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CONCEITO DE FELICIDADE EM

SANTO AGOSTINHO NA ERA


CONTEMPORÂNEA

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contemporanea

JESUS DE AGUIAR SILVA RA -1015097


CONCEITO DE FELICIDADE EM SANTO AGOSTINHO NA ERA
CONTEMPORÂNEA
ARAÇATUBA-SP 2008
JESUS DE AGUIAR SILVA

CONCEITO DE FELICIDADE EM SANTO AGOSTINHO NA ERA


CONTEMPORÂNEA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Claretiano
para obtenção do título de graduado em Licenciatura em Filosofia. Orientador:
Prof. Juan Antônio Acha.
ARAÇATUBA-SP 2008
JESUS DE AGUIAR SILVA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Claretiano
para obtenção do título de graduado em Licenciatura em Filosofia. Orientador(a):
Prof. Juan Antônio Acha.

CONCEITO DE FELICIDADE EM SANTO AGOSTINHO NA ERA


CONTEMPORÂNEA
Orientador: Juan Antônio Acha
Examinador: Maurício de Oliveira
Araçatuba-SP, 13 de Dezembro de 2008.
Dedico esta obra primeiramente aos meus pais e a minha família, de quem recebi
estímulo para ser o que sou hoje. Dedico também a todos os meus amigos e amigas que
ao longo do tempo acreditaram em mim, estiveram presentes em minha história,
ajudando-me na compreensão do mundo. Em especial dedico este trabalho ao meu
amigo Orion Ferreira Lima – doutorando em Filosofia na UNESP de Botucatu/SP –
por sempre se fazer presente em minha vida, direcionando-me, compreendendo-me, e
me ajudando nas questões filosóficas.
Primeiramente, agradeço a Deus pelo dom da vida e por sempre se fazer presente em
meu coração, e à Virgem Maria, mulher do silêncio e da misericórdia, na qual tenho
me espelhado tanto. Ao saudoso Papa João Paulo II, que por meio de sua vida, de seu
carisma e de seus escritos, me ensinou que a esperança é muito mais forte que o medo.
Ao Padre Fábio de Melo, que através de suas canções, escritos e reflexões, interferiu
de maneira significativa em minha vida, fazendo-me compreender a humanidade eseus
limites. À Banda Rosa de Saron, que por meio de suas canções me fizeram entender que
o mundo é possível de ser transformado pela força do amor de dos valores. De maneira
muito especial, meus sinceros agradecimentos ao meu orientador, Professor Juan
Antônio Acha, por toda atenção, paciência, humanismo e bondade direcionadas a este
TCC; só tenho a lhe agradecer. Ao Padre Valdecir pelo apoio e amizade, à priminha
Bety pela colaboração na organização dos meus estágios, à Lady Berê de Pirajuí,
minha gratidão pela correção ortográfica deste meu trabalho. Ao Luiz Cláudio
Tonchis, meu amigo de turma, o qual sempre esteve comigo nos trabalhos em grupo e
me lembrando dos prazos de entrega dos trabalhos e atividades. A todos os professores
e alunos do Claretiano que estiveram presentes em minha história ao longo destes três
anos. Sentirei saudades de vocês. Obrigado por tudo.
“Encontrei muitos que gostam de enganar, mas ninguém que quisesse ser enganado.
Onde, então, conheceram a felicidade, senão onde conheceram a verdade? Visto que
não querem ser enganados, também amam a verdade, e desde que amam a felicidade,
que nada mais é que alegria proveniente da verdade, certamente também amam a
verdade; e não a amariam se não retivessem dela, na sua memória, alguma noção. Por
que, então, não se alegram com ela? Por que não são felizes? Porque se empolgam
demais com outras coisas, que as tornam mais infelizes do que a verdade, de que se
recordam fracamente, e que os faria felizes.” (SANTO AGOSTINHO, 2007, p.232).
RESUMO
O presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), visa apresentar um caminho para a
vida feliz, tendo em sua essência o pensamento do filósofo Santo Agostinho, que
durante muito tempo viveu uma inquietude na alma, justamente por querer se descobrir
e se conhecer no mundo. Analisando sua vida e valorizando a sua humanidade, somos
capazes de percorrer, por meio de sua história, um vasto caminho, marcado pelas dores
existenciais, sendo sua maior busca, a da felicidade. Propor a busca pela felicidade, não
é propor um caminho de efemeridades, mas percorrer uma trilha estreita de significados,
pela qual o ser humano pode refletir sobre sua história, sobre os acontecimentos e ter
como desejo o retorno à alma e conseqüentemente à vida feliz. Mediante a nossa era
contemporânea, marcada pela tecnologia, pelo capitalismo, e pela virtualidade, este
trabalho visa justamente propor por meio do pensamento agostiniano, um caminho pelo
qual seja possível a reflexão de alguns temas, para que realmente consigamos ver a
possibilidade da vida feliz em nosso tempo. Mesmo sendo um período tão longo na
história, entre as idéias agostinianas até o mundo contemporâneo, o desejo da alma
permanece o mesmo, as realidades que nos cercam sofreram modificações, mas o desejo
de ser feliz permanece intacto até os nossos dias. A busca por um sentido, move o ser
humano em qualquer que seja a situação que ele se encontra, da mesma forma como
moveu Santo Agostinho, que foi direcionado pelo desejo de buscar além da
materialidade e da efemeridade. Assim apresentam-se neste trabalho algumas reflexões
em busca da felicidade, levando em conta, principalmente, a necessidade e as realidades
do homem de hoje, marcado pelo secularismo, pelo individualismo, pelo hedonismo e,
principalmente, pela carência de ser conhecido e de conhecer-se, de relacionar-se, de
descobri-se e de ser feliz.
Palavras-chaves: Significado. Conhecer. Relacionar. Vivenciar. Felicidade.

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da filosofia, a natureza era o referencial para as explicações da
humanidade, de certa forma, a única verdade que aqueles que viveram nesta época
possuíam de encontrar nestas explicações um caminho para se buscar a felicidade, pois
como não se conheciam, buscavam nos fenômenos naturais uma resposta para suas
inquietações interiores.
Sócrates, ao propor a maiêutica, fazia justamente as pessoas se questionarem sobre suas
condutas, sobre a maneira de pensar, sobre as realidades que viviam, pois queria fazê-
las irem além da superficialidade.
Mas, afinal de contas, o que é ser feliz? Ser feliz é um desejo presente na natureza
humana que leva o ser humano a querer conhecer, descobrir, encontrar e se realizar.
