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TEMPO COMUM. VIGÉSIMA SEGUNDA SEMANA.

SEGUNDA-FEIRA

85. OBRAS DE MISERICÓRDIA


– Jesus misericordioso. Imitá-lo.

– Preocupar-nos pela situação espiritual dos que estão ao nosso lado.

– Outras manifestações da misericórdia.

I. JESUS VOLTOU A NAZARÉ, onde se tinha criado, e, conforme o costume,  
entrou na sinagoga no sábado1. Entregaram­lhe o livro do profeta Isaías para 
que   lesse.   Jesus   abriu   o   livro   numa   passagem  directamente   messiânica:  O  
Espírito   do   Senhor   está   sobre   mim,   porque   me   ungiu   para   evangelizar   os  
pobres; Ele me enviou para pregar aos cativos a liberdade e devolver a vista  
aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, para anunciar um ano de graça  
do Senhor.

Jesus,   enrolando   o   livro,   devolveu­o   e   sentou­se.   Havia   uma   grande 


expectativa   entre   os   presentes,   seus   conterrâneos,   com   os   quais   tinha 
convivido tantos anos. Todos na sinagoga tinham os olhos fixos n’Ele. Muito 
provavelmente   a   Virgem   estaria   entre   os   assistentes.   Então,   o   Senhor 
disse­lhes com toda a clareza: Hoje cumpriu­ se esta Escritura que acabais de  
ouvir.

Isaías2  anunciava  nessa  passagem  a  chegada   do   Messias,  que   livraria  o 


povo   das   suas   aflições,   e   as   palavras   do   Senhor   “são   a   sua   primeira 
declaração messiânica, à qual se seguem os actos e as palavras conhecidas 
por   meio   do   Evangelho.   Mediante   tais   actos   e   palavras,   Cristo   torna   o   Pai 
presente no meio dos homens. É muito significativo – continua a comentar João 
Paulo II – que estes homens sejam em primeiro lugar os pobres sem meios de 
subsistência, os que estão privados de liberdade, os cegos que não vêem a 
beleza da criação, os que vivem com a amargura no coração ou sofrem por 
causa da injustiça social e, por fim, os pecadores”3.

Mais tarde, quando os enviados de João Batista lhe perguntarem se é Ele o 
Cristo  ou   se  devem  esperar   outro,  Jesus   responde­lhes   que   comuniquem  a 
João o que viram e ouviram:  Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos  
ficam   limpos,   os   surdos   ouvem,   os   mortos   ressuscitam,   os   pobres   são  
evangelizados...4

O amor de Cristo expressa­se especialmente no encontro com o sofrimento, 
em todos os campos em que se manifesta a fragilidade humana, tanto física 
como moralmente. Desta maneira revela a atitude que Deus Pai, que é amor5 e 
rico em misericórdia6, manifesta continuamente em relação aos homens.

A   misericórdia   será   o   núcleo   central   da   pregação   de   Cristo   e   a   principal 


razão dos seus milagres. E, seguindo os seus passos, a Igreja também “cerca 
de amor todos os afligidos pela fraqueza humana; mais ainda, reconhece nos 
pobres   e   sofredores   a   imagem   do   seu   Fundador   pobre   e   sofredor.   Faz   o 
possível por mitigar­lhes a pobreza e neles procura servir a Cristo”7.

Que outra coisa podemos nós fazer, se queremos imitar o Mestre e ser bons 
filhos da Igreja? Temos diariamente diversas oportunidades de pôr em prática 
os ensinamentos de Jesus a respeito do nosso comportamento perante a dor e 
a necessidade. É uma atitude compassiva e misericordiosa que não espera por 
ocasiões   excepcionais,   como   visitar   um   preso   ou   um   doente,   ou   socorrer 
alguém   que   está   à   beira   de   morrer   de   fome,   mas   vai­se   exercitando   nas 
pequenas  ocasiões  do  dia e com  aqueles  que  se  têm ao lado.  Se  vejo  um 
colega   de   trabalho   de   cara   abatida,   se   uma   pessoa   da   família   se   mostra 
particularmente cansada e sem ânimo, se um amigo me telefona a contar uma 
aflição em que está, sei ver nessas situações uma oportunidade única de ser 
“outro   Cristo”,   sem   fechar   os   olhos   ou   mostrar­me  indiferente   e   apressado? 
Hoje cumpriu­ se esta Escritura que acabais de ouvir...

