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Acorda I Encontro das CEBs

Amazônia
do Regional Norte I foi
realizado em Manaus, AM.

mostra tua luta!


O
I Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base ram, discutiram e celebraram a realidade amazônica à luz do método
(CEBs) do Regional Norte I (Roraima e Amazonas) ver-julgar-agir. Seguindo a simbologia da região, a Comunidade
realizou-se entre os dias 19 e 23 de setembro, em São Jorge virou um grande Porto onde cada tarde retornavam
Manaus. Este Encontro serviu de preparação para o os sete “Barcos”, depois de um dia de reflexão. Cada “Barco”
12º Intereclesial Nacional das CEBs, que será realizado era um grupo de trabalho temático. Os sete temas trabalhados
em Porto Velho, RO, em 2009, com o lema “CEBs: foram: destruição dos valores culturais da Amazônia; exclusão
Igreja Missionária e Libertadora com rosto amazônico”. social; carência missionária e ecumênica da Igreja amazônica;
Um festival de cores, bandeiras, cantos, danças e faixas, opressão e massacre dos povos indígenas; situação vivida pela
artesanato indígena e regional, com sementes e fibras naturais juventude; destruição do meio ambiente; machismo e questão de
criava o ambiente do I Intereclesial. Frases homenageavam gênero. Depois de dois dias de trabalho em grupo, o Intereclesial
Chico Mendes, o índio Marçal e irmã Dorothy Stang, mártires foi encerrado com uma Carta de compromissos. Dois desafios
da Amazônia. Participaram cerca de 700 pessoas, entre ribei- para continuar a serem construídos no cotidiano: primeiro, uma
rinhos, indígenas, pequenos agricultores, afro-descendentes, Igreja com rosto amazônico, profética e libertadora, caminhando
moradores das periferias, leigos, agentes de pastoral, religiosos ao lado dos povos da Amazônia, com toda sua diversidade; e
e religiosas, padres e bispos, expressão do Povo de Deus. “Aí segundo, um compromisso de militância contra a exclusão social,
vem o trem das CEBs”, cantavam uma e outra vez, enquanto a favor da causa dos povos indígenas e ribeirinhos, em defesa
o trem humano serpenteava a pista e as grades da quadra es- do meio ambiente, da juventude e da mulher.
portiva. Esse trem caminha acima de dois trilhos: a fé no Cristo Dentre as propostas e compromissos assumidos, aposta-se no
Ressuscitado, esperança para o povo e o compromisso com os diálogo ecumênico e inter-religioso, na sabedoria e espiritualidade
excluídos e excluídas. popular, na teologia índia, no fortalecimento de uma Igreja de
Durante os cinco dias do Intereclesial, os participantes analisa- relações circulares e participativas, na garantia e segurança das
terras indígenas, na presença da
mulher em todos os ministérios, na
Luís Ventura Fernández

participação popular nos Conselhos


de Direitos e nas reivindicações
dos moradores das ocupações
habitacionais das cidades.
A Carta final foi acompanhada
de duas monções de repúdio: a
primeira, contra a presença ilegal
de arrozeiros na Terra Indígena
Raposa Serra do Sol (Roraima);
a segunda, contra a construção
das hidrelétricas previstas no
PAC (Programa de Aceleração
do Crescimento) sem consultar
as populações atingidas e consi-
derar seu impacto ambiental. “Na
certeza do Deus da Vida, Pai-Mãe
de toda a Criação, proclamamos
que a Amazônia é nossa, nela
vivemos, existimos e resistimos.
Acorda Amazônia, mostra tua luta!”
Acorda Amazônia, e acorda-nos
contigo!

Luís Ventura Fernández,


Celebração durante o Intereclesial. Leigo Missionário da Consolata.
EDITORIAL
A nossa casa comum
SUMÁRIO
Novembro 2007/09

E
sta edição destaca uma variedade de temas e desafios que
por si só revelam a riqueza da missão no plural. Para estudo
e formação, propomos o núcleo central do Documento de
Aparecida: o discipulado missionário. Um convite para voltar
às fontes. De fato, os Evangelhos nos apresentam Jesus
a caminho de Jerusalém, passando por aldeias, povoados, cidades 1 - Dom Gilio Felicio, bispo de Bagé,
e praias, encontrando-se com pessoas e provocando seguimento RS, celebração com as etnias,
ou rejeição. Para os que decidem segui-lo, o estar com Ele gera I Fórum da Igreja Católica no RS.
Foto: Jaime C. Patias
o discipulado que se prolonga no envio em missão. Os discípulos
missionários devem assumir a ação libertadora do Mestre no mun- 2 - Marçal de Souza.
do, para consolidar o Reino de Deus. Os que desejavam ver um Foto: Paulo Suess/CIMI
Jesus Rei deste mundo são surpreendidos por um Jesus que se
encontra com os pobres, os doentes, os possessos, os pecadores,
os excluídos... Para nos recordar disso, a  pastoral carcerária--------------------------------04
Jaime C. Patias

Conferência de Aparecida reafirma, entre O rosto de Cristo nos encarcerados


Arlindo Pereira Dias
outras, a histórica opção pelos pobres.
Neles Jesus revela o rosto misericordioso  OPINIÃO--------------------------------------------------06
Inculturação como ferramenta para a Missão
e compassivo de Deus. Francis Njoroge
O Dia Nacional da Consciência Negra,
celebrado no dia 20, tem sua origem na  PRÓ-VOCAÇÕES----------------------------------------07
Criados para viver
conhecida resistência dos negros no Brasil, Rosa Clara Franzoi
cujo símbolo maior é o grande líder Zumbi dos
Palmares, morto em 1695. O movimento negro  VOLTA AO MUNDO-------------------------------------08
Notícias do Mundo
hoje é articulado e presente na sociedade, CNBB / Fides / Notícias do Planalto / POM
inspirado nos mesmos ideais de Zumbi: igualdade e liberdade de
 ESPIRITUALIDADE----------------------------------------10
todos os filhos e filhas da Nação. A Pastoral afro-brasileira soma-se Espiritualidade Afro
aos diversos movimentos para eliminar os preconceitos e atitudes Antônio Aparecido da Silva
racistas e partilhar a riqueza da religiosidade do povo originário da
 TESTEMUNHO-------------------------------------------12
África. O tema da espiritualidade deste mês resgata elementos da Uma carta a Irene
religiosidade afro, que coloca Cristo ressuscitado como centro. Ramón Lázaro Esnaola
O sonho de Jesus é o Reino de Deus que se expressa em duas  FÉ E POLÍTICA -------------------------------------------14
dimensões: um protesto contra o reinado humano, que não é dono Encontro com políticos
de nada; e a proclamação de que tudo é dom de Deus a ser preser- Humberto Dantas
vado e partilhado. Essa afirmação nos coloca diante das questões  FORMAÇÃO MISSIONÁRIA----------------------------15
de Justiça e paz e integridade da Criação: o cuidado com a casa Documento de Aparecida: Chaves de leitura
comum. Nesse sentido, os povos indígenas, originários deste chão, Carlos C. Santos
têm muito a ensinar. A rubrica Amazônia faz memória da vida e luta  Juventude missionária ----------------------------19
de Marçal Guarani, 24 anos após o seu martírio. Marçal Tupâ’í é Juventude e meio ambiente
“uma voz que não pode ser esquecida”. Patrick Gomes Silva
A realização do I Fórum da Igreja Católica no Rio Grande o Sul,  DESTAQUE DO MÊS -----------------------------------20
matéria de atualidade, mostra a vitalidade e a riqueza da Igreja Bem-aventurada irmã Lindalva
Aidil Brites e Gigliola Sena
na região. A intensa programação vivenciada nos quatro dias do
evento revelou a pluralidade e a comunhão da vida eclesial. A  ATUALIDADE----------------------------------------------22
Carta divulgada no final do Fórum faz uma referência explícita à I Fórum da Igreja Católica no RS
Mário De Carli
necessidade de novas posturas com relação à participação das
mulheres, a atenção aos idosos, o respeito ao protagonismo dos  INFÂNCIA MISSIONÁRIA-------------------------------24
leigos, a ação missionária, a formação dos agentes de pastoral, o Me conta uma história?!
Roseane de Araújo Silva
compromisso com a ecologia e a biodiversidade e a promoção da
diversidade étnica e cultural. À luz da Conferência de Aparecida,  a turma do biblincando ------------------------25
COMDEUS
essa experiência serve de inspiração para que os demais regionais
da CNBB no Brasil se articulem em eventos semelhantes.  ENTREVISTA Ivo lesbaupin---------------------------26
Estes e outros temas aqui apresentados são convites para Por trás da violência que se vê
Dirceu Benincá
encontrar Jesus na diversidade de povos e raças que formam a
nossa sociedade plural. Reconhecer as diferenças é um desafio  AMAZÔNIA-----------------------------------------------28
que passa pela vivência do verdadeiro amor a Deus e ao próximo. Marçal Guarani: a voz que não pode ser esquecida
Benedito Prezia
Na Eucaristia, Pão da vida na mesa comum do mundo plural, Cristo
se oferece como alimento, resgatando nossa condição de filhos e  volta ao brasil---------------------------------------30
Notícias do Brasil
filhas, imagem e semelhança de Deus.  CCM / CIMI / CNBB / Notícias do Planalto

- Novembro 2007 3
Descobr
Divulgação
em cada pe
Ano XXXIV - Nº 09 Novembro 2007

Diretor: Jaime Carlos Patias

Editor: Maria Emerenciana Raia

Equipe de Redação: José Tolfo,


Ramón Cazallas, Patrick Gomes Silva e Congresso Mundial da
Pastoral Carcerária exige o
Rosa Clara Franzoi

Colaboradores: Vitor Hugo Gerhard,


Lírio Girardi, Luiz Balsan, Roseane de fim da pena de morte.
Araújo Silva, Humberto Dantas, Luiz de Arlindo Pereira Dias

A
Carlos Emer, Dirceu Benincá, Ricardo
Castro cidade de Roma, entre 5 e mundo para as nove milhões de pessoas
12 de setembro, foi sede de presas” e enfrentar graves desafios como
Agências: Adital, Adista, CIMI, um importante encontro inter- “o recurso à pena de morte”, o "uso da
CNBB, Dom Hélder, IPS, MISNA, nacional da Igreja Católica. tortura” e as “condições desumanas de
Pulsar, Vaticano Sob o tema “Descobre o ros- grande número das instituições penais”.
to de Cristo em cada pessoa
Diagramação e Arte: Cleber P. Pires encarcerada”, cerca de 250 delegados Abolição da pena de morte
enviados pelas Conferências Episcopais Os congressistas denunciaram que
Jornalista responsável: de 62 países, entre bispos, presbíteros, “o sistema de justiça criminal vigente tem
Maria Emerenciana Raia (MTB 17532) religiosas, religiosos e leigos se reuniram fracassado em muitos países na satisfação
na Casa Lassale, para o XII Congresso das necessidades da infância em conflito
Administração: Eugênio Butti Mundial da Pastoral Carcerária. O cardeal com a lei, assim como em relação os grupos
Nasrallah Pierre Sfeir, do Líbano, patriarca de população especialmente vulneráveis
Sociedade responsável: de Antioquia, participou do evento e discur- como as pessoas com enfermidades men-
Instituto Missões Consolata sou sobre o tema. Durante o Congresso, tais, os tóxico-dependentes, imigrantes e
(CNPJ 60.915.477/0001-29) os participantes tiveram a oportunidade idosos”. A maioria dos presentes mencio-
de realizar uma visita a um presídio na nou as cadeias superlotadas e os abusos
Impressão: Edições Loyola cidade de Roma. praticados contra os encarcerados como
Fone: (11) 6914.1922 O grupo foi recebido pelo papa Bento um dos grandes problemas. “Exigimos a
XVI em audiência privada em Castelgan- abolição da pena de morte, de toda tortura
Colaboração anual: R$ 40,00 dolfo no dia 6. O papa condenou veemen- e a observância das regras e Normas das
BRADESCO - AG: 545-2 CC: 38163-2 temente o uso da tortura e afirmou que Nações Unidas na esfera da prevenção
Instituto Missões Consolata o ministério prisional requer “paciência e do delito e da justiça penal”, afirmou de
(a publicação anual de Missões é de 10 números) perseverança”; muitas vezes é acompa- forma categórica a declaração final do
nhado de “desilusão e frustração”, mas é Congresso. O cardeal Renato Martino,
uma missão vital. Os presos, disse ele, presidente do Conselho Pontifício "Justiça
Missões é produzida pelos
“podem ser tomados por sentimentos e Paz", falou sobre a “Pastoral Carcerária
Missionários e Missionárias da Consolata
de vergonha e rejeição que ameaçam a e a Missão da Igreja” na manhã do dia 7.
Fone: (11) 6256.7599 - São Paulo/SP
esperança e a aspiração de futuro”. “A Nesse mesmo dia, ele lançou um apelo
(11) 6231.0500 - São Paulo/SP
instituição judiciária e penal – sublinhou em favor de Joseph Lave, de 42 anos, um
(95) 3224.4109 - Boa Vista/RR
– deve ajudar quem errou o caminho condenado à morte no Texas, EUA.
a buscar sua reabilitação, e facilitar a
Membro da PREMLA (Federação de Imprensa transição do desespero à esperança”. O Dados da América Latina
Missionária Latino-Americana) e da UCBC papa salientou com força que “a prática da Na América Latina a problemática de
(União Cristã Brasileira de Comunicação Social) tortura não pode ser aceita em nenhuma exclusão social e a concentração de bens
circunstância”. nas mãos de poucos é a principal causa
Redação O austríaco Christian Kuhn, presidente
reeleito da Comissão Internacional da
dos delitos. Alguns dados apresentados
em relatório feito pela Argentina servem
Rua Dom Domingos de Silos, 110
02526-030 - São Paulo Pastoral Carcerária Católica, da qual são de parâmetro para o que acontece em
Fone/Fax: (11) 6256.8820 membros cerca de 100 países, fez uma outros países do continente. A Argentina,
Site: www.revistamissoes.org.br saudação ao papa em nome de todos. por exemplo, conta em suas cadeias
E-mail: redacao@revistamissoes.org.br Durante sua fala, salientou que os con- formais com 67.000 pessoas presas, das
gressistas desejam “chamar a atenção do quais 65% com sentença provisória. A

4 Novembro 2007 -
re o rosto de Cristo
essoa encarcerada

Fotos: Arlindo P. Dias/Rede Rua


este numero devem ser acrescentados as cionar que na cadeia
19.600 crianças e adolescentes privados aprendeu “a simplici-
de liberdade, dos quais 87% por causas dade por um lado e a
não-penais. Dos números citados apenas paciência por outro. O
a cidade de Buenos Aires conta com encontro foi cheio de
26.000 presos e uma superlotação de experiências pelo fato
200%. A gravidade da problemática social de estarmos represen-
pode ser medida pela reincidência que tados por quase todo o
alcança 80%. Tenha-se em conta que os mundo e serviu para
dados apresentados são de caráter mais comparar e definir al-
Celebração durante o encontro.
ou menos oficial. Nas prisões federais, gumas metas para o
25% da população masculina e 40% da México”, concluiu ele. à procura de trabalho. Margarete Gaffney,
feminina são pessoas estrangeiras, devido religiosa da Coordenação Estadual de
à conexão com o tráfico de drogas e o Imigração e cadeia São Paulo salientou a importância de o
contrabando. Um dos representantes do O conferencista Damase Masabe, do cardeal Martino haver lembrado a situação
Brasil, Miguel Alcides Felix, coordenador da Burundi, da Ordem dos Mercedários, que precária das mulheres na prisão. Ela se
macro-região Sul, manifestou preocupação trabalhou nos campos de refugiados do sentiu enriquecida pelo contato com pes-
em relação ao fato de que “o Brasil que Congo, desenvolveu o tema “A Pastoral soas que trabalham com mulheres presas
em 2003 tinha 285 mil presos, hoje tem Carcerária como desafio para as Congre- em outros países. “O Brasil, por exemplo,
435 mil, 135 mil a mais. Uma das razões gações e Ordens Religiosas” na manhã conta com a presença de mulheres presas
primordiais é a falta de emprego, a má do dia 10. Declarou que a principal causa de 46 países. Somente da África do Sul
distribuição da renda”, enfatiza ele. é a pobreza que gera a delinqüência e a existem 83 mulheres”, salientou.
Entre os representantes do continente desigualdade entre os países desenvolvi-
esteve o mexicano Isaias Pina Montiel, há dos e em via de desenvolvimento. A irmã Sinais de esperança
18 anos capelão da Pastoral Carcerária. Michael Nolan, advogada e assessora Entre as partilhas não faltaram, porém,
Segundo ele o país conta com 200 mil jurídica da Pastoral Carcerária, do Povo sinais de esperança. O padre austríaco
presos e 563 cadeias. Isaias responsabiliza da Rua e do CIMI, Brasil, se disse surpresa Gunther Zgubik, coordenador nacional da
a pobreza, a falta de trabalho e a ausên- ao constatar os efeitos da globalização no Pastoral Carcerária no Brasil, que há muitos
cia de educação pela maioria dos casos aprisionamento de estrangeiros. Em alguns anos tem papel importante na vida dos
de prisão e acrescenta que a tortura e a dos países europeus mais de 70% dos presos no país, recordou que o Congresso
superlotação são os principais problemas presos são estrangeiros e muitos deles “articula um compromisso da Igreja Católica
das cadeias no país. Não deixa de men- porque entraram no país ilegalmente ou no mundo e da Pastoral Carcerária na de-
fesa dos direitos humanos. Entre os sinais
de esperança citou o exemplo da doutora
Vera, senhora de classe média do Rio de
Janeiro, cujo filho era campeão mundial
de hipismo juvenil e foi assassinado. “Em
reação a esta tragédia ela decidiu criar
uma obra de ajuda e proteção às crianças
vítimas da violência na sociedade. Ela quis
se aproximar deles como uma mãe vítima
para levar reconciliação e se tornar a mãe
de nossos presos naquela cidade”, decla-
rou. Miguel Alcides Felix lembrou que as
cooperativas para os egressos da prisão
têm tido bons resultados. Segundo ele, o
estado do Rio Grande do Sul já conta com
sete delas e pode ser uma experiência a
ser partilhada. 

