Sei sulla pagina 1di 12

A Juventude Revolução - IRJ é uma organização de jovens con-

tra a exploração, a opressão e a guerra e na luta pelo socialismo


no Brasil e no mundo. Nós surgimos da necessidade que todos os
jovens tem de lutar pelos nossos direitos. Somos aderentes da Inter-

Revolucionária da
nacional Revolucionária da Juventude (IRJ) organização que reúne

Internacional
jovens de vários países.

aderente da
Lutamos pelo direito da juventude ter um futuro de verdade

Juventude
sem guerras, drogas e violência. Queremos educação, trabalho di-
versão e arte! Por isso rejeitamos o capitalismo, sistema baseado na
propriedade privada dos meios de produção, que explora e oprime
os trabalhadores e a juventude.
Os definimos os objetivos da JR-IRJ:
1 - lutar pela união da juventude na luta por suas reivindicações;
2 - lutar contra as guerras e a exploração;
3 - lutar contra as drogas e o narcotráfico;
4 - combater pela independência das entidades estudantis;
5 - defender a educação publica e lutar pelo acesso a diversão e arte;
6 - lutar contra a destruição do meio ambiente; RECORDAÇÕES PESSOAIS SOBRE
7 - lutar pelo fim da propriedade privada dos meios de produção.

Conheça a Juventude Revolução - IRJ!


Organize-se num núcleo da KARL
MARX
Juventude Revolução - IRJ!

ADERENTE da
Internacional
Revolucionária da
Juventude
Paul Lafargue
www.juventuderevolucao.org
Preço: R$4,00 • Solidário: r$8,00

24 1
por casar com a filha deste, com paradoxos, nos quais investia
Laura Marx. uma paixão extraordinária, não
Coleção Cadernos da o afastava do que se pode chamar
Juventude Revolução - IRJ Jean Jaurès, um dos mais
importantes lideres da II Inter- de ação central do Partido.”
nacional e fundador do Jornal Paul Lafargue deve ser
Maio de 2009 L’Humanité escreveu “Na morte lido e estudado, pela sua vitali-
de Lafargue, como em sua vida, dade, pela sua atualidade e por
há uma comovente mistura de sua originalidade em combinar
RECORDAÇÕES PESSOAIS SOBRE KARL MARX idelaismo e paradoxos. Ele sem- a luta política e o humor numa
Texto: Paul Lafargue pre teve uma precupação desin- só ferramenta pela revolução so-
Tradução: Abguar Bastos, no livro teressada pelo socialismo. Lutou cial.
“A Filosofia de Carlos Marx”, Editora Vitória. sem esmorecer. Foi um dos mais
Revisão: Edison Cardoni. 5 de julho de 2008
ardentes defensores da unidade.
Foto da capa: Jenny, Laura, Eleanor, Karl, Engels (1864)
Queria que todas as forças pro-
Produzida pelo Conselho Nacional da Juventude Revolução - IRJ letárias se unissem na mesma Alexandre Linares
luta. (...) O arrebatamento dos

JUVENTUDE REVOLUÇÃO - IRJ


Aderente da Internacional Revolucionária da Juventude

ENTRE EM CONTATO:

www.juventuderevolucao.org

© Copyleft – É permitida a reprodução parcial ou total


desta obra desde que mantida os créditos e esta nota.

2 23
RECORDAÇÕES PESSOAIS
SOBRE KARL MARX
Paul lafargue
“Um homem, na acepção do termo,
Um militante operário Nunca mais verei alguém como ele”
Shakespeare – Hamlet, Ato I, Cena 2

Laura Marx e Paul Lafargue (1870) Vi Marx, pela primeira vez, em fevereiro de 1865. A Internac-
ional havia sido fundada em 28 de setembro de 1864, no comício do
St. Martin’s Hall, em Londres. Eu vinha de Paris para tomar con-
Paul Lafargue foi médico Ocupando o cargo de secretário hecimento dos progressos da nossa jovem organização. M. Toloin,
e militante operário socialista. correspondente para Espanha hoje Senador da República burguesa e um de seus delegados na
Nasceu em Santiago de Cuba, entre 1866 e 1868 e foi membro Conferência de Berlim, havia me dado uma carta de apresentação.
em 1842. Era mestiço: seu pais fundador das seções francesa,
eram franceses emigrados, sua espanhola e portuguesa. Eu tinha, então, 24 anos. Jamais esquecerei a impressão que
avó materna era índia Caraíba e me causou este primeiro encontro. Nessa época, achava-se Marx
Adere as idéias defendidas debilitado fisicamente. Trabalhava no primeiro volume de O Capi-
a avó paterna era filha de negros. por Marx, tornando-se um dos
Com 10 anos vai para França tal, que só veio a ser publicado dois anos depois, em 1867. Ele temia
grande divulgadores e populari- não poder terminar a obra e procurava receber cordialmente os jo-
com seus pais. zadores de suas idéias. Lênin vai vens, a quem dizia: “Eu preciso preparar os homens que, depois de
Se aproxima do movi- afirmar que “Já no período de mim, continuarão a propaganda comunista”.
mento operário socialista pelas preparação da Revolução Russa,
obras de Fourier, Saint-Simon e os operários conscientes e todos Marx é um desses raros seres que ocupam, ao mesmo tempo,
Proudhon. Milita com a tendên- os sociai-democrátas da Rús- o primeiro plano na ciência e na vida pública. De tal maneira ele ex-
cia proudhoniana no movimento sia aprenderam a estimar pro- ercia essas duas atividades, que era difícil saber o que se projetava
operário francês e adere a I In- fundamente Lafargue como um em primeiro lugar: se o homem de ciência ou o lutador socialista.
ternacional (Associação Inter- dos divulgadores mais dotados e Considerando que toda a ciência deve ser cultivada por si mesma
nacional dos Trabalhadores). mais profundos do marxismo”. e que nas investigações científicas jamais se deve temer as con-
Sua adesão ao marxismo o leva clusões a que se pode chegar, ele era da opinião de que, se o homem
Fez parte do Consel- de ciência não quiser ocupar um plano secundário, deve participar
ho Geral da I Internacional. tão perto de Marx que acaba
incessante e ativamente da vida pública, sem fazer do seu gabinete