Neste cenário, nasce, então, a mudança de foco, da natureza para o próprio ser. Sendo o
homem o único ser pensante na face da terra, este se volta a si mesmo, e a partir daí
começa a se realizar ou a se descaracterizar no mundo. De acordo com JAEGER (2003,
p.581) entendemos que:
Mais de dois mil anos já se passaram desde o dia em que Platão ocupava o centro do
universo espiritual da Grécia e em que todos os olhares convergiam para a sua
Academia, e ainda hoje se continua a definir o caráter da filosofia, seja ela qual for, pela
sua relação com aquele filósofo. Todos os séculos da Antiguidade que se seguiram a ele
ostentam na sua fisionomia espiritual traços da filosofia platônica (por mais
metamorfoseados que estejam), até que por fim o mundo greco-romano se unifica sob a
universal religião espiritual do neoplatonismo. A cultura antiga, que a religião cristã
assimilou e à qual se uniu para entrar, fundida com ela, na Idade Média, era uma cultura
inteiramente baseada no pensamento platônico. É só a partir dela que se pode
compreender uma figura como a de Santo Agostinho, que traçou a fronteira histórico-
filosófica da concepção medieval do mundo.
Assim, a filosofia platônica nos sugere que o mundo foi visto de forma diferente. Santo
Agostinho, em seu tempo, mergulhou no pensamento de Platão, construindo suas
principais teorias.
Desta maneira, partindo de Santo Agostinho e do pensamento platônico, o presente
trabalho visa ajudar o ser humano a se descobrir enquanto pessoa que caminha neste
tempo. Uma forma de transcender em meio a tantas situações que retiram do ser
humano aquilo que ele possui de mais belo e verdadeiro, iludindo-o a formas efêmeras
de se viver.
Para compreendermos, de fato, a felicidade, é necessário antemão compreender nossa
existência. Existência esta que nos faz compreender realmente quem somos, o que, na
verdade, buscamos e o que é essencialmente necessário para sermos felizes.
Todos nós desejamos viver a nossa vida em busca daquilo que almejamos, mas nem
sempre aquilo que temos por objetivo, poderá nos conduzir à felicidade. Existem buscas
que não nos levam à felicidade.
Está em nós este desejo de conhecer, de saber, de adquirir conhecimento e desbravar
novos horizontes; constantemente caminhamos em busca de algo que seja realmente
capaz de nos preencher, mas nem sempre somos preenchidos. E quando tomamos
consciência de que não nos preenchemos e que estamos estagnados, sem nada a
acrescentar em nossa história, então descobrimos que a verdadeira busca pela felicidade
acaba de ser iniciada. Conforme diz ARENDT (1997, p.84):
O que é criado tem a estrutura do devir, do ter-se tornado (fieri), e, portanto, do
perecível. Tudo o que é criatura provém do ainda-não e corre para o já-não. Provindo de
um ainda-não, a criatura, na medida em que se põe à procura do seu próprio ser, torna
explícita, pela questão do antes, a relação retrospectiva com a sua própria origem a
partir desta relação prévia.
Acreditamos que algumas condições que estão muito próximas a nós, garantem-nos uma
verdadeira tranqüilidade, quando na verdade somos enganados pelos nossos sentidos,
pois o que realmente nos torna felizes é a descoberta do ser, o retorno à alma. A
felicidade humana depende justamente disso, de estarmos vivenciando aquilo que é, ao
invés de nos determos naquilo que não é, e aquilo que não é nos torna inautênticos,
afastando-nos assim da vida feliz.
Nos capítulos que se seguirão adiante, trabalharemos alguns temas muito importantes
para a compreensão do assunto, sendo eles: o conhecimento, o relacionamento, a
liberdade, o amor, o tempo e a felicidade.
O processo do conhecimento, por meio do descobrir-se no mundo, é de suma
importância nesta busca pela felicidade, porém não podemos nos perder através dos
sentidos, mas utilizá-los em favor do desejo da alma em busca da vida feliz.
Ao nos relacionarmos com o mundo, objetos e pessoas, de certa forma estamos tentando
nos descobrir, mas o excesso de pôr nossa vida no mundo (ter, arraigar), isso nos
aprisiona, afastando-nos de nós mesmos.
Ao buscarmos a liberdade, vemos e temos o mundo não como prisão, mas aprendemos a
estabelecer laços com as pessoas e os objetos, no intuito de buscarmos uma harmonia
que nos direciona à alma.
O amor vivido por meio e a partir da liberdade é capaz de nos revelar e também de
revelar o mundo. Essa força é capaz de transformar a vida, dar novo sentido a ela,
fazendo com que tudo seja ordenado e tenha seu real significado, contribuindo para a
transformação de nossas realidades.
O tempo, ao contrário de imposição e de um fim quando este está aliado à busca pela
vida feliz, por meio de nossas escolhas, tende a nos ajudar a desprender de toda
efemeridade e nos permite viver de maneira a darmos um novo significado a cada
momento vivenciado, fazendo-nos realmente existir sem desespero, onde vivenciaremos
o tempo e não apenas passaremos por ele.
Por sua vez, a felicidade consiste em buscarmos na realidade, por meio do
entendimento, o caminho para a vida feliz, buscarmos a essencialidade e refletirmos
sobre a efemeridade. Desta forma, será possível pensar sobre a vida feliz (verdade) que
se opõe ao engano.
CAPÍTULO 1
O CONHECER
1.1 O PROCESSO DO CONHECIMENTO
Pelo processo do conhecimento, o homem vai desvendando o mundo ao qual pertence.
Já nos primeiros anos de vida, o bebê começa a se descobrir enquanto pessoa num lugar
em que ele precisa aprender a conviver, ou seja, conviver com o outro, recebendo,
assim, os primeiros afetos, as primeiras palavras, recebendo o alimento. Com o passar
do tempo, à criança vai se desenvolvendo, e por meio de tudo que lhe foi transmitido e
por aquilo que ela aprendeu através da observação, de suas experiências, vai
construindo o seu conhecimento acerca do mundo e das coisas. De acordo com
SAYEGH (2008), encontramos:
Piaget aprovou a construção individual como singular e diferente, embora comumente
ligada e próxima daquela da cultura, com isso a criança tem a chance de errar e
construir. Vai ocorrendo períodos de desequilibração para uma nova sustentação de
bases. Sabemos que muitos indivíduos estão estacionados em algumas etapas de
desenvolvimento e isso é refletido no dia-a dia, com um jeito particular de pensar.
