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RESUMO DE DOM CASMURRO, Machado de Assis.

- (resumo)
Dom Casmurro foi publicado em 1900 e é um dos romances mais conhecidos de
Machado. Narra em primeira pessoa a história de Bentinho que, por circunstâncias várias, vai se
fechando em si mesmo e passa a ser conhecido como Dom Casmurro. Órfão de pai, criado com
desvelo pela mãe, Dona Glória, protegido do mundo pelo círculo doméstico e familiar (tia
Justina, tio Cosme, José Dias), Bentinho é destinado à vida eclesiástica, em cumprimento a uma
antiga promessa da mãe.
A importância da imaginação na sua personalidade influenciou-o por toda vida. Na
puberdade chega quase na obsessão sexual. Quando o ciúme começa a abrir em sua alma as
primeiras feridas, sua reação é quase histérica.
O Bentinho evocado por Dom Casmurro tem dois sinais: sexualidade tardia e
predomínio da fantasia sobre a realidade. A presença dessa neurose foi o terreno onde medraram
as flores doentias do ciúme.
Bentinho, fisgado de “puro ciúme” sequer procurava esclarecer as dúvidas quanto as
atitudes de Capitu. A imaginação continuava a correr e com ela corre o ciumento.
No capítulo LXXII, retoma-se a tragédia de Shakespeare, Otelo, para a preposição de
uma reforma dramática, entretanto, na reconstrução do seu drama memorialista preferia o
caminho tradicional.
Dom Casmurro não ousa deixar as coisas “em pratos limpos”, quase a ansiedade chega
por vezes ao 1paroxismo de uma crise de nervos, com impulsos agressivos contra Capitu.
No capítulo CXIII, o narrador começa a direcionar suas suspeitas à Capitu, que não quis
acompanhar o marido ao teatro em razão de uma indisposição. Bentinho vai só, mas volta para
casa no final do primeiro ato e encontra Escobar no corredor de sua casa. O episódio e tratado
com fria ironia , levando o leitor as mais variadas interpretações sugeridas pela coincidência
entre o mal-estar de Capitu e a visita não anunciada do amigo.
“Dúvida sobre dúvida” (cap. CXV) é o saldo da visita de Escobar . Na conversa que se
segue o assunto são as dúvidas e recomenda D. Casmurro que era ele um poço delas , coaxavam
dentro dele como verdadeiras rãs.
A necessidade do delírio, associada a perturbação do sono , configura a fase que os
psiquiatras chamam de epofenia.
A vida do seminário não o atrai, já de namoro com Capitu, filha dos vizinhos. Apesar de
comprometida pela promessa, também D. Glória sofre com a idéia de separar-se do filho único,
interno no seminário. Por expediente de José Dias, agregado da família, Bentinho abandona o
seminário e, em seu lugar, ordena-se um escravo.
Correm os anos e com eles o amor de Bentinho e Capitu. Entre o namoro e o casamento,
Bentinho se forma em Direito e estreita sua amizade com um ex-colega de seminário, Escobar,
que acaba se casando com Sancha, amiga de Capitu.
José Dias chama Ezequiel de “filho do homem” e isso irrita Capitu. Essa tenta corrigir o
modo de andar do filho que imita José Dias e o modo de olhar que imita Escobar. Bentinho
acredita que as imitações de Ezequiel é uma prova de paternidade e não decorrente da
convivência.
Os dois casais, Bentinho e Capitu, Escobar e Sancha, planejam uma viagem para
Europa, porém tal viagem não ocorre, pois, Escobar morre tragicamente.
Nesse momento da obra, o ciúme se instaura para sempre no coração de Bentinho. O
fato determinante surgiu nos momentos que precederam o enterro, quando a viúva é amparada
por Capitu, que parecia vencer a si mesma.
O olhar fixo de Capitu para o defunto, leva Bentinho a uma interpretação exorbitante.
Suas dúvidas tornam-se agora firmes e certas , já alimentando a sede de vingança.
A partir da morte de Escobar, Bentinho anda aborrecido, mergulha de vez na
melancolia. E começa a fazer projetos de suicídio. A paranóia do ciúme se incorpora de tal
forma que ele passa a tratar sua mulher com aspereza e toma o filho para transformá-lo em
documento de traição.
Ezequiel é afastado para um colégio da Lapa, no entanto, esse afastamento não diminui
de Bentinho a idéia do suicídio. Certo dia, quando esperava o café D. Casmurro pensou em
matar-se ; chega a derramar o veneno na xícara , tremendo , com “os olhos vagos à memória em
Desdêmona inocente”. A presença de Ezequiel corta-lhe o impulso suicida e surge com
violência o desejo de liquidar o filho. Dom Casmurro, por um momento acreditou-se vítima de
uma grande ilusão, a volta de Ezequiel lança-o novamente ao mundo de seus fantasmas.
Santiago isola Capitu e o filho na Suíça. Capitu morre. O primeiro e único amor estava
morto e enterrado, mas o ciúme não: ressurgia na figura do filho que de volta de uma das
viagens o visitara inesperadamente. Bentinho constata as semelhanças entre o filho e o antigo
colega de seminário. Ezequiel volta a viajar e morre no estrangeiro. Bentinho, cada vez mais
fechado em suas dúvidas, passa a ser chamado de D. Casmurro pelos amigos e vizinhos e põe-se
a escrever a história de sua vida: o romance em questão.

Estudo e análise:

Depois de um século, "Dom Casmurro"


continua gerando polêmica.
Por: NELSON SOUZA*

Dom Casmurro, de Machado de Assis, é o romance mais famoso da literatura brasileira. Neste
livro está o talento de seu autor ao analisar psicologicamente seus personagens bem como a
criação do clima de dúvida e ambigüidade quanto ao adultério de Capitu - uma das
personagens da obra.

Publicado em 1899 em 148 capítulos (todos titulados e curtos) o romance é narrado em primeira
pessoa. O Dr. Bento Santiago, familiarmente chamado Bentinho, relata a sua própria história a
partir de um "flashback" da velhice para a infância, com o objetivo de "atar as duas pontas da
vida, e restaurar na velhice a adolescência". Marcado para ser padre, pois sua mãe - Dona
Glória tinha feito uma promessa: o filho seguiria a vida sacerdotal, Bentinho - órfão de pai -
cresceu num ambiente típico de uma família burguesa: Tio Cosme, prima Justina e o agregado
José Dias. Entretanto o garoto não deseja ser padre e já aos quinze anos começa um
relacionamento com uma vizinha - Capitu (garota de 14 anos, de origem pobre, que vivia com
os pais: Pádua e Fortunata). A convivência e as brincadeiras vão aproximando Bentinho e
Capitu que de amigos passam a namorados. Os pais de Capitu posicionam-se favoravelmente ao
namoro uma vez que vêem neste relaciona- mento uma forma de ascensão social; já dona
Glória, alertada por José Dias, sente a promessa ameaçada; por isso coloca Bentinho no
seminário. No seminário, Bentinho conhece Escobar, ficam amigos íntimos (os dois descobrem
afinidades - ambos estão no seminário sem vocação sacerdotal). Anos depois, Escobar abandona
o seminário e dedica-se ao comércio, posteriormente Bentinho toma a mesma atitude e forma-se
em Direito. Escobar casa-se com Sancha, amiga de Capitu, e Bentinho contrai matrimônio com
Capitu, ratificando o namoro da adolescência. Assim a amizade dos dois pares solidifica: moram
perto e tornam-se muito unidos. O casamento entre Bentinho e Capitu começa a entrar em crise
a partir do nascimento do filho Ezequiel que apresenta uma semelhança física com Escobar o
que induz Bentinho a imaginar que Capitu o traiu com o seu melhor amigo. Da constatação, Dr.
Bento consome-se em ciúme, o tempo vai passando e Ezequiel fica cada vez mais parecido com
Escobar o que dá a certeza de que o garoto não é seu filho. Passado algum tempo, Escobar
morre afogado no mar. Ao observar no velório a reação de Capitu -"ela olhou alguns instantes
para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas
lágrimas poucas e caladas". Bentinho chega a uma comprovação: houve o adultério; ele não
consegue suportar a" presença da mulher e do filho chegando até a pensar em matá-Io. Passa o
casal a ter uma vida conjugal de aparência: estão, de fato separados, porém convivem (observe a
sutil crítica machadiana à classe burguesa - relação hipócrita). É tentada uma reconciliação
através de uma viagem do casal à Europa, não dá certo, Bentinho volta; Capitu e Ezequiel
permanecem na Suíça. Mais tarde Capitu morre sem ter revisto o marido. Já adulto, Ezequiel
retoma ao Brasil para visitar o pai que mais uma vez constata a semelhança física entre o filho e
Escobar. Pouco depois Ezequiel morre no estrangeiro. Bentinho, cada vez mais Casmurro,
fecha-se em sua dúvida. Agora, você decide: Capitu - culpada ou inocente?
Conheça, a seguir, uma amostra da polêmica história da recepção
critica de "Dom Casmurro" o "sobretudo em relação ao ponto
mais discutido do livro, a questão do adultério.

