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arquitectura

CRÍTICA

Habitar o espaço público

Da prática crítica da arte urbana


MÁRIO CAEIRO

Propomo-nos pensar a arte pública crítica, modalidade da praxis artística [Ardenne], estética relacional [Bourriaud], place-specific [Lippard], new
na cidade, a partir de um princípio activo que convencionaremos chamar genre public art [Lacy]… Todos percepcionaram a arte como construção
extramuros. Elencamos um conjunto de intervenções realizadas em colectiva de significados e vivências, sendo que a sua interpretação crítica
Lisboa, convictos de que o seu carácter interpreta um espírito de liberdade, é a que nos coloca dentro do processo de avaliação e revificação destes
responsabilidade e consciência, condições sine qua non para um habitar fenómenos e não nos expulsa para o papel de meros consumidores.
verdadeiramente colectivo da cidade contemporânea.
Abordamos a Arte Pública como noema que reúne uma genealogia de Com a metáfora extramuros abarca-se uma praxis artística emancipatória,
projectos mas sobretudo se constitui como momentum filosófico, energia relativamente às vivências, aos significados e à própria construção
centrífuga, desejo de superação do papel instrumental da criatividade. Trata- mental que todos fazemos do mundo e de, nele, o[s] lugar[es] da arte.
se de a arte conquistar novos territórios, reequacionando os paradigmas Essa dimensão crítica consuma-se em acontecimentos que irrompem no
do monumento à luz de novos valores culturais; reavaliando a sua auto- espaço quotidiano, sob múltiplas formas e resultando de actos de desenho
confinação decorativa no seio do Design Urbano; construindo uma trama [instância anterior ao Projecto3], e que pressupõem uma ideia de partilha de
de conteúdos sócio-antropológicos a partir de processos de colaboração e informação, muitas vezes em tempo real4.
participativos. Arte pública será assim uma forma de conhecimento da cidade,
O Espaço Público, enquanto categoria filosófica, encontra-se em crise na considerando o Espaço Público na sua dimensão desenhada, mas
sua função territorializada – por via da privatização das suas valências –, igualmente imaterial, de experienciação do real no quotidiano. As
mas também enquanto conceito, o que resulta da caducidade das suas disciplinas que enquadram esta disponibilidade são as que projectam
premissas burguesas. Mas qualquer ameaça à ideia de Espaço Público a cidade, das ciências sociais à geografia, passando por qualquer área
como princípio moral deveria levar a comunidade artística e projectual a do saber que aceite a arte como co-ciência e lhe confira um lugar no
reconsiderar a crucialidade do mesmo. Nesse sentido, na cidade edificada, processo de investigação, como acontece no trabalho exemplar de Kristzof
o exercício da consciência, da criatividade e da experiência estética, Wodisczo, Francis Alÿs, Gabriel Orozco, Atelier Van Lieshout ou os Stalker…
decorrente de aspirações humanas básicas inalienáveis, exige a criação e A arte pública crítica será assim uma espécie de poiesis da urbanidade,
a preservação de lugares e situações vocacionadas para a interacção livre equivalendo a uma batalha pela representação do próprio Espaço Público,
entre os seus fruidores, num espírito de imponderabilidade . 1
explicitando formas de se fazer o social em que a arte, modalidade de
Tal desafio radica num compromisso com um filosofar público do quotidiano produção de significado, campo e habitus, aceita confrontar-se com outras
colectivo: à refundação do compromisso político, numa política da esferas de poder e legitimidade.
felicidade e do prazer […] do evento ou do acontecimento no labirinto das
singularidades, por oposição à política das representações, corresponderá Acontecimento, democracia, aforismo
uma arte igualmente refundada para além do princípio das indústrias O ‘acontecimento urbano’ Lisboa Capital do Nada5 assumiu, em 2001,
culturais.2 esse desígnio programático e essa função de encontro com o social, sob
É possível surpreender em várias formas de arte na esfera pública o mote ‘criar, debater e intervir no espaço público’. A ‘carta branca’ dada
qualidades essenciais que sucessivos autores condensaram em modelos aos criadores fez a diferença mas com os interesses de todos os agentes
ou categorias: situacionismo [Debord, Vaneigen], escultura social [Beuys], envolvidos a terem de ser negociados, logo com os valores abstractos a
crítica institucional [Haacke], campo expandido [Krauss], arte contextual terem de adaptar-se tacticamente às condições de produção e recepção e

1
Estado em que não podemos discernir se estamos num campo de gravidade zero ou em queda livre…
2
Carlos Vidal; Definição da Arte Política, Fenda, Lisboa, 1997.
3
Pedro Brandão; A Cidade entre Desenhos. Profissões do Desenho, Ética e Interdisciplinaridade, Livros Horizonte, Lisboa, 2006.
4
Neste sentido, a iniciativa independente Em Trânsito [2005], coordenada por Marta Galvão Lucas e Daniela Brasil, foi tão rara quanto exemplar.
5
Lisboa Capital do Nada – Marvila 2001, Extra]muros[, Lisboa, 2002.

