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O DISCURSO DO CAPITALISTA E O

MAL ESTAR NA CULTURA


Sonia Alberti

Praticamente, a cada vez em que Lacan se refere ao sintoma, estatisticamente se


quiserem, podemos dizer a cada dois anos em seu Seminário, ele começa assim: “é
importante observar que historicamente não reside aí a novidade de Freud, a noção de
sintoma, como várias vezes marquei, e como é muito fácil observar na leitura daquele
que por esta noção é responsável, [...] [é de] Marx” (1970-1, p. 220). Extraí essa citação
ao acaso, elas são inúmeras nos textos de Lacan, ainda em RSI ele faz essa referência e
no seminário sobre o Sinthome. Já anteriormente, em seu texto “Formulações sobre a
causalidade psíquica” (1946) Lacan termina por colocar em série: Sócrates, Descartes,
Marx e Freud como aqueles que “não podem ser superados, na medida em que
conduziram suas investigações com essa paixão de desvelar a qual possui um objeto: a
verdade” (p.193). É por estarem referidos a esse objeto que os dois últimos, Marx e
Freud, puderam perceber o quanto a verdade é sempre meio dizer e o quanto insiste,
justamente, ali onde sempre se vela. “O sintoma tem o sentido do valor da verdade”,
quer dizer, há uma “equivalência do sintoma com o valor de verdade”, é o que há de
essencial no pensamento marxista (Lacan, 1971-2a, p. 25).
Sem dúvida, o sintoma é a mais humana tentativa de posicionamento frente ao
mal estar na civilização, ou seja, frente à impossibilidade. Quando Freud (1930:264)
observa que o sintoma é produto do recalque dos componentes libidinais de uma moção
pulsional, enquanto o sentimento de culpa é produto dos componentes agressivos da
mesma moção pulsional recalcada, é porque Freud já sabe que o sintoma jamais deixa
de implicar Eros na tentativa de manter o sujeito no laço social[1]. No texto - "Mal estar
na cultura" -, Freud deixa bastante claro que o homem precisa poder reorganizar os
componentes libidinais, adaptá-los constantemente para poder agir de forma a modificar
o mundo conforme seus próprios desejos. Tudo isso faz parte do trabalho de Eros na
luta contra a agressividade e se sustenta na relação das pulsões com a pulsão de morte,
enquanto Eros vencer, porquanto Eros vence.
O sintoma é o compromisso de poder fazer as ligações no interior da cultura que
exige a renúncia pulsional para que "o processo da cultura seja aquela modificação do
processo de vida submetida à influência de Eros e instigada pela ananke, falta real
(reale Not), tarefa que compreende a associação das pessoas uma a uma, numa
comunidade ligada entre si libidinalmente" (Freud, 1930:265), ou seja, por Eros.
Nos seminários mais tardios de seu ensino, Jacques Lacan retomou a noção de
sintoma para lhe atribuir finalmente, a função de anodamento, amarração, entre real,
simbólico e imaginário o que não deixa de ter referência com o termo freudiano
atribuido a Eros de amarrar, ligar, binden (Freud, 1921:86)[2].
O sintoma é produto do recalque. Em sua "Conferência 31", Freud define o
recalque como o que há de mais êxtimo ao eu, ou seja, o recalque é "für das Ich [...],
inneres Ausland", estrangeiro interno do eu (1933:496), pois, já em 1923 ele situara o
recalque no isso, exatamente ali onde eu e isso zusammenfliessen, confluem (pp. 292-3).
O sintoma se situa entre as pulsões, o saber inconsciente e as identificações imaginárias
que constituem o eu da consciência. Em outras palavras, ele articula real, simbólico e
imaginário porque permite uma amarração entre o que há de mais estranho no eu com o
eu; uma amarração que inclui no sujeito a sua verdade. O que nos interessa no sintoma,
enquanto psicanalistas, é que ele “representa o retorno da verdade como tal na falha de
um saber” (Lacan, 1966, p. 234), saber este de que o ego[3] não tem consciência.
Dois anos depois de articular assim o sintoma, Lacan se interessa por estabelecer
as formas de laços sociais que também já foram estudadas anteriormente por Freud,
sobretudo, em "Psicologia das massas". Freud, particularmente em 1930, é claro a
respeito do fato de que o homem da cultura tende a viver em sociedade e que isso
implica na renúncia pulsional. Ele sustentara que essa tendência é, paradoxalmente,
causa do mal estar. Para debruçar-se sobre essa questão da relação do sujeito com as
outras pessoas, a psicanálise freudiana aprofundou-se no estudo das identificações
(Freud, 1911 e 1921), o que Lacan tomou como base para conceitualizar a noção de
discurso: o sujeito fala, o que o faz ocupar uma posição, ou seja, faz surgir o fato dessa
posição. O primeiro exemplo, estudado por Freud, é o da identificação a partir da
idealização do Líder (cf. Esquema no final do capítulo VIII de "Psicologia das massas".
Freud, 1921:108) e Lacan a ela se referencia no seu seminário sobre o discurso (Lacan,
1970-1, lição de 20 de janeiro).
Pois bem, na lição de 19 de janeiro de 1972 de “... ou pior”, Lacan diz:
“Lembro-lhes, de passagem, que o discurso, o que ao menos podemos dele dizer, é que
nele o sentido fica velado.” Como no caso do sintoma, a verdade no discurso é velada
mas, é ela, no fundo, que sustenta o discurso. Se o sintoma assume o lugar, na teoria de
Lacan, de sempre meio dizer a verdade do ser do sujeito - já que não é possível dizê-la
toda porque ela escapa ao saber -, o discurso será sempre do semblante mesmo quando
se colocar o próprio saber no lugar da verdade, ou seja, mesmo que se possa adquirir a
douta ignorância de que o próprio saber é, como a verdade, da ordem da ficção. Este
seria o caso, diria Lacan, do discurso do psicanalista. Fora isso, o discurso impõe a
necessidade ao homem de a ele se submeter pelo semblante, faz-de-conta que tem valor
de verdade.