Neste processo ao qual estamos inseridos em sociedade, somos influenciados em nosso
pensamento, em nossas atitudes e todos esses acontecimentos nos fazem conhecer de
fato quem somos, quem o outro é e nos permite ir conhecendo, aos poucos, o mundo em
que vivemos.
Essas relações em que ora nos realizamos, ora nos decepcionamos, vão construindo o
que de fatos somos, o que de fato está presente em nós. A partir daí, nosso pensar e agir
se baseiam em situações vivenciadas que nos permitem ter a idéia do que realmente
acreditamos ser, algo que nos faça bem ou mal.
Através destas construções que se interpõem na nossa história, vamos vivenciando a
vida, descobrindo nossa natureza humana, permeada pelos acidentais do tempo que nos
levam de fato ao conhecimento; desta forma, conhecer é viver.
“O que conheço dele pelo sentido – se é que pelos sentidos se conhece alguma coisa – é
de pouco valor e é o bastante. Porém, quanto àquela parte pela qual ele é meu amigo,
isto é, a alma, desejo atingi-la pelo entendimento” (AGOSTINHO, 1998, p.24).
De acordo com Agostinho (1998), os sentidos nos revelam que, de alguma maneira, eles
nos levam ao conhecimento de algo, pois vivendo neste tempo, vamos nos conhecendo,
nos descobrindo e descobrindo o outro, e neste processo, o homem reconhece algo que
está além do físico e do exterior, o voltar-se a si mesmo.
Nas palavras de Sócrates “conhece-te a ti mesmo”, este se conhecer se dá,
primeiramente, pelas experiências vividas fora da alma como um alerta e nos desperta a
conhecer-nos interiormente. A própria vida de Agostinho, e a nossa própria vida, é uma
demonstração de que o ser deseja conhecer, deseja se descobrir, mas não deseja ficar na
superficialidade dos sentidos, ele deseja ir além, transcender o mundo que se lhe
aparenta real. “Antes, gostava de me desculpar, acusando a não sei que ser estranho que
estava em mim, mas que não era eu. Na verdade, eu era tudo aquilo, embora minha
impiedade me tivesse dividido contra mim mesmo.“ (AGOSTINHO, 2007,
p.111).
A maneira com que a superficialidade nos faz enxergar a nós mesmos, nos desloca de
nossa busca pelo conhecer. Uma vez que estas superficialidades ocupam nosso tempo, o
qual poderia ser utilizado em busca da causa nobre (conhecer), acabamos sendo
rendidos e, então, nos tornamos desconhecidos de nós mesmos.
Não mais nos reconhecemos, não mais nos enxergamos, passamos a nos ver a partir do
que os óculos da superficialidade nos fazem enxergar e assim, a alma, que é o nosso
verdadeiro desejo de conhecimento, se turva diante do olhar e somos capazes de nada
entender. Essas transformações decorrentes na sociedade que implicam na vida do ser
humano, nos permitem analisar que “A relativização do mundo engloba cada ser
particular, desde que ele se «contemple», a partir do objecto desejado, com mundo
exterior a si mesmo” (ARENDT, 1997, p.41)
Partindo da suposição de que os sentidos, de certa forma, permitem-nos conhecer,
mesmo que estes nos conduzam a um universo de superficialidades -nos afastando
quando em excesso -da busca pela alma, podemos enxergar pelo viés dos sentimentos o
que de fato eles podem realizar em nós. “Gostando do amor buscava o que amar, e
odiava a segurança e os caminhos sem perigos” (AGOSTINHO, 2007, p.63).
Os sentidos têm este poder de nos desestabilizar, de nos retirar da ordem, nos
conduzindo aos perigos, e o principal deles é o distanciamento do que somos (alma), é
como se abandonássemos as nossas seguranças e desejássemos viver de forma insegura
e desacreditada. “Pois sem ordem, quase não há confiabilidade na felicidade”
(AGOSTINHO, 1998, p.46)
Pois acreditar em si é justamente ter consciência do que se é. O avesso disso é não
querer olhar e caminhar sem uma direção, sem rumo, sem sentido e sem significado
algum, desfigurando-se do que se é realmente.
O processo do conhecimento está intimamente ligado ao universo dos significados, pois
a partir do momento em que vamos conhecendo as coisas e as pessoas, atribuímos-lhes
significados e nesta atribuição não podemos nos esquecer do que somos e de que o que
é significativo não é maior do que aquele que atribui os significados.
CAPÍTULO 2
O RELACIONAR
2.1 O RELACIONAMENTO COM O MUNDO
O homem ao viver no mundo, pelo mundo deixa-se seduzir, permitindo que algo
profundo ocorra em sua essencialidade: o afastamento de si. Por meio deste vínculo
profundo estabelecido com o objeto presente neste mundo e por ele vivenciado, o
homem abandona o sentido de sua existência, sendo conduzido apenas pelo desejo do
vínculo estabelecido com o objeto presente na natureza ou por ele criado.
A partir deste relacionar-se com o objeto, cada vez mais presente nesta era
contemporânea, o homem perde sua principal característica – de ser humano -,
perdendo-se, veda-se ao entendimento e a partir desta perda, o mundo sensível por meio
dos objetos se tornam o centro de sua existência.
Conforme ARENDT (1997, p.25-26):
Mas porque é que o mundo pode ser um deserto para o homem que procura? Como e
por que o homem pode viver no questionamento que é a sua procura, sem nada exigir ao
mundo? A constante relação estabelecida com um objecto pode ser suprimida pela
presença perto do que é desejado. Esta presença é a quietude (quies), manter o que se
deseja. A posse apenas supera verdadeiramente o isolamento e harmonia a beatitude.
Hannah aponta no texto acima um fator essencial do pensamento Agostiniano, que é o
desejo. O Homem que deseja, e esse desejar, por não ser compreendido pelos sentidos, o
conduz erroneamente a fixar-se apenas nas efemeridades existentes no
mundo, levando-o a prender-se ao objeto, aprisionando, assim, seu verdadeiro desejo
(conhecer) por meio do relacionamento estabelecido com eles.
Em nossa era contemporânea, especificamente com o advento do capitalismo, é possível
pela forma explícita deste sistema que o ter (objeto) foi exaltado de tal maneira que o
ser (sujeito) foi reduzido a ponto de ser descaracterizado tanto pelo sistema como por si
mesmo.
Toda essa cultura da necessidade de possuir redireciona o desejo do homem que é o de
se descobrir no mundo, ao desejo de consumir, de ter (possuir). Com isso, todos os seus
ideais focados no universo do objeto, o retiram de si, de sua essencialidade, e o conduz
a um sofrimento constante semelhante ao de uma criança que ao ir à praça com os pais
se perde. Tem-se, assim, no momento e a partir da conscientização de que está perdida o
medo e a força que a conduzem à infelicidade temporal.