José Veríssimo -"("Dom Casmurro" trata de) um homem inteligente, sem dúvida, mas simples,
que desde rapazinho se deixa iludir pela moça que ainda menina amara, que o enfeitiçara com a
sua faceirice calculada, com a sua profunda ciência congênita de dissimulação, a quem ele se
dera com todo ardor compatível com o seu temperamento pacato." ("História da Literatura
Brasileira").
Lucia-Miguel Pereira - "Capitu, se traiu o marido, foi culpada ou obedeceu a impulsos e
hereditariedade ingovernáveis? É a pergunta que resume o livro. (...) Há a idéia central de saber
se Capitu foi uma hipócrita ou uma vítima de impulsos instintivos. Em outras palavras, se pode
ser responsabilizada."("M.de Assis")
Augusto Meyer -"Capitu é o melhor exemplo daquilo que Bentinho afirmava, a propósito de si
mesmo: 'Chega afazer suspeitar que a mentira é, uma vez, tão involuntária como a transpiração'.
Capitu mente como transpira, por necessidade orgânica." ("Capitu", em "Textos Críticos").
Antonio Cándido -"Dentro do universo machadiano, não importa muito que a convicçao de
Bento seja falsa ou verdadeira, porque a conseqüência é exatamente a mesma nos dois casos:
imaginária ou real, ela destrói sua casa e a sua vida." ("Esquema de Machado de Assis", em
'Vários Escritos").
Silviano Santiago -"Os críticos estavam interessados em buscar a verdade sobre Capitu, ou a
impossibilidade de se ter a verdade sobre Capitu, quando a única verdade a ser buscada é a de
Dom Casmurro." ("Retórica da Verossimilhança", em "Uma Literatura nos Trópicos")
Antônio Cândido -"Respeite-nos um dos dogmas da nossa literatura, que é o da maculada
conceição do filho de Capitu com Escobar. Cultuemos a sua infidelidade e não afastemos de nós
a negra inveja que sentimos de Escobar" (Na Folha, em 12/10/1994).
Dalton Trevisan -"Até você, cara - o enigma de Capitu? Essa, não: Capitu inocente? Começa
que enigma não há: o livro, de 1900, foi publicado em vida do autor - e até sua morte, oito anos
depois, um único leitor ou critico negou o adultério?" (Na Folha, em 23/5/92).
Otto Lara Resende -"Quem fica tiririca, e com toda a razão, com essa história mal contada, e
tão mal contada que desmente o próprio Machado de Assis, é o Dalton Trevisan (...) Dar o
Bentinho como o 'nosso Otelo' é pura fantasia. Bestialógico mesmo." (Na Folha. em
08/01/1992).

DOM CASMURRO - MACHADO DE ASSIS

A TEMÁTICA Em rigor o tema abordado por Machado de Assis não é o adultério e sim o
ciúme, tão doentio que atinge uma deformação patológica. Capitu é considerada adúltera na
ótica de Bentinho que se apresenta como vitima, por isso o romance é uma verdadeira acusação.
O ciúme do Dr. Bento Santiago é tão forte que ele não consegue o controle emocional (na morte
de Escobar, Bentinho não consegue ler as palavras de despedidas por causa do ódio ao morto e a
Capitu).

FOCO NARRATIVO A polêmica do romance: Capitu é ou não é adúltera está concentrada no


foco narrativo de primeira pessoa, pois Bentinho é o personagem que narra sua própria história.
Dúvidas existirão sobre a culpabilidade de Capitolina uma vez que o narrador não é confiável. A
criação mimada, protetora excessivamente que teve, transformou-o num homem inseguro, de
personalidade fraca, por isso Bento pode estar distorcendo os fatos. Tudo nos leva a crer que o
narrador pretende única e exclu-sivamente incriminar Capitu.

RELATIVIZAÇÃO Em sua narrativa, Bento afirma o adultério, mas é uma acusação


inconsistente. A principal prova de que dispõe é a semelhança física entre Escobar, amigo do
casal, e Ezequiel, contestada, pois há uma também identidade física entre Capitu e a mãe de
Sancha, que nem parentes são. Outro exemplo que põe em dúvida o posicionamento de
Bentinho é que ele também é um adultéro. Na véspera da morte de Escobar, Betinho troca
inesperados e intensos olhares com Sancha e, na hora da despedida, suas mãos se apertam
demoradamente mais do que o normal, levando o narrador a ter um instante de descontrole
emocional: é o sentimento de culpa que aflora. E assim o romance segue, cada registro de
traição vem à tona o contrário. Num determinado mo-mento, Bentinho condena a esposa, noutro
- mais introspectivo - ele se mostra ciumento atingindo uma paranóia.

RETRATO DA SOCIEDADE espaço ocupado pelo enredo corresponde à cidade do Rio de


Janeiro ao tempo do II-Império, Bentinho é o típico representante das elites patriarcal, morava
em bairros elegantes, a família vivia de rendas, era uma pessoa culta e de hábitos sofisticados;
quando adulto, era prepotente, brutal e incapaz de estabelecer diálogo com a mulher amada. A
presença do agregado José Dias - personagem plana, caricatural, simbolizada pelo seu
parasitismo, é uma prova da condição socioeconômica da família Santiago, pois só as famílias
abastadas do Brasil imperial possuiam agregados que, de acordo com o grau de instrução,
desempenhavam funções diversas inclusive de conselheiro. Dias cuidava de Bentinho com
"extremos de mãe e atenções de servo".

MATERIALISMO Capitu é o avesso social e econômico de Bentinho. Oriunda de família


pobre, ela busca a ascensão à custa do casamento, por isto não mede esforços para vencer os
empecilhos, o casamento com Bentinho era o seu grande projeto de vida, para alcançá-lo,
enfrenta preconceitos, desigualdades financeiras. Ela adorava sair às ruas de braço dado com
Bentinho a fim de que a sociedade visse que aquela menina pobre estava casada com um
homem rico. É importante ressaltar o comporta-mento interesseiro de Pádua - pai de Capitu - o
qual sabia que a filha de quatorze anos andava de namoro com Bentinho, mas era conivente,
pois este relacionamento lhe traria benefícios: ele um simples funcionário de uma repartição
poderia ter como genro um filho de uma viúva rica. Outro exemplo que comprova o caráter
materialista do romance é José Dias - personagem hilariante, mesclado de uma dignidade
pedante (gostava de usar superlativos) com uma dedicação fiel de criado. Cumpre esclarecer
que a dedicação de José Dias - o agregado - garante sua sobrevivência junto à elite, por isso ele
enxerga de que lado deve ficar por isso ele toma partido do jovem Bentinho, menos por simpatia
à paixão e mais por se preocupar com o seu futuro (o agregado sugere a Bentinho uma viagem à
Europa para que ele pudesse ir junto).