Freud e a cultura.
Sem dúvida, uma das mais importantes conexões da psicanálise nesses seus
primeiros cem anos se deu com o campo da cultura, o campo social. Da socioanálise à
"psicanálise e o marxismo", passando por teorias que supuseram a psicanálise
desvinculada da "importância do social" - sintagma que retorna com facilidade -, por
privilegiar o indivíduo, vimos de tudo.
Também aqui, entendo, a leitura que Lacan fez da obra freudiana nos ajuda a
recuperar o que há de mais genuíno no pensamento freudiano e que tantas vezes acabou
por ser achatado.
O que vem a ser esse "social" ao qual se deveria dar importância? Como
articulá-lo na teoria senão pela noção freudiana de que o eu é sempre outra coisa, o eu é
o outro, o eu é dividido, ou, como o introduz Lacan, que o sujeito mantém, em relação
ao Outro uma posição de alienação e de separação e onde o social faz tanto parte da
realidade psíquica do sujeito quanto qualquer outra representação mais ou menos
investida.
Assim, poderíamos dizer, o outro social é particular de sujeito a sujeito,
conforme sua determinação (sempre significante, sempre inconsciente) o que nos
levaria a concluir a não possibilidade de um social para além das relações de projeção,
identificação e incorporação. E no entanto, observa-se que há algo que se
instrumentalisa através do discurso e que permite um movimento no campo social, entre
sujeitos, de maneira que um influi no outro, de maneira que, por exemplo, uma histérica
no final do século XIX podia se dirigir para um médico formado e lhe ordenar que se
calasse e que esse pedido pudesse vir a ser por ele entendido e provocar nele a
descoberta de uma fala curativa, associativa e interpretativa - a psicanálise. Essa
histérica, no lugar de agente do discurso, desencadeia um processo tal que, o Dr. Freud,
diante dela, começa a trabalhar, até isso provocar a realização de um produto: a
psicanálise. E Emmy von N. é razão de criação da técnica que tem como base a posição
que ela outorgou a Freud e que fez com que ele, aceitando, assumindo essa posição sem
a ela se identificar, produzisse a psicanálise.
O que fez Frau Emmy von N. querer colocar Freud a trabalho e o que fez Freud
aí trabalhar? Amor de transferência, desejo de saber - de qualquer maneira, desejo, Eros
- fusão das pulsões, intrincação pulsional (Triebmischung). A psicanálise é uma forma
de levar em conta as pulsões apesar da exigência da renúncia pulsional, feita pela
cultura. Ou seja, como Freud sugere no capítulo VIII de "Mal estar na cultura", a
criação de uma grande comunidade humana teria melhor eficácia se exigisse a renúncia
à felicidade do cada um que a constitui (Freud, 1930, p. 266). Mas a psicanálise, ao
conceitualizar a castração e ao propor o Wo es war soll ich werden (Freud, 1933a:516),
promulga para além disso, a ação de cada um na cultura. À medida em que o eu possa
adquirir, cada vez mais, partes de um isso que não deve ser tão diferenciado dele (Freud,
1933b:527), o sujeito passa a sujeito da ação.
Nem só de Eros viveu o século que viu a psicanálise nascer, ao contrário, esse
século suportou no mínimo o mesmo quantum de pulsão de morte. A psicanálise é o
exercício possível da dúvida e da questão do sujeito frente ao gozo do Outro ou seja,
barrando esse gozo, com a psicanálise surge a possibilidade do sujeito enquanto
desejante.
O sujeito sempre esteve submetido ao Outro na história da cultura humana, mas
não como sujeito. O sujeito passou a ser sujeito a partir da ascensão da burguesia
quando alguém, não nascido em berço esplêndido teve acesso à cultura, à dúvida
subjetiva, deixando de ocupar, por exemplo, o lugar do escravo, garantia do senhor (do
mestre).