Arlindo Pereira Dias é missionário do Verbo Divino. Formado


Congressistas discutem sistema prisional. em Comunicação Social, vive atualmente em Roma.

- Novembro 2007 5
Inculturação
OPINIÃO

como ferramenta para a Missão


Mergulhar na cultura do outro é fazendo-se um entre tantos, irmão com o outro. A humildade e a
proximidade ao povo são necessárias para aprender a sua língua
despojar-se de si mesmo e viver em e conhecer seus costumes, suas problemáticas, sua maneira
de entender a realidade histórica e social. Para avançar nesse
plenitude o Evangelho. caminho sem provocar um “choque” cultural é preciso paciência
para com você mesmo, boa vontade, ética missionária e disciplina;
mas, sobretudo, muito amor ao povo, às pessoas.
de Francis Njoroge
Despojamento

A
É muito importante despojar-se dos prejuízos e dos precon-
inculturação é uma ferramenta básica e indispensável ceitos. Na minha terra existe um provérbio que diz: “ninguém
para a Missão. Consiste em um longo processo de cozinha melhor que minha mãe”. Se quisermos entrar no espaço
aproximação entre as culturas, em suas mais variadas dos outros (povos e culturas), nós temos que romper esses es-
formas de vida, costumes, crenças, práticas religiosas, quemas para aprender a partilhar, inclusive a cozinha dos povos
idiomas e culinária. Por meio da inculturação fazemos a quem somos enviados. Isso custa e causa dor, mas, é também
compreensível e visível o Evangelho para os povos muito enriquecedor. O missionário torna-se um pouco como uma
onde somos enviados. criança e vai aprendendo com os próprios erros. Por exemplo:
A dificuldade de todo esse processo está no fato de chegar na aprendizagem da língua, as pessoas, quando se sentem
à outra cultura carregados com nossa história, nosso mundo, livres e não são atemorizadas pela autoridade do missionário,
nossa forma de ver as coisas e encontrar outro mundo com corrigem com alegria os erros que fazemos, tornando-se uma
toda sua complexidade e sistema de vida, com aspectos tão grande ajuda para tudo.
variados e complicados como a economia, a política e as ine- A inculturação não se realiza em poucos dias; leva tempo
vitáveis ideologias. e depende também da metodologia, dos avanços e dos limites
Interpretando minha experiência como queniano na Venezuela, do próprio missionário, das condições históricas e sociais. Não
depois de oito anos de vida e trabalho no país, posso dizer que chegaremos nunca a uma inculturação total e completa, porque
a inculturação exige, como primeiro passo, um grande esforço cada um de nós leva sempre consigo sua herança cultural, a qual
para conhecer em profundidade a cultura do outro. A inserção não se pode deixar de lado. Simplesmente, trata-se de avançar
é o meio privilegiado para chegar a adquirir este conhecimento cada dia um pouco mais para nos aproximarmos, de forma me-
básico para a evangelização. É preciso inserir-se como hóspede, tódica das pessoas e das culturas às quais somos enviados. Não
importa o esforço que eu faça, como
queniano, nunca chegarei a ser um afro-
Jaime C. Patias

venezuelano. Minha história pessoal


está marcada pela minha cultura e meu
passado. A força do evangelizador está
também na alteridade e na diferença.
Pois o Evangelho não se assemelha
a nenhuma cultura e chama todas à
conversão.
Esta é a tarefa da evangelização.
Para isso, à luz da fé cristã e utilizando
os valores culturais do povo, o mis-
sionário saberá anunciar o projeto de
Jesus como “Boa Notícia” relevante
para o povo e sua cultura. Em tudo,
nós temos que confiar sempre no amor
e na força do Espírito Santo (o prota-
gonista da Missão) e na companhia de
Jesus Cristo que caminha na história
da humanidade, inculturado como o
primeiro missionário do Pai. 

Francis Njoroge, imc, queniano é


missionário na Venezuela.
Fórum Social Mundial, Nairóbi, Quênia.

6 Novembro 2007 -
Criados para viver

pró-vocações
A vida é como uma ponte:
atravesse-a, sem nela fixar morada.

morte é natural e tem explicação: fomos criados para viver e não


para morrer. Por isso nossa reflexão neste mês será sobre a Vida,
dom precioso que recebemos gratuitamente de Deus e ao qual
nem sempre sabemos dar a devida importância. Não precisamos
ir muito longe; é só olhar ao nosso redor: quantos no mundo da
droga, da violência, do vício, acabam transformando a própria
existência num verdadeiro pesadelo, prejudicando-se a si mesmos
e envolvendo tantos outros?

Com o que devemos nos preocupar


A única preocupação que devemos ter é analisar como nos
posicionamos diante da vida. O que é que devemos levar em
conta para podermos vivê-la intensa e plenamente? Descobrir os
instrumentos que nos ajudem a manejar inteligente e positivamente
os ingredientes dos quais ela é feita. Sabemos que Deus nos criou
para sermos felizes. O que nos surpreende é vermos que, apesar do
progresso e das mais altas tecnologias e descobertas, o ser humano
continua um eterno insatisfeito. Com uma ansiedade incontrolável
vai se agarrando a tudo o que lhe pode prometer uma migalha de
prazer e satisfação, esquecendo-se totalmente do essencial...

de Rosa Clara Franzoi


Cuide das gotas de óleo
Diz uma lenda, que um jovem estava aflito em busca do segredo
de uma vida bem vivida, feliz. Atravessou campos e cidades, até

E
que um dia, alguém lhe disse que ali morava um sábio; e que cer-
m novembro comemoramos o “Dia de Finados”. A morte tamente, ele poderia ajudá-lo. Apresentando-se ao sábio, o jovem
é sempre uma realidade que nos entristece e faz sofrer. lhe expôs o motivo da visita. O sábio colocou em suas mãos uma
Por isso, resistimos a pensar nela. Quando as circuns- pequena colher com algumas gotas de óleo e lhe disse: “Dê umas
tâncias nos colocam frente a frente com a morte, ao levar voltas pela minha casa e pelo meu jardim; depois de duas horas
do nosso convívio entes queridos, ainda assim tentamos volte aqui. Só lhe peço uma coisa: cuide bem para não derramar
nos convencer que ela só bate à porta do vizinho. Bem o óleo”. Depois de duas horas o jovem estava de volta. O sábio
no fundo, porém, sabemos que, queiramos ou não, não poderemos perguntou: “Você apreciou os tapetes da minha sala de jantar?
escapar do primeiro e do último capítulo da existência, porque Gostou das flores do jardim?” O jovem, envergonhado, disse não
esta é uma lei da natureza humana. A rejeição que sentimos pela ter visto nada daquilo, pois sua única preocupação foi a de não
derramar o óleo. E o sábio: “Meu jovem! Volte agora, e observe o
mundo com tudo o que ele tem de maravilhoso; depois retorne”. E
Quer ser um missionário/a? o jovem assim fez. Ao voltar, contou minuciosamente tudo o que
vira. O sábio porém, não tirava os olhos da colher. No final disse
Irmãs Missionárias da Consolata - Ir. Dinalva Moratelli seriamente:“E as gotinhas de óleo que eu tanto lhe recomendei,
Av. Parada Pinto, 3002 - Mandaqui onde estão?” O jovem ficou muito desapontado. O sábio continuou:
02611-001 - São Paulo - SP “Mas, já que você quer mesmo viver bem a sua vida, dou-lhe este
Tel. (11) 6231-0500 - E-mail: rebra@uol.com.br conselho: aceita com gratidão a vida que lhe foi dada, sem ficar
olhando a dos outros; e se esforce o máximo, para endireitar tudo
Centro Missionário “José Allamano” - Pe. José Tolfo o que nela estiver torto. Isto lhe causará algum sofrimento; mas
Rua Itá, 381 - Pedra Branca
02636-030 - São Paulo - SP nada comparável à serenidade e alegria que você experimentará
Tel. (11) 6232-2383 - E-mail: secretariamissao@imconsolata.org.br na hora em que lhe será pedida conta dela. A vida é como uma
ponte; atravesse-a sem nela fixar morada”.
Missionários da Consolata - Pe. César Avellaneda Você também está buscando o essencial? Leia a Carta de
Rua da Igreja, 70-A - CXP 3253 Paulo aos Filipenses 3, 8-16. 
69072-970 - Manaus - AM
Tel. (92) 624-3044 - E-mail: amimc@ibest.com.br Rosa Clara Franzoi, MC, é animadora vocacional.

- Novembro 2007 7
e "Qual deve ser o perfil do Missionário Leigo hoje",
o grupo comprometeu-se a trabalhar pela promoção,
animação, formação e acompanhamento da vocação
missionária Fidei Donum para leigos e sacerdotes, em
âmbito nacional e de Cone Sul.

Estados Unidos
Nobel da Paz e Ecologia
O comitê do Nobel premiou o maior rival político
do presidente americano, George W. Bush, e o painel
de cientistas que ele achou que tinha sob seu controle
- Rajendra Pachauri, presidente do IPCC (Intergovern-
mental Panel on Climate Change). Em 2002, um ano
após rejeitar o protocolo de Kyoto, Bush lançou uma
grande ofensiva contra o IPCC. O painel era então
presidido por Robert Watson, conhecido por sua defesa
estridente do corte imediato e profundo das emissões
Roma de gases de efeito estufa. Watson era indicado político
Presidência da CNBB visita o Papa da administração Clinton-Gore e uma pedra no sapato
VOLTA AO MUNDO

O papa Bento XVI recebeu, em audiência, no dia dos republicanos e das empresas de petróleo que os
8 de outubro, a presidência da CNBB, dom Geraldo apoiavam. Naquele ano, quando o IPCC realizaria
Lyrio Rocha (presidente); dom Luiz Soares Vieira (vice- eleições, um memorando da Exxon à Casa Branca
presidente) e dom Dimas Lara Barbosa (secretário- perguntava: "Será que Watson pode ser substituído
geral). Dom Dimas avaliou o encontro como “muito agora, a pedido dos EUA?" Pedido atendido. E os EUA
bom”. Segundo disse, Bento XVI lembrou “com cari- passaram a fazer campanha para que Pachauri fosse
nho” sua visita ao Brasil. “O papa é muito acolhedor escolhido para a presidência do painel. O lobby tinha o
e nos deixou à vontade para falar-lhe sobre a Igreja claro objetivo de enfraquecer o órgão. Relativamente
no Brasil. Lembrou com carinho vários momentos de desconhecido, Pachauri trabalhava para a indústria
sua visita ao nosso país, particularmente o encontro do carvão mineral na Índia, o ramo da economia que
com os jovens no Pacaembu, a visita à Fazenda da mais polui. A expectativa de Washington era que o
Esperança e o encontro com os bispos na Catedral da economista indiano permanecesse fiel às suas origens
Sé”, conta dom Dimas. A presidência da CNBB, por e silenciasse o IPCC. Uma vez na liderança do painel,
sua vez, agradeceu ao Santo Padre sua viagem ao no entanto, Pachauri se viu cercado pelas evidências.
Brasil e sua participação na abertura da V Conferência E teve de se render a elas. Estudo após estudo, de-
do Episcopado Latino-Americano e Caribenho. “Ex- sastre natural após desastre natural, o quadro que se
pressamos nosso agradecimento por sua mensagem configurava era o de que o aquecimento global era
inspiradora, particularmente seu discurso de abertura à real e causado, sobretudo, pela queima de combus-
V Conferência, que foi fundamental para o andamento tíveis fósseis por seres humanos. Essas conclusões
dos trabalhos”, lembra o secretário-geral. teriam de ficar bem explícitas no Quarto Relatório de
Avaliação do Conhecimento sobre a Mudança Global
Argentina do Clima, cuja produção o indiano liderou com retidão
Encontro de Missionários Leigos e transparência. E ficaram.
Com vistas a tratar do "acompanhamento, formação
e envio de missionários leigos para servir à Missão Serra Leoa
universal", e como fruto de três Encontros Continentais Cristãos e muçulmanos
dos Leigos Missionários, realizou-se de 27 a 30 de se- “Cristãos e muçulmanos dividem uma história de
tembro, em Buenos Aires, o 2° Encontro de Missionários bem, mas também de dolorosas memórias. O diálogo
Leigos dos Países do Cone Sul, sob o tema Vocação, cristão-muçulmano é o único modo para recordar juntos
Formação e Envio dos Missionários Leigos Ad Gentes”. os períodos nos quais as comunidades viviam em paz,
Representando os cinco países da região – Brasil, Uru- mas oferece também espaços para ouvir histórias e
guai, Paraguai, Argentina e Chile –, estavam presentes experiências dolorosas, de controvérsias e dissidências
alguns leigos e os Diretores Nacionais das Pontifícias que condicionam o presente”, afirmaram os bispos da
Obras Missionárias. Os objetivos específicos do encontro Associação das Conferências Episcopais dos Países
foram: conhecer a realidade da promoção e formação Anglófonos da África Ocidental (AECAWA): Gana,
missionária Ad Gentes dos leigos; definir linhas para a Libéria, Serra Leoa, Gâmbia e Nigéria, em um comu-
promoção, acompanhamento e formação do missionário nicado divulgado no final da 11° Assembléia Plenária
Ad Gentes; preparar o envio de missionários leigos Ad da Associação, que se realizou em Freetown, em
Gentes latino-americanos durante o CAM 3–Comla 8. Serra Leoa entre os dias 8 e 13 de outubro de 2007,
Sentiu-se a necessidade de resgatar a vocação mis- com o tema "A Igreja e a colaboração entre cristãos e
sionária Fidei Donum para os leigos, à luz dos 50 anos islâmicos na África Ocidental". “Queremos aprofundar
da publicação da encíclica de Pio XII. Orientados pelas o nosso diálogo para que possamos ir ao coração da
reflexões "O que significa ser Discípulo e Missionário questão: a promoção da paz na nossa região da África
de Jesus Cristo para um Leigo Missionário Ad Gentes, ocidental", afirma o documento. 
à luz da Sagrada Escritura, do Magistério Conciliar e
Pontifício e, especialmente, da Igreja Latino-Americana" Fontes: CNBB, Fides, Notícias do Planalto, POM.
8 Novembro 2007 -
INTENÇÃO MISSIONÁRIA
"A fim de que na Península Coreana aumente o passar dos anos, a dor da separação vai aumentando. Bastariam
poucas horas para percorrer os quilômetros que os separam,
espírito de reconciliação e de paz”. mas por enquanto isso é impossível. Porém, no ano 2000 surgiu
uma esperança: os governos das duas Coréias reuniram-se
pela primeira vez após a separação e um dos resultados foram
os encontros entre as famílias separadas. Desde então ocorre-
ram encontros esporádicos entre familiares, tendo sido dada a
prioridade aos de maior idade. Alguns encontros foram feitos no
Sul, outros no Norte e outros por videoconferência. O governo
da Coréia do Sul tem feito esforços para que estes encontros
sejam regulares devido a idade avançada de muitas pessoas.
Este é um autêntico drama!
A Coréia era originalmente um único país, mas após a guerra
entre os anos 1950-53, a relação entre as duas facções ficou
caracterizada por um armistício de paz. Isso significa que, tecnica-
mente, as duas nações permanecem em estado de guerra, dado
que ainda não assinaram nenhum acordo de paz. Os mais idosos
são os que rezam e anseiam pela reunificação dos dois países,
mas apesar dos esforços feitos a nível diplomático, a previsão
é de que isso vai custar muito a chegar. A esperança é de que
a reunificação um dia aconteça. Basta olhar para a Alemanha,
país que esteve também dividido em dois por muitos anos. E a
Igreja Católica na Coréia do Sul associa-se, naturalmente, a esta
Crianças sul-coreanas. esperança que o povo coreano carrega no coração, organizando
iniciativas de ajuda, sobretudo econômica, aos irmãos e irmãs do
Texto e foto de Álvaro Pacheco Norte, bem como participando em iniciativas várias de reflexão
e promoção da reunificação, entre outras.

