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acadêmico, a amplitude da discussão moral também se inverte em relação aos discursos
analisados na primeira parte.
Essa inversão justifica o título das duas seções que esse texto introduz: de um
lado, a grande ética, para uma ação da qual depende o próprio espaço público, que é em grande
medida transformadora. De outro, uma pequena ética, de natureza privada e interessada, em
grande medida conservadora de uma distribuição injusta de todos os capitais.
Mas essa introdução, o leitor terá adivinhado, não se limita a apresentar suas
seções. Vamos falar de efeitos. De moral fundada neles. Nossa pretensão é oferecer subsídios
filosóficos que denunciem as origens e fundamentos dessa perspectiva. Esse discurso que
flagramos junto a professores e doutrinadores não é espontâneo. Tem âncora na filosofia moral.
Nos clássicos. Pretendemos aqui dialogar com eles. Sem nos servir dos comentadores
autorizados. Risco de quem está farto de pagar pedágio a certa doutrina consagrada e
compulsória. Se o momento é de libertação, peço licença para propor minha hexegese
livremente. Ao menos nessas introduções das partes. A meu ver, a principal contribuição deste
trabalho.
Abordagem preliminar
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relação ao colírio, o repertório do aluno em relação à aula, o entretenimento do leitor em relação
ao romance, o título em relação à tese conservam algo em comum. A alteridade. A exterioridade.
Por princípio de utilidade entende-se aquele princípio que aprova ou desaprova qualquer
ação, segundo a tendência a aumentar ou a diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse
está em jogo, ou, a mesma coisa em outros termos, segundo a tendência que promove a
referida felicidade ou se opõe a esta.
Assim, ante a clássica reflexão grega sobre a vida que vale a pena ser vivida,
correlata ao próprio surgimento da filosofia moral, Aristóteles não abandonaria seu finalismo.
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Vivemos bem na medida em que agimos voltados para a finalidade que é a nossa. Para o thélos
que nos singulariza. Mister se faz descobri-lo. Descobrir o que já está posto. Dado que não nos é
facultado deliberar sobre o que nos dá causa. Mas como fazer? Onde estará a resposta sobre a
minha finalidade singular?
Somos, nós homens, entes singulares. Mas somos todos homens. O que aponta
para uma tangência no ser que deve corresponder a outra no thélos. Assim, podemos concluir
que nossas finalidades, além de serem singulares, devem ter algo em comum. Esse ponto de
tangência é, segundo Aristóteles, a eudaimonia. Todos os thélos de entes humanos devem
compreendê-la. Caso contrário, decorrem de uma apreciação equivocada. Assim, talvez não
saibamos com precisão qual o nosso thélos específico, causa do nosso ente. Mas sabemos que
deve compreender a eudaimonia, a felicidade.
Esse bem supremo só pode ser entendido, para o filósofo estagirita, à luz da
natureza política do homem. Isto é, em relação com outros homens. Fica, assim, descartada
qualquer reflexão estritamente individualista da eudaimonia aristotélica. Mais do que isso:
destaca o prazer como fundamento de qualquer reflexão eudaimônica, ainda que sem confundir
ambos os conceitos. Assim,
Admitimos comumente que o ato da visão é perfeito em qualquer momento de sua duração
— isto porque não precisa de nenhum complemento superveniente para conferir-lhe
acabamento formal. Ora, esta parece ser a natureza do prazer: este é, com efeito, um todo.
Não encontraríamos um prazer cuja prolongação no tempo conduzisse sua forma à
perfeição. [...] O prazer está entre essas coisas que são perfeitas de uma só vez.
(ARISTÓTELES, 1940).
Também a ética epicuriana pode ser apontada como uma origem remota do
pensamento filosófico utilitário. Epicuro (341–270 a. C.), em suas cartas, denuncia o prazer
como o bem em função do qual fazemos todas as coisas. O próprio Mill, no capítulo 2 do
Utilitarianism, reconhece a herança:
Aqueles que estão um pouco a par da questão sabem bem; de Epicuro a Bentham, todos os
autores que defenderam a doutrina da utilidade designaram por esta palavra, não alguma
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coisa que devesse ser oposta ao prazer, mas o próprio prazer e ao mesmo tempo a ausência
de dor.
Ponha dois homens sobre a terra; eles só chamarão de bom, virtuoso e justo aquilo que for
bom para ambos. Ponha quatro: só haverá comportamento virtuoso naquilo que convier aos
quatro. E se um dos quatro comer a refeição de seu companheiro, será agredido. Morto.
Promoverá o levante dos demais. Isso que eu digo desses quatro homens, é preciso dizer de
todo o universo.