Lacan e Marx.
Lacan formula, em seu 17º Seminário, O avesso da psicanálise, quatro discursos
que fazem laço social, mas alude a um quinto discurso que não faz laço social: trata-se
do discurso do capitalista[4].
Em todo seu ensino encontramos referências de Lacan a Karl Marx, referências
que nos permitem situar-nos diante do tributo de Lacan a essa sua herança, que se
distingue, em larga medida, de outras leituras na história da intersecção da psicanálise
com o marxismo.
São três os eixos em torno dos quais essa herança se articula:
1) Lacan frente ao conceito de mais-valia;
2) Marx como inventor do sintoma, antes de Freud, e
3) O semblante no discurso do capitalista.
É o conceito de mais-valia, tal como formulado por Marx, que sustenta aquele
do mais-de-gozar de Lacan. Gozo a mais, não passível de entrar na significação do gozo
fálico, tal como na mais-valia em Marx trata-se aqui de um resto, impossível de
simbolizar. Ele é perdido para o trabalhador cujo trabalho só é pago em salário de forma
a não perceber a margem que ultrapassa o lucro[5]; a mais-valia não é concedida, ela
ultrapassa a conceção. E o capitalista tampouco pode cerni-lo porque a mais-valia é
justamente o que ultrapassa o lucro simbolicamente computado de forma que para ele
sempre “fica a sensação” de que pode estar sendo roubado desse resto sem valor
mensurável e, por isso mesmo, tão valorizado.
Há um campo aqui, para a exploração do psicanalista, longe de ter sido
esgotado, ao contrário, parece-me totalmente incipiente, Lacan disso deixou algumas
pistas a serem ainda percorridas. “O que Marx denuncia na mais-valia é a espoliação do
gozo” (Lacan, 1969-70, p. 92), mostrando já em 1844 que a sociedade de consumo “faz
equivaler o que qualificamos entre aspas de humano a qualquer objeto mais-de-gozar
que é produto de nossa indústria” (idem). Ou seja, Lacan denuncia, com Marx, a
degradação a qualquer objeto mais-de-gozar daquilo que poderia trazer a marca do
desejo, sempre singular.
Mas sobretudo, Lacan observou que Marx já sabia o quanto no discurso
algo sempre fica velado. Ele observou também que Marx já sabia que, quanto ao
discurso do capitalista, o laço social fracassa o que, a longo termo, levará ao fracasso do
próprio capitalismo porque o homem é um ser que faz, por definição, laço social
(proponho aqui que o termo Gattungswesen, conforme Marx, traduzido por “ser
genérico” – cf. Marx, 1844 –, possa equivaler ao conceito de laço social empregado por
Lacan em vários de seus seminários).
Sendo o Seminário 17 o marco para o estabelecimento dos quatro discursos, ele
é tanto produto do que Lacan vinha ensinando quanto base de sustentação para seu
ensino nos anos seguintes.
Encontramos referências explícitas ao discurso do capitalista, nos textos de
Lacan, entre os anos 70 e 74, a última sendo em Televisão, onde aparece no seguinte
parágrafo: “Quanto mais somos santos mais rimos, é meu princípio, ou seja, é a saída do
discurso capitalista –, o que não constituirá um progresso se for somente para alguns”
(p. 34). O santo aqui, é o lugar do psicanalista no discurso do psicanalista, rebotalho que
não faz caridade. Lacan propõe o discurso do psicanalista como única saída para a
ausência de saída do discurso do capitalista. (Voltaremos ainda à questão). Daí ele dizer
que isso não traria nenhum progresso caso seja somente para alguns, caso a psicanálise
não possa estar ao alcance de vários.