AS DUAS FASES DO ENREDO De acordo com os fatos narrados, o romance apresenta duas
fases distintas que correspondem aos momentos básicos na vida dos personagens.

FASE I - Período da adolescência (1857) - Capitu - 14 anos e Bentinho - 15 anos representa a


fase mais poética, aqui Capitu se mostra uma pessoa dominadora, tomando toda iniciativa do
jogo amoroso ("Como se vê, Capitu, aos catorze anos, tinha já idéias atrevidas")

FASE II - Corresponde ao período que começa com o casamento entre Bentinho e Capitu
(1865). É uma fase mais realista e amargurada, cheia de conflitos, gerados pela
incompatibilidade de gêneros. Bento desempenha o papel de homem patriarcal, assume o
comando do relacionamento afetivo, levando-o à destruição.

ESTILO MACHADIANO
Ironia e ceticismo - Machado de Assis revela uma visão cética e desencantada da realidade. Os
indivíduos agem impulsionados apenas por seus interesses pessoais: vaidade, ambição, sede de
poder. Diante destes valores, prefere o autor o sorriso crítico, o humor, não aquele humor
engraçado, de provocar gargalhadas, e sim, a ironia sutil que conduz o leitor a uma reflexão
crítica. (São exemplos de ironia e humor a erudição de José Dias, a gula do Padre Cabral, o
biotipo de Tio Cosme, o comportamento de Bentinho em relação ao poeta do trem).
Linguagem - Em "Dom Casmurro," Machado utiliza todas as possibilidades de expressão que a
linguagem possibilita. Ora o texto é recheado de termos atualíssimos, ora levemente arcaicos.
Há repúdio à retórica, à metáfora vazia, ao adjetivo banal e aos pormenores descritivos. Usando
a técnica dos capítulos curtos e titulados, o narrador-personagem dialoga freqüentemente com o
leitor, dando-lhe um cunho de cumplicidade dos fatos, ("Não consultas dicionário. Casmurro
não está aqui no sentido que eles lhes dão" - cap. 1, "O resto deste capítulo é só para pedir que,
se alguém tiver de ler o meu livro com alguma atenção mais do que lhe exigir o preço do
exemplar, não deixe de concluir que o diabo não é tão feio como se pinta" - cap. 92).
QUINCAS BORBA, Machado de Assis
(Prof. Teotônio Marques Filho )

Ao estudar a obra de Machado de Assis, a crítica divide-a em duas fases bem distintas
cujo marco é o romance Memórias Póstumas de Póstumas de Brás Cubas, publicado em
1881. Até essa data, a obra machadiana é marcante romântica, e nela sobressai poesia,
conto e romances como: Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874), Helena (1876) e Iaiá
Garcia (1878). Pertencem à primeira fase todas essas obras.

A partir de 1881, com a publicação de Memórias, Machado muda de tal forma que Lúcia
Miguel Pereira chega a afirmar que “tal obra não podia Ter saído de tal homem”. A partir das
Memórias, “Machado liberou o demônio interior e começa uma nova aventura”: a análise de
caracteres, numa verdadeira dissecação da alma humana. É a segunda fase – fase
marcadamente realista, sem a qual “não teríamos Machado de Assis”. Além de contos,
poesia, teatro, crítica, integram essa fase os romances seguintes, entre os quais está o nosso
QUINCAS BORBA: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom
Casmurro (1900), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), seu último romance. Toda
essa obra é marcadamente realista, embora reconheçamos que um escritor da categoria de
Machado de Assis não pode ficar preso às delimitações de um estilo de época: águias não se
aprisionam – voam livremente pelas esferas celestes de onde, das estrelas, volvem os olhos
aquilinos para a miséria decadente do planeta dos homens!

Como já ficou situado, Quincas Borba se enquadra no estilo realista, o que procuraremos
mostrar, a partir daqui, dando, é claro, os devidos descontos para o caso de Machado de
Assis.

ESTILO DE ÉPOCA

Como você deve saber, a base cultural e histórica do Realismo é a ciência que dominou
as atenções na Segunda metade do século XIX, chegando a adentrar o século . Varreu o
mundo uma onda de materialismo, como o positivismo de Comte, o evolucionismo de
Darwin, o psicologismo de Wundt, o determinismo de Taine, que alastra pelo espírito humano
como uma verdadeira paixão. Nasce daí o gosto pela análise, objetividade, observação,
fidelidade, impassibilidade, impessoalidade, etc. Em suma, a literatura preocupa-se em
captar a realidade como ela é, formando-lhe um retrato fiel e preciso.

Como é fácil perceber, Quincas Borba é um livro que se acha, cronologicamente, no estilo
realista. Abaixo lembraremos algumas características que podem ser vistas no romance.

FIDELIDADE NA DESCRIÇÃO DAS PERSONAGENS. Se o romântico, dando asa à sua


fantasia e imaginação, impregna sua personagens de uma dimensão quase sobrenatural e
idealista, o escritor realista faz exatamente o contrário: encara a realidade direta e
objetivamente. Muitas vezes cientificamente, como é o caso das personagens naturalistas –
verdadeiras cobaias dos experimentos científicos. Ao realista interessa o que é e não o que
deve ser. Podemos afirmar , dando-se os devidos descontos, que as personagens realistas
são autênticas criaturas de carne e osso que têm as virtudes e os defeitos do ser humano. O
realista não idealiza a realidade, como faziam os românticos, mas pinta-a tal como ela se
apresenta ante seus olhos: é um expectador que contempla de fora a realidade que o cerca.
Assim são as personagens de Machado de Assis: Capitu, Sofia, Virgília, Quincas Borba, Brás
Cubas, Rubião e tantas outras que povoam seus romances de contradições, misérias,
desgraças, alegrias, virtudes, defeitos – enfim, de vida.

ANÁLISE INTROSPECTIVA DAS PERSONAGENS. Incontestavelmente, o grande mestre


da análise introspectiva, entre nós, numa verdadeira dissecação da alma humana, é Machado
de Assis. A grande característica da sua obra de segunda fase – onde se enquadra Quincas
Borba – é a análise de caracteres. Aí, para usar as palavras de Massaud Moisés, Machado de
Assis revela “grande preocupação pela análise de caracteres e de situações de sondar o
interior das personagens e das situações dramáticas, psicológicas, sociais, cômicas, etc.”- o
que determina no caso de Machado de Assis, o processo “câmera lenta” usado pelo escritor
na condução de sua obra. Daí Ter maior importância para o escritor a análise, ficando em
segundo plano a intriga ou enredo do romance. É o que ocorre nas Memórias Póstumas de
Brás Cubas. É o que ocorre também em Quincas Borba, onde, igualmente, o leitor “não
achará o seu romance usual.” A grande preocupação de Machado no romance é em sondar a
alma humana, em analisar-lhe os porquês das marchas e contramarchas. Observe-se que, no
caso do Quincas Borba, a técnica machadiana é de sempre narrar um fato para depois
analisá-lo.