I
Somos então convidados, durante este mês, a colocar esta
magine que você vive em São Paulo e que no Rio de nação dividida no centro da nossa oração, partilhando a angústia
Janeiro estão alguns parentes seus: um irmão, seu pai e a esperança do povo. Peçamos a Deus que abençoe esta
ou mãe, um tio ou sobrinho... Imagine também que está terra tão sofrida e lhe conceda o dom da paz, do perdão e da
morrendo de saudades deles, pois faz 50 anos que não reconciliação, para que as crianças de hoje possam construir,
os vê! Como assim? Mas vivem tão perto! Inacreditável, num futuro próximo, uma só Coréia. 
não é? Isso acontece na Coréia do Sul e na do Norte. Lá vivem
ainda milhares de pessoas separadas pelas fronteiras. E com o Álvaro Pacheco é missionário, diretor da revista Consolata na Coréia do Sul.

Solidariedade ao povo da Birmânia


e aos monges budistas

A
ASETT, Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro seu país e seja também a ocasião para começar uma relação
Mundo, torna pública sua solidariedade e apoio ao povo estreita de cooperação entre vocês e a Eatwot, tanto no campo
da Birmânia em sua justa reclamação por liberdade diante da espiritualidade comprometida com as grandes causas da
da penosa ditadura que vem suportando há décadas e humanidade, como no da reflexão teológica e no da busca
expressa seu desejo de que sua espiritualidade budista o sustente inter-religiosa da paz, da justiça e da qualidade espiritual de
nesta luta até a consecução de seu objetivo. Nosso apoio dirige-se toda a humanidade.
também aos monges budistas pelo serviço que estão prestando Assinam a declaração: Rohan Silva, presidente, Sri Lanka.
a seu povo ao encabeçar seu protesto e avalizar com sua credi- Emmanuel Marthym, vice-presidente, Ghana. Luiza E. Tomita,
bilidade monástica a vivência espiritual desta resistência contra a secretária-executiva, Brasil. Murniati Nunuk, coordenadora da
ditadura, em favor da liberdade e da democracia. Nos sentimos região asiática, Indonésia. Ramathate Dolamo, coordenador regio-
unidos a vocês nesta luta e convocamos todos os cidadãos do nal da África, South Africa. Maricel Mena, coordenadora regional
mundo a secundar os esforços de vocês para que a Birmânia da América Latina, Colômbia. José-Maria Vigil, coordenador da
consiga a tão desejada democracia e, com ela, a liberdade, a comissão teológica internacional, Panamá. Anthoniraj Thumma,
justiça, a transparência e a superação da pobreza. Asian coordenador da comissão teológica da Ásia, Índia. Jung
Desejamos que esta valente ação de vocês, monges budis- Ha Kim, coordenadora da comissão teológica de US-Eatwot’s
tas da Birmânia, seja o início de uma nova etapa na história de Groups e Marcelo Barros, monje católico beneditino, Brasil.

- Novembro 2007 9
Afro
espiritualidade

Espiritualidade

de Antônio Aparecido da Silva


Dia 20 de novembro recordamos Zumbi e
o Dia Nacional da Consciência Negra.

O
s povos que estão na origem

Jaime C. Patias
da sociedade brasileira trazem
as ancestrais heranças de pro-
fundas espiritualidades. Assim
acontece com os indígenas
que constituem a população
originária no continente, os afros que para
cá foram trazidos e segmentos populacio-
nais de diversas partes da Europa que
aqui aportaram em busca das ambições
provocadas pelo novo mundo. Embora as
práticas religiosas e espirituais trazidas por
esses diferentes povos tenham sido trata-
das de modos muito diferentes, entretanto,
permanece em todo o continente uma aura
de espiritualidade como característica
fundamental de nossa gente. A maneira
pela qual as pessoas vêem e sentem a
realidade é, sobretudo, com sentimento
religioso e espiritual.
Este verdadeiro patrimônio espiritual
que está enraizado em todo o continente
Representantes da Pastoral Afro no I Fórum da Igreja Católica no Rio Grande do Sul, PUC/RS, Porto Alegre.
e de maneira muito marcante em nossa
realidade brasileira tem muito a ver com Colônia. Bantu e nagô, cada um destes temente a espiritualidade é a linguagem,
as tradições africanas. Na Bahia, uma povos e culturas são marcados por um ou seja, o elemento de compreensão da
das principais localidades das tradições tipo de espiritualidade. Aliás, todo o povo realidade. Deus no seu ato criador o fez
afro no Brasil, tudo expressa sentimentos africano é profundamente religioso. através de uma mediação espiritual infun-
religiosos e espirituais: no vestir-se, nos dindo nas coisas criadas a força do seu
alimentos, nas atitudes e, sobretudo no Os nagôs e a espiritualidade Axé. Por isso mesmo, tudo o que existe
falar. Diante das mais desafiadoras dificul- Assim como o povo da Bíblia tinha no mundo animal, vegetal e mineral está
dades, inclusive da árdua luta pela vida, vários nomes atribuídos a Deus (Adonai, carregado do Axé de Deus.
o povo baiano não se dá por vencido e Goel, Javé), os nagôs também utilizavam O Axé é fundamentalmente a energia
diz: “Deus é mais!” diversos nomes para se referir a Deus. vital, o sopro de Deus. Para senti-lo e
A espiritualidade afro-brasileira tem Um dos termos bastante freqüentes para enriquecer-se com sua energia é preciso
duas grandes influências: as heranças designar a divindade suprema é Olorum uma atitude eminentemente espiritual
africanas e as tradições do catolicismo po- que quer dizer “Senhor do céu e da terra”, colocando-se em sintonia com Deus,
pular. A primeira foi trazida pelos africanos portanto, Senhor de tudo. Para os nagôs mormente através dos Orixás. O Axé está
bantus e nagôs; enquanto que a segunda tudo o que existe é sagrado porque tudo presente em tudo: nas plantas, nas águas
foi vivenciada aqui entre nós desde a foi criado por Deus (Olorum). Conseqüen- e até nas pedras. Entretanto, como não

10 Novembro 2007 -
Ana Cristina
poderia ser diferente, onde o Axé está abun-
dantemente presente é no ser humano,
sobretudo na mulher. Ela é por excelência
o receptáculo do Axé de Deus.
A vivência espiritual de cada pessoa
passa pela mediação do seu Orixá, ou
dos Orixás. Toda pessoa tem um Orixá
que zela por ela. A vida espiritual mediada
pelos Orixás é um fator de equilíbrio para
as pessoas. Zelar pela vida espiritual,
portanto, é cuidar do próprio equilíbrio.
Não há equilíbrio sem espiritualidade. A
origem de todo o mal está no desequilíbrio.
A mediação espiritual dos Orixás possibilita
o re-equilíbrio das ações desordenadas.
Espiritualidade e vida para os nagôs
constituem uma unidade inseparável. Não
há qualquer possibilidade de um procedi-
Padre Toninho preside celebração Afro.
mento dualista que separe corpo e alma.
Por isso mesmo a espiritualidade é um dado gerações atuais percebam que a história indefesos e marginalizados”, e reafirma que
efetivo e afetivo. Ela mostra a afeição de lhes é anterior e será também posterior. “conhecer os valores culturais, a história e
Deus para com as suas criaturas e, por Cada geração não é começo nem fim é um as tradições dos afro-americanos, entrar
outro lado, comunica-lhes a sua energia elo, e isso se dá não de maneira isolada, em diálogo fraterno e respeitoso com
vital (Axé). A vida conduzida pela vivência mas comunitariamente. eles, é um passo importante na missão
espiritual possibilita o equilíbrio aqui nesta Na concepção espiritual bantu, vida e evangelizadora da Igreja” (DA, 532).
terra e, após a morte, o convívio eterno morte são igualmente importantes. Viver A espiritualidade afro vivida nos am-
junto a Olorum (Deus). com dignidade, morrer com dignidade. bientes populares ou em outras instâncias,
O que assegura o viver com dignidade é tem como referência não só os elementos
Espiritualidade bantu a vivência comunitária, que não suprime das tradições culturais, mas, inclusive a
A cultura bantu é bastante difusa, como o valor do indivíduo descambando em história de sofrimento e de luta da co-
também a sua religiosidade e espirituali- coletivismo, mas o qualifica como ser munidade negra que vai da escravidão
dade. Entretanto é importante assinalar de relações. A vivência comunitária é o à libertação e na incessante busca atual
algumas de suas características. O ponto salvo-conduto para a vida eterna e para por participação e igualdade. O centro da
de partida é sempre a compreensão de a condição de ancestro. Portanto, a morte espiritualidade afro é o Cristo ressuscita-
Deus. Assim como para os nagôs, também é vista com pesar, sem dúvida, porém, do. Não por acaso os grandes centros de
para os bantus, Deus é o Ser Supremo. com muito respeito porque ela é acima manifestação da religiosidade e espirituali-
Chamado de Zambi ou Zambe, Ele é o de tudo o grande trânsito espiritual. Por dade afro são dedicados a Cristo debaixo
criador e condutor de todas as coisas. isso, inclusive, o devido respeito e até de vários nomes, como por exemplo:
Zambi no seu ato criador, primeiro criou veneração para com o morto, depositando Bonfim, na Bahia; Matozinho, em Minas;
o coletivo: Mãe, Pai e Filhos, ou seja, cuidadosamente o seu corpo na terra, Senhor dos Milagres, em Lima, Peru, e
criou a família. Portanto, pelo ato criador porém, com a certeza de que pela sua outros. Portanto, é uma espiritualidade
de Deus o coletivo adquire a centralidade vivência comunitária ele está junto de eminentemente cristológica.
na função ética e conseqüentemente no Zambi, na sua glória eterna. A devoção mariana tem lugar es-
procedimento espiritual. A espiritualidade pecial na espiritualidade afro. O ícone
bantu passa pela vivência comunitária. Espiritualidade afro-brasileira maior desta espiritualidade é Aparecida,
Quem vive comunitariamente mantém-se Há uma espiritualidade cultivada por a negra Mariama. Ela representa a opção
em permanente união com Deus (Zambi) alguns seguimentos religiosos no Brasil de Deus para com os negros, os pobres
e dele recebe os benefícios. Ao contrário, que se mantém fiel às originárias tradições mais pobres nos tempos da escravidão,
quem não vive comunitariamente determina e religiões africanas, sobretudo dos povos quando ela apareceu toda negra. Ainda
a sua própria maldição. nagôs. Entretanto a maioria do nosso povo hoje ela continua solidária com aqueles que
Outra dimensão importante da espi- tem uma vivência religiosa caracterizada são os mais marginalizados e ex­cluídos
ritualidade bantu é a ancestralidade. O pela prática do catolicismo popular amal- da sociedade, os negros, que ainda são
ancestro não é simplesmente o morto, gamada com tradições culturais africanas, maioria. Na V Conferência Geral do Epis-
mas o antepassado vivente. Exatamente sobretudo, com os elementos da religiosi- copado Latino-Americano e do Caribe em
porque viveu comunitariamente o ante- dade bantu (reizados, congados etc.). Hoje, Aparecida, os bispos concluíram que “o
passado tornou-se ancestro. E, como tal, sob o olhar da inculturação, ou seja, de uma seguimento de Jesus no continente passa
continua presente na vivência (história) da maneira legítima de entender a fé cristã a também pelo reconhecimento dos afro-
comunidade. O ancestro liga o passado ao partir do gênio próprio de cada cultura, a americanos como desafio que interpela
presente e projeta o futuro. A ancestralidade Igreja valoriza esses elementos culturais a viver o verdadeiro amor a Deus e ao
valoriza a história e, ao mesmo tempo a de origem que estejam em sintonia com os próximo” (DA, 532). 
transcende. O ancestro é um mediador ensinamentos cristãos. A esse propósito,
espiritual. Antes das funções litúrgicas ou diz o documento da Assembléia do CE- Antônio Aparecido da Silva é sacerdote orionita, professor
dos atos religiosos evoca-se a memória LAM em Aparecida que “a Igreja defende de Teologia no Itesp-SP, Assessor da Pastoral Afro, Membro
dos ancestros. Tudo começa por ali. A os autênticos valores culturais de todos da Equipe Teológica da CRB-Nacional e Presidente do Centro
invocação dos ancestros faz com que as os povos, especialmente dos oprimidos, Atabaque de Cultura Negra e Teologia, SP.

- Novembro 2007 11
Uma carta a
testemunho

Ao escrever este artigo, padre Ramón Lázaro Esnaola, 40 anos, espanhol, usando uma
linguagem metafórica e poética, descreve sua progressiva paixão pela Missão, comparando-a
às etapas do namoro, noivado e casamento. O nome fictício Irene (em grego: paz) dado à
Missão é muito significativo para ele, pois a sua vocação nasceu quando ele se comprometeu
a trabalhar por Irene (paz).
Ariel Tosani

tomar uma decisão. Comecei a comentar


meus sentimentos e aspirações com pes-
soas de minha confiança. Elas me davam
toda a atenção e me acompanhavam no
difícil discernimento. Lembro que rezei
muito para que Deus me iluminasse; pois
não conseguia ver as coisas claramente
e também, não tinha a certeza de que
iria conseguir ser-te fiel a vida inteira.
Criei coragem e um pouco às cegas, não
totalmente convencido, me arrisquei e te
disse “sim”. Estava disposto a começar
contigo um novo caminho.

Primeiros passos
Tudo ia bem e eu estava muito feliz
com a opção feita. Porém, surgiu um grave
problema: eu ainda não havia falado aos
meus pais desta minha decisão. Eu tinha
toda a certeza, que tu não eras o que
eles haviam pensado para mim e o meu
Padre Ramón com paroquianos em Dianra, Costa do Marfim.
futuro. Não que eles não gostassem de
de Ramón Lázaro Esnaola inquietude, um forte desejo de conhecer-te ti... Ademais, eles estavam divorciados.
mais em profundidade. Amigos, leituras, Realmente, fiquei numa situação difícil.