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Foto: Hetpaht
Hetpakt, Fado Morgana, Luzboa 2006

com os artistas trabalhando num quadro organizacional que pressupunha A Lisboa Capital do Nada não foi certamente o único acontecimento de
serem cidadãos a corpo inteiro. Através da LXCN, como mais tarde arte crítica da década, mas motivou produção intelectual e posicionou-se
de outros projectos como Sinais – a Cidade Habitada6 e algumas das como paradigma8. Na LXCN, tratou-se de ressalvar a pertinência de uma
intervenções da Luzboa – Bienal Internacional da Luz , a deriva política da
7
arte do interstício urbano, da rua: A pergunta fundadora do ‘movimento’
arte contemporânea reencontrou-se com a actividade contextual, na esfera [como lhe chamaria Antoni Remesar, observador do evento]: A que
pública. Esses encontros fundaram-se a partir da categoria experiencial do papel podem aspirar criadores, profissionais da área projectual e actores
momento [Lefèbvre]. não-profissionais da vida urbana, na reivindicação de uma ocupação

6
Projecto de sinalética desenvolvido em 2003, com a comunidade a ser envolvida, por via de questionários e várias acções conviviais, na elaboração de designações, logotipo, imagem
gráfica e mobiliário urbano. Cf. 3 Projectos Experimentais.
7
www.luzboa.com
8
Não deverá ser escamoteada a concidência terminológica que une vários projectos que em sucessivas décadas interpretaram um desígnio paradigmático, em torno da figura do recomeço:
Alternativa 0 em 77, 6=0 em 86, Lisboa Capital do Nada em 2001.

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Foto: Rui Sacadura/Extra]muros[
Lisboa Capital do Nada, Lisboa 2001. Cordão Humano e José Maçãs de Carvalho, Porque é que existe o ser em vez do Nada?