OBJETIVIDADE E IMPESSOALIDADE. De um modo geral, ao subjetivismo romântico


opõe-se o objetivismo realista, pois aqui o escritor procura evitar sempre as emoções
subjetivas, conduzindo a obra de maneira direta e objetiva. Assim, raramente o escritor
realista interfere nos dramas vividos por suas personagens. São meros expectadores que,
frios e impessoais, analisam esses dramas. É claro que, muitas vezes, alguma coisa fica do
artista, pois a criatura sempre revela algum traço do seu criador. Embora dificilmente se
retrate na sua obra, podemos afirmar com Viana Moog que, “ferido no seu orgulho pelo mal
que o aflige (epilepsia), Machado de Assis vinga-se derramando sobre a humanidade a bílis
do seu humour”. Daí a sua visão niilista e pessimista da vida onde só vê “insanidade e
imperfeições imanentes.” É de ver-se também o que escreve Afrânio Coutinho,
desenvolvendo a natureza objetiva e impessoal do movimento realista: “O Realismo encara a
vida objetivamente. Não há intromissão do autor, que deixa as personagens e os
circunstantes atuarem uns sobre os outros, na busca da solução. O autor não confunde seus
sentimentos e pontos de vista com as emoções e motivos das personagens.” Embora não se
aplique , cabalmente, esta característica na ficção de Machado de Assis, é possível entrever
este espírito de precisão e de objetividade, de frieza e impessoalidade em Quincas Borba.

NARRATIVA LENTA E PORMENORIZADA. Como já ressaltamos atrás, não interessa ao


realista a ação, mas a análise das personagens, a sua sondagem psicológica. Deste modo, a
narrativa realista é lenta e pormenorizada, cheia de paradas e vaivéns, ao contrário do
romântico que se concentra mais na ação, na intriga que desenvolve. “Usam-se detalhes
aparentemente insignificantes na pintura de personagens e ambientes. E esses detalhes
devem ser reunidos e harmonizados, para dar a impressão da própria realidade”, ressalta
Afrânio Coutinho.

No caso de Quincas Borba, se comparado às Memórias Póstumas de Brás Cubas,


podemos observar que os pormenores e reflexões que povoam este romance (as Memórias)
são bem mais que naquele (Quincas Borba), pois, conforme Massaud Moisés, Machado de
Assis “diligenciou por limpar o texto daquele excesso de reflexões morais e de interrupções
no desenrolar das cenas, comuns no romance anterior (as Memórias). Parece que teve em
mira de escrever um romance para ser lido e não ser analisado.” De qualquer modo, Quincas
Borba não foge a essa norma do romance realista. Se não possui as interrupções e reflexões
que caracterizam as Memórias, pelo menos não se pode dizer que Machado aqui ficou preso
à história contada que “é trivial e comum, reduzindo-se a um adultério sonhado, desejado,
preparado, que, afinal, não se consuma.” O romancista de Quincas Borba era bastante lúcido
para não se perder em historinhas “água com açúcar” da farândola romântica.

Assim, as reflexões, as paradas são constantes em Quincas Borba, como se podem ver no
decorrer do romance.

PREDOMINÂNCIA DO TEMPO PRESENTE. O Realismo retrata a vida contemporânea.


Enquanto o romântico se volta ao passado ou se projeta no futuro, o realista se fixa no
presente, porque o que lhe interessa é a vida que o rodeia. Deste modo, o escritor realista
"encara o presente, nas minas, nos cortiços, nas cidades, nas fábricas, na política, nos
negócios, nas relações conjugais, etc." Muitas vezes descambando para os aspectos
degradantes e deprimentes da sociedade, como é o caso do romance naturalista de Aluísio
Azevedo, O Cortiço.

Sem se prender às delimitações de tempo e espaço, pode-se afirmar que Quincas Borba é
obra perene e imune à ação corrosiva do tempo: "é uma grande sátira da vida, de seus
ingredientes e de suas verdades.

O matiz irônico reside no ser Quincas Borba uma peça única da chacota à Humanidade
desenfreadamente presa a certos dogmas de superfície única de olhar mais a fundo no
íntimo dos problemas. A ironia atinge a todos e só se salvam (caso consigam), os loucos, os
mansos e os animais irracionais. Como sempre, Machado de Assis vê a Humanidade a correr
doidamente em busca de prazeres fáceis e duma vida que só é opróbrio e alienação, embora
com toda a fisionomia de verdade, porque aceita como convenção ou imperativo moral da
sociedade", ressalta o crítico Massaud Moisés.
ESTILO MACHADIANO

PROCESSO LENTO E DETALHADO. Parece não haver melhor classificação do estilo de


Machado de Assis do que traçado por ele mesmo nas memórias Póstumas de Brás Cubas, ao
afirmar pela boca do defunto autor: "Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu
amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são
como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram,
gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem..."

Há muitas características que definem bem o estilo machadiano. Citaremos algumas no


decorrer deste estudo serão apresentadas outras, também, muito importantes.

Em Machado de Assis, o enredo não é o mais importante. A narrativa e o enredo estão


subordinados aos estado de alma dos personagens.

Os acontecimentos referidos não obedecem a uma ordem de causa e efeito. Você pode
notar que não há uma preocupação em narrar uma estória, o importante é o tipo de reflexão,
de pensamento que sugere o autor. Machado de Assis preocupa-se mais com o caráter dos
personagens do que com a trama da narrativa ou a descrição de costumes.

Como diz o próprio autor "o livro anda devagar" e "o meu estilo" é "como os ébrios,
guinam à direita e à esquerda, andam e param..." É mais ou menos assim que anda a
narrativa de Quincas Borba.

Às vezes, há antecipação, posposição ou intercorrência de acontecimentos, pela


necessidade de desenvolvimento da narrativa, que ora se prende a um personagem, ora se
liga a outro.

HUMOR - IRONIA: O HUMANITISMO. O humor, como fenômeno literário, começou


entre nós, a bem dizer, com as Memórias Póstumas de Brás Cubas. (Viana Moog).

"Não se pode dizer que Machado de Assis tenha sido o maior dos humoristas do nosso
tempo. Mas, se o calendário ainda tem algum sentido e significação, força é reconhecer que
não há outro mais expressivo, por isso que foi o autor de Quincas Borba o primeiro a
compreender toda a sua extensão, ainda sem meio dos deslumbramentos do século, o
fracasso do homem no seu afã de domínio sobre a natureza e os enigmas tenebrosos da
existência."

O tom que foi infundido à obra pareceu, a princípio, bastante exótico e estranho às
nossas letras. Os críticos atribuíam às suas leituras inglesas o aparecimento deste humor.
Mas, aos poucos os cultores do humor se multiplicaram em outras literaturas e desaparece a
certeza da influência, exclusivamente, inglesa.

Você pode notar que, em geral, o humorismo corta, na obra de Machado de Assis, uma
digressão que parecia querer estender-se e, justamente quando o autor dá a impressão de
querer desviar-se da profundidade da idéia, é que nos leva a considerá-la. Como exemplo,
temos o capítulo CXVII:

A história do casamento de Maria Benedita é curta; e, posto Sofia e ache vulgar, vale a
pena dizê-la. Fique desde já admitido que, se não fosse a epidemia das Alagoas, Talvez não
chegasse a haver casamento; donde se conclui que as catástrofes são úteis, e até
necessárias. Sobejam exemplos; mas basta um contozinho que ouvi em criança, e que aqui
lhes dou em duas linhas. Era uma vez uma choupana que ardia na estrada; a dona, - um
triste molambo de mulher, - chorava o seu desastre, a poucos passos, sentada no chão.
Senão quando, indo a passar um homem ébrio, viu o incêndio, viu a mulher, perguntou-lhe se
a casa era dela.

— É minha, sim, seu senhor; é tudo o que eu possuía neste mundo.

— Dá-me então licença que acenda ali o meu charuto?


O padre que me contou isto certamente emendou o texto original; não é preciso estar
embriagado para acender um charuto nas misérias alheias. Bom Padre Chagas! - Chamava-
se Chagas. - Padre mais que bom, que assim me incutiste por muitos anos essa idéia
consoladora, de que ninguém, em seu juízo, faz render o mal aos outros; não contando o
respeito que aquele bêbado tinha ao princípio da propriedade, - a ponto de não acender o
charuto sem pedir licença à dona das ruínas. Tudo idéias consoladoras. Bom Padre Chagas!"