Da mesma maneira, o homem ao ter apenas o objeto ou quando se sente dominado por
este, tem a consciência de que a sua vida gira em torno daquilo ao qual está se
relacionando, tornando-se escravo deste, e percebe-se que já não se faz mais o que o ser
deseja, mas se acomoda ao objeto dominante.
Todo este aspecto de submeter o ser, ao ter, tem implicações profundas em sua alma,
pois à medida em que não se é, o ser humano deixa de existir, e não existindo para si, o
limiar do que se espera, do que se busca, tem a sua potencialidade encerrada ali.
Desta maneira Agostinho (1998, p.52) escreve:
Certamente não está nas coisas mortais, porque o que existe em outra coisa não pode
permanecer se não permanece aquilo onde está. E há pouco concordamos que a verdade
permanece mesmo quando perecem coisas verdadeiras. Por isso, a verdade não está nas
coisas que perecem. Mas a verdade existe e não está em nenhum lugar. Portanto,
existem coisas imortais. Mas nada há de verdadeiro onde não esteja a verdade. Conclui-
se, pois, que não há coisas verdadeiras senão as que são imortais.
Assim, deter-se ao ter é aniquilar-se, pois tudo o que está sobre o tempo é passageiro,
fugaz e tem o seu fim, mas redirecionar nossa busca para o caminho da alma é, antes de
tudo, descobri-se, reconhecer-se, transcender e acima de tudo trilhar pela busca da
verdade.
Todo esse desejo do conhecimento, só se torna possível quando se passa pela alma pois,
por meio desta, há o encontro de si, e encontrando-se, encontra-se o que a alma deseja,
uma vez que é impossível alguém ensinar o caminho de algo a alguém sem que nunca
tenha conhecido o caminho, caso contrário, não se ensinaria, mas estar-se-ia perdido.
Esse é o termo correto, perder-se. Quando estamos fitos no objeto, no ter, nos sentimos
perdidos, longes de nós mesmos, mas quando se faz o processo inverso, do desejo de
conhecer que passa pela alma, aí então temos todo um itinerário a ser seguido, não mais
estaremos seqüestrados pelas ciladas dos sentidos, uma vez que a alma estará em
tranqüilidade e nos sentiremos fortalecidos.
Este sentir-se fortalecido, a partir do processo do descobrir-se, no garante forças
incansáveis para superarmos o universo das superficialidades e de sistemas que nos
foram introjetados. Teremos assim, não mais os objetos como senhores, mas seremos
nós senhores da alma, alcançando assim a vida feliz.
ARENDT (1997, p.18), contribui neste sentido dizendo:
Do querer possuir e do querer manter o desejo nasce o medo da perda. No instante em
que é possuído, o desejo transforma-se em medo. Assim como o desejo deseja o bem, o
medo receia o mal. O mal, que afasta o medo, ameaça à vida feliz que consiste em
possuir o bem. Enquanto o homem deseja as coisas temporais (res temporales), expõe-
se continuamente a esta ameaça, e ao desejo de possuir correspondente incessantemente
o medo de perder.
Ao homem, compete ir além do que se espera e, desejar o que a alma deseja é não se
aprisionar no tempo, mas viver no tempo conduzido pela alma, a qual nos dará o
entendimento capaz de existirmos e vivermos na sociedade de maneira feliz.
Este árduo caminho para a alma é possível por meio do relacionar-se, pois é no processo
do conhecimento que há uma possibilidade pela busca da alma; é na experiência do
cotidiano que temos a oportunidade de nos questionarmos a respeito do significado da
vida feliz.
Sobre isso ARENDT (1997, p.24) escreve:
O homem mortal, que é posto no mundo – mundo presentemente enquanto coelum et
terra – e que o deve deixar, faz do mundo, a ele se prendendo, um objecto condenado a
desaparecer na morte. A identificação específica entre terrestre e mortal só é possível
quando o mundo é considerado a partir do homem, aquele que vai morrer (moriturus).
A partir da conscientização e retorno ao verdadeiro desejo (a alma), o ser humano inicia
um novo caminho que lhe fornece um grande desafio, o de ir além do objeto, enxergar-
se por um viés que lhe permite viver no mundo e, ao mesmo tempo, não perder de vista
a perspectiva da vida feliz. Viver no mundo e nele não se aprisionar é o mesmo que
buscar o equilíbrio sem se deixar conduzir pelos excessos e tampouco pela carência. O
retorno à alma é o objetivo para se alcançar a vida feliz, porém este retorno só será
possível quando o relacionamento não for aprisionado por alguma das partes. A prisão
da qual falamos é aquela que faz o sujeito se esquecer do que é e que o conduz a viver
distante de si, preso somente nos relacionamentos efêmeros que não
lhe adicionam benefícios, fazendo-o perder-se definitivamente no mundo e em si
mesmo.
Agostinho percorreu todo esse cárcere que lhe fez esquecer seu verdadeiro e essencial
desejo, o de ser feliz. Mas a vida sempre é marcada pelo limite humano e este não é o
definitivo, ao contrário, indica a possibilidade da mutabilidade do ser.
“Com efeito, mover os membros do corpo à vontade, ou não movê-los, estar dominado
por algum afeto ou não o estar, traduzir por palavras sábios pensamentos e depois calar,
são caracteres próprios da mutabilidade da alma e da inteligência.” (AGOSTINHO,
2007, p.161)
CAPITULO 3
A LIBERDADE
3.1 A LIBERDADE COMO CAMINHO PARA A ALMA
Como mencionamos nos capítulos um e dois sobre o conhecer e o relacionar, o homem
se conhece e, conhecendo-se, cria um relacionamento entre os objetos e as pessoas. Este
processo natural do conhecimento e do relacionar-se tem fundamental importância na
construção do que chamamos liberdade, pois estão intimamente ligados; é semelhante o
açúcar e o limão no objetivo de se obter a limonada, sem um dos dois não será possível
se obter o que se espera.
Partindo desta idéia, podemos pensar a liberdade conquistada por meio de nossas
escolhas, de nossas decisões, que tende a nos tornar livres, mas livres do que? Livres de
um relacionamento que, ao invés de nos aprisionar, tende a nos mover para além do
objeto, além das pessoas, que nos faz encontrar com a alma.
É na alma que encontramos nossa liberdade. Não é possível ser livre fora da alma, uma
vez que é nela que está a nossa essencialidade; estar fora dela é estar na
superficialidade, no efêmero, é fugir de nós mesmos, enquanto que ao procurarmos o
retorno a ela, encontrar-nos-emos, realizar-nos-emos e nos satisfaremos tornando-nos
livres.
