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Abstract: This paper presents the contributions of science education to student’s moral
development. The cognitive approach of Piaget (1994) and Kohlberg (1984) is adopted with
emphasis to the resolution of socioscientific dilemmas.
Quando se fala em moral ou de- tipo de questionamento. Este tipo excessiva e dogmatismo. Como diz
senvolviemtno moral, é inevitável a de EMC levava, inevitavelmente, à La Taille (2006, p. 28), o Governo
aproximação com o antigo curso de heteronomia, ou seja, os estudantes Militar ajudou a empurrar “a palavra
Educação Moral e Cívica (EMC), faziam seus julgamentos morais com moral para os calabouços semânticos
existente nas escolas brasileiras base em regras impostas de forma da Educação”. Em vista disso, hoje,
há alguns anos. Esta disciplina foi coercitiva, fato que ainda hoje, infe- há a preferência pelo uso da palavra
implantada nas escolas brasileiras lizmente, impera em algumas escolas ética, conforme podemos ver nos
pela Lei nº 5692 de 1971 (Brasil, (Araújo, 1996). É óbvio que esse Temas Transversais dos Parâmetros
1971), seguindo as recomendações tipo de educação moral está longe de Curriculares Nacionais (PCN) (Bra-
do Decreto-Lei nº 869 de 1969 (Bra- atingir objetivos ligados à formação sil, 1997a, 1998a). Apesar de terem
sil, 1969). Este Decreto-Lei também de pessoas racionais, críticas, livres sentidos diferentes, moral e ética,
criou a Comissão Nacional de Moral e autônomas. como mostraremos adiante, a ética
e Civismo, cujo objetivo era o de Mesmo após a eliminação dessa tratada nos PCNs é, evidentemente,
implementar e fiscalizar os ideais de disciplina do currículo, a palavra a moral de que falamos.
educação moral do Governo Militar moral causa, ainda, muitas vezes, Mesmo com todas ações que
nas escolas. Destacamos que o tipo um mal-estar entre as pessoas, já que denotam preocupação e busca de
de moral abordada na disciplina de remete ao passado de obediência da soluções para resolver problemas
EMC baseava-se na obediência às EMC. Além disso, a palavra moral relativos ao tema, os objetivos da
regras estabelecidas, sem qualquer lembra moralismo, normatização educação moral estão longe dessa
Contribuições do ensino de ciências para o desenvolvimento moral
visão simplista, a qual foi assumida dimensão dos deveres. Uma atitude sinônimo de sentimento de culpa e
pelas pessoas e pelos governos que moral responde às perguntas: o que autopunição.
instituíram a educação moral com o devo fazer e como devo agir? Tanto Durkheim (2008) como
objetivo único de manter a ordem e A ética, por sua vez, é “uma re- Freud (1974) não elegem um conte-
a heteronomia. A educação moral é flexão filosófica ou científica sobre údo para a moral. Os deveres morais
importante, de fato, pois permite o a moral” (La Taille, 2006, p. 26). variam de acordo com a sociedade
exercício da justiça, da igualdade e Assim, o dever de não mentir perten- e a eles se deve obedecer. Isso é o
da equidade. Ela remete à educação ce à dimensão moral, mas a reflexão que Kant (2005) descreve como a
para valores, a qual permite fazer sobre o fato de, algumas vezes, uma moral heterônoma, a qual depende da
frente à sociedade marcada pela mentira poder ser melhor ou menos autoridade e da coerção, e é guiada
“tecnificação e racionalização das danosa que a verdade pertence à di- por motivos extrínsecos à pessoa. O
relações sociais” (Dias, 1999, s.p.). mensão ética. Entretanto, essas não indivíduo que vive em heteronomia
A educação está pautada pela coope- são as únicas definições possíveis não enxerga o valor das regras em si,
ração e solidariedade em detrimento para moral e ética. Outra definição mas o valor que a sociedade atribui
do individualismo, da competição muito comum é aquela que demarca às regras.
e da fragmentação. Apesar desta as esferas públicas e privadas: a Na heteronomia, o papel da ra-
contribuição, não acreditamos que moral é o conjunto de normas e de- zão é legitimar a moral, conhecer
haja a necessidade de uma disci- veres a serem observados na esfera e compreender as regras impostas
plina específica para isso. Cada privada, enquanto a ética se relaciona pela sociedade para poder aplicá-las.
disciplina escolar pode, dentro dos às normas e aos deveres a serem Em suma, ser moral é obedecer aos
seus conteúdos, abordar aspectos respeitados nos espaços públicos (La mandamentos sociais. Os indivíduos
morais e éticos. Taille, 2006). Para diversos filósofos, aprendem a moral por meio de mo-
É exatamente isso o que sugerem contudo, não há muito sentido na delos prontos, aos quais se adaptam
os PCNs, ao considerarem a ética distinção entre moral e ética (Canto- (La Taille, 2006).