responsável do espaço público, enquanto lugar de cidadania? do planeador, dos poderes locais instituídos – que podem ter ganho novas
A LXCN integrou nos processos criativos mecanismos de socialização, ferramentas para praticar velhos vícios, agora transformados em virtudes,
por via da auscultação, colaboração, da participação, da negociação, aos graças à caução de um conjunto de experiências que, por vezes, revelou
mais diversos níveis e fases. Chegou a imolar o estatuto de partida dos forma subtis de irresponsabilidade, desconhecimento e arrogância12.
projectistas, aceitando, por exemplo, a realização apenas parcial de um
projecto enquanto confirmação da sua qualidade crítica9. De certa forma, Happening, participação, discurso
o facto artístico obrigou-se a uma operação radical de auto-confinação Esta questão de uma condensação interactiva, relacional, do simbólico
antropológica, como na peça Porque é que existe o ser em vez do Nada? em tempo real, na paisagem urbana, foi característica fundamental nos
Esta foi uma campanha de comunicação elaborada por José Maçãs happenings criados por Catarina Campino ou André Guedes. Paisagem
de Carvalho, que deu visibilidade a «heróis» quotidianos de Marvila. Combinada, deste último, consistiu no movimento encenado de jovens
Seleccionou cinco jovens que figuraram em mupis, cartazes, folhetos, de um clube desportivo local na paisagem do Vale de Chelas. Nos dias
postais e na internet, cuja fotografia era acompanhada por um telefone de apresentação, uma bancada com 40 lugares era mais do que o indício
móvel, numa campanha de tipo hotline, irrupção do real no espaço público de que havia ali um espectáculo, ela era o símbolo da espectacularidade
mediático. própria de todo aquele momento urbano. Mariana Viegas, com Caminhos,
Relevar o princípio extramuros desta arte equivale a dizer que nas obras registou os percursos que os adolescentes percorrem no seu dia-a-dia,
mais emblemáticas os artistas ‘saíram’ de algum lado [o seu estatuto, o acompanhando-os e estabelecendo com um pequeno grupo de estudantes
estatuto da arte, disciplina de origem, enquadramento académico] para do Secundário um relação de estreita colaboração. No final, os resultados
se apresentar ao mundo como apenas cidadãos, colocando porém as foram ‘devolvidos’ à escola, nos seus espaços de convívio. Também
suas competências específicas [capacidade de simbolização/significação/ Paula Figueiredo, em Ádito, empreendeu numa primeira fase do projecto
representação, perícia técnica, saber integrado] ao dispor de situações de uma acção de recolha, [imagens antigas da arquitectura industrial e dos
intersubjectividade carregadas de interesse genuíno pelo destino colectivo trabalhadores que a habitaram]. Depois expôs as imagens no Clube Oriental
[representado, por exemplo, pela comunidade de um lugar]. Foi o que de Lisboa, montando-as – sem legendas – por entre velhas recordações,
aconteceu com o cordão humano que, dia 1 de Outubro de 2001, levou nos corredores, no bar, no átrio. Quanto a Catarina Campino, a sua série
4 000 pessoas da Freguesia de Marvila a ‘dar as mãos por nada’, unindo o de cinco concertos de ópera em outros tantos espaços-tipo do território
«casco velho» e o «casco novo» daquele território. – constituiu-se como uma violenta colagem tridimensional, deliberadamente
Mas também é de frisar que muita da arte produzida no quadro da LXCN impositiva mas, paradoxalmente, foco de emoções estéticas inequívocas.
valeu pela instauração de dificuldades críticas. Foi o caso de Francisco Sinais – a cidade habitada foi um outro projecto interdisciplinar e
Tropa10, cuja peça foi ao mesmo tempo mito risível, argumentação política, experimental, desta vez de sinalética participativa, que deu continuidade à
e, acima de tudo, aforismo urbano. Este estatuto aforístico, que permeou
11
Lisboa Capital do Nada, embora com enfoque no design de equipamento
outras intervenções, decorre até certo ponto da consciência da potencial e comunicação. Incluiu inquéritos à população, acções conviviais, a
violência simbólica [Bourdieu] inerente à actividade artística: é possível que instalação de protótipos no espaço urbano. O pragmatismo do esforço
com Lisboa Capital do Nada saia mais uma vez reforçado o exercício de desenvolvido, com a instalação de dezenas de estruturas de sinalética
poderes tradicionais – do artista, do comisário, do arquitecto, do designer, urbana, respondeu a um ‘Espaço Público’ mais ‘objectivo’ que o de todos

9
Caso de um parque infantil de João Pedro Vale que não passou das páginas do catálogo.
10
Tropa, com a verba que lhe foi disponibilizada para realização do seu projecto, mandou fazer um pequeno cilindro em ouro e ofereceu-o ao presidente da Junta de Freguesia, afinal a
corporização máxima do Espaço Público ao nível da representatividade política.
11
Muita da arte extramuros é assumidamente aforística, porque esta é uma categoria genérica que, também no campo da visualidade, coloca no espectador a responsabilidade de
descodificar, em tensão, as possibilidades interpretativas que é obrigado a interiorizar e organizar se quiser assumir o estatuto de espectador consciente e emancipado do acto artístico.
12
Mário Caeiro, in Lisboa Capital do Nada.

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(em cima) Emanuel Brás, Do Lugar à Paisagem, Sinais - A Cidade Habitada, 2003
(em baixo) Ron Haselden, Family Idea, Luzboa 2004
Foto: Emanuel Brás

os projectos artísticos anteriores. Mas também nos Sinais houve activismo


intersticial. Diversas fotografias foram instaladas nos sítios em que foram
feitas as tomadas de vista, aplicadas nos suportes de sinalética. Emanuel
Brás concebeu esta intervenção como convite à deriva: passear por Marvila
como se fosse a primeira vez, olhar a realidade envolvente, estar no lugar.
Nas sinaléticas, esta abordagem político-filosófica da paisagem enquanto
lugar mental e de valor, encontra-se representada pelo pictograma azul
«Lugar-paisagem», confirmando um cuidado que decorre da primazia da
experiência sobre a representação. Até hoje, a cidade de Lisboa mantém
portanto um projecto permanente de elevado rigor conceptual que persiste
em fornecer uma informação urbana crítica; e que em Junho de 2008, às
portas da terceira travessia do Tejo, que cairá em Marvila, mantém a maior
actualidade…

