos As novas pautas de defesa dos direitos humanos demonstram que estes no se deixam aprisionar em contedos normativos defnitivos. A liberdade que se amplia nas formas democrticas, longe de conferir certezas acerca dos direitos humanos, evidencia a amplitude e complexidade de suas formas. Essa relao imediata dos direitos humanos com uma pauta implica um importante ativismo poltico, que impulsiona conquistas normativas e veicula a insero de parcelas da populao em processos negociais, ampliando os espaos de racionalidade pblica. A luta por direitos, acima de tudo, implica a prxis no sentido de uma sociedade mais racional quanto possvel, capaz de criar as condies de elevao do homem e de aproveit-las nesse benefcio. A educao em direitos humanos implica a constante pesquisa desse aberto e dinmico objeto. Para alm das pautas normativas sem distar delas , estamos diante da necessidade de ampliar os processos compreensivos acerca do humano, de sua natureza, da sua cultura como uma dimenso de sua natureza, de suas normas como uma das dimenses de sua forma, de seu viver. Em um sentido, a pedagogia dos direitos humanos se confunde com o retorno ao pensamento flosfco, com a necessidade de pensar o pensamento. A comear por sua prpria defnio, ou rendio, ante a radicalidade de sua abertura, que no o deixa apreender pelos mesmos conceitos e categorias instrumentais da forma de saber consagrada pela modernidade a cincia. 109 Educao em Direitos Humanos: fundamentos terico-metodolgicos A educao em direitos humanos requer refetir em torno das condies de possibilidades, reproduo e justifcao das formas simblicas, sociais e polticas permissivas, que tornam banal a violao da natureza e vulgarizam violaes diversas e naturalizam relaes humanas de submisso, excluso, explorao, discriminao, da violncia, preconceito, perseguio, enfm. A proteo constitucional e internacional dos Direitos Humanos Essa concepo do contedo aberto dos direitos humanos tambm inspira a Constituio de 1988, que representa um marco histrico para a educao em direitos humanos no Brasil. As Constituies democrticas cumprem um papel fundamental no desenvolvimento da cultura dos direitos humanos. Ao organizarem os poderes do Estado, as Constituies estabelecem normas que limitam seu exerccio, subordinando as aes dos agentes estatais ao cumprimento de deveres positivos e negativos. Objetiva-se, assim, fazer com que a atuao dos governantes seja guiada pelo respeito ao interesse pblico. A pauta mais importante estabelecida pelas Constituies, para lograrem esse objetivo, so os direitos fundamentais. Ao reconhec- los como direitos inalienveis de todos os cidados e cidads, o Estado incorpora o contedo dos direitos humanos ao seu ordenamento jurdico e se compromete a dispor de um conjunto de meios e instituies para garanti-los. Assim, os direitos humanos no so compreendidos como criaes do Estado, mas como obra da prpria sociedade que, por meio de seus representantes, estabelece os direitos que fundamentam e legitimam o Estado. A importncia da consagrao constitucional dos direitos humanos/fundamentais tambm decorre da posio de superioridade que a Constituio ocupa em relao s demais leis que integram o ordenamento jurdico estatal. Esse princpio da supremacia constitucional signifca que somente so vlidas aquelas normas que esto de acordo com a Constituio, o que faz com que todas as leis e os demais atos do poder pblico devam respeitar e promover os direitos humanos/fundamentais. Alm disso, ao tratar da sua reforma, a Constituio de 1988 declara que 110 Educao em Direitos Humanos: fundamentos terico-metodolgicos determinados princpios so intangveis, no podendo ser abolidos nem mesmo por emenda constitucional, dentre os quais se encontram os direitos humanos/fundamentais (art. 60, 4, IV). (BRASIL, 1988). A histria constitucional brasileira comea em 1824, com a Constituio imposta pelo Imperador D. Pedro I. As vrias mudanas de regime poltico ocorridas, desde ento, levaram a adoo de diferentes Constituies (1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969), contudo, muitas delas nem mesmo mereciam esse nome, tendo em vista que haviam sido impostas por regimes autoritrios que violavam os direitos humanos. A Constituio de 1988 destaca-se como a mais democrtica de nossa histria. As eleies