e a moral como temas transversais Sperber e Ogien, 2004). Outro aspecto importante nesta
(Brasil, 1997a, 1998a). Todas as dis- Conforme Freud (1974) e discussão é que esse tipo de moral
ciplinas escolares, de alguma forma, Durkheim (2008), a moral é algo tem suas bases somente na afeti-
podem tratar da ética e da educação externo ao indivíduo. As regras são vidade. Nesse sentido, as pessoas
moral em suas diferentes dimensões. ditadas pela sociedade e o indivíduo reconhecem uma força superior
Apesar de as indicações dos PCNs deve, invariavelmente, obedecer- que determina as leis que devem
e da importância e relevância dos lhes. O não cumprimento das regras ser seguidas. O grande problema de
estudos em educação moral, não há e leis sociais pode levar o indivíduo uma abordagem da moral, fundada
pesquisas que identifiquem procedi- à punição ou ao banimento social. exclusivamente na afetividade, é
mentos educativos que contemplem Essa moral visa manter a ordem o de cairmos no relativismo moral
a dimensão ética e moral dos conte- social e é determinada pela socie- para o qual não existem preceitos
údos (Dias, 1999). Por essa razão, dade. Durkheim (2008) tenta fundar morais universais. A moral, dessa
neste trabalho, buscamos mostrar uma moral laica, com base na razão, forma, passa a ser de cada indivíduo
possíveis contribuições do ensino eliminando todo elemento religioso ou sociedade. Afirmar isto é o mes-
de ciência para o desenvolvimento da educação moral. Para substituir mo que dizer que a moral não existe
moral dos estudantes. a religião, o autor elege a sociedade ou que cada um age conforme a sua
como o novo ser sagrado, ao qual moral pessoal ou cultural. Um relati-
Moral e desenvolvimento as pessoas devem aderir. Para ele, vista moral pode observar barbáries
moral ser moral é agir na orientação de cometidas em algumas sociedades
fins impessoais e não dos próprios e culturas, sem emitir qualquer
O termo moral é, não raras ve- interesses, ou seja, ser moral é buscar juízo de condenação moral. Ser
zes, confundido com ética, e seus o bem da sociedade e seguir as suas tolerante em relação às diferentes
usos já estão desgastados, já que regras. Segundo Freud (1974), a culturas não significa endossar
vêm sendo empregados de forma moral se origina da renúncia incons- atos reprováveis do ponto de vista
acrítica (Romano, 2001). Por isso, ciente das pulsões, dos desejos e da moral. Como exemplos negativos
julgamos importante destacar o que agressividade. O superego é o guia da moral ligada à afetividade, que 163
queremos dizer quando falamos de moral e dita ao ego o que é certo ou envolve o respeito à autoridade e
moral: consideramos moral ligada à errado. Por isso, agir moralmente é não às regras e leis em si, tomamos
os experimentos de Milgram (1963). Nos trabalhos de Piaget (1994), regular a vida social. A convivência
Estes experimentos mostraram que foram usados dilemas morais ava- social e a maior maturidade cognitiva
as pessoas eram capazes de atos liados por crianças de diferentes da criança fazem com que ela perce-
contra a vida, simplesmente porque idades. Em um desses dilemas, o ba as normas como produto de um
foram assim mandadas por alguém autor pede para que as crianças acordo mútuo e não como um código
que detinha o poder. Nesse âmbito, digam quem cometeu a falta mais estabelecido por uma autoridade. No
estão algumas das críticas feitas pe- grave e, por isso, merece ser punido: jogo de pique-esconde, Piaget (1994)
los PCNs (Brasil, 1997a, 1998a) ao um menino que, acidentalmente, que- observou que havia um paralelo com
componente exclusivamente afetivo brou doze xícaras, ou outro que, por o jogo de bolas de gude. Porém,
da educação moral. desobediência, quebrou uma única. notou que as meninas davam mais
Em contraposição à moral he- Invariavelmente, crianças em torno importância à habilidade no jogo do
terônoma, Kant (2005) vê a moral dos seis anos atribuem a falta mais que a sua estrutura jurídica.