Eis um inventário pobre das origens do pensamento utilitarista. Para que não
creiam ter, essa doutrina, surgida na Inglaterra do século XVIII, como sustentam muitos
enganadores manualistas. A partir daqui, enfrentaremos o pensamento dos mais notoriamente
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associados a essa corrente de filosofia moral. Com seus pontos comuns, mas, para desespero do
comentador, com muitas discrepâncias.
As questões relativas aos fins supremos não comportam prova direta. Para provar que uma
coisa é boa, é preciso necessariamente mostrar que esta coisa é o meio para alcançar uma
outra, cujo valor admitimos sem prova. Provamos que a arte médica é boa porque busca a
saúde. Mas será possível demonstrar que a saúde ela mesma é boa? A arte musical é boa
porque, entre outras razões, causa prazer. Mas que prova fornecer para demonstrar a
bondade do prazer? Desta forma, se fornecemos uma fórmula de ação ampla que
compreende todas as coisas boas por elas mesmas, e que todas as outras coisas só serão
boas como meios para estas e não como fins, esta fórmula pode ser aceita ou rejeitada, mas
não provada, no sentido ordinário do termo.
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Os seres humanos têm infinitamente mais semelhanças entre eles que diferenças. [...] Só há
um estado ideal para o homem. Trata-se de uma qualidade das mais honrosas. Que
produzirá num espírito bem constituído e saudável a maior satisfação. Todo o resto é
desviação e erro. Uma doença que deve se curada e não encorajada. Este bem último e mais
desejável é, de um lado, o prazer sensual e de outro o prazer intelectual.
Quem ousaria supor que há tanta felicidade sobre o globo quanto poderia haver? Que há
tanta virtude cívica que a razão poderia nutrir, se esta possuísse toda a força que poderia
possuir. Se déssemos à voz da natureza a possibilidade de se expressar claramente do fundo
do coração, e se os direitos naturais e inalienáveis dos seres humanos fossem reconhecidos
em toda a sua força; se o mérito autêntico, fruto da virtude, não fosse suplantado pelo
mérito falso, permitindo aos homens construir sua felicidade sobre a miséria de seus
semelhantes; se os homens se pautassem mais pela razão e menos pela opinião [...]
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Bentham não ficava devendo em engajamento a esses antecessores. Defendia,
por seu turno, de forma dispersa em toda a sua obra, a criação de uma organização internacional
que assegurasse a paz mundial, a emancipação das colônias, a criação de um tribunal
internacional regulador das disputas entre as nações, a criação de uma fraternidade dos Estados
europeus, o desarmamento, a melhora das condições de vida nas prisões, a limitação do uso da
pena de morte, a proibição das punições corporais nas escolas, programas de trabalhos públicos
em períodos de grande desemprego, prevenção de crueldades contra animais, políticas públicas
de saúde, com grandes investimentos em pesquisas científicas e a criação da caderneta de
poupança. Saliente-se que o ponto de tangência dos utilitaristas não está no detalhe de cada
proposição. Mas na preocupação genérica em mudar a sociedade em nome de um bem comum.
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opostos se forem opostas as conseqüências por elas acarretadas. Por isso, dizemos que em toda
reflexão conseqüencialista, o valor moral da conduta é relativo ao efeito por ela produzido.
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Bentham propõe, assim, uma metáfora que se consagrou: a do termômetro
moral. Seu uso visa a mensuração do bem-estar comum. Seu funcionamento é baseado no
princípio da consideração igual dos interesses. Eis o sentido da sua célebre advertência, “Cada
um deve contar por um, e somente por um”. Isso significa que todos são respeitados e
considerados igualmente, pouco importando o sexo, a cor da pele, o país de origem, a nobreza
familiar, idade ou riqueza.
Pontos divergentes
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poderíamos denominar clássico, na falta de termo mais heurístico. Para os autores aqui
perfilados, Bentham, Mill e Sidwick, o critério da felicidade só poderia ganhar alguma precisão
pelo viés do hedonismo. Isto é, felicidade é prazer. Ou ausência de dor. Uma palavra sobre o
hedonismo parece recomendável. No fechamento desses parênteses, prometo advertir, com
algum estardalhaço, o leitor que tenha se deixado embalar. Afinal, é do utilitarismo que estamos
falando.
O que é por natureza bonito e justo é o que, com toda sinceridade, vou dizer-te: aquele que
quiser viver bem deve deixar que seus desejos alcancem a maior intensidade. Não reprimi-
los. Mas esforçar-se com inteligência para satisfazê-los e saciá-los, por maiores que sejam.