para o Congresso que a elaborou, foram celebradas num ambiente de ampla liberdade poltica e participao popular, que se manteve durante o funcionamento da Constituinte (1987/1988). Os diversos movimentos sociais tiveram oportunidade de apresentar suas demandas durante o processo e, apesar do peso dos setores conservadores na Constituinte, muitas dessas demandas foram incorporadas ao texto constitucional. Em razo disso, a Constituio de 1988 se abre com a declarao dos princpios (Ttulo I) e dos direitos fundamentais (Ttulo II) da Repblica Federativa do Brasil. Destacando esses contedos no incio do texto constitucional, o legislador constituinte acentua a vinculao do poder pblico aos direitos humanos/fundamentais, compreendendo as demais normas constitucionais como instrumentos de sua realizao. No Ttulo I (arts. 1 a 4), a Constituio estabelece como fundamentos do Estado Democrtico de Direito, dentre outros, a dignidade da pessoa humana (art. 1, III), a cidadania (art. 1 II) e o pluralismo poltico (art. 1 V); defne como objetivos do Estado a construo de uma sociedade livre, justa e solidria (art. 3, I); e coloca a prevalncia dos direitos humanos como princpio reitor das relaes internacionais do Estado. O Ttulo II da Constituio de 1988 (arts. 5 ao 17) apresenta um amplo catlogo de direitos fundamentais em seus cinco captulos: Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, Dos Direitos Sociais, Da Nacionalidade, Dos Direitos Polticos, Dos Partidos Polticos. Essa terminologia indica o espectro de dimenses humanas que so cobertos pelos direitos fundamentais. A Constituio protege os direitos dos 111 Educao em Direitos Humanos: fundamentos terico-metodolgicos cidados e cidads tanto em sua esfera privada (liberdade religiosa e de pensamento, segurana pessoal e patrimonial, acesso justia, igualdade perante a lei), quanto na ordem social (direitos trabalhistas, direito sade, direito educao, igualdade material), quanto na ordem poltica (direito de sufrgio, direito de organizao partidria, democracia direta). Mas o elenco de direitos humanos/fundamentais reconhecidos na ordem constitucional no se limita queles declarados no Ttulo II. A prpria Constituio estabelece, em seu art. 5, 2, que os direitos e garantias nela expressos, no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte. (BRASIL, 1988). Alguns desses direitos encontram-se no prprio texto constitucional. Os direitos sociais, por exemplo, so apenas enunciados no art. 6, havendo seu detalhamento no Ttulo VIII da Constituio (Da Ordem Social), que trata, dentre outros, dos sistemas de seguridade social e de educao, cultura e desporto. Alm disso, o Brasil signatrio de vrios tratados internacionais sobre direitos humanos (ver infra) e a Constituio ainda possibilita que esses tratados se incorporem ao ordenamento jurdico brasileiro como emendas constitucionais (art. 5, 3). O amplo reconhecimento dos direitos humanos/fundamentais pela Constituio de 1988, alm de impor um conjunto de obrigaes ao Estado e aos prprios particulares para com sua proteo e promoo cujo cumprimento contribui decisivamente para o fortalecimento da cultura humanista tambm fornece bases para a educao em direitos humanos, ao promover o conhecimento de seu contedo e das garantias que podem ser acionadas para sua concretizao. Um exame mais detido do catlogo de direitos fundamentais da Constituio de 1988 pode contribuir com essa conscientizao. Apesar da diferente terminologia empregada no texto constitucional, cabe dividir em duas grandes categorias os direitos nele reconhecidos. Tal diviso tem como objetivo aprofundar o conhecimento dos deveres que correspondem ao Estado, para a realizao dos direitos humanos, bem como das garantias que o sistema jurdico dispe para sua proteo e promoo. Uma primeira categoria dos direitos humanos/fundamentais composta pelos direitos de defesa ou proteo. O conjunto de deveres do Estado em relao a esses direitos possui carter negativo, de obrigaes 112 Educao em Direitos Humanos: fundamentos terico-metodolgicos de no-fazer ou proibies: o Estado deve abster-se de praticar atos que violem os direitos humanos. Tais direitos buscam, especialmente, proteger uma esfera de posies e relaes jurdicas dos cidados da interferncia do Estado, defendendo que o titular do direito possa