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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Ciências Humanas


Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Departamento de História

Paulo Roberto Carneiro Pontes

A CONSTRUÇÃO DA DESORDEM: O ANARCHISTA


FLUMINENSE (1835)

Rio de Janeiro
2009
A CONSTRUÇÃO DA DESORDEM: O ANARCHISTA FLUMINENSE. (1835)

Paulo Roberto Carneiro Pontes

Monografia apresentada ao departamento de


História do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais da Universidade Federal do Rio de
Janeiro para obtenção do Grau de Bacharel
em História.

Orientador: José Murilo de Carvalho

Rio de Janeiro
2009
FOLHA APOVATÓRIA:

A construção da desordem: O Anarchista Fluminense. (1835)


Por: Paulo Roberto Carneiro Pontes

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________
José Murilo de Carvalho

__________________________________________
Marcello Otávio Neri de Campos Basille

___________________________________________
Renato de Couto Neto e Lemos

Aprovada em: ____ de _________________de 2009


RESUMO

Nesta Monografia pretende-se analisar o Conceito de Anarquista tal qual surge no


discurso do jornal O Anarchista Fluminense. Este típico pasquim que foi publicado
durante o período Regencial, traz um título deveras curioso aos pesquisadores
especialistas na Historia do Anarquismo, pela precoce utilização do termo como a
principal expressão de um ideário político divulgado pela Imprensa.
O periódico em questão circulou na cidade de Niterói, e na Corte Imperial
brasileira, no início do ano de 1835, trazendo em suas páginas além de um repertório
riquíssimo do que informações locais, artigos que muito têm a colaborar para a
compreensão dos mais importantes fatos políticos, em uma cidade recém aclamada
Capital da Província do Rio de Janeiro, assim como de um ano em que muitos novos
caminhos tornavam agitado o incerto rumo da política brasileira, bastante influenciada
pelas novas idéias e pela pedagogia política do iluminismo, expressa através de um
vocabulário novo.
As Idéias expostas na retórica deste pasquim, são o principal objeto desta
análise.
ABSTRACT

This Monography intends to analyze the concept of Anarchist, as it appears in the


discourse of the paper Anarchista Fluminense. This typical satirical tabloid that was
published during the Regency period, brings out in its title a term that is very curious
to the researchers, specialists on the History of Anarchism, due to its early usage as the
main expression of a political ideals divulged by the press.
This tabloid has been diffused in Niterói and in the Brazilian Imperial Court, in
the beginning of 1835. In its pages, besides a very rich repertoire of local information,
there are some articles that collaborates a lot to the comprehension of important
political facts, of a city that had just raised to Capital of Rio de Janeiro Province, as
well as, the new ways that Brazilian politics was taking, influenced by the new
political pedagogy of Illuminism, with its new vocabulary.
The ideas expressed in this tabloid´s Rethoric, is the main object of this
analysis.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO………………………………………………………………………....pág. 01

CAPÍTULO I: A política no período Regencial e as particularidades do ano de 1835....pág. 05


1.1 Os Rumos da política: Liberalismo com Moderação......................................pág. 05
1.2 A Criação da Província do Rio de Janeiro e da sua Capital..........................pág. 12
1.3 O Ano de 1835: Repressão versus Liberdade..................................................pág.16

CAPÍTULO II: A “politização” e a Imprensa.


2.1 Animação política e os Pasquins....................................................................pág. 23
2.2 A Imprensa Periódica no ano de 1835............................................................pág. 26
2.3 A Imprensa Periódica na Villa da Praia Grande (Niterói)............................pág. 28
2.4 Periódicos políticos impressos em Niterói no ano de 1835............................pág. 35

CAPÍTULO III: Sobre a palavra Anarquia e seus derivados: O Conceito em 1835........pág. 40


3.1 O Conceito nos léxicos....................................................................................pág. 41
3.2 O Conceito de Anarquia nos jornais da década de 30 do século XIX............pág. 57

CAPÍTULO IV: O Anarchista Fluminense e o Anarquismo............................................pág. 64


4.1 O Anarchista Fluminense e a Imprensa de seu tempo....................................pág. 64
4.2 As questões motivadoras do Anarchista Fluminense......................................pág. 76
4.3 A Anarquia no discurso do Anarchista Fluminense........................................pág. 88
4.4 O Anarquismo..................................................................................................pág. 90

CONCLUSÃO..................................................................................................................pág. 95

REFERÊNCIAS................................................................................................................pág. 98
Bibliografia.............................................................................................................pág.98
Fontes Primárias..................................................................................................pág. 103
EPÍGRAFE:

O que é =Licença= É huma Liberdade excessiva do Povo que


rompendo os limites da boa ordem, não obedece ás Leis como deve, e
faz algumas dezordens. É o primeiro gráo da Anarchia.
Reflexões = Quando as authoridades prevaricão e se corrompem,
são ellas as primeiras em desobedecer ás Leis; então o Povo
dezesperado de lhe faltarem ao que se lhe deve, toma demaziada
Liberdade e dahi nasce a dezordem; por isso todos os males da
sociedade nascem do governo.

(Definição 17ª do Dicionário Cívico Doutrinário. Publicado no


periódico Nova Luz Brasileira, 09/09/1830.)
INTRODUÇÃO:

Primeiramente, cabe registrar que o tema a ser desenvolvido nesta monografia surgiu a
partir da descoberta de um periódico que chamou a atenção pelo seu título: O Anarchista
fluminense. O que instiga à investigação é a data que ele foi produzido, o ano de 1835, que
nos remete a um tempo no qual ainda não se havia formulado o que hoje em dia conhecemos
como Anarquismo: Uma linha doutrinária que se tornou motivo de diversos ensaios
filosóficos, gerando adeptos.
Entre as temáticas a serem abordadas, o presente trabalho tem como tarefa, adentrar
nos meandros da política Fluminense durante o período Regencial, e investigar os atores
políticos e suas ações no cenário da Imprensa. Outra tarefa é a de: rastrear as representações
do Termo Anarquia e as práticas do Anarquismo, tanto no Brasil como em países europeus,
pois, os escritos dos intelectuais desses países inspiravam os intelectuais brasileiros.
O presente trabalho se propõe a analisar o conceito de Anarquia, e de suas derivações,
presente no discurso do periódico O Anarchista Fluminense. Este é o problema que aqui será
debatido.
Esse jornal se encontra arquivado entre os periódicos raros da Biblioteca Nacional, e
está em ótimo estado de conservação, sendo, portanto, de fácil consulta nas máquinas de
microfilmes. Porém, se é tão fácil consultar a folha, não podemos dizer o mesmo quanto à
tentativa de encontrar estudos sobre ele em Manuais de História da Imprensa brasileira e
carioca. Maiores detalhes acerca desse jornal não ficaram bem evidenciados pela
Historiografia.
A dificuldade para a presente pesquisa consiste no total desconhecimento, uma vez
que não há registro do referido jornal, nos mais diversos “manuais” da história da imprensa.
Nada sobre ele encontramos nas obras de Grandes estudiosos da Imprensa como as de Helio
Vianna1, Nelson Werneck Sodré2, Juarez Bahia3 etc. Esses clássicos que compilaram uma
grande diversidade de periódicos, e os comentaram e classificaram, em seus trabalhos, não
incluíram O Anarchista Fluminense.
Do periódico em questão aparece apenas o nome, sem nenhum comentário, no livro de
Godofredo Tinoco4, importante historiador da Imprensa Fluminense, assim como no de

1
VIANNA, Helio, Contribuição para a história da Imprensa brasileira (1812-1869. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1945.
2
SODRÉ, Nelson Werneck de, Historia da Imprensa no Brasil. São Pulo: Martins Fontes, 1983. (3ª ed.)
3
BAHIA, Juarez, Jornal: História e Técnica, a História da Imprensa Brasileira. São Paulo: Ática, 1990.
4
TINOCO, Godofredo, Imprensa Fluminense. Rio de Janeiro: liv. São José, 1965.
Gondim da Fonseca5. Em ambas as obras, são feitas a mesma referência que Moreira de
Azevedo fez em seu artigo para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Nacional
intitulado: “Origem e desenvolvimento da Imprensa no Rio de Janeiro”6. Foi possível
encontrar nos textos de Marcello e Cybelle Ipanema a notificação da existência desse jornal, e
nada mais. Sem muitos comentários, registra apenas uma informação contraditória, dizendo
que o autor seria o mesmo do jornal O Exaltado, o que acarreta uma confusão maior ainda
acerca do Jornal, que tem como uma das propostas centrais perseguir ferozmente o Padre
Marcelino Pinto Ribeiro Duarte, Redator de O Exaltado. Certamente essa confusão se deu
porque seu nome aparece demasiadamente nos periódicos que transcrevem alguns artigos
seus, publicados em outros periódicos.
No “Catálogo de periódicos de Niterói”7, que Marcello e Cybelle Ipanema escreveram,
não aparecem comentários críticos sobre as questões do Jornal. De qualquer maneira, sem
esse manual seria difícil o entendimento de vários dos periódicos locais que dialogam com as
mesmas questões que O Anarchista Fluminense. O trabalho realizado por Marcello e Cybelle
Ipanema é muito válido para a compreensão do cenário dos periódicos desta cidade ao longo
do tempo. Mas, ainda assim, para continuar o desenvolvimento da presente pesquisa, podia
deixar de registrar essas informações.
Tomando como ponto de partida da presente pesquisa a originalidade do título do
periódico8,que apresentava a palavra Anarquista pela primeira vez, compondo o título de um
periódico, com o lançamento de “O Anarchista Fluminense”, em 1835, o primeiro ponto a ser
abordado versaria sobre o motivo da escolha do termo para a apresentação de um periódico
político. A resposta não poderia fugir a uma leitura da forma como essa palavra era utilizada
no tempo em que o periódico foi produzido, desviando-se dos anacronismos, adentrando o
contexto a que se refere, assim, decodificando a rede de significados que compõem o
vocábulo em questão.
Esta folha política possuía artigos que funcionavam como discursos. Estes expunham
suas idéias usando principalmente a forma retórica comumente utilizada em periódicos,
folhetos e nos pasquins que circulavam nos anos 30 do séc. XIX. Desta forma esse periódico

5
FONSECA, Gondim da, Biografia do Jornalismo Carioca (1808-1908). Rio de Janeiro: Livraria Quaresma,
1941.
6
AZEVEDO, Moreira de, “Origem e desenvolvimento da Imprensa no Rio de Janeiro.” in: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. # 28. 1865.
7
IPANEMA, Marcelo e Cybelle, Catálogo de periódicos de Niterói. Rio de Janeiro:Instituto de Comunicação
Ipanema, 1988.
8
É unânime entre pesquisadores da historia do Anarquismo, que este é o primeiro periódico que traz este termo
em seu título. Vide: FERRUA, Pietro – “Foi fluminense o primeiro jornal anarquista da História mundial?” in:
Revista Verve – #9, São Paulo: Nu-Sol (PUC – SP), 2004.
empregava um padrão de escrita que pretendia persuadir o público leitor de uma idéia. É a
construção dos significados produzidos no discurso desse jornal que serão abordados nesta
análise.
Tomando por base a perspectiva da história das idéias, utilizarei neste trabalho o
discurso do periódico como objeto decodificador de uma expressão da cultura política,
segundo as análises de J. G. A. Pocock, e de Quentin Skinner9, em seus estudos acerca da
história das idéias políticas, que tomam por base as análises lingüísticas, focadas e embasadas
nos textos como objeto de análise. O método aqui utilizado propõe então uma leitura
minuciosa da retórica que esse periódico produziu para perceber as conotações políticas
embutidas na retórica predominante10, sendo esse tipo de publicação (pasquins), sugestivo
para tal perspectiva de análise.
Para desenvolver este estudo, temos que adentrar as particularidades do período
Regencial e seu contexto político, discutindo as principais questões que caracterizavam essa
época como singular, os meandros desta experiência inusitada da política brasileira, e seus
desdobramentos no decorrer do ano de 1835. Além de uma bibliografia atualizada sobre o
período Regencial, utilizaremos dados estatísticos sobre o anos de 1835, e a legislação da
época, assim como dados compilados em coleções e leis locais de niterói e da antiga província
do Rio de Janeiro. (Capítulo 1).
Prosseguiremos com uma análise da imprensa do período Regencial, suas
preocupações políticas, sua forma de atuação, utilizando-se de uma nova linguagem política
radical, e de como ela se reproduziu em Niterói, localidade em que este trabalho deve se
debruçar, observando a singularidade de sua imprensa periódica (principalmente os pasquins),
no ano de 1835. (Capítulo 2)
Em outra parte deste estudo, há a análise do termo Anarquia e seus derivados, onde se
faz o histórico dos significados desta palavra ao longo do tempo, sondando seus sentidos no
Brasil Independente, principalmente no período após a Abdicação de D. Pedro I, assim como
nos países europeus de onde provinham os escritos e as idéias que mais influenciavam os
intelectuais brasileiros. Nesta parte, será apresentada a definição do termo tal qual esboçada
nas linhas dos principais dicionários, assim como serão analisados os significados e as

9
Como uma das principais obras desses autores nesse sentido, podem-se destacar as duas principais obras
consultadas para este trabalho: POCOCK, J.G.A., Politics Language and Time – Essays on political thoght and
History. Chicago: University of Chicago press, 1989. e, SKINER, Quentin, The Foundation of Modern Political
Thought. Cambridge: Univ. Press, 1980. (2v.)
10
CARVALHO, José Murilo de, “História Intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura”, in: Topoi:
revista de História, #1. Rio de Janeiro, Setembro de 2000. p.146.
utilizações da palavra Anarquia pelos jornais do período regencial, contemporâneos do
Anarchista Fluminense. (Capítulo 3)
Para finalizar, faremos uma análise das questões que o jornal traz à tona, fazendo uma
crítica mais apurada das suas propostas, através das escolhas das temáticas contempladas pelo
Anarchista Fluminense, comparando sua proposta ideológica com os demais movimentos
políticos existentes no Rio de Janeiro. O respaldo dos textos impressos em periódicos da
cidade de Niterói, e do Rio de Janeiro que tinham o mesmo formato de “pasquim” é essencial
para essa análise, que tentará delimitar sua especificidade, assim como compreender qual o
conceito de anarquia e as devidas apropriações desses significados pela publicação em
questão. A última etapa pretende comparar essas propostas com ideais do Anarquismo, tal
qual hoje em dia ele se reconhece, traçando um paralelo entre os objetos do jornal e os do
Anarquismo. (Capítulo 4)
CAPÍTULO 1: A POLÍTICA NO PERÍODO REGENCIAL, E AS PARTICULARIDADES DO
ANO DE 1835.

1.4 Os Rumos da política: Liberalismo com Moderação.

No ano de 1831, ao dia 7 de abril, D. Pedro I abdica do trono brasileiro, em nome de


seu filho D. Pedro (que tinha apenas cinco anos de idade, e que, portanto, era incapaz de
assumir tais poderes). O fato se deu como resultado de uma crise política que se estendeu
desde o fim da década de 20, quando D. Pedro I perdeu muita popularidade, sobretudo por
conflitos com adeptos de posturas liberais. O cenário político no Brasil se agita com o
momento de “Vacância Régia” e, assim, as diferentes propostas políticas passam a compor o
foco das atenções, tanto dos políticos, quanto dos demais habitantes do Império brasileiro.
Já era de longa data a crescente controvérsia quanto às diretrizes do governo de D.
Pedro I, que a cada dia perdia apoio entre boa parte da população. A forma como O Imperador
conduziu seu governo, com atitudes despóticas como o caso da dissolução da Assembléia
(1823) e a repressão aos jornalistas que publicavam artigos com opiniões contrárias ao seu
governo, (culminada com o famoso episódio da morte do jornalista Líbero Badaró),
consolidou sua impopularidade, transformando a sua imagem em um símbolo da opressão e
da falta de liberdade11.
A identificação desses fatos com a derrubada de Carlos X na França 12 aguçou os
sentimentos daqueles que eram contrários ao absolutismo, ao despotismo, e aos portugueses.
De certa forma, nesse momento de incertezas, podemos considerar que se incrementa a
participação do povo13 debatendo temas da política. Aqueles que ainda não estavam inseridos
diretamente na participação política empenham-se nesse tipo de discussão pública de temas
políticos, de maneira menos formal. Esse processo de politização ficou mais evidente por
causa dos debates gerados nas ruas, das manifestações das sociedades políticas, com
comentários dos fatos e a circulação de idéias políticas expostas pelos jornalistas.14
11
MOREL, Marco, O Período das Regências (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 16
12
Na França, Carlos X, Representante da Monarquia dos Bourbons, tentou Restaurar o Antigo Regime, o que lhe
trouxe enorme impopularidade. Em março de 1830, entrou em conflito com a Assembléia Francesa e e, 25 de
julho deste ano, dissolveu a Câmara, modificando a Carta e suprimindo a liberdade de Imprensa. Com essas
atitudes, provocou os ânimos gerando a Revolução de 1830, e a sua derrubada. Para maiores informações sobre
os episódios, ver: MOREL, Marco – As Transformações dos espaços públicos Imprensa, Atores políticos e
Sociabilidades na cidade Imperial (1820 – 1840) – São Paulo, Hucitec 2005. p. 99
13
Entender aqui povo como aqueles inseridos nas Camadas populares em geral. Libertos pobres brancos, mas não
escravos.
14
Ver: BASILE, Marcello Otávio Néri de Campos, Anarquistas Rusguentos e Demagogos: Os Liberais
Exaltados e a formação da esfera pública na crte Imperial 1829-1834) - Dissertação de mestrado. Rio de
Janeiro: I.F.C.S.- U.F.R.J., 2000.
Apesar da insatisfação da população brasileira, a abdicação de D. Pedro I não se deu
somente por razões relacionadas à política no Brasil, ela foi gerada pela tomada de posse
indevida do trono de Portugal, feita por seu irmão Dom Miguel. Por isso foi considerável a
surpresa da população e dos burocratas, que de certa forma não esperavam o acesso ao poder
15
nestas circunstâncias, mas passaram a cogitar esta possibilidade. De maneira inesperada,
com a abdicação do Imperador, estava feita uma “Revolução” que alteraria a vida dos
brasileiros. Mas o termo “Revolução” é algo discutível se formos pensar nas diversas formas
como cada facção política reagiu ao acontecimento.
Quanto à formação de facções partidárias que se estabelecem nesse momento,
podemos ressaltar a divisão que comumente é atribuída ao que seriam os “partidos políticos”
desse período: os liberais moderados, liberais exaltados16, e os “Caramurus” (ou
restauradores). De fato, nesse momento, no Brasil, ainda não há uma formação de partidos
políticos. Como no período anterior à Independência, as organizações políticas eram do tipo
sociedade secreta, a maioria sob influência maçônica. Após a abdicação, formam-se
sociedades mais abertas (...)17 De qualquer maneira, a constituição desses tipos de sociedades
ainda não pode ser caracterizada como de partidos políticos (tal qual hoje conhecemos). Essas
sociedades consistiam em reuniões de indivíduos com afinidades intelectuais, econômicas,
culturais etc, que se expressavam pela imprensa ou em reuniões, eventos públicos e outras
formas de associação. Nesse período, essas facções eram vistas como ameaças de ruptura da
ordem.18
Uma reunião dos deputados, senadores e ministros nomeados dois dias antes da
abdicação por D. Pedro I elege a Regência Trina Provisória, composta pelo General Francisco
de Lima e Silva, o Senador Nicolau Vergueiro e José Joaquim Carneiro de Campos, que
governariam em nome de Dom Pedro II. Essa Regência Trina Provisória durou três meses até
que, na Câmara dos deputados, se organizasse a Regência Trina Permanente. Formada pelo
mesmo General Francisco de Lima e Silva e pelos deputados, José da Costa Carvalho e José
Bráulio Muniz. Essa Regência se mantém no poder até o ano 1835, quando por decisão dos
próprios deputados elegeu-se um único Regente.
15
CALMON, Pedro, História do Brasil – Século XIX. Rio de Janeiro:José Olympio Livraria Ed., 1959, Capítulo
XIX: “A Regência” p. 1620.
16
No momento da abdicação, com a agitação política que alvoroçou os membros dos três poderes, passou a
existir um racha, que dividiu a facção dos liberais em duas: exaltados e moderados Para maiores informações
ver: WERNET, Augustin, O Período Regencial (1831-1840). São Paulo: Sp Global, Capítulo III: A luta pelo
poder. p. 25.
17
Podemos destacar como forma de ação política desse momento as sociedades Militar, a Federal ou a Defensora
CARVALHO, José Murilo de, A Construção da Ordem: Elite política Imperial. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2006 (2ª ed.), capítulo 8: Os partidos políticos Imperiais. p. 204.
18
MOREL, Ob. Cit.
A tomada do poder pelos liberais moderados, na Regência Trina Permanente, foi uma
consolidação desta movimentação que tinha por base ser “um partido de centro que ao mesmo
tempo continuava a dar combate aos anarquistas e farroupilhas, num extremo, ao mesmo
tempo em que entrava em choque com os restauradores ou caramurus, no extremo oposto.”19
Assim, a ordem que assume tenta se organizar em um justo meio, é motivo de ataques
diversos de todos os lados dos que ficaram excluídos do poder, ou dos que foram obrigados a
aceitar as novas diretrizes políticas que iriam regrar o País.
O avanço das medidas liberais foi feito com certo cuidado cerceando-se algumas
liberdades consideradas excessivas. Como resultado os moderados tiveram que agir em uma
política ambígua. Uma política que se propunha “racional” entre os excessos passionais
extremistas.
De fato, o Brasil vinha adotando uma política econômica mais comprometida com os
ideais “liberais” desde a abertura dos portos em 1808. Logo depois da independência, em
1827, com a renovação do tratado de comércio, o Brasil passou a ter relações estreitas com a
Inglaterra, acirrando a já empregada política econômica liberal. De certa forma, havia uma
tendência dos rumos políticos do Brasil se guiarem por alguns dos direcionamentos que
convinham à Inglaterra20. Um dos maiores expoentes deste alinhamento teria sido a lei de 07
de novembro de 1831, que proibia o tráfico transoceânico de escravos a serem vendidos no
Brasil. As conseqüências da aplicação dessa lei foram drásticas. Os conflitos policiais e
judiciários gerados foram graves e constantes. Apregoava-se a liberdade mas, na prática, essa
lei gerou muita repressão, corrupção e conflitos nas diversas camadas da sociedade.
As primeiras medidas tomadas pelo governo da Regência Trina Provisória tinham o
claro intuito de afastar qualquer possibilidade de ruptura política ou rebelião. Assim como
existia o medo de que parte da elite política passasse a não reconhecer o poder de D. Pedro II
como Imperador, 21por um lado, incrementou-se o temor das autoridades do perigo que estava
nas ruas: escravos, “vadios”, capoeiras, elementos marginalizados que representaram motivo
de medo social daqueles que temiam insuflações dessas “massas”, como o caso das revoltas
de escravos, temidas essencialmente após a revolta ocorrida no Haiti, em 1804, em que os
escravos depuseram o governo francês e tomaram o poder.22

19
CASTRO, Paulo Pereira de,“A experiência republicana”, in: HOLLANDA, Sérgio Buarque de (dir.) e
CAMPOS, Pedro Moacyr (assist.), História Geral da Civilização Brasileira, t. II - o Brasil monárquico, 2º v. -
dispersão e unidade. São Paulo: Difel, 1985 (5ª ed), p. 25.
20
WERNET, op. cit. p. 21.
21
CALMON, op. cit. p. 1621.
22
MATTOS, Ilmar Rohloff de, e GONÇALVES, Maria de Almeida, O Império da Boa Sociedade: A
Consolidação do Estado Imperial Brasileiro. São Paulo: Atual, 1991.
Nos primeiros instantes da implantação da Regência, com o ambiente acalorado da
política, houve uma série de revoltas que, nesse primeiro momento se manifestaram
traduzindo: a inquietação da população urbana nas principais capitais e teve como
protagonistas a tropa e o povo23 a exemplo do levante da Ilha das Cobras, em 1831 ou o da
Sociedade Militar em 183324. Na verdade, esses foram apenas os primeiros levantamentos, de
uma série de revoltas, ocorridas entre 1831 e 1848 que indicaram as dificuldades de se
estabelecer um sistema nacional de dominação com base na solução monárquica (...)25 É
importante lembrar que os motivadores, os condutores, os grupos envolvidos, os locais e os
tempos de duração dessas revoltas foram bem diversas entre si.
Esta “nova ordem” que se organizou teve a sua lógica voltada para atender anseios
“liberalizantes26” também no âmbito da política, dando continuidade às conquistas de cunho
liberal iniciadas ainda no tempo de D Pedro I, na chamada década liberal (1820). Desde que
foi aclamada a constituição de 182427, o Brasil ia renovando seu aparato burocrático. A
Criação do cargo de Juiz de Paz em 182728, e a Criação do Código Criminal em 1830 foram
os principais feitos nesse sentido. O primeiro, criando uma nova instância de juízes eletivos,
atendia a preocupações filosóficas dos adeptos de práticas democráticas e descentralizadoras
do poder. A criação do código criminal suprimindo o livro V das Ordenações Filipinas 29
representou uma renovação jurídica, que teve por fim uma justiça menos severa, e mais de
acordo com os preceitos da declaração dos direitos do Homem e do Cidadão30.
Mantendo o direcionamento liberal, os Liberais Moderados, detentores do poder, com
votações na Câmara e no Senado, projetaram e instituíram uma série de reformas (formuladas
e aprovadas por representantes das três principais correntes políticas) que reordenariam o

23
CARVALHO, José Murilo de, Teatro de Sombras: Política Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2006 (2ª ed.), p. 251.
24
Maiores informações sobre cada uma dessas Revoltas, ver as análises de Moreira de Azevedo, expostas em
algumas edições da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
25
CARVALHO, ibidem p. 250
26
Medidas que alterassem o aparato burocrático no sentido da política liberal, adotando reformas que rompessem
com determinados preceitos antigos, ainda vigentes nas leis.
27
Considerada em seu tempo uma constituição bastante liberal, se destacava pelas garantias às liberdades
individuais, consubstanciadas no artigo 179, que tratava dos direitos civis e políticos. Ver: GRINBERG, Keila.
Autora do verbete Constituição in:VAINFAS, Ronaldo (org.), Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio
de Janeiro: Objetiva, 2002.
28
Eram juízes leigos, eleitos pela população local, exerciam funções conciliadoras. A criação do cargo de juiz de
paz foi uma medida que ampliou os mecanismos de coerção na esfera local. Maiores detalhes ver FLORY ,
Thomas, El Juez de paz y el jurado en el Brasil Imperial, (1808 – 1871) .Control social y estabilidad política em
el nuevo Estado. México: Fondo de Cultura Econômica, 1986. Capítulo IV El Juez de paz Imperial p. 81.
29
Conjunto de leis vigentes no Brasil desde 1603, figurava como uma a justiça colonial, herança portuguesa
aplicava penas severas e cruéis, assim como torturas. Seus preceitos eram vistos como vergonhosos pelos
políticos liberais brasileiros. Maiores informações ver: GARCIA, R. Ensaio sobre a história política e
administrativa do Brasil (1500 – 1810). Rio de Janeiro: José Olympio, 1956.
30
FLORY, Ibidem p.77
Estado Brasileiro. Essas mudanças de ordem jurídica se operariam no Brasil, em decorrência
de uma série de medidas cujo conjunto de aplicações conferiu a alcunha de “Avanço Liberal”.
Este termo é utilizado por boa parte da historiografia que trata do período em que o Brasil foi
governado pela Regência Trina Provisória.
Como parte dessas medidas, podemos então citar: a criação da Guarda Nacional, A
criação do Código do Processo Criminal (1832), e o Ato Adicional à constituição de 1824,
feito em 1834. Dessas três mudanças, certamente o resultado prático consistiu em uma
política dúbia com relação à liberdade da população, porque assim como atendeu aos ideais
liberais, ela criou também mecanismos de controle mais eficientes na esfera de poder local,
possibilitando uma maior eficiência na repressão 31.

***

A GUARDA NACIONAL

Da Guarda Nacional, podemos destacar a forma como se compuseram seus corpos nas
diversas províncias: Os membros da Guarda eram recrutados entre os cidadãos brasileiros que
podiam ser eleitores (idade entre 21 e 60 anos, com renda anual superior a 200 mil réis, nas
grandes cidades, e 100 mil réis nas demais regiões.) Era vista por seus idealizadores como o
instrumento apto para a garantia da segurança e da ordem, realizados em âmbito local. Tinha
como finalidade defender a Constituição, a liberdade, a independência e a integridade do
Império, mantendo a obediência às leis, conservando a ordem e a tranqüilidade pública.32
A Guarda Nacional tinha forte base municipal e a sua organização se baseava nas
elites políticas locais, pois eram elas que formavam ou dirigiam o Corpo de Guardas; ao
mesmo tempo, demonstrava a falta de confiança do governo na fidelidade do Exército33, que
teve uma debandada considerável após a abdicação de D. Pedro I, também vindo deste setor,
muitas das revoltas ocorridas no período.
A principal atuação da Guarda Nacional foi a de combater qualquer grupo ou facção
de caráter contestatório das autoridades Imperiais, sendo esta Guarda o seu novo monopólio
de repressão legítima.

31
FLORY, Ibidem. p. 84.
32
BRASIL, Coleção de Leis do Império do Brasil (Ano de 1831). Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1875.
33
MOREL, Marco, O período das regências. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003 p. 29.
O NOVO CÓDIGO DO PROCESSO CRIMINAL

A Criação de um novo Código do Processo Criminal foi uma das medidas


“liberalizantes”, considerada uma das mais avançadas nesse sentido. Este fato gerou
implicações expressivas na prática jurídica brasileira, assim como nas atribuições das
instâncias do jurado brasileiro.
O Código de processo oferecia muitas garantias de defesa aos acusados de crimes, e
teve como um dos maiores expoentes desta reforma a criação do habeas corpus. Com este
feito: Acabavam-se as devassas presididas pela justiça ferrenha, o excesso de autoridade.34
Este código conferia novos poderes aos juízes de paz. Estas autoridades subalternas,
passaram a ter autoridade para prender criminosos procurados pela justiça e a julgar delitos
cujo castigo máximo não excedesse 100 mil réis e seis meses de cárcere. Esperava-se que ao
fortalecer as autoridades locais, se evitaria a falta de autoridade ou controle efetivo do
governo fora das capitais. A estes juízes, de acordo com o novo código, agregaram-se poderes
policiais, sendo concedida a eles a gerência de inspetores de quarteirões, assim como a
gerência de investigação de crimes e criminosos, tornando-se a maior representação da
vigilância e da repressão, e da presença do Estado, nas localidades mais longínquas do
Império.
Ao juiz de paz, após a instauração do Código do Processo, ficou o encargo de
representante direto das leis centrais, e autoridade de legitimidade com maior interação com
as questões locais, suprimindo-se em importância aos juízes municipais, por exemplo.35

O ATO ADICIONAL DE 1834

O Ato adicional à Constituição, decretado pela Câmara dos Deputados e aprovado no


ano de 1834, teve por essencial preocupação, conceder mais autonomia às províncias, sem
que se adotasse uma monarquia federativa. As medidas do Ato iam de encontro à organização
Centralista classicamente adotada pelo Estado Brasileiro, cujo modelo era de inspiração
portuguesa, se mantinha com a mesma postura de concentrar as decisões do Império na Corte.

34
CALMON, Pedro, ob. cit. p. 1631.
35
FLORY , Thomas, ob. cit. p. 104.
O processo de aprovação das medidas desse ato, enquanto ainda na Câmara dos
deputados, foi muito disputado e, por fim resultou essencialmente na aproximação entre
Moderados e Exaltados, assim como em concessões aos do grupo Restaurador.36
Essas medidas, porém, mantiveram certas precauções na concessão de autonomias aos
poderes regionais. Após o Ato, a concentração do poder ficaria delegada às assembléias
provinciais, que decidiriam as deliberações dos municípios. Esta reforma consumada com o
Ato Adicional de 1834, instituiu as Assembléias Legislativas Provinciais com considerável
autonomia, mas não chegou, como era desejo dos seus mais ardorosos defensores, a suprimir
o Poder Moderador ou a implementar um Estado Federativo, mesmo se evidenciando as
aspirações progressistas. Às Assembléias provinciais foi atribuída competência para elaborar
o seu próprio regimento, e, desde que em harmonia com as imposições gerais do Estado,
legislar sobre: a divisão civil, judiciária e eclesiástica local, assim como a instrução pública.
(não compreendendo as faculdades de medicina e os cursos jurídicos). Suas atribuições
envolveriam: casos de desapropriação, fixação de despesas e impostos; criação de cargos e
empregos; construção de estradas, penitenciárias e outras obras públicas. Porém, mesmo com
a profunda alteração nas competências dos chefes das províncias, houve, num primeiro
momento, uma relativa falta de recursos das províncias, que entravou, de certo modo, a plena
capacidade dessa autonomia.37
Outra medida importante entre as que compunham esse Ato, foi: a convocação da
eleição de um regente “Uno” para o Império do Brasil. Estas aspirações somadas à eleição de
um novo Regente, medida tendenciosamente progressista, dava início a um novo modelo de
Estado que a historiografia chega a denominar de uma “Experiência Republicana”. Outro
ponto importante desse Ato Adicional seria a lei Preparatória decretada pela Assembléia Geral
Legislativa, cujo texto conferia aos deputados que seriam eleitos para a legislatura seguinte a
faculdade de reformar determinados artigos da Constituição do Império.