II.  ...UNGIU­ ME PARA EVANGELIZAR  os pobres; enviou­ me para  pregar  


aos cativos a liberdade e devolver a vista aos cegos, para pôr em liberdade os  
oprimidos...  Não há maior pobreza do que a provocada pela falta de fé, nem 
cativeiro e opressão maiores do que esses que o demónio exerce sobre quem 
peca,   nem   cegueira   mais   completa  do  que  a  da  alma   que   ficou  privada  da 
graça:   “O   pecado   produz   a   mais   dura   das   tiranias”,   afirma   São   João 
Crisóstomo8.

Se a maior desgraça, o pior desastre que existe é afastar­se de Deus, a 
nossa   maior   obra   de   misericórdia   será,   em   muitas   ocasiões,   aproximar   os 
nossos familiares e amigos dos sacramentos, fontes de vida, e especialmente 
da   Confissão.   Se   sofremos   com   as   penas,   doenças   e   desgraças   que   os 
afligem, como não nos havemos de doer se vemos que não conhecem Jesus 
Cristo, que não o procuram ou se afastaram dEle? A verdadeira compaixão, a 
grande obra de misericórdia começa pelo apostolado.

Entre essas obras, a Igreja destacou desde há muito tempo a que nos anima 
a “ensinar a quem não sabe”. Quando o número de analfabetos decresceu em 
tantos países,  aumentou  em proporções assombrosas a ignorância religiosa, 
mesmo   em   nações   de   antiga   tradição   cristã.   “Por   imposição   laicista   ou   por 
desorientação e negligência lamentáveis, milhares de jovens baptizados vêm 
chegando   à   adolescência   no   desconhecimento   total   das   mais   elementares 
noções da Fé e da Moral e dos rudimentos mínimos da piedade. Actualmente, 
ensinar a quem não sabe significa, sobretudo, ensinar aos que nada sabem de 
religião,   isto   é,   “evangelizá­los”,   falar­lhes   de   Deus   e   da   vida   cristã.   A 
catequese passou a ser na actualidade uma obra de misericórdia de primeira 
importância”9.

Quanto bem não faz a mãe que ensina o catecismo aos seus filhos, e talvez 
aos amigos dos seus filhos! Que enorme recompensa não reservará o Senhor 
aos que dedicam com generosidade o seu tempo a um trabalho de formação 
doutrinária   cristã,   aos   que   aconselham   um   livro   adequado   que   ilustra   a 
inteligência e desperta os afectos do coração! É abrir aos outros o caminho que 
conduz a Deus; não há outra necessidade maior que esta.

III.  IMITAR   JESUS  na   sua   actividade   misericordiosa   para   com   os   mais 


necessitados significa consolar e acompanhar os que se encontram sós, os 
doentes,   os   que   passam   pelas   agruras   de   uma   pobreza   envergonhada   ou 
descarada. Faremos nossa a dor que suportam, ajudá­los­emos a santificá­la, 
e procuraremos solucionar esse estado na medida em que nos for possível. 
Quanto podemos confortar essas pessoas com uma visita oportuna, com uma 
conversa   simples   e   amável,   bem   preparada,   procurando   dar   às   nossas 
palavras e comentários um tom sobrenatural que deixe no doente ou no idoso 
uma   luz   de   fé   e   confiança   em   Deus!   Com   delicadeza   e   oportunidade, 
atrever­nos­emos   a   prestar­lhes   alguns   serviços,   a   arrumar­lhes   a   cama,   a 
ler­lhes um trecho de algum livro ameno e mesmo divertido10.