22 3
de trabalho ou do seu laboratório um esconderijo, antes se atirando mente, um ano mais tarde. Desde esse momento, Marx perdeu de
às lutas sociais e políticas de sua época. vez a saúde. Morreu, em sua mesa de trabalho, a 14 de março de
“A ciência não deve significar apenas um prazer egoístico”, 1883, com 65 anos de idade.
dizia Marx. “Os que têm a oportunidade de se consagrar aos estu-
dos científicos deverão ser os primeiros a pôr seus conhecimentos
a serviço da humanidade.” Uma de suas frases favoritas era: “Tra-
balhar pela humanidade”.
Ainda que se comovesse profundamente com os sofrimentos
das classes trabalhadoras, não foram considerações de ordem senti-
mental que o levaram ao comunismo. Impelira-o até aí as conclusões
de seus estudos de história e economia política. Entendia que todo
espírito imparcial, não influenciado pelo interesse privado ou pelos
preconceitos de classe, deveria chegar a essas mesmas conclusões.
Se não levava idéias preconcebidas para o estudo da evolução
econômica e política das sociedades humanas, ao escrever assumia,
entretanto, a firme intenção de difundir o resultado de suas inves-
tigações como base científica do movimento socialista que, até essa
época, se perdia entre as nuvens da utopia. Só se apresentava em
público em busca da vitória do proletariado, que tem por missão
histórica instaurar o comunismo logo que possa tomar em suas
mãos a direção política e econômica da sociedade...
A atividade de Marx não dizia respeito apenas ao seu país de
origem: “Sou cidadão do mund, dizia, “e trabalho onde me encon-
tro”. Com efeito, para onde quer que fosse conduzido pelos acon-
tecimentos e pelas perseguições políticas, na França, na Bélgica e
na Inglaterra, ele participava ativamente dos movimentos revolu-
cionários que se desenvolviam.
Contudo, menos que o agitador incansável e incomparável,
era, de início, o homem de ciência que eu via nele, aquele que pude
observar trabalhando num quarto do Maitland Park Road, local
para onde constantemente afluíam camaradas de todos os can-
tos do mundo civilizado, que vinham se esclarecer com o mestre
do pensamento socialista. O aposento de Marx possui seu sentido
histórico. É preciso conhecê-lo para penetrar na intimidade da vida
intelectual de Marx.
Estava situado no primeiro pavimento e o largo balcão, por
4 21
O Capital foi traduzido para as principais línguas européias: onde penetrava abundante luz, dava para o parque. De um e de
russo, francês e inglês. Publicaram-se resumos em alemão, ital- outro lado da lareira e de frente para a janela, estavam as estantes
iano, francês, espanhol e holandês. Toda vez que, na Europa ou na repletas de livros, pacotes de jornais e manuscritos. Diante da la-
América, os adversários da teoria de Marx tentavam refutar suas reira, de um dos lados da janela, viam-se duas mesas cobertas de
teses, os economistas-socialistas encontravam, imediatamente, a papéis, livros e jornais. No centro da sala, na parte mais clara, havia
resposta adequada com que lhes fechavam a boca. O Capital é, hoje, uma mesa singela, de 1 metro de comprimento por 17 centímetros
realmente, aquilo que o Congresso da Internacional designava por de largura, e uma poltrona de madeira. Entre ela e as estantes, di-
“Bíblia operária”. ante da janela, via-se um divã de couro que Marx utilizava para
descansar, de vez em quando. Sobre a lareira, havia também livros
Os cuidados que Marx dedicava ao movimento socialista não
misturados com cigarros e maços de tabaco, retratos de suas filhas,
lhe davam folga para levar adiante sua atividade científica. A morte
de sua companheira, de Wilhelm Wolff e de Friedrich Engels.
da mulher e da filha mais velha, a senhora Longuet, exerceu in-
fluência funesta para a marcha de seus trabalhos. Marx era fumante inveterado. “O Capital”, dizia-me, “jamais
me dará o que já gastei em fumo enquanto o escrevia”. Gastava
Era profundo o afeto que Marx sentia pela esposa, cuja beleza
muitos fósforos. Distraído, com tanta freqüência deixava o cachim-
lhe fora motivo de orgulho e alegria e cuja bondade e espírito de
bo ou o cigarro se apagar que, para reacendê-los, desperdiçava in-
sacrifício o haviam ajudado a suportar as privações materiais, eter-
crível quantidade de fósforos.
na companheira de sua agitada vida de socialista revolucionário.
A enfermidade, que acabou levando a vida da senhora Marx, tam- Não permitia que ninguém lhe arrumasse – ou, melhor, lhe
bém terminou por abreviar os dias do marido. Durante o tempo em desarrumasse – os papéis. Na realidade, essa desordem era apenas
que durou aquela longa e dolorosa doença, Marx, esgotado pelas aparente. Tudo estava no seu devido lugar. Encontrava sempre sem
emoções, vigílias, falta de ar e de exercícios, contraiu uma bron- esforço o livro ou o papel que necessitasse. No decurso de uma con-
quite que quase o levou. versa, interrompia-se com freqüência para mostrar num livro uma
passagem ou cifra que queria citar. Estava tão identificado com o
A senhora Marx faleceu a 2 de dezembro de 1881, comunista
ambiente de seu aposento que os livros lhe obedeciam como partes
e materialista, como ela foi durante a vida. Não se assustou com a
do próprio corpo.
morte. Quando sentiu que se aproximava o fim, exclamou: “Karl,
as forças me abandonam”. Essas foram suas últimas palavras. Foi Na maneira de dispor seus livros, ele não dava importância à
sepultada, a 5 de dezembro, no cemitério de Highgate, na seção dos simetria formal. Volumes de todo tamanho, misturados a folhetos,
“malditos” (unconsacrated ground, terra profana). De acordo com confundiam-se pitorescamente. Não os arrumava de acordo com
os hábitos de toda sua vida, em concomitância com os de Marx, evi- as dimensões, mas levando em conta o assunto. Para Marx, os liv-
taram-se solenidades no enterro. Só alguns amigos íntimos acom- ros representavam instrumentos de trabalho e não objetos de luxo.
panharam os restos mortais à sua última morada. Antes de descer Afirmava: “Os livros são meus escravos e hão de servir-me de acor-
o caixão, Engels, o velho e querido amigo de Marx, pronunciou um do com meus desejos e com toda a pontualidade”. Sem levar em
discurso à beira do túmulo. conta o formato ou a beleza gráfica, maltratava os livros, dobrava-
os em ângulo, borrava-os e sublinhava tal ou qual trecho. Não fazia
Desde a morte de sua companheira, a vida de Marx não foi
anotações nos livros, mas marcava-os com um ponto de exclamação
mais que uma cadeia de sofrimentos físicos e morais, que suportou
ou interrogação quando o autor passava das medidas. Seu sistema
estoicamente e que se agravaram ainda mais com a morte da filha
de sublinhar permitia-lhe ir ao assunto sempre que julgasse opor-
mais velha, a senhora Longuet, morte essa sobrevinda repentina-
tuno. Tinha o costume de reler seus cadernos de anotações e as