1.2 A criação da Província do Rio de Janeiro e da sua Capital.

No conjunto das concessões às províncias, vinha a criação de uma nova província para
compor o Império Brasileiro: A província do Rio de Janeiro (nomeação esta feita pelos
deputados da Regência), que é criada para ser a administração local das cidades e vilas que
36
MATTOS, Ilmar Rohloff de, e GONÇALVES, Maria de Almeida, ob. cit. p. 32.
37
CASTRO, Paulo Pereira – “A Experiência Republicana” in: HOLLANDA, Sergio Buarque de, e CAMPOS,
Pedro Moacyr, ob. cit. p. 37.
antes tinham a sua administração sujeita diretamente ao ministério do Império, ligadas à
Corte. A lei de 12 de agosto de 1834 (Ato adicional) separou o território da cidade do Rio de
Janeiro da jurisdição do restante do que se tornou a Província do Rio de Janeiro. Com a
criação dessa província, há o fortalecimento de uma elite local, consubstanciada na formação
de novos empregos públicos os quais seriam ocupados pelos fluminenses que outrora não
tinham Presidente nem Conselho Geral como as demais províncias.
Suprimindo os conselhos em todas as províncias, substituindo-as por assembléias
legislativas locais, o Ato Adicional, que era direcionado para uma maior autonomia das
províncias do Império, deu à província do Rio de Janeiro, uma organização que até então não
possuía e a igualou à das outras. Com essa medida, restringiu, porém, a jurisdição provincial,
determinando que a Assembléia Legislativa em que estivesse a Corte não compreenderia nem
esta nem o seu município. Desta forma, a cidade do Rio de Janeiro onde tinha sede a corte do
Império, continuando a pertencer territorialmente à província do Rio de Janeiro, escapava à
jurisdição de sua Assembléia Administrativa.38 O Território da Corte passaria a ser chamado
de Município Neutro.
No dia 20 de agosto de 1834, Joaquim José Rodrigues Torres foi nomeado para
presidente da nova Província do Rio de Janeiro. Como primeira medida de seu mandato,
deveria ser feita a escolha, através de uma votação, da cidade que seria sede da capital. Essa
nova província teria como possível Capital, a Vila da Praia Grande 39, que assumiu esse papel
temporariamente, até que se decidisse qual o logradouro que assumiria a capital
definitivamente. Também concorreu com esta Vila, na votação, a Vila de Itaboraí e a Vila de
Campos dos Goytacazes, cada uma apoiada e defendida com afinco por suas elites locais,
como bem lembra Thalita Casadei, pesquisadora da história de Niterói40.
No dia 27 de fevereiro de 1835, foi realizada a votação para se escolher qual cidade se
tornaria a capital da província. Vence na assembléia, a Villa da Praia Grande, que passa a se
chamar cidade de Niterói41, ou a “Imperial Cidade de Niterói” como ficou registrado no
38
FORTE, José Mattoso Maia, O Município de Niterói – Corografia, História e Estatística. Rio de Janeiro:
Tipografia do Jornal do Commercio, 1941. p. 69.
39
A Villa Real da Praia Grande foi criada pelo Alvará, com força da lei de 10 de Maio de 1819, que erigiu em
villa o Sítio e povoação de São Domingos da Praia Grande, com a denominação de Vila Real da Praia Grande.
Esta vila, em 1833, separa-se da Villa de Santa Maria de Maricá, Formando um poder local mais centralizado por
uma elite mais homogênea. Esse feito se fortaleceu com a criação das “Posturas Policiais para a vila da praia
Grande”, Conjunto de leis locais que consolidou suas particularidades. Para maiores informações sobre a
História da Villa da Praia Grande, ver Legislação sobre municípios, Comarcas e Distritos abrangendo o período
de 09 de março de 1835 – 31 de dezembro de 1925. Organizado por Desidério Luiz de Oliveira Júnior. Rio de
Janeiro, Tipografia do Jornal do Commercio. 1925.
40
CASADEI, Talita, Da Villa Real da Praia Grande a Imperial Cidade de Niterói. Niterói/RJ: Funiarte, 1988.
41
O Nome da cidade foi criado pelos índios Temiminós, habitantes da região. Seu significado é “Água
Escondida”, referencia a sua localização geográfica. Informações em: PIMENTEL, Luiz Antônio, Topônimos
Tupis de Niterói. Niterói/RJ: Funiarte, Prefeitura Municipal de Niterói. 1988. p. 77.
memorável discurso proferido por Manoel Antônio publicado na coleção de Leis da Província
do Rio de Janeiro, ao dia 6 de março de 1835 42. No conjunto destas novas medidas, as Vilas
de Campos dos Goytacazes e de Angra dos Reis passaram também à condição de cidade.
Nessa mesma coleção de leis, lê-se que a Assembléia votou a aprovação das verbas
que se destinariam à criação das estruturas básicas necessárias, tanto para a cidade de Niterói
abrigar o seu aparato burocrático, quanto para que pudesse haver estruturas de comunicação
entre as vilas e cidades que compunham esta província. Propunha, assim, melhorias urbanas, a
criação das pontes e estradas, assim como os canais, e demais obras demasiado dispendiosas,
que deveriam operar para o sucesso da província.
Os problemas iniciais da província foram expostos por Artur Cezar Ferreira Reis em
seu artigo sobre a província do Rio de Janeiro43. Este autor destaca a fala inicial de Joaquim
José Rodrigues Torres, que esclarece os problemas a serem solucionados, e traça o quadro de
angústias que sentia em face da exigüidade de recursos para a manutenção da máquina
administrativa e da carência de dados positivos a respeito do que poderia ser utilizado
confessando uma inexatidão dessas despesas44. A tributação e as demais obrigações são
revistas nesse momento.
Logo após a primeira reunião da assembléia provincial fluminense, que se deu no dia
1º de fevereiro de 1835, na Praia Grande, decidiu-se a imperiosa necessidade de mudanças
estruturais que deveriam ser operadas na província. Os custos destas inovações são publicados
nos principais periódicos diários e discutidos, assim como o dispêndio de sua manutenção.
Em contrapartida, aqui processou-se a defesa desses progressos como de extrema necessidade
ao novo momento que atrairia empreendimentos diversos à cidade. No Jornal do Commercio,
trechos do relatório final, que aprovou as novidades. Na seção “Relatório desta Província” lia-
se:

CONTINUAÇÃO DO RELATORIO DO PRESIDENTE DESTA PROVÍNCIA


(...)
ILLUMINAÇÃO

A Vila da Praia Grande, não só pela sua extensão e crescida população,


mas ainda pela circunstancia de ser continuamente freqüentada por grande
número de pessoas nacionais e estrangeiras de todas as classes, exige que suas
ruas sejão á noite, illuminadas. Dahi resultará, não só comodidade para os

42
LEGISLAÇÃO PROVINCIAL DO RIO DE JANEIRO. Coleção de Leis, Decretos e regulamentos da
província do Rio de Janeiro. De 1835 – 1850. Seguida de um Repertório da Mesma legislação organizado por:
“Luiz Honório Vieira Souto” – Parte I: Leis e decretos. Nictheroy, Typografia Fluminense de Lopes.
43
REIS, Arthur César Ferreira, “A Província do Ro de Janeiro e o Município Neutro”. in: HOLLANDA, Sérgio
Buarque de, e CAMPOS, Pedro Moacyr, ob. cit. p. 342.
44
REIS, loc. cit.
habitantes e pessoas que as transitam, mas ainda facilidade para a manutenção da
tranqüillidade e polícia da povoação.
Segundo informações que pude obter, são precisos para esta iluminação,
50 a 60 reverberos que podem custar de 21 a 25 contos, faráõ pouco mais ou
menos a despesa anual de dois contos e quatrocentos mil réis
(...) a razão está na população grande e commercio da Villa(...)

ESTRADAS, PONTES E CANAIS

(...) Necessidade da abertura e conservação de meios que facilitem o transporte


dos produtos da nossa agricultura (...) Ninguém há aí que hoje desconheça quanto
a riqueza e a civilização de um país, cresce na razão direta de seus meios de
comunicação.(...)45

Comumente apareciam nos periódicos dessa época, comentários notas e artigos sobre
esta debilidade, e os problemas que esta nova província apresentava. As chuvas também
causavam danos sérios para a comunicação das vilas e cidades. Os gastos excessivos nesse
momento também se tornam parte das insatisfações que são expostas em artigos de diversos
jornais. No caso do Jornal do Commercio, temos uma visão otimista de que os novos
acontecimentos trariam o progresso à cidade, mais estruturada para a movimentação
comercial.
Essas melhorias foram executadas à custa dos cofres provinciais: instalação de
repartições e criação de escolas, iluminação pública, abastecimento de água e policiamento.
Tais gastos foram pagos com um incremento em alguns impostos. Niterói não possuía os
aparatos para abrigar um aparelho burocrático do tipo de sede da presidência da província.
Isso ficou marcado em registros da época que, constantemente denunciavam essa carência
juntamente com a carência da província do Rio de Janeiro, de boas estradas, pontes e canais,
incremento na comunicação entre as diferentes cidades em todas as regiões da província do
Rio de Janeiro. 46
Tornando-se a capital, iniciava-se todo um novo momento para sua história. Niterói
ganha hospital, correio, e até mesmo a primeira escola de ensino Normal47 do Brasil, que foi
construída junto com outras que ao longo do tempo foram aparecendo de acordo com as
necessidades de uma nova capital. No dia 14 de abril de 1835, foi fundada a “Guarda Policial”

45
Jornal do Commercio - 05/02/1835, p. 3.
46
REIS, Arthur César Ferreira, “A Província do Rio de Janeiro e o Município Neutro” in: HOLLANDA, Sérgio
Buarque de, e CAMPOS, Pedro Moacyr, op. cit. p. 343.
47
Esta escola se chama Instituo Educacional Professor Ismael Coutinho (IEPIC), e foi a primeira Escola de
ensino normal do Brasil. Funciona até os dias de hoje.
de Niterói, com efetivo de 241 homens, nas armas de cavalaria e infantaria, inicialmente sob o
comando do Capitão João Nepomuceno Castrioto.48
Outro pioneirismo marcou essa nova etapa, a inauguração da primeira linha de
vapores, fazendo viagens a cada hora, cruzando a baía da Guanabara. O principal objetivo,
seria atender aos burocratas que tiveram os endereços de seus trabalhos alterados para a
margem direita da baía da Guanabara.
Um aspecto populacional de Niterói não pode deixar de ser comentado nessa
apresentação: a grande quantidade de escravos que ali habitavam. Na Villa da Praia Grande, a
população escrava era parelha à Corte, somando aproximadamente dois terços do total da
população. Segundo José Mattoso Maia Forte, dois anos antes de ser elevada à condição de
cidade, contava o distrito da vila, neste e nas freguesias de São Gonçalo, de São Sebastião de
Itaipu e de São Lourenço, 1915 fogos, 7500 habitantes livres e 22000 escravos.49
Niterói, nesse tempo, principalmente antes de se tornar a Capital e de se organizar o
corpo de polícia, era um grande porto para a entrada de negros que eram traficados da África,
e aportavam ilegalmente nas praias de Niterói, alguns para serem vendidos no interior, e
outros, na Corte. Muitos conflitos foram gerados em virtude desse tipo de situação. A falta de
iluminação artificial colaborava para esta realidade da cidade, sendo um dos principais portos
de desembarque de africanos traficados ilegalmente para abastecer a necessidade do mercado
da Província do Rio de Janeiro, essencialmente no interior, onde havia um incremento
contínuo na produção da lavoura de café (produto que estava em franco desenvolvimento
nesse período).

1.3 O ano de 1835: Repressão versus Liberdade.

Pra finalizar este primeiro capítulo, que tenta adentrar um pouco o ambiente político e
social da Regência, devemos considerar alguns fatores, que nos podem fazer pensar o ano de
1835 como um ano em que se viveu um clima de revoltas muito grande em todo o Império
Brasileiro. Podemos pensar isso por conta das revoltas eclodidas nesse ano, e da série de
medidas repressivas que a Regência empregara com o intuito de manter a ordem.

48
Estas informações se encontram na obra de WHERS, Carlos, Cidade sorriso. Ro de Janeiro: 1984. Também
nesta obra, muitas informações sobre João Nepomuceno e outros personagens importantes que compunham o
aparato burocrático no momento de elevação da vila à Cidade de Niterói. p. 69.
49
Esses dados estão contidos em: FORTE, José Mattoso Maia, Notas para a História de Niterói, Niterói/RJ:
INDC Prefeitura Municipal de Niterói. 1935. (2ª ed.). p. 98.
Logo no primeiro mês do ano, ocorre, em Salvador, o que foi chamada pela
historiografia de “Levante Malê”50, uma revolta escrava, cujos princípios se fundavam na
Religião Islâmica, mas que muitas preocupações trouxe aos governantes, assim como aos
proprietários de escravos. O “Levante Malê” teve como característica singular dentre as
revoltas do período regência, ter sido uma revolta com liderança escrava. Esta revolta de 1835
seria última revolta do primeiro dos dois grandes grupos de revoltas ocorridas desde 1831 até
184851, cuja principal conseqüência foi a profusão do “Haitianismo.”
O termo “Haitianismo”, que é uma referência à Revolução ocorrida no Haiti em 1804,
foi largamente empregado para denominar o grande medo de que ocorressem novas revoltas
escravas, gerado após o “Levante Malê”. Os políticos da moderação foram os que mais se
preocuparam em conter as possibilidades de revoltas. Suas ações para tal fim permeavam
desde a formação de uma onda de boatos em todo o Império de que novas “Rusgas” estariam
sendo planejadas pelos escravos, até a adoção de leis que prevenissem essas possíveis
Revoltas. O motivo principal dessa “onda de boatos” seria convencer a população de que a
repressão era realmente necessária. Esses boatos foram constantemente publicados nos
periódicos desse ano, e também contestados por políticos entre outros partidários de que o tal
perigo não seria tão alarmente quanto se propagava, e que o Governo exagerava em seus
mecanismos de repressão popular.
Em jornais de orientação moderada, liam-se vários “comunicados” como o seguinte,
publicado no periódico o Sete d `abril52:

COMUNICADO

Parece hum sonho o que se tem passado e vai sucedendo entre nós! Crê-se
que terríveis planos de insurreição se têm concertado e que agentes secretos (...)
por trazer ao Brazil todo a maior das desgraças públicas com o já tivemos o pano
de amostra na cidade da Bahia: clama-se que cada hum africano que desembarca
em nossas praias é um novo barril de pólvora lançado à mina: inculca-se, como
necessidade, promover a importação de homens livres, artistas e agrícolas, por
meios de contratos &c. &c.: diz-se que é mesmo um absurdo esperar prosperidade
em uma nação aonde se aumenta o número de escravos e se apoquentam e
perseguem os homens livres; tudo isso se tem dito e espalhado nas folhas públicas
(...)
Sr setembro Mais Barris de pólvora lançados à mina!
Acaba de entrar neste porto o patacho Minerva, vindo da Bahia, Trazendo 132
negros, a maior parte da nação mina, que dizem pertencer ao senhor S. de S. Lima!
Serão estes escravos do número daqueles que tomaram parte na revolta de 24 de
janeiro naquela cidade?! E haverá aqui quem compre tais inimigos já
experimentados? E consentirão as autoridades no seu desembarque? Valha-nos
50
Para maiores detalhes deste levante ver: SILVA, Eduardo, e REIS, João José Reis, Negociação e Conflito – A
Resistência Negra no Brasil Escravista. São Paulo: Companhia das letras, 1999.
51
CARVALHO, José Murilo de, Teatro de Sombras: A política Imperial. op. cit. p. 251.
52
Periódico de orientação moderada, que tinha como Mentor/ Redator, Bernardo Pereira de Vasconcellos.
deus com tanto desarranjo... ! As famílias estão assustadas, e o mesmo acontece
com o seu leitor:
O medroso.53

Sendo assim, com um cenário aterrorizante de medo54 constante, durante o ano em que
o maior temor das autoridades brasileiras seriam as revoltas escravas, como causa principal
desta realidade, viveu-se uma grande perseguição aos escravos. Mas, consequentemente, essa
repressão se operou sobre os negros livres também. De fato, entre os anos de 1830 a 1835, o
número de libertos aumentou muito, gerando uma grande população de negros libertos,
principalmente nas grandes cidades do litoral (Salvador, Rio de Janeiro e Recife), e demais
cidades, com grande concentração populacional e movimentação comercial. Um dos fatores
colaboradores desse acréscimo seria o aumento de escravos nas atividades de ganho, atuando
como profissionais liberais, conseguindo assim, renda para comprar sua alforria55.
A proibição do Jogo do Entrudo, neste ano, ganhou mais um motivador para seus
adeptos: evitar ajuntamentos de negros, possíveis fomentadores de rusgas.
Na província do Rio de Janeiro, um agravante na política repressiva empregada nesse
ano, se deu depois de ser aprovada na Assembléia Legislativa Provincial do Rio de Janeiro a
suspensão dos incisos 7, 8 e 9 do artigo 179 da Constituição de 1824. O Artigo 179 da
Constituição consiste na liberdade do indivíduo, e se encontra no TITULO 8º, que trata das
Disposições Gerais, e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros.
A parte que seria suspensa tratava:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos


Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade,
é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

(...)

VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asilo inviolável. De noite não se
poderá entrar nella, senão por seu consentimento, ou para o defender de incêndio,
ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela
maneira, que a Lei determinar.

VIII. Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos
declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na
prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações próximas aos lugares da
residência do Juiz; e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a Lei
marcará, atenta a extensão do território, o Juiz por uma Nota, por ele assinada,

53
O Sete d’Abril - 21/03/1835. p. 2.
54
Para maiores informações sobre o “Grande Medo” vivido nesse período: GONÇALVES, Márcia de Almeida,
Ânimos Temoratos: uma análise dos medos sociais na Corte no tempo das regências. Dissertação de Mestrado
em História Social das Idéias. Niterói/RJ: I.F.C.H, U.F.F., 1995.
55
REIS, João José, op. cit.
fará constar ao Réu o motivo da prisão, os nomes do seu acusador, e os das
testermunhas, havendo-as.

IX. Ainda com culpa formada, ninguém será conduzido á prisão, ou nela
conservado estando já preso, se prestar fiança idônea, nos casos, que a Lei a
admite: e em geral nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis meses
de prisão, ou desterro para fora da Comarca, poderá o Réu livrar-se solto.56

A ausência de algumas das garantias dava uma maior agilidade no aparato repressivo.
A perda dessas garantias dava plenos direitos às autoridades de interferir no lar das pessoas,
assim como de conduzir suspeitos e indiciados diretamente para a prisão, sem julgamentos
prévios e, sendo também, autorizados a desterrar esses acusados. Essa medida gerou repressão
abusiva direta da população. Ainda que se suspendessem as garantias dos cidadãos57 (Brancos,
Ingênuos e Libertos), e não dos que eram considerados os possíveis fomentadores de rusgas (a
população escrava), a perseguição se operou efetivamente sobre escravos e negros livres,
ambos figurando como ameaças à ordem, uma vez que poderiam insurgir-se no Rio de
Janeiro, tal qual fizeram em Salvador. Complementando a revogação, cria-se então uma
emenda à Constituição, válida para a província do Rio de Janeiro, com o intuito de criar
mecanismos para viabilizar a revogação dos outros incisos. Incluíram-se à suspensão,
cláusulas que direcionavam a repressão diretamente às sociedades secretas e aos periódicos,
censurados nos atos considerados “crimes de insurreição”.
Estes direitos que seriam invioláveis, no ano de 1835, são revogados (ainda que
temporariamente) pela Assembléia Legislativa da Província do Rio de Janeiro, com a seguinte
postura datada de 27 de março de 1835:

Art. 1º - Ficão suspensas em toda a Província do Rio de Janeiro até a


primeira reunião ordinária ou extraordinária da A. L. Provincial as formalidades
do Artigo 179 §§ 7, 8 e 9 da Const. Do Império; a fim de poder proceder-se sem as
garantias dos referidos paraphos, contra todos os individuos sobre quem recahirem
indicios vehementes de que tentão perpretar o crime de insurreição; e por este
crime somente.
Os que escreverem, e os que publicarem, proclamações, e quaesquer
outros papeis assim impressos como manuscriptos, ou proferirem discursos,
directamente tendentes á promover insurreição, seráõ punidos como cumplices
deste crime.
Art. 2º Se as cadêas dos lugares onde por crimes de insurreição se fizerem
prisões, não forem seguras, as authoridades respectivas remetteráõ os prezos a
dispozição do presidente da Provincia, empregando-se na sua conducção, todos os
meios de segurança, que aparecem necessários, a fim de que não se evadão.

56
“Constituição Política Do Império Do Brasil” in: CAMPANHOLE, Adriano, e CAMPANHOLE, Hilton Lobo
(org.), Constituições do Brasil: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969. São Paulo: Atlas, 1981. (5ª ed.)
57
Sobre os inclusos na categoria de cidadãos, ver o título 2º da “Constituição Política do Império do Brasil”
(1824).
Art. 3º - O Presidente da Província, e mais authoridades por intermédio
do mesmo, remetteráõ á Assembléia Legislativa Provincial, logo que reunida for,
relação motivada das prizoenss a que procederem, e das medidas de prevenção
tomadas em virtude da dispozição do Artigo 1º.
Art. 4º - Fica authorizado o presidente da Província, Sahir para fóra
desta, todos os Estrangeiros de côr de um e de outro sexo; comprehendendo nesta
classe os Africanos libertos: e com especialidade aquelles que divagão pela mesma
provincia, entretido no tráfico de mascates, e pombeiros.
Para este fim os Juizes de Paz, e mais authoridades judiciárias farão
prender os indivíduos sobreditos, onde quer que forem encontrados; e remetteráõ
com segurança à dispozição do Presidente da Província.
Art. 5º - Todos os officiaes inferiores da Guarda Nacional, ou d`outro
qualquer corpo de força armada que se negarem á prestação de auxílio que por
alguma authoridade lhes for requerido, nos cazos da prezente ley, serão presos
antes de culpa formada e punidos com as penas impostas no artigo 128 do Código
Criminal58.
Art 6º - Fica prohibido ás associações secretas, permitidas pelo art. 282
do Código Criminal, celebrar suas reunioens denoite; pena de serem concideradas
criminozas, e de se proceder contra ellas nos termos dos artigos 282e 28459 do
mesmo Código; ainda que tenhão feito communicação , em forma legal, ao juiz de
paz respectivo.
Art. 7º - Todas as associaçoens secretas, onde fôr encontrado algum
estrangeiro de côr, entrando nesta classe os Africanos libertos, ou algum escravo,
ficão declaradas criminosas; e todos os indivíduos que nella foram apreendidos,
serão reputados como achados em acto de tentativa de insurreição: ainda que a
reunião se verifique de dia, e não exista alguma prova que o simple facto da
reunião em forma de associação, provada pelo auto legal do corpo de delicto de
aprehensão.
Art. 8º - O Presidente da província he authorizado para fazer todas as
despezas necessarias para a execução da prezente lei: e para manter uma vigilante
policia de inspecção em todos os lugares da Província onde o julgar conveniente,
dando conta de tudo quanto por este meio houver chegado ao seu conhecimento, e
dispendido, á Assembléa Legislativa Provincial na sua primeira reunião; em ofício
reservado.
Art. 9º - Ficão suspensas todas as leis e disposições em contrário.

Paço da Assembléia Legislativa Provincial 21 de Março de 1835.

Tais medidas transformaram as posturas do aparato repressivo, tanto o policial como o


da Guarda Nacional, desta vez cobrados a assumir uma postura bem rígida. Cabe aqui
lembrar, que, ainda nesse ano, ao dia 10 de junho, aprova-se a lei que regulamenta a aplicação
da pena de morte aos escravos. Sendo esse um dos pontos máximos da concretização da

58
Ver CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO DO BRASIL, Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1831.: Art. 128
Desobedecer ao empregado Público em ato do exercício das suas funções, ou não cumprir as suas ordens legais.
Penas de prisão por seis dias, a dois meses.
59
Ver Ibidem, encontra-se na PARTE QUARTA, referente aos crimes Policiais CAPÍTULO 2º Sociedades
Secretas.
Art. 282.A reunião de mais de dez pessoas em uma casa em certos, e determinados dias, somente se julgará
criminosa, quando for para fim de, de que se exija segredo dos associados, e quando neste último caso não se
comunicar em forma legal ao juiz de Paz do distrito, em que se fizer a reunião
Penas: de prisão por cinco à quinze dias ao chefe, dono, morador, ou administrador da casa, e pelo dobro no
caso de reincidência
Art. 284.Se forem falsas as declarações que se fizerem, e as reuniões tiverem fins opostos a ordem social, o Juiz
de Paz além de dispensar a sociedade, formará culpa aos associados.
política repressora, que vingou por conta da tentativa de conter qualquer possibilidade de
insurreição60.
Nesse ano, o Estado Brasileiro também foi ameaçado por revoltas de cunho
separatista. Há uma grande repressão policial e militar necessária para que não houvesse
nenhuma ruptura em nenhuma das províncias que projetam revoltas separatistas. As
autoridades estavam atentas, e investindo na desarticulação desses movimentos. O
Federalismo, que ganhou força com as medidas do Ato adicional, foi, além de uma ruptura
com o aparato centralista imperial, herdado dos portugueses, se consubstanciado na defesa de
uma política que atendesse às necessidades locais das províncias.
Justamente nesse ano, viveram-se os momentos mais críticos da Cabanagem61. Nesse
ano, motivada por estancieiros, eclode a Farroupilha62, no sul do Brasil. Todos os movimentos
sociais e as agitações que constantemente surgiram desde 1831, já anunciavam a
“vigorosidade” desse tipo de reivindicação de caráter regionalista e descentralizador dentro do
Império, entre os diversos segmentos da população.
“Mas, indiscutivelmente, a pura presença, as inúmeras revoltas provocaram um medo
contínuo nas classes dominantes e influenciaram muito no peso político”63. Esta frase de
Wernet pode corroborar a idéia de que, no ano de 1835, o medo aumentou, e a política
repressiva incrementou-se gerando enormes incongruências do aparato de leis vigentes com
os anseios e necessidades da população que sob elas se estabeleciam.

***
Ainda seguindo a linha de raciocínio da repressão contínua e severa, outro grande
conflito intensificado nesse ano foi que ocorreu entre os Traficantes de escravos e as
autoridades. Este conflito foi intensificado justamente pelo Haitianismo, que apregoando que
o aporte de negros no Brasil, também seria condenável frente às ameaças que estes
representavam, como revoltosos em potencial, sendo comparados constantemente a barris de
pólvora. Os partidários do fim do Tráfico ganharam mais motivos para sustentar suas idéias.

60
Para maiores detalhes ver: RIBEIRO, João Luís de Araújo, Entre Galinhas, baratas não tem razão: Escravos e
a pena de Morte no Império Dissertação de Mestrado em História Social. Rio de Janeiro, I.F.C.S. U.F.R.J., 2000.
61
Para maiores informações, ver: CHIAVENATO, Julio José, Cabanagem: O Povo no Poder. São Paulo: Editora
Brasiliense. 1984. ver também: DI PAOLO, Pasquale, Cabanagem: A Revolução popular na Amazônia. Belém:
Edições CEJUP. 1986. (2ª ed.).
62
Para maiores detalhes sobre a Farroupilha, ver: PESAVENTO, Sandra Jatahy, A Revolução Farroupilha São
Paulo: Brasiliense, 1986.
63
WERNET, Augustin – Ob cit. p.43.
No primeiro semestre de 1835, o tráfico ilegal é o tema mais recorrente na imprensa,
que está constantemente debatendo a proibição ou não do tráfico transoceânico de escravos e
conseqüentemente, a forma como se processavam os crimes e criminosos. A lei polêmica
dividia a população brasileira. Em geral, a população se manifestava contrária à lei de 07 de
novembro de 1831. Entre os partidários da manutenção do Tráfico Negreiro, havia muitos
conflitos e tentativas de burlar a lei. No ano de 1835, ao fim do 4º mês, já se registrava um
“recorde” de apreensões de navios negreiros. A não aceitação da lei foi largamente expressada
pelos jornais, como vemos no Artigo a seguir:

Considerações sobre os crimes. Uma análise bastante estatística.


Tráfico de Africanos

É certamente doloroza a necessidade de declarar ao corpo legislativo,


que, apesar das mais eficazes medidas contra os contrabandistas de africanos, o
tráfico continua; as providências dos tratados tem sido illudidas; os rigores da lei
em completo desprezo: prova para uns de que as leis, e os Tratados estão em plena
desarmonia com as necessidades do nosso povo; e para outros de que uma
profunda corrupção tem ganhado de tal maneira os nossos hábitos, que a todos é
indiferente o sacrificar os deveres mais sagrados a seus peculiares interesses.
Senhores, o furor deste bárbaro tráfico parece progredir de dia em dia com uma
força constantemente crescente.
Desde 1830, o de 34 e 35 são os que mais apresentaram tal crime.
“em 1835, antes do meio do ano, se acham apreendidos 3 navios Bergantim, Rio
da Prata, Brigue Amizade feliz, e escuna angélica.64

Outro detalhe importante sobre a realidade do tráfico ilegal é que, por conta dele,
surgem grupos organizados, que atuam tal qual uma “quadrilha”, praticando esse crime. Esses
grupos de criminosos, muitas vezes, tinham ligações com membros do Governo tanto central,
quanto provincial. Membros dos três poderes (em maioria membros do Judiciário)
compunham ou colaboravam com essa rede de traficantes, que não cessava suas atividades
mesmo sendo muito perseguidos. Diversas devassas são empreendidas nesse momento, para
combater essa prática. Mas certamente uma facilitação se dava por parte de alguns
magistrados que tinham comprometimento com traficantes de escravos.65
Sob essa realidade, surge uma série de assassinatos e ameaças de morte. Esse tipo de
chantagem e coação foi comum à realidade dos membros do Judiciário em vários pontos da
província do Rio de Janeiro. Para ilustrar com um bom exemplo, no ano de 1835, temos o
caso de Augusto Moreira Guerra, então Juiz de Paz da Vila da Ilha Grande (outro grande
atracadouro de escravos traficados da África), que se demite do cargo por não agüentar as

64
Correio Official do Rio de Janeiro, 20/05/1835. p. 1.
65
BARRETO FILHO, Mello, História da polícia no Rio de Janeiro Aspectos da cidade e da vida carioca (1831
– 1870). Rio de Janeiro: Editor a Noite, 1943. p. 42
pressões dos traficantes de escravos, e por não ter aparato policial suficiente para conter este
crime.66

-Illmo e Exc. Senhor. – Acuso a recepção dos avisos de V. Ex., datados de


20 e 25 de novembro proximo passado, relativamente ao contrabando de
Africanos, sobre o que passo de novamente a asseverar a V. Ex., que não tenho ao
meu alcance providencias algumas a dar a semelhante respeito, pois que o
contrabando continua da mesma maneira, e uma guerra se tem declarado contra
as leis que o prohibem e contra as autoridades que pretendem vedar semelhante
tráfico, em conseqüência do que não podendo eu ser testemunha de atos tão
revoltosos, e aviltantes de autoridades de que me acho revestido, e não podendo
por mais tempo soffrer com o meu espírito tranqüilo, insultos que todos os dias se
reproduzem, contra a minha pessoa e autoridade, vou apresentar, por meio desta, a
V. Ex. a minha demissão, confiado em que talvez, o que me succeda desempenhe
melhor as funções do que a lei me tem encarregado, e assim, viverei tranquilo,
convencido que estou, que bons serviços prestei em crises arriscadas, a benefício
de meu País. E esta é, justamente a recompensa que eu espero de todos os meus
serviços, terminando assim, a minha carreira de magistratura, por não saber
capitular contra os crimes, e contra os criminosos, restando-me, o sentimento
único de não poder acompanhar a V. Ex. na ardua tarefa que lhe foi confiada,
prestando-me com a minha pequena quota para conseguir os fins a que se tem
proposto.

Deus guarde a v. ex. Ilha grande 12 de dezembro de 1834. – Illlmo e Ex.


sr. J J R Torres Presidente da província do Rio de Janeiro – o Juiz de Direito
Agostinho Moreira Guerra.67

***

CAPÍTULO 2: A “POLITIZAÇÃO” E A IMPRENSA.