Cada dia é mais necessário pedir ao Senhor um coração misericordioso para 
todos,   pois   na   medida   em   que   a   sociedade   se   desumaniza,   os   corações 
tornam­se duros e insensíveis, e cada qual tende a viver exclusivamente para si 
próprio. A justiça é uma virtude fundamental, mas só a justiça não basta; é 
necessária,   além   dela,   a   caridade.   Por   muito   que   melhore   a   legislação 
trabalhista e social, sempre será necessário proporcionar aos outros o calor de 
um coração humano, fraternal e amigo, que se abeira compassivamente dos 
homens   como   filhos   de   Deus   que   são,   pois  a  misericórdia   “não  se   limita   a 
socorrer   os   necessitados   de   bens   económicos;   o   seu   primeiro   propósito   é 
respeitar e compreender cada indivíduo como tal, na sua intrínseca dignidade 
de homem e de filho do Criador”11.
A misericórdia leva­nos a perdoar prontamente e de todo o coração, mesmo 
quando   aquele   que   nos   ofende   não   manifesta   o   menor   arrependimento.   O 
cristão   não   guarda   rancores   na   alma;   não   se   sente   inimigo   de   ninguém. 
Devemos   esforçar­nos   por   estimar   mesmo   os   que   são   infelizes   por   culpa 
própria, ou em consequência da sua própria maldade. O Senhor só quer saber 
se esta ou aquela pessoa é infeliz, se sofre, “pois isso basta para que seja 
digna do teu interesse. Esforça­te por protegê­la contra as suas más paixões, 
mas desde o momento em que sofre, sê misericordioso. Amarás o teu próximo, 
não por ele o merecer, mas por ser o teu próximo”12.

O   Senhor   pede­nos   uma   atitude   compassiva   que   se   estenda   a   todas   as 


manifestações da vida, incluído o juízo que fazemos sobre o nosso próximo, a 
quem devemos olhar sempre sob o ângulo que mais o favorece. “Ainda que 
vejais algo de mau – aconselha São Bernardo –, não julgueis imediatamente o 
vosso próximo, mas antes desculpai­o no vosso interior. Desculpai a intenção 
se   não   puderdes   desculpar   a   acção.   Pensai   que   a   terá   praticado   por 
ignorância, por surpresa ou por fraqueza. Se o erro for tão claro que não o 
possais dissimular, mesmo então procurai dizer para vós mesmos: a tentação 
deve ter sido muito forte”13.

Temos de lembrar­nos frequentemente de que, se formos misericordiosos, 
nós   mesmos   obteremos   do   Senhor   essa   misericórdia   de   que   tanto 
necessitamos   para   a   nossa   vida,   especialmente   para   as   fraquezas,   erros   e 
fragilidades em que incorremos a cada passo e que Ele bem conhece.

Maria,  Rainha   e   Mãe   de   Misericórdia,   dar­nos­á   um   coração   capaz   de 


compadecer­se eficazmente dos que sofrem ao nosso lado.

(1) Lc 4, 16­30; Evangelho da Missa da segunda­feira da vigésima segunda semana do TC; (2) 
cfr. Is 61, 1­2; (3) João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 30­XI­1980, 3; (4) Lc 7, 22 e segs.; 
(5) 1 Jo 4, 16; (6) Ef 2, 4; (7) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 8; (8) São João Crisóstomo, 
Comentário ao Salmo 126; (9) J. Orlandis, As oito bem­ aventuranças, págs. 104­105; (10) cfr. 
Cura d’Ars, Sermão sobre a esmola; (11) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 72; (12) G. 
Chevrot, O Sermão da Montanha, 2ª ed., Quadrante, São Paulo, pág. 115; (13) São Bernardo, 
Sermão 40 sobre o Cântico dos Cânticos.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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