É genial o comentário que o autor faz sobre o casamento de Maria Benedita. Graças a
epidemia das Alagoas, a prima Sofia se vê no caminho do matrimônio. É como o ébrio que
diante do incêndio pede licença para acender o charuto.

Machado de Assis usa o humor, também, como arma para lutar contra o pessimismo.
Humor em que a gente ri da gente mesmo. Rir para não chorar. Riso com uma sobrecarga de
amargura.

Surge, então, o Humanitismo. Que é esta filosofia? É uma visão ir6onica das filosofias que
pregam ser a humanidade feita de uma só essência. A teoria dos Humanitas nasce em
oposição ao Humanismo. Nesta, o homem é o centro de tudo e há uma total valorização dele.
No Humanitismo aparece o pensamento pessimista e absurdo. O homem não aprece como
um ser maravilhoso e perfeito, mas cheio de falsidades, onde um cão pode ser mais amigo e
fiel do que ele.

— Desde que Humanitas, segundo a minha doutrina, é o princípio da vida e reside em


toda parte, existe também no cão, e este pode ser assim receber um nome de gente, seja
cristão ou muçulmano...”

“O cão ouvindo, correu a cama. Quincas Borba, comovido, olhou para Quincas Borba:

— Meu pobre amigo! meu bom amigo! meu único amigo! (Cap. V)

O homem é menos valorizado, no Humanitismo, não significa nada; é falso, instável e


fraco. Podemos notar isto nos personagens machadianos. Tudo é igual. Na luta pela
sobrevivência quem vence é o mais forte. “Ao vencedor as batatas.”

— Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode


determinar a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não
atinge o princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe
tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas chegam apenas para alimentar
uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ira à outra vertente,
onde há batatas em abundância; mas se as duas tribos dividirem em paz as batatas do
campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é
a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os
despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os
demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra fosse isso, tais demonstrações não chegariam
a dar-se pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou
vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que
virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.(Cap. VI)

Sim. “Ao vencedor as batatas”. Depois da morte de Quincas Borba, Rubião sente-se dono
das batatas. É um vencedor. As batatas, para ele, representavam riqueza, posição social. Não
sabia ele que, na realidade, representavam, simplesmente, meras batatas. Não tinham valor
algum. Seriam, apenas, o veículo de sua destruição. E ele que até então não entendera a
exposição do filósofo, passa a compreender a fórmula:

— Ao vencedor, as batatas!

Tão simples! tão claro! Olhou para as calças de brim surrado e o rodaque cerzido, e notou
que até há pouco fora, por assim dizer, um exterminado, um bolha; ma que ora não, era um
vencedor. Não havia dúvida; as batatas fizeram-se para a tribo que elimina a outra para
transpor a montanha e ir às batatas do outro lado. Justamente o seu caso. Ia descer de
Barbacena para arrancar e comer as batatas da capital. Cumpria-lhe ser duro e implacável,
era poderoso e forte. E levantando-se de golpe, alvoroçado, ergueu os braços exclamando:
— Ao vencedor, as batatas!” (Cap. XVIII)

PESSIMISMO. Ao lado dessas observações, colocaremos outra característica o


Pessimismo.

O pessimismo está presente em toda a obra. Isto é devido, em grande parte, ao


agravamento de sua doença, a epilepsia, mal que, latente na infância, acentua-se por volta
dos 40 anos, determinando então seu radical cepticismo. É o que reconhece Viana Moog:

Ferido no seu orgulho pelo mal que o aflige, Machado de Assis, vinga-se derramando
sobra a humanidade a bílis do humor”. “O homem que proclamava, ao termo da primeira
fase, que alguma coisa se salva ao naufrágio das ilusões, transforma-se em justiçador dos
homens e da vida. Na vida só vê insanidade e imperfeição imanentes. Nos homens só se
vêem imperfeições. Seus olhos não descansam enquanto não surpreendem em flagrante a
deformação de todas as coisas. (Viana Moog)

Em Quincas Borba, Machado de Assis vai retratar a sociedade pequeno-burguesa do


Segundo Império, onde o importante era a moda, o vestuário luxuoso, os adornos, a
habitação, os títulos honoríficos. O valor das pessoas estavam, apenas, na sua exterioridade.
Veja alguns exemplos desta preocupação com o mundo exterior.

Um criado trouxe o café. Rubião pegou na xícara, e, enquanto lhe deitava o açúcar, ia
disfarçadamente mirando a bandeja, que era de prata lavrada. Prata, ouro, eram os metais
que amava de coração; não gostava de bronze, mas o amigo Palha disse-lhe que era matéria
de preço...” (Cap. III)

Fora, alguma gente parada; os vizinhos às janelas, debruçavam-se uns sobre os outros,
com os olhos cheios daquela curiosidade que a morte inspira aos vivos. Ao demais, havia o
coupé do Rubião, que se destacava das caleça velhas. Já se falara muito daquele amigo do
finado, e a presença confirmou a notícia. O defunto era agora apreciado com certa
consideração. (Cap. CI)

Quando Rubião perde o dinheiro e a lucidez, você já pode imaginar que, também, os
amigos o deixam. Palha e Sofia, os que mais se beneficiaram com a fortuna de Rubião, agora
se afastam dele e não têm tempo nem de interná-lo numa Casa de Saúde.

É uma grande amolação, redargüiu este (Palha). E perguntou que interesse tinha Dona
Fernanda em tomar àquele negócio. Que o tratasse ela mesma! Era uma atrapalhação Ter de
cuidar de novo do outro, de o acompanhar, e, provavelmente, de recolher e gerir algum resto
de dinheiro que ainda houvesse, fazendo-se curador, como dissera o Doutor Teófilo. Um
aborrecimento de todos os diabos. (Cap. XLXIV)

É o interesse sempre presente no ser humano. Só existem “amigos” enquanto há alguma


possibilidade de lucros materiais. Acaba-se o dinheiro, acabam-se as “amizades”.

Mais uma característica poderá ser colocada ao lado destas – a sátira.

O que é uma sátira? É uma caricaturização de tipos, situações políticas, situações


amorosas, etc.

Em Quincas Borba vamos encontrar vários exemplos.

Dr. Camacho é o primeiro desta galeria, o qual representa bem a caricatura do


politiqueiro demagogo.

Camacho era homem político. Formado em direito em 1844, pela faculdade do Recife,
voltara para a província natal, onde começou a advogar; mas a advocacia era um pretexto. Já
na academia, escrevera um jornal político, sem partido definido, mas como muitas idéias
colhidas aqui e ali, e expostas em estilo meio magro e meio inchado. Pessoa que recolheu
esses primeiros frutos de Camacho fez um índice dos seus princípios e aspirações:
- ordem pela liberdade, liberdade pela ordem; - a autoridade não pode abusar da lei, sem
esbofetear-se a si própria; - a vida dos princípios é necessidade moral das nações novas
como das nações velhas; - dai-me boa política, dai-vos-ei boas finanças; (Barão Louis); -
mergulhemos no Jordão constitucional; - daí passagem aos valentes, homens do poder; eles
serão os vossos sustentáculos, etc, etc.”(Cap. LVII).