2.1 Animação política e os Pasquins.

O ambiente político do período regencial mostrava-se propício ao contágio de idéias


formuladas na Europa, especialmente francesas. As idéias de liberdade individual e
independência política, de que o Iluminismo se fez porta-voz, foram debatidas em sociedades
literárias, e difundidas nas páginas de diversos jornais, representando, ou não, facções

66
Este caso foi muito comentado pela imprensa no começo do ano de 1835, é dedicada toda a primeira página do
Jornal do Commercio do dia 12 /01/1835.
67
Jornal do Commercio, 12/01/1835. p. 2.
políticas específicas. Neles discutiam-se os direitos naturais do homem, entre outras diversas
questões que faziam parte do bojo do ideal iluminista.
Nesse momento, o povo68 também passou a ter uma participação maior em
movimentos políticos. Isso se operou de maneira direta nas elites letradas, contudo, se
estendeu às camadas médias e mais pobres urbanas; ambas participavam do debate nas ruas,
algo bastante impulsionado pelo incremento da Imprensa (em momento de extrema
liberdade), assim como dos debates realizados em salões de chá e em outros espaços de
reunião nos quais os indivíduos debatiam política. Esse aumento se dá no conturbado período
das Regências. A ampliação dessa “esfera pública”69 colaborou para a difusão de ideais
iluministas, incrementando assim uma parcela da população adepta de mudanças radicais70
Pensando nessas possibilidades para a condução do Estado Brasileiro é que se operou
um acréscimo no número de publicações circulantes com intuito de se fazer uma “pedagogia
política”; os pasquins71 surgiam dia a dia, como resposta às diversas leituras que foram feitas
de uma literatura política que era consumida no Brasil. Um destaque ficaria por conta da
facção dos liberais exaltados, que trouxe à tona projetos políticos alternativos, distintos de
propostas que, se implementadas, resultariam em profundas transformações na sociedade
brasileira72, a exemplo do federalismo, da implantação da República, do fim da escravidão, da
expansão dos direitos eleitorais entre outros que envolviam uma soberania do povo antes que
da nação.73
De qualquer maneira, esses projetos diferenciados nem sempre compunham um
mesmo “bloco” de idéias. De fato nem todos os membros de uma das três facções políticas
compartilhavam dos mesmos projetos. Havia congruências e incongruências entre os diversos
membros das facções. O historiador Marco Morel, ao explicar como se apresentava o quadro
das manifestações políticas no período Regencial, utilizou o termo “miríade”. A expressão

68
Aqui o Termo povo é empregado para dar ênfase às camadas ainda desligadas da política, sem necessariamente
constituir-se em Cidadãos com poderes políticos diretos, que ganham maior voz debatendo e também ganhando
expressão nos discursos dos políticos mais liberais e humanistas.
69
Como bem caracterizado por: HABERMAS, Jürgen, Mudança Estrutural da Esfera Pública: Investigações
Quanto a uma categoria da Sociedade Burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1984.
70
BASILE, Marcello, Anarquistas Rusguentos e Demagogos. Os liberais Exaltados e a Formação da esfera
pública na corte imperial (1829-1834) Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J., 2000.
71
Na denominação de Nelson Werneck de Sodré, um tipo de periódico violento e de sátira, preocupados em
fazer a oposição, com “ardor” político. Ver: SODRÉ, História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Martins
Fontes, 1983. (3ª ed.)
72
IDEM, O Império em Construção: Projetos de Brasil e ação política na corte regencial. Tese de Doutorado.
Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J. 2004.
73
A dicotomia representa respectivamente projetos ligados a ideais dos filósofos Rousseau e Locke, e também
podem se transpor para as apropriações de liberais Exaltados e Moderados. Ver: BASILE, Marcello, Anarquistas
Rusguentos e Demagogos. Os liberais Exaltados e a Formação da esfera pública na corte imperial (1829-1834)
Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J., 2000.
“miríade” de opiniões, provavelmente é a que melhor representa a real variedade das
propostas. Muitos conseguiam se enquadrar como partidários; outros não. De um modo geral,
alguns periódicos faziam política por outros meios que não necessariamente os mais
ortodoxos.
Para esse autor, nesse período diversos ideários políticos se formulavam e
reformulavam. A diversidade de assuntos políticos, debatidos nos diversos espaços públicos,
tornaram o período regencial um grande laboratório de formulações e de práticas políticas e
sociais, como ocorreu em poucos momentos na história do Brasil. Nesse período, foram
colocados em discussão (ou pelo menos trazidos à tona): monarquia constitucional,
absolutismo, republicanismo, separatismo, federalismo, liberalismos em várias vertentes,
democracia, militarismo, catolicismo...(...) Ainda que com a peculiaridade de seu tempo,
estavam em jogo: formas de associação até então inexistentes, vigorosas retóricas impressas
ou faladas táticas de lutas as mais ousadas...A lista seria interminável.74
Essa lista de termos que Morel apresenta são termos que tendem a ganhar novos
significados com o tempo, essencialmente no momento pós-revolução Francesa. No Brasil,
esses termos têm significados no imaginário do povo que, nesse momento “revolucionário”
do Brasil (Período das Regências), seriam utilizados pelo mesmo. Os títulos dos jornais
tendenciosamente apresentavam termos que consistiam diretamente em suas propostas
políticas, ou utilizavam um título metafórico referente a seu ideal principal.
De fato, uma característica que marcava a maioria desses novos escritos era a de
demonstrarem-se, de alguma forma, políticos. Feições diversas apresentaram os pasquins:
uns permaneceram no campo doutrinário, imitando as folhas estáveis do tempo e discutindo
os problemas em voga, os políticos evidentemente, pois o noticiário era praticamente nulo 75.
A forma como os pasquins debatiam entre si também deve ser ressaltada, pois os temas sobre
os quais versavam eram discutidos de pontos de vista mais do que partidários, porque
personalíssimos e por vezes extremadíssimos, consideradas as condições da época, tornando-
se verdadeiros órgãos de xingamento, destinados a expor ao ridículo ou atemorizar
personagens do outro lado.76
Juntamente com a feição de um periódico político, que doutrina e demonstra suas
paixões e ódios, os pasquins também se assumiam como num tipo de publicação que se
proliferou como “conseqüência da violência das lutas políticas do período regencial. Serviam
para ferir seus contrários e diminuí-los no conceito do público, como expôs Moreira de
74
MOREL, Marco, O Período das Regências. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p.9
75
SODRÉ, Nelson Werneck de, op.cit. p. 164.
76
Idem, p. 165.
Azevedo, em sua pesquisa sobre os desdobramentos da imprensa carioca.77 Para esse autor,
nesse período o jornalismo aberrou da sua instituição, esqueceu os deveres.78
Uma característica essencial de um pasquim seria o fato de esse tipo de publicação não
ter por objetivo conferir lucros aos redatores. Difundiram-se nesse momento propício, num
tempo em que houve o incremento do debate político “apaixonado,” e que possibilitou esse
tipo de publicação. A difusão de pensamentos escondidos, represados era o que movia os
escritores periodistas. 79
Outra característica dessas publicações (pasquins) é que, costumeiramente, tinham
durações efêmeras e se propunham a existir somente durante o tempo em que se necessitava
para passar determinada mensagem ou idéia ou ainda, demonstrar a convicção política, não
apenas de questões amplas, mas de pequenos casos da política local, casos esses, muitas
vezes, caracterizados por acontecimentos efêmeros, os quais motivavam a publicação.
Por essas características é que os pasquins tiveram as durações mais diversas, alguns
duravam apenas um mês, outros mais, outros menos. Havia, também, escritos característicos
de uma determinada ocasião, que reapareciam em outros momentos; ou os escritos
propriamente ditos ou, até mesmo seus redatores, que surgiam com periódicos de nomes
diferentes, mas que, muitas vezes, continham as mesmas idéias anteriores.

2.2 A Imprensa Periódica no ano de 1835.

Como o presente trabalho deve focalizar os aspectos da Imprensa essencialmente no


ano de 1835, devemos delimitar as particularidades da Imprensa periódica nesse ano, tanto na
Corte como na Vila da Praia Grande. Entre algumas circunstâncias que envolvem este estudo,
devemos primeiramente ressaltar, a deficiência das coleções dos periódicos desse ano fato que
impede resultados mais apurados nesta pesquisa. Para pesquisar os periódicos desse ano,
esbarramos não apenas na falha considerável das coleções, mas também no fato de que
aparentemente as publicações dessa época, em grande maioria, eram bastante efêmeras, e, no
caso de alguns jornais, com edições esporádicas ao longo do ano. Há também muito pouca
congruência entre os períodos do ano em que esses periódicos iniciaram e finalizaram suas

77
AZEVEDO, Moreira de, “Origem e desenvolvimento da imprensa no Rio de Janeiro. in: Revista do Instituto
Histórico Geográfico Brasileiro, tomo 28 Rio de Janeiro, 1865. p. 194/195.
78
AZEVEDO, loc cit.
79
SODRÉ, Nelson Werneck, op. cit. p.167
publicações, dificultando o estabelecimento de um diálogo entre os jornais, que debatiam as
mesmas questões.
Como referencial estatístico para este ano, podemos tomar os dados compilados por
Marcello e Cybelle Ipanema, que registram que nesse ano, em todo o Império, circularam 61
periódicos sendo que desses, apenas 19 circulavam também no ano anterior80. Na província do
Rio de Janeiro, e na Corte, o número de periódicos inéditos surgidos em 1835, foi de 29.
Seriam eles: Rusga da Carioca, Pão de Assucar, Mala de Cartas, O Ladrão, O Anarchista
Fluminense, Estafeta Monárquico, O Cuyabano, O Fluminense81, Çapateiro Político , O
Eleitor, Dois Pimpões, Justo meio da política Verdadeira, Justiceiro Constitucional,
Compadre de Itu, Capadócio, Diário de Saúde ou Efemérides das Ciências Naturais e
Médicas, Revista Médica Fluminense, Miscelânea Científica, Simplício velho, O Defensor da
Legalidade, O Novo Caramuru, O Café da Tarde (que muda de nome para: O Café
Reformado) A novidade Extraordinária, O Amigo do Brasil, O Juvenil, O Sorvete de Bom
Gosto, A nova Caramurada.82
Dentre os periódicos que circulavam anteriormente, devemos destacar três, que eram
os principais noticiários diários, mais lidos nesse período: o Jornal do Commercio, o Diário
do Rio de Janeiro, e o Correio Official do Rio de Janeiro.
Nesse ano, os novos periódicos mantêm, na grande maioria, a linha política. Os temas
são em grande parte os mesmos entre eles: A Eleição do Regente do Império Brasileiro, As
Revoltas das Províncias, o polêmico Tráfico Ilegal de Escravos, as conseqüências posteriores
ao Levante Malê, que gerou diversas medidas repressivas como, por exemplo, a suspensão
dos parágrafos 7, 8 e 9 do artigo 179 da Constituição e a lei de 10 de junho desse ano, que
instaurava a pena de morte aos escravos. Percebemos também que um dos principais
motivadores da existência deles mantém o debate político que tinha como principal alvo,
criticar a política adotada pelos Moderados.

80
IPANEMA, Marcelo, e IPANEMA, Cybelle , “Imprensa na Regência: observações estátísticas e de opinião
pública” in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro v. 307. Rio de Janeiro: Departamento de
Imprensa Nacional 1975.p.94.
81
Não é o jornal O Fluminense, conhecido nos dias de hoje. Este foi fundado em 1878. É um outro, homônimo,
que circulou nos anos de 1835-36.
82
Estas Informações são um somatório das informações de 4 importantes obras de pesquisadores da Imprensa
Fluminense: AZEVEDO, Moreira de, “Origem e desenvolvimento da Imprensa no Rio de Janeiro”. in op. cit.
(Que sonda 18 periódicos que haviam sido compilados no “Dicionário Topográfico do Império do Brasil”, de
José Saturnino da Costa Pereira.) e IPANEMA, Cybelle, Catálogo de periódicos de Niterói. Rio de Janeiro:
Instituto de Comunicação Ipanema. 1988; VIANNA, Helio, Contribuição à História da Imprensa Brasileira
(1812 – 1869) Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945; e FONSECA, Gondim da, Biografia do Jornalismo
Carioca. (1808 – 1908) Rio de Janeiro: Livraria Quaresma, 1941. (Este compilou 24 periódicos para o ano de
1835) . Pode haver publicações que não foram catalogadas em nenhum desses registros.
De qualquer maneira, o fato de terem surgido 29 novos periódicos na corte e na
província do Rio de Janeiro, não faz desse ano, um ano profícuo em termos de publicações.
Nesse ano, se operou uma retração na “esfera pública”, gerando uma diferença grande do
número de periódicos que surgiram, comparativamente com os que surgiram ao longo dos
anos de1831 a 1834. Essa retração se manifestou a partir da retração da ação dos dois partidos
políticos de oposição: Exaltados e Caramurus.
Na esfera da política os ataques ao governo via debate político na Imprensa, nesse ano,
perderam o impulso, e começavam a se reconfigurar. Há também, entre esses grupos,
mudanças estruturais em suas plataformas de ação. Reduziu-se o engajamento na política
realizada nos espaços públicos, impulsionada pela imprensa, entre os grupos da oposição ao
governo. Operou-se uma retração da “esfera pública” em 1835, foi um ano em que se reduz o
número de periódicos políticos circulantes.
Em suma, os dois fatores que levaram a essa retração e reestruturação foram os
sucessos do ato adicional de 1834 e a morte de D. Pedro I, ocorrida em 1834. Esses dois
acontecimentos contribuíram para que se estabelecesse uma certa falta de direcionamento dos
componentes das duas alas da grande oposição ao governo vigente. Essa situação colaborou
para o reordenamento das correntes políticas, gerando, por exemplo, união de elementos das
facções Exaltada e Caramuru, contra um inimigo comum, que seriam os moderados. No
Brasil, depois da morte de D. Pedro I, em 1834 houve uma união das facções e a emergência
de partidos políticos genuínos83. Neste ano começa a se esboçar um novo arranjo político
orientado pela dicotomia: Progresso e Regresso.
Tanto os membros da Imprensa como os membros da Assembléia geral
administrativa, se viram um tanto perplexos. A razão de ser dos restauracionistas tinha
passado, obviamente e pelos fins de 1834, os grupos liberais exaltados e moderados, se
estavam desintegrando. E, no início de 1835, na sessão da assembléia geral, não havia
grupos organizados restantes mas, somente confusão84
Assim como houve uma diminuição nas atividades das sociedades (secretas ou
publicas), a imprensa Exaltada e Republicana da Corte e do Rio de Janeiro nesse ano não
produz mais como anteriormente. Entre os periódicos cariocas e fluminenses do ano de 1835,

83
Como na análise de: CARVALHO, José Murilo de, Teatro de Sombras: Política Imperial Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006.
84
IPANEMA, Cybelle e Marcelo de – “Imprensa na Regência: observações estatísticas e de opinião pública” in:
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro v. 307. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa
Nacional 1975 p.95.
não há quase nenhum dos tradicionais periódicos de linha Exaltada85, ou da linha
Republicana86.

***

2.3 A Imprensa Periódica na Villa da Praia Grande (Niterói).

Desde o ano de 1808, quando se instaura oficialmente a prática da Imprensa no Brasil,


a Cidade do Rio de Janeiro pôde contar com publicações periódicas87, que, ao longo do tempo,
cresciam numericamente, ocupando um espaço de divulgação de informações e de diversos
tipos de discussões, muitas delas políticas, que se tornavam públicas, e começavam a incitar
intelectuais, e populares, a debater as informações lidas nesses periódicos.
Os habitantes da então Villa Real da Praia Grande, por conta de sua proximidade com
a Corte Imperial, puderam consumir esses periódicos sem que se gerasse uma necessidade
imediata do desenvolvimento de publicações feitas na Praia Grande. A fácil travessia dos
periódicos e livros, assim como a freqüência dos praiagrandenses na Corte, colaborou muito
para a interação destes, com o que se lia na Corte. Isso ocorria principalmente no tocante aos
periódicos políticos.88
Após 21 anos do início da Imprensa no Rio de Janeiro, ao ano de 1829, surge a
primeira publicação impressa na Villa da Praia Grande: o Eco na Villa real da Praia Grande.
Essa publicação ocupava suas páginas com informações de acontecimentos de outros
logradouros (do Império e do Mundo), escritos por periodistas das localidades nas quais
aconteceram os fatos. Daí seu nome ser “Eco”, pois repetia as notícias diversas, sendo um
panorama geral tanto das notícias, como de assuntos de curiosidades científicas. Desse
85
Há ainda os periódicos O Exaltado ou os Cabanos da Praia Grande e o A Mulher do Simplicio ou A
Fluminense Exaltada, o primeiro neste ano bem menos engajado, e esboçando aproximações com políticos da
linha Caramuru.Da coleção do Exaltado deste ano, apenas resta na coleção da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro a edição do dia 16 de abril, mas sabe-se por meio de outros periódicos, que o Exaltado inda circulava
neste ano. O mesmo acontece com A Mulher do Simplício, cujo único exemplar deste ano existente na coleção é
o número 46, que data de 12 de dezembro de 1835.
86
Como é o caso do jornal O Republico, publicado por Borges da Fonseca. O jornal O Pão d `assucar se
apresenta com a proposta política da Monarquia Representativa.
87
Somente em 1808 é que surgem, quase simultaneamente, os dois primeiros jornais brasileiros: o Correio
Braziliense, editado e impresso em Londres pelo exiladoHipólito da costa; e a Gazeta do Rio de Janeiro,
publicação oficial editada pela Imprensa Régia instalada no Rio de Janeiro com a transferência da Corte
portuguesa.
88
IPANEMA, Marcello e IPANEMA, Cybelle, Catálogo de periódicos de Niterói. Rio de Janeiro: Instituto de
Comunicação Ipanema. 1988. p. 6.
periódico, apenas se conhece o nº 12, de 14 de agosto de 1829, que tinha as aspirações de seu
subtítulo: Periódico de correspondências cópias, repetições e traduções de outros periódicos
e obras, tanto nacionais como estrangeiras, ciências, anúncios, compra e venda, poesias,
agricultura etc.89 A tipografia que o imprimiu foi a Tipografia do Eco. Dessa Tipografia, sabe-
se, apenas, que ficava localizada na Rua do Valonguinho nº 1190, e seu escritório ficava “na
91
esquina da rua do Vasco com a rua da Praia”. Essa foi a primeira tipografia da Vila da
Praia Grande, inaugurando a produção Tipográfica da Vila.
O outro filão dessa publicação, o dos anúncios, seriam voltados para transações
comerciais dos praiagrandenses, que ganhavam esse serviço que, ao longo do tempo, passou a
atender aos interesses locais, não estritamente comerciais, dando início, com esse espaço, a
uma espécie de “noticiário local”, inaugurando assim a comunicação local impressa em
Niterói, que depois foi continuada por outros órgãos que gradativamente vão se instalando na
Vila da Praia Grande.
Um aspecto desse tipo de publicação, que não se pode deixar de mencionar, é o fato de
ser feito no interior da Província. Godofredo Tinoco, importante estudioso da história da
imprensa fluminense, ressalta o diferencial da imprensa interiorana, sendo esta: mais fiel e
ligada a paixões, raramente ligada à idéia de atender a um “mercado”. A imprensa
interiorana fluminense, teria crescido de maneira livre para apresentar seus programas, menos
presos à demanda de um público que exige determinados quesitos das publicações que lê.92
Muitos dos jornalistas que publicaram em Niterói, na década de 30 do século XIX, já
haviam publicado na Corte algum periódico. Algumas tipografias não eram novas; eram já
conhecidas na Corte, e apenas tinham seus endereços modificados para lá. Destacamos entre
estas, a mudança da Tipografia de Paraguaçu que imprimiu dois importantes periódicos
políticos do Rio de Janeiro: O Caramuru e O Exaltado. O primeiro, começou a ser impresso
na Praia Grande, desde 19 de setembro de 1832, e lá foi impresso até abril de 1833. Já o
segundo, imprimiu-se na Vila desde janeiro de 1833 até abril de 1835.93
Até o ano de 1835, as tipografias que haviam se instalado em Niterói foram: A Do
Eco, a de Paraguaçu (Paraguassu), A tipografia de Rego & Cia, também chamada de
Tipografia Nictheroy (às vezes surge tipografia Nictheroyense), e a Tipografia de P. Gueffier.

89
O Eco Da Villa Real Da Praia Grande 14 de agosto de 1829.
90
IPANEMA , op. cit. p. 39.
91
Na primeira página de O Eco da Villa Real da Praia Grande.
92
TINOCO, Godofredo, A Imprensa fluminense (1826 – 1963). Rio de Janeiro: Livraria São José. p.126.
93
Esta informação é imprecisa pois é um dado a partir das coleções pertencentes a biblioteca nacional, que conta
com falhas entre os números destes periódicos, podendo também haver imprecisão quanto a data dos términos
das publicações.
A do Eco, no ano de 1835, não existia mais. A de Paraguassu não imprimia mais O
Caramuru, já extinto, e nem mais O Exaltado, que foi impresso temporariamente na Corte,
pela Tipografia Fluminense de Brito. Somente no ano de 1835, é que O Exaltado retorna às
prensas niteroienses, sendo impresso numa das mais populares da época: a de Rego e Cia.
Na Tipografia de Rego, se imprimia o periódico Mensageiro da Praia Grande, desde
sua existência, e ela foi uma das responsáveis pela impressão de noticiários similares de
Niterói até a década de 50 do século XIX, se consolidando como uma das principais
tipografias do começo da Imprensa Niteroiense.94
No ano de 1835, apenas uma nova tipografia surge na Praia Grande: A de P. Gueffier,
com tradição na Corte, que se mudou para Niterói e conseguiu um aval do novo governo da
Província do Rio de Janeiro, para substituir o papel outrora realizado pela Imprensa Nacional,
de imprimir as atas oficiais do Governo da Província do Rio de Janeiro. Tarefa essa
desempenhada sob a condição de que não excedesse nunca o seu preço ao que leva a
Tipografia Nacional.95. O motivo da escolha da Tipografia de P. Gueffier seria o fato de estar
mais próxima aos prédios públicos do Governo Provincial, que, recentemente, também havia
se mudado para a Praia Grande. Deste modo, por comodidade, o Governo abriria mão de
publicar suas atas na tradicional e oficial Imprensa Nacional já que o tempo e o dinheiro,
poupados com o transporte marítimo cruzando a baía de Guanabara, foram os definidores
desta decisão, que convinha à boa ordem e rapidez dos trabalhos.
Nessa tipografia de P. Gueffier, ao ano de 1835, impriram-se os periódicos: O
Anarchista Fluminense, de 28 de fevereiro a 30 de abril, e o Defensor da legalidade, que
passa a ser impresso em Niterói apenas em 20 de junho, e segue até 02 de setembro.
Nesse mesmo ano, foram impressos em Niterói dois outros periódicos, ambos da
Tipografia de Rego e Cia: O Sorvete de Bom Gosto e, A nova Caramurada. As duas
publicações são impressas no mês de dezembro desse ano.

***

Terminada a exposição das tipografias que se haviam instalado na Vila até o ano de
1835, percebemos que, até esse ano, há apenas um cenário pouco expressivo de periódicos
94
Nesta Tipografia, imprimiu-se os principais periódicos “utilitários locais”: Mensageiro da Praia Grande
(1834), Mensageiro Nitheroyense (1835), Correio de Nictheroy ( 1836), Correio Oficial Nictheroyense,(1837) O
Omnibus de Nictheroy (1840), Correio oficial da Província do Rio de Janeiro (1844). Entre uma diversidade de
outros periódicos políticos. Informação em: IPANEMA, Cybelle, Catálogo de Periódicos de Niterói. Rio de
Janeiro: Instituto de comunicação Ipanema, 1988.
95
Informação do Mensageiro Niteroiense do dia 27 de fevereiro de 1835, na publicação das atas da Câmara da
Província, em reunião realizada no dia 13 de fevereiro de 1835.
políticos em Niterói. Também não há ainda um desenvolvimento de uma imprensa local
engajada diretamente com as questões da cidade. Poucos são os periódicos niteroienses nesse
momento, mas é exatamente nesse ano de 1835 que essa realidade começou a se alterar. A
elevação a capital e a própria criação da província certamente foram os impulsionadores de
debates mais acalorados via Imprensa.
No primeiro momento da Imprensa niteroiense, (1829 a 1834) as publicações feitas na
Praia Grande apenas se relacionavam com a Vila, por serem feitas nela, e, não pelos que
glosavam. Esses jornais eram em maioria enviados para a Corte e tratavam mais de assuntos
dos moradores da Corte do que da Praia Grande.
Mas, ao fim do ano de 1834, surge um jornal que veio a se consolidar como o principal
meio de comunicação da Vila da Praia Grande. O Mensageiro da Praia Grande foi um jornal
que inaugurou a função de noticiário local daquele logradouro, publicando anúncios dos
moradores, assim como agregando a função de publicar atas das juntas de paz e de outras
movimentações do judiciário e legislativo. Torna-se o primeiro noticiário regular da Vila da
Praia Grande.
Esse periódico poderia ser considerado também um jornal com uma função similar à
do Diário do Rio de Janeiro ou do Jornal do Commercio, ter um papel de noticiário e
utilitário local, informativo e comercial.96 Difere-se destes por não ter sido diário, circulava
apenas duas vezes por semana. Também se pode destacar desse periódico, o fato de não ser
essencialmente porta-voz de apelos políticos. Não versava diretamente sobre temáticas
políticas e nem assumia uma “cara” própria. Em algumas edições, publicava artigos pessoais
que atacavam terceiros, mas não o faziam em seu nome. O jornal compunha um filão de
periódicos do período regencial que não tinham as mesmas características do pasquim.97 O seu
editor foi Manuel Gaspar de Siqueira Rego, que se consagrou como o primeiro grande
jornalista de Niterói, exatamente por ter mantido publicações de interesses similares até o ano
de 184798.
De fato, o periódico Mensageiro da Praia Grande, que depois se torna Mensageiro
Nictheroyense (Ao fim de abril de 1835), poderia ser considerado o mais ideal para o
conhecimento das questões particulares da vila. Nele, encontramos publicadas leis locais,
informações oficiais sobre a organização das jurisdições de Niterói, informações sobre o
espaço urbano, coletas de impostos, atas das juntas de paz e do corpo da Guarda Nacional.

96
IPANEMA, Cybelle e Marcelo – “Imprensa na Regência” in: op. cit. p.93.
97
SOUZA, José Antônio Soares de, Villa da Praia Grande à Imperial Cidade de Niterói. Niterói/RJ: Funiarte
1993. Capítulo 17: Jornais. p.382.
98
Ibidem. p. 383
Utilizando se da epígrafe: Jornal curioso e instrutivo e liberal, distanciava-se um pouco de
um jornal dedicado a paixões políticas, e também assumia uma certa neutralidade neste
sentido. Atendia a uma imprensa mais informativa, mas abria espaço para o debate político.
Era uma folha que certamente era muito consumida por comerciantes, ou pelos interessados
em conferir o que se anunciava, na Villa da Praia Grande. É um espaço de publicação
comercial, e noticiário de atas jurídicas, que nos ajudam a trilhar alguns dos casos policiais
mais comentados.
Esse periódico, que foi o principal veículo de comunicação interna da Vila da Praia
Grande, convidava o público anunciando aos interessados pela folha: a esta folha subscreve-
se Tipografia Niterói de Rego e Cia. e na Botica do Sr. Eleutério, após anunciar o local em
que o público poderia pagar as assinaturas e colaborar com artigos, anunciou: vendem-se os
números avulsos na mesma tipografia, e na loge de ferragem do Sr. Jordão, Rua da
Conceição a sair na Praia; e na cidade em casa de Seignot Plancher e Cia. Sairá por hora às
terças e sextas feiras.
Esse jornal era o grande noticiário local que, por vezes, estendia o seu repertório de
notícias, publicando também algumas do interior da província fluminense. Comumente
transcreviam em suas páginas, artigos de Campos, Macaé, Itaboraí etc. Publicava atas dos
juízes de paz da Praia Grande, entre outras notificações oficiais, e novas leis, que deveriam
ser submetidas ao consentimento do público. Também focou-se em anúncios da cidade, e
artigos de moradores que constantemente faziam referencia ao cotidiano local. Uma rica fonte
para os estudos dos fatos locais e das opiniões que os habitantes da Praia Grande publicavam.
***

Terminada a exposição das primeiras tipografias e da consolidação de uma imprensa


local que retratou o cotidiano da Vila da Praia Grande, nesta próxima parte, daremos um breve
enfoque na imprensa política da Vila da Praia Grande. Tentaremos formar o cenário dos
pasquins que existiram lá, durante a década de 30 do século XIX e no ano de 1835.
O Caramuru foi o primeiro periódico político a se instalar na Vila da Praia Grande. No
ano de 1832, com a mudança da Tipografia Paraguaçu, instalou-se na Vila, esse periódico que
representava a facção dos Restauradores do Governo de D. Pedro I. Este pode ser considerado
um dos três periódicos mais representativos da atuação Caramuru em periódicos, bem como
O Carijó e A Trombeta.99

99
Segundo a análise feita no Capítulo XI da tese de BASILE, Marcello, O Império em Construção: Projetos de
Brasil e ação política na corte Imperial. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J., 2004.
Esse periódico circulou de 02 de março de 1832 até o dia 10 de abril de 1833; foi
impresso por David da Fonseca Pinto100. Nesse jornal, não há impresso o preço do exemplar
por unidade, mas admitiam-se assinaturas semestrais a 6$000 réis Tinha por Epígrafe: Eu não
fallo senão verdades puras, uma frase de Luís de Camões. A partir do nº 23, adota duas
epígrafes agregando a segunda: Fallai, em tudo, verdades a quem, em tudo, as deveis, de Sá
de Miranda. Também agregou o subtítulo: O Imperador Pedro II, e a constituição jurada, a
partir do nº3.
Esse periódico versava sobre questões pertinentes às diversas sociedades identificadas
com o ideal Caramuru. Ia de encontro aos defensores das reformas que se operavam na
legislação brasileira, sendo extremos defensores de que a Carta de 1824 não deveria ser
alterada em nada101.
Outro periódico político que se havia instalado na Vila, foi O Exaltado. Essa folha foi
publicada muito irregularmente entre 4 de agosto de 1831, e 15 de abril de 1835, em um total
de 56 números (Na Biblioteca nacional faltam os números 18, 42, e 50-55). Saía ao público
sem dias fixos, variando de uma a duas vezes por semana. Cada edição tinha 4 páginas,
custando, até o número 22, 60$ Réis, depois, 80 $ Réis. A assinatura trimestral custava 2$000
Réis. Era impresso na tipografia de P. Gueffier, quando ainda se situava na Rua da Quitanda
nº 74. De dezembro de 1831 a dezembro de 1832, foi impresso na tipografia de R. Ogier, na
rua da Cadeia nº142. No dia 02 de janeiro de 1833, apareceu o número 37, impresso na
tipografia de Paraguaçu.
A epígrafe escolhida, de apelo revolucionário, embasada no parágrafo VIII, Artigo 145
da Constituição dizia: “Todos os Brazileiros são obrigados a pegar em Armas para sustentar
a Independência e a Integridade do Império e defende-lo dos seus inimigos Externos e
Internos.” Esse periódico entre os anos de 1831 e 1833 foi um grande representante dos ideais
exaltados, assumindo o nome que muitos repudiavam, defendia uma Monarquia Eletiva, e
apregoava os direitos do cidadão, entre outros preceitos de apelo popular.
O redator dessa folha foi o Padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte102, um Padre
capixaba que já figurava na política desde a década de 20, e que, por sua crença política e
atuação na Imprensa, foi perseguido e ameaçado de morte, o qual o obrigou a mudar-se da
100
Ver BLAKE, Augusto Alves Victorino Sacramento, Diccionário Bibliográphico brasileiro. Rio de Janeiro:
Conselho federal de Cultura, 1970 (Edição Fac- similar da original de 1883-1902)
101
Maiores informações ver: BASILE, Marcello, op.cit.
102
Padre Exaltado que teve uma vida política atuante, foi extremamente perseguido pelos adversários.
Informações gerais sobre a sua Biografia, ver BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento, .Sobre a sua atuação
como um dos principais partidários da Exaltação na Corte ver: BASILE, Marcello, Anarquistas Rusguentos e
demagogos: Os Liberais exaltados e a formação da esfera pública na Corte Imperial. (1829 – 1834) Dissertação
de Mestrado. Rio de Janeiro: I.F.C.S U.F.R.J., 2000.
cidade do Rio de Janeiro. Outros periodistas comumente sofriam ameaças de morte por causa
de seus escritos, como foi o caso de Ezequiel Correia dos Santos, redator do Nova luz
Brasileira103. No ano de 1833, com a mudança de endereço do Padre Mestre, e da sua Escola
para Niterói, é que também se transfere a publicação do periódico O Exaltado. Esse periódico
mudou de nome, agregando o termo os Cabanos104 na Praia Grande.
O Padre Marcelino, no ano de 1835, ocupa o Cargo de Juiz de Paz na Vila da freguesia
de São Gonçalo de Ipihiba, e, no começo desse ano é transferido para a freguesia de São João
Batista de Icarahy, mantendo-se controverso e polêmico entre a população. No ano de 1835,
esse pasquim estava um pouco menos preocupado em atacar, e muito mais em defender-se de
ataques de outros periódicos políticos, que tão comumente criticavam o jornal e seu redator,
Padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte, que foi um partidário da exaltação, continuamente
perseguido, e criticado nos escritos de outros periódicos, desde o ano de 1831.
O Padre Mestre foi extremamente perseguido por diversos políticos, tanto moderados
como caramurus. Foi uma figura polêmica, e essa informação se baseia no conteúdo dos
artigos que combatem sua atuação como padre, como professor, como jornalista e como juiz
de paz. A diversidade de periódicos105 que criticam o Padre Mestre demonstram isso muito
bem, sempre com críticas severas ao fato de ele ser professor de jovens e aos seus ideais
exaltados, sendo visto como um “aliciador” desses jovens. As críticas iam além de ideologia e
comumente, O Padre era criticado em periódicos rivais que o acusavam de incompetente nas
suas funções de professor de gramática e latim.
O Exaltado ou os Cabanos na Praia Grande foi um dos mais atuantes periódicos
políticos na Vila. Assumia a denominação de exaltado embora, em algumas edições, elogiasse
certos Caramurus, fato, que pode acarretar uma certa confusão no que se refere às suas
identidades políticas, mas convém lembrar que se tratava de um momento de alianças entre os
contrários da Regência, em prol de seus objetivos comuns.