Q
movimentos, ajudaram a me aproximar Porém, minha irmã e meu irmão menor
uerida Irene, quero-te muito! de Deus... Tudo ia me orientando para estavam dando apoio; de forma que a
Permita que te lembre um Ele e para um sério compromisso com os meus pais, não restava outra alternativa, a
pouco da minha história em irmãos. Na busca, tu te fizeste acessível não ser aceitar a minha decisão, embora
relação a ti, no fervor dos e me proporcionaste a oportunidade de eu percebesse que eles não estavam
meus 20 anos. Realmente, conhecer o Grupo dos Leigos Missioná- acreditando em mim. Tinham a certeza,
me seduziste com teu jeito rios da Consolata da minha cidade e de que depois de algum tempo, eu me can-
de ser e teu fascínio. No teu bom enten- tornar-me um de seus membros efetivos. saria de ti e voltaria para eles. É que eles
dimento com as pessoas, tornavas fácil o Desde então, passaste a ocupar um lugar não te conheciam! Afinal, eles acabaram
difícil; construías onde reinava sofrimento de destaque no meu coração. Progressi- abençoando a nossa união. Os primeiros
e desolação; perdoavas toda espécie de vamente, fui conhecendo-te mais e mais; anos foram de aprofundamento da nova
ofensa. Conseguias tornar tudo tão bonito já tu não saias da minha mente. A tua, vida. O tempo ia passando, já passara o
ao teu redor. A verdade é que acabei era uma presença forte e até as pessoas namoro e o noivado, e eu comecei a tomar
me apaixonando por ti. Lembras quando começaram a perceber o nosso namoro. conhecimento das minhas limitações (e
tudo começou? Eu vivia na minha cidade, Senti que me pedias um projeto de vida das tuas); das minhas fraquezas (e das
Zaragoza, perto de Madri, Espanha, e a dois; já não era uma amizade como as tuas); das minhas incoerências (e das
diante de certas situações de injustiça e demais: tu me querias todo e só para ti. tuas). Houve momentos de perplexida-
violência no mundo, comecei a sentir uma Ah! Irene! Confesso que foi muito difícil de; mas eu devia tomar consciência que

12 Novembro 2007 -
Irene
República da Costa do Marfim
Capital: Abijan
Superfície: 322.463 km2
População: 15.980.950
Nacionalidade: marfinenses
Idiomas: Francês (oficial), diula, baulê.
Religião: Islamismo 38,7%, cristianismo 26,1%
(católicos 20,8%, protestantes 5,3%),
animismo 17%, outras 18,2%
Expectativa de vida: 47 anos
Analfabetismo: 53,2%
Moeda: franco CFA

estava lidando com realidades humanas básicos. Lembras? Por algum tempo, ali
que não são perfeitas. Assim, apesar de acompanhamos jovens em busca de um
tudo, juntos, fomos seguindo o caminho. futuro melhor; e conseguimos ser para
Já não era mais aquele amor explosivo eles, apoio fraterno e esperança. Aqueles miséria e as mulheres, de vez em quando,
do início; porém, agora, o meu amor por ti três anos foram muito preciosos. Mas, recebem umas migalhas irrisórias. Os
era mais autêntico, mais sincero. Eu já não depois chegou Dianra (outra missão, Senufó, são os primeiros moradores da
estava preso apenas à tua beleza exterior; além-fronteiras). Dianra, está situada ao Costa do Marfim. Eles estão organizados
sentia-me atraído mais pela interior. norte da Costa do Marfim, África. Tenho ao redor do Poro, que tem a duração de
que confessar-te, Irene, que esta é a minha quase sete anos. É a iniciação tradicional
Os frutos da Missão preferida. Desde 2001 até o presente, que lhes proporciona um aprendizado
Desta vez foi pra valer. Decidimos estou partilhando a minha vida com os progressivo e que os torna incrivelmente
entrelaçar nossas vidas. Serei sempre Senufó. Dianra mostrou-me as savanas resistentes para a sobrevivência.
grato a Deus e a ti por tê-lo feito. Da arborizadas, as plantações de algodão, as
nossa união, nasceram dois filhos: um pequenas plantações de inhame, o milho Coragem de doar a vida
menino e uma menina: Tetuan e Dianra. e arroz que eu já conhecia na Espanha. As características desse povo são
Tetuan (minha primeira missão) era um Ela me ensinou a lidar com o harmatta, fortes: o respeito e a obediência aos mais
bairro ao norte de Madri, habitado por vento gélido que vem do deserto do Sul, de velhos; o sentido de pertença ao grupo;
trabalhadores, pessoas humildes que novembro a janeiro e que todos os dias ao a aliança com a família; a harmonia com
viviam em casas pequenas e que tinham desaparecer do sol deixa tudo congelado Deus, com os antepassados e com a
que lutar muito pela sobrevivência das até a manhã seguinte. Mas, sobretudo, natureza... Para eles, os funerais fazem
próprias famílias. Geralmente, eram pes- Dianra me apresentou aos Senufó, povo parte da vida; são preparados e muito bem
soas vindas do Equador para tentar na organizado em mais de 300 subgrupos, celebrados. Sem dúvida, devo dizer-te,
Espanha uma vida melhor. Imigrantes espalhados na região norte da Costa de Irene, que está sendo muito importante
que precisavam ser acompanhados, até Marfim. É um povo muito trabalhador, para mim esta experiência entre os Se-
conseguirem se adaptar à nova realidade, tanto as mulheres como os homens; com nufó. Eles me ajudaram a fazer inúmeras
se organizar, reivindicando seus direitos uma diferença: aos homens paga-se uma descobertas; porém, a mais importante é
a da reciprocidade de amor dado e cor-
respondido. Eles me querem muito e eu
Ramón Lázaro

igualmente os quero e por eles continuo


aqui. É certo que não faltaram alguns
sofrimentos, especialmente durante a
guerra (2001-2005), e a crise posterior
que persiste até hoje. Porém, estou vi-
vendo todo esse tempo de incertezas,
com grande confiança no Deus da vida
que me acompanhou até esta hora, me
protegeu a cada passo, mesmo sem eu
perceber. Sinto que tudo me levou a cres-
cer muito no amor, na fé, na coragem de
anunciar, na doação desinteressada, na
partilha. Dianra me ensinou que na vida,
há situações e pessoas especiais, pelas
quais vale a pena viver; pelas quais vale a
pena dar a vida. Não quero que me julgues
tão trágico; porém, quero assegurar-te,
que me sinto feliz por ter feito toda esta
caminhada na família da Consolata. 

Ramón Lázaro Esnaola, imc, é missionário na


Jovens da comunidade São José, Dianra, Costa do Marfim. Costa de Marfim, África.

- Novembro 2007 13
Encontro
Católicos se encontram com
fé e política

vereadores, numa demonstração


de amadurecimento e
consciência política.

com políticos
de Humberto Dantas Reforma política e compra de votos
Em São Paulo, dia 29 de setembro, tive a oportunidade de
fechar o encontro falando sobre reforma política. Apontei que

E
todos os pontos da reforma guardam relação direta com o for-
ntre o final de setembro e o início de outubro tive a talecimento dos partidos e do Legislativo, mas que infelizmente
oportunidade de participar em dois encontros de ve­rea­ essas instituições não gozam de significativa credibilidade junto à
dores católicos. O primeiro deles, na capital paulista, foi sociedade, muito pelo contrário. Assim, diante de tal questão, os
realizado na Câmara Municipal e destinado a todos os esforços para consolidar as mudanças como algo benéfico serão
parlamentares do estado. O segundo ocorreu em São significativos. E muito do que se pretende alterar não representará
José do Rio Preto, SP, e contou com a participação de uma guinada no sentido da honestidade, da moral e da ética, mas
legisladores locais de diversas cidades. Importante salientar apenas mudanças nas regras. Para alterar de maneira significativa
que o grande compromisso do encontro foi com o debate de o ambiente político nacional seriam necessárias ações de edu-
questões fundamentais. Pesa positivamente o fato de a Igreja cação e alteração no envolvimento do brasileiro com a política.
se mostrar absolutamente preocupada com aspectos gerais de Estamos muito distantes disso, sobretudo porque dependemos
de parlamentares que não enxergam na
Ariuce Schiavon

sociedade a solução, e sim em suas capa-


cidades de alterar o quadro. A apresentação
contou com apoios, mas também gerou
insatisfação significativa daqueles que não
concordam com as idéias apresentadas. A
despeito de tal condição, esse é o espírito
da democracia.
Em São José do Rio Preto, dia 5 de
outubro, a palestra teve como tema central a
Lei 9.840/99, aprovada graças aos esforços
da CNBB e de diversas organizações que
conduziram o trabalho de sensibilização da
sociedade e, pressionando o Legislativo
Nacional, aprovou seu projeto. O objetivo
foi mostrar que apesar dos esforços da
sociedade, o Comitê 9.840 apresentou
dados no início de outubro que mostravam
que “apenas” 663 políticos foram cassados
desde 2000 por compra de voto e uso ina-
dequado da máquina pública em benefício
de campanhas – temas principais da Lei.
Humberto Dantas (esq.), Marco Antônio Matheus, padre Geomar Alves dos Santos, São José do Rio Preto, SP.
A cultura política do país entenderia esse
nosso cenário político e os relacionar com princípios gerais da número como extremamente relevante, principalmente por conter
ética cristã. As discussões caminharam no sentido de debater governadores e senador. Mas em 2006 a ONG Transparência
desde a doutrina social da Igreja até a reforma política. Em todos Brasil estimou em quase 10 milhões o número de brasileiros
os casos os presentes puderam se manifestar e as discussões, que receberam proposta de compra de voto. A distância entre
por vezes, se acaloraram. o possível e o desejado é grande, mas passa pela consciência
A despeito de tais características, o interesse dos legislado- dos candidatos. E os postulantes que se apresentam à sociedade
res ainda não é tão significativo quanto o da Igreja em mostrar levando o nome da Igreja não podem se desfazer dos esforços
o quanto temos para discutir, debater e firmar compromissos. de nossa organização com honestidade e lisura eleitoral. Que os
O plenário de São José do Rio Preto e a sala utilizada em São católicos continuem se organizando e discutindo com cidadãos a
Paulo não estavam lotadas, apesar de contarem com bons importância da política! Estamos à disposição. 
públicos. Como palestrante convidado dos dois eventos, abor-
dei temas diferentes e expressivamente relevantes ao cenário Humberto Dantas é cientista político, professor do Centro Universitário São Camilo. Co-autor do
político nacional. livro Introdução à Política Brasileira, Paulus, 2007.

14 Novembro 2007 -
FORMAÇÃO mISSIONÁRIA

A Conferência de Aparecida

Chaves
As surpresas do Espírito
Durante a V Conferência, o sopro
suave do Espírito, que faz novas todas
as coisas (cf. Ap 21,5), influenciou,
desconcertou e surpreendeu . Eventos

de leitura
acentuadamente eclesiais, não para-
lelos, conforme suspeita e acusação
de alguns, mas complementares, ex-
pressaram sintonia e comunhão com
a Assembléia, tornando-se momentos
fortes de oração, de contemplação, de
fé comprometida e espiritualidade liber-
Surge um dos projetos missionários mais bem
tadora. Entre eles estão: o Seminário
de Teologia, promovido pelo Conselho
articulados dos últimos tempos.
Nacional do Laicato do Brasil – CNLB;

Jaime C. Patias
o Fórum de Participação, mobilizando
pastorais, movimentos, organismos e
entidades; a Romaria das CEBs, jun-
tamente com a Pastoral da Juventude
e a Pastoral Operária; a Tenda dos
Mártires; a Tenda da Vida Consagrada,
organizada pela CRB; e a presença e
assessoria da Ameríndia, uma rede de
católicos das Américas com espírito
ecumênico e aberta ao diálogo e à
cooperação inter-religiosa.
Diferentemente do que esperavam
setores conservadores, o Discurso
Inaugural do papa foi marcado por
ingredientes que combinam conheci-
mento da realidade, leitura crítica da de Carlos C. Santos só, no mínimo, questiona, desinstala
conjuntura, denúncia dos sistemas e faz pensar. Dos 268 participantes da

A
de corrupção e de morte e orientação Assembléia, mais da metade não eram
para uma opção concreta e eficaz Conferência de Aparecida bispos. Mais de 50% da Assembléia,
pelos pobres e excluídos. Mesmo foi a primeira Assembléia do portanto, apesar de não terem tido
à postura equivocada segundo a CELAM em conexão aberta direito a voto, tiveram direito à voz,
qual “... o anúncio de Jesus e de seu e direta com a “aldeia glo- participando efetivamente de todo o
Evangelho não supôs, em nenhum bal”, através da tecnologia processo, falando e sendo ouvidos.
momento, uma alienação das culturas de ponta que disponibiliza
pré-colombianas, nem foi uma impo- hoje as mais diversificadas vias, quais A usurpação de poder
sição de uma cultura estranha”, (DA, sejam o celular, a internet, e todos O Documento de Aparecida (DA)
p. 268) correspondeu, a partir das os elos que, a partir daí, podem ser original, votado, aprovado e consagrado
reações de comunidades indígenas articulados. Com este estar permanen- pela Assembléia no dia 31 de maio, para
e afro, a correção de Bento XVI: “...a temente “plugado”, já não é possível além de todos os matizes relativos ao seu
memória de um passado glorioso não fazer nada às escondidas. Aconteceu contexto, constitui um todo harmônico
pode ignorar as sombras que acom- lá, e a notícia chegou online cá. Não há belíssimo que consolida a tradição teo-
panharam a obra da evangelização mais como conceber uma Assembléia lógica e eclesial da América Latina e do
do continente latino-americano... os privada ou secreta isenta deste tráfico Caribe, tendo encontrado respaldo até
sofrimentos e as injustiças que os de influências. mesmo da teologia mais crítica, como a
colonizadores infligiram à população O ambiente em que se realizou a representada, por exemplo, pelo padre
indígena, frequentemente pisoteada em Conferência também foi original: um José Comblin, em seu artigo sobre “o
seus direitos fundamentais... condena- santuário aberto ao povo, aos pobres, projeto de Aparecida”. Não obstante,
dos, já então, por missionários como às romarias, à religião e à cultura popu- como já adverte o ditado, “há algo de
Bartolomeu de las Casas e teólogos lar, em um cenário que mantém no ar podre no reino da Dinamarca”. E Oxalá
como Francisco de Vitória”. o “espetáculo” praticamente 24 horas fosse só no da Dinamarca...
O conjunto dessas influências re- por dia, favorecendo a aproximação, Enviado ao papa para aprovação
percutiu muito mais positiva do que encontros, contatos diretos e o diálogo. final, o texto retornou com diversas
negativamente no Documento Final Uma realidade, portanto, que, por si modificações entre cortes e acréscimos,
de Aparecida.

- Novembro 2007 15
junções e disjunções, comprometendo, de entregá-lo a Bento XVI, mais tarde se outros, lembrando que “o papa respei-
visivelmente, entre outros, os itens con- justificaram com declarações e cartas, taria o que os bispos decidissem” (O
cernentes às CEBs (DA, texto original: sem, porém, levar a bom termo a questão Estado de S. Paulo, 16/08/2007). Mais
193-196; cf. texto oficial: 178-180). que continua em aberto. A CNBB, de adiante, perante o impasse provocado
O presidente e o secretário-geral início, igualmente surpresa, condenou pela obscuridade das notícias, a CNBB
do CELAM na ocasião, respectivamen- a manipulação do texto original, na optou por uma posição de conciliação,
te, o cardeal chileno Francisco Javier palavra abalizada de bispos como o disponibilizando em seu site uma Co-
Errázuriz Ossa e seu colega, Andrés cardeal Geraldo Majella Agnelo, dom municação à Imprensa através da qual
Stanovnik, da Argentina que, em princí- Raymundo Damasceno Assis, atual dom Andrés Stanovnik transferiu toda
pio, direta ou indiretamente, admitiram presidente do CELAM, dom Luiz Soares a responsabilidade das modificações
ter mudado o documento original antes Vieira, dom Demétrio Valentini, entre para a Santa Sé.