A sua linguagem é pomposa e enriquecida com constante uso do vocabulário latino. É o


que vemos no capítulo CX:

Os partidos devem ser unidos e disciplinados. Há quem pretenda (mirabile dictu!) que
essa disciplina e união não podem ir ao ponto de rejeitar os benefícios que caem das mãos
dos adversários. Risum teneatis! Quem pode proferir tal blasfêmia sem que lhe tremam as
carnes? Mas suponhamos que assim seja, que a oposição possa, uma ou outra vez, fechar os
olhos aos desmandos do governo, à postergação das leis, aos excessos da autoridade, à
perversidade e aos sofismas. Qui inde? Tais casos, - aliás, raros, - só podiam ser admitidos
quando favorecessem os elementos bons, não ao maus. Cada partido tem os seus díscolos e
sicofantas. É interesse dos nossos adversários ver-nos afrouxar, a troco da animação dada à
parte corrupta do partido. Esta é a verdade; negá-lo é provocar-nos à guerra intestina, isto é,
à dilaceração da alma nacional... Mas, não, as idéias não morrem; elas são o lábaro da
justiça. Os vendilhões serão expulsos do templo; ficarão os crentes e os puros, os que põem
acima dos interesses mesquinhos, locais e passageiros a vitória indefectível dos princípios.
Tudo que não for isto ter-nos-á contra si Alea jacta est.”

Carlos Maria – é a segunda caricatura da nossa galeria. É o conquistador, galanteador, o


próprio “don Juan”. No capítulo LXXI, vamos ver um exemplo deste jovem enganador de
corações femininos, como é o caso daquela frase bonita que dissera à Sofia e com a qual
esta durante muito tempo sonhou:

A noite era clara; fiquei cerca de uma hora , entre o mar e a sua casa. A senhora aposto
que nem sonhava comigo? Entretanto, eu quase que ouvia a sua respiração. O mar batia
com força, é verdade, mas o meu coração não batia menos rijamente; com esta diferença
que o mar é estúpido, bate sem saber por quê, e o meu coração saber que batia pela
senhora.”

Sofia teve um calafrio, procurou esquecer o texto, mas o texto ia-se repetindo: “A noite
era clara...”

Mais adiante vamos ter a verdadeira face dos fatos. O que está pensando o Carlos Maria?

Carlos Maria saboreou de memória toda a conversação da noite, mas, quando se lembrou
da confissão de amor, sentiu-se bem e mal. Era um compromisso, um estorvo, uma
obrigação; e, posto que o benefício corrigisse o tédio, o rapaz ficou entre uma e outra
sensação, sem plano. Ao recordar-se da notícia que lhe deu de haver ido à praia do
Flamengo, na outra note, não pôde suster o riso, porque não era verdade.(Cap. LXXIV)

Há ainda caricaturas de parasitas (Freitas), amizades falsas (Palha), enfim, de todos os


tipos de uma sociedade.

Outros aspectos do estilo de Machado de Assis, ponderáveis em Quincas Borba são: o


diálogo com o leitor; o gosto pelas citações, referências bíblicas, referências a capítulos
anteriores e uma predileção muito grande por personagens bem estabelecidas,
financeiramente, que agem com muita freqüência, de forma maquinal e inconsciente.

PERSONAGENS. Na obra de Machado de Assis, o mais importante é o caráter dos


personagens. Eles não estão presos à trama da narrativa. Movimentam-se num ambiente
mais de reflexões do que de ação.

É interessante você notar que o personagens são levados por uma força maior que eles.
Ficam sempre passivos, e esta força determina-lhes as ações. Sempre é usada a expressão
“deixou-se estar”, “deixou-se ficar”.
Foi aqui que o pé direito de Rubião descreveu uma curva na direção exterior, obedecendo
a um sentimento de regresso; mas o esquerdo, tomado de sentimento contrário, deixou-se
estar; lutaram alguns instantes...” (Cap. XLVII).

Mais um exemplo é o capítulo que se segue:

Na rua, encontrou Sofia com uma senhora idosa e outra moça. Não teve olhos para ver
bem as feições destas; todo ele se foi pouco para Sofia. Falaram-se acanhadamente, dous
minutos apenas, e seguiram o seu caminho. Rubião parou diante, e olhou para trás; mas as
três senhoras iam andando sem voltar a cabeça. Depois do jantas, consigo:

— Irei lá hoje?

Reflexionou muito sem adiantar nada. Ora que sim, ora que não. Achara-lhe um modo
esquisito; mas lembrava-se que sorriu, - pouco, mas sorriu. Pôs o caso à sorte. Se o primeiro
carro que passasse viesse da direita, iria; se viesse da esquerda, não. E deixou-se estar na
sala, no pouf central, olhando. Veio logo um tílburi da esquerda. Estava dito; não ia a Santa
Tereza. Mas aqui a consciência reagiu; queira os próprios termos da proposta: um carro.
Tílburi não era carro. Devia ser o que vulgarmente se chama de carro, uma caleça inteira ou
meia, ou ainda uma vitória. Daí a pouco vieram chegando da direita muitas caleças, que
voltavam de um enterro. Foi.”(Cap. LXIII)

Rubião, no íntimo, tinha vontade de ir à casa de Sofia. Se o tílburi viesse da direita, com
certeza, ele não ligaria ao fato de não ser um carro. Mas daí a pouco vieram muitas caleças
da direita. É muito curioso o fato de serem caleças que voltavam de um enterro. Poderá ser a
coincidência, mas a partir dessa decisão, começa o “enterro” de Rubião. É a destruição que
caminha a passos largos ao seu encontro. É a vida que se acaba rapidamente.

ESTRUTURA DO ROMANCE

Para estudarmos o romance Quincas Borba, falaremos sobre a ação, o tempo, o lugar e os
personagens.

AÇÃO. O leitor que vir a obra apenas por seu recheio romanesco, quer dizer, o enredo ou
o entrecho, sairá desiludido da leitura, pois a história contada é trivial e comum, reduzindo-
se a um adultério sonhado, desejado, preparado, que afinal não se consuma. Só teria
curiosidade como coisa nova o fato de ser a não-realização do freqüente e usual delito do
romance realista, a que Machado de Assis, indiretamente, estava ligado. Mas, esse mesmo
aspecto pode frustar o leitor que apenas busque na leitura o contacto com a tramas das
personagens e não deseje algo mais, que o romance pode e deve dar. E é por esse lado que
Quincas Borba tem de ser olhado, porquanto, se a história é chocha em si, vale sempre e
sempre o escritor que espalha pelo caminho uma quantidade de pérolas de humanidade e de
literatura, muito mais importantes, convenhamos, ao final de consta, do que uma história
bem contada. Tudo isso é complexo e surpreendente: ao contrário de Memórias Póstumas de
Brás Cubas, Machado procurou escrever uma história que pudesse agradar por si própria e
não por aspectos marginais. Tanto é assim que diligenciou por limpar o texto daquele
excesso de reflexões morais e de interrupções no desenrolar das cenas, comuns no romance
anterior. Parece que teve em mira escrever um romance para ser lido e não para ser
analisado, daí os poucos ou raros desvios do núcleo da obra, toda ela girando em torno duma
paixão que não se consuma em crime, como se fazia prever desde as primeira páginas.
(Massaud Moisés).

A ação se passa no Rio de Janeiro, havendo um recuo no tempo até Barbacena, onde se
passam fatos importantes que dão origem ao romance.

Na Corte é retratada a vida de um grupo de burgueses. Todas as exigências de uma falsa


sociedade são descritas. Machado de Assis disseca a alma humana numa visão assistemática
da vida. Coloca a nu a ambição, a avareza, as hipocrisias da sociedade.

A narrativa se fecha em Barbacena, onde Rubião aparece louco. É o círculo da vida. O fim
de Rubião é o mesmo de Quincas Borba e tudo termina no mesmo lugar onde inicia –
Barbacena.
A ação, portanto, se concentra em Rubião – Sofia. Mas há núcleos secundários, de real
importância, como é o próprio da estrutura do romance; Sofia- Palha, Quincas Borba (cão e
filósofo),

Teófilo-Fernanda, Carlos Maria-Maria Benedita, Dr. Camacho, Major Siqueira-D. Tonica,


Freitas, etc.