***

2.5 Periódicos políticos impressos em Niterói no ano de 1835.

103
Maiores informações sobre o Ezequiel Correa dos Santos ver: BASILE, Marcello, Ezequiel Correa dos
Santos: Um Jacobino na Corte Imperial. Rio de Janeiro: FGV, 2001.
104
Referencia direta feita aos cabanos da Região de alagoas.
105
Entre eles, podemos citar: A Aurora, O Sete d`Abril,entre outros de orientação moderada.
No ano de 1835, surgem quatro publicações impressas em Niterói. Seguindo a ordem
cronológica em que foram impressos na cidade, seriam eles: O Anarchista Fluminense, O
Defensor da Legalidade, O Sorvete de Bom Gosto106 e A nova Caramurada. Certamente, essas
quatro publicações vêm no bojo da movimentação intelectual que desenvolveu essa Vila,
recém-aclamada cidade e capital da Província do Rio de Janeiro. Com muitos burocratas
mudando seus domicílios para Niterói, surge uma nova demanda de folhas políticas
impressas. Podemos considerar esse ano como o ano de uma “virada histórica”, em que se
iniciam publicações políticas sobre a vila, e sobre os interesses dos niteroienses, algo até
então inédito, e que só se consolida a partir do referido ano.
Concomitantemente a esses periódicos, nesse ano O Mensageiro da Praia Grande, se
consolida, como já explicitado. É importante frisar que periódicos como: Jornal do
Commercio, o Diário do Rio de Janeiro, e o Correio Official, estão nesse ano, com suas
atenções voltadas para a Capital da Província do Rio de Janeiro, publicando artigos diversos
sobre a nova Capital da Nova Província.
O jornal O Exaltado ou os Cabanos na Praia Grande, como já explicitado, também
teve grande representação política durante o ano de 1835, mas, na coleção da biblioteca,
relacionada a esse ano, consta apenas o exemplar do dia 15 de abril. Sabemos que os outros
números existiram, pois são mencionados nas seções de “Obras publicadas”, contidas nos
periódicos comerciais (Jornal do Commercio, O Mensageiro, e o Diário do Rio de Janeiro). A
impossibilidade dessa consulta atravanca muito o diálogo entre os periódicos políticos
daquela Vila.
Desses quatro novos jornais, percebemos que há três que possuem títulos muito
expressivos para o debate político: O Anarchista Fluminense, O Defensor da Legalidade e A
nova Caramurada. Destes, há dois jornais que têm títulos que expressam idéias muito fortes,
assim como antagônicas, mas que mostram o grande conflito que há entre a dicotomia:
Legalidade e Ordem vs. Anarquia e Desordem.
Mas a atuação de ambos os jornais em Niterói não foi totalmente concomitante. O
defensor da Legalidade é publicado no Rio de Janeiro até o mês de fevereiro e depois,
ressurge impresso em Niterói, já no mês de junho e aparentemente, acaba em 12 de setembro
de 1835. O que não pode ser deixado de lado é que divergiam em dois aspectos: os seus ideais

106
O Título Remete ao fato deste ano ter sido introduzido o sorvete no Brasil
(claramente expressos nos significados de seus títulos) e a forma como faziam política (o
defensor é mais comedido em sua linguagem; O Anarchista Fluminense, mais violento.)
Os outros dois O Sorvete de bom gosto e A nova Caramurada foram impressos na
tipografia de Rego & Cia, a Tipografia Niterói.

O SORVETE DE BOM GOSTO


Esse periódico não se encontra na Biblioteca Nacional, e sobre ele apenas conhecemos
os comentários registrados na obra de Helio Vianna, Contribuição para a História da
Imprensa. 107
Sabe-se que o seu primeiro número datou de 18 de dezembro de 1835 e que teve por
missão combater os moderados, criticando o governo, depreciando o Regente Feijó, criticando
seu ministério. Também sabe-se que nesse jornal criticavam-se os acontecimentos do Pará,
que ainda vivia um clima de incertezas, durante a Cabanagem. Há um artigo que critica a
atuação do oficial John Taylor, sendo este considerado pior que Francisco Pedro Vinagre.

A NOVA CARAMURADA
Esse periódico também não se encontra entre os periódicos Raros da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro; sabemos de sua existência graças ao trabalho de Helio Vianna108.
Seu primeiro número datava de 24 de dezembro de 1835, e o principal assunto de sua
primeira edição tratava de um boato de revolta escrava que aconteceria na Vila de Maricá, no
dia do Natal. O Motim estaria planejado para acontecer concomitantemente em logradouros
vizinhos a essa vila. Critica essencialmente os empregos públicos e os postos na Guarda
Nacional, concedidos entre comparsas políticos, independentemente de seus méritos.

O DEFENSOR DA LEGALIDADE
Esse periódico custava 80 rs., era publicado às 3ªs e 6ªs e vendido nas lojas do
costume. Em sua epígrafe lia-se: Liberdade e ordem. Esses dois conceitos são muito utilizados
no debate político dessa época, cada um deles agregando significados diferentes, dependendo
de quem o utiliza e sobre qual questão tratava. Esse periódico pode ser considerado de
orientação moderada, tinha por objetivo defender os princípios dessa corrente política.
Quanto às temáticas desses jornais, podemos dizer que eram similares. Permeavam a
situação das polêmicas leis elaboradas durante a Regência, e suas implicações no cotidiano.
107
O Periódico faz parte originalmente da Coleção de Francisco Marques dos Santos. Sua descrição é feita
em:VIANNA, Helio – ob. Cit. p. 312.
108
Ibidem p. 314.
Seriam estas: A proibição do tráfico de escravos, o poder conferido aos juízes de paz depois
da criação do código do processo e do Ato adicional de 1834, a criação da província do Rio de
Janeiro. Também estava em pauta: a revogação dos parágrafos 7, 8 e 9, do artigo 179 da
constituição, e o “Grande medo” gerado pós Levante Malê, entre outros “grandes temas”
cujos debates ocupam diversas páginas dos periódicos politizados desse tempo.
Mesmo assim, não se preocupava estritamente com as questões da Praia Grande. As
notícias do Império, da administração da Regência, assim como algumas notícias
internacionais, eram os principais temas comentados por essa folha política, que representou
uma nova voz dos moderados nesse momento.

O ANARCHISTA FLUMINENSE
Esse periódico tem sua primeira edição datada do dia 28 de fevereiro de 1835. A data
corresponde ao dia seguinte àquele em que se aclamou a Vila da Praia Grande como Capital
da província do Rio de Janeiro. Termina em 30 de abril do mesmo ano. Esse periódico custava
de 40 a 60 réis, variando seu preço de acordo com o número de páginas (de 4 a 6). Não
admitia assinaturas e era impresso na Tipografia de P. Gueffier, que, como sabemos, era a
responsável pela publicação da movimentação burocrática da Vila da Praia Grande.
Quanto às epígrafes que esse jornal traz, temos duas sugestivas frases:“Esta folha
publica-se em dias indeterminados, quando for da vontade de seus redatores” que já mostra
desde o número 1, que não seguiria nenhuma periodicidade. A outra epígrafe dizia:“Un pás
hors du devoir nous peut mener bien loin.” que significa: “Um passo fora do
dever[obrigação] pode nos levar bem longe” Essa segunda frase, certamente era o principal
“lema” que o jornal propunha, caracterizando bem, a “cara do Jornal”. A frase, é do teatrólogo
que viveu no século XVII, Pierre Corneille109.
Não havia além dessa folha, com exceção do Mensageiro da Praia Grande, uma
publicação que se preocupasse em publicar artigos concernentes às questões da Vila. Também
podemos considerá-lo, verdadeiramente, o primeiro pasquim de Niterói. Foi o primeiro a
fazer críticas ferozes, voltadas a questões locais da recém aclamada cidade, o primeiro a
comentar sobre as posturas dos moradores de Niterói, sobre as figuras locais, como, por
exemplo, o oficial dos Correios, o dono das terras que circundam a lagoa de Itaipu, e o redator
do Mensageiro da Praia Grande, Siqueira Rego. Faz críticas acres ao momento de criação da
109
Teatrólogo Francês que atuou durante o século XVII, formou-se em direito, trabalhou para Richelieu, ganhou
fama em toda a Europa com suas obras traduzidas para diversas línguas. Foi um grande poeta, teve força
criadora, elevação de pensamentos, técnica apurada e tendências moralizadoras em suas obras. Maiores
informações ver: SAINZ DE ROBLES, Carlos Federico, Diccionário de la literatura Madrid: Aguilar, 1950.
Tomo III.
província do Rio de Janeiro, as votações para escolha da capital, e aos respectivos festejos
desse fato. Compõe um registro único desses acontecimentos, com uma ótica crítica e menos
idealizada desse momento histórico da cidade de Niterói.
Algo de extrema importância, e que não pode ficar de fora dos comentários sobre esse
jornal, é que tinha preocupação em atacar diretamente o já referido Padre Marcelino, Redator
do O Exaltado ou os cabanos na Praia Grande. Um dos objetivos principais dessa folha é
depreciar a figura do padre mestre, fazendo críticas severas, desrespeitando-o de maneira
extremada, com discursos de ataque direto e desmoralizadores, presentes em quase todos os
artigos do jornal, havendo mesmo alguns artigos totalmente voltados a criticá-lo. As críticas
de depreciação moral que fazia do Padre Marcelino envolvem sua atuação como Mestre, Juiz
de Paz, Periodista. Critica seus hábitos pessoais, acusa-o de chupista, e censura seus cabelos
longos (Algo comum entre políticos de orientação Exaltada) chamando-o de gadelhudo110
Após vasta pesquisa, foi encontrado apenas um periódico que publicou comentários
sobre um artigo do Anarchista Fluminense. O Mensageiro Niteroiense, que publica um artigo
do Padre Marcelino Ribeiro Duarte, em resposta a um dos Artigos (da 7ª edição), por sinal o
único assinado111, e totalmente direcionado ao Padre Marcelino. No 2º número do Anarchista
Fluminense, temos notícia de que na edição nº 54 de O Exaltado, inexistente na Biblioteca
Nacional, se tem notícia de que o nº 1 do Anarchista Fluminense foi acusado de perturbador
da ordem, com claras concitações a rebelião, chamamento dos povos a desordem112.
Infelizmente não há como desenvolver esta crítica. Vários dos periódicos que circularam no
ano de 1835 têm suas coleções incompletas, e as edições que teriam sido publicadas
paralelamente às edições do Anarchista Fluminense, não existem nas suas respectivas
coleções. O fato de não se ter acesso ao Exaltado pode ser considerado o fator mais
prejudicial à pesquisa, pois é o que certamente mais dialogava com o Anarchista Fluminense.
Percebemos que ao longo dos artigos desse jornal, as insatisfações são múltiplas,
sendo os redatores desligados das causas dos três principais partidos políticos das regências,
como veremos mais adiante.

110
CHUPISTA = pessoa dada ao vício de beber ;GUEDELHA= franja, madeixa”Os homens galantes ou nobres,
em ser liberais tinham a sua guedelha, com isto tão sois.GADELHUDO = GUEDELHUDO : De cabelo longo,
crescido. Informação em: SILVA, Antonio e Moraes, Dicionário da Língua Portuguesa. Lisboa: Impressão
Régia, 1831.
111
1 poesia é assinada Francisco Borges Mendes, e um outro artigo é assinado por Ovídio Saraiva de Carvalho,
nenhum deles se assume como redator principal, apenas como correspondentes que publicaram seus escritos
nesta folha.
112
Informações no Anarchista Fluminense nº 2 do dia 05/03/1835.
***

CAPÍTULO 3: SOBRE A PALAVRA ANARQUIA E SEUS DERIVADOS: O CONCEITO EM


1835.

Neste Capítulo, tentaremos entender os significados da palavra Anarquia, no ano de


1835. Os eixos da análise aqui são essencialmente dois: Os dicionários e A imprensa
periódica.
Traçaremos aqui um breve histórico do termo, numa tarefa de resgate etimológico,
para que se faça uma comparação destes significados, e as variantes nos léxicos que
compunham de maneira bastante atualizada com seu tempo, o vocabulário e as expressões
mais recorrentemente utilizadas. Os dicionários são objetos discursivos que estabelecem a
relação entre a rede de memória diante da língua. Dessa maneira, ao ler-se a definição
lexográfica, podemos perceber o momento sócio-histórico e ideológico de conceber a
língua113, são chave para uma compreensão mais apurada das nuances dos significados
consolidados em um dado tempo.
113
ORLANDI, Eni. Pulcinaille, Língua e conhecimento lingüístico para uma história das idéias no
Brasil.Campinas: editora Cortez, 2002. p.103.
Para complementar tal análise, seria ideal, também, conferir os significados desta
palavra consolidados nos léxicos da Europa, (principalmente Portugal, França e Inglaterra) e
comparar com as formas que assumiu no Brasil, na década de 30 do século XIX. Com o
intuito de aprofundar a análise, não podemos deixar de agregar ao presente trabalho alguns
dicionários estrangeiros, e esta tarefa deve ser feita pelo fato de esses países serem
irradiadores de doutrinas políticas com um vocabulário novo que continha inúmeros novos
termos em construção, frente a uma nova realidade. Os focos irradiadores de novas “Teorias
Políticas”, movimentadas acima de tudo pelos efeitos da Revolução Francesa, começavam a
ajudar a compor os verbetes dos novos dicionários, livros que também serviam de referência
aos letrados brasileiros nesse tempo.
Esta tarefa é extremamente necessária ao trabalho, pois há que traçar os limites desses
significados, para uma melhor compreensão das semelhanças e diferenças de sua aplicação
nos escritos brasileiros.
Mencionaremos os grandes léxicos dessas línguas, bem como outros dicionários que
nos servirão na comparação de prioridades de significados dados a palavra, e de sua evolução
semântica. Por isso utilizaremos alguns dicionários de bolso, bilíngües e trilíngües para
verificar a “fluidez” das significâncias do termo, num esforço que serve para tentar balizar e
comparar as nuances possíveis, nesses diversos discursos que de certa maneira, continham
uma mesma proposta. Os Dicionários Etimológicos e Históricos também colaborarão para
esta análise, uma vez que também se propuseram a tarefa de compreender o termo,
apresentando a evolução de seus significados em determinada língua.
Em um outro momento, ainda neste capítulo, veremos as principais nuances do
conceito de Anarquia e seus derivados, tal qual era concebido pelos jornais do período
Regencial. Se tomarmos por base a sua aplicação nos artigos dos pasquins políticos, podemos
compreender melhor os significados dados a esta palavra pois, em seus artigos, veremos que a
forma utilizada pelos redatores desses jornais se diferenciava das demais encontradas nas
referências lingüísticas da época.
A parte final deste estudo tratará da palavra no jornal O Anarchista Fluminense, tarefa
essencial a ser realizada, para adentrarmos num exame do conteúdo da Retórica desse Jornal
(tarefa realizada no Capítulo 4).

3.1 O Conceito nos léxicos:

A Anarquia nos principais dicionários da Língua Portuguesa:


Como a contextualização deste conceito é o primeiro passo da análise, foi feita uma
pesquisa nos dicionários existentes e em circulação até o ano de 1835, com data de publicação
mais aproximada a esse ano, para se verificar os significados consolidados, e ter uma idéia
mais precisa da forma pela qual este termo era concebido nessa época, a ponto de compor um
possível “senso comum” ao termo em questão.
No Brasil, as duas referências mais apropriadas à nossa tarefa são: o Dicionário da
Língua Portuguesa, de Antônio de Morais e Silva, e o Dicionário da Língua Brasileira de
Luís Maria da Silva Pinto. Estas duas, na década de 30 do século XIX, foram as mais
atualizadas referências lexográficas utilizadas no Brasil.
Comparando as duas referências, de maneira bem simplificada, podemos chegar à
conclusão de que o Dicionário da Língua Portuguesa de Antônio de Moraes e Silva teve mais
credibilidade em seu tempo. Este é reconhecido como um dicionário que contribuiu para a
elaboração de outros dicionários, diferentemente do Dicionário da Língua Brasileira, que
compõe sua obra copiando algumas obras para redigir seu conteúdo.
Ainda que este dicionário brasileiro não fosse tão apurado em seus significados, sendo
bem menos pretensioso, de alguma forma: esse dicionário surge como algo que desestabiliza
um discurso vigente, que rompe com o discurso da herança de Portugal ao Brasil,
diferentemente do Dicionário da Língua Portuguesa, que, embora elaborado por um
brasileiro, mostra-se fortemente relacionado com o discurso da Metrópole.114 O objetivo da
existência deste dicionário brasileiro, seria muito mais de demonstrar esse rompimento,
criando-se um dicionário genuinamente brasileiro, do que de criar um dicionário com
“brasileirismos”, e com referências das línguas dos “aborígenes brasílicos.”115 O dicionário
era pequeno, tendo o formato dos dicionários de bolso da época.
O dicionário editado por Luís Maria Silva Pinto116, no ano de 1832, explica-se em
relação às eventuais omissões deste dicionário, em seu prefácio, onde lê-se:“restringi o meu
plano, levando ao prelo o presente dicionário portátil, que modificará a penúria ocorrente e
servirá de base a outra edição mais ampla e regular, se este esforço patriótico merecer

114
GARCIA, Dantielli Assumpção, “Discurso lexográfico: Os dicionários no século XIX”.in Anais do SETA #1,
Campinas, 2007.
115
Idem.
116
Nascido em Villa Rica (Ouro Preto), no ano de 1773, Luís Maria da Silva Pinto atuou como conselheiro do
governo de Ouro Preto, secretário do Governo da Província de Minas Gerais e diretor da instrução pública e
procurador fiscal da província. Tornou-se sócio do IHGB, realizando uma diversidade de mapas estatísticos da
Província de Minas Gerais de 1821 até 1847. Faleceu em 1869. Informações em SILVA, Inocêncio Francisco da.
Dicionário Bibliográfico Portuguêz Lisboa: Imprensa Nacional, 1860.
acolhimento, e os srs. amantes da literatura nacional se dignarem enviar quaisquer notas
sobre os vocábulos omissos, e definições inexatas, ao “Editor no Ouro Preto”117
Quanto ao Dicionário de Antonio de Moraes Silva118, podemos concluir que este
tornara-se um dicionário muito popular, no Brasil, desde sua primeira edição que data de
1789119. Ganhou credibilidade e sua popularidade foi tamanha, que sustentou várias reedições
durante todo o século XIX.
Destas edições, certamente a mais apropriada a presente pesquisa é a do ano de 1831,
sendo, então, a mais atualizada em relação ao ano de 1835. A diferença que este dicionário fez
em relação às três edições anteriores, foi enorme. Nele, agregou-se um grande número de
novos verbetes e novos significados aos verbetes antigos, quantidade que não é revelada pelos
autores, mas cujo grande volume de novos vocábulos120 é perceptível a um simples manuseio.
Na introdução da edição de 1831, era explicada a necessidade imperiosa das alterações que se
observavam na Língua Portuguesa com o passar do tempo: Muitos crêem que só Bluteau é
fonte limpa. Muito lhe devemos, mas, (...)querer limitar a língua clássica pura e correta ao
ano de 1700 e tantos, é estreitar as raias de uma linguagem viva formada sim, e assas rica
em eloqüência e poesia, mas capaz de enriquecer nesses mesmos gêneros e nas artes e
ciências.121
Cabe aqui destacar que o Dicionário de Moraes e Silva foi elaborado com base no
Vocabulário Portuguez-Latino, de Rafael Bluteau, numa tentativa de atualizá-lo, como vimos
na crítica que foi esboçada na Introdução do Dicionário da Língua Portugueza. Com
definições mais concisas, sem os extensos comentários122 que o Vocabulário de Bluteau
apresentava, percebemos que, mesmo sendo um dicionário mais antigo, a maior referência do
século XVIII, o Vocabulário Portuguez-Latino de Raphael Bluteau merece ser contemplado
nesta pesquisa, grande parte por conta exatamente de seus ”extensos comentários”, mas
117
PINTO, Luís Maria da Silva. Dicionário da Língua brasileira. Ouro Preto: 1832.
118
Antonio de Morais Silva nascido no Rio de Janeiro em 1757, Foi Magistrado com estudos em Coimbra,
também foi Senhor de engenho. Sua principal obra foi o dicionário (1789) mas também escreveu uma História
de Portugal e uma Gramática. Faleceu em 1824. Informações em: SILVA, Inocêncio Francisco Idem. Volume I.
119
De acordo com Dantielli Garcia, o Dicionário da Língua Portuguesa de Morais e Silva, constitui o primeiro
monolíngüe, sendo mais utilizado durante o século XIX, que teve sua primeira edição em 1789 e contou com
oito reedições (1813, 1823, 1831, 1844, 1858, 1877, 1889, 1913). GARCIA, Dantielli, Idem.
120
É bem fácil notar quais são os novos vocábulos desta edição, simplesmente manuseando-a. Surge nesta
edição, Asteriscos (*) que aparecem anteriormente às novas palavras agregadas nesta 4ª edição, ao texto da 3ª
edição, datada de 1823. O item novo aparece na tabela dos caracteres que compõem as abreviaturas e legendas
que constituem as siglas explicativas das classes gramaticais dos termos e as definições que o dicionário
apresenta.
121
Esta declaração é feita no Prefácio do Da obra de: SILVA, Antônio de Moraes e, Diccionario da língua
Portuguesa. Reformada, emendada e muito acrescentada pelo mesmo Autor. Posta em ordem, correta e
enriquecida de grande números de artigos novos, e dos sinônimos por Theotônio José de Oliveira Velho. Rio de
Janeiro: Impressão Régia, 1831.
122
Introdução do Dicionário da língua Portugueza in: SILVA, Antonio de Moraes e. idem.
também para que possamos compreender se houve ou não uma diferenciação no conceito de
Anarquia concebido nos séculos XVIII e XIX. Sendo assim, incluiremos na pesquisa o
Vocabulário Portuguez-latino do Padre Raphael Bluteau123.
Vamos conferir os significados atribuídos ao termo Anarquia e seus derivados, nestes
três dicionários, expostos aqui em ordem cronológica:

ANARCHIA OU ANARQUIA – He palavra grega, composta do a (privativo), &


de archi. val. o mesmo que sem príncipe. Anarquia he o estado de huma cidade, ou
república, sem cabeça ou sem príncipe legitimo que a governe. Multitudinis
principe, & magistratus carentis, licentia, & ou com os gregos anarchia. feminino.
Só aquelles que no meyo das perturbações da república, querem melhorar
com dano alheio, a sua fortuna. Sáo amigos da Anarquia
Solutam omni Império et disciplina publicam rem nemo amat, nifi, qui,
damno publico rem sua augere turbidis rebus civitatis concupierit.
Esteve o Império vinte anos em Anarchia. RIBEIRO, Juízo Histórico Fol.
22
Desejão uma licenciosa Anarquia para encaminhar todos os golpes à mina das
monarquias. Escola das Verdades. Pág. 127124

ANARCHIA (ch como k; neste e deriv.) s.f. (do Grego anarchia do prefixo priv. a.
e de arché, governo, comando) Desordem em um estado, que consiste em que
ninguém tem nele autoridade suficiente para governar, e para fazer respeitar as leis,
e onde por conseqüência, o povo faz o que quer, sem subordinação e sem polícia.
Escol. Das verdades 5.4
ANARCHICO Que tem relação com anarchia ; onde há anarchia v. g. estado
anarchico
*ANARCHISTA s. 2 g Partidário da Anarchia. Fautor de desordens125

ANARCHIA: s. f. (ch como q) Falta de chefe que governe. Desordem civil que
della procede
ANARCHICO adj. De Anarchia; em que há Anarchia126

Todos estes dicionários trazem a definição original do termo, cuja origem se dá na


Grécia através da agregação de dois radicais: o primeiro, an, significa negação, privação, e o
segundo, arché, archi ou archos, significa governo, e pode se estender às diversas esferas dos
poderes. O resultado direto desta aglutinação é a privação ou a negação da existência de

123
Nascido em Londres 1638, foi clérigo regular, sábio e erudito, versado em todo o gênero de estudos, teve
predileção pelo estudo das línguas mortas e vivas (Francês, Inglês, Italiano, Português, castelhano, latim, grego)
tendo conhecimento aprofundado de todas as respectivas gramáticas, tendo vivido mais de 5 anos em cada um
dos países em que estudou suas respectivas línguas. informações no SILVA, Inocêncio Francisco, op cit. Volume
VII.
124
BLUTEAU, Padre D. Raphael. Vocabulário Portuguez – Latino Autorizado com exemplos dos melhores
escritos portugueses e latinos. Coimbra, Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712.
125
SILVA, Antônio de Moraes e. op. cit.
126
PINTO, Luis Maria, op. cit.
Governo. Vemos que, nos dicionários, esta falta de governo é mais diretamente associada ao
“Príncipe”, o principal governante, mas admite-se qualquer esfera do aparato governativo que
mantenha a “ordem” proposta por esse aparato: governantes, polícia, magistrados e as demais
autoridades de uma determinada organização governativa.
Há uma semelhança também no que concerne às fontes do significado, que aparece
tanto no dicionário de Moraes e Silva, como no de Bluteau, se inspiram no mesmo texto que
fora publicado na Escola das Verdades127, referência de peso do século XVII. O início do texto
do verbete Anarquia, no dicionário de Moraes Silva, é nada mais que uma tradução do inicio
do mesmo verbete na Enciclopédia de D`Alembert,128
Com a leitura dos três dicionários, percebemos que os dois dicionários do século XIX
seguem uma mesma linha de raciocínio, denominando a Anarchia como desordem em um
estado. A associação pode ser feita diretamente à falta de legitimidade dos governantes, sendo
estes não reconhecidos pelos governados, ou simplesmente o fato de não haver meios de um
Estado vigiar, e cobrar que se cumpram as leis. O povo faz o que quer sem subordinação e
sem polícia é um texto que se incluiu entre os significados da falta de governo, a liberdade de
agir sem ser cerceado ou reprimido pelo governo. Não chega a especificar como algo tão
caótico, como o significado que se observa no dicionário de Silva Pinto, significado este mais
simplificado e mais “seco” qualificando o termo apenas como desordem civil.
De maneira bastante adversa aos autores do século XIX, O dicionário de Bluteau é o
que sugere uma variedade de exemplos que demonstram uma maior diversidade das
possibilidades de significados, a que o termo Anarchia podia aludir.
Um dos significados que esse autor expõe para o termo Anarquia, deve ser ressaltado,
especificamente: licentia. Este termo latino é uma derivação do termo licens, que significa
lícito. A partir desses termos podemos chegar a uma outra esfera de significância para o termo
Anarquia. Licentia significava:

LICENS, ENTIS. adj. Part. Caes. C. que lança em almoeda.


LICENS, ENTIS. adj. C. que he licita, permitida. Val. Max. C. dissoluta
licenciosa. LICENTIOUR. Comp. Cic
127
O livro de autoria de CUNHA, Antonio Alvarez da, Escola Das Verdades. Aberta Aos Princepes Na Lingua
Italiana. Por O P. Luis Iuglaris Da Companhia De Iesu. E Patente A Todos Na Portugueza Por … Secretario Da
Academia Dos Generosos De Lisboa. E Entregue Á Protecção Do Excellentissimo Senhor D. Ioam Da Sylva
Marqvez De Govea. Mordomo Mòr Da Casa Real De Portugal. Lisboa: Por Antonio Creaesbeeck De Mello,
Impressor Do Princepe, 1671.
128
Este livro trata dos inúmeros desdobramentos da obra científica e filosófica de Jean Le Rond d’Alembert
(1717-1783), conhecido por haver dirigido a Enciclopédia com Diderot, tornando-se uma figura-chave do século
do Iluminismo. A influência de sua obra científica, assim como da filosófica, ainda será fortemente sentida ao
longo do século XIX. Ver: D`ALEMBERT, Encyclopédie ou Dictonnaire Raisonée dês sciences dês Arts et dês
Métiers – nouvelle impression em fac símile de la première édition de 1751-1780. Stuttgart-Bad: Cannstatt, 1966.
LICENTER adj. Cic. Licenciosamente, sem recato, com demasiada
liberdade. LICENTIÙS comp. Cic.
LICENTIA, ae- f. Cic. a licença, ou demasiada liberdade, falta de
moderação. Cic. A licença, a liberdade, permissão para o bem. A. ad Her. Huma
figura de Rhetorica.
* LICENTIOR, IUS. Cic. e
LICENTIOSUS, A, UM. Quint. C. licenciosa, sem moderação, que abusa
da liberdade. Vita licentior: Val. Maxim. Costumes desregrados, depravados.
Licentiosior. comp. Sen.129

LICENTIA –ae, subs. F. 1 – Sent. Próprio: 1) Liberdade de, Permissão,


poder, faculdade (Cic. Of. 1, 103). II – Daí: 2) Liberdade excessiva, licença,
indisciplina (Cic. Rep. 3, 23), 3) Arrebatamento exagerado (Do orador ou do estilo).
(Hor. O. 3, 24, 29). Como subst. próprio : Licença (deusa) (Cic. Leg. 2, 42)130

Depois dessa explanação do termo Licentia, extraída do dicionário de latim,


percebemos uma outra vertente significativa para o termo que é tido como um sinônimo de
Anarquia, no Vocabulário de Bluteau. A Licenciosa liberdade pode transformar-se em outros
termos que fogem às conceituações mais corriqueiras do Termo Anarquia.
Há um significado positivo de Licentia, sendo a permissão para o bem, não apenas
uma liberdade demasiada, abusiva e desrespeitosa (Como foram desenvolvidas as outras
variantes do licens.). A licentia, que em português é licença, existia no dicionário de Moraes
Silva com este significado: Permissão do Superior, com que se faz lícito, o que sem ela fora
ilícito e não se houvera de fazer. Nesse dicionário, o significado se estendia também para:
Vida licenciosa, abuso da liberdade, excesso do direito, quebra da lei, da disciplina131.
O termo licentia, foi também projetado de modo a denominar uma figura de retórica
que tem por proposta um Arrebatamento exagerado tanto por parte do autor, como do estilo
que este escreveu, é uma licença para se exaltar por uma “boa causa”, a própria liberdade de
dizer o que pensa, “com licença”.
Conclui-se, pois, que o termo Anarquia, para a língua portuguesa, mais comumente
significava desordem, ou afronta à ordem. Porém, percebemos que, anteriormente, haviam se
consolidado outros significados como os que Bluteau trouxe à tona, principalmente
aproximando-o do termo licentia e apresentando uma outra vertente do termo, ligada à
liberdade de ação e de pensamento. E de fato, na sua significação compartilhada no século
XVIII em léxicos multilingües que vislumbram uma concepção latina, o termo Anarquia é
mais ligado à liberdade e à vontade. Isso pode ser corroborado, por exemplo, pela definição
129
CABRALII, RR. PP. MM. Emmanuelis Pinii ,et RAMALII, Josephi Antonii, Magnum Lexicon Novissimum
Latinum et Lusitanum, ad Plenissimam Scriptorum Latinorum Interpretationem accommodatum Parisiis, Prostat
Venalis apud J – P Aillaud. Rio de Janeiro: Apud Souza et Cª. 1835.
130
FARIA, Ernesto, Dicionário Escolar latino-português: Revisão de Ruth Junqueira de Faria. Rio de Janeiro:
FENAME. 1975. (5ª ed)
131
SILVA, ob. cit.
de um outro dicionário que seria o Diccionário Portuguez, Francês, Latino que não enfatiza
desordem civil nem destruição mas apenas: cada um vive como lhe parece.