livremente praticar atos reconhecidos como vlidos no ordenamento jurdico. Exemplos dos direitos de defesa so as liberdades. A Constituio reconhece diversos mbitos de sua manifestao: liberdade religiosa, liberdade de pensamento, liberdade de expresso, liberdade de locomoo, dentre outros. O reconhecimento desses direitos implica, em primeiro lugar, que o Estado no deve interferir no exerccio das liberdades, por exemplo, proibindo a prtica de cultos religiosos ou a difuso de opinies. Exige-se do Estado uma obrigao de no-fazer, que ele se abstenha de praticar qualquer ato que venha a impedir ou obstaculizar o exerccio desses direitos. Apesar dos exemplos serem extrados dos direitos individuais, tambm os direitos sociais consagrados na Constituio possuem contedo de direito de defesa. Podemos pensar, por exemplo, no direito sade, que impe ao Estado deveres de absteno, no sentido de no praticar atos que coloquem em risco a sade da populao. A proteo dos direitos de defesa exige do Estado a organizao de um sistema judicial que impea e reprima atos atentatrios. Diante da violao ou ameaa de violao de um direito de defesa, cabe recorrer ao Judicirio para obter uma deciso que proba o Estado de praticar esses atos. Por exemplo, diante do constrangimento ilegal da liberdade de locomoo, a Constituio oferece a ao de habeas corpus, que permite a soltura da pessoa detida ilegalmente ou impede que ela venha a ser presa. No caso de atos administrativos que obstaculizem o exerccio de outros direitos, a Constituio dispe a ao do mandado de segurana, por meio do qual a autoridade judiciria pode determinar que o agente estatal deixe de praticar esses atos. Tais exemplos demonstram que as garantias dos direitos de defesa so, especialmente, garantias judiciais ou processuais: diante de uma ao inconstitucional do Estado, cabe acionar o Poder Judicirio para que o poder pblico se abstenha de praticar ou continuar praticando essas aes. Deve-se ressaltar, contudo, que para o funcionamento dessas garantias, o Estado deve cumprir deveres positivos, organizando adequadamente 113 Educao em Direitos Humanos: fundamentos terico-metodolgicos o Poder Judicirio para o atendimento das demandas dos direitos de proteo. Uma segunda categoria dos direitos humanos/fundamentais composta pelos direitos a prestaes. O conjunto de deveres do Estado, em relao a esses direitos, possui carter positivo, de obrigaes de fazer: o Estado deve adotar medidas e por em prtica um conjunto de aes para promov-los. Tais direitos se fundamentam na idia de que o Estado deve garantir a todos os cidados e cidads condies dignas de vida, prestando- lhes os servios necessrios para alcanar esse objetivo. Exemplos de direitos a prestaes so os direitos sociais. Ainda que eles tambm imponham deveres negativos ao Estado, tal como vimos acima, direitos como sade, educao e previdncia exigem do poder pblico uma srie de atos para que os cidados e cidads possam gozar de boas condies de sade, ter acesso ao ensino de qualidade e garantir sua renda diante da incapacidade para o trabalho. Esses atos que o Estado deve, obrigatoriamente, praticar incluem desde a edio de leis e outros atos normativos que desenvolvam o contedo dos direitos sociais e estabeleam os rgos responsveis por sua promoo, at a criao e manuteno de equipamentos pblicos como escolas e hospitais, bem como de seu corpo de funcionrios. Vale lembrar que tambm os direitos de defesa podem impor deveres positivos ao Estado. Por exemplo, a liberdade de locomoo das pessoas portadoras de defcincia visual ou motora somente pode ser garantida com a adoo de medidas que favoream a acessibilidade das vias e dos transportes pblicos. A garantia dos direitos a prestaes exige do Estado a organizao de um conjunto de instituies responsveis pela implementao das aes requeridas. Assim, os direitos sociais exigem, sobretudo, a organizao de sistemas pblicos regidos pelo princpio da universalidade, que os tornam acessveis a todos os cidados e cidads, e dotados de qualidade, cabendo ao Estado dispor os recursos necessrios para o bom funcionamento desses sistemas. Por essa razo, os direitos a prestaes tambm so considerados direitos realizao de polticas pblicas, dependendo de um conjunto ordenado e permanente de atos do poder pblico para sua concretizao. Dado o carter