TEMPO. É outro aspeto ponderável no estudo de um romance a determinação do tempo.


Como é fácil observar, a ação decorre na Segunda metade do século XIX, como se pode
aprender das diversas referências a personalidades políticas e fatos históricos da época.

Não se pode dizer que o desenvolvimento do tempo é rigorosamente cronológico,


havendo, às vezes, recuos que podem lembrar o tempo psicológico, como é o caso da
história dos enforcados (cap. XLVII) a que Rubião “assiste” muito tempo depois.

Portanto, os acontecimentos ocorrem na época do segundo império e não evoluem numa


cronologia exata. À medida que há necessidade de esclarecimento, volta-se atrás e quando
nada acontece de interessante há um salto sobre o tempo:

Vem comigo, leitor; vamos v6e-lo; meses antes, à cabeceira do Quincas Borba (cap. III).

Este é o convite feito pelo narrador e, a partir daí, durante 23 capítulos, acompanhamos a
vida de Rubião em Barbacena até ele vir para a Corte.

LUGAR. Como já foi dito, a ação inicia e termina em Barbacena, sendo que todos os fatos
intermediários ocorrem na Corte.

É importante notarmos que, apesar de ser especificado o local, este romance poderá ser
enquadrado em qualquer parte do mundo. A temática é universal. Há muitos “Palhas e
Sofias” por este mundo... Há muitas “Barbacenas” – princípio e fim de tudo, e muitas
“Cortes” que, com seus encantos, envolvem e destroem o ser humano, como Rubião e o
Quincas Borba, cão e filósofo, esmagados pela loucura da humanidade.

PERSONAGENS. As personagens de um romance são, evidentemente, as pessoas que


vivem situações e dramas dentro da narrativa. Normalmente, só “gente” pode ser
personagem de romance. Às vezes, “animais” também participam de romances e contos,
como tem acontecido com freqüência na literatura moderna. É o caso de Quincas Borba, o
cão, elevado à categoria de personagem do romance machadiano, como projeção e
prolongamento, por metempsicose, do filósofo do mesmo nome.

a) Quincas Borba: em síntese, Quincas Borba se destaca pelos seguintes atributos:


filósofo doido, esquisito, “com freqüente alteração de humor”, “ímpetos sem motivo”,
“ternura sem proporção”, extravagante (cap. V), bom, alegre, lutava contra o pessimismo
(cap. V) e desejava a sua continuidade através dos tempos como comprova a sua filosofia
“borbista”, de natureza “humorística”, o Humanitismo. Depois que morreu, passou, por
metempsicose, ao corpo do seu cão, como sugerem as dúvidas de Rubião ao longo da
narrativa:

“Olhou para o cão, enquanto esperava que lhe abrissem a porte. O cão olhava para ele,
de tal jeito que parecia estar ali dentro o próprio e defunto Quincas Borba; era o mesmo olhar
meditativo do filósofo, quando examinava negócios humanos...” (cap. XLIX).

Como ressalta o crítico Massaud Moisés, “encarnado-se em seu cachorro, Quincas Borba
continuou a exercer enorme influência, pois eu fiel amigo é um contraponto constante na
evolução dos acontecimentos, pelas vezes em que aparece contracenando com Rubião. A
preeminência indiscutível do animal sobra s demais personagens, com exceção do Rubião,
justifica-se por aquele intuito satírico geral que orienta a obra, levando o leitor a pensar em
como apenas um cão se salva do mundo de misérias em que vivem as demais criaturas do
romance. Se não se trata de elogio de animalidade inconsciente, ou da mera inconsciência,
pois Quincas Borba é um cão diferente dos outros, por trazer dentro de si um filósofo
idealista e sonhados, é, sem sombra de dúvida, um recurso de fábula semelhante aos usados
por La Fontaine, um dos escritores mais apreciados por Machado de Assis”.
b) Rubião: de um modo geral, Rubião se caracteriza assim no romance: tem medo da
opinião pública, é indeciso, volúvel, ambicioso (cap. I, X, XV), megalomaníaco, obsessivo,
desequilibrado, tímido (cap. XXV), acomodado, ciumento, influenciável (cap. LXIX),
conflituoso, ocioso, ingênuo.

A sua megalomania, que o levará à sandice, tem desenvolvimento sutil e velado ao longo
da narrativa: “A outra gente, que estava à porta e na calçada fez-lhe alas” (cap. LX); “Rubião
teve aqui um impulso inexplicável, - dar-lhes a mão a beijar. Reteve-se a tempo, espantado
de si próprio” (cap. XCI); “Tinha os olhos úmidos; acabou, saiu, ladeado pelos outros, e, à
porta, com uma só chapelada para a direita e para a esquerda, saudou a todas as cabeças
descobertas e curvas. Ao entrar no coupé, ainda ouviu estas palavras, a meia voz:

— Parece que é senador ou desembargador, ou cousa assim”(cap. CI)

Depois a megalomania vai aumentando claramente, à medida que sua herança decresce:
é a loucura que está chegando com Napoleão III e a imperatriz Eugênia.

Enfim, à proporção que vai “enlouquecendo”, Rubião vai ficando cada vez mais “lúcido” –
herdeiro da fortuna e do espírito do filósofo Quincas Borba, escapando, assim, à chacota e à
sátira machadianas, a que são os únicos no livro, além do cão, que conseguem escapar. É
que Machado de Assis só sabe ver o mundo através da “loucura e do delírio”.

c) Sofia: em linhas gerais, o perfil de Sofia, no romance, se delineia assim: vaidosa,


orgulhosa, dominadora, fria, cautelosa, ambiciosa, sedutora, caráter ambivalente, frívola,
sensual e dissimulada, como revela o cap. LXIX e o excelente cap. XLII, onde se saiu
divinamente bem com a anedota do Padre Mendes, quando surpreendida, no jantar, com
Rubião, pelo Major Siqueira:

“— Olá! Estão apreciando a lua? Realmente, está deliciosa; está uma noite para
namorados... Sim, deliciosa... Há muito que não vejo uma noite assim... Olhem só para baixo,
os bicos de gás... Deliciosa! Para namorados... Os namorados gostam sempre da lua. No meu
tempo, em Icaraí...

Era Siqueira, o terrível major. Rubião não sabia que dissesse; Sofia, passados os
primeiros instantes readquiriu a posse de si mesma; respondeu que, em verdade, a noite era
linda; depois contou que Rubião teimava dizer que as noites do Rio não podiam comparar-se
às de Barbacena, e, a propósito disso, referira uma anedota de um padre Mendes... Não era
Mendes?

— Mendes, sim, o padre Mendes, murmurou Rubião.

O major mal podia conter o assombro. Tinha visto as duas mão presas, a cabeça do
Rubião meio inclinada, o movimento rápido de ambos, quando ele entrou no jardim; e sai-lhe
de tudo isto um padre Mendes... Olhou para Sofia; viu-a risonha, tranqüila, impenetrável.
Nenhum medo, nenhum acanhamento; falava com tal simplicidade, que o major pensou ter
visto mal. Mas Rubião estragou tudo. Vexado, calado, não fez mais que tirar o relógio para
ver as horas, levá-lo ao ouvido, como se lhe parecesse que não andava, depois limpá-lo com
o lenço, devagar, devagar, sem olhar para um nem para outro...”

Lembremos aqui a Capitu de Dom Casmurro com seus “olhos de ressaca” e natureza
dissimulada, como fica explicitado ao longo do romance.