ANARCHIA ou ANARQUIA: Estado sem cabeça que o governe, onde cada um


vive como lhe parece. Anarchie, Etat ois, n`y a nul gouvernement, ni Prince, ni
magistrat,& ou Chacun vit à la fantaisie. (Anarchia, populus sibi rex et lex.)
ANARCHICO, ANARQUICO: adj. M. CA. F. Que está sem governo e na
Anarquia. Anarchique qui est sans gouvernment et dans l`anarchie. Qui caret a
Príncipe.) 132

Aqui, curiosamente, a tradução do francês utiliza o termo à la fantasie que significa de


acordo com a opinião, o desejo, a vontade, a imaginação133, que de certa maneira, apontava
para a outra tendência do termo Anarquia, menos ligada a idéia de caos. A privação do
governo podia ser sinônimo da liberdade de ação.
Para terminar esta parte, temos dois dicionários que apresentaram dados a mais aos
significados libertários de Anarquia. O “dicionário Latino-Gálico” que apresenta um novo
sentido ligado ao fato de ninguém governar, que seria todo mundo governa. Essa colocação de
certa forma aproxima anarchia da democracia:

ANARCHIA (privatif+commandement) ANARCHIE, État ou persone ne


gouverne, ou bien ou gouverne tout le monde.134

Dentre os significados dos derivados do termo Licentis, percebemos que Licentia, é o


único que traz um conteúdo tendenciosamente positivo que diverge e se opõe a Licentious e
Licenter, que carregam significados mais aproximados dos atribuídos a anarquia como os
destrutivos e desordeiros, significados negativos: sem recato, ofensivo, sem respeito,
demasiada liberdade. No fim, o Licentiosus seria alguém de costumes desregrados, hábitos
depravados, que abusa da liberdade de maneira negativa e depreciativa. O Licencioso no
dicionário de Moraes Silva seria: o que excede o que é lícito, que se licencia das leis e usa
das liberdades que elas não dão. Nesse dicionário também há o destaque para a “penna

132
SÁ, Joaquim da Costa e. Diccionario portuguez-francez-e-latino novamente compilado, que á augustíssima
senhora d. carlota joaquina, princeza do brasil, oferece e consagra Joaquim José da Costa e Sá, Lisboa: Na
Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1794.
133
Segundo o dicionário de FONSECA, José da, Novo diccionário francez-portuguez composto sobre os
melhores e mais modernos diccionários das duas nações, e particularmente sobre os novíssimos de Boiste,
Laveaux, Raymond. Paris: J. P. Aillaud. 1836.
134
NOEL, Fr, Dictionarum Latino-Gallicum Dictionaire Latin Français Composé sur le plan de l´ouvrage
intitulé: Magnum Totilis Latinitatis Lexicon, de Facciolazi. Nouvelle edition – Revue et Argumentèe. Paris: Ve le
normant. Libr, 1833.
licenciosa, que seria: o Estilo que excede às leis; por ex. da história da oratória, etc.Freyre,
Prol. It. Que falla, que escreve imoralmente, que ensina a imoralidade, indecóros, etc135.
Cabe aqui lembrar que, nesses dois dicionários de Latim aqui citados, não se encontra
a palavra anarquia.
Com uma outra afirmação de Bluteau: Aqueles que no meio das perturbações da
república querem melhorar com dano alheio a sua fortuna, há a sugestão de uma outra
“vertente” para a palavra Anarquia. Aqui temos a desordem significando a corrupção na
política e o crime. Constrói-se um significado que demonstra que apenas os mal-
intencionados, trapaceiros, corruptos e enganadores são adeptos da inexistência de ordem
superior para regrar e cercear.
A anarquia também aparece como licenciosa pelos desejosos de mudanças políticas
drásticas, como, por exemplo, derrubar uma Monarquia. A anarquia é admissível na transição
de um governo. Neste caso não é corrupta nem desordeira, também é apenas a condição
transitória daqueles que desejam um novo governo, ou uma nova forma de governo, como,
por exemplo, uma República.
O Termo anárquico, que só aparece nos léxicos monolíngües da língua portuguesa no
século XIX, não dizia muito mais do que ter relação com a anarquia ou, aonde há anarquia,
geralmente, em um Estado.
Como parte dos novos vocábulos agregados na 4ª edição do dicionário de Moraes
Silva, encontramos Anarchista, um substantivo para designar Partidários da anarchia, ou
simplesmente: Fautor de desordens.
A Novidade do termo Anarchista que aparece nesse dicionário marcado com um
asterisco, certamente atende a necessidade imperiosa de que se inclua este termo já muito
utilizado no Brasil, principalmente nos anos 20 do século XIX, quando se sucedeu a
independência brasileira, no debate da imprensa. A edição de 1831 é a primeira das edições
dos dicionários da Língua Portuguesa a apresentar o termo. Em seu significado, o termo
fautor, parece muito amplo. No mesmo dicionário, o termo fautor aparece como: agente, que
promove, auxilia, favorece alguma coisa. Sendo assim, deduzimos que o termo Anarchista
significa: aquele que faz, aquele que induz, o que colabora, e compactua com a desordem.
Não há uma extensão do termo anarquista, além da relação com a desordem.
O Dicionário de Silva Pinto não apresenta o termo Anarquista. Vemos que esse
dicionário, realmente, não se propunha ser um grande compêndio da Língua Portuguesa, era
apenas uma referência sem grandes pretensões, pois é um dicionário portátil. De fato, a
135
SILVA, op.cit.
notificação que o autor dá no prefácio do dicionário, pode ser percebida no vocábulo
Anarquia. Não inclui nenhum significado, senão definições bem menos apuradas do que as
encontradas no dicionário de Morais e Silva, e do Vocabulário do Padre Raphael Bluteau.
Tendo feito esta análise, na próxima etapa, iremos analisar estes significados nos
dicionários de Língua Inglesa e de Língua Francesa, pela necessidade de comparação com os
dicionários de língua Portuguesa e para a sondagem de novos significados.

A Anarquia nos dicionários da Língua Francesa:

Dentre os principais dicionários da língua francesa publicados durante o século XIX,


certamente o que mais se destacou foi O Dicionário da Língua Francesa editado pela
Academie Française. A popularidade desse dicionário pode ser medida pela quantidade de
reedições que foram feitas dele. As oito edições datam respectivamente dos anos de: 1694,
1718, 1740, 1762, 1798, 1835, 1878, e 1935.
A Academie Française passou formalmente a ser a responsável pela regulamentação
da gramática francesa, a ortografia e literatura, desde a década de 30 do século XVII136. Esse
dicionário foi feito por uma comissão de membros da Academia.
Mas, na presente análise, incluiremos à pesquisa dicionários etimológicos e históricos
da Língua Francesa, que também trabalharam no sentido de sondar as raízes semânticas dos
termos, e de datar as aparições dos termos em textos de importantes autores da Língua
Francesa e da evolução dos significados contribuindo ricamente com a presente pesquisa.
No Dictionaire de l`Academie Française de 1835, temos Anarchie como:

ANARCHIE s. f. Etát d´um peuple qui n`a plus ni chef, ni autorité à laquelle on
obéisse, ni lois auxquelles on soit soumis. Tomber dans l`anarquie. Sortir de
l`anarquie. Un etát en proie à l`anarquie. Reprimer,dompter l`anarchie,
L`anarchie feodale. La democratie pure dégenerère facilement en anarchie.
Fauteur d`anarchie.
ANARCHIQUE s. dês deux genres. Qui tient dé l`anarchie. Un État anarchique. II
signifie aussi, Favorable a l`anarchie. Opinion Anarchique. Principes anarchiques.
Systeme anarchique.
ANARCHISTE s. dês deux genres. Partisan de l`anarchie, fauteur de troubles.
136
Durante a Revolução francesa, a Convenção Nacional suprimiu todas as academias reais, inclusive a
Académie française fundada no sécuo XVII. Em 1793, foram completamente abolidas. As academias foram
reunidas numa única entidade, em 1795, chamado de Institut de France. Napoleão, quando era Primeiro Cônsul,
decidiu restabelecer as antigas academias, mas como "classes", ou divisões, do Instituto. A segunda classe do
Instituto equivalia à antiga Académie. Quando assumiu o trono o rei Luís XVIII em 1816, cada classe recuperou
o título de Academia. Desde este ano, portanto, a Académie française funciona ininterruptamente.
Complementando este dicionário, ao ano de 1836 surge uma novidade que seria o
Suplemento ao dicionário da Academia Francesa “Supplement au Dictionnaire de L
´Academie Française” Sixième et Dernière Edition, publiée en 1835. Na introdução da obra,
esse dicionário se propunha ser um complemento a todos os dicionários franceses: Antigos e
Modernos. A Compilação é autoria de F. Raymond.
Na edição suplementar de 1836, lemos duas derivações de Anarchie que são deveras
inovadoras:

ANARCHISER v. a. Livrer a l´Anarchie ANARCHISE, ÉE participe (Boiste)


ANARCHISME. S. m. systeme, opinions anarchists (Boiste)137

A diferença dos significados apresentados no Dictionnaire de L`Academie Française é


muito inovadora. O que percebemos é que o termo Anarchie começava a ser compreendido
com outras nuances, novos direcionamentos que escapam à pura desordem.
Nesse momento, pode ser vista com a qualidade de: Systeme, opnions, e Príncipes.
Vamos a uma breve análise desses termos para uma melhor compreensão dos desdobramentos
desse significado carregado pela palavra Anarchie:

OPINION s. f. (opinion) aviso, opinião, parecer, sentimento, voto, - crença-


provável – estimação – ideia, pensamento – imaginação, phantasia – conceito, juízo
– nome, reputação
Ex: dar sua opinião, não querer desistir da suas opiniões, acceder a sua opinião,
pautar suas opiniões.
PRINCIPE: Prima causa, princípio, (phys.) causa, começo, exórdio, fonte,
nascedio, origem, elemento,- máxima – motivo – sentimento – impressão.
SYSTÈME, s. m. (cistéme) systema – arranjo, disposição, nexo, ordem-metódica –
hipótese, supposição – philos. Constituição, estado, situação.138

É impressionante encontrar este tipo de definição já no ano de 1835. A admissão


desses significados comprovam que, nesse período, já se esboçava um “sistema ou opiniões
anárquicas” sendo uma forma de agir, de pensar, uma vertente própria de pensamento,
diversos argumentos compondo uma doutrina, um dogma; sendo assim, o termo é desligado
do caos e da desordem, propriamente, e passa a ser visto como: opinar por não haver governo,
(ou mesmo pela desordem) ter isso como um sentimento, um motivo para pautar suas
opiniões. Os significados inéditos, comparativamente aos dicionário da língua portuguesa, são
137
RAYMOND, F, Suplement au dictionaire de L´Academie Française Sexiéme et dernière edition. publié en
1835. Paris: Gustave Barba Libraire, 1836.
138
FONSECA, José da, op.cit.
um indicativo de que o termo em construção tendia a modificar-se agregando denotações que
o transformavam num sentido diferenciado da simples desordem.
O Termo Principes, talvez seja mais forte pela possibilidade de carregar consigo a
idéia de uma “Máxima”, um ideal.

***

A Anarquia nos dicionários da língua Inglesa:

Na Língua Inglesa, um dos dicionários mais consagrados durante o século XIX foi o
de Noah Webster; o autor tornou-se muito popular após publicar o seu primeiro diconário, A
Compendious Dictionary of the English Language, em 1806. Nele, introduziu as formas
americanas das palavras inglesas, o que caracterizou uma inovação nesse tempo. Também
incluiu termos técnicos das artes e ciências, e trabalhou mais duas décadas para a expansão
desse dicionário, até que em 1828, Webster publicou seu American Dictionary of the English
Language, contendo 70.000 palavras.
Ao ano de 1829, Joseph Emerson Worcester publicou um suplemento a esse
dicionário, que apenas foi alterado no ano de 1840, quando surge a Revised edition. Até esse
ano, a edição de 1829 foi reeditada várias vezes, sinal de sua aceitação e popularidade. A
edição que utilizaremos será a décima quinta, feita em 1836139.
Nesse dicionário da língua inglesa, temos os seguintes significados para palavra
Anarquia:

ANARCH n. The Author of Confusion, one who excite revolt. MILTON


ANARCHIC / ANARCHICAL: a. Without rule or government; in a State of
confusion; applied to a state or society “Fielding uses anarchial”
+ANARCHISM n. Confusion

139
Apesar de não ser exatamente do ano de1835, faz parte de uma revisão à edição de 1835, apropriada ao
presente trabalho por apresentar a novidade do termo Anarchism, demonstrando bem o momento em que o termo
passa a compor os principais léxicos em diversas línguas.
ANARCHIST n. An ANARCH; one who excites revolt, or promotes disorder in a
State..
ANARCHY n. Want of Government; a State of Society when there is no Law or
Supreme power or when the laws are not efficient; confusion140

Esses significados registrados pelo dicionário Americano, em muito têm a colaborar


para que sondemos as novas nuances que o termo assume. anarquia também se refere a
leis ineficientes, um diferencial que pode ser chave para uma compreensão do termo, dentro
de um novo contexto, em que há a anarquia proporcionada pelo próprio aparato de leis, que
não dê conta das necessidades dos subordinados a ela. Não apenas o indivíduo que não
cumpre as leis e agem com insubordinação (como nos léxicos da língua portuguesa), mas as
leis que não se adaptam aos indivíduos, não suprem suas necessidades, gerando assim, a
anarquia. Esta, certamente, é uma nova idéia para o termo, visto por uma outra perspectiva,
não o ligando diretamente ao povo.
Já o termo Anarquista, nesse dicionário, segue a mesma idéia de aquele que incita e
promove revoltas e desordens.
Para terminar esta análise do termo na língua inglesa, faremos uma última observação,
a fim de demonstrar que havia uma certa estabilidade na evolução desses significados ao
longo do tempo. Quanto aos conceitos consolidados no dicionário Americano de 1836,
percebemos que este não se difere muito de um importante dicionário Inglês de 1795,
excetuando-se a definição de leis ineficientes:

ANARCH s. an author of confusion


ANARCHIAL a. without rule, confused
ANARCHY s. Confusion, Irregularity141

O Termo Anarchial (Forma rara, sinônima à Anarchical,) aparece no General


dictonary of the English Language, de 1795.142A novidade do termo Anarchism (Anarquismo)
presente no dicionário americano de 1836 como uma inovação, não é de grande relevância
uma vez que significa apenas Confusão, sendo igual a Anarquia, bem diferente do que vimos
nos Vocabulários Franceses, que invocavam o Anarquismo como uma referencia aos que
opinavam pelo não governo.
140
WEBSTER, Noah, An American Dictionary of the English Language. New York, Sanderson Printer, 1836.
15th Edition.
141
PERRY, William, A General dictionary of the English Language. London: Printed for :John Stockdale
Picadilly, 1795.
142
Este dicionário selecionou mais de duas mil palavras, utilizadas pelos mais clássicos escritores, mais do que
pode se achar em qualquer outro dicionário de Bolso, agregando uma extensão considerável de palavras de
outros dicionários da língua inglesa, com a maior precisão possível. Informações Constam no prefácio da obra.
CONCLUSÃO:

A primeira constatação da leitura desses dicionários que foram apresentados é que,


nesse período, o que estava mais consolidado para o termo era sua significação na origem
grega. Por conseqüência, o que na sua raiz significa sem governo, se estendeu a desordem de
qualquer tipo. Seja a baderna, o desrespeito, o caos, isto é uma unanimidade dos dicionários
que circulavam no Brasil, Portugal, França e Inglaterra: Desordem é a primeira grande idéia
que o termo Anarquia carregava nos léxicos. Como prova da consolidação deste conceito,
temos, no dicionário de sinônimos do idioma Francês, que data de 1767, como primeira opção
de significado sinônimo de anarquia, o termo Bouleversement. Este, por sua vez, carrega os
significados transtorno, atrapalhação, confusão, ruína, desconcerto, grande agitação,
desordem.143
A colaboração do dicionário Americano no contexto da desordem, estaria na
apresentação de um novo sujeito para a Anarquia que seriam as leis ineficientes, desviando o
foco da desordem do povo, focando-a nas leis.
Mas, indo um pouco mais além, o dicionário da Academie Française já registrava a
nova vertente do que apenas era desordem Esse dicionário indica que o termo ganhara uma
outra esfera de significância, sendo também agregado à formas de pensamento, hábitos,
opiniões e, por que não, o esboço da existência de uma Máxima anárquica.
Alguns dicionários etimológicos, produzidos no século XX, tanto da língua inglesa,
como da língua francesa, demonstram que o termo Anarquia já era utilizados na Europa,
muito antes do que quando se consolida e torna-se um verbete na Língua Portuguesa, presente
nos dicionários do Brasil. O mesmo acontece para seus derivados: anárquico,
anarquicamente, anarquismo, até mesmo duas formas raríssimas que seriam: anarquial
(Anarquico) e anarquiar144 (Anarquizar).
Para termos de conclusão dos resultados obtidos com esta pesquisa, vale traçar um
paralelo comparativo com os dicionários históricos e dicionários etimológicos, para sondar
um pouco do que já se estudou sobre esta palavra, de modo que se possa comparar as
conclusões às quais chegamos.

143
DICTIONAIRE DES SYNONIMES FRANÇOIS, Paris: Livoy Thimoteo,1767.
144
Esta forma surge no dicionário Francês – Português de José da Fonseca. op. cit.
Fazendo-se uma pesquisa minuciosa, em dicionários desse tipo, percebemos que o
mais completo e atualizado é o Dictionaire historique de la language française, publicado em
1992.
Nesse dicionário, as palavras da língua francesa incluídas são de aparição e uso após o
ano de 842, até nossos dias, sua história convenientemente detalhada, compreendendo as
expressões e locuções as mais notáveis, assim como as considerações sobre as idéias e as
coisas representadas; as evoluções e as revoluções das formas e dos conteúdos. Aqui também
são tratadas as mudanças e os parentescos entre as línguas européias, assim como artigos
enciclopédicos, uma cronologia dos principais textos da língua francesa que utilizaram o
termo, ilustrando a trajetória e os arranjos dos signos e das idéias, compendiadas145.

-ANARCHIE n. f. Est emprunté par Oresme (v. 1372) au latin Anarchia, employé
dans les traductions d´Aristotel pour renare le Grec Anarkia, de an privative + arkhê
commandement
-Le mot appraît avec une values antique et technique pour “état politique où les af-
franchise peuvent jouer un role das le government”
-Ilne se rèpand qu´a la fin du XVI (1596) avec la valeur generale de “ Désorde
politique faute d´autorité – de ce sens general péjoratif, absense de gouvernment:
Désordre qui em résulte” , on est passe à confusion désordre” (1742) Et, pendant la
Révolution, à doctrine politique basée sur la suppression du povoir de l´Etat “
Valour qui se dèveloppe au XIXe. S (1840 Proudhon). À la fin du siecle le concept
est em relation et en opposition avec le socialisme et le syndicalisme. (Les
composés “Anarcho Syndicalisme et syndicaliste)
-De la même periode date l ´abreviation populaire de anarchiste ANAR (Ci-
dessous) qui manifeste la vitalité du mouvement
-Des mots concurrents, comme libertaire, puis gauchiste, marquent lê recul du
concept, dans des contextes plus récents.
-ANARCHIQUE adj. (1594) A suivi l´évolution semantique du substantif II
Signifie par extension “ Desordeneé confus” 1866 et se détach alors de tout allusion
politique (un devélopment anarchique etc.)
-II a pour derive anarchiquement adv. ,1834
-ANARCHISTE n. est un mot de la revolución (1791) devenue usuel au milieu du
XIXe s. avec le développement de anarchie et qui prend des connotations nouvelles
à la fin du XIXe siécle
ANARCHISME n. m. designe la doctrine politique des anarchistes (1834) et,
comme anarchiste, a pris une valeur extensive pour “refus de l´autorité, en géneral”
(1917)
-ANARCHO n. m. (Fin XIXe. S.) Formation argotique sur ANARCHISTE a été
remplacé par anar n. m. (1901) aussi employeé comme adjectif, et, rarements, au
feminin
Enfin anarcho-sert d´élément de composition dans anarchosyndicalisme n. m. et.
Anarchosyndicaliste adj. Et n. probablement (1900) .146

145
Informações no prefácio da obra: REY, Alain (Direction), dictionaire historique dela langue française. Paris:
Dictionaires Lê Robert, 1992.
146
REY , op. cit.
O dicionário histórico da Língua Francesa, organizado por Alain Rey, em 1992, nos dá
a informação de que a palavra “Anarchie” apenas surge na língua francesa, depois das
traduções feitas dos textos de Aristóteles, realizadas por monges no século XIV. Apresenta
também a grande evolução que esta vai sofrer ao longo do século XIX.
Segundo esse autor, o termo assumiu três momentos: O primeiro, mais ligado à origem
grega, significava sem governo; depois, o termo se liga a desordem, de maneira a representá-
la em todas as esferas possíveis, como um sinônimo. O terceiro momento é o que se refere ao
pensamento e doutrina política, e se desenvolve ao longo do século XIX.
O Anarquista seria: uma “criação” da Revolução Francesa. É nesse momento de
alterações severas de ordem política, que se consolidou o termo no imaginário popular. A
citação dos escritos de Mirabeau é considerado “marco” da utilização desse termo. Esta
informação é senso comum em diversos dicionários etimológicos, como no de Albert Dauzat:

ANARCHIE: (XVIe s. Oresme) empl. au Grec “Anarchia” (de a[n] privatif et arkhê,
commandment), Latinisé dans les traductions latines d´Aristote.
Dér: ANARCHIQUE (1594, MENIPÉE) ; ANARCHISTE (1791) creation de la
revolution, à côte d´anarchiser (Mirabeau), peu usité.147

Quanto ao termo Anarquismo, percebemos que há um grande distanciamento de sua


utilização tanto na imprensa como nos dicionários da língua portuguesa. O termo apenas
surge no Moraes Silva, em sua 8ª edição datada do ano de 1889. Porém, como já vimos, sua
utilização na Europa se dava bem antes. No momento em que surge no Moraes e Silva, já
agrega significados ligados ao “Movimento” Anarquista, já consolidado:

ANARCHISMO s. m. Systema político que admite a sociedade sem


governo estabelecido, ou só com governo local. § opinião dos anarchistas.
ANARCHISTA s. 2 g. Partidário do Anarchismo. § Perturbador da ordem;
fautor de motins. § desordeiro
ANARCHIZÁR verbo transitivo: Excitar à Anarchia.148

O dicionário histórico da língua francesa mostra que a palavra Anarquismo já era


usada ao ano de 1834, designando as doutrinas anárquicas. De qualquer maneira, o termo
ainda não era tão popular assim. Nesse mesmo ano, não é registrada a palavra Anarquismo
num dicionário de bolso da língua francesa, por exemplo.

147
DAUZAT, Albert, Dictionaire Etymologique de la Language Français. Paris: Librarie Larrousse, 1938.
148
MORAES SILVA, Antônio de, Dicionário da Língua Portugueza Edição Revista e Melhorada. Rio de
Janeiro: Empreza Litteraria Fluminense de A. A. da Silva Lobo, 1889.
O Termo anarquismo, aqui, não aparece com nenhuma referência a nenhuma obra ou a
algum autor que a teria utilizado em determinada data. O ano de 1834 que parece precoce para
esse termo, pode ser corroborado pela sua existência na Revisão do Dicionário da Academia
Francesa, de 1836, ou o dicionário de Webster, que também só inclui o termo em 1836.
Também há um dicionário do ano de 1837 que já inclui este termo, traduzido à língua
portuguesa. Um dicionário das línguas Inglesa e Portuguesa, um pequeno dicionário de Bolso
para viajantes em que se lia:

ANARCHIC OU ANARCHICAL, adj. anar


ANARCHISM OU ANARCHY s. Anarchia, anarchismo

No Prefácio dessa obra, o autor explica aos leitores os motivos pelos quais intitula de
“Um novo dicionário” em vez de intitulá-la como segunda edição, mesmo sendo a
continuidade atualizada da mesma que havia sido publicada em 1800. Sua utilidade, segundo
o próprio prefácio, seria muito mais para os viajantes do que para os mercadores. “É um
dicionário de bolso, utilitário, porém com as debilidades que um dicionário deste tipo pode
ter”.149 Esse dicionário de bolso talvez tenha sido o primeiro a trazer para a língua portuguesa
o termo Anarquismo.
Já o verbo Anarquizar teve sua primeira tradução para o português no já citado
dicionário Francês - Português de José da Fonseca, em que aparece traduzido como
Anarquiar

***

Mas os significados de todos esses dicionários não são suficientes para uma total
compreensão dos sentidos pretendidos pelos redatores de jornais do período regencial, para
tecer seus artigos. Nesses periódicos, o termo anarquista agrega outros significados que já
faziam parte da linguagem dos políticos e dos politizados.
O dicionário de Silva Pinto, de fato, não incluiu o termo “Anarquista” que, nesse
tempo, era tão recorrente na imprensa periódica, como veremos mais adiante. O termo já

149
AILLAUD, J. P., A New pocket dictionary of the Portuguese and English in two parts, viz Portuguese and
English and English Portuguese, abridged from Vyeira´s dictionary. A new edition considerably enlarged and
corrected by J. P. Aillaud. English and Portuguese, V II. Paris: printed for J. P. Aillaud, Bookseller, 1837.
existia como parte do cotidiano dos brasileiros, especialmente os mais interessados em
política, mas, ainda assim, não aparece num dicionário editado em Ouro Preto, cidade de forte
movimentação política desde o período colonial. Uma omissão que deveras desperta
curiosidade.
Veremos na próxima etapa, então, como o termo era utilizado pela imprensa periódica
carioca na década de 30 do século XIX, em especial, no ano de 1835.

CAPÍTULO 3.2: O CONCEITO DE ANARQUIA NOS JORNAIS DA DÉCADA DE 30


DO SÉCULO XIX

Nesta parte, iremos confrontar os significados da palavra Anarquia tal qual vimos nos
principais dicionários, com os que eram utilizados pela Imprensa periódica. Aqui faremos
uma análise da conceituação que este termo assumia no espaço das publicações periódicas que
circularam na década de 30 do século XIX, e que se consolidaram logo após a abdicação de
Pedro I.
Desde o período em que se concretizou a independência brasileira (1820 a 1823), os
termos Anarquia e Anarquista surgiram em periódicos políticos em grande profusão. O termo
Anarquista foi, nesse período, utilizado em debates políticos para depreciar os adversários. É
um termo extremamente negativo, e que foi comum em debates políticos durante a Revolução
Francesa, como já visto na primeira parte deste capítulo. É o grande xingamento entre
discordantes de matérias políticas. Esta perspectiva foi salientada pela historiadora Lucia
Maria Bastos Pereira das Neves no tocante ao debate político do período da independência do
Brasil.
Em suas análises sobre um novo vocabulário político que surgiu nesse período, Lucia
Neves traçou um amplo panorama das palavras que derivavam das idéias da ilustração
portuguesa e ganhavam significado mais amplo através das práticas e das ações políticas
dos grupos diversos que compunham a elite portuguesa e brasileira150. Nesse estudo,
percebeu, através dos periódicos da década de 20, como que o termo Anarquia, que se ligava
a guerra civil, desordem, paixões, e a demagogia151, foi largamente utilizado como: um
alarme dirigido a opinião pública contra qualquer perigo que ameaçasse a nação ou,
simplesmente: a modificação da ordem vigente.
A anarquia seria o avesso da ordem. A ordem, tal qual invocada nos textos liberais,
traduzia a idéia de tranqüilidade pública, servia de pretexto para respeitar o regime político
constitucional, a lei, a autoridade constituída, o cidadão152. Percebemos, então, que anarquia,
na década de 20, era sempre um termo de conotação negativa, e independentemente de quem
a invocasse.
Na década de 30, havia um novo significado, presente nos escritos, panfletos e
periódicos, que demonstrava uma nova conceituação no imaginário popular, e que divergia,
em alguns pontos, dos significados apresentados nos Dicionários, e nos periódicos da década
de 20, que seria o que ficou consolidado no periódico: Nova Luz Brasileira153, periódico que
se propôs a fazer uma espécie de dicionário político, que tratasse das novas conceituações
agregadas a termos políticos radicais inspirados nos ideais do Iluminismo. Esse periódico
trouxe novos significados agregados a termos, conhecidos ou não, sob a ótica de uma
linguagem radical de sua época, considerando as novas posturas políticas que despontaram,
no momento posterior à Revolução Francesa, e relidos pelos liberais brasileiros.154
Do Dicionário Cívico e doutrinário, impresso nas edições do Nova Luz Brasileira,
temos:

Difinição 17ª
O que é =Licença= É huma Liberdade excessiva do Povo que rompendo os limites
da boa ordem, não obedece ás Leis como deve, e faz algumas dezordens. É o
primeiro gráo da Anarchia.

150
NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das, Corcundas e constitucionais - A Cultura política da Independência
(1820-1822). Rio de Janeiro: FAPERJ 2003, p. 188.
151
Neste estudo, a autora destaca que o termo demagogo, que originalmente significaria: “aquele que conduz o
povo”, é diretamente associado ao termo Anarquista, sendo o demagogo, aquele que adula o povo, que agita as
massas. O vocábulo foi utilizado como alusão a partidários de governos democráticos, com participação popular.
No Brasil, também foi utilizado num prisma inverso, para qualificar os portugueses,que se manifestavam
contrários aos liberais.
152
NEVES – Ibidem.
153
Este periódico Circulou na Corte Imperial entre os anos de 1829-1831. Foi o maior e mais estável periódico
exaltado, tanto em número de edições como em abordagem de diferentes temáticas. Seu principal redator foi
Ezequiel Correia dos Santos, para maiores informações sobre sua atuação, ver: BASILE, Marcello, Ezequiel
Correia dos Santos: um jacobino na corte Imperial. Rio de Janeiro: FGV, 2001
154
BASILE, Marcello, Anarquistas Rusguentos e Demagogos. Os liberais Exaltados e a Formação da esfera
pública na corte imperial (1829-1834) Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: I.F.C.S., U.F.R.J., 2000.
Reflexões = Quando as authoridades prevaricão e se corrompem, são ellas as
primeiras em desobedecer ás Leis; então o Povo dezesperado de lhe faltarem ao
que se lhe deve, toma demaziada Liberdade e dahi nasce a dezordem; por isso
todos os males da sociedade nascem do governo.155

Definição 18ª
O que é Anarchia: É a falta de governo bem regulado: é a pública dezobediência
ás leis, tanto da parte do Povo, como dos seus Magistrados em geral com
perturbação e dezordem. A anarchia dos que governão, produz a tyrania do
governo: desta nascem grandes malles á sociedade.

Difinição 19ª
O que é Tyrannia: É a Anarchia dos que governão, pois nella não há Leis, só ha
vontade para querer, e crueldade para obrigar. A tyrania anda unida com a
uzurpação do Poder, e com o desprezo dos direitos do homem; por isso é sempre
sanguinolenta.156

Destacamos aqui, além da definição 18ª, que concernia propriamente a Anarquia, as


definições 17ª e 19ª, por serem elas explicativas dos dois pontos principais aos quais era
relacionado o termo anarquia. Anarquia, nesta definição, pode assumir uma significação a
princípio dúbia. Admite-se aqui, além da desordem popular, a desordem proporcionada pelos
próprios magistrados da ordem.
A desordem civil passa a ser justificada no termo Licença que, segundo o autor do
Nova Luz Brasileira, é o primeiro grau da anarquia. A reflexão justifica a desordem, desde
que seja para combater irregularidades dos governantes. O justo levantamento do povo contra
a opressão, que aqui ficou consubstanciado na idéia de que todos os males da sociedade
provêm do governo justifica a desordem do povo, que deve se libertar de qualquer opressão.
Na definição 19ª, temos a acusação de que um governante que age em prol de seus
interesses, utilizando-se do seu poder para beneficiar-se, ou que impõe leis não adequadas,
não legitimadas pelo público, seria um Anarquista.
Esse questionamento relativo às autoridades, que são colocadas como tiranas, agindo
de forma “criminosa” para com os cidadãos, demonstra que, assim como no debate da
independência, em que já se esboçava essa inversão de sentido (como no caso do vocábulo
demagogo), no período regencial, o termo Anarquia foi muito utilizado para designar
qualquer atitude autoritária e deslegitimada, por parte dos burocratas. Qualquer ato de
Tirania, nesse tempo, era invocado como sinônimo de Anarquia.

155
Nova Luz Brasileira, 09/09/1830.
156
Nova luz Brasileira, edição do dia: 12/02/1830
Podemos perceber que Anarchia significando Tirania de certa forma, se aproxima ao
que Bluteau inclui no seu Vocabulário: Só aqueles que no meio das perturbações da
república, querem melhorar com dano alheio, a sua fortuna. São amigos da Anarquia.
A palavra Anarquia, significando Tirania, se torna muito corriqueira em periódicos do
período regencial. É onde mais comumente encontramos a palavra com esse significado,
além, é claro, da expressão desordem civil. O Conceito do Nova Luz Brasileira, de fato, se
tornou um “senso comum” entre os outros jornalistas, que escreviam para defender suas idéias
políticas; o significado era compartilhado. Provindo de qualquer facção política, este termo
era comum em pasquins para designar seus adversários políticos.
As reflexões feitas pelo redator de um periódico chamado O Ypiranga157 podem servir
como um bom exemplo ilustrativo dessa realidade de um termo que servia essencialmente
para ataques políticos de dois extremos: Tiranos e desordeiros.

(....) resposta ao artigo publicado no diário do governo do dia 17 do


corrente., intitulado “Resposta aos periódicos da facção anarquista.
(...)
Se são anarquistas pois os escritores da oposição, e que assim obram,
porque não será também anarquista o governo quando calunia as ações e
intenções dos que lhe não querem submeter, e censuram sua administração?
Porque não será anarquista igualmente o governo, quando negando a verdade,
desfigurando manhosamente os fatos, ou sustentando como constitucionais,
medidas opressivas e tirânicas, as proclama justas as defende. ( ...)

A crítica feroz ao governo aqui aparece com a palavra anarquista, exatamente a


mesma acusação que os governantes fazem aos seus opositores. Os que escrevem suas idéias,
contrárias ao governo, na Imprensa, são constantemente chamados de Anarquistas.

Que se entende por Anarquista? É aquele que promove a desordem civil,


ou política do estado. Ora vejamos qual dos dois mostra a história, e a experiência
tem mais promovido a desordem= o Governo ou a oposição? = Suponhamos o
pior, isto é, que a oposição calunia: mas sobre que ordem de fatos?: da vida
pública ou privada?
A primeira é conhecida de todos; todo o cidadão pode por conseqüência
avaliar a veracidade da asserção. Diz o escritor: o governo praticou tal; mas o
povo sabe que tal nunca tivera lugar: como acreditará; e a ponto de se deixar
arrastar até a fazer uma comoção civil, a ser vítima o autor da desordem da
anarquia?
É da vida privada que se trata? Bem, e que tem esta com o sofrimento
necessário do povo para que este decida a insingir-se à lançar mão da resistência
e opor-se ao governo, e motivar a desordem e a anarquia?
Dissemos = sofrimento necessário = porque sem este, e em um grau mui
elevado é impossível, moral e físico, que nenhum povo, por mais ignorante e louco,
possa abandonar a paz pública, para a subverter e de vontade entrar em todos os
(ilegível)
157
Jornal que não se encontra em manuais da História da Imprensa Brasileira ou Carioca, apenas em
FONSECA, Gondim da, op.cit. indicando o nome, nada mais.
Ninguém mais (ilegível) mas o que dizemos é somente com o fim de provar
ao governo a impropriedade com que insulta e calunia a oposição, dando-lhe o
horroroso título de Anarquistas? Ora, agora examinemos o caso da censura acre,
feita pela oposição, dos atos administrativos pouco ou nada conformes à lei e a
constituição (...)