autônoma como o ideal a ser alcan- grave ao menino que quebrou doze Frente a esses resultados, Piaget
çado. Nela, as decisões e ações vêm xícaras, ou seja, as consequências da (1994) concluiu que há um paralelo
do interior e da razão dos sujeitos ação são quantificadas. Por volta dos entre o desenvolvimento moral e o
e não da coerção social. De acordo 11 anos, a intenção torna-se o fator desenvolvimento cognitivo e que
com essa visão de moral, aplicam- preponderante no julgamento moral as crianças partem de um estágio
se os imperativos kantianos: “Age e as crianças dessa idade atribuem a de anomia rumo ao estágio de au-
segundo uma máxima tal que possas falta mais grave ao garoto que de- tonomia, passando pelo estágio de
ao mesmo tempo querer que ela se sobedeceu a uma ordem. Da mesma heteronomia. Para Piaget (1994)
torne lei universal” (Kant, 2005, p. forma, em outro dilema, as crianças esses três estágios seriam universais
59); e “Age de tal maneira que uses até sete anos julgam a consequência e sempre estariam presentes, nessa
a humanidade, tanto na tua pessoa material de um ato, ao afirmarem ordem, durante o desenvolvimento
como na pessoa de qualquer outro, que um menino que roubou um pão da criança.
sempre e simultaneamente como fim para dar a um amigo faminto agiu Na anomia, não há qualquer
e nunca simplesmente como meio” pior do que uma menina que, por consciência de obrigação para com
(Kant, 2005, p. 69). vaidade, roubou uma fita, pois o pão os outros, fato que só ocorre quan-
É evidente a ênfase dada à razão é mais caro que a fita. Após os sete do a criança começa a diferenciar o
e ao respeito às pessoas, nos impera- anos, as respostas se inverteram, e o eu do outro. Na heteronomia, ocor-
tivos kantianos. Aliás, segundo Kant motivo do roubo tornou-se o foco da re o respeito unilateral, baseado
(2005), só pode haver moral fundada avaliação das crianças. nas relações de coação social pela
na razão. Quaisquer outras constata- Para estudar o respeito às regras, autoridade. Nessa fase, os deveres
ções são heteronomia. Contudo, isso Piaget (1994) analisou as atitudes dos são exteriores ao indivíduo, e as
não significa que todas as pessoas são meninos no jogo de bola de gude e as regras são obedecidas por medo
capazes de aplicar os imperativos atitudes das meninas em no jogo de ou por amor. E, nesse sentido, mais
kantianos, mesmo os conhecendo. pique-esconde. Em relação ao jogo uma vez é destacado o componente
Muitas vezes, a coerção social ou de bola de gude, as crianças passam afetivo da moral heterônoma. Na
as inclinações são mais fortes que a por uma fase em que não há regras, autonomia, ocorrem as formas
autonomia (Kant, 2005). Da mesma mas existe a simples manipulação de respeito mútuo e as crianças
forma, os PCNs admitem que o con- dos objetos. Em uma fase seguinte, entendem as regras como um tipo
texto social possa coibir a autonomia a criança toma consciência das regras de contrato social que pode ser
(Brasil, 1997a). que, apesar de consideradas sagradas julgado e modificado. O sujeito
Seguindo as categorias kantianas e invioláveis, não são aplicadas. A descobre a capacidade de intuir
de autonomia e heteronomia, Piaget prática do jogo é uma imitação do normas. Segundo Freitas (2002), o
(1994) desenvolveu uma pesquisa que fazem as crianças mais velhas e respeito unilateral é essencial para
para investigar se há um paralelo visa somente à satisfação individual, o desenvolvimento de outros tipos
entre o desenvolvimento intelectual e ou seja, é um jogo egocêntrico. Entre de respeito. No entanto, também
o desenvolvimento moral. Para isso, os sete e dez anos, a criança passa são necessárias situações em que
analisou o comportamento verbal a ter prazer em competir com os a criança viva a moral autônoma,
164 das crianças em relação às regras do outros, obedecendo a uma série de re- a qual se baseia no respeito e na
jogo, à distração, à mentira e ao rou- gras pré-estabelecidas. As regras são igualdade nas relações sociais. É
bo, e explorou a noção de justiça. reconhecidas como essenciais para importante salientar que nas socie-
Educação Unisinos
Contribuições do ensino de ciências para o desenvolvimento moral
Tabela 1. Níveis de desenvolvimento moral, segundo Kohlberg (1984) (adaptado de Biaggio, 2006, p. 24-27).
Table 1. Levels of moral development according to Kohlberg (1984) (adapted from Biaggio, 2006, p. 24-27).
diferentes, de forma a fazer avalia- moral, que considera as ramificações Nesse contexto, várias comissões
ções e o equacionamento moral das morais das decisões tomadas em internacionais debateram a utiliza-
situações propostas. questões sociocientíficas. ção das células-tronco em pesquisa
Nesse sentido, o ensino de ciên- Em pesquisa recente, descrita em biomédica, mas não chegaram a con-
cias pode contribuir com a discussão Guimarães (2005), verificamos que senso. Isso mostra que, em questões
de questões sociocientíficas em sala os estudantes eram contra a utili- de cunho moral que envolvem as
de aula. zação de engenharia genética para crenças das pessoas, não existe uma
fins estéticos, por imaginarem que única solução (Neri, 2001). Mesmo
Questões sociocientíficas isso poderia levar à criação de uma no interior das diferentes religiões,
e desenvolvimento moral nova casta de pessoas que teriam houve desacordos quanto à utiliza-
como obter vantagens futuras. Nessa ção das células-tronco e o estatuto
Questões sociocientíficas são mesma pesquisa, alguns estudantes do embrião (NBAC, 2000).