O problema é que, como isso não está ao alcance da maioria, surgem as censuras daqueles
que por vergonha desejam ocultar sua própria impotência e afirmam que a intemperança é
vergonhosa, enaltecendo a moderação e a justiça por sua falta de hombridade. Porque para
aqueles que nasceram filhos de reis, ou têm a possibilidade de alcançar uma magistratura,
tirania ou domínio, poderá haver algo mais vergonhoso do que a moderação e a justiça?
Aqueles que podem desfrutar de suas vantagens sem que ninguém os impeça, porque
haveriam de obedecer à lei e à razão e à censura da maioria dos homens? [...] Assim, a
verdade é que a boa vida, a intemperança e a libertinagem, quando podem ser realizadas
impunemente, constituem a virtude e a felicidade. Todo o resto, todas essas convenções
humanas contrárias à natureza são coisas sem valor algum.
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Abro parênteses nesse instante, porque o desabafo de Calicles faz pensar no
filme A sociedade dos poetas mortos. O hedonismo é seu pano de fundo. A trama se desenrola
num colégio americano de grande prestígio. A política docente de Keating, carismático
professor, e seus efeitos pedagógicos constituem o eixo central da obra. O efeito desejado é
ensinar literatura ensejando afetos distintos dos outros cursos: de monotonia e enfado. Viver com
intensidade, viver o instante, parece ser o recado que acompanha as aulas. Resgatar o velho
Carpe Diem de Horácio. “Aproveitem o momento, rapazes — recomenda Keating com
entusiasmo —, lutem para que vossa vida seja extraordinária, para que ninguém alcance a morte
e descubra não ter vivido.”
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Nessa verdadeira aritmética dos prazeres proposta por Bentham, é preciso que
essas sensações presumidas, decorrentes das ações cogitadas pelo agente em deliberação, sejam
somáveis, isto é, sejam pertencentes à mesma espécie. Isso permitiria o uso de uma unidade
mensurativa, de um padrão quantificador. Inversamente, a consideração de prazeres radicalmente
singulares — interpretações do corpo aos efeitos produzidos por outros corpos em encontros
também radicalmente singulares, numa trajetória existencial que nunca se repete — ou mesmo
de prazeres de espécies diferentes tornaria toda comparação absurda, inviabilizando, assim, o
processo deliberativo.
Interpretamos que, para Mill, os prazeres que decorrem do uso das faculdades
intelectivas são mais garantidos, menos inesperados, menos dependentes de variáveis que não
controlamos. Dessa forma, não é o que sentimos que é superior. Essa superioridade advém da
maior certeza que temos de antecipar esse tipo de sensação a partir da antecipação de certos
encontros com o mundo que demandam o uso dessas faculdades.
Pode-se ver na obra de Moore o resultado do que havia tentado Mill a fim de
escapar ao simplismo da aritmética dos prazeres de Bentham. Mas Moore não estava seguro de
que Mill tenha conseguido tornar coerente sua classificação qualitativa dos prazeres com seu
engajamento oficial em favor da maximização como critério moral. Assim, Moore rejeita o
hedonismo e pretende que o valor do prazer dependa do que o causa. Afirma que existe uma
variedade irredutível nos gêneros de conseqüências, todos dotados de um valor intrínseco. Dessa
forma, ainda que uma ação boa seja aquela que maximiza esse valor intrínseco, não existe
nenhum princípio único que permita categorizar esses valores. O que impede todo cálculo,
mesmo em tese, de qual linha de conduta deve ou não maximizá-lo.
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Moore apresenta-se, assim, como um defensor da moralidade do senso comum.
Faz da socialização moral mais cotidiana o centro de sua reflexão sobre o dever ser. Seu
ceticismo em relação à impossibilidade de identificar as ocorrências do futuro e seus valores
dirige suas reflexões para como as pessoas efetivamente deliberam apesar das escassas
referências para isso. Sugere que somos dotados de uma intuição que nos faculta elaborar
julgamentos a propósito do valor das conseqüências das ações.
Ora, como reduzir essa relação prática entre agentes e espaços de ação à visão
utilitarista — e a illusio ao interesse utilitário? Ora, o utilitarismo toma os agentes como movidos
por ações conscientes. Como se cogitassem sobre os objetivos de sua ação e agissem de maneira
a obter o máximo de eficácia com o menor custo. Ora, a essa redução ao cálculo consciente,
oponho a cumplicidade ontológica entre o habitus e as estruturas objetivas do universo social a
que pertencem. Entre os agentes do campo e o mundo social há uma cumplicidade que escapa a
cálculos conscientes. Uma cumplicidade que denominaremos infraconsciente. Que não se
objetiva em discursos. Os agentes sociais que têm o sentido do jogo, que incorporam uma cadeia
de esquemas práticos de percepção e de apreciação que funcionam como princípios de visão e de
di-visão do mundo, não colocam como fins os objetivos de suas práticas.