Aqui vemos que realmente a acusação segue duas vertentes: Os atos governativos, por
serem inconformes com a constituição, e o povo respondendo a isso.

Quem é que negará que é este o primeiro e único fim da liberdade de


imprensa? Quem dirá que não é isto um direito inerente ao nobre título de
cidadão? Que povo deixará de ser escravo, e mui atropelado em seus interesses
mais sagrados e vitais, uma vez que não exerça este direito de censura sobre a
administração de seu país? E que desordem e anarquia pode resultar de tal? A
única que encontramos é forçar o governo que pretende saltar por todas as leis,
abusar de todos os direitos e sacrificar todos os interesses, à mudar de rumo; à
ser nacional e livre. Um governo justo e moral, por conseqüência, não pode se
irritar com uma tal censura, não descobre nela essa anarquia, que tanto amedronta
os nossos homens constitucionais e amigos da ordem.
Ela só ofende, e faz mal aos governos arbitrários e que não respeitam a
lei; por quanto sendo lhes de mister o segredo em tudo que obram, a censura,
denunciando-os, os desmascara, os irrita e os pune. (...)

Hoje, acrescentaremos àquelas reflexões, que o verdadeiro anarquista é


quem viola a lei; é quem toma medidas que oprimem o cidadão; é quem
interrompendo-a segue sempre a pior parte...(...)

A liberdade de Imprensa não pode ser suprimida. A crítica ao governo, sendo encarada
como depreciativa e desordeira (Anarquia) denuncia, sua fragilidade, que, segundo o autor,
age de maneira mais desordeira que os periodistas.
Vê-se, adiante, o direito de resistência reivindicado pelos redatores deste periódico.

São estes os anarquistas. A História nos mostra, a cada página, e a


experiência o confirma todos os dias, que os povos são sempre mais inclinados à
sofrer e a submeter-se, do que a se revolucionarem e resistirem
(...)
Os que seguem da continuação do Governo que os definha e oprime, são maiores e
muito maiores do que os inerentes ao exercício imprescritível do direito de
resistência
(...)

Em seguida, questiona o Estado, a Legitimidade da sua existência. Aqui se pode


perceber que se está adentrando o debate da finalidade do Estado, da aplicabilidade das leis.
Se o governo era despótico, inimigo da lei, arbitrário, é diferente a nossa
situação? E com tais atos, com tal proceder; pode o governo agradar ao povo?
Pode merecer dele confiança e respeito?158

Esta atitude do jornal O Ypiranga não pode deixar de ser contextualizada com o
governo vigente. A Moderação, com o seu justo meio, desagradava aos extremos. Esse tipo de
reflexão, que vimos aqui, foi comum tanto por parte dos Restauradores, como dos Exaltados.
O que percebemos é que os insatisfeitos com o governo vigente demonstram sua resistência.
Acusam o governo, da mesma forma que o governo a eles. De maneira semelhante, os
moderados, enquanto “situação”, repelem a oposição Anarquista.
Comumente, em alguns periódicos Republicanos e Exaltados, a palavra anarquia se
associava a uma idéia de “justa causa”, se fosse para derrubar um governo tirano. No Artigo
de Silvia Carla Fonseca, em que sugere apontamentos para o estudo da linguagem
republicana na conformação de identidades políticas na Imprensa Regencial fluminense159,
ela também destaca uma comparação entre o conceito de Anarquia e o de Insurreição, tal qual
este vocábulo fora designado pelo dicionário do: Nova Luz Brasileira, destacando a forma
como aparecia em jornais republicanos do período Regencial como, por exemplo, O
Republico e A Matraca dos Farroupilhas160.
Esses periódicos, publicados chegaram a admitir um significado que já criavam um
sentido positivo para a Anarquia, desde que esta viesse do povo, quando este tivesse suas
liberdades e seus direitos ameaçados pelas autoridades. A anarquia Popular, deveria combater
a anarquia dos governantes:
Na Matraca dos Farroupilhas lia-se:

(...) E para que haja acôrdo sobre a significação da palavra anarquista, nos
serviremos do curso de direito público do Sr. Silvestre Pinheiro161. Quando a
confusão dos poderes políticos que é uma situação mais viciosa do que a
Monarquia absoluta, não se vê regra fixa de conduta, acha-se o estado entregue
158
O Ypiranga, 28/01/1832. nº. 15.
159
FONSECA, Silvia Carla pereira de Brito – “Apontamentos para o estudo da Linguagem Republicana na
conformação de Identidades Políticas na Imprensa Regencial Fluminense”. in: NEVES, Lúcia Maria Bastos P.,
História e Imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A, Faperj, 2006. p. 108.
160
O Termo farroupilha, utilizado para representar a população mais pobre, surgiu como uma apropriação do
termo Francês Miserábles, feita pelos Políticos Brasileiros. Ver: MOREL, Marco – As transformações dos
Espaços públicos. op.cit. p. 116.
161
O livro: Curso de Direito Público Interno e Externo (1830), publicado por Silvestre Pinheiro Ferreira, foi
reeditado em 1834 com o nome de Manual do Cidadão em um governo Representativo. Esta obra foi uma das
obras de Silvestre Pinheiro destinadas a consolidar, no plano legal, a Transição da Monarquia Absoluta para a
Constitucional,em Portugal e no Brasil. Silvestre Pinheiro comentou exaustivamente as constituições do Brasil e
Portugal. Destinava-se a expor a Teoria do Governo Representativo, a doutrina Liberal, que então se denominava
Direito Constitucional. Informações em: PAIM, Antônio – “Introdução” in: FERREIRA, Silvestre Pinheiro,
Manual do Cidadão em um governo Representativo. (edição fac-similar). Brasília: Senado Federal, 1998.
aos horrores da anarquia. Situação que causa horror, diz o hábil publicista a pág
126. mas que é preferível à Tyrania, porque ao menos não pode ser longa a
duração da Anarquia (a do povo) e muitas vezes della nasce uma melhor ordem de
cousas . Cedo ou tarde o despotismo vem a ser tirania, a qual sempre produz
anarquia.
Toda vez que ao arbitrário na conduta, sobrevem ataques aos direitos civis
dos cidadãos, existe a tyrania que se a não fazem cahir logo, dura séculos, forma
sistema adquire forças e perde às nações em tudo (...)162

E no jornal O Republico, lia-se reflexões similares:

“Quando o governo é opressor e injusto, só se pode salvar o povo resistindo-lhe. A


RESISTÊNCIA à opressão é DIREITO natural.163

Essa postura dos Republicanos da época pode ser encarada como uma resposta dos
insatisfeitos com o governo. A idéia de revolução toma, neste caso, significado de mudança
política violenta, como direito natural pelo “povo”, tendo como causa a opressão de governos
despóticos.164A definição de Bluteau, mais uma vez é satisfatória, pois esse autor destaca a
anarquia como um meio necessário para minar as monarquias. Entre os republicanos, o termo
anarquia desponta com esse significado.
Percebemos que o termo anarquia está sofrendo o mesmo processo que um outro
termo: Insurreição. Passa a ser um justo levantamento de um povo contra os que atacam o
contrato social. Então, que, de fato, estes dois termos “negativos” passam a ser justificados,
ganhando conotações “positivadas”.
O conceito de insurreição do Nova Luz Brasileira dizia:

Definição 89ª

INSUREIÇÃO – É o avesso da Rebelião ; nesta os tyrannos são os que se


rebelão contra a liberdade Geral; na insurreição os patriotas são os que atacão
para destruir os tyrannos e a tyrannia e restabelecer a boa ordem; porisso a
insurreição é o justo levantamento do Povo contra os que atacão o contracto
Social e uzurpão os direitos do mesmo Povo ou da Nação, a palavra insureição em
sentido proprio significa o mesmo que a justa revolução para destruir a Tyirania
de hum país, reformar ou mudar o governo, se é vicioso ou perverso.165

A partir da idéia do direito de resistência, é que o termo insurreição se desprende das


conotações que o ligavam a rebelião, revolução e sedição.
162
A Matraca dos Farroupilhas 06 de dezembro de 1831.
163
O Republico, nº 48 de 21 de março de 1831.
164
MOREL, Marco – “As transformações dos espaços públicos – Imprensa, Atores Políticos e Sociabilidades na
Cidade Imperial (1820-1840)” Hucitec São Paulo 2005.
165
Nova Luz Brasileira nº 52 11/06/1830.
No dicionário de Política, lemos que o termo Insurreição, após a Revolução Francesa
assumiu nova conotação e o sentido moderno de movimento contra a opressão e em prol do
povo e em prol da libertação geral, conduzida de baixo para cima, visando derrubar o
governo existente (insurreição com fins políticos166). Nesse dicionário, o autor explica que o
termo Insurreição modificou-se durante o processo revolucionário francês, se alterou com
base no pensamento de Locke. Nesse momento, houve um esforço para a legalização do
direito de Insurreição. Para isso, o autor traz à tona o artigo 35 da declaração dos direitos do
Homem e do Cidadão aprovada pela Convenção Nacional francesa do ato constitucional de 24
de junho de 1793 na qual afirmou-se: Quando o governo viola os direitos do povo a
insurreição se torna, quer para o povo quer para os indivíduos, “o mais sagrado dos direitos
e o mais indispensável dos deveres.
CAPÍTULO 4: O ANARCHISTA FLUMINENSE E O ANARQUISMO.

4.1 O Anarchista Fluminense e a Imprensa de seu tempo.

O ano de 1835, já não faz mais parte do momento de explosão dos pasquins. Em
verdade, 1835 é um ano cuja produção de escritos políticos, diminui consideravelmente,
comparando-se com os anos de 1831, 32 e 33167. Como vimos no capítulo 2, os periódicos
neste ano não foram tão duradouros nem debatiam questões tão “intensas” em matéria
políticas como os que circularam nos demais anos da Regência Trina Permanente. Neste ano
há uma retração na “esfera pública” diminuindo-se os debates políticos e a ação das
sociedades secretas, impulsionados em grande parte, pelos acontecimentos do ano de 1834,
que deram novos rumos à ação política dos dois partidos de oposição aos Moderados: A morte
de D Pedro I e as reformas do Ato adicional. A primeira por afastar as possibilidades de
Restauração do poder do monarca, e a segunda pelo cunho liberalizante, sendo considerada
um dos motivos do fim da atuação dos Liberais Exaltados no Rio de Janeiro 168. Por outro lado,
o que motivava os escritos em 1835 seriam o choque entre os governados e as medidas
drásticas que vinham tomando os governantes gerando grande insatisfação assim como

166
BRAVO, Gian Mario. Autor do verbete Insurreição In: BOBBIO, MATEUCCI, PASQUINO, Dicionário de
Política. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. (4ª ed.)
167
BASILE, Marcello – “Projetos de Brasil e Construção nacional na Imprensa Fluminense (1831-1835)” in:
NEVES, Lúcia Maria Bastos P. História e Imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro
DP&A Faperj, 2006.
168
Idem.
conflitos entre a população e estes, fomentado pela grande repressão que se operava, como
vimos no Capítulo 1.
Nesta parte, realizaremos uma análise comparativa entre os discursos iniciais dos
periódicos políticos que surgiram no ano de 1835, sendo parte de um mesmo cenário político,
próprio deste ano, e das mudanças radicais que se operavam na política brasileira. Para tal
apuração, a realização de uma leitura dos periódicos políticos que circularam no ano de 1835,
e na mesma área de distribuição do Anarquista Fluminense: Município Neutro (a Corte) e
Niterói, para que tenhamos uma comparação dos discursos que também estavam sendo
produzidos para responder a mesmas condições da política e a mesmos temas.
Comumente entre os periódicos desse período, o primeiro artigo tinha a função de
trazer à tona, em resumo, o que seria discutido ao longo da publicação, além das propostas
centrais que estas folhas defenderiam. Seria o que Isabel Lustosa denominou como: “Carta de
intenções”169, ou seja: discursos que tipicamente apareciam nas primeiras edições destes
jornais. Essas “cartas de intenções”, que são os principais discursos destes periódicos, serão
aqui comparadas, em seus temas, linguagens utilizadas, e na forma como se apresentavam ao
público, para compararmos com o Anarchista Fluminense. A tarefa aqui proposta nos serve
pois não podemos deixar de classificar estes periódicos como veículos retóricos, que também
assumem as características deste tipo de publicação politizada, que se propunha a propagar
suas idéias, e convencer o público leitor. Aqui iremos traçar as diferenças e semelhanças
desses discursos.
Outro item essencial para percebermos os ideais de um pasquim seria a Epígrafe. As
Epigrafes foram quase que unanimemente presentes nesses periódicos, e certamente eram
uma das coisas que mais chamavam a atenção dos leitores desses periódicos, e não apenas por
se encontrar o topo da primeira página, mas, por, corroborar com os principais ideais da
publicação e ser a cara do jornal. Dentro do contexto de uma imprensa periódica que se
propõe a fazer política, que quer se utilizar do espaço público para ensinar seus preceitos e
suas convicções políticas170.
Quanto às epígrafes que O Anarchista Fluminense traz, temos duas sugestivas
frases:“Esta folha publica-se em dias indeterminados, quando for da vontade de seus
redatores” que já mostra desde o número 1, que não seguiria nenhuma periodicidade. A outra
epígrafe dizia:Un pas hors du devoir nous peut mener bien loin que significa: “Um passo fora
do dever[obrigação] pode nos levar bem longe” Essa segunda frase, certamente era o principal

169
LUSTOSA, Isabel, Insultos impressos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
170
SODRÉ, Nelson Werneck de, op. Cit. p. 133.
“lema” que o jornal se propunha, sendo a “cara do Jornal”. Esta segunda frase é do Teatrólogo
Francês que viveu no século XVII, Pierre Corneille171. A escolha desta frase deste Dramaturgo
de opinião política “Conservadora e Moralizante”, pode ser apenas a o início para uma das
discussões que levantaremos nesse capítulo, pois a posição dita “conservadora” é uma das
percebidas em alguns dos artigos do Anarchista Fluminense, que se propõem a exaltar uma
moralidade, defendida pelos redatores, de maneira bastante Radical, tendo por base a
destruição da ordem.172
Para iniciarmos este capítulo vale Lembrar um pouco da notoriedade que ganhou O
Anarchista Fluminense. Como a maioria dos artigos publicados, são exclusivamente sobre
Niterói, sobre autoridades e funcionários públicos que atuavam lá, podemos concluir que o
público principal do jornal, seriam os habitantes daquela cidade. Porém, suas edições foram
anunciadas no Diário do Rio de Janeiro, e no Jornal do Commercio, e, a partir desses
anúncios sabe-se que este periódico circulava na corte também. O recém criado município
Neutro recebia o jornal, e o divulgava nas mesmas lojas em que circulavam os outros
periódicos, políticos do Rio de Janeiro. Três dias após 28 de fevereiro, a data impressa no
topo do primeiro exemplar, lia-se no Diário do Rio de Janeiro, o anúncio da primeira edição
do Anarchista Fluminense:

Saiu à luz o 1ºn. do Anarchista Fluminense, que se publica na Villa da


Praia-Grande, e vende-se também nesta Corte em casa dos Srs. Laemmert, rua da
Quitanda, João B. dos Santos, Rua da Cadeia, e Albino, Praça da Constituição, à
40 rs. Os redactores declarão, que não aceitão correspondências, ou outros artigos
que não sejão assinados com o nome por inteiro de seus authores, como quando
requerem alguma pensão, tença, pexinxa, rabos de cavalla, postas de badejo,
cabeças de garôpas, &c.173

A popularidade deste jornal em seu tempo, não pode ser medida ao certo. Tampouco a
aceitação desta folha e seu principal público consumidor. Mas, este anúncio no Diário do Rio
de Janeiro, pode nos revelar, que, os responsáveis pelo jornal investiram na divulgação, de
maneira costumeira, mas, claramente com a preocupação de que circulasse na corte, sendo
vendido nos principais pontos de venda de jornais do Município Neutro. De fato, as outras
seis edições aparecem anunciadas no Diário do Rio de Janeiro e apenas algumas, no Jornal
do Commercio, onde surgiam notas menores anunciando o jornal.
171
Teatrólogo Francês que atuou durante o século XVII, formou-se em direito, trabalhou para Richelieu, ganhou
fama em toda a Europa com suas obras traduzidas para diversas línguas. Foi um grande poeta, teve força
criadora, elevação de pensamentos, técnica apurada e tendências moralizadoras em suas obras. Maiores
informações ver: SAINZ DE ROBLES, Carlos Federico, Diccionário de la literatura. Madrid: Aguilar, 1950.
Tomo III
172
Este parágrafo contém repetições de informações citadas no capítulo 2 desta monografia.
173
Diário do Rio de Janeiro, 03/03/1835. p.03. Obras Publicadas.
O primeiro artigo do Anarchista Fluminense teve um papel, acima de tudo, de
esclarecer o leitor as propostas que sustentaria nos artigos do jornal. Vamos ao primeiro
artigo:

O Que sou eu?

Contra factos ninguem deve argumentar. E os factos a que me refiro, quaes


são? Ei-los em resumo.
Sábios de primeira ordem como os Redactores da Aurora, da “Verdade, do
Brasileiro, do Independente, Diário da Manteiga, et Reliqua, tomarão
spontaneamente sobre seus hombros o Brasil, para o arrastarem contra os tramas de
seus inimigos pelo caminho da paz, da tranquilidade, e da legalidade, a fim de dotar
com o gôzo das prosperidades e das bem-a venturanças todas. E que têm eles
conseguido para o Brasil? ... NADA.
Outros cidadãos tanto ou mais sábios, do que esses, por amor.... da Patria,
abandonarão a doce e apetecivel paz e tranquillidade do gabinete, renegarão tudo
sómente para dirigir os negócios.... do Brasil, tomando sobre si o pezado encargo de
ministros de estado, prometendo fazer mais e melhor do que fizerão seus
antecessores; abarrotar de dinheiro os Cofres Nacionaes; promover a prosperidade
nacional, o desenvolvimento da industria, a abertura de canaes de navegação, e de
estradas melhores que as da Inglaterra; estabelecimento de ponte;, finamente
sustentar vigorosamente as leis postergadas por seus antecessores, e por
consequente imitação postergadas também, e com insolente despejo, pisadas á pés
pelas authoridades subalternas: e que fructo tirarão esses sabios, probos, honrados
e eminentemente dezinteressados Cidadãos, do pesado sacrifício de ser ministro de
Estado? Nenhum. E quanto colhêo o Brasil em benefícios por elles feitos? NADA.
Massa enorme de cidadãos de todas as côres, e nações, votaram-se a
sustentar os ministérios todos, bons e máos que subião ao eminente poleiro; nada
pouparão para fazendo guerra aos seus inimigos, darem a paz e a tranqüillidade
aos Tatús, á esses indiferentes, á tudo quanto não é quietismo: tudo puseram em
movimento, em ação combinada, para cantar victória completa. E que resultado
tirarão eles: o serem appelidados, uns de Ximangos, outros de Marrecos, aqueles de
Mamados, estes deModerados. E o Brasil que lucrou?Algumas dúzias de criminosos
e outras tantas de novos empregados publicos, tão máos, ignorantes, e indignos
como aquelles a quem substituirão em remuneração forçada de seus relevantes
serviços.
E a paz, a tranquilidade, a prosperidade, o respeito das leis, a abundância
dos cofres...? Meros entes de razão.
Nulos tem sido, pois os esforços empregados para fazer a nossa Patria
prospera e respeitada. Contra factos ninguém deve argumentar. E se a experiencia
mostra que a adopção de taes meios nada tem produzido que proveitoso seja; parece
que não é conclusão forçada o dizer-se que a vereda absolutamente opposta nos
deve guiar ao gozo de todas essas bem-aventuranças. Perturbe-se pois a
tranqüilidade pública, destrua-se tudo quanto he ordem, lei, moral, anarchize-se
completamente o Brasil, principiando-se pela província do Rio de Janeiro, e a
prosperidade da pátria florecerá, e teremos quanto apetecemos. E, se para redigir
auroras, verdades, etc. etc., necessário he ser sábio consumado como são seus
Redactores sapientíssimos; tanto saber, tanta perícia são excusadas quando se
escreve para anarchizar: elles querem solidificar sabiamente, e habeis operarios
devem ser; nós queremos destruir completamente, e para isto é bastante uma
picareta e alavanca, saber, e capacidade de servente : eles necessitam de adoptar
conta, methodo, peso : nós de nada disso carecemos.
Eis a tarefa a que se propõe seguir sem desalentar, teimoso, constante, e
embirrador,
O Anarchista Fluminense.
Este primeiro artigo, intitulado: Quem sou eu? se inicia com a afirmação de que
contra fatos ninguém deve argumentar para propor o convencimento dos leitores através de
alguns aspectos da realidade política brasileira para justificar suas propostas políticas.
O questionamento acerca de si próprio, acerca das propostas que vai carregar, tem por
princípio uma crítica aos outros periódicos também movidos pelo afã da pedagogia política,
que divulgavam suas opiniões. Estes periódicos citados eram todos de orientação
Moderada,174 e alguns deles, já não existiam mais ao ano de 1835. Os periódicos selecionados
para a crítica eram as vozes representantes dos ideais governistas, e que defendiam sua
atuação: A Aurora Fluminense,175 A Verdade176, O Brasileiro177, O Independente,178 Diário da
Manteiga (Que seria o Diário do Rio de Janeiro). Aqui, apresenta-se a querela do jornal com
os outros jornais, periódicos políticos que se propuseram a escrever artigos em defesa do
Governo, e a não criticar atos governamentais defendendo a Ordem vigente, a Regência. O
ressentimento que fica claro nesse manifesto seria quanto ao debate na Imprensa ou em
qualquer outro espaço público aonde se discutisse política. A frase: os indiferentes a tudo
quanto não é quietismo, demonstra um pouco da forma como os escritos contrários ao
governo eram vistos por esse como perniciosos e combatidos com ardor, gerando uma
verdadeira guerra entre periódicos de oposição, e os governistas nos quais constantemente se
perseguiam os políticos e periodistas que combatiam o governo.
Estão expostos os principais alvos da diatribe: Ministro da fazenda, Chefe da Guarda
Nacional, Presidente da Província, e os legisladores “situacionistas”, perpetradores do
“Avanço Liberal” .

174
Com excessão dos noticiosos, neste primeiro momento apenas aparecem críticas a periódicos com essa
orientação. Nas outras edições, critica periódicos de orientação Exaltada, a exemplo do Exaltado ou os Cabanos
na Praia Grande. Há ainda o Et Retiqua, que hoje em dia é totalmente desconhecido.
175
A Aurora Fluminense foi o principal jornal moderado que circulou ininterruptamente, 3 vezes por semana,
entre 21/12/1827 até 30/12/1835. A assinatura trimestral custava 2$000 réis, e fora impresso nas tipografias de
Gueffier, I. P. da Costa e a de Orgier . Sua epígrafe dizia: “Pelo Brasil dar a vida./Manter a Constituição,/
Sustentar a independência: / é a nossa obrigação.” Seu redator foi Evaristo da Veiga, um dos principais líderes
moderados, um dos fundadores da sociedade Defensora. Até o anode 1835 fora deputado2 vezes por Minas
Gerais e uma pelo Rio de Janeiro.
176
A Verdade foi editado por Saturnino de Souza e Oliveira,, assumiu os cargos de Juiz de Paz, atuando como
chefe da Guarda Nacional na freguesia do Sacramento(na Corte), atuando na perseguição de distúrbios nas Ruas,
e combatendo os periódicos exaltados e Caramurus.
177
O Independente circulou entre 3/5/1831 e 22/04/1833, saindo 2 vezes por semana com assinatura trimestral a
2$000 reís. A epígrafe dizia Il n `ya pás de vraie liberte sans paix, comme il n `y a pás de paix sans liberte. Seus
principais redatores foram: Joaquim José Rodrigues Torres (deputado pelo Rio de Janeiro em várias legislaturas,
foi o primeiro presidente da província do Rio de Janeiro) e Apolinário Torres Homem (Membro da Sociedade
Defensora, foi redator do jornal que representava a sociedade: O Homem e a América.
178
O Brasileiro circulou de 1832-33, tendo por redator Bernardo Pereira de Vasconcellos, importante político, foi
Ministro da Fazenda, e vice presidente de Minas Gerais. autor de projetos como o Código Criminal e o Ato
Adicional.
Nesse sentido, há uma crítica aos funcionários que compunham o gabinete ministerial
da Regência, sendo estes os detentores dos empregos cujas atribuições eram de tomar as
decisões das deliberações e os direcionamentos do Estado Brasileiro. A censura feita a essas
autoridades é de que não modificaram em nada, a situação ao qual o Estado Brasileiro se
encontrava anteriormente às suas administrações, sem terem figurado como os grandes
empreendedores que prometiam ao assumir o poder, sustentando um discurso político cujo
conteúdo frisava progressos materiais do Brasil, algo que não foi cumprido ao longo do
período em que governou a Regência Trina Permanente, com sua política Liberal Moderada.
Um ponto que chama a atenção seria o trato que este artigo dá aos funcionários
públicos empregados na burocracia. São chamados de cidadãos desinteressados, maus e
indignos. Assim como, acusados de serem ignorantes e criminosos, o que aponta para a
corrupção existente no aparato burocrático brasileiro, e que revela sua consideração a esses
funcionários públicos que em sua atribuições, nada colaboram com o Brasil, sendo apenas
interessados em possuírem esses cargos, e em desfrutar das remunerações.
Há também uma critica às autoridades subalternas, pode-se entender por uma crítica
diretamente a atuação dos Juízes de Paz, possuidores desde 1832 da capacidade de legislar
sob suas jurisdições, e de assumirem a chefia das rondas policiais, figurando como uma
personificação da repressão do Estado.
Depois de dar os motivos de sua indignação, este manifesto passa para a sua proposta
principal, que seria a de ir no caminho contrário aos caminhos que tomaram os representantes
da Ordem. O que está em questão são as bemventuranças, já citadas no início do artigo, e a
sugestão de que se siga um caminho oposto, então, é o da destruição total da ordem. A
proposta seria a própria destruição da ordem, sem que se sobreponha a esta uma outra ordem
ideal. A única ordem ideal seria a de que não houvesse ordem, aqui personificada nas leis, e
nos governantes. A forma como se propõe a combater os males do governo é que é bem
interessante se pensarmos que de fato, o termo anarquia era constantemente empregado com
esse sentido de destruição e de confusão. Aqui, neste manifesto, se inverte essa idéia. A
desordem é o ideal, frente à ordem corrompida.
Neste artigo, é apresentada uma figura interessante representando a destruição. Aqui
foi apresentada uma representação curiosa, da forma de desordenar que seria a figura da
alavanca e da picareta.179. Ao propor a destruição não deixa de lado aqueles que idealizam a
179
Segundo Pietro Ferrua, esta figura é um símbolo do desmantelamento do Estado e das leis, extremamente
opressoras, algo que coincide com algumas obras de pintores anarquistas como é o caso de Courbet, Signac,
Pissarro, Steinlen, entre tantos, que o fizeram. Estes pintores não são contemporâneos ao Anarchista Fluminense,
mas atuaram no século XX. Ver: FERRUA, Pietro: “Foi Fluminense o primeiro jornal Anarquista?” in:Revista
Verve. São Paulo: Nu-sol (PUC-SP), 2004.
construção de uma ordem ideal, qualquer que fosse ela, com as diversas propostas que se
apresentavam nesse sentido. Ataca os partidários de propostas políticas no intuito de moldar o
Estado. De certa forma, com esta afirmação, podemos perceber uma ironia dedicada aos
preceitos da maçonaria, que era reconhecida pela alcunha de pedreiros livres. O Anarchista
Fluminense, neste trecho, demonstra-se desligado a qualquer sociedade desse tipo, e parece
propor uma nova sociedade, a sociedade dos Anarquistas.
Para finalizar, devemos ressaltar um dado curioso: Principiar-se pela província do Rio
de Janeiro. A província do Rio de Janeiro, recém criada, nem completara um ano do decreto
de sua existência e nem mesmo havendo a primeira reunião da Assembléia provincial, mas já
tendo sido feitas as nomeações dos ocupantes dos cargos públicos, assim como da aprovação
de verbas para sanar as debilidades da nova província.
O Último artigo da primeira edição é intitulado: “Declaraçam” e nele, temos algo
que pode ser considerado uma continuidade da “Carta de Intenções” do Anarchista
Fluminense. Nesta continuidade da elucidação das propostas, é aonde deixa claro que não
aceitaria correspondências, senão as assinadas. Mantendo o anonimato se contradiz
completamente:

O Anarchista Fluminense, que só tem em vistas desempenhar a tarefa


expressada no seu título, declara que não receberá correspondencias de nenhuma
qualidade; a empresa he ardua, arriscada, e aterradora, exige coragem em sumo
gráo; sem ella não ha Anarchista que preste nem atture... e para que solicitar
Ceryneos que sob a capa do Anonymo, do côxo, do cambeta, do carenguejo, etc,
pretendem assim disfarçados escapar ás perseguições á que se vai expor o
Anarchista Fluminense? Venhão meus Senhores, mas com seus nomes por inteiro
taes quaes os escrevem quando requerem pitanças, pexioxas, e postas de cavalla.
Quem tem o denodo de se expôr aos terriveis perigos de pretendente de empregos
públicos, porque ha-de occultar seu nome quando anarchisando, pondo tudo em
confusão, e desordem, espera salvar a Patria esmagada debaixo do peso enorme da
ordem, mais ordem, muita ordem e amor de ordem com que a tem desordenado os
galinhas d´Angola, que por promoção deixão de ser marrecos? Espertalhões
emboscados para ganhar com a primeira das duas!! ... babau!! Ficareis
mamados!...

O ponto central deste artigo é a classificação da ordem como opressora, sendo assim, a
própria desordenadora. Se governo é quem opera os males da sociedade, este deve ser
destruído. Critica diretamente os legisladores e as leis que criaram e que são: a marca da
Regência e da ordem liberal moderada, com suas reformas. Os funcionários públicos
representariam os maiores beneficiados do governo, os únicos felizes com a condição vigente.
O Apelido de mamados, comum em outros periódicos desse tempo, refere-se à remuneração
deles prover das arrecadações do Estado. As acusações sempre lembram que a atitude destes é
perniciosa, como se em suas ações houvesse maldade, e egoísmo.
Os redatores deste artigo tomam o termo ordem, que na verdade é bem abrangente, nas
diversas instâncias que ela se apresenta regrando os indivíduos. Mas é exatamente a ordem
que é a grande malfeitora. Na próxima parte, em que analisaremos os artigos do jornal,
perceberemos quais as situações que indignam o Anarquista Fluminense, e quais as instâncias
da ordem que estão sendo criticadas.

Comparando Retóricas: Outras Cartas de Intenções.

Aqui faremos uma breve comparação do artigo introdutório do Anarchista


Fluminense, com outros artigos similares de periódicos que surgiram neste ano, para
comparar suas preocupações e suas intenções.
Sendo assim, os periódicos mais interessantes para termos de comparação, seriam: O
Novo Caramuru, O Defensor da legalidade, O Ladrão, O Pão d`assucar e o Çapateiro
político. Há outros periódicos políticos que poderiam ser interessantes não serão inclusos por
não existirem em nenhuma coleção de nenhuma biblioteca pública. Destes periódicos, alguns
chamam atenção por seus títulos. O primeiro aqui citado, assume a alcunha de Caramuru, se
torna interessante para sondarmos quais os preceitos que assumiam aqueles que se
denominavam Caramurus, mesmo depois da Morte de D Pedro I, e o segundo por defender a
legalidade, uma representação da ordem num contexto em que os debates políticos giram em
torno da lexia Ordem/ Desordem180sendo o Defensor da legalidade representante da ordem e
o Anarchista Fluminense a desordem.
No Defensor da Legalidade, a carta de intenções tem elementos parecidos com os
elementos escolhidos pelo Anarchista Fluminense, Mas, suas escolhas apontam no sentido
inverso a alguns preceitos do Anarchista Fluminense. Assumindo-se um partidário da
Moderação, também tentava concentrar os Caramurus a sustentar os princípios da Moderação.
Em sua apresentação dizia:

PROSPECTO

180
CONTIER, Arnaldo Daraya, Imprensa e Ideologia em São Paulo. (1822-1842): matizes do vocabulário
político e social.. Petrópolis: Vozes, 1979.
A revolução que parece ter se operado nos espiritos, e opiniões dos
Moderados, principalmente depois da notícia da morte do Duque de Bragança, a
necessidade de sustentar os verdadeiros principios de moderação, que não são
senão os da legalidade, e que parecem esquecidos por um grande número daqueles
que até agora tanto sacrifício hão feito para os sustentar com decidida vantagem
para o País, e credito de suas instituições, nos moveram a escrever este periódico:
desligado de qualquer obrigação defenderemos o que nos parece justo, e
censuraremos o que nos parecer mau, seja do governo, seja de authoridades
subalternas, e aqueles a quem censurarmos admitiremos defesa em nossa folha,
estando nos termos legaes; bem como admitiremos correspondências com
responsabilidade, que poderão ser dirigidas a rua do Sr. Passos Nº 108 ao Redator
do Defensor da Legalidade181

É interessante como este jornal se apresenta como um partidário da moderação, porém


que eventualmente criticaria aspectos negativos da administração do governo, inclui as
autoridades subalternas, tal qual O Anarchista Fluminense. O destaque para essa escolha se
dava exatamente pelo peso político que na prática essas autoridades passaram a representar no
dia a dia das pessoas. A admissão de respostas aos artigos seria um outro contraponto, como
vimos ao que o Anarchista Fluminense pregava. O que vemos aqui é que não apenas divergia
no título, mas na proposta de censurar o governo, as correspondências recebidas como
respostas aos artigos publicados.
Já O Novo Caramuru atacava os moderados diretamente na sua epígrafe, na qual
também deixava bem clara a sua defesa da Religião e o amor às leis, assim como o ódio a
Moderação. O Novo Caramuru contrapõe ao Anarchista Fluminense, que prega a destruição
da ordem, lei e moral. Aqui vemos que O Novo Caramuru faz críticas similares às do
Anarchista Fluminense, depreciando a atuação dos empregados públicos do governo acusados
de corrupção, e de não serem suficientemente bons nas suas atribuições de ministros de
estado, e na arma que a imprensa representava na critica a esses.