institucional das garantias dos direitos a prestaes, corresponde especialmente aos poderes Legislativo e Executivo o 114 Educao em Direitos Humanos: fundamentos terico-metodolgicos planejamento e a implementao das medidas necessrias. Ao poder legislativo, cabe a feitura de leis que organizem os sistemas pblicos de sade, educao, etc., e a destinao de recursos para essas polticas, por meio das leis oramentrias; ao poder executivo, cabe a regulamentao dessas leis e a garantia de seu cumprimento, utilizando corretamente os recursos disponveis. Isso no signifca que os direitos a prestaes no possam ser demandados judicialmente. A prpria Constituio oferece, por meio das aes civis pblicas, um instrumento de proteo dos direitos sociais, como modo de impor ao Estado o cumprimento de suas obrigaes de fazer. Contudo, deve-se reconhecer as limitaes do Judicirio para obrigar o Estado a desenvolver polticas universalistas: em um quadro de recursos escassos, a alocao de verbas pblicos por deciso judicial, para atender determinada demanda, pode no ter o impacto de igualizao esperado, tendo em vista que esses recursos podem faltar a outras polticas pblicas tambm necessrias. Nesse campo, portanto, a atuao do Judicirio tende a ser mais efcaz se obriga o Estado a tomar decises polticas que sejam adequadas concretizao dos direitos sociais, garantindo o exerccio de funes de fscalizao das polticas pblicas por parte da populao. Alm das garantias oferecidas pelo sistema constitucional, o Brasil signatrio de um conjunto de tratados internacionais de proteo dos direitos humanos. Conforme lembrado acima, o art. 5, 2 da Constituio reconhece como fundamentais os direitos objeto desses tratados, dentre os quais se destacam o Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos, o Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais e a Conveno Americana sobre Direitos Humanos, todos ratifcados pelo Brasil em 1992. Alm desses, vrios outros tratados internacionais tambm se encontram em vigor no pas, tal como a Conveno Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, ratifcada pelo Brasil em 1989, a Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher, ratifcada pelo Brasil em 1995, e a Conveno sobre os Direitos das Crianas, ratifcada pelo Brasil em 1990. Por fora desses tratados, o Estado Brasileiro assume, perante a comunidade internacional, um conjunto de obrigaes em relao aos direitos humanos, as quais reforam a proteo oferecida pelo sistema nacional. No caso do sistema da ONU, formado pelos Pactos acima 115 Educao em Direitos Humanos: fundamentos terico-metodolgicos referidos, o Brasil obriga-se a apresentar relatrios peridicos sobre o cumprimento de suas obrigaes ao Comit de Direitos Humanos, o qual analisa e recomenda a adoo de medidas pelo Estado. O sistema da Conveno Americana sobre Direitos Humanos conta com dois rgos: a Comisso Interamericana de Direitos Humanos, com sede em Washington (EUA), e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em San Jos (Costa Rica), cuja competncia contenciosa foi reconhecida pelo Brasil em 1998. Comisso Interamericana compete investigar as denncias de violao dos direitos humanos pelos Estados, as quais podem ser apresentadas pelos prprios Estados ou por qualquer pessoa. Constatada a violao de direitos humanos e no se alcanando uma soluo amistosa entre as partes, a Comisso pode submeter o caso deciso da Corte Interamericana, que, condenando o Estado, determinar que se assegure ao prejudicado o gozo de seus direitos, que sejam reparadas as conseqncias da violao e que lhe seja paga uma indenizao. Alm de apreciar violaes particulares dos direitos humanos, possibilitando sua reparao, o sistema interamericano tambm exerce uma importante funo de interpretao da Conveno Americana sobre Direitos Humanos, defnindo as hipteses em que o Estado pode ser responsabilizado pelo seu desrespeito, bem como o contedo dos deveres que a Conveno lhe impe. Seja por meio de opinies consultivas, seja por meio da fundamentao de suas decises, a Corte Interamericana exerce um papel pedaggico que busca evitar a ocorrncia de violaes dos direitos humanos, orientando os Estados a adotarem polticas favorveis a sua proteo e promoo. Referncias BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia: Senado Federal, 1988.