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se na socialização. Numa certa intersubjetividade. Entre pessoas de carne e osso. Que se afetam.
Que ensejam, por isso, o tal sentido do jogo. O jogo na pele. A percepção do futuro do jogo dada
pelo senso histórico do jogo. O mau jogador está fora do tempo. Como na primeira aula de
aeróbica. Enquanto que o bom jogador tem incorporadas as tendências dos deslocamentos do
mundo jogado.
Outro ponto que opõe autores utilitaristas é o objeto último da reflexão moral.
Assim, o modelo conseqüencialista da justificação deverá ser aplicado a toda ação singularmente
considerada ou às normas que as regulam. Enquanto os partidários do utilitarismo de atos
sustentam que só o cálculo das conseqüências totais de cada ação a ser efetivamente deliberada
permitirá identificar da sua correção, os que defendem o utilitarismo de regras advogam que a
ação correta será sempre aquela que respeita a norma cuja observância generalizada produz
conseqüências melhores do que a observância generalizada de qualquer outra norma aplicável ao
caso.
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estabelecer assim o que se deve fazer, não se pode prescindir da norma que se julga mais
adequada.
O leitor, cuja existência sempre suponho, ao escrever uma tese, clama por um
exemplo. Há uma demanda social inequívoca por notícias. A produção destas últimas obedece a
rigorosos critérios de noticiabilidade. Esses, por sua vez, são identificados em sofisticadas
sondagens. Sobre o que o leitor quer ler. Assim, a notícia é o relato de um mundo que se supõe
deseja ser conhecido. Logo, se as notícias privilegiam condutas humanas ilícitas, escatológicas e
canalhas, supomos que seja essa a tendência de demanda de seus consumidores. Essas notícias,
portanto, atendem ao maior número. Ensejam a sua felicidade.
Para pôr fim a esta introdução sobre o utilitarismo, pano de fundo sobre
qualquer incursão sobre os efeitos como critério de moralidade, propomos duas questões —
centrais no discurso do desenvolvimento sustentável — que encontram suas raízes no mais
clássico pensamento utilitarista e recorrentes nos discursos dos responsáveis pela comunicação
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das empresas: a consideração dos animais e das gerações futuras no cálculo deliberativo da
conduta moral.
Os animais [...] são relegados à classe das coisas [...]. Haverá uma razão pela qual
deveríamos tolerar que os façamos sofrer? Não que eu saiba. Haverá razões pelas quais não
deveríamos tolerar que sofram? Sim, muitas. A uma certa época, e lamento acreditar que
em muitos lugar ainda é assim, a lei colocava uma grande parte da humanidade, que
denominávamos escravos, exatamente no mesmo plano que colocamos as raças inferiores e
animais hoje na Inglaterra. Virá o dia, talvez, em que o resto da criação animal poderá
adquirir seus direitos, dos quais eles jamais poderiam ter sido privados se a tirania não
existisse.
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pela experiência os efeitos a alcançar (tendencies) de seus atos. É dessa experiência que depende
toda a prudência e toda a moralidade da vida.
Falamos como se o começo dessa série de experiências tivesse sido diferido até o momento
atual. E como si, quando um homem se sente tentado a tocar a propriedade ou a vida de
outrem, ele devesse começar a se perguntar pela primeira vez se o assassinato ou o roubo
são prejudiciais à felicidade humana. Mesmo que fosse esse o caso, a resposta estaria fácil,
ao seu alcance. [...] Seria engraçado supor que os homens, depois de se concordarem sobre
a utilidade como pedra de toque da moralidade, não chegassem a um acordo sobre o que é
útil. Que não tomassem nenhuma medida para que essas coisas úteis fossem inculcadas
desde a juventude e fortificadas pelas leis da opinião (Utilitarianism, p. 78).
Questões atuais para as quais algum dos autores utilitaristas costuma servir de
suporte. Questões sobre as quais o comunicador se manifesta. Questões objetos de doutrina.
Objeto de reflexão docente. Objeto de um discurso acadêmico que passamos a analisar nesta
parte deste trabalho. Conforme já antecipamos, duas seções estruturam esta análise: na Seção 3
do trabalho, propomos a análise de um discurso acadêmico que destaca a grande ética do agir do
jornalista. Uma ética conseqüencialista preocupada com o maior número. Com o bem comum.
Uma ética utilitarista, no seu sentido clássico. Na Seção 4, uma pequena ética, para um agir
publicitário e do RP. Menos nobre. Mais privado. Mais interessado. Voltado ao lucro. Que não é
egoísta porque o benefício é do cliente. Não do próprio agente. Mas que também não considera o
maior número. A não ser como instrumento. Como fim intermediário. O agir publicitário e do
RP.
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