Sou novo Caramuru;


Adoro a Religião;
Amo as leis, defendo a Pátria,
Detesto a Moderação

Jornal da oposição
INTRODUÇÃO:

“Somos Brasileiros e testemunha ocular das atrocidades da infernal


moderação: empreendemos o espinhoso trabalho de redigir O Novo Caramuru com
o único fim de, pela imprensa, esta arma tão temida pelos tiranos, publicarmos
minuciosamente todos os fatos de barbaridade praticados pela gente patriótica, que
enchendo a boca com a legalidade, tem excedido em crueza a quantos Verres, Silas
e Catilinas hão produzido os infernos. Tomamos o título de Caramuru por este

181
O Defensor da Legalidade 16/01/1835. p. 01.
epíteto o que mais cavaco faz dar à Moderação, e na nossa mente ser sinônimo de
inimigo dos déspotas e mandões laranjeiras, que só tem cuidado em engordar as
algibeiras.”
(...)
“Fizemos a presente epígrafe por estarmos convencidos pelos fatos que
temos visto praticados no Ceará, Pará, Pernambuco, etc. , que só adorando-se a
Religião, Amando-se as leis e defendendo-se a Pátria é que se pode recorrer para a
felicidade e segurança do trono Constitucional do Senhor D. Pedro II, nosso
adorado Monarca.”182

Nessa mesma lógica de crítica ao governo, só que focando-se mais na corrupção deste,
surgiu em junho o jornal: O Ladrão, que, sem epígrafe, mas com um título que
suficientemente mostrava a que veio esta folha: Colocar ao público as acusações de corrupção
do governo, chamando seus membros de ladrões. O Título é escrachado, e talvez tão negativo,
quanto O Anarchista Fluminense.
Nesta folha lia-se:

Quando vemos formigarem por aí todos os cantos centenas de ladrões de


todos os gêneros, e espécies que parece mesmo praga que caiu nesse malfadado
império sem que a polícia, por mais ativa que queira ser possa estorvá-lo nas suas
correrias e extorções, ou entrar com eles de queixo, por que são estes, meus
senhores, ladrões astutos ladrões espertos ladrões cadinhos que sabem furtar-se
com o corpo ao encontro dos esbirros e escapulir-se com as gambias ao alcance
dos beleguins, podendo roubar o muito a seu salvo, sem receio de irem dar com
seus ossos na cadeia, nem de morrerem em uma forca que muito he que depois de
mui numerosa quadrilha apareça o ladrão , não desalmado como alguns se
apresenta com arcabuz e cara de viandante para lhe sacar a bolsa,(...) mas com
doces palavras nos lábios, tem a magia de iludirem ao povo e de fazerem circular
para as suas algibeiras os dinheiros da nação(...)183

O Autor desse artigo faz uma das críticas mais acres ao desvio de verbas e eventuais
utilizações do dinheiro público em benefício próprio. O fato das autoridades não estarem
sujeitas à uma polícia que cerceasse suas ações, nos mostra como os redatores do Ladrão
faziam o mesmo tipo de crítica que o Anarchista Fluminense, cobrando atitudes mais éticas
por parte dos governantes, que agem anarquicamente sem terem um aparato cerceador que os
puna quando agem de maneira corrupta e abusiva. As autoridades Anarquistas (Tiranas), são
os principais alvos desse periódico, que se intitulava com a alcunha da principal crítica que se
propunha.
Por fim, um outro periódico que criticava de maneira similar aos demais já citados foi
O Pão d`Assucar, que também lembra dos empregos públicos como concorridos, e de como
os possuidores desses cargos prevaricavam em suas atribuições. Ao menos, este periódico
defende um projeto: o da Monarquia Representativa.
182
O Novo Caramuru,18/08/1835 nº 1. p.01.
183
O Ladrão, 04/06/1835. nº 1, p.01.
Quão triste nos parece o futuro que nos espera! A quatro anos que as
atuais influências ingeridas em nossos Destinos, nada mais tem feito que minar os
alicerces do Grande Edifício Social.
A partilha, e a sobre partilha dos Empregos Públicos, e, os altos cargos do
Estado tendo sido os desejados Pomos d`ouro, são os causais que nos tem hoje
envolvidos no grande labirinto, donde só poderíamos sair com a dissolução.
(...)
Pouco era de prever, desde tempo anterior, que as coisas chegariam a uma
tal latitude; por quanto, não tendo sido o amor da Pátria o fim dos Esforços da
moderação, mas sim a sede do mando, e todas as ingerências nos negócios
públicos(...)
(...)
Em outro tempo, quando uma oposição legal pugnando pela virtual
execução da lei, bradava contra o método pelo qual se havia a direção dos
negócios públicos; quando essa mesma oposição antevendo futuros males, se
esforçava por salvar a pátria dos horrores da anarquia, e buscava firmar a
Liberdade brasileira de um medo durador e sereno, era então que o furor do
partido moderado (receando que a presa lhe caísse nas mãos) subindo a todos os
delírios da cólera, seminava a mais forte intriga e distribuía todos os elementos da
subversão, para d’est’arte enfraquecer o partido, que lhe era contrário em suas
paixões danosas.
Mas, não sendo da natureza das coisas, que homens de tal sorte injustos, e
ambiciosos se possam manter por longo tempo em doce paz, eis que chega a época
da ruína; a essa moderação tão pomposa, já vacilante e assustada, nem ao menos
se lembra a que abrigo deve recorrer.
(...)
Portanto, oh brasileiros, se é possível salvar-se ainda a pátria, ela só pode
ser salva, pela união geral de todos os seus filhos em um credo comum; só pode ser
o sistema da Monarquia Representativa.184

Este artigo também expõe sua antipatia com os passados 4 anos da Regência Trina
Permanente, e critica sua atuação. Utiliza-sede um argumento similar ao do Anarchista
Fluminense, que seria o de salvar a pátria com o diferencial de que neste jornal, a salvação
seria: A monarquia representativa.
Sem possuir epígrafes mas com um título que visava demonstrar-se uma voz popular,
o Çapaterio Político, reivindicava a participação dos excluídos nas eleições, tanto como
votantes assim como possíveis candidatos aos elevados cargos públicos de ingerência do
Estado. Utiliza-se das atribuições dos sapateiros para criticar os Empregados públicos que
segundo o jornal, eram indignos e incompetentes. Ainda que esta folha tivesse um discurso
diferenciado dos demais, se igualava em focar-se na incompetência dos funcionários públicos.

O Çapateiro político
Çapateiro como sou, e VV. Mercês estão vendo, eu não quero andar no mundo á
matroca, e feito um pedaço d`asno, como alguns da minha profissão. Assento de
mim para mim, que devo trabalhar tanto com a bola, como trabalhando com a
sovela, e com as encospas. Estou assentado de dia na minha tripeça, cuidando dos
184
O Pão d’assucar, 13/01/1835.p.01.
pés dos fregueszes, ; e de noite dou voltas ao miolo e me entranho pelo labyrinto
da política. Não se persuadão, que um çapateiro, por isso que é çapateiro, não se
deva meter com a política , por que isso seria o mesmo que pensar que um
çapateiro não é gente, ou não sente, como qualquer outro cidadão, os bens e males
da pátria.
Com isso mais de vagar: a nossa Constituição não faz exepção aos çapateiros , e
quer sim, que todos os cidadãos se distingão por seus talentos, e virtudes. Ora que
há çapateiros que são uns anjos, e que teem um talento particular para
amanharumas botas, e uns çapatos, isso ninguém o pode duvidar; por tanto não
estão elles privados pela nossa constituição de ocuparem os grandes cargos da
nação. E tão convencido está o povo todo d`esta verdade, ou é ella já tão sediça,
que temos visto escolherem-se para os empregos publicos, não só a çapateiros, mas
mesmo a remendoens; e remendoens que mal sabem botar uma tomba, ou fazer
uma costura: isto é uma (...)185

***

Concluímos então que neste ano, a maior preocupação dos jornais se focava na
acusação de prevaricação por parte do governo vigente. Constantemente todos os periódicos
apontavam o despreparo das autoridades, a má ingerência dos negócios, e a acusação de
corrupção e do abuso do dinheiro público. Alguns iam um pouco mais além das críticas e se
propunham a uma solução. O Novo Caramuru mais inclinado a se demonstrar um verdadeiro
amante do Antigo Regime, O Defensor da legalidade seria o órgão governista, porém, crítico
as incongruências deste, O Pão d`Assucar como uma voz da Monarquia Representativa.
Por fim, temos O Anarchista Fluminense, se propõe a total destruição, de tudo aquilo
que o incomodava: O Estado (Ao menos tal qual existia nesse momento), sem sugestões, sem
preferências além da desordem.
A maioria dos periódicos políticos surgidos nesse ano faz uma oposição ao governo
mais pelos seus atos arbitrários do que necessariamente, apresentando uma proposta política
concisa e que expressasse uma identidade. Percebemos que há uma semelhança entre essas
“cartas de intenções”, demonstrando que as reivindicações do Anarchista Fluminense não
foram isoladas de um contexto político típico deste ano, e que constantemente no ano de 1835
os periódicos novos se movimentavam no mesmo sentido crítico, denunciando as mazelas do
Governo Vigente. Em O Anarchista Fluminense, há uma crítica ferrenha ao governo, com

185
O Çapateiro Político, 4/11/1835. nº 1 p.01.Essa é a única lauda que se tem registro dessa publicação. Cópia
do Fac-símile inserido Em: VIANNA, Helio, Contribuição para a História da Imprensa no Brasil(1812-1869).
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945.
uma ode a destruição da ordem, sendo assim já indica parte das idéias principais que ele
defenderá em seus artigos.

***

Capítulo 4.2 As questões motivadoras do Anarchista Fluminense.

Nesta parte, tentaremos compreender um pouco mais das questões que moveram os
redatores deste jornal. Quais seriam os principais pontos debatidos para sondar o que gerou a
vontade de seus redatores de escrever os artigos e, quais são os principais objetivos que esta
publicação pretendia atingir, frente ao cenário político do ano de 1835.
Aqui não caberia uma análise demasiadamente minuciosa de todos os artigos
produzidos pelos redatores do jornal. Selecionaremos alguns que podem ser os mais
interessantes a nossa pesquisa. Os outros artigos que ficaram excluídos desta análise, assim
ficaram por desviarem do foco principal da proposta desta monografia, ou por fatores de
pouca identificação de seus contextos.
Dividiremos aqui os motivadores do jornal de acordo com as principais questões
apontadas em alguns artigos do Jornal. Cada artigo, em sua individualidade, tende a um fim,
específico, porém, alguns artigos corroboram os ideais expressos em outros, de outras
edições.
Um dos principais pontos ao qual o Anarchista fluminense questiona é o da
legitimidade de algumas leis, essencialmente as criadas durante o Governo da Regência Trina.
Uma boa reflexão acerca da maneira como o jornal se impõe em seus anseios seria:

(...) Se as leis não forem bem cumpridas, se á todo o instante forem infringidas
pelos Cidadãos quem será o culpado, nós, ou as authoridades que em seus
despachos, em todos os seus actos como taes, por patronato, por vingança, por
desleixo, ou ultrapassão as suas attribuições, ou postergão as mesmas Lleis
Decretos e Ordens?Quem concita os povos, quem os chama á desordem, quem os
anarchisa realmente, nós, O Anarchista Fluminense, com os nossos innocentes
artigos, ou vós, Authoridades constituidas, com as vossas deliberações, vossos
despachos, vossos feitos?186

186
O Anarchista Fluminense nº 2 dia 5/03/1835. p.02.
A proibição do Trafico de Africanos.

Uma das leis que o Jornal se demonstrou contrário e assim se assumiu durante todo o
período da publicação seria: a lei de proibição do tráfico de escravos, vigente desde novembro
de 1831. O jornal trata desta questão sendo totalmente contrário à lei, que segundo este,
estaria totalmente incompatível com a sociedade brasileira desse momento. Chega a tratar o
uso dessa prática como algo de costume imemorial.187
Um ponto que este jornal frisava no sentido de atacar a vigência desta lei seria: a série
de novos criminosos que surgiram exatamente pelo fato de ter sido aprovada. A reflexão
quanto esta questão seria o fato desta da dita lei não se manter cumprida, gerando a corrupção
do aparato judicial, com eventuais favorecimentos aos traficantes criminosos, e as ameaças à
integridade de alguns juízes que perseguiam os traficantes. Essa lei, na prática era “viciosa” e
gerava males maiores como o conflito entre as autoridades e os traficantes.
As críticas em outros jornais, inclusive moderados e noticiosos, são semelhantes.
Raramente surgem artigos favoráveis à lei, e quando surgem, se preocupam mais com o
argumento da desumanidade que representaria a escravidão.

Desmoralizão-se os Povos com o pernicioso exemplo de acintemente


infringir as leis: Corrompem-se empregados pagos pelas rendas nacionaes para
velar e promover a execução das leis: Acumulão-se na cratera do volcão que se hia
extinguindo novas matérias que de proposito se excitão para promover a explosão
pela qual almejão corações de Satanaz, irreconciliaveis inimigos do Brasil. Isto se
sabe, nisto de falla descaradamente: sabe-se em que mocambos se celebrão os
criminosos ajuntamentos: seus chefes, seus agentes passeão livre, e,
desimpedidamente : ameaça-se oBrasil com males irremediaveis; dão passos mais
avante, promove-se a aparição desses males!...E o governo do Brasil? O que faz em
tão crítica posição? Que providências tem tomado para evitar o mal iminente? Que
faz? Onde existe ele? IGNORA-SE
E he criminoso o Anarchista por emittir algumas considerações justificadas
pelos factos, justificadas pelo clamor da opinião geral?E se outros são os fautores
da anarchia que procura mudar a face do Brasil, por que razão negar o facto, e
fugir da confraria anarchica a que se deo tão vigoroso impulso? Contradição,
Injustiça.188

O ponto principal dessa reivindicação seria a rede de corrupção e o grande número de


criminosos que essa lei gerou. Estes são os males da sociedade, gerados por uma postura
incongruente com a forma como a sociedade é organizada. A sociedade brasileira nesse

187
O Anarchista Fluminense nº 2 dia 5/03/1835. p.04.
188
O Anarchista Fluminense nº 4 dia 18/03/1835. página 4.
momento tinha sua economia organizada no regime escravista, sendo ainda incipiente o
debate abolicionista. A proibição do tráfico foi uma lei considerada intrusiva, a aplicação das
penas e a condenação dos criminosos geraram uma rede de corrupções e ameaças a juízes,
assim como assassinatos de testemunhas de alguns desses crimes, entre outras práticas
criminosas que amparavam a primeira.
Essa realidade “caótica” foi combatida pelo Anarchista Fluminense. Pregava que o
tráfico se tornasse lícito.

A Suspensão das Garantias do artigo 179 da constituição do Império do Brasil.

O primeiro artigo da 5ª edição do Anarchista Fluminense intitulado: Consorcio


Inaudito, é importantíssimo para a compreensão da forma como os Redatores se
posicionavam politicamente frente a questões concernentes à liberdade do indivíduo, e aos
direitos civis e políticos do cidadão. Neste caso, a questão é a revogação do artigo 179 da
constituição do Império do Brasil, tão criticado, pela forma como foi imposta, e considera as
conseqüências desta medida para os Fluminenses.
Antes de tudo, o que devemos analisar nesta lei (Artigo 179) seria quanto a sua
espécie. A lei está inclusa na seção de garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos. Em
seu texto o artigo 179 defendia: A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos
189
Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade . Como
vimos no Capítulo 1, o problema que queria se combater seria a eventual fomentação de
rusgas, uma ameaça que era presente na realidade desse tempo, em que surgiam ações em
combate ao Haitianismo.
Porém, as clausulas dessa proibição não serviam para os negros e sim para os brancos,
estes sim, protegidos pelas garantias dos direitos civis. Além do mais, se estendiam de uma tal
maneira que atingia às sociedades secretas, impedidas de se reunir à noite, e principalmente as
publicações que proferissem discursos diretamente tendentes a promover insurreição.
A suspensão desse tipo de garantias, seria a própria autorização do Estado de intervir
de maneira bastante opressora na vida dos indivíduos, gerando também uma repressão que se
consubstanciou em conflitos gerados por esse tipo de inspeção feita pelas autoridades,
temerosas de não serem eficientes. A crítica feita pelo Anarchista Fluminense se foca
principalmente na pena de desterro.

189
“Constituição Política Do Império Do Brasil” in: CAMPANHOLE, Adriano, e CAMPANHOLE, Hilton Lobo
(org.) – Constituições do Brasil: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969. São Paulo: Atlas, 1981. (5ª ed.)
O Consorcio Inaudito
(...)
Considerando quão internecedor he para coraçoens brasileiros o quadro
lastimozo que offerece a vista de tantos cidadãos Brasileiros arrancados ao gôzo
dos fóros da Pátria, tantas familias desoladas, tantas esposas afflictas , tantos
filhos sem pais!!E isto por que? Por erros políticos, por ideias extremas que
levarão aquelles ao precipicio de attentarem contra a ordem e tranqüilidade
pública, contra o governo estabelecido, contra as ordens deste (...)190

Corroborando com as afirmações do artigo Consorcio Inaudito, temos, mais um artigo


que demonstra a forma como O Anarchista Fluminense criticava os legisladores e defendia os
implicados na perseguição ferrenha, tal qual se operava:

Os pretinhos da Bahia projectarão seu S. Bartholomeu; e este exemplo de


Anarchia negra não foi tão profícuo como desejavam seus authores. E o Gov. Sup.
estrebuchou de raiva; deu ordens, expedio Portarias e Decretos: Quis mostrar que
não era governo negro: mas tratava-se da Bahia!! Oh!!...
E os pretinhos e coloraus do Rio de Janeiro tentão tambem o seu zongú: a
Assembléia Legislativa da P. dirige....(Oh petulância desmedida e indecente de
súbditos dezattenciosos! mandar) uma mensagem ao Governo Central !!
Embalançar tão descomedidamente com o berço onde dormitavão tão docemente os
Excelentíssimos!! Privá-los de arredoçar-se cada um deles ao seu bel prazer;
perturbá-los no exercício do gozo do direito adquirido a tão innocente
entretenimento, tirar-lhes o tempo sempre escasso e diminuto para dar cevo a
ociosidade governativa!! Quem póde perdoar os espantadiços jacus e jacutingas
tanta arrogância! E porque motivo!! Pelos sustos e receios que de súbito assaltarão
a Assembléia Legislativa Provincial do Rio de Janeiro, de que os coloraos
premeditão e planisão também sua rusguinha! Da-se desproposito mais fora de
sazão? Tudo Sonhos, tudo visões de marujinhos de primeira viagem. E os fatos da
Bahia? Foram meros folguedos: Folias innocentes de pobres homens que não
sabem o que fazem...
E no entanto Anarchia vai medrando, propagando, alastrando, crescendo,
encorpando, e a final anarchisando...Oh delícias da minha alma! Oh Pátria
querida! Agora sim he que tua prosperidade não encontrará escolhos.
E vós, meus leitores, notando o talento genial com que todas as classes de
Governantes e dos Desgovernadores promovem no Brasil o Império da Anarchia,
sempre debaixo do decorozo aspecto da legalidade; a vista do esboço histórico-
anarquico que acabei de fazer-vos, ainda censurareis as minhas interrogações???
As minhas admirações!!! As minhas reticências assíduas ..., ..., ...; o uso e jogo
constante com as omnipotentes expressivas interjeições! (...)191

No dia 7 de abril, o jornal O Pão d`Assucar fez um manifesto sobre esta lei, com as
mesmas preocupações em demonstrar a indignação com a incongruência entre os objetivos da
lei e a realidade vivida:

Forão suspensas as garantias pela assembleia Provincial do Rio de Janeiro


em virtude da existência do Haitianismo que, segundo a mensagem da mesma

190
O Anarchista Fluminense, 31/03/1835. p.01.
191
O Anarchista Fluminense nº 6. p.01,02 e 03.04/04/1835.
assembléia consta a todos (Menos a nós) que as doutrinas haitianas são aqui
apregoadas com impunidade; que há na Corte Sociedades Secretas neste sentido; e
que tem cofres para os quaes contribui grande numero de sócios de cor, livres e
cativos; e que os membros dessas sociedades nacionaes e estrangeiros são
indigitados pela voz pública etc. (...)
Consta a todos e ninguém, apesar perigo, se apresenta mostrando de que
modo lhe tem constado que existem tais sociedades que possuem cofres &c.
(...)
Tantas medidas de cautela tomadas como que ao toque de sino; suspenções
de garantias,etc. dão a perceber muito receio!
Não julgamos isto bom: Quizeramos medidas de prevenção: Quizeramos
vigilancia à respeito; mas não com tanta bulha.
Protestamos a devida submissão à assembléia provincial, porém não
podemos esquivar-nos a esta censura que a lei permite. A susensão das garantias só
pode ter lugar em ocasião de risco iminente: ora, não existindo um só facto que o
comprove, cremos não apropriada a suspensão das garantias públicas; porquanto:
não podendo militar esta medida em questão com os escravos, por isso que eles não
fruitivam os gozos de cidadãos brasileiros, segue-se que semelhante medida só pode
ser tomada para com os mesmos cidadãos brasileiros, a respeito dos quaes nenhum
facto de haitianismo depõe contra eles (...)
Se existem fatos so podem ser aqueles dos africanos na província da bahia: e
para africanos não releva a suspensão das garantias. Eis o que nos parece, salvo o
melhor juízo(...)
(...)
Haitianos são unicamente esses moderados que tem apregoado a licença em
vez da liberdade, a discórdia em lugar de patriotismo, e um sistema efêmero em vez
de uma Monarquia representativa sólida e duradoura que faça a felicidade dos
povos.
Estes são os verdadeiros haitianos que indiretamente conduzem as coisas ao
termo do haitianismo.
É já tempo de parar no vórtice obstinado das perseguições. Moderação
insensata! Voltai a vossa razão.
Dizei-nos, moderados, pretendeis debelar o haitianismo,e buscais dilacerar
os da vossa cor?
É isto compatível com os meios de defesa para uma tal crise?
Homens inconseqüentes e cruéis, cessa um dia de mortificar a desgraçada
pátria(...) Vê-se que vós não escapareis a vossa catástrofe: Tremei por vós
mesmos!192

***

Uma das principais preocupações do Anarchista Fluminense seria a de denunciar os


abusos dos governantes, que utilizavam se de seus poderes de maneira indevida, para se
beneficiar. Aqui apresentaremos dois casos, que tem em comum o fato de serem partilhados
apenas pelos locais de Niterói. O Anarchista Fluminense pugnava pelas causas políticas
locais, algo raro de ser visto nesse período, em que os jornais denunciavam abusos do
governo Supremo ou Provincial, sem adentrar em questões locais.

O Caso da Lagoa de Itaipu: Quando o Anarchista Fluminense defende a lei para censurar os
abusos do Governo.
192
O Pão d`Assucar, nº 27. 07/04/1835. p.01.
O Anarchista Fluminense que se apresentava como um destruidor das leis, da ordem e
da moral, assumiu a função de cobrar que leis fossem cumpridas, e a moral exaltada. Porém,
mantém a sua crítica quanto à ordem, vista como auxiliadora da corrupção, e, causadora de
grandes males. O caso que apresentaremos a seguir se refere ao dono das terras próximas a
lagoa de Itaipu, que não escoando as águas da lagoa, causava prejuízos a seus vizinhos.

Anarchia Aquatica

Muitos forão os dias em que successivamente chovêo; e bem que immensa


fosse a sede dos agricultores, parece que alguns se darião por mais felizes, se
menos dóze d´água houvesse cahido em torno delles. Nas estradas da vizinhança
da Capital da Provincia, e em outros lugares garbozamente se ostentou a poderosa
ação desta aquatica Anarchia, á ponto de ser arriscado passar por aquellas,
encomodo e perigozo o residir nestes: e tantos males que pezam sobre este
malfadado Município, ressurgem cada vez mais numerosos, e agravados, e por tal
modo que a interminada, ferrenha e reiterada permanência das Sessoens da câmara
M. . a actividade com que seus assiduos Vereadores a elas concorrem sempre
ocupados em mui relevantes e ponderozas discussoens sobre materia de tamanha
transcendencia, faz um bizarro contraste com o nada que vemos feito em benefício
do Municipio, com o descaramento com que se infringem as Posturas, e o ár de
súcia e convivencia com que os mesmos Juizes de Paz, em menosprezo das leis
vigentes até por editais com mui criminosa petulância aconselham aos povos as
infracções destas posturas que pelas Leis são obrigados a guardar e fazer guardar.
Os povos gemem, suportam toda casta de vexames, muitos dos quaes seriam logo
destruidos pela paternal vigilância das authoridades Municipais, se estas menos
desleixadas, omissas, ou coniventes curassem mais de seus deveres do que de seus
interesses, patronato e nepotismo.Mas esta anarchia que notamos no zôro de
disparates com que os funccionários públicos prehenchem as attribuições de seus
empregos, he tão paternal, tão prenhe de futuros acontecimentos ainda mais
disparatados, que lagrimas de prazer nos caem pelas faces, ao considerarmos o
progresso que fazem na anarchia ainda mesmo aqueles que só pelo título censuram
acremente nosso pequenito Anarchista.
Nada ha neste mundo de meo Deos tão capaz de arrebatar um coração
anarchiseiro como ver um homem só porque possui algum terreno a margem da
lagôa de Itaipu, chamar-se senhor e possuidor da lagôa toda; prohibir que nella se
pesquem os seus Ceris, (estes não são escrivaens) conservar obstruída a abertura
por onde se deve fazer o esgoto das mui copiozas aguas que se acumulam naquela
baixura do terreno: e dest`arte por effeito de uma louvável anarchia alagar
sobremaneira, por interesse particular as propriedades dos vizinhos que habitam
em derredor da mesma alagoa; destruindo-lhes suas plantações, seos pastos e
arvoredos; privando os gados de se alimentarem; promovendo com taes
enxarcamentos a peste assoladora das ruinozas intermitentes: e só depois que elle
houver ganhado muito á custa do muito mais que seus vizinhos tiverem perdido,
então excitada a malvada filantropia, mandará rasgar o comoro das arcas, e dar
esgoto às águas superabundantes. Ora, porque maldita contradicção este homem
proprietário tendo encetado tão bem o exercicio da anarchia, de repente se tornará
mamado, metendo-se lhe em cabeça dezafogar seus vizinhos, que ele podia
eternamente assim ter sempre flagellados, innundando a estrada, privando por oito
ou mais dias a passagem no lugar do rio de João Mendes! Maldita Inconseqüência!
Maldita boa ordem que tudo sabes enredar!
Homem do diabo! Por ventura receias tu que algum fiscal, Inspetor de
Quarteirão, ou Juiz de Paz, te tome contas da garboza anarchia com que abuzas de
tudo, com que tens até agora tudo atropelado, perseguido e flagellado á tantos?
Não tiveste tu mesmo arte para fazer condenar nas custas um fiscal que promovêo a
execução das posturas à cerca do dessecamento dos pântanos? Donde herdaste no
último quartel de vida tanta pusilanimidade? Não tens na Camara quem por
idênticos interesses há- de apoiar o teo anarchico direito de flagellar á seos
visinhos promovendo contra elles tudo quanto ha de pior? Indigno de Honra de
permanecer à mui sublime sociedade dos Anarchistas, vai te, que lá te espera a dos
grandes Papais avós. 193

Nesse artigo, a defesa do cumprimento da postura municipal, é feito primeiramente


por ser uma postura moralmente correta. A postura mencionada no artigo, era assegurada por
um pequeno código local intitulado: “Posturas Policiais da Villa da Praia Grande”, que, como
já mencionamos no capítulo 1, foi o código de leis locais que serviam para regrar conflitos
corriqueiros do convívio entre cidadãos do município. Em seu artigo 11º:

Artigo XI

Todo proprietário ou foreiro que tiver dentro das suas larguezas águas estagnadas,
será obrigado a esgotá-las no prazo de seis meses contados do dia em que
obrigarem as presentes posturas, podendo o executor destas, prorrogar o tempo,
conforme a extensão do pântano.194

Porém, além de criticar a imoralidade do dono das terras em que ficava localizada a
lagoa, que danificava seus vizinhos, criticava a imoralidade pela qual tal impostura estava
sendo velada pelas autoridades. O causador desse flagelo tem ao seu lado a conivência das
autoridades que não cobram que este cumpra a devida postura, por ser ligado a um deputado,
que o protegia, coibindo a polícia de obrigá-lo a realizar a devida postura do dessecamento
dos pântanos. A Imoralidade nesse caso, estava na conivência do governo que sustentou a
impostura, mesmo sendo tão escandalosa aos habitantes de Niterói. Mais uma anarquia,
censurada pelo Anarquista.
O não cumprimento foi o primeiro motivo do artigo. Porém, as críticas a forma como
essa impostura foi sustentada, é o principal ponto abordado. Esse tipo de corrupção, é parte
das críticas que O Anarchista Fluminense trouxe á tona. De fato, defende a lei, e acusa os
que não a cumprem, denunciando os que sustentam essa impostura imoral: o próprio
Governo.
O principal ponto da crítica nesse artigo seria o fato da impunidade do proprietário ser
conseqüência da relação que este tem com um governante, que por amizade a esse dono, não
permite que as autoridades intervenham, reprimindo seu ato criminoso. A impunidade desse

193
O Anarchista Fluminense nº 5. 31/03/1835. p. 02 e 03.
194
Posturas Policiais da Câmara Municipal da Villa da Praia Grande, Praia Grande: Tipografia de Rodrigues &
Cia,1833.
indivíduo era mantida pelos próprios agentes do governo que faziam “vista grossa”, por
interesses particulares.
A condenação do ato é corroborada pelas posturas policiais da cidade de Niterói, e
pela imoralidade reconhecida publicamente como um ato autoritário do proprietário que
impede o desenvolvimento de seus vizinhos, por conta de seu egoísmo, por conta de sua falta
de preocupação com os demais moradores da região, tão afetada pela omissão do proprietário
de cuidar devidamente de sua propriedade, que em verdade, afetava os proprietários vizinhos.
Neste caso, o Anarchista Fluminense, denuncia, acima de tudo, a postura imoral e desumana,
tendo por respaldo, a lei local. Defende a lei, neste caso em que seu desrespeito trazia uma
condição imoral.
A Impunidade escandalosa se mantinha por causa da relação de amizade deste
proprietário com as autoridades competentes que, faziam “vista grossa” à impostura do dono
da lagoa. O Abuso é censurado e o infrator é exposto a sociedade, condenado publicamente
pelo Anarchista Fluminense.

Censurando o governo: má utilização do dinheiro público, patronato e nepotismo:

Em um artigo da segunda edição intitulado A Taberna, vemos um dos exemplos de


uma figura que para os redatores seria execrável, e que personifica, por suas características,
uma figura odiável àquele que se propõe como anarquista: O Funcionário público
despreparado, contratado por nomeação. Neste momento, não havia sido institucionalizado o
sistema de mérito, e as nomeações e promoções eram muitas vezes feitas à base do
apadrinhamento ou, como se dizia na época, do empenho e do patronato, e não da
competência técnica195. Comumente, o funcionalismo público tinha suas vagas preenchidas
pelos parentes e por demais pessoa indicadas pelos que possuíam os cargos mais altos.
E, no caso deste artigo, os redatores do Anarchista Fluminense destacaramm o
Nepotismo no momento de suas contratações, e falta de serviço de determinados empregados.
Aqui motivos principais da diatribe são os altos ordenados, a pouca utilidade que teriam, e a
forma como o nepotismo atuaria nessas nomeações. Eis o Trecho:

A creação de desnecessarios empregos públicos a que se marcão avultados


ordenados, he contra todos os principios da economia política, e quaze nunca se faz
195
CARVALHO, José Murilo de, A construção da Ordem: Elite política Imperial. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003. Capítulo 6: Burocracia: Vocação de todos.
algum fim que não seja o de acommodar algum afilhado, ao qual, muitas vezes o
emprego está já conferido, antes de ter sido creado; pondo-se assim, debaixo da
protecção dos cofres nacionaes, algum menino bonito, umas vezes porque canta
bem, outras porque dança, e, geralmente, porque obteve carta de empenho de
PAPAI.