Passagem de um discurso a outro.


Que eu saiba, essa é a última vez em que Lacan se refere explicitamente ao
discurso do capitalista, falando pois da importância do discurso do psicanalista para sair
do discurso do capitalista. Esta importância reside no fato de que o discurso do
psicanalista é o único que dá lugar de sujeito ao outro – nesse discurso o sujeito está na
posição do outro e o psicanalista é mero objeto a[6]. É essa posição do psicanalista
como agente do discurso que pode subverter e barrar o discurso do capitalista no qual o
sujeito se crê agente sem se dar conta de que age somente a partir dos significantes
mestres que o comandam e que, no discurso do capitalista estão no lugar da verdade.
Quando o discurso do mestre se coloca a serviço do cientificismo, o saber, o
escravo hegeliano, que detinha o saber do mestre, deixa de detê-lo, ao mestre capital já
não interessa esse saber como ele podia, por exemplo, interessar a Sócrates[7]. O
cientificismo reduz tudo a números, a estatísticas, a unidades de valor, o escravo, o
outro no discurso do mestre, passa a ser mera unidade de valor de forma que até mesmo
o mais-de-gozar passa a ser contabilizado. O saber que ele podia deter no discurso
hegeliano deixou de ser dele – o escravo agora é só máquina de influenciar.
Historicamente, essa mudança das relações do mestre e do escravo frente ao
saber, surge com o exercício do discurso universitário no qual o saber se sustenta
meramente no próprio mestre que no discurso da universidade está no lugar da verdade,
aquela que é velada. No discurso universitário um saber equivale ao outro pois são os
títulos universitários - enquanto S1 - que garantem, nessa equivalência, o valor de um
saber. O que é bem diferente de dizer que é a inquietação do sujeito – sempre dividido,
embaraçado – que está no lugar da verdade no discurso do mestre, sustentando a relação
do mestre com o saber. No discurso universitário, o saber se conta em títulos
acadêmicos, pouco importando se esses títulos efetivamente condizem a algum estofo
de sujeito. Em conseqüência, o que se produz, o que se joga fora, no discurso da
universidade, é o próprio sujeito.
Um pequeno passo somente foi necessário, a partir desse momento, para instituir
a perversão na própria ordem do discurso. Lacan escreve a perversão assim: o objeto a
que divide o sujeito, onde esse objeto é o próprio objeto que causa no sujeito o seu
sofrimento para o regozijo do “sujeito bruto de prazer”. “(...) se trata do sujeito
reconstituído na alienação, ao preço de ser apenas o instrumento do gozo” (Lacan, 1963,
p. 775)[8]. Veremos como isso se inscreve no discurso do capitalista.
Assim como aconteceu uma mudança na relaçã do mestre com o saber, a partir
da institucionalização do discurso universitário, aconteceu também uma mudança com
relação ao gozo. Não que ele tenha deixado de ser produto do próprio discurso, mas isso
já não é suficiente.
O mestre, for a do discurso do capitalista, pouco se importava com o destino dos
restos - ele simplesmente os jogava for a como testemunho de sua fartura, de resto não
importavam, eram lixo.
Nada disso no discurso do capitalista: nada se perde, tudo se transforma. Para
isso foi necessária uma passagem. “Alguma coisa mudou no discurso do mestre a partir
de um certo momento da história (...) a partir de um certo dia, o mais-de-gozar se conta,
se contabiliza, se totaliza. Eis quando começa o que chamamos a acumulação do
capital” (Lacan, 1969-70, p. 207). Dessa maneira, o mais-de-gozar se soma ao capital o
que, por sua vez, destitui o capital de seu poder de sustentação, ele próprio pode ser
alienado.
No Seminário 17 Lacan não se refere explicitamente a um quinto discurso. Serão
os dois anos seguintes aqueles em que o constrói: “De um discurso que não seria do
semblante” (1970-1) e “... ou pior” (1971-2). Contemporâneo a esse último, há um
conjunto de palestras realizadas no Hospital Sainte-Anne, conhecidas sob o título de “O
saber do psicanalista” em que Lacan, mais uma vez, toca na questão e, finalmente, a
“Conferência de Milão”, realizada em 12 de maio de 1972, ou seja, na mesma época
dessas duas últimas referências.
Não há dúvida de que, ao formular os quatro discursos no ano 1969-70, Lacan já
se questionava sobre a subversão do discurso do mestre nos dias de hoje, ou seja, sobre
as contribuições da sociedade capitalista para as mudanças a serem observadas no
funcionamento daquele discurso. São esses quatro textos que nos ajudam, por um lado,
começar a esclarecer a articulação de Lacan sobre o discurso do capitalista e, por outro,
começar a questionar a noção de semblante, fundamental nesses quatro textos, na
referência ao sintoma. Digo começar, porque entendo que aqui ainda temos muito a
trabalhar.
O capitalismo é a maximização do lucro da divisão entre sujeito e Outro pois o
sujeito sempre pode sonhar tornar-se Outro, por exemplo. Nessa maximização vale tudo
contanto que o sujeito não se dê conta de sua posição de sujeito senão como engano de
eu, onde ele se engana de querer aquilo que o capitalista quer que se queira. Tomar a
demanda pelo desejo, engano neurótico, é a aposta feita pelo capitalista para fazer do
sujeito um usuário de seu produto.