Fotos: Jaime C. Patias


Manifestações e protestos
Esta controvertida manipulação de seja o servidor (cf. Mt 23, 11). Esta é
partes do texto original trouxe para o centro a questão central ou nevrálgica, da
do debate uma série de contribuições, qual não se pode mais fugir e que, se
manifestações, reflexões e protestos, enfrentada com honestidade, poderá
o que, com certeza, pode e deve ser varrer definitivamente da nossa histó-
considerado um bem, no contexto não ria, da nossa teoria e militância todo
só do legítimo direito à discordância, despotismo e sede de poder que não
como também à defesa de uma ética de coadunam, em nenhuma hipótese, com
transparência. Afinal, filha da discórdia o seguimento de Jesus.
e da crise que brotou já nas origens do Nesta perspectiva se excluem, por
cristianismo com as também controverti- conseguinte, as justificativas, pois, além
das, e até contraditórias, eclesiologias de de não convencerem, tampouco atacam
Pedro e Paulo, que, por vias diferentes, a causa ou o mal pela raiz. Desculpas
chegaram ao Senhor, “um pela cruz, e como as que foram propaladas, alegan-
outro pela espada”. do forma, estética, ou seja lá o que for do
Há, porém, uma questão de fundo texto alterado, não resolvem o problema
que a alteração do texto original de de fundo que permanece: alguém que,
Aparecida lança, embora não explicite. seja quem for, auto-suficiente, abusa
Não é a primeira vez que um documento do poder relacionado ao cargo que
desta importância é adulterado à re- ocupa, e muda, conforme seus próprios
velia de uma Assembléia validamente critérios e interesses, o que fora apro-
constituída, como é o caso das Con- vado e votado por uma maioria. Assim
ferências Episcopais, que têm normas compreendida, a questão não é pura e
pré-estabelecidas, entre as quais a que simplesmente a da volta ou não do texto
determina que somente o papa pode original, mas a da reconstituição de um
modificar o conteúdo do documento processo em que o poder absolutista
votado e aprovado, deliberando ou falou mais alto que o poder serviço do
não sobre sua publicação. Evangelho, abafando e entristecendo
O processo funciona, então, mais o Espírito Santo (cf. Ef 4, 30).
ou menos assim: a manipulação e as Na atual conjuntura socioeconômica
modificações executadas no documento e política, em que a Igreja tem criticado
original são como uma dor de cabeça, com veemência e condenado profe-
que nada mais é do que o sintoma de ticamente a avalanche de corrupção
um mal maior no organismo podendo em todos os níveis, denunciando o
ser estômago, fígado, rins, que serão, acintoso abuso de poder que despreza
então, a causa do sintoma. De igual e exclui os pobres, não deverá partir
maneira, a mudança arbitrária do texto dela, em primeiro lugar, o testemunho
é tão somente sintoma de uma causa evangélico de uma ética transparente
que, esta, sim, precisa ser combatida e condizente com o espírito do Evan-
e erradicada, a saber, a estrutura de gelho que é Boa Nova da verdade que
poder, ou o modo como esse poder é liberta? (cf. Jo 8, 32)
exercido na comunidade dos seguidores Por outro lado, como já se alertou,
e seguidoras de Jesus, que não veio seria irresponsável uma supervaloriza-
para ser servido, mas para servir (cf. ção deste aspecto negativo, prescindin-
Mc 10, 45), e impõe como condição do do rico patrimônio da fé cristã que
11º Intereclesial das CEBs, Ipatinga, MG. para seu seguimento que, o maior arranca agora de Aparecida.

16 Novembro 2007 -
FORMAÇÃO mISSIONÁRIA

O fio condutor de Aparecida


Para o leitor atento, não será difícil da Igreja. Ao contrário, professando e
perceber que o texto do DA, seja o propondo, desde o início, continuidade
original ou o oficial, traz uma série de afinada e, ao mesmo tempo, atualizada,
ambigüidades e contradições, o que, com o Concílio Ecumênico Vaticano II
até certo ponto, é natural por tratar-se, (1962-1965) e as Conferências pre-
como vimos, de um documento redigi- cedentes do Rio de Janeiro (1955),
do a partir de uma diversidade muito Medellín (1968), Puebla (1979) e Santo
grande de contribuições, intervenções, Domingo (1992), o DA não fundamenta
acordos e influências que, somadas, suas conclusões em verdades absolutas
negociadas e votadas, resultaram, ou em um pretenso senhorio da verdade,
então, no documento final. Visto no mas assume com humildade a condição
seu conjunto, no entanto, o DA não de parceria, inserindo-se no quadro das
representa retrocesso, legitimando, grandes transformações atuais, (Cf. DA
por exemplo, conforme se esperava, 33) que faz da Igreja uma instância a
o conservadorismo ou os arautos de mais, entre muitas outras, de serviço
uma neocristandade em curso, em à construção do Reino e, portanto, de
determinados campos da sociedade e “outro mundo possível”.

Visão de conjunto
Mantendo postura crítica em relação e profundidade pastoral e teológica,
aos modelos eclesiológicos e doutrinais parece ser um dos projetos missioná-
que destoam do espírito do Concílio (Cf. rios mais bem articulados dos últimos
DA 100b), o DA convoca os cristãos e as tempos. Nas palavras de frei Clodovis
cristãs para a inaudita tarefa de assumir Boff, “uma surpresa do Espírito” e “o
a cultura atual, como meio imprescindí- ponto mais alto do Magistério da Igreja
vel de conhecer, falar e compreender Latino-Americana”.
a linguagem contemporânea, (Cf. DA Não temos nenhuma pretensão de
480) e mergulhar sem medo na era da ser ou ter a última palavra em relação a
modernidade, respeitando a legítima um assunto que, por sua própria natureza,
autonomia do temporal e das ciências, é prioritariamente comunitário e deve
em nosso mundo marcadamente plu- ser amplamente socializado. Diante da
ralista. Neste contexto, centrar toda a densa e rica proposta expressa no DA, o
ação evangelizadora na convivência Espírito suscitará, como já vem suscitan-
dialogal e respeitosa com o diferente do, muitas outras reflexões. Daí, nossa
e consolidar a emancipação da tutela peregrina, (Cf. DA 384 e Lc 34, 13ss) e opção por lançar sobre o Documento de
da Igreja, enquanto sacramento do resgate a credibilidade histórica. Com Aparecida um olhar de conjunto, tentando
Reino, é condição indispensável para este pano de fundo, no conteúdo como realçar nele, os principais aportes que
que ela cumpra sua missão de caminhar na forma, o DA se apresenta atraente e encorajam e sustentam a missão das
solidariamente com toda a humanidade criativo e, conjugando harmonia, beleza cristãs e dos cristãos.

As linhas mestras do DA
Optamos por colocar em destaque perspectiva, sobressaem, entre outros, acolhe (Lc 7, 36ss; Jo 4, 7ss), convive
aqueles traços que, a nosso ver, pa- 10 grandes eixos que apresentamos (cf. Lc 10, 38-42), educa (cf. Mt 20, 17ss)
recem ser os mais característicos ou a seguir: e envia (cf. Mc 6, 6b-13; 16, 15) para o
fundamentais do DA, constituam eles discipulado missionário (cf. Jo 20, 21).
novidade em relação ao novo projeto 1. “Encontrei Jesus!” É o Crucificado-Ressuscitado que, por
de evangelização proposto para o con- A realidade de uma experiência fidelidade ao projeto do Pai, obsessão
tinente ou, simplesmente, reafirmação pessoal e comunitária, concreta, exis- incontida pelo Reino e amor aos pobres
de conquistas anteriores. Nas trilhas tencial, de encontro afetivo e efetivo e oprimidos, caminha decididamente
do método “ver-julgar-agir”, o DA rea- com Alguém, que está por trás desta para Jerusalém (cf. Lc 13, 33), onde
presenta a já conhecida proposta de expressão comumente usada por irmãs vai desmascarar e deslegitimar os
“partir da realidade que precisa e deve e irmãos evangélicos, é como que a poderes socioeconômico e político-
ser transformada, à luz do projeto de “força motora” do DA. religioso, para consumar seu Ofertório
Deus, pela ação libertadora dos(as) Cristo foi, é e será sempre (cf. Hb 13, de Vida para que todos tenham vida.
discípulos(as) missionários(as)”. Nesta 8) aquele que chama (cf. Mt 4, 18-22), Jesus não é, portanto, em primeira

- Novembro 2007 17
FORMAÇÃO mISSIONÁRIA

instância, um conjunto de normas e 2. A perspectiva “reinocêntrica” novamente com o ponto conflitante


doutrinas às quais se está obrigado A trajetória histórica que, em espe- relacionado aos poderes constituídos
a submeter, mas uma pessoa real, cial, a partir de Kant, com o princípio da que já foi objeto da advertência, por
concreta – o Irmão Maior que nos foi razão autônoma, colocou o ser humano exemplo, de Paul Tillich, quando recorda
dado – à qual se deve aderir e seguir no centro do universo (antropocen- que o Reino de Deus é “o símbolo mais
por ser Caminho, Verdade e Vida (cf. trismo) não conseguiu responder aos importante e o mais difícil do pensa-
Jo 14, 6). Tendo enfrentado e vencido grandes anseios de liberdade e felicida- mento cristão e ainda mais – um dos
corajosamente as forças do mal e da de humanas, tendo sido substituído, à mais críticos, tanto para o absolutismo
morte, traz-nos a esperança-certeza época pós-conciliar, pelo cristocentrismo político quanto eclesiástico” (Teologia
de que mudar é possível, confiando- (Cristo é o centro de tudo). Sistemática. São Paulo: Paulinas/Si-
nos seu Espírito (cf. Jo 20, 22) que Hoje, contudo, amparados por nodal, 1984:658).
nos enche da mesma coragem para reflexões de uma teologia sadia e “Os povos da América Latina e do
seguir seus passos, repetindo o que mais coerente, é possível chegar a Caribe vivem hoje uma realidade mar-
Ele fez (Cf. DA 31). “Trata-se de con- compreender que um encontro pessoal cada por grandes mudanças que afe-
firmar, renovar e revitalizar a novidade e comunitário com Jesus de Nazaré tam profundamente suas vidas. Como
do Evangelho arraigada em nossa não pode estar restrito aos limites de discípulos de Jesus Cristo, sentimo-nos
história, a partir de um encontro pes- uma experiência de fé meramente desafiados a discernir os ‘sinais dos
soal e comunitário com Jesus Cristo, intimista, individualista, sentimentalis- tempos’, à luz do Espírito Santo, para
que desperte discípulos e missioná- ta, espiritualista ou moralista. Nesta colocar-nos a serviço do Reino, anuncia-
rios... homens e mulheres novos que perspectiva, se tem defendido muito do por Jesus, que veio para que todos
encarnem essa tradição e novidade, apropriadamente que, mais do que tenham vida e ‘para que a tenham em
como discípulos e missionários de seu aderir à fé em Jesus, é preciso aderir à plenitude’ (Jo 10,10)” (DA 33).
Reino, protagonistas de uma vida nova fé de Jesus, que fez de toda sua vida,
para uma América Latina que deseja morte e ressurreição, compromisso 3. Vida nova e plena
reconhecer-se com a luz e a força do incondicional para construir e tornar A urgência do advento do Reino,
Espírito” (DA 11). presente o Reino na história (cf. Mc enquanto realidade que porá termo
Mais: no espírito da gratuidade e 1, 15; Mt 13). às forças do mal, impõe o tema que
das bem-aventuranças evangélicas É evidente que esta mudança de atravessa todo o DA e é como que
(cf. Mt 5, 1ss), não só repetir o que Ele ótica torna o desafio ainda maior, pois sua alma: o da defesa de uma genuína
fez, mas como Ele fez: “No Evangelho aderir à fé de Jesus implicará, em cultura da vida que conheça, enfrente
aprendemos a sublime lição de ser termos práticos, continuar sua palavra e vença os sistemas de morte.
pobres seguindo a Jesus pobre (cf. Lc profética e sua ação libertadora no “Conduzida por uma tendência que
6, 20; 9, 58), e a de anunciar o Evan- mundo, prolongando suas opções e privilegia o lucro e estimula a concorrên-
gelho da paz sem bolsa ou alforje, sem seu compromisso, em muitos casos, cia, a globalização segue uma dinâmica
colocar nossa confiança no dinheiro até à morte, para consolidar o Reino de concentração de poder e de riqueza
nem no poder deste mundo (cf. Lc 10, como destino último da humanidade e nas mãos de poucos. Concentração não
4ss)” (DA 31). do mundo. E aqui nos confrontamos só dos recursos físicos e monetários,
mas, sobretudo, da informação e dos
recursos humanos, o que produz a
Tonny Pereira

exclusão de todos aqueles não sufi-


cientemente capacitados e informados,
aumentando as desigualdades que
marcam tristemente nosso continente e
que mantêm na pobreza uma multidão
de pessoas” (DA 62).
Defender e garantir direitos, digni-
dade e vida humana, social e ecológica
em todas as suas etapas, circunstâncias
e dimensões, na denúncia corajosa e
profética do sistema de globalização
neoliberal que pretende submeter tudo
e todos às leis iníquas do mercado,
eis a vocação primordial dos discípu-
los missionários que encontraram e
experimentaram Jesus, comunicador
do Reino e Vida em abundância. 
(Continua na próxima edição)

Carlos C. Santos é sacerdote e assessor das CEBs (Co-


munidades Eclesiais de Base) da Arquidiocese de Juiz
Romaria dos Mártires, Ribeirão Cascalheira, Prelazia de São Félix do Araguaia, MT. de Fora, MG.

18 Novembro 2007 -
Juventude
meio ambiente
Roteiro de Encontro
Tema do mês: “DNJ e Meio Ambiente”
a) Acolhida
O Dia Nacional da Juventude deste ano fez todos
b) Invocação do Espírito Santo
c) Dinâmica refletirem sobre a problemática ambiental.
d) Apresentação do tema,
questionamentos e debate
e) Pai Nosso Missionário
f ) Oração conclusiva
exatamente esta ganância que levou
à situação onde nos encontramos, com
um planeta que pede urgentemente ajuda.
É tempo de reverter a situação!

Papel dos jovens


Os jovens de hoje são mais sensíveis à
necessidade de mudança de mentalidade com
relação ao meio ambiente. Alguns já estão enga-
jados em atividades de defesa do planeta. O jovem
católico não pode ficar indiferente a esta temática.
Cremos que Deus criou o mundo em que vivemos
e nos entregou para sermos “administradores”, não
donos para fazermos o bem entendemos. Precisamos
nos empenhar para realizar uma boa administração daquilo
que nos foi entregue. O livro da Gênesis diz: “E Deus viu
que tudo era bom”. Tudo na Criação é bom, mas necessita de
preservação. Está na hora de passarmos à ação concreta. Não
de Patrick Gomes Silva bastam palavras e boas intenções. São necessárias ações para
reverter a situação em que nos encontramos

O
Diante desta realidade é preciso que sejamos profetas. Sig-
Dia Nacional da Juventude 2007, celebrado em 28 nifica falar desta realidade a todos. Muitas pessoas ainda não
de outubro, teve como tema "Juventude e meio am- estão convencidas da problemática. É importante conscientizá-
biente". O evento pretendeu motivar a juventude para las sobre o cuidado e preservação da vida e do meio ambiente.
comemorar o dia de uma forma jovem, descontraída É fundamental também o nosso testemunho. Não adianta dizer
e comprometida com a realidade social em que está uma coisa e fazer outra. Cremos na sensibilidade, capacidade
inserida, tendo como base e centro Jesus Cristo e e empenho dos jovens nesta missão essencial.
seu projeto de vida. Recentes estudos e notícias sobre o meio
ambiente têm sido alarmantes. Anos atrás, certas catástrofes Entre outras atitudes concretas, vale lembrar:
eram profetizadas, mas poucos acreditavam no que se dizia. ● Reduzir (o consumo), reutilizar e reciclar (materiais);
Hoje acordamos para esta situação. A alteração climática, por ● Não jogar óleo lubrificante no esgoto;
exemplo, é uma realidade que não nos pode deixar indiferentes, ● Evitar comprar produtos oriundos de recursos naturais não
pois afeta a todos. renováveis;
Se, no passado, olhávamos para a natureza como fonte ines- ● Não desmatar e sim contribuir com o reflorestamento (ár-
gotável de recursos, agora percebemos mais e mais que ela está vores nativas);
em perigo. Cuidar do meio ambiente é cuidar da vida como um ● Economizar os recursos naturais (água, energia, etc.);
todo. Não é simplesmente um modismo, mas uma questão muito ● Informar-se sobre o tema e participar de organizações e
séria. Estudo publicado há pouco mostra que os mais prejudicados movimentos que atuam nesta causa;
com as mudanças climáticas são os pobres, exatamente porque ● Promover iniciativas de conscientização na comunidade.
são os que mais dependem das condições do clima. Mahatma
Gandhi, libertador da Índia, afirmou: “A natureza pode suprir to- Patrick Gomes Silva é missionário, membro da equipe de formação do Centro de Animação
das as necessidades da humanidade, menos sua ganância”. Foi Missionário José Allamano, SP.