Platão já havia falado sobre essa realidade, quando conta a alegoria da caverna: “a
caverna corresponde ao mundo do visível e o Sol é o fogo cuja luz se projeta dentro
dela. A ascensão para o alto e a contemplação do mundo superior é o símbolo do
caminho da alma em direção ao mundo inteligível” (JAEGER, 2003, p.885)
A busca por esta liberdade está presente na vida de todos os seres humanos. Somos
seres que desejamos, que buscamos, que queremos, mas todas estas vontades só
possuem significado quando nos remetem à liberdade, pois não estamos satisfeitos
quando estamos aprisionados. É lícito pensar que um prisioneiro acorrentado desejaria
ter as suas algemas retiradas para que pudesse ter seus próprios movimentos, fazer o que
desejaria, quando na verdade não pode agir em virtude de estar preso.
Neste sentido, estamos buscando esta liberdade, que nos torna capazes de irmos além,
de transcendermos dentro do tempo. A todo instante estamos almejando a liberdade,
mesmo que seja nas pequenas coisas, mas o que nos impede de alcançá-la é a
impossibilidade de nos mover.
Como na alegoria da caverna, é somente pela atitude de ir além que garantiremos a
força necessária para rompermos com as correntes e contemplarmos uma realidade que
existe, mas que não é real porque não nos movemos, preferimos ficar acomodados.
Precisamos ser como crianças: uma criança quando deseja algo, é capaz de utilizar suas
capacidades físicas e emocionais para conseguir o que quer.
ARENDT (1997, p.39-40) escreve de maneira profunda o caminho da liberdade:
O mundo é compreendido a partir desta liberdade à qual se aspira e que é efectiva na
caridade. A relação com o mundo é uma relação de uso, uso livre, que não depende do
mundo. Tomada nesta estrutura do por-amor-de (propter), a sua significação só se
mantém nesta finalidade do uso.
Quando a liberdade ocorre no sujeito, na alma, o mundo que então era capaz de
aprisionar a alma ao objeto ou a outras pessoas, passa a ser agora apenas o lugar da
revelação, onde a alma livre de todas as prisões exteriores é capaz de ir além, de estar
livre.
Estando a alma livre e desimpedida, ela é capaz de descansar, voltar a ser o que sempre
desejou ser, pois o processo de ser o que é, requer muita determinação, é um processo
de reordenar o mundo que se vê e em que se vive.
Conforme SCHOPENHAUER (2007, p.11), este nos descreve:
Aquele que conhece todo o resto, sem ser ele mesmo conhecido, é o sujeito. Por
conseguinte, o sujeito é o substratum do mundo, a condição invariável, sempre
subentendida de todo fenômeno, de todo objeto, visto que tudo o que existe, existe
apenas para o sujeito. Tendo a alma alcançado o que sempre buscou, a liberdade de não
estar aprisionada ao objeto, mas de ser o que ela é, lança, assim, o sujeito a ver o mundo
e a viver nele como ser que faz parte dele e não como um escravo. Levando em
consideração o que Schopenhauer disse: “tudo o que existe, existe para o sujeito”. Não
teria finalidade o mundo, não teria sentido a vida humana, se esta fosse aprisionada até
o seu entardecer, mas ao tornar-se livre desse mundo contemplando-o como lugar da
revelação, onde o ser se conhece e conhece as coisas que fazem parte dele, e em
harmonia vivenciar as virtudes existentes na alma, o caminho para a vida feliz se abre e
a realização do ser humano acontece.
CAPITULO 4
O AMOR
4.1 O AMOR COMO PROCESSO DE REVELAÇÃO
Quando estamos e sentimo-nos livres, somos capazes de olhar o mundo de maneira
encantadora, enxergar uma beleza que até então não era possível sem o advento da
liberdade. O amor é essa força presente no ser humano que o faz compreender o mundo
e as pessoas numa dimensão de força e ao mesmo tempo de fraqueza.
Ele nos move em direção à alma, porque amar é viver no mundo, dando significado à
existência, sem permitir que nos prendamos aos excessos ou às carências, para que
percorramos a vida e dela busquemos a conciliação entre os contrários. É uma força
advinda da alma que é capaz de nortear a vida humana, fazendo com que ela tenha seu
real valor. Desta forma, ARENDT (1997, p.68) nos diz:
A vida feliz encontra-se, em primeiro lugar, na memória; através dela, o homem está em
relação com o seu ser mais apropriado, a sua origem. Recordando um passado anterior e
toda a possibilidade da experiência terrestre humana, a criatura apresenta o limite
extremo do passado humano, o a partir de onde que a constitui.
Quando o amor ocupa o foco de atenção do ser humano, ele é capaz de dar nova
roupagem à existência, porque uma vez que somos despertos do sono letárgico que nos
prendia aos objetos e estes nos tornava escravos de sua materialidade, somos capazes de
encontrar o verdadeiro sentido que realmente buscamos, a essencialidade, que consiste
em transcender a materialidade, porque esta apenas nos aprisiona o sentido, enquanto
aquela, a busca pela alma, nos permite sermos livres para viver esta dimensão dela, que
é o amor.
Quando ele se faz presente na vida humana, por meio deste sentido de liberdade
proporcionado pela alma, não enxergamos mais apenas a materialidade, mas somos
capazes de ver o sentido que a matéria representa em nossa vida, tornando-se
significativo para nós as pessoas e os objetos que fazem parte de nossa história, porque
até então, antes que o amor tivesse ocorrido, o que tínhamos era apenas o possuir. Uma
vez conduzidos pela sua dimensão libertadora, somos capazes de humanizar o mundo, e
assim lhe darmos novo significado e transformação. ARENDT (2007, p.41), de maneira
clara, nos traz o sentido do amor:
O próprio amor é apenas uma conseqüência desta determinação. O grau do amor
(dilectio) caminha lado a lado com a determinação daquilo que é preciso amar. Está
conforme à ordem que atribui a cada um o seu lugar. Cada um tem apenas o amor que
lhe pertence, nem mais nem menos. O amor (dilectio) asi e ao próximo só é orientado
por um objectivo – o amor (amor) deseja uma coisa por amor a ela, por isso é
dependente dela -, mas o amor aqui não é mais que a atitude objectiva predestinada ao
homem que, sempre aí no mundo, vive no futuro absoluto.