Mas, por falar em olhos, você notou a importância que Machado de Assis dá aos olhos de
Sofia? Parece de propósito, como observa Cavalcanti Proença: os olhos seriam as janelas da
alma. Afirmações do livro parecem confirmar a observação do crítico, como esta do cap. L:

“Rubião olhava para ela muita vez, é certo; parece também que Sofia, em algumas
ocasiões, pagava os olhares com outros... Concessões de moça bonita! Mas, enfim, contanto
que lhe ficassem os olhos, podiam ir alguns raios deles. Não havia de ter ciúmes do nervo
óptico, ia pensando o marido.”

Noutra passagem, anotamos este encontro de Palha e Camacho carregado de humor:


Palha e Camacho olharam um para o outro... Oh! esse olhar foi como um bilhete de visita
trocado entre duas consciências. Nenhuma disse o seu segredo, mas viram os nomes no
cartão, e cumprimentaram-se”.

Enfim, concluindo, como ressalta Massaud Moisés, "seu papel acaba por ser duplo, pois
representa a luxúria elegante e, ao mesmo tempo, serve de campo de prova para todo o
drama de Rubião.

d) Palha: ambicioso, egocêntrico, vaidoso (cap. XXXV), bajulador, interesseiro, parasita,


desonesto, astuto, torpe. "Rotulado por um nome que já lhe traduz o caráter e a
personalidade, também se atira ao dinheiro e à posição social como se estivesse no caminho
certo".

Vagamente pensava em baronia, diz Machado no cap. CXXIX.

e) Carlos Maria: vaidoso, altivo (cap. LXIX), vazio, galanteador: é a caricatura do


conquistador de frases feitas e lugares-comuns. Um aspecto que lhe é bastante característico
é o de divindade, que Machado ironiza a toda hora. Casou-se para ser "adorado" pela esposa.

f) Maria Benedita: tímida, pacata, sem iniciativa, passiva, resignada, influenciável,


personalidade fraca. Seu casamento com Carlos Maria que, à primeira vista, significou o
encontro da felicidade tão longamente sonhada, não passa de um ludíbrio, em virtude do
pouco amor que Carlos Maria lhe dedicava.

g) Dr. Camacho: é caricatura do politiqueiro demagogo de frase feita e retórica


excessiva; astuto e interesseiro.

h) Major Siqueira: mexeriqueiro, inicialmente, e depois despeitado como se revela no


cap. CXXX.

i) D. Tonica: o desespero desta "solteirona quarentona" já começa pelo nome: D. Tonica.


Revela-se invejosa, revoltada, infeliz e frustrada.

j) D. Fernanda: casamenteira e um tanto fidalga. No mais, uma boa senhora e esposa


dedicada que sabe consertar a gravata do marido nas horas necessárias... (modelo para as
menininhas de hoje que nem consertam gravatas nem colarinhos...).

k) Teófilo: é o marido da superesposa acima: ambicioso, dinâmico e, às vezes,


temperamental e minucioso, como no caso do "u" pelo "i" do cap. CXIX, em que um jornal
torce todo o sentido da frase que escrevera: "Na dúvida, abstém-te, é o conselho do sábio. E
puseram: Na dívida abstém-te... É insuportável!" comenta, quase chorando, o Teófilo que era
forte candidato ao ministério...

m) Freitas: caricatura do parasita e dos glutões de jantares e de charutos alheios. Deus


que o tenha na sua santa glória!

PROBLEMÁTICA APRESENTADA

Para concluirmos este trabalho, parece-nos importante destacar aqui três aspectos
ponderáveis no romance: a nulidade da vida, numa visão niilista e pessimista'; a
apresentação de uma sociedade falsa e carcomida pelo câncer da hipocrisia e da ambição; e
a indiferença dos astros do céu diante dos problemas do homem.

A seguir, procuraremos desenvolver esses três aspectos:

NIILISMO-PESSIMISMO. Sem dúvida, como ressalta o crítico Massaud Moisés, "o livro
todo é uma grande sátira da vida, de seus ingredientes e de suas "verdades" (...) A ironia
atinge a todos e só se salvam (caso o consigam), os loucos, os mansos e os animais
irracionais".
O romance é uma visão fria e impassível da vida. Lúcido como sempre, pessimista e
niilista, Machado de Assis vai dissecando com sua câmera lenta toda a humanidade, corroída
e carcomida pelo câncer da hipocrisia e da falsidade, espalhando por toda a terra e suas
criaturas a sua "bílis" de epiléptico e de mestiço da sociedade. Tudo perpassado de uma
visão irônica, de um humor niilista e pessimista que sempre marca a literatura machadiana.
Em suma, é uma visão da vida que só a lucidez de um espírito louco, como Quincas Borba,
pode dar: a humanidade desenfreadamente louca a buscar prazeres fáceis e fugazes, numa
vida que só é opróbrio e alienação, embora com toda a fisionomia de verdade, porque aceita
como convenção o imperativo moral da sociedade. No fim, a vida não passa de uma
batatada: come-a a tribo vencedora - "ao vencedor as batatas". Ao cabo de tudo, os "heróis"
da vida pegam nada, levantam nada e cingem nada, como aconteceu com o Rubião:

Poucos dias depois morreu... Não morreu súdito nem vencido. Antes de principiar a
agonia que foi curta, pôs a coroa na cabeça, - uma coroa que não era, ao menos, um chapéu
velho ou uma bacia, onde os espectadores palpassem a ilusão. Não, senhor; ele pegou em
nada, levantou nada e cingiu nada; só ele via a insígnia imperial, pesada de ouro, rútilas
brilhantes e outras pedras preciosas(cap. CC).

Enfim, é assim a vida humana; achamos que temos na cabeça uma coroa de ouro,
quando, na verdade, tudo não passa de um chapéu velho ou coisa semelhante.

Mas Rubião é apenas um símbolo - "o fenômeno é universal"- e a vida, haveria de


continuar corredia e besta como ela é, ad saecula saeculorum, amen...

HIPOCRISIA-AMBIÇÃO. Dentro dessa perspectiva niilista e pessimista é que Machado


situa a sociedade que retrata - sociedade hipócrita e falsa, interesseira e fútil, incapaz de
olhar mais a fundo no íntimo dos problemas.

Em volta do Rubião formou-se a constelação de parasitas e ambiciosos. Quem se salva


entre eles? - Talvez apenas o cão, o único que era capaz de receber um pontapé e voltar
correndo para o seu dono. Acaso alguém se interessou, realmente, pelo Rubião, quando este
perdeu toda a sua fortuna? Entretanto, ele tivera "amigos". A casa vivia cheia deles.

Enfim, tudo gira em torno do interesse e da ambição e para combatê-los só resta a ironia
e humor. Nada escapa à análise dissecante de Machado nem a troca de um "u" por um "i"
nem a estrutura secular do matrimônio indissolúvel. Afinal, como pensava D. Fernanda, a
propósito do casamento, "um marido, ainda mau, é sempre melhor que o melhor dos
sonhos"... (cap. CXVIII).

INDIFERENÇA CÓSMICA. Acaba-se o mundo, chore quem quiser, ria, gargalhe a


humanidade, que os astros do céu pouco estão ligando para os risos e lágrimas humanas.
Ficarão sempre firmes e inabaláveis, longe das intempéries do planeta dos homens.
Assistirão,, com a mesma indiferença e impassibilidade de sempre, "às bodas de Jacó e ao
suicídio de Lucrécia" (cap. XLVI).

Este é outro aspecto marcante do romance: a indiferença cósmica com que Machado de
Assis vai fechar o seu livro. A passagem se refere à morte do Rubião e do cão Quincas Borba:

Eia! Chora os dous recentes mortos, se tens lágrimas. Se só tens riso, ri-te! É a mesma
cousa. O cruzeiro, que a linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião, está assaz alto
para não discernir os risos e as lágrimas dos homens(cap. CCI)

PROF. TEOTÔNIO MARQUES FILHO

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