O princípio de extraterritorialização cultural e diluição institucional que


defendemos para a arte no Espaço Público – que já não corresponde
necessariamente a oportunidades estáticas de activar um lugar, colocando
arte num determinado espaço, mas antes resultado da consideração do
sítio e do mundo [Cauquelin] – levou um artista como Christian Nold a
projectos de arte-investigação13 que são exemplares de uma suspensão
da categoria ‘arte’ em prol de uma acção directa e imediata baseada
na intersubjectividade. O resultado dos seus workshops é um mapear
alternativo da cidade. Caso extremo do discurso verbal como obra de arte
pública emancipatória, são as frases que Mel Jordan e Andy Hewitt14
espalham pelos mais variados media: The social function of public art is
to subject us to civic behaviour. / The economic function of public art is to
increase the value of private property. / The aesthetic function of public art
Foto: Rita Cachão/Tânia da Fonte/Extra]muros[

is to codify social distinctions as natural ones. Da Foz do Arelho15 a Veneza,


as frases funcionam como obras de arte [!?]… portáteis. Esta diluição
radical do objecto anda a par da problematização do contexto socio-político
em que arte pública se desenvolve. Na obra The Freee Collective Manifesto
for a Counterhegemonic Art16, os FREEE [Jordan, Hewitt + Dave Beech]
propõem uma radical pulverização do sistema das artes e das ideias
culturais que lhe estão subjacentes [a divisão cultural]. Nessa obra, o

13
Ver http://www.softhook.com ou www.biomapping.net.
14
Mel Jordan, Andy Hewitt; I Fail to Agree, Site Gallery, 2004.
15
Hewitt e Jordan participaram em 2006 num simpósio-retiro na Foz do Arelho, organizado em parceria com a ESAD.CR; no dia seguinte, apresentaram uma conferência na Casa d’Os
Dias da Água, juntamente com Malcolm Miles.
16
Beech, Dave; Hewitt, Andy; Jordan, Mel; The Freee Art Collective Manifesto for a Counter-Hegemonic Art, Shefield, 2007.

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Foto: Hugo Ferreira e Vera Jesus/Extra]muros[
noema Espaço Público é a pedra de toque de uma programa político para Vozes, famílias, corpos
a habitabilidade do espaço urbano, desenho urbano crítico sob a forma Nos melhores momentos da Luzboa, trata-se de, mais uma vez,
discursiva, ainda nos interstícios – mas agora do campo intelectual e do promover uma arte em fluxo, e que entretanto a filósofa Christine
mundo da arte… Buci-Glucksmann estabilizou como Estética do efémero20, uma teoria
da sensibilidade em que a beleza é faculdade de recriar sentido, de
Da Luz Urbana… sismógrafos visuais maneira a construir uma ‘hermenêutica do sujeito’ aberta ao cuidado
Sem verdadeiramente se oporem às estratégias políticas em matéria de de si e do outro. E se L’éphémère n’est pas le temps mais sa vibration
iluminação publica, alguns artistas contrapõem ao poder de atracção devenue sensible21, poderia haver melhor descrição do trabalho de
da luz a sua transformação num revelador visual das complexidades habitação temporal que os Hetpakt empreenderam nas Escadinhas de
muitas vezes invisíveis da cidade, e até do seu tecido social. […] A luz, São Cristóvão? A peça recorreu a soluções de produção de luz, imagem
neste caso, induz uma interpretação do sentido dos lugares, em vez de e som básicas [captação por pin hole, projecção de slides sobre panos
neles incorporar um sentido orientado, decidido por alguns. A Luzboa 17
brancos] e habitou o espaço por forma a estabelecer um momento
promoveu em 2004 e 2006 uma vertente da arte contemporânea que que celebraria a alma [musical] de uma cidade, por via de um ‘coro
perseque este programa de refundação do papel da Luz na cidade. Esta urbano’ de vozes individuais que, juntas, compusessem uma espécie de
‘Arte da Luz’ implica a crítica da ‘grande arte’ e ao mesmo tempo uma sua consciência-memória colectiva. Proporcionando a partilha de emoções
actualização. Em L’Art après le Grand Art, Jean-Claude Pinson pergunta- profundas, a peça permitiu um raro tipo de fusão entre espectador e
se: quelle sorte alors de grandeur l’art d’aujourd’hui peut’il être credité? 18
obra, um ‘fazer corpo com o dao’22.
Não hesitamos: é a grandeza do social, contingente, partilhado. E uma Antes, em 2004, já Ron Haselden interpretara o programa da Luzboa
expressão caracteriza os eventos que reúnem as múltiplas formas de por via de uma peça participativa. Family Idea foi a representação
intervenção urbana por via da Luz e da Iluminação: sismógafos visuais de dos desenhos feitos por crianças da Cova da Moura, convidadas a
qualidades urbanas . 19
desenvolver a sua ‘ideia de família’ e a apresentá-la no centro da cidade.