O amor tem a dimensão de mover-nos à sua finalidade que é amar. É capaz de ordenar o
mundo, fazer com que o ser humano seja livre, seja capaz de ser. Quando se ama, não
somos influenciados por pessoas ou objetos que nos façam amar o outro, mas o amor é
uma força que surge da alma, livre e independente de toda exterioridade, que nos
alimenta na medida certa e alimenta o mundo, dando sentido à vida.
Quando o amor é despertado no ser humano e na humanidade, tudo fica menos
imperfeito, porque ele ordena, retira os excessos e vai equilibrando tudo o que abrange,
faz com que os sentidos, a razão e toda a dimensão espiritual estejam unidas num único
fim: de fazer o que a alma deseja, de querer bem a todos, de desejar a vida feliz.
Ele assume a forma mais digna de sermos humanos, de sermos de fato quem somos, que
nos faz desprendermos de tudo que até então nos aprisionava tanto exteriormente como
interiormente. Não se preocupa em ter ou possuir, mas se preocupa em colocar cada
coisa em seu devido lugar e assim permite que sejamos colocados na rota pela alma. É
tão nobre que não quer que mendiguemos por aquilo que se perde na efemeridade, mas
nos faz tomar consciência do que somos; tem apenas esta pretensão: de nos mover e dar
sentido à nossa história. “Não posso medir, não posso saber o que falta a meu amor para
que seja suficiente para que minha vida corra para teus braços” (AGOSTINHO, 2007,
p.318).
O amor tem o poder de nos refazer, de mudar o rumo de nossa jornada, de nos recolocar
no verdadeiro sentido de viver. Quando se ama, o amor por si próprio tem o poder de
nos preencher, de nos fazer buscá-lo e nada mais. Somente ele tem a força de nos
desprender daquilo que realmente nos aprisiona, de dar significado àquilo que até então
não possuía.
Significativa é essa força do amor; sem ela a vida humana seria insossa, mas permitindo
que esse amor adentre os sentidos e mundo, este então é capaz de devolver sentido ao
ser, permitindo que este continue sua trajetória rumo à vida feliz que tanto se almeja.
CAPÍTULO 5
O TEMPO
5.1 O TEMPO COMO ALIADO DA FELICIDADE
O tempo é o lugar do armazenamento dos acontecimentos, lugar da revelação, onde por
meio de toda experiência empírica, diante das realizações e das desesperanças o ser se
descobre, “assim, a vida feliz só pode ser alcançada a partir do regresso (redire) à sua
própria origem” (ARENDT, 1997, p.69), mediante as experiências vivenciadas.
Ele nos permite sentir, contemplar a humanidade em suas mais diversas esferas, nos
permite o sofrimento, a dor, a desilusão, o recomeçar, e o reerguer. Dentro do tempo
todas as possibilidades podem acontecer, e todos estes ocorridos nele existentes vão
permeando nossa história até que chegue ao seu limite. “Meço o tempo, eu o sei; mas
não o futuro, que ainda não existe, nem o presente, porque não tem duração, nem o
passado, porque não existe mais. Que meço então? Acaso o tempo que passa, e não o
tempo passado como disse acima?” (AGOSTINHO, 2007, p.278)
Porém, o que limita o ser humano no tempo é justamente o tempo que passa, por sua má
utilização na construção de sua história, de sua vida significativa. Se ele é
tão precioso e dá sentido à vida humana, não pode ser desperdiçado. Geralmente
passamos por ele e não o vivemos. Precisamos resgatar seu valor.
Passar por ele é justamente o fato de não estarmos conscientes do que a alma nos
solicita. Estar longe da alma, preso aos objetos ou às pessoas, este aprisionamento pelo
querer possuir, faz apenas com que passemos pelo tempo, sem recolher o significativo,
permitindo que fiquemos apenas com os sentimentos passageiros, não nos fazendo
vivenciar e experienciá-lo.
Viver é a experiência do relacionar-se, e dentro do limite humano, ocorrido no tempo,
temos a oportunidade de escrevermos nossa história, permitir que as marcas da vida
humana sejam registradas na história por meio dos acontecimentos, mas longe do desejo
da alma, o que fica é apenas o registro de ter passado pela história e nela não ter
acrescentado coisa alguma.
O tempo possui o poder de guardar, de relembrar, e de nos devolver a história. É ele a
bússola que nos indica a direção e permite que vida seja aniquilada por meio da negação
da liberdade. É deixar de existir, é tê-lo apenas como o lugar da inutilidade, é perder-se.
Conforme AGOSTINHO (2007, p.279) :
De fato, medimos o tempo; mas não o tempo que ainda não existe, nem o que já não
existe, nem o que não tem duração alguma, nem o que está passando. Não é, portanto,
nem o futuro, nem o passado, nem o presente, nem o que não tem limites que medimos:
e, contudo, medimos o tempo. Se realmente possuímos esse interesse em medir o
tempo, é justamente porque o que nele ocorre nos é importante e nos faz mover, nos faz
repensar a história e nos reprojeta no presente em direção ao sentido almejado pela
alma. Se o mundo possui uma ordem, então o tempo está sobre esta ordem, pois olhar
para o tempo é redescobri-se, é repensar o que se faz em busca do que se é.
A história e seus acontecimentos só têm seu significado porque a humanidade constrói o
presente que se vive, baseando-se no presente que se passou, reconstruindo
o hoje com o que foi significativo, que nos permite dar continuidade, ou analisando o
que passou pelo tempo, e no presente evitar o que não foi significativo.
Assim, o papel do tempo sobre o ser humano é fundamental na busca pela vida feliz
porque o faz ir ao encontro da alma, por meio do desejo que a alma suscita em ser
saciada pelo significativo, pelo que dê sentido à sua existência, pelo que lhe faça sentir
ser humano no mundo em que vive. Não teria sentido algum para o ser humano viver
sem significado, e o tempo permite que ele interfira em sua história. Quando este vive
de forma livre e movido pelo desejo da alma (ser feliz), vai atribuindo valores aos
objetos e às pessoas fazendo com que todo movimento tenha real sentido. “A vida
constantemente ameaçada pela morte não é vida, uma vez que nunca deixa de correr o
risco de perder o que é, aquilo que até sabe que tem de perder um dia.” (ARENDT,
2007, p.19)
Só temos a consciência de sermos ameaçados pela morte, quando tememos perder algo
que possuímos e que lhe atribuímos valor, ou seja, passamos tanto tempo de nossa vida
preocupados em não perder, que deixamos de viver a vida e toda a superação desta
morte que amedronta a vida feliz, se dará quando nos desprendermos de tudo o que
retira nossa liberdade. Então passaremos a viver a vida, a construir nossa história no
tempo, porque uma vez desprendidos de tudo, inclusive da morte, a única coisa de que
iremos nos ocupar é a vida, e a vida feliz, resultado de quem não passou pelo tempo,
mas vivenciou no tempo.