- Novembro 2007 19
Irmã Lindalva
Destaque do mês

Bem-aventurada do Brasil
Religiosa da Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo será beatificada em Salvador,
BA, em dezembro.

Divulgação
de Aidil Brites e Gigliola Sena

E
m 1993, irmã Lindalva Justo de
Oliveira, 39 anos, foi assassinada
por um dos internos do Abrigo
Dom Pedro II, em Salvador. No
dia 2 de dezembro será beatifi-
cada, durante missa celebrada
no Ginásio Manoel Barradas, situado na
cidade onde a missionária vivia a sua
vocação quando sofreu o martírio. Uma
oportunidade ímpar, já que milhares de fiéis
estarão reunidos com padres e religiosos
para renovar o compromisso missionário.
“Desejamos chamar atenção para o fato
de que a santidade é o testemunho que
a missão exige”, explica o bispo auxiliar
Dom Josafá Menezes.
O rito próprio da beatificação aconte-
cerá dentro da Celebração Eucarística.
Após o Ato Penitencial, será lida a história
da religiosa, além do decreto e da fórmula
própria de reconhecimento do estado de
bem-aventurança. As Filhas da Caridade,
como também são chamadas as religiosas
da congregação de irmã Lindalva esperam
pela beatificação “num clima de alegria
e expectativa, mas também de oração
e ação de graças”, como afirma a atual
superiora do Abrigo Dom Pedro II, irmã
Cristina da Silva.
Para a ocasião, a Província de Recife
confeccionou velas denominadas “Chama
da Caridade” com o objetivo de divulgar a
virtude exercitada pela irmã e o testemunho
cristão deixado por ela. As velas percor-
rem as paróquias onde a congregação
atua até o dia 23 de novembro. Nessa
data, as Filhas da Caridade de diversas
províncias reunidas em Salvador farão o
encerramento da peregrinação. “O exemplo
de vida que irmã Lindalva deixou anima a
nossa fidelidade a Deus e nos encoraja a
enfrentar os desafios cotidianos”, declara
irmã Cristina.

20 Novembro 2007 -
Caminho vocacional do seu hábito azul de irmã de caridade,
Lindalva nasceu no município de Açu,
localizado no Estado do Rio Grande do
"O coração é meu, pode sofrer, agora alvejado no Sangue do Cordeiro (Ap
7, 14) ao qual se misturou o seu sangue;
Norte. “Quero ter uma felicidade celestial.
Transbordar de alegria e ajudar o próximo.
mas o semblante é do outro e Linda alva é a límpida aurora da Páscoa
de Jesus, que raiou para ela três dias
Ser incansável em fazer o bem”. Estas deve estar sempre sorridente". depois de sua trágica Sexta-feira Santa.
palavras estão na carta de pedido de Límpida aurora-linda alva da sua própria
ingresso da então vocacionada. Em 1987, páscoa”. Dom Lucas ainda comentou
aos 33 anos, ela decidiu seguir a vida de que foram precisos poucos anos de vida
religiosa na Companhia das Filhas da O martírio religiosa para que ela recebesse a graça
Caridade. Seu pedido foi aceito. A iden- Na sexta-feira da Paixão do ano de do martírio. Augusto cumpriu os 10 anos
tificação com a nova forma de vida era 1993, dia 9 de abril, após participar de da pena em um manicômio judiciário.
tanta que chegou a escrever: “em todos uma via-sacra na paróquia da Boa Viagem, Hoje, ele se mostra arrependido e mora
os momentos das minhas orações, sinto irmã Lindalva vai realizar seus afazeres de em um centro de recuperação para de-
um desejo tão grande do amor de Deus rotina. Enquanto prepara o café da manhã pendentes químicos no município baiano
que um dia vou conseguir, nem que seja dos velhinhos, alguém toca os ombros de Simões Filho.
no último dia da minha vida”. dela, solicitando atenção. Ao virar-se,
Quem conviveu com a religiosa confir- é surpreendida pelo interno Augusto da A beatificação
ma a dedicação dela aos idosos e à oração. Silva Peixoto, então com 46 anos, que lhe Segundo dom Josafá Menezes, a
Desde o início da vida consagrada já se desfere um golpe de facão, atingindo a solicitação de abertura do processo partiu
podia perceber em Lindalva a busca pela veia aorta. Lindalva cai, ensangüentada. da cidade onde houve o assassinato. “Ao
santidade. “Era obediente e compreensiva. Mesmo assim, é imobilizada pelo agressor assumir a arquidiocese de Salvador em
Esforçava-se constantemente para corrigir- e ainda recebe mais 43 facadas. Alguns 1999, dom Geraldo Magella tomou conheci-
se dos defeitos e crescer no caminho idosos ainda tentam impedir o assassinato, mento das circunstâncias da morte de irmã
da perfeição”, descreve a irmã Ivanir de mas Augusto ameaça de morte quem se Lindalva e acreditou haver ali indícios de
Araújo que foi diretora do noviciado da aproxima. Quando chega o socorro mé- um martírio autêntico”, revela o bispo. Os
futura Bem-aventurada. dico, a irmã já está morta. Tudo porque documentos necessários para abertura do
O Abrigo Dom Pedro II, em Salvador, a religiosa recusou-se a corresponder processo de beatificação foram reunidos
foi sua primeira e única missão pastoral, à paixão alimentada por ele. Desde o e enviados ao Prefeito da Congregação
que iniciou em 26 de janeiro de 1991. Co- momento em que o interno a conheceu, para as causas dos santos, cardeal José
ordenava o pavilhão masculino, tendo sob Lindalva passou a ser alvo de constantes Saraiva de Martins, no Vaticano.
seus cuidados 40 idosos. “As pessoas que declarações amorosas e insinuações. Fato “Os mártires de ontem e os do nosso
conheceram irmã Lindalva sempre falam que foi comentado por ela com as freiras tempo dão a vida livre e conscientemente.
do zelo e delicadeza com que ela tratava mais próximas e com a própria superiora Num supremo ato de caridade, testemunham
da época. “Prefiro a sua fidelidade a Cristo, ao Evangelho, à
que meu sangue Igreja”, é o que ensina o papa Bento XVI,
Anderson Samuel

seja derramado, na mensagem dirigida à Congregação que


do que afastar-me cuida das Causas dos Santos, durante a
daqui”. Estas pala- reunião plenária realizada no Vaticano em
vras foram proferi- abril do ano passado. Tudo isso foi encon-
das por irmã Lin- trado na história da religiosa e finalmente
dalva. Ela referia- o papa aprovou a beatificação de irmã
se à possibilidade Lindalva através do decreto promulgado
de ser transferida em 16 de dezembro de 2006.
do Abrigo, hipó- Para dom Josafá, esta beatificação
tese levantada representa o reconhecimento e incentivo
por outra religio- ao alto nível do seguimento de Cristo que
sa ao saber das a Igreja do Brasil já faz em diversos seto-
dificuldades com res. Isto tanto para religiosos quanto para
o assédio do in- leigos brasileiros. Junto com o anúncio da
terno. Resposta beatificação de irmã Lindalva, também
que não deixava foi comunicada a da catarinense Alber-
dúvidas da con- tina Berkenbrock e a do padre espanhol
vicção da futura Manuel Gomes González e seu coroinha,
Bem-aventurada. Adílio Daronch, ambos martirizados no Rio
Abrigo Dom Pedro II em Salvador. De acordo com o Grande do Sul (cfr. Missões de outubro
o próximo, especialmente os velhinhos”, laudo médico-legal, Lindalva recebeu 44 de 2007). 
informa a atual coordenadora das salas feridas de golpes em seu corpo. Número
do Abrigo, irmã Lucimar Pereira do Nas- de feridas da flagelação de Cristo, além Aidil Brites é jornalista, radialista, mestranda na Universidade
cimento. E revela que para melhor servir das cinco chagas. Federal da Bahia (UFBA) e membro da Comunidade Católica
aos idosos, Lindalva chegou a aprender a As palavras da homilia da missa de Shalom.
dirigir e conclui com as palavras de autoria corpo presente, presidida pelo cardeal ar- Gigliola Sena é jornalista, aluna especial do mestrado na
da mártir: “O coração é meu, pode sofrer, cebispo de Salvador na época, dom Lucas Universidade Federal da Bahia (UFBA), atua na Pastoral
mas o semblante é do outro e deve estar Moreira Neves, já sinalizavam o potencial da Comunicação de Salvador. É consagrada na Comunidade
sempre sorridente”. de santidade da religiosa: “Linda alva é a Católica Shalom.

- Novembro 2007 21
I Fórum da Igreja C
Atualidade

do Rio Grande do Sul

Fotos: Jaime C. Patias


de Mário De Carli assumir os desafios que a sociedade revela. antes sonhados que estavam guardados
Por isso, o Fórum no Rio Grande do Sul, no coração de Deus. Desejamos criar

E
explicou padre Tarcísio Rech, membro da laços de amizade e fraternidade, viver
ntre os dias 20 e 23 de setembro, equipe de organização, “procurou ser um a comunhão. Queremos ser Igreja dos
na Pontifícia Universidade Ca- espaço de diálogo interno na Igreja e com pobres, que luta pela justiça social. Pois,
tólica de Porto Alegre, realizou- a sociedade”. Era visível a participação e o se não há esperança para os pobres, não
se o I Fórum da Igreja Católica interesse de quem chegou para ver e sentir há para ninguém”, concluiu.
do Rio Grande do Sul. O evento o pulsar do coração desta Igreja. Foram
foi convocado pelos bispos do sete os momentos celebrativos, quatro As conferências
estado, em parceria com a Conferência Conferências, seis seminários transver- Sob o tema: “A Vida e a Missão da
dos Religiosos do Brasil e preparado ao Igreja na História do Rio Grande do Sul”,
longo de dois anos nas 17 dioceses da
região, paróquias e comunidades, com “A Vida se manifestou, nós a os conferencistas da primeira palestra
abordaram a presença da Igreja Católica
o envolvimento de padres, religiosos e
religiosas, institutos seculares, agentes de vimos e a testemunhamos” no estado, mostrando os acontecimentos
históricos desde o início da evangelização
pastoral e Institutos de Teologia. O tema (1Jo 1,1-2). dos povos indígenas até os dias atuais.
central do Fórum foi “A Vida e a Missão A segunda conferência proferida pelo
da Igreja no Rio Grande do Sul”, à luz do sais, 101 grupos de trabalho em oficinas padre Inácio Neutzlin, sj, teve como tema:
lema: “A Vida se manifestou, nós a vimos temáticas, 46 apresentações artísticas e “Mudança de época, época de mudanças?
e a testemunhamos” (1 Jo 1,1-2). Segundo 172 tendas, mostrando a vida e a missão Novos cenários para a vida e a missão da
os organizadores, cerca de 100 mil pes- das dioceses. A abertura do evento coube Igreja no estado”. “Estamos num mundo
soas participaram. Percebeu-se que era a dom José Mário Stroeher, bispo de Rio em transição de uma época para outra,
necessário fazer uma parada significativa Grande e presidente do Regional Sul 3 da onde novos desafios são colocados para
na caminhada para auscultar o coração CNBB. Suas palavras evocaram a memória a Igreja”, afirmou padre Inácio. “Teremos
das pessoas e os desejos do povo. Dar a de dom Ivo Loischeider, declarado Patrono que pensar também como ser Igreja numa
cara e mostrar quem é a Igreja, capaz de do Fórum: “Aqui viveremos dias nunca sociedade pós-social, que se rege pela in-

22 Novembro 2007 -
Católica
Cristo Morto e Crucificado, na de Nossa que já dura mais de dez anos. Um vídeo
Senhora da Glória, no Senhor do Bonfim, produzido pela Rede Vida mostrou os
e na imagem de um ícone mais brando, desafios da missão em Moçambique e a
como no “Coração Eucarístico de Jesus”, importância de continuar o projeto como
cujo refrão é um dos mais cantados pelo expressão missionária da Igreja.
povo: “Coração santo, tu reinarás, tu,
nosso encanto, sempre serás”. Porém, Momentos celebrativos
na vida real e concreta, o rosto do Servo No dia 20, uma celebração marcou
Inocente e Sofredor está na narrativa a abertura do dia e a “Missa Crioula”, de
do negro escravo onde aparece todo o tradição gaúcha encerrou o primeiro dia
absurdo da sua existência: o sofrimento, de trabalho. Compareceram à Celebração
a solidão e a escravidão. Ecumênica na manhã do dia 21, duas mil
Frei Luís Carlos Susin concluiu esta pessoas que tinham como objetivo cele-
conferência, trazendo à tona a narrativa brar a vida, independentemente da crença
heróica do índio Sepé Tiaraju, que lutou religiosa. Salientou-se o pedido de perdão
por seu povo, representada na imagem e o Dia da Árvore. No final do dia foi a vez
do Cristo Redentor que sobe aos céus das etnias celebrarem a pluralidade dos
bradando: “Alto lá! Esta terra tem dono!”. povos que formam o Rio Grande do Sul.
Falaram ainda o padre Érico Hammes e Destacaram-se os negros e os guaranis
a Irmã Lúcia Weiler. com seus cânticos, ritmos e danças.
Na quarta conferência, professores e O terceiro dia do Fórum começou com
pesquisadores do Instituto Missioneiro de uma oração pela paz conduzida pelo Grupo
Teologia de Santo Ângelo e do Instituto de Diálogo Inter-Religioso de Porto Alegre.
de Teologia e Pastoral de Passo Fundo Líderes do Islamismo, Budismo, Fé Baha'i,
apresentaram o resultado de uma pesquisa Umbanda, Igreja Evangélica de Confissão
realizada nas cidades de Santo Ângelo e Luterana e da Igreja Católica, com discur-
Passo Fundo, sobre a visão que a socie- sos em forma de oração, fizeram pedidos
dade civil tem da Igreja Católica, alguns de perdão pela intolerância, o fanatismo
desafios e perspectivas, e sua ação evange- e o fundamentalismo, que dificultam a
lizadora. “Eles olham para a Igreja e vêem paz. A transformação do mundo começa
as ações sociais e em outros momentos, dentro de cada pessoa desenvolvendo a
a relação com os pobres. A credibilidade ética da compaixão, da misericórdia e o
da Igreja na sociedade ainda é muito amor pela verdade. O Fórum teve ainda
forte. Ela é interpretada como atrasada, mais de 60 apresentações culturais, das
fora da realidade, mas ao mesmo tempo, mais diversas expressões que compõem o
marca a sociedade e é sempre confiável”, estado, envolvendo peças teatrais, shows,
concluíram os pesquisadores. declamações, canto coral, voz e violão,
Diversas etnias representadas no Fórum. num total de 853 participantes. "A Vida se
Oficinas e tendas manifestou, nós a vimos e a testemunha-
dividualização do sujeito. Como poderemos No meio do vai e vem das pessoas, mos", conduzidos pelo Hino do Fórum, mais
pensar numa ação evangelizadora nesse havia uma tenda dedicada à oração. No de três mil pessoas entraram no clima da
contexto? Eis aí o grande desafio da Igreja silêncio, olhos fechados, mãos postas, Solene Vigília, no sábado à noite.
Católica”, destacou o teólogo, que é diretor corações unidos ao Mestre, os participantes Domingo pela manhã foi lida a Carta
do Instituto Humanitas Unisinos. faziam suas súplicas e louvores. do Fórum na qual “a Igreja do Rio Grande
A terceira conferência fez pensar sobre As várias pastorais e movimentos do Sul assumiu o compromisso solidário e
os vários rostos de “Jesus Cristo na Vida e organizaram mais de 100 oficinas de inadiável com os excluídos e de denúncia
Missão da Igreja no Rio Grande do Sul”. Pa- debate e reflexão em torno de temas, das situações de violência que ameaçam
dre Ângelo Lôndero enfatizou que devemos tais como: a migração, economia soli- a vida”. A Carta reconheceu as falhas
ser discípulos missionários de Jesus, e qual dária, povos indígenas, a sociedade em cometidas no passado com os indíge-
bom samaritano, ver que o marginalizado diálogo com a Igreja, cultura, paz, educa- nas e negros e acentuou sua presença
que vive à beira do caminho é o próprio ção, juventude, direitos humanos, mulher humanizadora na sociedade. Priorizou a
rosto do Senhor desfigurado. etc. A contribuição dos açorianos para a formação qualificada do povo e de seus
Padre José Bonifácio Schmidt des- evangelização e a constituição da Igreja agentes de pastoral, ao mesmo tempo em
creveu que no tempo de Jesus, a religião no Rio Grande do Sul também foi tema que se propôs a reavaliar a presença da
privilegiava a lei e excluía os pobres, as de debate. A Pastoral Afro, fazendo uma Igreja nas pequenas e grandes cidades.
viúvas e os doentes. Neste contexto, Cristo leitura do povo negro na Bíblia apresentou A Carta abordou ainda, a questão das
surpreende a todos ao curar os leprosos cinco oficinas para ajudar a Igreja a fim mulheres, dos idosos e dos jovens e rea-
e instaura o Reino de Deus de uma forma de ser mais profética e acolhedora para firmou a esperança no engajamento dos
que ninguém esperava, colocando o ser com os negros. O Conselho Missionário leigos, para que as discussões do Fórum
humano no centro do seu agir. do Regional Sul 3 da CNBB estendeu sua sejam colocadas em prática. O Fórum
Na piedade popular e na simbologia tenda, mostrando a validade do Projeto foi encerrado no domingo dia 23, com a
barroca, o rosto do “Servo Inocente e Missionário “Igrejas Solidárias com a Celebração da Eucaristia reunindo três mil
Sofredor” de Jesus aparece nas imagens diocese de Nampula, em Moçambique”. fiéis, mais de 100 padres e 20 bispos. 
sacras, absorvendo a dramaticidade do Coordenado pelo padre Camilo Pauletti,
sofrimento e da dor, como na imagem de a equipe relatou a experiência missionária Mário De Carli, imc, é animador missionário em Portugal.