20 5
passagens sublinhadas nos livros, guardando os assuntos fielmente co que compreendeu e expôs claramente as verdadeiras causas e
na memória, que era de uma extraordinária precisão. Exercitou-a conseqüências do golpe de Estado de 2 de dezembro de 1851, per-
desde a adolescência. Seguindo os conselhos de Hegel, decorava maneceu completamente ignorado. Nenhum só jornal burguês no-
versos escritos em línguas desconhecidas para ele. ticiou o aparecimento desse trabalho, apesar de sua atualidade.
Sabia de cor as obras de Heine e Goethe e citava, de memória, O mesmo aconteceu com Miséria da Filosofia, resposta à
trechos desses autores. Lia poetas de todas as literaturas européias. Filosofia da Miséria, de Proudhon, assim como com a Crítica da
Anualmente, relia Ésquilo no texto grego original. Considerava Economia Política. Mas essa conspiração do silêncio, que durou
Ésquilo e Shakespeare os dois maiores gênios dramáticos de todos quinze anos, não deu em nada com a criação da Internacional e
os tempos. Dedicou-se a estudar profundamente a obra de Shake- o aparecimento do primeiro volume do O Capital. A partir dessa
speare, por quem sentia admiração sem limites. Conhecia o caráter ocasião, Marx não podia mais ser ignorado. A Internacional pro-
de todas as personagens criadas pelo dramaturgo inglês. Da sua de- gredia incessantemente e o eco de seus atos repercutiam no mundo
voção ao poeta de Hamlet compartilhava toda a família, tanto que inteiro. Marx se colocara em último plano, deixando outros ocupar-
suas filhas conheciam de cor os trabalhos de Shakespeare. em a cena principal, mas logo se descobriu que era ele o verdadeiro
Depois de 1848, querendo se aperfeiçoar no conhecimento dirigente e criador de tudo aquilo.
da língua inglesa, pesquisou e classificou as expressões de Shake- Na Alemanha, fundara-se o Partido Social Democrata, que
speare. Fez o mesmo com parte da obra do polemista inglês Wil- cresceu rapidamente, a ponto de se transformar numa força que
liam Cobbert, a quem grandemente se afeiçoara. Entre seus poetas Bismarck se esforçou por conquistar, antes de passar à repressão.
favoritos, contavam-se Dante e Robert Burns. Tinha verdadeiro Schweizer, o partidário de Lassalle, publicou uma série de artigos
prazer em ouvir as filhas recitarem-lhe fragmentos de sátiras ou muito apreciados por Marx e por meio dos quais O Capital se tor-
madrigais do poeta escocês. nou conhecido do público proletário. Por proposta de Jean-Phil-
Cuvier, esse infatigável trabalhador a serviço da ciência, in- lippe Becker, o Congresso da Internacional decidiu chamar a at-
stalara, no Museu de Paris, que dirigia, vários laboratórios para seu enção dos socialistas de todos os países sobre O Capital, que ele
uso pessoal. Cada laboratório destinava-se a um fim especial e con- chamava de “Bíblia da classe operária”.
tinha livros, instrumentos e material anatômico adequados. Quan- Depois da insurreição de 18 de março de 1871, em que se quis
do Cuvier se sentia fatigado com determinada pesquisa, passava a ver o dedo da Internacional, e depois da derrota da Comuna de
outro laboratório, aí continuando outro tipo de estudo. Essa sim- Paris, que o Conselho Geral da Internacional defendeu contra a
ples troca de atividade representava para ele saudável repouso. campanha de calúnias da imprensa burguesa de todos os países, o
Marx, trabalhador tão incansável quanto Cuvier, não dispunha nome de Marx tornou-se célebre em todo o mundo.
de meios para instalar tantos laboratórios. Sua forma de descansar Ele foi, então, reconhecido como o teórico irrefutável do so-
era passear pelo quarto. Seus passos como que estavam impressos cialismo científico e como o organizador do primeiro movimento
no tapete, já desgastado, desde a porta até a janela. operário internacional. O Capital tornou-se o livro obrigatório dos
De quando em quando, estirava-se no divã e lia um romance. socialistas de todos os países. Todos os jornais socialistas e os op-
Às vezes, lia dois ou três de uma vez, andando de um lado para erários popularizaram seus ensinamentos. Na América, durante
outro. Como Darwin, era grande leitor de romances. Tinha prefer- uma greve monstro em Nova York, publicaram-se trechos sob a
ência pelos do século XVIII, interessando-se, em particular, por forma de panfletos para encorajar os operários a resistir e para lhes
Tom Jones, de Fielding. Os autores contemporâneos seus de que demonstrar a justeza de suas reivindicações.
mais gostava eram Paul de Kock, Charles Lever, Alexandre Dumas,
6 19
outra, pois era o único homem que considerava com capacidade de pai, e Walter Scott, cuja obra Old Mortalítis considerava magistral.
ser seu colaborador. Para ele, Engels era uma audiência completa. Admirava as narrações alegres e de aventuras. Cervantes e Balzac
Para persuadi-lo, para ganhá-lo para suas idéias, nenhum trabalho eram também autores de sua predileção. Em Dom Quixote via os
lhe parecia demasiado longo. derradeiros dias da cavalaria andante, que teve seus méritos trans-
Vi-o, uma vez, revolvendo livros e manuseando-os, de ponta a formados em objeto de chacota e escárnio, por parte do nascente
ponta, até encontrar referência a certos fatos, que eram necessários mundo burguês. Sentia tal interesse por Balzac que se propunha
exumar, para modificar a opinião de Engels no que se referia a um escrever uma obra crítica sobre A Comédia Humana “logo que ter-
ponto sem importância, de que já me esqueci, da cruzada política minasse seus trabalhos sobre economia”.
e religiosa dos albigenses. Para Marx, era um triunfo conquistar a Balzac não foi só o historiador da sociedade de seu tempo,
aquiescência de Engels. mas também o criador de tipos proféticos que, na época de Luís
Marx orgulhava-se do amigo. Descrevia-me com satisfação Felipe, existiam apenas em estado embrionário, só se desenvolv-
todas as qualidades morais e intelectuais de Engels. Levou-me a endo completamente ao tempo de Napoleão III.
Manchester exclusivamente para me apresentá-lo. Marx lia com perfeição todas as línguas européias e escrevia
Enchia-se de admiração pela extraordinária variedade de em três: alemão, francês e inglês, causando admiração aos nativos
conhecimentos científicos de Engels. Estava sempre a temer que dessas línguas. “Um idioma estrangeiro é uma arma nas lutas da
o amigo fosse vítima de algum acidente. “Tenho medo”, dizia-me, vida”, dizia muitas vezes. Tinha muita facilidade em adquirir con-