CAPÍTULO 6
A FELICIDADE
6.1 DESEJO A PRIORI DA ALMA
Percorridos todos os caminhos propostos, chegamos ao objetivo de nosso trabalho e
também a máxima de todo ser humano, a felicidade. Levando em consideração que para
se chegar aqui o ser humano precisa contemplar as diversas fases da existência humana:
o conhecer, o relacionar, a liberdade, o amor, o tempo e, enfim, chegar à realização da
vida feliz que ocorre quando a alma, estando livre das prisões do mundo, é capaz de
viver nele como lugar que a revela pelos objetos e pelas pessoas que participam deste
relacionar-se.
Ser feliz não é uma utopia, mas uma realidade que pode ser vivenciada. Diante desta
possibilidade ARENDT (1997, p.67) nos acrescenta:
A vida feliz não é rememorada como puro passado, que enquanto tal não a nada obriga
a vida factual; ao contrário, ela é, enquanto passado rememorado, uma possibilidade do
futuro (tal como, nos momentos de tristeza, nos recordamos da alegria a partir da
experiência que se teve como um possível que pode ser reencontrado em momentos
actuais de tristeza). Com o passar do tempo, a humanidade passou por grandes
transformações, principalmente com o advento da tecnologia e das ciências. De certa
forma, todos estes avanços ocorridos ao longo da história, trouxeram, sim, muitas
inovações, contribuíram de várias maneiras para o desenvolvimento do
mundo, mas não podemos negar o fato de que nunca em toda a humanidade o ser
humano se sentiu tão fortemente abalado como em nossa era contemporânea. Segundo
HABIGZANG, L.F. CADAVIZ, A.L. (2008), vemos:
A contemporaneidade nos suscita a pensar a força do tempo. O ritmo vertiginoso dos
grandes centros urbanos, o processo de virtualização com os computadores e as redes
digitais, a incessante oferta de imagens na mídia (atuando na produção dos desejos), são
apenas algumas das mutações em curso que caracterizam a implosão do espaço-tempo.
Até que ponto estamos acompanhando essa aceleração, nos adaptando, agilizando nosso
pensamento? Quais são os sintomas que essa cultura produz em nossa subjetividade?
(SESSÃO Nômade. Espaço Vida, Porto Alegre, abril 1997, n2). Verifica-se as marcas
da carência, da angústia provocada pela desterritorialização, da melancolia. Já, no
século passado, ao tentar compreender a depressão, Freud (1895) postulou uma relação
entre perda objetal e a melancolia. Ele sugeriu que a raiva do paciente deprimido é
dirigida para seu íntimo, em razão de identificação com o objeto perdido. (in: Birman,
1999).
A partir de toda essa descaracterização do ser humano em virtude das novas tecnologias,
do desenvolvimento, é possível compreender claramente que a vida feliz só é possível
quando o ser humano não está aprisionado, mas em sua liberdade de ser, utiliza-se da
tecnologia para sua realização no mundo, como lugar da revelação para sua liberdade e
felicidade.
Durante toda a sua vida, Santo Agostinho também vivenciou acontecimentos
semelhantes ao do homem contemporâneo, mas em características próprias da época.
Ele que durante muito tempo esteve aprisionado no mundo, vivendo para o mundo e não
para si, sofreu o desespero e a angústia que o conduziram ao despertar para a alma,
fazendo com que Agostinho conhecesse a si mesmo, compreendesse e se relacionasse
com o mundo, alcançando por meio da liberdade, do tempo e do amor, a transcendência
da alma, a vida feliz. Na citação a seguir, é possível compreender acontecimentos que
permeiam para além do tempo e que estão presentes na condição
humana, “[...] todo o plano, tão bem construído, se desvaneceu entre nossas mãos, fez-
se em pedaços e teve de ser abandonado.” (AGOSTINHO, 2007, p.137). Viver é
relacionar-se e para se chegar à vida feliz é preciso permitir que a vida seja lapidada
pelos acontecimentos, não se prendendo a eles, mas permitindo que nos ajudem no
processo de revelação e compreensão do mundo. A vida vai se tornando bela, quando
somos capazes de ver além, ver a essencialidade das coisas e não nos prendermos às
superficialidades.
O próprio Agostinho (2007, p.232) nos ensina:
Encontrei muitos que gostam de enganar, mas ninguém que quisesse ser enganado.
Onde, então, conheceram a felicidade, senão onde conheceram a verdade? Visto que
não querem ser enganados, também amam a verdade, e desde que amam a felicidade,
que nada mais é que alegria, proveniente da verdade, certamente também amam a
verdade; e não a amariam se não retivessem dela, na sua memória, alguma noção. Por
que, então, não se alegram com ela? Por que não são felizes? Porque se empolgam
demais com outras coisas, que as tornam mais infelizes do que a verdade, de que se
recordam fracamente, e que os faria felizes.
Uma coisa é certa, neste desejo de conhecer, de buscar, temos a nossa realização quando
descobrimos que encontramos a verdade; em outras palavras, quando não nos sentimos
enganados, temos a certeza daquilo que procuramos.
A felicidade é justamente isso: retirar as máscaras das ilusões, das representações que
foram criadas pelo falsos relacionamentos com os objetos e com as pessoas e nos
revestirmos do que é verdadeiro, daquilo que não nos engana e que conduz nossa alma à
felicidade.
Esta realidade é possível de ser contemplada por meio do entendimento. Apenas
o ser humano possui essa faculdade de entender e, por meio desta, ter a clareza do que é
verdadeiro e do que realmente pode conduzir à vida feliz, visto que os sentidos nos
enganam, nos fazem viver uma ilusão, assim como os sonhos, mas o entendimento nos
conduz à verdade sobre nós mesmos. Sobre isso SCHOPENHAUER (2007, p.18) nos
diz:
A primeira manifestação do entendimento, aquele que se exerce sempre, é a intuição do
mundo real; ora, este ato do pensamento consiste unicamente em conhecer o efeito pela
causa: deste modo toda intuição é intelectual. Mas ela nunca chegaria a realizar-se sem
o conhecimento imediato de algum efeito capaz de servir de ponto de partida.
Desta maneira, os efeitos, aquilo que é superficial, é apenas um condutor para a
essencialidade, é como olharmos alguém que está chorando e por meio do choro sermos
movidos a buscarmos realmente o que proporcionou o choro. E, a partir daí,
encontrarmos a causa presente na alma. Por meio do entendimento seremos capazes de
compreender.
