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Nildo Viana
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Marx não percebeu a possibilidade da burocracia (classe social que ele
reconheceu a existência em alguns escritos, principalmente O Dezoito Brumário de Luís
Bonaparte, mas que lhe reservou em sua concepção uma autonomia muito restrita) buscar
se tornar uma nova classe dominante ou se metamorfosear em burguesia de estado, o que
ficou em evidência a partir da Revolução Russa.
conflito entre elas. A burguesia busca aumentar a extração de mais-valor e o proletariado
busca diminuir tal extração. Num segundo momento, o proletariado luta para abolir tal
relação e ao fazer isto apresenta o projeto histórico de uma nova sociedade.
Mas quais são as relações sociais que o proletariado pode instaurar? Marx pensava
em uma nova sociedade instaurada pelo proletariado que rompia com a divisão social do
trabalho e com a relação entre dirigentes e dirigidos. Marx não utilizou a expressão que
atualmente se usa para denominar as relações sociais que potencialmente serão engendradas
pelo proletariado – autogestão – mas concebeu tais relações da mesma forma que os seus
continuadores fizeram posteriormente e que denominaram autogestão. A idéia de uma
sociedade autogerida não foi produto da imaginação de Marx, mas sim uma percepção que
ele e outros pensadores de sua época tiveram a partir da experiência do movimento
operário. O grande exemplo histórico que manifestou esta potencialidade foi a Comuna de
Paris.
Marx tomou esta experiência histórica como a forma finalmente encontrada de
sociedade socialista oriunda da práxis proletária e lhe dedicou um texto de homenagem e
análise2. O proletariado durante a Comuna aboliu o poder e a propriedade privada e
instaurou relações sociais igualitárias e esboçou a formação dos conselhos operários, as
futuras instituições responsáveis pela autogestão social em outras experiências históricas,
tais como no caso da Revolução Russa (a de 1905 e a de 1917, em sua primeira fase, ou
seja, antes do partido bolchevique tomar o poder e usurpá-lo do proletariado em seu nome),
a Guerra Civil Espanhola, a Revolução Portuguesa, entre outras.
A Atualidade da Teoria da História de Marx
A teoria da história de Marx surgiu no século 19 e mantém-se viva até os dias de
hoje. Mas muitos são os questionamentos e as teses de sua superação. No entanto, a grande
maioria das críticas endereçadas a esta teoria são, na verdade, críticas a caricaturas dela.
Sem falar nas idéias, que até muitos intitulados marxistas defendem, equivocadas do
determinismo econômico e do determinismo tecnológico, a teoria da história de Marx foi
transformada em mera ideologia, tal como denunciou Karl Korsch, um dos maiores teóricos
marxistas do século 20, que foi, justamente por suas posições radicais, esquecido pela
história oficial do marxismo.
2
Cf. MARX, Karl. A Guerra Civil na França. 2ª edição, São Paulo, Global, 1986.
Mas existem algumas críticas a Marx que parecem mais convincentes, pois
questionam a atualidade da concepção marxista da história. Tais críticas colocam em
questão a superação do “socialismo real”, o “fim da classe operária”, a “revolução
tecnológica” e o “triunfo final e definitivo do neoliberalismo e da democracia
representativa”. Mas qualquer análise aprofundada demonstra a fragilidade destas
concepções. O socialismo real, na verdade, não passava de um capitalismo de estado e sua
crise não contesta as teses de Marx, que nada tinham a ver com o regime implantado na
Rússia e demais países que viveram sob o capitalismo estatal.
O fim da classe operária consiste em nada mais do que tomar a aparência como
realidade, pois, se há uma diminuição quantitativa do proletariado, isto não quer dizer que
ele perdeu seu papel histórico, já que isto não era derivado de sua quantidade e sim do seu
caráter de classe social fundamental envolvida na relação social essencial de nossa
sociedade, a produção de mais-valor. Portanto, o proletariado continua sendo uma classe
fundamental e sustentáculo da sociedade capitalista e da burguesia. A diminuição
quantitativa do proletariado, aliás, significa um aprofundamento da tese de Marx, segunda a
qual há uma tendência declinante da taxa de lucro, pois a burguesia tende a utilizar cada
vez mais tecnologia e menos força de trabalho, e é esta que acrescenta valor às
mercadorias, sendo que a tecnologia apenas repassa seu valor, o que significa uma queda da
taxa de lucro. A revolução tecnológica também se insere nesta mesma realidade.
A tese do “fim da história” fundamentada na idéia de triunfo definitivo do
neoliberalismo e da democracia representativa não só desconsidera a crise tendencial da
sociedade capitalista e os graves problemas sociais (desemprego, crise financeira, ascensão
da extrema-direita com seu caráter antidemocrático, etc.) como também busca criar mais
ideologia que nega a historicidade sem uma fundamentação histórica ou teórica satisfatória,
a não ser uma interpretação superficial do mundo contemporâneo, onde se seleciona apenas
os fatos que “confirmam” tal interpretação.
Enfim, a teoria da história de Marx não só foi confirmada pelo desenvolvimento da
historiografia contemporânea como pelo próprio desenvolvimento histórico, sendo que
apenas o processo de transformação social, a revolução autogestionária, ainda não se
concretizou, mas que se torna uma tendência cada vez mais forte com o desenvolvimento
capitalista, que é um modo de produção transitório e que encontra pela frente inúmeras
dificuldades de reprodução.
O movimento autogestionário, por sua vez, ainda não assumiu proporções
consideráveis, mas tende a se expandir com o desencadeamento de novas contradições e
conflitos sociais.
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Artigo publicador originalmente em:
Revista Possibilidades. Ano 02 num. 05, Jul./Set. 2005:
http://possibilidades.teoros.net/possibilidades5.pdf