- Novembro 2007 23
Me conta uma história?!
“O tempo passa mais lento pro negão (...) todo camburão tem
Infância
Missionária
um pouco de navio negreiro!” (Marcelo Yuka - Rappa)
de Roseane de Araújo Silva

Arquivo: Irmãs de São José Chambéry


Q
ueremos registrar neste mês de novembro duas datas
bem significativas: o Dia da Consciência Negra (20),
que comemora os 312 anos da morte do herói negro
Zumbi dos Palmares e o Dia Internacional da Tolerância
(16), instituído pela UNESCO há 12 anos a partir de
uma Declaração de Princípios sobre a Tolerância, um
dos grandes desafios da humanidade. O grupo Rappa
nos recorda uma parte da nossa história, onde seres humanos
foram arrancados de sua terra natal e levados para uma terra des-
conhecida, onde foram tratados de forma desumana, sem respeito
e sem direitos reconhecidos, enfim, onde não eram considerados
nem gente. Como conseqüência deste passado até hoje temos
uma realidade de discriminação e desigualdades.
Ao contar um pouco dessa história, recordamos também uma
parte da herança africana em nossos dias, que é a "contação de
histórias". Quem não se lembra de ter ouvido inúmeras histórias
antes de dormir ou mesmo ao redor de uma fogueira? Esse cos-
tume antigo é um legado da cultura africana presente em nosso
cotidiano. Da mesma forma, existem outros diferentes elementos
da mesma cultura. Através das histórias contadas e recontadas foi também com a cultura afro-brasileira, perseguida e resistente
por nossos antepassados, chegamos aos nossos dias e assim por séculos. É um marco importante a luta contra a negação da
identidade afro-brasileira, as tentativas de branqueamento e a
resistência das religiões de matriz africana, associadas muitas
Sugestão para o grupo vezes às “coisas do mal” ou “coisas do diabo”. Estas religiões são
combatidas incessantemente e sem dúvida nenhuma se configuram
Acolhida como símbolos de resistência e guardiãs da memória dos nossos
Motivação (objetivo): levar ao grupo a importância da tradição antepassados oriundos da mãe África.
oral e o registro da mesma, através do exemplo de Jesus Cristo
e suas parábolas, refletindo também a influência africana em A história contada
nosso país. Antes da existência do nosso livro mais importante e mais
Oração: Deus Todo Poderoso presente em nossas vidas, lido do mundo (a Bíblia), todas as suas histórias eram contadas
abençoai os nossos idosos, verdadeiros guardiões da nossa
oralmente, ou seja, eram transmitidas às novas gerações pelos
história e memória viva de nossa comunidade. Abençoai também
a todas as pessoas que lutam por um mundo mais igual para anciãos e sábios que viviam no meio do povo, como por exemplo,
todos, independente da cor da sua pele. Estevão que resume a história do povo e a aliança de Deus com este
Partilha dos compromissos semanais povo (At 7, 1-53). Era costume de Jesus também falar às pessoas
Leitura da Palavra de Deus: Marcos 4, 1-9 e 13-20 A Missão através de parábolas, que são formas de refletir a realidade asso-
de Jesus ciando à outra realidade. Nosso compromisso como missionários
Compromissos missionários: No mês da Consciência Negra e missionárias da IAM também nos desafia a “manter-nos bem
possamos valorizar a herança africana que recebemos, procu-
rando conhecer um pouco mais sobre esta influência em nosso
informados sobre os acontecimentos que envolvem as pessoas de
dia-a-dia. Organizar cartazes e afixar no Mural da paróquia ou todos os continentes” (6º Mandamento da Criança Missionária) e
comunidade. Recontar a história da comunidade, fazendo um mais especificamente do nosso continente e do nosso país. Ainda
levantamento com os moradores mais antigos, organizando temos muito a descobrir do nosso passado e da nossa história.
a visita em suas casas com antecedência. Com o apoio do O primeiro passo é estarmos abertos e abertas a ouvi-la a partir
animador do grupo, organizar a história com fotos antigas ou das histórias contadas por nossos pais, avós, tios e tias, enfim,
desenhos no Mural para o mês de dezembro ou para o mês das pessoas que já viveram antes da gente, sem receio e sem se
de aniversário da comunidade (caso não seja comemorado
ainda, propor esta comemoração na reunião com as lideranças
envergonhar deste passado. Tomando emprestado a poesia do
da comunidade ou paróquia). grupo Rappa, reafirmo que “os jornais não informam mais e as
Momento de agradecimento ao Deus da Vida, por sua ação imagens não são tão claras como a vida. Vou aliviar a dor e não
na história e na caminhada do seu povo, animando-nos e perder as crianças de vista”. De todas as crianças do mundo –
fortalecendo-nos. Agradecemos também pela riqueza da pre- sempre amigas! 
sença africana em nossa cultura.
Canto e despedida.
Roseane de Araújo Silva é missionária leiga e pedagoga da Rede Pública do Paraná.

24 Novembro 2007 -
- Novembro 2007 25
Por trás da violência
Entrevista

que se vê As verdadeiras causas da violência que desafia e assusta a sociedade.


Texto e fotos de Dirceu Benincá Entre os assessores, esteve Ivo Lesbau- Não há uma causa única: existe uma

D
pin, nosso entrevistado. Ivo é sociólogo, série de fatores que contribuem para
e 6 de agosto a 28 de setem- professor da Universidade Federal do Rio o crescimento da violência. Um estudo
bro, o CESEP (Centro Ecumê- de Janeiro, coordenador de um núcleo de da ONU sobre a desigualdade social no
nico de Serviços à Evangeli- pesquisa sobre prefeituras democráticas- mundo, publicado em 2005, dá conta
zação e Educação Popular) populares e membro do Iser/Assessoria de que a desigualdade cresceu muito
realizou, em São Paulo, o – uma Organização Não-Governamental nos últimos 20 anos. O relatório afirma
Curso Latino-Americano de do Rio de Janeiro que presta assessoria à que isso se deve à adoção de políticas
Formação Pastoral para discutir o tema da pastoral popular e movimentos populares neoliberais, que priorizam o capital finan-
urbanização e o fenômeno da violência. em nível nacional. ceiro, em detrimento do bem-estar social.
Provenientes da Bolívia, Colômbia, El Segundo a ONU, existem dois fatores
Salvador, Moçambique, República Do- Ao longo da história, a violência associados que contribuem de forma
minicana e de quatro estados do Brasil, emerge como um sério problema para significativa para o aumento dos índices
os participantes também refletiram sobre os indivíduos e para as sociedades. de violência: a crescente desigualdade
os desafios culturais, sociais, políticos e Onde está a sua origem e por que ela social e a diminuição das perspectivas
pastorais emergentes desta realidade. se propaga tanto? de melhoria de vida. Os jovens percebem

26 Novembro 2007 -
solidariedade entre uma pessoa e outra: lógica do “subir na vida a qualquer custo”.
não valorizam a solidariedade coletiva. O capitalismo só contribui para aumentar
Com isso, quebram-se valores morais e o esgarçamento do tecido social, fazendo
éticos. Essa concepção vai crescendo na as pessoas se voltarem umas contra as
sociedade em geral e vai aparecer também outras. O exemplo que o Estado está
em jovens da classe média – pessoas que dando é de irresponsabilidade diante
têm acesso a boas condições de vida – das mazelas sociais e isso influencia as
porque o enriquecimento vai se tornando pessoas a também serem irresponsáveis
o ideal a ser atingido de qualquer maneira. com as outras.
A presença da violência não é exclusiva
nos setores sociais empobrecidos, nem De que maneira o Estado e a socie-
é gerada pela pobreza. Ela aparece não dade civil organizada podem contribuir
quando existe pobreza, mas quando existe para uma cultura de paz?
acentuada desigualdade social e reduzidas Todas as vezes que acontece um surto
chances de melhora de vida. Há outros de violência ou um caso mais grave, como
fatores que contribuem para o aumento da foi o ataque do PCC a São Paulo, ou o
violência social, como é a "banda podre" episódio da criança arrastada por um carro
dentro dos próprios órgãos encarregados no Rio de Janeiro, a reação imediata dos
do controle social. Sabemos que setores da meios de comunicação é querer aumentar
polícia estão comprometidos com o tráfico a repressão. Se for menor de idade, logo
de drogas, com os jogos, a prostituição, se fala em redução da maioridade penal,
etc. Eu costumo dizer que no Brasil não aumento do efetivo policial e das armas
nas mãos da polícia, bem como a insti-

A violência aparece não tuição da pena de morte. Nem sempre


nos damos conta que a pena de morte já

quando existe pobreza, mas existe: é só observar o crescente número


de pessoas que são mortas por policiais

quando existe acentuada a cada ano. É claro que é necessário um


controle policial maior e uma polícia menos

desigualdade social. corrupta. Porém, isso é insuficiente. É


preciso atacar as causas do aumento da
criminalidade, o que implica a mudança
há máfia, como na Itália, por exemplo, de políticas públicas, especialmente da
porque a “máfia” aqui é um setor da pró- política econômica, que é a responsável
pria polícia. Isso complica enormemente pelo desenvolvimento (ou não-desenvol-
que dificilmente conseguirão emprego e, o controle da violência. vimento), pela geração de emprego (ou
se o conseguirem, ele será precário e com de desemprego). Embora no governo
baixo salário. Essa insegurança extrema O sistema de mercado procura cul- Lula o desemprego tenha diminuído um
é um caldo de cultura para o aumento da pabilizar os pobres por seu fracasso pouco, segundo o IBGE ainda estamos
violência. Não se pode esquecer também social. Em sua opinião, ao dizer que com uma taxa em torno de 10%. Em São
o crescimento do espírito de competição o pobre é um incapaz, o capitalismo Paulo temos cerca de 1 milhão e 500
na sociedade. O sistema social vigente estimula a violência ou a contém? mil desempregados. Conforme Márcio
proclama que a riqueza depende da com- O tipo de capitalismo que está se Pochmann, 90% dos empregos gerados
petência dos indivíduos e que a pobreza desenvolvendo atualmente só reforça a nos últimos quatro anos foram precários,
é resultado da incompetência – em outras violência. Diferente do período de 1945 de alta rotatividade e renda de até dois
palavras, da pouca escolaridade, dos a 1975, quando tivemos um capitalismo salários mínimos. A meu ver, só haverá
estudos insuficientes. mais preocupado em atender às neces- diminuição da violência quando o Estado
sidades sociais (o Estado de Bem-Estar assumir seu papel, desenvolvendo políticas
O que leva pessoas da classe mé- Social), agora vivemos um capitalismo públicas de emprego, saúde, educação e
dia, como os jovens que espancaram neoliberal, que é intrinsecamente injus- moradia para toda a população. Quando
uma empregada doméstica no Rio de to e gerador de injustiça social. Até a houver uma política econômica capaz de
Janeiro, a serem violentas? Que outros denominação “capitalismo de rosto hu- reduzir efetivamente o desemprego. Nós
fatores, além do econômico, estimulam mano”, usada para caracterizar aquela temos programas sociais importantes como
a violência? fase, desapareceu. Nem se fala mais do o Bolsa-Família, mas isso não basta. Esta
Nas últimas décadas, nota-se uma “capitalismo selvagem”, que seria o seu é uma política compensatória, não gera
acentuada perda de valores, de referências oposto – referente à fase inicial, do século emprego. Também não é com violência
morais. Cultivam-se valores individualistas, XIX. Por que? Porque o que temos hoje (repressão) que se resolve o problema
ao invés da solidariedade e da ação coletiva. é o capitalismo tal como ele é, em sua da violência. Só fortalecendo valores
Segundo a ideologia neoliberal, cada um essência, selvagem. Naturalmente, os como solidariedade, colaboração mútua,
deve vencer na vida por si mesmo. Ora, capitalistas não querem que as pessoas participação e ação coletiva será possível
se os meios legais não oferecem condi- tomem consciência disso. Na verdade, o garantir uma cultura de paz. 
ções para uma vida melhor, a tentação capitalismo é por natureza “selvagem”, uma
será buscar saídas por vias ilegais. Os vez que se baseia na exploração de uns Dirceu Benincá é sacerdote e doutorando em Ciências Sociais
meios de comunicação social exaltam pelos outros. O homem se torna “lobo do pela PUC/SP. Assessor do CESEP - Centro Ecumênico de Serviços
o esforço individual e, quanto muito, a homem”, como dizia Thomas Hobbes. É a à Evangelização e Educação Popular.