A vida feliz ocorre justamente assim, no relacionar com mundo, não se prendendo ao
efêmero, ao que nos engana e seduz. Na contemporaneidade, as luzes nos ofuscam: são
tantas ofertas, tantos produtos, tantas facilidades, mas por meio desses efeitos tão
sedutores, precisamos nos questionar a respeito de suas essencialidades. Talvez seja por
isso que a arte e a estética nos fascinam tanto, pois se apresentam como são, enquanto as
futilidades da vida, os encantos da modernidade, apresentam uma beleza superficial,
mas que ao entrarmos em contato, descobrimos o vazio e a inutilidade.
Buscar a vida feliz é justamente se prender à essencialidade e não à futilidade, pois esta
não acrescenta algo a mais em nossa existência, pelo contrário, retira o que ela possui de
significativo, ao contrário da essencialidade que nos preenche, acrescenta à alma. E
neste processo de retorno ao ser, esta decisão (passagem) é capaz de nos angustiar, mas
de nos conduzir à essencialidade, segundo HEIDEGGER (1999, p.56-57):
Na angústia ― dizemos nós – “a gente sente-se estranho. O que suscita tal estranheza e
quem é por ela afetado? Não podemos dizer diante de que a gente se sente estranho. A
gente se sente totalmente assim. Todas as coisas e nós mesmos afundamo-nos numa
indiferença. Isso, entretanto, não no sentido de um simples desaparecer, mas em se
afastando elas se voltam para nós. Este afastarse do ente em sua totalidade, que nos
assedia na angústia, nos oprime. Não resta nenhum apoio. Só resta e nos sobrevém ―
na fuga do ente – este “nenhum”. A angústia manifesta o nada. “Estamos suspenso” na
angústia. Melhor dito: a angústia nos suspende porque ela põe em fuga o ente em sua
totalidade. Nisto consiste o fato de nós próprios ― os homens que somos ―
refugiarmo-nosno seio dos entes. É por isso que, em última análise, não sou “eu” ou não
és “tu” que te sentes estranho, mas a gente se sente assim. Somente continua presente o
puro ser-aí no estremecimento deste estar suspenso onde nada há em que apoiar-se.
Assim, o percurso para a vida feliz é um caminho consciente, real e verdadeiro que não
está alicerçado em efemeridades, mas em essencialidades, e que é algo possível de ser
atingindo e conquistado, sendo necessário apenas uma coisa: o desejo verdadeiro de
buscar a alma.

CONCLUSÃO
Como foi descrito nos capítulos mencionados, para se chegar à vida feliz é necessário
percorrer um caminho alicerçado em alguns pilares como: conhecimento,
relacionamento, amor, liberdade e o tempo.
O verdadeiro engano na vida é nos acomodarmos frente às situações que nos cercam,
permitindo que percamos nosso significado no mundo. O mundo é lugar da realização
do ser humano, local onde a vida acontece, temos como desejo da alma a felicidade e é
tarefa nossa nos esforçarmos para que esta realidade aconteça.
Ao longo de toda a história da filosofia, em seus diversos períodos, os filósofos
buscaram a compreensão acerca do mundo, seja por meio de um método
racionalistaidealista, seja por meio do empirismo e suas disputas com a metafísica.
Todas estas áreas da filosofia são de grande importância para a humanidade e para o ser
humano, mas de nada serviriam se não existissem pessoas que a fizessem de maneira
feliz.
As melhores realizações que podemos obter na vida, são frutos de um empenhar-se
bem, de estarmos bem para desenvolvermos e criarmos. Portanto, se buscarmos a vida
feliz, estaremos buscando nossa realização, nos encontrando, seremos capazes de nos
relacionarmos de forma mais verdadeira.
Afinal, se buscar a felicidade é buscar a verdade (a alma), então podemos dizer que ser
feliz é vivermos de forma autêntica e real, e que quanto mais buscarmos a compreensão
da alma, estaremos cada vez mais nos desprendendo do mundo enquanto cárcere, e
estaremos cada vez mais vivendo no mundo enquanto lugar que nos revela, lugar que
nos devolve à alma. Heidegger fala da necessidade do homem
em buscar o ser e viver uma vida ontológica, desvalorizando o caráter utilitarista da
vida, conforme a razão instrumental nos propõe já no início do século XX.
Seremos capazes de compreender o mundo a partir do momento em que formos capazes
de sermos nós mesmos, quando nos respeitamos enquanto seres que têm a capacidade
de entendimento, de pensar, de tomar decisões, de sentir, e só podemos ser assim
quando nos sentirmos livres.
Esta construção do verdadeiro homem é possível na medida em que este toma a
coragem de mudar, de ir além, sair da estagnação que o comodismo o coloca e alçar
vôos para aquilo que realmente deseja. Esta busca pela alma o torna livre capaz de ser e
de viver o que deseja. Esta realidade compreendida e entendida faz com que tenha
realização; é a fuga do ilusório e a chegada à realidade.
“Eu procuro por mim, tal qual o artesão procura sua arte escondida nos excessos da
matéria bruta de seu mármore” (MELO, 2007, p.150).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução: Alex Marins. São Paulo: Editora Martin
Claret, 2007. 432 p.
AGOSTINHO, Santo. Solilóquios e A Vida Feliz. Tradução: Adaury Fiorotti, Nair de
Assis Oliveira. 2. Ed. São Paulo: Paulus Editora, 1998. 157 p.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação. Tradução: M.F.
Sá Correia. 1. Ed. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2007. 431 p.
ARENDT, HANNAH. O conceito do amor em Santo Agostinho. Tradução: Alberto
Pereira Dinis. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. 189 p.
JAEGER, Werner. Paidéia. A formação do homem grego. Tradução: Arthur M.Parreira.
4. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 1413 p.
HEIDEGGER, Martin. Coleção -Os pensadores. Tradução: Ernildo Stein. São Paulo:
Editora Nova Cultural, 1999. 304 p.
MELO, Fábio de. Quem me roubou de mim. São Paulo: Canção Nova, 2007. 150 p.
HABIGZANG, Luísa Fernanda;CADAVIZ, Ana Letícia. A Cultura contemporânea e a
produção do sintoma depressão. Disponível em:
<http://www.geocities.com/instituinte/luisaculturadepressao.htm> Acesso em: 20 out.
2008.
SAYEGH, Flávia. As relações entre desenvolvimento e aprendizagem para Piaget e
Vygotsky. Disponível em: <http://www.profala.com/artpsico60.htm> Acesso em:
30/10/2008

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