“que lhe ocorra alguma desgraça, durante uma dessas caçadas em hecimentos de qualquer idioma. Aos 50 anos, começou a estudar o
que tão apaixonadamente toma parte e que o levam a cavalgar e russo e, ainda que esta língua nada tivesse em comum com a eti-
transpor os campos a galope.” mologia das línguas que conhecia, em seis meses já lia trechos de
escritores e poetas russos, como Gogol, Puchkin e Chtcherín. O
Marx era tão bom amigo quanto esposo e pai. Mas é preciso que o levou a aprender o russo foi o desejo de ler diretamente os
também dizer que ele teve a felicidade de encontrar na mulher, nas documentos de comissões de inquérito oficiais cuja divulgação era
filhas, em Helena e em Engels criaturas que mereciam ser amadas proibida pelo Governo do Tzar em virtude das terríveis revelações
por um homem como ele. que continham. Amigos devotados enviavam essa documentação a
Marx, que, seguramente, foi o único economista da Europa Ociden-
tal que pode conhecê-la.
Além dos poetas e romancistas, Marx tinha um modo origi-
III nal de se distrair a matemática. A álgebra era para ele como um
conforto moral e lhe serviu de refúgio nos momentos mais difíceis
e dolorosos de sua agitada existência. Durante a última enfermi-
Marx, que começara como um dos chefes da burguesia radical, dade de sua mulher, foi-lhe impossível ocupar-se de seus trabalhos
viu-se, logo após, abandonado, no momento em que sua oposição científicos. E o único meio que encontrou para subtrair-se à dor
se tornou decisiva, e tratado como inimigo desde que se tornou que lhe causava a doença da companheira foi refugiar-se no árido
comunista. Depois de o insultarem, caluniarem e expulsarem de campo da matemática.
sua terra natal, organizaram contra ele e seus trabalhos a conspir-
ação do silêncio. O 18 Brumário, que demonstrou que, de todos os Foi durante esse período de sofrimentos morais que ele es-
historiadores e homens políticos do ano de 1848, Marx foi o úni- creveu um trabalho sobre cálculo infinitesimal, obra de grande
valor, segundo os matemáticos que a conheceram. No campo das
18 7
matemáticas superiores, Marx recuperava o movimento dialético Quem criticasse Marx já podia contar com a inimizade de Helena,
em sua forma mais lógica e mais simples. Era de opinião de que como podia contar com sua maternal proteção quem merecesse
uma ciência não podia verdadeiramente desenvolver-se senão as simpatias da família. Tutelava, por assim dizer, toda a família
quando pudesse utilizar a matemática. Marx. Helena sobreviveu ao casal. Em seguida, passou a trabalhar
A biblioteca de Marx, que se compunha de mais de mil vol- na casa de Engels, a quem conhecera na mocidade e a quem dedi-
umes, reunidos cuidadosamente durante uma longa vida consa- cava o afeto que sentia pelos Marx.
grada às investigações científicas, não lhe bastava. Durante anos, Por outro lado, Engels era como um ramo da família Marx,
foi freqüentador assíduo da biblioteca de do British Museum, em cujas filhas chamavam-no de segundo pai. Era o alter ego de Marx.
Londres, cujo extenso catálogo apreciava. Durante muito tempo, esses dois nomes gloriosos, que a história
Seus próprios adversários eram obrigados a reconhecer a ex- reunirá para sempre, viveram ligados na Alemanha. Realizaram os
tensão e a profundidade de seus conhecimentos, não só na sua es- dois, em nosso século, essa amizade ideal que os poetas antigos
pecialidade característica, a economia política, mas também no que celebravam. Desde a juventude se desenvolveram juntos e parale-
se refere à história, à filosofia e à literatura universal. lamente, vivendo na mais íntima comunhão de idéias e sentimen-
tos. Participaram da mesma agitação revolucionária e, tanto tempo
Ainda que se deitasse tarde da noite, levantava-se entre oito e quanto puderam, permaneceram e trabalharam juntos.
nove da manhã, tomava café, lia os jornais e permanecia no seu gabi-
nete de trabalho até a madrugada. Seu labor não era interrompido Seria provável que trabalhassem em comum a vida inteira, se
senão para comer e passear, de tarde, em Hampstead Heath, quando os acontecimentos não os obrigassem a viver separados cerca de
o tempo o permitia. De dia, repousava no sofá durante uma ou duas vinte anos. Depois do fracasso da revolução de 1848, Engels viu-se
horas. Na sua juventude, passava noites inteiras entregue ao trabalho forçado a seguir para Manchester, enquanto Marx era obrigado a
permanecer em Londres.
Para ele, o trabalho se tornou uma verdadeira paixão, a ponto de
fazê-lo esquecer as refeições. Era preciso insistir para que se alimen- Continuaram, entretanto, a comunicar-se quase diariamente,
tasse. Logo que acabava de comer, atirava-se novamente ao trabalho. emitindo opiniões sobre o que ia acontecendo, política e economi-
Comia pouco e, como tivesse pouco apetite, estimulava-o com pratos camente, assim como dando conta de sua atividade intelectual.
condimentados de vários modos: presunto, pescado, caviar, pepinos. Logo que foi possível, Engels trocou Manchester por Londres, pas-
A pouca atividade do estômago contrastava com a da cabeça. sando a morar a uma distância de apenas dez minutos da casa de
Marx. E, desde 1870 até a morte do amigo, Engels não passou um
Pelo cérebro, sacrificava todo o corpo. Pensar era sua maior só dia em que não o visse e, cada um, alternadamente, era encon-
alegria. Ouvi-o, muitas vezes, repetir as palavras de Hegel, seu trado na casa do outro.
mestre de filosofia dos tempos da juventude: “Até o pensamento
criminoso de um bandido é maior e mais nobre do que todas as No dia em que Engels anunciou sua vinda para Londres,
maravilhas do céu”. houve verdadeira festa na casa de Marx. Não se falou noutra coisa
muito tempo antes e muito tempo depois de sua chegada. Marx
Tão contínuo e extenuante era seu trabalho intelectual e esse ficou tão impaciente que nem podia trabalhar. Os dois permanece-
modo de vida tão incomum que, para suportá-lo, precisava de uma ram a noite inteira bebendo e fumando, sendo pouco o tempo para
constituição física privilegiada. E, de fato, Marx era solidamente con- contarem reciprocamente os fatos ocorridos desde a data em que
struído. Estatura além da mediana, ombros largos, peito bem desen- haviam se separado.
volvido e corpo proporcional, com exceção do tronco, um pouco lon-
go em relação às pernas, o que é muito freqüente entre os judeus. Se, A opinião de Engels estava, para Marx, acima de qualquer