- Novembro 2007 27
A voz
amazônia

que não pode


ser esquecida
Marçal Guarani continua vivo na luta de seu povo, 24 anos depois de sua morte!
de Benedito Prezia

Fotos: Paulo Suess/CIMI


N
a abertura do I Seminário Sul-
mato-grossense de Estudos
Indigenistas, em Campo Gran-
de, em abril de 1980, o gran-
de antropólogo Darcy Ribeiro
prestava uma homenagem ao
igualmente grande Marçal de Souza,
conhecido também como Marçal Tupã’i,
que três anos depois teria a voz silenciada
por uma bala assassina: “Marçal, meu
companheiro, meu colega intelectual!...
Tenho um alto respeito por você, como
meu colega. Eu não saúdo muita gente
como colega, mas eu saúdo você, Marçal!
Você é um momento de lucidez do seu
povo e do povo brasileiro!”
Domingos Veríssimo e Marçal de Souza, em Manaus, AM, 1980.
A trajetória de Marçal
Marçal nasceu no dia 24 de dezembro 1926, Marçal foi levado ao Hospital Caiouá, onde permaneceu por três anos.Ali, cresceu
de 1920, em Rincão Júlio, na região de da Missão Presbiteriana de Dourados, onde em ardor e eloqüência, encontrando no
Ponta Porã, Mato Grosso do Sul. Como permaneceu vários meses em tratamento. canto a maneira de dar vazão à sua índole
toda criança guarani, recebeu de Nhanderu, Nessa época seus pais morreram e ele, religiosa. Chegou a gravar um disco, coisa
o grande Deus, nosso pai, o significativo com 6 anos, foi parar no orfanato indígena, rara na época. Voltando para Dourados,
nome Tupã’i, o pequeno Tupã, o pequeno o nhanderoga (nossa casa). Aos 12 anos, passou a visitar as aldeias. Nos cultos,
senhor do trovão. Mesmo deslocando-se foi morar em Campo Grande, com uma sempre lia a Bíblia em guarani, tornando-se
constantemente, os guaranis nunca deixa- família presbiteriana. Desse período não o grande intérprete dos pastores. Diante do
ram de viver em seu território tradicional, teve boas recordações. Completando 18 quadro de miséria e de exploração, Marçal
que abarcava o atual Paraguai, Sul e Su- anos, foi viver com a família de um oficial procurava dirigir mensagens de esperança,
deste da Bolívia, Norte da Argentina, Oeste do Exército, que estava se mudando para com teor evangélico, no qual a resignação
do Uruguai e parte do Brasil, como Mato Recife, mas dois anos mais tarde, em 1940, ao mundo terrestre mau e a busca da
Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e estava de volta a Dourados. A educação perfeição pessoal pereciam ser as únicas
Rio Grande do Sul. O pai de Marçal devia presbiteriana marcou-o muito, sobretudo saídas. Durante dez anos viveu a cultura
trabalhar nos ervais da região de Ponta do ponto de vista religioso. Ao chegar do ocidental e a vida evangélica mesclada
Porã, com outros guaranis. Em 1923, sua Nordeste, já era um pregador evangélico. com o seu guarani, sem muitos conflitos.
família mudou-se para Tey’kuê, no atual Vendo suas capacidades, os dirigentes da Contudo, não deixava de guardar, no seu
município de Caarapó, uns 50 quilômetros missão o enviaram para o Instituto Bíblico íntimo, a cultura tradicional. Formado pela
de Dourados. Picado por uma cobra, em Dr. Eduardo Lanide, em Patrocínio, MG, Organização Mundial da Saúde tornou-se

28 Novembro 2007 -
um competente auxiliar de enfermagem. caiouás. Entre 7 e 9 de junho de 1980, do nosso povo. Eu deixo aqui o meu apelo
Sua inteligência, bom senso e sabedoria em Campo Grande, foi criada a União de 200 mil indígenas que habitam e lutam
inata fizeram com que, aos poucos, aquela das Nações Indígenas - UNI. De 26 a 30 pela sua sobrevivência neste país tão
alma de pregador fosse redescobrindo a de junho, daquele ano, foi realizada em grande e tão pequeno para nós”.
realidade indígena e a cultura de seu povo. Brasília uma Assembléia com 54 líderes, O Brasil estava sob a ditadura militar
Marçal passou muitas informações aos de 25 povos de 14 Estados brasileiros, sustentada pelos fazendeiros e industriais,
pesquisadores e antropólogos e eles o e um representante da nação shuar, do com ostensivo apoio do governo dos Esta-
ajudaram a retornar às suas raízes. Deu-se Equador. Essa Assembléia, além das dos Unidos. Pouca gente imaginava que
então o caminho da volta ao ser guarani. discussões da nova organização indígena, aquele franzino guarani, com um pouco
Em 1963, Marçal foi eleito (capitão) cacique preparou uma mensagem para ser lida mais de um metro e meio, banguela, pu-
da Reserva Indígena de Dourados. ao papa João Paulo II, na sua primeira desse, de improviso, sintetizar 500 anos
Dedicou-se, então, a conscientizar visita ao Brasil. de violência contra os povos indígenas.
seus parentes sobre as necessidades de Por várias vezes, seu discurso foi inter-
preservar a própria cultura, estimulando os O clamor chega ao papa rompido pelo público que gritava: “João,
indígenas que viviam dispersos nas cidades O encontro com o papa inicialmente João, João, o índio é nosso irmão”.
e fazendas, a retornar à área indígena. marcado para Brasília aconteceu em Em 1980 Marçal deixou na reserva
Essa nova postura começou a incomodar Manaus, Amazonas, no dia 10 de julho de de Dourados sua esposa mestiça, dona
os funcionários da Funai, órgão que com 1980. Na ocasião, além de Lino Cordeiro, Aristídia, com seus 10 filhos, dos quais
a ditadura militar, em 1964, passou do do povo marinha, falaram Terêncio Macuxi, três adotivos, indo viver à moda guarani
Ministério da Agricultura para o Ministério Mário Juruna e Marçal. A voz do trovão junto aos caiouás, numa pequena área,
do Interior. Naquela altura, foi criado um fez-se ouvir: “Eu sou representante da em Campestre, no município de Antônio
serviço de informação indígena para con- grande tribo guarani, quando, nos primór- João, próximo à fronteira do Paraguai.
trolar a presença de elementos estranhos dios, com o descobrimento desta pátria, No dia 25 de novembro de 1983,
nas áreas indígenas e autorizar a entrada nós éramos uma grande nação. E hoje, numa sexta-feira à noite, ao abrir a porta
de missionários. Devido à linha pastoral como representante desta nação, que vive a alguém que pedia remédio para o pai
da Igreja Católica, as igrejas evangélicas à margem da chamada civilização, Santo doente, dois indivíduos precipitaram-se
passaram a receber mais apoio por parte Padre, não poderíamos nos calar pela sobre Marçal, descarregando o revólver
do governo militar, pois tinham a mesma Taurus, calibre 38, matando-o com cinco
visão de integração rápida, tornando os tiros, à queima-roupa.
indígenas cristãos, com o abandono da Agora, após 24 anos de processo judi-
língua e das tradições. cial, a Justiça pode decretar sua segunda
Por sua prática conscientizadora, em morte, deixando impunes seus assassinos.
1972, Marçal foi afastado do cargo de Os acusados já foram inocentados em dois
capitão, passando a exercer apenas a julgamentos na Justiça de Mato Grosso
função de atendente de enfermagem. Era do Sul, agora o caso foi transferido para
uma maneira de diminuir sua influência. a Justiça Federal e o término do processo
Por sua vez, Marçal afastou-se da Igreja foi prorrogado para o próximo ano.
presbiteriana, deixando de ser membro da Se os homens públicos de nossa
Missão Evangélica Caiouá, a qual servira terra não forem capazes de fazer justiça
por 30 anos. e condenar seus assassinos, deverá o
Voltou a Tey’kuê, onde passara sua povo indígena não esquecer esta figura
primeira infância. Ali exerceu novamente que não teve medo de enfrentar a morte
suas funções de auxiliar de enfermagem. por um ideal. Um pouco mais de um mês
Em 1976, conheceu o CIMI, órgão empe- antes de morrer, declarou: “eu sou uma
nhado em ajudar a organização indígena, pessoa, marcada para morrer. Mas, por
apoiando assembléias de caciques e uma causa justa a gente morre! Tenho
lideranças. Em abril de 1977, Marçal teve Encontro com o papa João Paulo II. uma tristeza em minha vida: o fato de ser
uma experiência que marcaria a sua vida, sua visita ao país. (...) Somos uma nação bastante idoso. Eu queria ser um moço
ao participar da 8ª Assembléia de Chefes subjugada pelos potentes (poderosos), bem novo, com todas as forças que tive
Indígenas, nas ruínas de São Miguel das uma nação espoliada, uma nação que em minha juventude. Mas gostaria de ter
Missões, no RS. Ali, em 7 de fevereiro está morrendo aos poucos sem encontrar tido então essa consciência, esse amor
de 1756, o líder guarani Sepé Tiaraju e caminho, porque aqueles que nos tomaram que tenho em meu coração, agora, nessa
outros 1,2 mil guaranis foram mortos pelos este chão não têm dado condições para idade. Mas levantarão outros que terão
exércitos português e espanhol. Aquele a nossa sobrevivência. (...) Queremos o mesmo idealismo e que continuarão o
passado guerreiro deve ter dado muita ins- dizer a Vossa Santidade a nossa miséria, trabalho que hoje nós começamos. Isso
piração para Marçal. Nessa Assembléia foi a nossa tristeza pela morte dos nossos eu deixo para vocês!”
redigido um documento, apresentando os líderes assassinados friamente por aqueles Os povos guarani e caiouá tiveram e
problemas que as comunidades indígenas que tomam o nosso chão, aquilo que para ainda têm momentos difíceis. A voz e a
enfrentavam e propondo algumas suges- nós representa a nossa própria vida e a mensagem de Marçal não foram silenciadas
tões. Em 1978, foi criado, em Dourados, nossa sobrevivência neste grande Brasil, com sua morte. 
o CIMI - Regional Mato Grosso do Sul, chamado um país cristão. (...) Dizem que
tendo Marçal como assessor de saúde. o Brasil foi descoberto. O Brasil não foi Benedito Prezia é assessor do CIMI, autor de vários livros, entre
Assim, o Conselho Indigenista Missionário descoberto, não, Santo Padre, o Brasil eles “Caminhando na luta e na esperança” (org.), Loyola,
torna-se o espaço que ele precisava para foi invadido e tomado dos indígenas (...). 2003; “Marçal Guarani: a voz que não pode ser esquecida”,
dar voz às reivindicações dos guaranis e Nunca foi contada essa verdadeira história Expressão Popular, 2006.

- Novembro 2007 29
São Paulo - SP tarias estaduais do meio ambiente de seis dos nove
Encontro de Organismos Missionários estados que fazem parte da Amazônia.
A Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Os números oficiais apontam que entre agosto de
Missionária e Cooperação Intereclesial e o Conse- 2006 e julho deste ano, a área autorizada de floresta
lho Missionário Nacional promoverão o VII Encontro para desmatamento nos seis estados foi de aproxi-
Nacional de Organismos e Instituições Missionários madamente 930 quilômetros quadrados, porém, as
(Enoim), de 15 a 17 de novembro, no Centro Educativo estatísticas do Ministério do Meio Ambiente mostram
de Assistência Social La Salle, na Vila Guilhermina, que o desmatamento real foi de quase 10 mil quilô-
São Paulo, SP. O encontro reunirá responsáveis por metros quadrados. No sudeste do Pará, os represen-
organismos e instituições missionárias ou relacionadas tantes do Greenpeace
à Dimensão Missionária da Igreja no Brasil. Entre os encontraram queimadas
temas a serem debatidos estão "Missão: paradigma criminosas na intenção
da V Conferência" e "Recepção Missionária do Do- de formar novas pasta-
cumento de Aparecida". gens. É o exemplo da
As assessorias serão do bispo da prelazia de Tefé Floresta Nacional do
e presidente da Comissão para a Ação Missionária Jamanxin, no município
e Cooperação Intereclesial da Conferência Nacional de Novo Progresso. Só
dos Bispos do Brasil, dom Sérgio Castriani; doutor neste ano, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
em Teologia e pós-graduado em missiologia, padre (Inpe) registrou mais de mil focos de incêndios nesta
VOLTA AO BRASIL

Paulo Suess; doutor em Ciências Teológicas, padre unidade de conservação.


Agenor Brighenti, teólogo e presidente do Instituto No dia 3 de outubro, nove ONGs lançaram em
Nacional de Pastoral e do mestre em Teologia e diretor Brasília, DF, o Pacto Nacional pela Valorização da
do Centro Xaveriano de Animação Missionária, padre Floresta e pelo Fim do Desmatamento na Amazônia. O
Estevão Raschietti. pacto pede o comprometimento de vários setores do
governo brasileiro e da sociedade, para a realização
Brasília - DF de medidas como as de fiscalização. A estimativa é
Agenda dos Povos Indígenas de que seja necessário em torno de um bilhão de
Reunidos durante os dias 10 e 11 de outubro, os reais por ano, para estas ações.
membros indígenas, governamentais e de entida-
des não-governamentais que compõem a Comissão
Nacional de Política Indigenista (CNPI) discutiram, Belém - PA
dentre outras questões, a agenda social para os povos Seminário discute a Amazônia
indígenas proposta pelo governo federal. A agenda foi O Centro Nacional de Fé e Política Dom Hélder
lançada no dia 21 de setembro, em São Gabriel da Câmara (CEFEP) realizará, de 9 a 11 de novembro, em
Cachoeira, AM, pelo presidente Luis Inácio Lula da Belém, PA, o Seminário Fé e Política na Amazônia, com
Silva e o presidente da Fundação Nacional do Índio o tema Protagonismo do Cristão na Amazônia. Com a
(Funai), Márcio Meira. Porém, as lideranças indígenas realização do Seminário, o Cepef pretende promover
integrantes da CNPI reclamaram o fato de a agenda a discussão dos atuais modelos de desenvolvimento
ter sido apresentada sem ser submetida à Comissão em andamento na Amazônia, debater a democracia, o
e aos povos indígenas como determina a Convenção poder e o papel do Estado e sua implicação no espaço
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), amazônico; incentivar a criação e fortalecimento das
da qual o Brasil é signatário. Vários pontos da agenda escolas e cursos de reflexão de fé e política e partilhar
social foram contestados pelas lideranças como a falta as ações proféticas das pastorais sociais, comunida-
de indicação dos territórios indígenas impactados pelo des e movimentos sociais no contexto amazônico. O
PAC (Programa de Aceleração do Crescimento); a não evento destina-se às lideranças das Comunidades
apresentação da listagem de terras indígenas a serem Eclesiais de Base (CEBs), pastorais e movimentos
demarcadas; os critérios de prioridade de ações desti- sociais, ONGs, estudantes de teologia, congregações
nadas a determinados povos em detrimento de outros; religiosas, participantes das escolas de fé e política,
esclarecimentos sobre as parcerias para o projeto de universitários e interessados.
documentação das línguas indígenas, previsto pelo Durante o Seminário serão realizadas mesas
governo. Na reunião, também foi apresentada a proposta redondas e palestras sobre questões relacionadas
de reestruturação da Funai e definido que, na próxima ao desenvolvimento da Amazônia, democracia e ação
reunião da Comissão – prevista para dezembro – será profética da Igreja na Região. A ministra do Meio Am-
apresentado o texto de anteprojeto de lei que cria o biente, Marina Silva; o doutor em geografia humana
Conselho Nacional de Política Indigenista. e coordenador do Núcleo de Meio Ambiente da Uni-
versidade Federal do Pará, Gilberto Rocha; o bispo
Amazônia emérito de Ji-Paraná, RO, dom Antônio Possamai; o
Desmatamento ilegal bispo da Igreja Anglicana, dom Saulo Barros estão entre
Sobrevoando a Amazônia e analisando informações os palestrantes do evento, que conta com o apoio do
de órgãos encarregados de conter e fiscalizar prejuízos Conselho Nacional do Laicato do Brasil do Regional
ambientais, a Organização Não-Governamental (ONG) Norte 2, do Instituto de Pastoral Regional, da Associa-
Greenpeace, concluiu que 90% do desmatamento na ção Amazônica de Ciências Humanas e Religião, da
Amazônia, ocorre de maneira ilegal. A análise reuniu Pastoral da Juventude e das CEBs do Norte 2. 
dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e das secre- Fontes: CCM, CIMI, CNBB, Notícias do Planalto.
30 Novembro 2007 -
Centro Missionário
José Allamano ATENDEMOS:
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Dia 25: Encontro de Jovens Dia 30: Encontro de Jovens

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