aquelas que envolvem a interação usavam argumentos religiosos para A nosso ver, os estudantes devem
entre a ciência e a sociedade e negar, inclusive, as manipulações ser estimulados a debater esses as-
valem-se de aspectos éticos e mo- genéticas com fins terapêuticos. suntos, usando todas as informações
rais. Segundo Zeidler et al. (2002), A utilização de células-tronco a que puderem ter acesso, sejam elas
vários pesquisadores têm mostrado é outro tema sociocientífico em informações científicas inerentes a
a importância da utilização de ques- destaque nos últimos anos. Apesar cada controvérsia moral ou conhe-
tões sociocientíficas em sala de aula, das benesses prometidas, há ainda cimentos de outra natureza.
tanto para o aprendizado de concei- muitas controvérsias científicas, É importante ressaltar que o objeti-
tos científicos como para o desen- morais e jurídicas a respeito de vo das discussões em questões socio-
volvimento moral, a argumentação seu uso (Lacadena, 2003). Um dos científicas não é encontrar a verdade
e a avaliação da informação. problemas na pesquisa com células- moral ou científica. Como já dito, a
O uso de células-tronco, terapia tronco é o estatuto do embrião: em resolução dessas questões não é fácil
genética, clonagem, problemas am- que momento o embrião adquire e envolve múltiplos aspectos da vida
bientais e utilização de energia, entre status de ser humano e se torna dos estudantes. Por isso, cabe res-
outros, são exemplos de questões indisponível para a pesquisa? É saltar que o objetivo das discussões
sociocientíficas. Esses temas, além correto utilizar um embrião humano é permitir que cada aluno avalie as
de seu conteúdo científico, possuem para salvar uma outra vida humana? informações, saiba alegar e ouvir os
aspectos morais importantes que de- Existem algumas tentativas de res- argumentos dos colegas com respeito.
vem ser destacados em sala de aula, ponder a essas perguntas, mas nem A tomada de decisão, se é que ela vai
além de serem temas também apon- todas são livres de problemas éticos ocorrer, pode levar em conta aspectos
tados pelos PCNs (Brasil, 1997b, (Salem, 1997). científicos, morais, religiosos, eco-
1998b) para o ensino de ciências, As controvérsias científicas dizem nômicos ou políticos do problema
como possuidores de aspectos éticos respeito à potencialidade terapêutica analisado. Como muitas questões
relevantes para o ensino. das células-tronco embrionárias e sociocientíficas atuais envolvem
Segundo Sadler (2003), as ques- somáticas. A limitada capacidade aspectos morais, sua discussão se
tões sociocientíficas devem ser de diferenciação das células so- configura como um importante fator
consideradas do ponto de vista máticas faz com que se defenda o para o desenvolvimento moral dos
de múltiplas perspectivas, pois, uso de células-tronco embrionárias. estudantes (Blatt e Kohlberg, 1975;
frequentemente, não possuem re- As questões éticas relativas à vida Kohlberg e Hersch, 1977).
soluções simples e contam com do embrião, à incompatibilidade Sadler e Zeidler (2005) verifica-
processos de raciocínio informal, imunológica das células-tronco ram, em suas pesquisas, que pessoas
que difere do raciocínio formal, tão embrionárias e sua capacidade de que haviam passado por situações
comum nas ciências e nas aulas de gerar tumores levam a uma opção semelhantes às apresentadas para
ciências. Isso não significa, contu- pelas células-tronco somáticas. As discussão sentiam empatia pelo per-
do, que o raciocínio informal seja pesquisas nesse campo são, ainda, sonagem do exemplo e tomavam de-
irracional: ele é racional, na medida tema de muitas controvérsias e cisões em seu favor. Um dos dilemas
em que possui objetivos, é siste- debates que parecem longe de uma sociocientíficos usados por Sadler e
166 mático e altamente justificado em resolução (Sánchez, 2003), apesar Zeidler (2005, p. 91) e que causou
termos pragmáticos. Um exemplo dos relativos avanços conquistados empatia com alguns entrevistados
de raciocínio informal é o raciocínio nesse campo. foi o seguinte:
Educação Unisinos
Contribuições do ensino de ciências para o desenvolvimento moral
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Educação Unisinos