8 17
A senhora Marx teve muitos filhos. Três deles morreram na na juventude, houvesse feito exercícios físicos, teria sido extraordi-
infância, durante o período de privações que a família atravessou nariamente forte. O único exercício que praticava regularmente era
depois da revolução de 1848, quando, refugiada em Londres, teve andar a pé. Podia ficar andando ou escalando colinas por horas intei-
que se abrigar nos casebres de Dean Street, perto de Soho Square. ras, tagarelando e fumando, sem demonstrar a menor fadiga. Mes-
Eu só conheci as três filhas. Quando, em 1865, fui, pela primeira mo enquanto trabalhava, ficava andando no gabinete. Sentava por
vez, apresentado em casa de Marx, Leonor, a mais moça, que se curtos momentos para anotar alguma coisa que lhe ditava o cérebro,
tornou a senhora Aveling, era uma jovem encantadora, com tem- sempre em perpétua atividade. Gostava de falar enquanto andava,
peramento de rapaz. Marx costumava dizer que a esposa se equivo- parando, uma vez ou outra, ao surgir um tema interessante.
cara quanto ao sexo dessa filha, ao apresentá-la ao mundo como Acompanhei-o durante anos em seus passeios por Hampstead
mulher. As outras moças constituíam o mais belo e harmonioso Heath. Foi percorrendo os prados que adquiri meus conhecimen-
contraste que se possa imaginar. A mais velha, a senhora Longuet, tos de economia. Talvez sem se dar conta disso, Marx desenvolvia
tinha, como o pai, a cor mate e negríssimos cabelos e olhos. A seg- perante mim o conteúdo de seu primeiro volume de O Capital na
unda, senhora Lafargue, era loura e tinha a pele clara. Sua opulenta mesma ordem em que o escrevia.
cabeleira brilhava como se, nela, o Sol fizesse seu ocaso; parecia-se
muito com a mãe. Assim que voltávamos dos passeios, eu sempre fazia meu
melhor esforço para anotar o que ele havia dito. No começo, eu
Além das pessoas a que acabamos de nos referir, a família tinha muita dificuldade em acompanhar o fio de seu pensamento,
Marx contava com mais uma pessoa importante: a senhorita Helena tão profundo e complexo. Infelizmente, perdi essas preciosas ano-
Demuth. Procedia de uma família de camponeses e era bem nova tações. Depois da Comuna, a polícia apoderou-se dos papéis que eu
quando entrou para o serviço da senhora Marx, ainda muito antes tinha em Paris e Bordeaux.
de ela se casar. Helena Demuth não quis abandonar a patroa mes-
mo depois do matrimônio com Marx. Era tão devotada à família A perda que mais lastimo é das anotações que fiz uma tarde,
Marx que esquecia de si mesma. Acompanhou a senhora Marx e seu após ouvir, de Marx, com a riqueza de demonstrações e seu brilho
marido por todas as suas viagens pela Europa e compartilhou das peculiar, a genial teoria do desenvolvimento da sociedade humana.
expulsões e vicissitudes. Como se um véu se rasgasse ante meus olhos, compreendi, pela pri-
meira vez em minha vida, a lógica da história e as causas materiais
Ela era o gênio bom da casa e sabia atravessar as situações das manifestações, aparentemente tão contraditórias, do desen-
mais difíceis. Graças à sua habilidade e medidas de ordem e econo- volvimento da sociedade e do pensamento humanos. Fiquei como
mia, a família Marx não se viu obrigada a privar-se do mínimo atordoado e, durante anos, guardei a mais forte das impressões.
necessário à existência. Sabia fazer tudo: cozinhava, arrumava a
casa, vestia as crianças, costurava com o auxílio da senhora Marx. O mesmo efeito causei aos socialistas de Madrid, quando re-
Era, ao mesmo tempo, a economista e a governanta da casa que constitui, ante eles, com meus parcos recursos, essa teoria, a mais
dirigia. As meninas queriam-na como segunda mãe e Helena, por genial das teorias de Marx, uma das mais geniais, sem dúvida, que
sua vez, exercia sobre elas uma autoridade maternal, porque lhes já brotou de um cérebro humano.
tinha uma afeição maternal. A senhora Marx tratava Helena como Marx recordava-se de uma inesgotável multiplicidade de fa-
amiga íntima, e Marx tinha por ela especial consideração: disputa- tos históricos e das ciências naturais, assim como de teorias filosó-
vam partidas de xadrez, as quais Marx, muitas vezes, perdia. ficas, de conhecimentos e observações amealhadas no curso de um
A dedicação de Helena para com a família Marx era cega. Tudo longo trabalho intelectual e dos quais ele se servia admiravelmente.
que os Marx faziam estava certo e nada a convencia do contrário. A qualquer momento, podia-se perguntar a Marx as coisas mais