O discurso do capitalista.
Nos seminários que se seguem ao 17, Lacan modifica um pouco o nome dos
lugares, mantendo somente um: o lugar da verdade. Os outros mudam: o agente passa a
ser o semblante, o outro, o gozo, e o lugar da produção é o lugar do mais-de-gozar. Isso
é importante para avançarmos um pouco na articulação do que propõe para o discurso
do capitalista.
Corruptela do discurso do mestre, no discurso do capitalista o mestre é ainda o
significante mestre, as marcas dos gadgets que, no entanto, não estão no lugar do
semblante mas no lugar da verdade. E o sujeito, que se crê agente, é no fundo um
engano que não deve se levar em conta pois o que conta, a verdade, é o brilho daqueles
significantes. Isso, de uma certa forma, subverte a própria noção de semblante razão de
uma colega ter proposto, em seu texto sobre o assunto, que o discurso do capitalista
seria o tal discurso que não seria do semblante (Carneiro Ribeiro, 1999:167). Para
estudá-lo, é fundamental levar em conta as setas, que fazem com que não dê prá sair
dele, pois as coisas, nele, entram num círculo vicioso (agradeço o acompanhamento no
anexo):
Em primeiro lugar, não há qualquer relação entre o agente e o outro - não há laço
social no discurso do capitalista - isso se visualisa na ausência da seta, entre os dois
numeradores do matema do discurso do capitalista.
O S1 se dirige a S2, pondo o gozo a seu serviço. O outro não é mais, como no
discurso do mestre, o que tem um saber, por mais que este seja da ordem da doxa, mas o
outro é reduzido a seu lugar de gozo que, no interior do discurso do capitalista (seguir as
flechas), volta ao S1, aumentando o seu capital. O endereçamento do S1 ao S2 produz
os gadgets supostos satisfazerem o saber reduzido ao gozo, gadgets identificados com o
mais-de-gozar. Mas em vez de ser impossível ao sujeito – como no discurso do mestre –
aceder a esse gozo, isso passa a ser possível, de forma que a castração fica foracluída e
o sujeito fixado nesse lugar que o S1 determina. É como se pudéssemos dizer: o
discurso do capitalista não exige a renúncia pulsional, ao contrário, ele instiga a pulsão,
impondo ao sujeito determinadas relações com a demanda, sem se dar conta de que, ao
fazê-lo, sustenta sobretudo e em primeira mão, a pulsão de morte.
“Isso funciona tão bem, tão rápido, que isso se consuma” diz Lacan, em Milão,
corroborando Marx quando este prevê seu fim, não sem que com isso se consuma boa
parte da população – como vimos, por exemplo, no episódio recente entre grevistas e
forças policiais em Brasília[9]. Toda recente obra de Bauman (1998), em particular o
capítulo "Os estranhos da era do consumo: do estado de bem-estar à prisão", dá
inúmeros exemplos disso. Se em 1969-70 Lacan diz que é impossível que haja um
mestre que faça funcionar seu mundo – porque fazer os outros trabalharem é ainda
muito mais cansativo do que trabalhar –, no discurso do capitalista, é o próprio capital
que faz esse trabalho de fazer os outros trabalharem, a seu serviço, e isso não pára, tal
máquina de gozo – que, como disse outra feita (Alberti, 1999), está longe de ser
desejante.

