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SEGUNDA-FEIRA
I. JESUS VOLTOU A NAZARÉ, onde se tinha criado, e, conforme o costume,
entrou na sinagoga no sábado1. Entregaramlhe o livro do profeta Isaías para
que lesse. Jesus abriu o livro numa passagem directamente messiânica: O
Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para evangelizar os
pobres; Ele me enviou para pregar aos cativos a liberdade e devolver a vista
aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, para anunciar um ano de graça
do Senhor.
Mais tarde, quando os enviados de João Batista lhe perguntarem se é Ele o
Cristo ou se devem esperar outro, Jesus respondelhes que comuniquem a
João o que viram e ouviram: Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos
ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, os pobres são
evangelizados...4
O amor de Cristo expressase especialmente no encontro com o sofrimento,
em todos os campos em que se manifesta a fragilidade humana, tanto física
como moralmente. Desta maneira revela a atitude que Deus Pai, que é amor5 e
rico em misericórdia6, manifesta continuamente em relação aos homens.
Que outra coisa podemos nós fazer, se queremos imitar o Mestre e ser bons
filhos da Igreja? Temos diariamente diversas oportunidades de pôr em prática
os ensinamentos de Jesus a respeito do nosso comportamento perante a dor e
a necessidade. É uma atitude compassiva e misericordiosa que não espera por
ocasiões excepcionais, como visitar um preso ou um doente, ou socorrer
alguém que está à beira de morrer de fome, mas vaise exercitando nas
pequenas ocasiões do dia e com aqueles que se têm ao lado. Se vejo um
colega de trabalho de cara abatida, se uma pessoa da família se mostra
particularmente cansada e sem ânimo, se um amigo me telefona a contar uma
aflição em que está, sei ver nessas situações uma oportunidade única de ser
“outro Cristo”, sem fechar os olhos ou mostrarme indiferente e apressado?
Hoje cumpriu se esta Escritura que acabais de ouvir...
Se a maior desgraça, o pior desastre que existe é afastarse de Deus, a
nossa maior obra de misericórdia será, em muitas ocasiões, aproximar os
nossos familiares e amigos dos sacramentos, fontes de vida, e especialmente
da Confissão. Se sofremos com as penas, doenças e desgraças que os
afligem, como não nos havemos de doer se vemos que não conhecem Jesus
Cristo, que não o procuram ou se afastaram dEle? A verdadeira compaixão, a
grande obra de misericórdia começa pelo apostolado.
Entre essas obras, a Igreja destacou desde há muito tempo a que nos anima
a “ensinar a quem não sabe”. Quando o número de analfabetos decresceu em
tantos países, aumentou em proporções assombrosas a ignorância religiosa,
mesmo em nações de antiga tradição cristã. “Por imposição laicista ou por
desorientação e negligência lamentáveis, milhares de jovens baptizados vêm
chegando à adolescência no desconhecimento total das mais elementares
noções da Fé e da Moral e dos rudimentos mínimos da piedade. Actualmente,
ensinar a quem não sabe significa, sobretudo, ensinar aos que nada sabem de
religião, isto é, “evangelizálos”, falarlhes de Deus e da vida cristã. A
catequese passou a ser na actualidade uma obra de misericórdia de primeira
importância”9.
Quanto bem não faz a mãe que ensina o catecismo aos seus filhos, e talvez
aos amigos dos seus filhos! Que enorme recompensa não reservará o Senhor
aos que dedicam com generosidade o seu tempo a um trabalho de formação
doutrinária cristã, aos que aconselham um livro adequado que ilustra a
inteligência e desperta os afectos do coração! É abrir aos outros o caminho que
conduz a Deus; não há outra necessidade maior que esta.
Cada dia é mais necessário pedir ao Senhor um coração misericordioso para
todos, pois na medida em que a sociedade se desumaniza, os corações
tornamse duros e insensíveis, e cada qual tende a viver exclusivamente para si
próprio. A justiça é uma virtude fundamental, mas só a justiça não basta; é
necessária, além dela, a caridade. Por muito que melhore a legislação
trabalhista e social, sempre será necessário proporcionar aos outros o calor de
um coração humano, fraternal e amigo, que se abeira compassivamente dos
homens como filhos de Deus que são, pois a misericórdia “não se limita a
socorrer os necessitados de bens económicos; o seu primeiro propósito é
respeitar e compreender cada indivíduo como tal, na sua intrínseca dignidade
de homem e de filho do Criador”11.
A misericórdia levanos a perdoar prontamente e de todo o coração, mesmo
quando aquele que nos ofende não manifesta o menor arrependimento. O
cristão não guarda rancores na alma; não se sente inimigo de ninguém.
Devemos esforçarnos por estimar mesmo os que são infelizes por culpa
própria, ou em consequência da sua própria maldade. O Senhor só quer saber
se esta ou aquela pessoa é infeliz, se sofre, “pois isso basta para que seja
digna do teu interesse. Esforçate por protegêla contra as suas más paixões,
mas desde o momento em que sofre, sê misericordioso. Amarás o teu próximo,
não por ele o merecer, mas por ser o teu próximo”12.
Temos de lembrarnos frequentemente de que, se formos misericordiosos,
nós mesmos obteremos do Senhor essa misericórdia de que tanto
necessitamos para a nossa vida, especialmente para as fraquezas, erros e
fragilidades em que incorremos a cada passo e que Ele bem conhece.
(1) Lc 4, 1630; Evangelho da Missa da segundafeira da vigésima segunda semana do TC; (2)
cfr. Is 61, 12; (3) João Paulo II, Enc. Dives in misericordia, 30XI1980, 3; (4) Lc 7, 22 e segs.;
(5) 1 Jo 4, 16; (6) Ef 2, 4; (7) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 8; (8) São João Crisóstomo,
Comentário ao Salmo 126; (9) J. Orlandis, As oito bem aventuranças, págs. 104105; (10) cfr.
Cura d’Ars, Sermão sobre a esmola; (11) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 72; (12) G.
Chevrot, O Sermão da Montanha, 2ª ed., Quadrante, São Paulo, pág. 115; (13) São Bernardo,
Sermão 40 sobre o Cântico dos Cânticos.