16 9
variadas, na certeza de que se obteriam respostas sempre oportu- classes do mundo antigo. Marx alimentou grande números de pro-
nas. Seu cérebro era como um navio de guerra ainda no porto, mas jetos que não pôde realizar. Propunha-se, por exemplo, escrever
com a caldeira em ebulição, sempre pronto a partir não importava uma Lógica e uma História da Filosofia, que haviam sido, quando
em qual direção do oceano do pensamento. jovem, seus estudos favoritos. Precisaria viver cem anos para ex-
O Capital revela, por certo, uma inteligência de vigor e riqueza ecutar seus projetos literários e dar ao mundo uma parte dos inu-
extraordinários, mas para mim, como para todos os que conhece- meráveis tesouros guardados em seu cérebro.
ram Marx de perto, nem O Capital, nem outra de suas obras, refle- Durante toda sua vida, sua mulher foi uma companheira na
tia a envergadura de seu gênio e de seu saber, que, de fato, estava verdadeira acepção da palavra. Conheceram-se crianças e cresceram
muito acima do que escreveu. juntos. Marx ainda tinha 17 anos, quando ficaram noivos. Tiveram
Trabalhei com ele. Apesar de não passar de um secretário a que esperar nove anos para se casar, o que fizeram em 1843, não se
quem ele ditava os textos, pude observar sua maneira de pensar e separando mais desde então. A senhora Marx morreu pouco tempo
escrever. O trabalho, para ele, era, ao mesmo tempo, fácil e difícil: antes do marido. Embora nascida e educada no seio de uma família de
fácil, porque os fatos e as idéias referentes aos temas se atropela- aristocratas alemães, ninguém mais do que ela tinha o sentimento da
vam em seu espírito; difícil, precisamente em razão dessa abundân- igualdade. Não existiam para ela diferenças ou categorias sociais.
cia de referências que embaraçava e tornava mais longa a exposição Em sua casa e à sua mesa, recebia e fazia sentar operários com
completa de suas idéias. suas roupas de trabalho, tratando-os com a mesma cortesia com
Dizia Vico2: “As coisas só são corpos para Deus, que tudo sabe; que trataria um príncipe. Grande número de operários, de todos os
para os homens, que só vêm o exterior, não passam de superfícies”. países, gozaram de sua amável hospitalidade e, hoje, estou mesmo
persuadido de que nenhum deles jamais desconfiou que quem os
Marx captava os fenômenos à maneira da divindade, à ma- recebia com tanta simplicidade e franca cordialidade descendia,
neira de Vico. Não via apenas a dimensão superficial das coisas. pelo lado materno, da família dos duques de Argyll, e que seu irmão
Penetrava nelas, estudava todos os elementos, as ações e reações fora ministro do rei da Prússia. Ela abandonara tudo para acom-
recíprocas, isolava um por um desses elementos e pesquisava-lhes panhar o seu Marx e nunca, mesmo nos dias da mais extrema mis-
a evolução e o desenvolvimento. Em seguida, passava ao estudo do éria, lamentou o que fizera.
meio ambiente e observava efeitos e reciprocidades. Ele remontava
à origem do objeto de estudo, às transformações, evoluções e rev- Seu espírito era vivo e jovial. Manejava a pena com facilidade.
oluções que eles haviam sofrido para alcançar, enfim, seus efeitos As cartas que escreveu aos seus amigos são verdadeiras obras de
mais longínquos. Não se detinha no fenômeno isolado, mas rela- arte e revelam originalidade e vivacidade espiritual. Receber uma
cionava-o com o ambiente. Via a complexidade do mundo em per- carta da senhora Marx era uma felicidade. Jean-Philippe Becker5
pétua atividade publicou muitas delas. Henri Heine6, o impiedoso satírico, se
temia a ironia de Marx, era, por outro lado, grande admirador da
Queria expressar toda a vitalidade desse mundo em suas ações inteligência fina e penetrante da mulher. Na época em que o casal
e reações, tão variadas e em contínua transformação. Escritores da Marx vivia em Paris, Heine visitava-o com assiduidade. Marx tinha
escola de Flaubert e dos Goncourt3 queixam-se das dificuldades opinião tão elevada a respeito da inteligência e do espírito crítico
que a realidade apresenta para ser refletida com exatidão. E, no da mulher, que – dizia-me em 1866 – sempre a punha a par de seus
entanto, o que eles pretendem fixar é apenas a dimensão super- escritos e dava grande valor às suas observações. Era a senhora
ficial de que nos fala Vico, a impressão produzida pelas coisas. A Marx quem passava a limpo os manuscritos de Marx, preparando-
atividade literária de Flaubert e dos Goncourt é simples jogo in- os para a impressão.