O discurso do analista contra o discurso do capitalista.


O discurso do analista se instaura ao ser restituída a verdade à histérica.
Duzentos anos após essa derrapagem que chamamos calvinismo, diz Lacan no “Saber
do psicanalista” (p. 46), a castração retorna com o discurso do psicanalista, este que
reinstaura o lugar do desejo. “Eu mesmo sou o produto da emergência desse novo
discurso” diz Lacan em 19 de janeiro de 72, em “... ou pior”.
É porque Freud inventou a psicanálise que Lacan pode articular esses discursos
retomando em Marx o que a história do século XX fez tanto esforço para esquecer,
encabeçada pelo discurso universitário das nações que se sustentaram no proletariado no
lugar de agente, produzindo um sujeito como resto a ser jogado fora. Lacan comenta,
nesse sentido, a URSS como lugar em que isso foi levado ao extremo. Não foi à toa que
Freud tinha tantas reticências, quando frente a isso era convidado a se posicionar...
Quando o discurso do analista reinstaura a verdade do sujeito,
fundamentalmente ele reinstaura a referência à castração, ou seja, ao mal estar na
cultura. Ao contrário do discurso do capitalista, que quer foracluí-la, seguindo o modelo
da perversão: a ----> $, o discurso do analista se sustenta na impossibilidade.
Assim, abre-se um campo das conexões da psicanálise, um retorno a Marx na
tentativa de retomar em seu pensamento, o que o sintoma de nosso tempo tem a ver com
o sujeito – o que a psicanálise reintroduziu no mundo enquanto prática clínica, apesar de
ainda ser para muito poucos.
Ocupando vários lugares nos quatro discursos, o então sujeito de sua própria
experiência - sintagma lacaniano que nos remete à própria análise pregressa do analista
-, tendo podido expelir os significantes que o determinavam, assumiu a sua
determinação no discurso do mestre – que é o discurso do inconsciente – para poder
deles lançar mão quando isso fosse de seu interesse. Jamais quando fosse ocupar o lugar
do analista já que ali só é objeto, seu interesse estando então voltado para a psicanálise
do sujeito (seu paciente).
Poder lançar mão disso é também poder movimentar-se em relação aos
discursos, em tese é poder entrar num e sair dele, inclusive em relação ao discurso do
capitalista. Mas como este não faz laço social, não há porque frequentá-lo – o homem é
um ser genérico, ou Gattungswesen que traduzo como ser de laço social, donde, é como
tal que o analista deve atuar.
Nossa pesquisa, assim, continua, para o que levanto a questão: em que medida
saber algo sobre o discurso do capitalista pode promover uma maior eficácia do analista
de forma a que isso não seja só para alguns?