17
Marc Latapie, in Luzboa – Lisboa Inventada pela Luz, Extra]muros[, Lisboa, 2006.
18
Jean-Claude Pinson, L’art après de grand art, Éditions Cécile Defaut, Paris, 2005.
19
Bettina Pelz, in Luzboa – Lisboa Inventada pela Luz, Extra]muros[, Lisboa, 2006.
20
Christine Buci-Glucksmann, Estétique de l’ephémère, Galilée, Paris, 2003.
21
Idem.
22
Idem.

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Foto: Hugo Ferreira e Vera Jesus/Extra]muros[
(à esquerda) Bruno Peinado, Lune, Luzboa 2006
(em baixo) Javier Núñez Gasco, Misérias Ilimitadas, Lda., Luzboa 2006
(ao lado) Jana Matejkova, Coração, Luzboa 2006

O resultado expressou vivências individuais no jardim público do Parque pulverizar a rotina estética23. Obras como esta de Núñez Gasco celebram
Eduardo VII [único local central que a fúria publicitária do EURO 2004 portanto o Espaço Público num registo que não o da mera teatralização
deixara inadvertidamnente livre]. A obra é hoje um must dos festivais de do social, mas da própria plasticidade desse social.
Luz, tendo desde 2004 sido apresentada já nas cidades de Lüdensheid,
Genebra e Eindhoven. Utopia station :)
Em contraste com tais monumentos à vida imaterial da cidade, Javier Pode ser uma fantasia, mas, com Malcolm Miles24: we ask for a location
Núñez Gasco apresentou na Luzboa a obra Misérias Ilimitadas, que in which a society is continuously renegotiated as an always-unfinished
consistiu na constituição e gestão de uma empresa, com o nome determination of itself.25 Claro que, depois de uma crise radical das
de Misérias Ilimitadas, Lda. Contratou pessoas para pedir esmola, ideias utópicas, a percepção do lugar de cada na construção do colectivo
actividade ilícita, mas recorrendo à electricidade pública e sem é árdua: After the failure of 1968 there was a retreat. Now there is
descurar todas as obrigações relativas ao pagamento dos devidos hardly anywhere to which to retreat. This does not mean personal
impostos. Terá passado despercebido ao campo cultural, que, no dia experiences and moments are any less abundant, and may imply
em que a Luzboa era chamada de capa nos media de referência, that they become increasingly a location for critical and liberative acts
estes ‘mendigos profissionais’ faziam o pleno das contracapas dos of imagination. […] I would see critical art practice as also engaged
jornais sensacionalistas, evitando assim o logro do chamamento – o in such reinterpretation, with the caution that – learning from the
‘vem’ [Derrida] que subjaz a muita arte participativa – e conseguindo failures of all the avant-gardes, it is not a work of interpretation but of
recognition.26
No fundo, estamos perante uma dificuldade de articulação entre
pensamento e acção; da exercitação radical do músculo utópico
que sabemos, todos, possuir… É que estes projectos são capazes
de proporcionar oportunidades de autonomia a pessoas concretas
e explicitam a dialéctica inerente à relação indivíduo-corpo social.
Convidam o espectador a sê-lo criticamente – co-produtor, co-
enunciante, elemento consciente dos processos de troca e fruição de
imagens, de modelos mentais, de visões do passado, do presente, do
futuro, no espaço urbano enquanto quotidiano expandido. Por isso, na
sua radicalidade relacional, estes projectos têm o condão de explicitar
aspectos da vida social, e da responsabilidade que se exige ao cidadão.
Estão a mapear a vida social com resultados práticos ineludíveis, e a
‘obrigar’ as pessoas, todas as esferas de poder, a repensar-se enquanto
agentes e protagonistas do habitar colectivo. 
Foto: Daniel Malhão

Mário Caeiro nasceu em Lisboa em 1966.

É designer, investigador e docente na Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha.
Preside desde 2000 à Extra]muros[ associação cultural para a cidade.

23
Inclusive a dos funcionários bancários, fiscais das finanças, forças de segurança ou técnicos camarários com quem o artista e a Organização da Bienal mantiveram contactos.
24
Autor britânico, da Universidade de Plymouth, cujos textos em português foram todos editados pela Extra]muros[, nomeadamente Para Além do Espaço Público, Lisboa, 2001.
25
Malcolm Miles, in ‘Displaced Monuments and Public Spheres’, Luzboa – Lisboa Inventada pela Luz.
26
Idem.

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