10 15
pais”, costumava dizer. Nunca fez sentir aos filhos, que o amavam fantil comparada ao trabalho de Marx. Era preciso extraordinária
com loucura, a mais insignificante partícula de autoridade. Não lhes potência intelectual para apreender a realidade e capacidade artís-
dava ordens, mas pedia-lhes as coisas por obséquio, persuadindo-os tica não menos extraordinária para descrevê-la.
a não fazer aquilo que fosse contrário aos seus desejos. Apesar disso, Marx nunca estava satisfeito com o que produzia. Vivia con-
era obedecido como poucos pais o seriam. Suas filhas viam nele um stantemente fazendo mudanças e sempre achava que a expressão
amigo e o tratavam com camaradagem. Não o chamavam de “pai”, era inferior à concepção.
mas sim de “Mouro”, apelido que lhe haviam dado por causa de sua
cor mate, de sua barba e cabelos negros. Em compensação, desde Ele reunia as duas qualidades do pensador genial. Sabia como
antes de 1848, os membros da Liga dos Comunistas chamavam-no ninguém dissecar os diversos elementos componentes de um ob-
de “pai Marx”, apesar de ele ainda não ter 30 anos nessa época. jeto e, descobrindo sua íntima harmonia, reconstruí-lo, depois,
magistralmente, em todos o seus detalhes e formas diferentes de
Muitas vezes acontecia passar horas inteiras brincando com as desenvolvimento. Suas demonstrações não se apoiavam em ab-
filhas. Elas não esqueciam as batalhas navais travadas dentro de um strações como o acusam os economistas incapazes de pensar. Marx
barril, com os incêndios de frotas inteiras de barcos de papel, que não empregava o método dos geômetras que, depois de ter tirado
Marx construía e queimava, com enorme entusiasmo das pequenas. suas definições do meio ambiente, abstraem completamente a re-
Suas filhas não lhe permitiam trabalhar aos domingos. Era um alidade quando se trata de deduzir conseqüências. Não se encontra
dia reservado para elas. Quando fazia bom tempo, toda a família em O Capital uma definição única, uma fórmula única, mas sim
ia passear no campo. Detinham-se nas pousadas do caminho para uma série de análises extremamente criteriosas, revelando as nu-
beber cerveja de gengibre e comer pão e queijo. Quando as filhas anças mais sutis e até as menores diferenças.
eram pequenas, procurava distraí-las, durante o passeio, contan- Marx começa comprovando o fato evidente de a riqueza das
do-lhes intermináveis histórias de fadas, para que o caminho lhes sociedades em que predomina o modo de produção capitalista
parecesse mais curto. O próprio Marx inventava tais estórias en- aparecer como uma imensa acumulação de mercadorias. A mer-
quanto andavam, que se tornavam mais longas na razão direta da cadoria – fato concreto e não abstração matemática – é, pois, o
extensão do caminho. De maneira que as meninas, atentas aos con- elemento, a célula da riqueza capitalista. Marx vira e revira a mer-
tos, esqueciam as fadigas. cadoria, examina-a em todos os sentidos, penetra-lhe o interior,
Marx possuía incomparável veia poética. Foram poesias os e, afinal, um atrás do outro, desdobra-lhe todos os segredos, dos
seus primeiros trabalhos literários. Sua mulher guardava, cuida- quais os economistas oficiais não tinham a menor idéia, ainda que
dosamente, as obras que ele traçara na mocidade. Porém, não as tais segredos sejam mais numerosos e mais profundos que os mis-
mostrava a ninguém. Os pais de Marx haviam sonhado encaminhar térios da religião católica. Depois de examinar a mercadoria em to-
o filho na carreira de homem de letras e de professor. Eles estima- dos os seus aspectos, ele descobre a relação que se estabelece entre
vam que Marx estava reduzindo suas possibilidades ao consagrar elas com a troca. Chega logo à produção e suas condições históri-
suas energias à agitação socialista e ao estudo de economia política, cas. Estudando as diferentes formas da mercadoria, mostra como
ciência, na época, muito pouco admirada na Alemanha. ela passa de uma a outra e como uma determina necessariamente a
Marx prometeu às filhas que lhes escreveria um drama so- outra. O desenvolvimento lógico dos fenômenos está apresentado
bre os Gracos4. Infelizmente, não pôde cumprir a palavra. Seria com arte tão perfeita que quase se poderia crer que Marx o inven-
interessante ver como ele, a quem chamavam “o cavaleiro da luta tou. E, no entanto, ele tudo deduziu e outra coisa não fez senão
de classes”, trataria aquele trágico e grandioso episódio da luta de expressar o movimento dialético da mercadoria.