Referências Bibliográficas:
ALBERTI, S. (1999a) Esse sujeito adolescente. Rio de Janeiro, Marca d`Água Livraria
e Editora. 2a edição.
(1999b) “Apresentação” de ALBERTI, S. (org.) Autismo e esquizofrenia na
clínica da esquize. Rio de Janeiro, Marca d`Água Livraria e Editora. Pp. 7-13.
BAUMAN, Z. (1997[1998]) O mal estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar Editor.
CARNEIRO RIBEIRO, M.A. (1999) “Capitalismo e esquizofrenia” in Autismo e
esquizofrenia na clínica da esquize. Idem. Pp. 163-176.
ELIA, L.F. “A psicanálise e o social”. Tese para o concurso de Professor Titular em
Psicanálise, no Instituto de Psicologia da UERJ, novembro de 1999.
FREUD, Sigmund (1911) "Totem und Tabu" in Studienausgabe. Frankfurt a.M.,
S.Fischer, 1974. Vol. IX.
(1921) "Massenpsychologie und Ich-Analyse" in Studgb., idem.
(1923) "Das Ich und das Es" in Studgb., op. cit., vol. III.
(1926) "Hemmung, Symptom und Angst" in Studgb., op.cit., vol. VI.
(1930) "Das Unbehagen in der Kultur" in Studgb., op. cit., vol. IX.
(1933a) "Die Zerlegung der psychischen Persöhnlichkeit"- Conferência 31, in
Studgb., op. cit., vol. I.
(1933b) "Angst und Triebleben"- Conferência 32, in Studgb., idem.
(1937) "Die endliche und die unentliche Analyse" in Studgb., op. cit.,
Ergänzungsbd.
LACAN, J. (1946) “Propos sur la causalité psychique” in Ecrits. Paris, Seuil, 1966.
Traduzido por Jorge Zahar Editor em 1998.
(1963) “Kant avec Sade” in Ecrits. Idem.
(1966) “Du sujet enfin en question” in Ecrits. Idem.
(1969-70) Le Séminaire, livre 17, L`envers de la psychanalyse. Paris, Seuil,
1991.
(1970-1) “Le Séminaire, livre 18, D`un discours qui ne serait pas du semblant”.
Inédito.
(1971-2a) “Le savoir du psychanalyste”. Conferências no Hospital Sainte-Anne.
Inédito.
(1971-2b) “Le Séminaire, livre 19, “... ou pire”. Inédito.
(1972) “Milan, 12 de mai 1972” in Lacan en Italia. Milão, La Salamandra.
(1974) Télévision. Paris, Seuil.
MARX, K. (1844) Manuscrits de 1844. Paris, GF-Flammarion, 1996.
PLATÃO [1950] Menon in Oeuvres complètes. Paris, Gallimard. Bibl. De la Pléiade.
Vol.1.

Rio de Janeiro, março de 2000.


NOTAS

[1]As passagens que retomam o texto de Freud são sempre minha tradução livre, mesmo quando se trata
de uma citação demarcada por aspas. Procuro assim, respeitar ao máximo o texto freudiano do qual me
sirvo (a versão da Studienausgabe).
[2]No texto "Psicologia das massas e análise do eu", por exemplo, Freud (1921) compara o conceito
platônico de Eros com a "libido da psicanálise" enquanto força que promove a amarração. Cf. Também
glossário em Alberti (1999a).
[3]O termo "ego" aqui é empregado no sentido do "moi" em francês, diferente do "eu" que no texto
freudiano se refere tantas vezes ao sujeito. Cf., por exemplo, a embaraço do próprio Freud em se decidir
sobre o emprego do termo "Ich" ou "Es" para designar a pessoa toda (Freud, 1933b:538) por que no
fundo, não há essa totalidade, o que o termo "sujeito" deixa claro definitivamente por se escrever sempre
barrado - dividido.
[4] Cf. também o texto de Maria Anita Carneiro Ribeiro (1999) no livro Autismo e
esquizofrenia na clínica da esquize, “Capitalismo e esquizofrenia”.
[5]O lucro do capitalista seria o quantum concedido gratuitamente pelo trabalhador ao capitalista, cf.
Elia, 1999.
[6] Para poder acompanhar melhor o que se quer dizer, refiro o leitor ao anexo em que se encontram os
discursos tais como aqui trabalhados.
[7] No Menon, por exemplo, é possível observar o quanto esse saber interessa ao mestre que,
questionando o escravo, o faz dizer o saber que detém sem o saber (cf. Platão [1950]).
[8] Simplificação do esquema para a perversão a guisa de ilustração do que aqui quero ressaltar.
[9] Referência ao assalto policial, ocorrido em 3 de dezembro de 1999, contra funcionários públicos em
ato de protesto pacífico, em Brasília, e que cegou dois manifestantes e causou uma morte.

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