Logo após, mais uma das considerações irônicas, em tom de chacota, descreve uma
dessas figuras “improvisadas”, que seria o novo administrador dos correios em Niterói,
“menino plebeu taberneiro, grosseiramente polido”. O despreparo foi comentado juntamente
com as particularidades dos hábitos detestáveis do dito administrador do correio possuía. Algo
muito divertido e engraçado de ser lido, com certeza foi motivo de vergonha para este
homem, em um círculo social consideravelmente pequeno. Desta, podemos perceber uma
tentativa “justiceira” de ao menos dar esta resposta ao incomodo que aquela figura detestável
por seu despreparo e pela forma como este se tornou um funcionário público. Em um
microcosmo, o Anarquista, que é um reivindicador da moralidade, tenta deixar em situação
muito vexatória o funcionário dos correios. No caso da Vila da Praia Grande, cidade que neste
momento tinha cerca de 30 000 habitantes (destes 2/3 escravos) 196, e, com certeza, a
divulgação deste artigo, na sua comunidade, gerou algo além de muita diversão. Os
concidadãos, os leitores do jornal, associavam diretamente ao dito rapaz, insultos que
aparentemente não eram inventados. Era uma exposição da imagem deste indivíduo. Sua
honra é colocada em jogo, frente a todos da cidade. Um artigo como este certamente foi
escrito, com seus fatos corroborados pelo conhecimento do público, que, de certo,
compartilharia da mesma opinião, dando sentido ao conteúdo cômico que se atribuiu aos
comentários.
Este artigo também representa uma das maiores insatisfações dos redatores do
Anarchista Fluminense: Os novos empregos públicos, frutos da criação da Província do Rio
de Janeiro.
Então, o Anarchista Fluminense publica o seu clamor público para que as autoridades
parem de agir desta forma, tirando proveitos das suas condições de autoridades:

Já he tempo, meus patricios, de deixarmos de dar importância á pequenas


bagatelas. A nossa civilização progrede á passos gigantescos á colocarmos á par
das naçoens mais cultas: os homens que tudo censurão, e que em tudo acham
necessidade de reformas, (os taes amigos) são pela maior parte, dominados pelos
interesses particulares, taes como aquelles que pouco se importam com as despezas
da Provincia augmentem em cem, ou duzentos contos de réis, contanto que possam
lucrar para si, ou para algum amigo, um ou mais empregos, furor que domina hoje

196
FORTE, José Mattoso Maia, Notas para a História de Niterói. Niterói: INDC Prefeitura Municipal de Niterói.
1935. (2ª ed.)
muitos homens de gravata lavada, tão cheios de ambição e egoísmo, quanto tem de
ignorancia e falta de probidade.
(...)
Nada de ordem; confunda-se tudo, tudo se desordene o mais possível! (...)

Este tipo de postura do funcionalismo público seria totalmente censurável segundo o


jornal, é matéria suficiente para reivindicar a desordem. A ordem corrupta é o impulso à
instauração da desordem. É a mesma idéia sustentada no primeiro número: Se esta ordem
instaurada não proporciona benefícios, para ter estes, apenas na desordem a pátria florescerá.

A Revolta no Pará: Um direito de resistência

Atacando a falta de legitimidade do Governo Supremo em atitudes despóticas nas


províncias, O Anarchista Fluminense, em sua sexta edição, faz um Histórico Anárquico, para
demonstrar sua indignação com os atos considerados despóticos, do governo nessas
províncias. No caso das questões ocorridas no Pará durante a “Cabanagem” deprecia as
nulidades que seriam os atos forçados da tentativa de se impor um governo não legitimado,
escolhido incompativelmente com os anseios dos paraenses:
(...)
No Pará, o Presidente mandado pelo Gov. Sup. Anarchisou soffrivelmente, e
com elle, co-anarquisarão o commandante das armas e o da Estação Naval:
entorna-se um tonel de Vinagre sobre todos. Toca-se o máximo da Anarchia.
Assassina-se o Presidente e mais Autoridades. A anarquia popular empoleira um
Vinagrista: e este manda proceder uma vasta Anarchia judicial, processando tudo á
torto e á direito: mas não permite que a cidade seja abandonada ao saque. E o bom
homem principia a beber vinagre e talvez agora já não exista: e terríveis scenas se
terão desenvolvido, e por meio delas, prosperando a Anarchia popular, coadjuvada
pelos anarchisadores actos dos governantes. E que faz o Governo Central?
Desencova notáveis nulidades militares para mandá-las plenamente authorizadas,
fazer tudo que um bom Portuguez poderá praticar de profícuo contra brasileiros!!
Oh que dor!! Oh! Que pena !! que imprevidência!!... quase depois de 7 de abril; tão
tarde; já tão fora de tempo; mandar tão notáveis nullidades, gratas e agradecidas
para irem ao Pará... Fazer o quê? Restabelecer a boa ordem! de quê? das
elleições? E a favor de quem? De notáveis nullidades ainda maiores? Oh dor! Oh
pena! Que imprevidência!!
(...)

O que podemos perceber é que há uma justificação para os fatos ocorridos no Pará. A
revolta popular foi justificada pelo Anarchista Fluminense já que as autoridades eram
“nulidades”, inúteis e ilegítimas. A justa insurreição foi defendida nesse artigo.

A Eleição para Regente


A real falta de sugestões acerca da legitimidade dos governantes, se consubstanciou no
Apartidarismo quando o jornal escreveu sobre as eleições para Regente. Restando apenas três
dias para se realizar a eleição para Regente uno, o Anarchista Fluminense se manifesta,
posicionando-se frente às opções de candidatos do pleito. Um aspecto importante não pode
ficar de fora quando lê-se os artigos do Jornal seria: a forma como este estava despreocupado
com seguir uma política mais ortodoxa e ligada aos “partidos” políticos e às sociedades
políticas de seu tempo.
Um bom exemplo, seria o artigo em que comenta a eleição para regente. O artigo
seguinte se chama: A grande cartada! Sete é ponto! Neste artigo, que tem por objetivo
comentar as eleições para Regente, que esta por vir, é muito importante para o esclarecimento
de que O Anarchista Fluminense, em verdade, não é partidário de nenhum dos três “partidos”
do período Regencial. Definitivamente se assume contra Caramurus, Exaltados e Moderados,
e seus respectivos candidatos. Eis o trecho:

Rápido vem correndo para nós, cheio de Carantonhas e arreganhado o


dia 7 de Abril de 1835, empunhando um tremendo baralho de cartas destramente
embaralhadas, juvioso convidando os patáos ao jogo, e a individarem seus desejos,
pretensões, e projetos de empolgar a GRANDE PASTA!
(...)
E não Farão muito maior injustiça os Srs. Moderados, Marrecos,
Mamados, Rusguentos, Caramurus, ex-Retrógados, a imensidade dos sectários de
todas essas tribos políticas se votando em um “Pateta”, um “Careta” um
“Padrescas” tencioneiro, deixarem no abandono o meu INCLITO, o gadelhudo
confrade, cujo útero cerebral concebeu a inconcebível concepção das centenas e
das vintenas das grandes famílias, cujo Adão Moderno será o supremo grande
Papai-Avô, representando ele de Caim e o Brasil de Abel? (...)197
(...)
(...) o Anarchista sente-se em paz com a sua consciência por não ter sido
omisso no emprego de seus meios para empoleirar o seu coryphêo certo de que
não terá o Anarchista de que se arrepender como há de acontecer com os que
granizão, brigão, seduzem aos eleitores para votar em pessoas, que nenhum
paralelo correm com o nosso INCLITO.

Demonstra-se neutro frente aos candidatos. Anula-se frente às opções. Apenas tem o
anseio de depreciar a todos os candidatos, sem sugerir nem acreditar em um candidato que
pudesse se destacar dos demais, todos são péssimos e na eleição do Regente. Não se preocupa
em considerar um deles melhor ou pior, simplesmente se mantém imparcialmente contra
todos, indicando para eleição o seu maior inimigo, o Padre Marcelino.
De fato, o Padre Marcelino, que aparece como motivo de piada e como espelho do
ódio que o Anarchista Fluminense tem pelas eleições que ocorreriam em breve, foi votado.
Chegou a receber votos para Regente na província do Espírito Santo (Sua província Natal)

197
O Anarchista Fluminense, nº 6. 04/04/1835 p.03.
como vemos na apuração publicada no Mensageiro da Praia Grande do dia 28 de Abril de
1835:

No Colégio da Cidade de Vitória: D. A. Feijó: 26; Hollanda Cavalcanti:24;


Senador Santos Pinto: 16; P d`Araújo Lima: 15 Padre Marcelino Pinto Ribeiro
Duarte:13; M de C P. Andrade: 1. 198

A Ordem do “eu princípio”.

Assim como Apartidário, o Jornal (que muitas vezes se apresenta na primeira pessoa)
se reconhece como um verdadeiro individualista, desprovido da necessidade de se associar
para fazer sua política. Agir conforme seus princípios é o que propõe. Se situa na ordem,
admitindo que tem preceitos únicos.

Vós fallareis quando e onde quizerdes: eu, como dono da caza onde estou
escrevendo, e da tinta de papel em que rabisco, sem mais tira-te, nem guarda-te, e
mesmo sem pedir palavra, nem licença, vou desde já sahindo á campo: e bem vêdes
que perdido será todo o tempo gasto em chamar-me a ordem; porque vos digo mui
afincadamente que estou dentro da ordem e bem na ordem... oh! Maldita que seja a
tal ordem, que por toda parte me persegue tyranicamente!!... Estou fóra da ordem,
dizeis vós? Ergo estou na desordem? Estou pois no meu Elemento: Eu principio199

Sem dúvidas esta consideração final é essencial para a compreensão do aspecto


individualista que sustenta suas idéias. O fato de não conseguir se enquadrar nas vertentes
políticas de sua época e agir de maneira independente das opiniões ou das diretrizes de
qualquer vertente política, cria a sua própria forma de agir.
Uma das conclusões essenciais do discurso do Anarchista Fluminense, seria, a
percepção neste autor (ou nestes) de uma porção enorme de individualismo, expresso de
maneira significativa na forma como se enxergava único, e, pregando o agir de acordo com a
sua vontade, com a sua opinião.

***

198
O Mensageiro Da Praia Grande, 28/04/1835. p.03.
199
O Anarchista Fluminense nº 7, 30/04/1835. p.05.
4.3 A anarquia no discurso do Anarchista Fluminense.

Tendo aqui já traçado o quadro de Angústias que moveram o Anarchista Fluminense.


Vamos apresentar quais os significados dados ao termo anarquia pelo Anarchista Fluminense.
A palavra anarquia vai ser o grande catalisador do ódio que os redatores do jornal
sentem frente à realidade da administração do governo brasileiro. Quando o jornal pregava a
destruição, propõe então, o inverso da ordem, a desordem, a destruição total. Destruição esta,
que surge como a própria solução, uma vez que a situação vigente era demasiadamente
incompetente e corrupta. A destruição é negativa, porém destruir algo ruim torna a destruição
positiva.
Podemos perceber que o Redator do Anarchista Fluminense se utilizou da definição do
Nova Luz Brasileira, e certamente, este, utilizava o significado de Tirania, para expressar a
sua insatisfação com uma série de posturas dos governantes assim como a insatisfação perante
leis que por ele eram vistas como “imorais” e “tirânicas”. Dessa afirmativa temos
constantemente no periódico a crítica a legisladores, e representantes da lei como Anarquistas.
Esta atitude, de certo modo, não se difere do que já aparecia em outros periódicos, que se
utilizam do mesmo artifício. Porém, o termo: Anarquista, no decorrer da leitura do periódico,
apresenta-se como um termo dúbio, utilizado de maneira antagônica, e que pode significar os
dois extremos: o Bem, e o Mal, ambos personificados nesta mesma palavra. Se for para não
cumprir uma lei, interpretada pelo autor, como injusta, ser anarquista seria um dever. A
negação da existência do governo seria professada pelos autores do jornal, por conta dos
males que este proporciona a sociedade, prevaricando em sua função, e agindo de maneira
imoral (nos princípios básicos do contrato com o povo), além de ser demasiadamente
repressivo e intrusivo.
Percebemos então, que este jornal trazia ao termo anarquia, um significante
apropriado por um outro termo do dicionário do Nova Luz Brasileira, que foi publicado
inclusive, na mesma data em que a definição de anarquia. O termo seria: Licença. Como já
vimos, este termo se referia às desordens que o povo comete quando as autoridades
prevaricam. Uma reivindicação justificada, uma anarquia positivada, um direito de
resistência. A liberdade excessiva do povo, aqui é justificada, da mesma maneira que
paralelamente ocorria, tal qual vimos no capítulo 3, com a palavra insurreição. Cabe aqui
lembrar que no Vocabulário Portuguez Latino do Padre Raphael Bluteau, este toma por
sinônimos os termos Anarchia e Licentia, e, como já vimos, trazia uma idéia menos ligada à
destruição e relacionada com a permissão para o bem, a falta de moderação e a liberdade de
crítica. Outro ponto que esse jornal frisava seria a liberdade de agir de acordo com a vontade
de cada indivíduo, corroborando com o significado encontrado em léxicos do século XVIII.
A Diferenciação feita pelo Anarchista Fluminense estaria nesse sentido. A Anarquia
passou a assumir essa denotação seria que este: “Conquanto se regozije com a perturbação
geral, censura os injustos200” O Anarchista fluminense se propõe a destruição da ordem
injusta, da ordem que prevarica, que age injustamente.
O grande diferencial que percebemos nos significados que os autores do Anarchista
Fluminense dão à palavra frente a outros periodistas, seria a utilização do termo, para designar
algo positivo, algo que nada tem com os significados desordeiros que comummente se usava,
porque é a desordem justificada. O Termo negativo, combatendo os fatos negativos, conferem
ao primeiro a denotação positiva.
Outra grande importância que devemos frisar, é que neste periódico o termo anarquia
é invocado em nome de um “chamamento partidário”, tal qual se o termo Anarquista fosse o
nome de uma “sociedade”. Traz a tona uma possibilidade para o termo, desta vez, revestido de
um ideal, uma opinião. O Anarchista Fluminense chama os seus leitores a participarem de
uma oposição ao governo, através do direito de resistência que este tem, e devem exercê-lo.
Aqui, talvez seja importante frisar que há um apontamento para essa esfera de significância do
termo, registrada pelos dicionários franceses que incluíam a possibilidade da anarquia ser
tomada como um ideal, uma máxima.
Em resumo, um partidário da Anarquia para O Anarchista Fluminense seria aquele que
censura os injustos.201

***

200
O Anarchista Fluminense nº 7. 30/04/1835.
201
O Anarchista Fluminense nº 7 .30/04/1835. p.06.
4.4 O Anarquismo

Nesse momento, será feita uma comparação com os significados dados por dicionários
políticos e filosóficos ao conceito de Anarquia, e eventualmente de Anarquista, ou
Anarquismo, que podem demonstrar, além de uma conceituação “geral”, um perfil histórico
destes conceitos. Estes dicionários se destinam a traçar os limites da definição de Anarquismo,
assim como mostrar um pouco das obras literárias produzidas, que se dedicaram ao tema.
Estas literaturas têm muito a colaborar para elucidar quais os valores que se consolidaram
dentro do ideal Anarquista e os escritos que colaboraram para o pensar da filosofia do
Anarquismo.
A outra importância do recurso dos dicionários políticos e filosóficos é que estes
tratam do tema de modo a teorizá-lo e “esmiuçá-lo” de forma a separar as diversas idéias que
este conceito pode carregar. Assim, podemos fazer uma comparação destas referências, com
as idéias que o discurso do Anarchista Fluminense se propôs a sustentar.
O objetivo de traçarmos estes limites da conceituação de Anarquismo seria: comparar o
discurso do jornal, as idéias defendidas, e os pontos cruciais de seu agir político, com os
preceitos do Anarquismo, tal qual é enxergado hoje em dia pela Filosofia e a Ciência Política,
com o intuito de verificar até que ponto estes dois conceitos apresentam congruências.
Faremos um levantamento Geral dessas principais premissas da doutrina anarquista para
tentar comparar com as idéias expressadas nos textos do Jornal.

Tendo em vista elaborar um histórico do Anarquismo, tentativas foram feitas pelos


estudiosos do Anarquismo, para traçar as origens deste seu ponto de vista, nas sociedades
primitivas, que não possuíam governo. Há também uma tendência de se detectar os pioneiros
anarquistas entre uma enorme variedade de professores e escritores, que por várias razões,
religiosas ou filosóficas, criticaram a instituição do governo, que rejeitaram a atividade
política, ou, que deram um grande valor a liberdade individual.
Nesse sentido, há uma grande variedade de “ancestrais” encontrados assim como: Lao-
Tsé, Zenão de Eléia, Spartacus, Etienne de la boétié, Thomas Münzer, Rabelais, Fénelon,
Diderot, e Swift. As inclinações anarquistas também foram detectadas em muitos grupos
religiosos desejando uma ordem “comunalistica” assim como à essências dos cristianismo
primitivo dos apóstolos, os anabatistas e os doukhobors.202 Contudo, assim como é verdade
que algumas das idéias centrais libertárias são encontradas em diversos graus nesses homens e
movimentos, as primeiras formas do Anarquismo, enquanto uma filosofia social desenvolvida,
surgem no começo da era moderna, quando a ordem medieval se desintegrava, e as
rudimentares formas da política moderna e organização econômica começaram a surgir. Em
outras palavras: A emergência do estado moderno e do capitalismo é paralela à emergência
da filosofia que em várias formas, têm se oposto a eles mais fundamentalmente.203
Historicamente, a palavra anarquista que deriva do grego “an” “archos”, significando:
sem governo, surge inicialmente usada de maneira pejorativa significando aquele que nega
todas as leis e deseja promover o caos. Foi utilizada neste sentido contra os “levelers” na
Guerra Civil Inglesa e durante a Revolução Francesa pela maioria dos partidos, na crítica
daqueles que se mantinham à esquerda deles no espectro político.
A primeira utilização da palavra com uma descrição aprovatória de uma filosofia
positiva, parece ter sido por Pierre Joseph Proudhon, em seu O que é a propriedade?
Publicado em Paris ao ano de 1840. Ele se descrevia como anarquista, por acreditar que a
organização política baseada na autoridade, devia ser substituída pela organização social e
econômica baseada num acordo contratual voluntário204.
Segundo Gian Mario Bravo, é com a Revolução Francesa e com o desenvolvimento
industrial, nasce e se afirma um tipo de Anarquismo a que pode ser dado o nome de
“moderno” e que permanece ainda no debate político de nossa época. Tomando por base
essa premissa de que há uma nova conceituação do Anarquismo, este autor ressalta que: o
primeiro índice dessa mudança é a consagração do termo “Anarquia” em sentido positivo.
Outro aspecto crucial dessa virada histórica seria a tomada do termo positivado acompanhado
de uma negação absoluta do presente social, apontando para uma ruptura revolucionária, (A
negação pura seria talvez, o único componente a ser colocado em evidência) A partir dessas
duas premissas essenciais, da negação positiva, é que então: a anarquia recebe novas formas
de elaboração teórica e de aplicação prática, que vão se reelaborando ao longo do século
XIX205.
Todavia, os dois usos da palavra sobreviveram juntos e causa uma confusão na
discussão do que seria o Anarquismo, que para alguns, parece uma doutrina de destruição e

202
WOODCOCK , Georges, Autor do Verbete: Anarchism in: Edwards, Paul, The Encyclopedia of philosophy.
New York: MacMillan Reference, 1996. V. 1.
203
WOODCOCK , Georges, Autor do Verbete Anarchism in: op.cit
204
PROUDHON, Pierre Joseph, A propriedade é um roubo. Porto Alegre: LP&M, 1998.
205
BRAVO, Gian Mario, Autor do verbete: Anarquismo. In: BOBBIO, MATEUCI PASQUINO, Dicionário de
Política. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. (4ª ed.)
para outros, uma benevolente doutrina baseada na fé inata da bondade humana. Há também
uma confusão posterior entre o que seria Anarquismo, Nihilismo, e Terrorismo. De fato, o
Anarquismo, que é baseado na lei natural e na justiça, se mantém no pólo oposto ao Nihilismo
que nega todas as leis morais206. Similarmente, não há uma conexão necessária entre o
Anarquismo, que é uma filosofia social, e o Terrorismo, que é um meio político
ocasionalmente utilizado por anarquistas individualistas, mas por ativistas pertencentes a
grande variedade de movimentos que nada tem em comum com o Anarquismo.207
A filosofia Anarquista tomou muitas formas, nenhuma a qual pode ser definida como
uma ortodoxia. E em seus expoentes, deliberadamente cultiva a idéia de que é uma doutrina
aberta e mutável. De qualquer maneira, todas as suas variantes combinam uma crítica a
existência de sociedades governamentais, uma visão de uma futura sociedade libertária, que
deve repor as governamentais.208
Na Enciclopédia internacional das Ciências Sociais no verbete Anarquismo.
encontramos que o Anarquismo é uma soma de suas muitas partes. Aqueles que se rebelam
contra a autoridade pode ser atraído por uma das partes do Anarquismo. Ele destaca um
outro aspecto, que sem dúvidas é o que mais se aproxima com os objetivos de análise desta
pesquisa: o fato da Anarquia, ser uma atitude espontânea da mente, muito mais que uma
teoria rigorosa, acaba apresentando que há uma diversidade nas formas como ela é entendida
e expressada.209
Um outro dicionário, “Vocabulário Técnico e Crítico de Filosofia” também admite as
variedades enormes que podem assumir esta idéia com a seguinte colocação: Doutrina
Política (comportando variedades notáveis) e cujo ponto comum consiste em rejeitar toda
organização do Estado que se imponha acima do indivíduo210.
No “Dicionário de Política” de Bobbio, Mateucci e Pasquino, quando faz
primeiramente uma “Definição geral” do Anarquismo, caracteriza como: libertação de todo
poder superior, de ordem ideológica, política, econômica, social, e jurídica a estes motivos se
junta o impulso geral para a liberdade. Daí provém o rótulo de libertarismo. Neste texto há o
destaque de uma premissa essencial para o trabalho: “liberdade de agir sem ser oprimido por
qualquer tipo de autoridade, admitindo unicamente os obstáculos da natureza de opinião, do
senso comum”.
206
Ver Verbetes: Nihilismo Terrorismoin:BOBBIO, NICOLA, PASQUINO, op. cit.
207
Idem.
208
WOODCOCK., Georges. Autor do Verbete: Anarchism in: EDWARDS, Paul, op. cit.
209
HACKER, Andrew, autor do Verbete: Anarchism in: STILLS, David (org.), International Encyclopedia of the
Social Sciences. New York: Macmillan Company & The free Press. 1982.
210
LALANDE, André, Vocabulário técnco e crítico de Filosofia. São Paulo: Martins fontes,1999.
No campo doutrinal, A primeira obra publicada nesse sentido, foi o livro de William
Godwin, o Enquiry Concerning political justice. Esta obra foi baseada na idéia principal de
que: as leis humanas são falíveis, e os homens deveriam usar seus entendimentos para
determinar o que é justo, e deveriam agir de acordo com sua própria razão, ao invés de em
obediência a autoridade das “instituições positivas” que sempre formam barreiras ao
progresso iluminado. Godwin rejeitava todas as instituições estabelecidas e todas as relações
sociais que sugeriam desigualdade ou o poder de um homem sobre outro. Neste estudo,
Godwin propõe a organização social em pequenos grupos de homens procurando a verdade e
a justiça; em uma sociedade de indivíduos livres, organizados localmente em paróquias
(freguesias), e ligados de maneira frouxa em uma sociedade sem fronteiras, e com o mínimo
de organizações. Em seu trabalho, há ênfase nas condições dos artesãos e os camponeses.211
A Completude da lógica do Political Justice, é sua surpreendente antecipação dos
posteriores argumentos libertários, faz dela, assim como o Sir Alexander Gray disse : “o
resumo e a essência do Anarquismo”.
Corroborando com isso, temos, na seqüência, uma “Evolução Histórica do
Anarquismo” aonde insere-se a obra de William Godwin “Enquiry concerning political
justice” o momento de um verdadeiro desenvolvimento Anárquico. A recusa de autoridades
governantes e da lei, são inseridos numa dinâmica dominada pela razão e por um justo
equilíbrio sobre necessidade e vontade. Neste verbete, entre os “objetivos, meios e táticas” do
Anarquismo, temos uma das explicações mais satisfatórias a nossa análise: O Anarquismo
condena a lei, ou seja, toda a forma de legislação que, na prática, seja a expressão de
repressão por parte da máquina do Estado.212 Termina sua definição geral com a frase
também utilizada por outros dicionários, atribuída a Sebastien Faure na Encyclopedie
Anarchiste: “A Doutrina anárquica se resume a apenas uma palavra: liberdade”.
Godwin questionou a Justiça e as leis criadas pelo homem. A primeira (diz ele)
baseada em verdades éticas imutáveis; a segunda, nas decisões falíveis de instituições
políticas. É preciso que o homem chegue ao que é certo através de sua própria compreensão e,
aqui serão as evidências e não a autoridade que deverão guiá-lo.213
Ao fazer sua análise, cita Godwin com sua frase: Com que júbilo deve cada amigo
bem informado da humanidade esperar pela dissolução do governo político! Essa máquina
Brutal, a única e eterna causa de todos os erros da humanidade, tem males de vários tipos

211
WOODCOCK, Georges, Historiadas idéias e movimentos anarquistas. V.1: A idéia. Porto Alegre: LP&M,
2007.
212
BRAVO, Gian Mario, Verbete: Anarquismo in: op. cit.
213
Woodcock, Georges, op. cit.
incorporados à sua substância, os quais não poderão ser removidos senão com a sua total
destruição214.

***

CONCLUSÃO

214
GODWIN, William, Enquiry concerning political justice”, 1793, citado em WOODCOCK, Georges, Autor do
verbete: Anarchism in: op.cit.
O Anarchista Fluminense foi um periódico contrário aos ideais dos moderados e da
política do “justo meio”. Este, considerava os meios pelos quais os liberais moderados
conduziam sua política, injustos. O ano de 1835, sendo um ano em que a repressão do
governo se fez mais presente, foi também um ano que deu margem às críticas mais ferozes
dos insatisfeitos com o governo, ainda que não o fizessem em nome de um ideal político
específico. O Ambiente do Anarchista Fluminense foi propício, pois, no Brasil, o ano de 1835
foi um ano tenso, no qual o Império Governado pela Regência, passava por momentos de
incertezas, assim como as províncias, muitas delas, se encontravam em guerra contra o
governo central.
Um dado importante para compreendermos o jornal consiste nos artifícios de
linguagem utilizados pelos redatores, como a ironia, a violência verbal e de recursos de
autoridade para atingir seus fins políticos. Desta maneira, sua retórica surgiu com a forma
comum às outras que, nesse período, passam a compor os jornais e demais panfletos
políticos215. Porém, há uma unicidade no seu discurso auto-intitulado Anarquista.
Igualmente importante, é frisar que esse jornal se propôs a criticar acremente posturas
locais. Fez um tipo de política voltada para o reconhecimento daqueles que compartilhavam
de sua comunidade, cujas críticas focalizavam acontecimentos locais; se preocupava com a
esfera municipal, primava pela moralidade, criticando as injustiças de sua comunidade,
envergonhando os “infratores” perante sua comunidade. Esses ressentimentos se estendem à
figura do Juiz de Paz, o Padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte, uma das autoridades
subalternas desprezadas pelo Anarchista Fluminense despreza, pois ele simboliza a ordem,
ainda que em nível local, mas é exatamente essa figura que, na prática, mais cerceava os
indivíduos. Algo que revela uma preocupação bem pouco explorada em seu tempo, quando os
periódicos ainda não davam tanta ênfase a esse tipo de conteúdo.
Por volta do ano de 1835, a apalavra anarquia passa a carregar o significado de
systeme, opinions nos dicionários franceses. É nas cercanias desse momento que se constrói o
termo Anarquismo como uma doutrina política. É um momento de rupturas com significados
anteriores, sempre com apelos destrutivos, e sem admitir-se como um sistema de regras
próprias, uma opinião, uma construção. Esse direcionamento do termo, esse fenômeno que se
operava atingiu a completude, se concretizando de maneira mais apurada com o escrito de
Proudhon no ano de 1840. O fenômeno da transformação da palavra, estava acontecendo

215
Tomando por base o texto de José Murilo de Carvalho, que demonstra a forma como se apresentavam os
discursos panfletários do período que se seguiu às reformulações da sociedade brasileira, a partir de seu processo
de independência, e, no período das Regências.
durante a década de 30 do século XIX, e era compartilhado na rede de significados dessa
maneira.
Paralelo à transição das formas de utilização do termo anarquia, há o momento de
construção do Anarquismo moderno216. Juntamente com esse conceito de Anarquismo
moderno, temos a consolidação da palavra anarquia com características de uma doutrina.
O Anarchista Fluminense teve sua proposta ligada ao ideal da justa licença de agir
como convém ao indivíduo, principalmente nos casos em que o que lhe convém está de
acordo com os preceitos de sua liberdade, como possuidor de direitos naturais irrevogáveis, e
da consciência de que um bom governo deve ser ético, e de que o aparato governamental
assume papéis que deveriam manter-se incorruptíveis, mas, que na prática, colaboram para a
geração de diversos males em diferentes esferas da sociedade.
O Caso do Anarchista Fluminense, nos parece ser o de um jornal dividido entre duas
formas de Anarquismo, o antigo, que estaria bem representado nos anseios a que se propunha,
sempre no sentido de criticar as leis, sobretudo, as que se sobrepõem ao direito natural,
indiscutivelmente adquirido aos indivíduos. Este jornal não propõe a privação da existência
do governo na prática. Faz suas críticas utilizando-se dessa “meta ideal”, mas na forma de
uma crítica às novas leis que alteram a vida dos indivíduos, que os privam de agirem
conforme seus costumes, e aos governantes imorais. Uma forma de Anarquismo Antigo.
Porém, assume os meios do Anarquismo moderno como a escrita de periódicos, enquanto
difusores de ideais, além de utilizar o termo Anarquista, como título com um significado
positivado, tendência do termo que justamente nesse momento se constrói com esse
significado. A “forma” da anarquia Moderna foi esboçada pelo Anarchista Fluminense, no
tipo de crítica que aponta para a sugestão do desejo da privação da existência do governo por
si só.
Anarquista é um termo que pode assumir um sentido destrutivo quando utilizado para
acusar. Nesse sentido, considera-se que o Estado assumia uma postura anarquista, já que seus
governantes não eram cerceados por ninguém, e por isso agiam a seu bel-prazer; Desse modo
o jornal se utilizado termo para se contrapor de forma irônica aos desmandos do Estado – no
qual grassava a corrupção, em função da falta de controle no trato da coisa pública – e propõe
uma outra concepção para o referido termo. Logo o jornal desenvolve sua política propondo
um novo significado para a palavra Anarquista propondo a destruição do governo.

216
BRAVO, Gian Mario: Autor do Verbete Anarquismo in: BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, Dicionário de
Política. São Paulo: UnB, 2002.
A conclusão a que se chega é de que duas assertivas negativas produzem uma positiva.
Uma negação que se siga a outra, gera um conceito “positivado”. Cria-se um novo significado
para o termo Anarquista, desta vez, ultrapassando para um novo campo, distanciando-se da
negatividade que usualmente carregava, para seguir um novo sentido, que indica uma
tendência do termo que adquire novas nuances que partem desse sentido.
O Anarquismo é uma filosofia política radical, que percebe na autoridade estatal o
maior obstáculo à liberdade de vontades, e por isso quer sua abolição. Anarquistas se dividem
entre as diversas formas de alcançar este objetivo. Nesse sentido, destacamos, a título de
ilustração, o “anarquismo individualista” de Max Stirner já no 3º quartel do século XIX.217
O posicionamento político desse periódico, acima de qualquer outro termo, deve ser
avaliado como oposição à tirania e às leis que oprimem os cidadãos. A falta de proposta ou
sugestão nas críticas feitas pelo jornal à sociedade civil, e a forma com que se conduzia a
política Regencial, são, marcantemente, os principais objetivos dos artigos. O desejo de que
não haja governo é o discurso proferido para o fim oposicionista a que o periódico se propõe.
Demonstra a necessidade que o moveu a escrever os artigos: imoralidade e injustiça política.
O próprio jornal na 7ª edição define o Anarquista como aquele que censura os injustos, esta é
sua finalidade: destruir a ordem é destruir as injustiças geradas pela existência dela. Isso por si
só já demonstra não apenas um novo significado mas também o novo apontamento deste
termo, no sentido do que se conhece como Anarquismo. O que o jornal julga ser injusto é
exatamente a corrupção existente no governo, e as leis que interferem diretamente no âmbito
privado dos indivíduos.
Concluímos que este periódico pode ser considerado, a sua maneira, um defensor
desses ideais do Anarquismo. Ainda que não seja um Anarquista Completo (como no caso de
Proudhon), focando-se em questões jurídicas e assumindo posturas conservadoras, apontava
também sua política para esse sentido.

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