14 11
Marx sempre foi extremamente consciencioso em seus trabal- fim, segundo se pode atestar pelos numerosos sinais a lápis que ne-
hos. Não se utilizava jamais de um fato, uma cifra ou de uma data les fez. Achava que tais informes perfilavam entre os documentos
sem que se apoiasse nas fontes mais autorizadas. Não se satisfazia mais importantes que existiam para o estudo do regime de produção
com informações de segunda mão, mas procurava sempre as fon- capitalista e, a propósito, tinha opinião tão elevada dos homens que
tes, qualquer que fosse o esforço que isso lhe custasse. os elaboraram que duvidava que se pudesse encontrar em qualquer
Era capaz de ir à biblioteca do British Museum para comprovar outro país da Europa “homens tão capazes e tão imparciais quanto
o mais insignificante fato. Seus críticos nunca puderam acusá-lo da os inspetores de fábrica da Inglaterra”. Não lhes regateou sua es-
menor inexatidão ou provar que, em alguma de suas demonstrações, tima no prefácio de O Capital.
se apoiasse em fatos que não resistissem ao mais rigoroso exame. Foi considerável o material encontrado por Marx naqueles
O hábito de ir às origens, levou-o a ler autores muito pou- livros azuis. Muitos dos membros da Câmara dos Comuns, como
co conhecidos e por ninguém citados, a não ser por ele. O Capital da Câmara dos Lordes, para os quais eram distribuídos, não uti-
contém tal quantidade dessas citações que não é de admirar ver-se lizavam esses livros a não ser, por assim dizer, como alvos, sobre
alguém tentado a crer que o autor assim o fez por prazer ou vaid- os quais atiravam, para medir, conforme o número de páginas que
ade de fazer brilhar seus conhecimentos. No entanto, nada mais a bala atravessasse, a força de percussão da arma. Houve quem
injusto: “Exerço a justiça histórica”, e, dizia Marx “e dou a cada vendesse tais livros a peso. Foi o melhor que fizeram, pois permiti-
qual o que lhe pertence”. Considerou, com efeito, que era seu dever ram a Marx, pelo menos, comprá-los a baixo preço na casa de um
indicar o autor, por mais desconhecido ou pouco importante que comerciante de Long Acre, onde costumava ir de tempos em tempos
fosse, que fora o primeiro a expressar uma idéia ou a fazê-lo da para passar em revista livros e papeladas. Dizia o professor Beesly
melhor maneira. que Marx era o homem que mais utilizara os inquéritos oficiais da
Inglaterra, oferecendo-os ao conhecimento do mundo. Beesly dizia
Sua consciência literária era tão severa quanto sua consciên- isso porque, sem dúvida, não sabia que, antes de 1845, Engels ex-
cia científica. Não só jamais se basearia em fato de que não tivesse traíra numerosos documentos dos livros azuis, com que enriqueceu
plena certeza, como não se permitiria abordar pontos que não sua obra sobre a situação da classe operária na Inglaterra.
tivesse estudado a fundo. Só publicava alguma coisa após refazê-la
tantas vezes quantas julgasse necessário, até atingir a forma ad-
equada. Não podia suportar a idéia de oferecer ao público um estu- II
do insuficientemente trabalhado. Para ele, era verdadeiro martírio
ser obrigado a mostrar seus manuscritos antes do último toque.
Tão forte era esse sentimento, que, um dia, me disse que preferiria Para conhecer e amar o coração que batia no nobre peito do
queimar seus manuscritos a deixá-los incompletos. sábio, era preciso vê-lo, nas tardes de domingo, quando, fechados
Seus métodos de trabalho impunham-lhe tarefas das quais os livros e cadernos, ficava entre os seus, rodeado de amigos. Ness-
seus leitores não poderão ter a menor idéia. Assim se explica que, es momentos, revelava-se o companheiro mais agradável que se po-
para escrever aquelas vinte páginas de O Capital sobre a legislação dia imaginar. Estava sempre disposto a rir, cheio de alegria e bom
trabalhista inglesa relativa à proteção do trabalho, se obrigasse a humor. Seus olhos negros, sombreados por espessas sobrancelhas,
estudar toda uma biblioteca de “livros azuis”, que continham os brilhavam de contentamento e jovial ironia, toda vez que ouvia uma
relatórios das comissões de inquérito e dos inspetores de fábricas boa frase espirituosa ou alguma réplica pertinente.
da Inglaterra e da Escócia. Leu todos esses livros, do princípio ao Era pai doce, terno e indulgente. “Os filhos deviam educar os

12 13

Potrebbero piacerti anche