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Pedagogia dos “Sem Nomes”

Gislene Valério de Barros – gvbarros@terra.com.br

I Introdução

"A essência da educação é a natalidade" (ARENDT : 1996, 186)

Iniciei minha formação acadêmica com a licenciatura em História, e durante o


exercício profissional a busca por melhor compreender o processo pedagógico, a
formação do aluno e a construção do conhecimento conduziram-me ao curso de
Pedagogia.

Busquei na Faculdade de Educação ferramentas que me possibilitassem um maior


entendimento do processo de aprendizagem e saí com a convicção de que essa
busca seria constante e que este entendimento é construído em uma interação
entre a escola e a vida, a universidade e a sociedade.

Durante meu exercício profissional como professora de História e depois como


diretora, em escolas que pertencem à Campanha Nacional de Escolas da
Comunidade (CNEC)1, minhas indagações sobre o exercício da prática
profissional somaram-se as indagações de um contexto maior - a instituição na
qual a escola está inserida e a relação da escola com a comunidade. E, o
convívio com inúmeras outras questões, entre elas: por ser a CNEC uma rede de
escolas comunitárias, como a especificidade da prática pedagógica destas escolas
influenciava na organização do trabalho escolar e na formação dos alunos? O
caráter comunitário - de pertencimento - de grupo - conferia àquelas escolas um
diferencial na formação dos alunos? O motivo apontado pelos pais e alunos na

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A CNEC é uma instituição comunitária que atua no país à 60 anos da educa;ao infantil ao ensino superior.
Está presente em 23 Unidades da Federação. São 928 escolas que atendem perto de meio milhão de
brasileiros. Fonte: Anuário da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade. Brasília. 2000
escolha dessas escolas era puramente a falta de escolas públicas? Os alunos que
estudavam nestas escolas constituíam uma clientela distinta? Por ser comunitária
havia uma formação de valores como solidariedade, participação,
comprometimento? E, como tais fatores influenciavam no processo de formação
dos alunos?

Todos estes questionamentos foram determinantes na escolha da temática a ser


investigada no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMG - A
Trajetória da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade na educação
brasileira.

A idéia inicial era a análise da prática pedagógica do cotidiano das escolas


comunitárias, mas dado à inexistência de estudo histórico sobre a instituição, e por
conhecer melhor a proposta de uma pesquisa histórica e sua importância para a
instituição CNEC naquele momento, a dissertação tratou de investigar a história
da Campanha e sua inserção no cenário político educacional brasileiro, discutindo
a questão do comunitário e suas relações com o público e o privado.

O mestrado possibilitou uma rica reflexão sobre o sentido de comunidade, de


comprometimento, a solidariedade, e participação. E, principalmente sobre a
importância da organização de práticas pedagógicas alternativas. O mestrado
respondeu algumas e levantou novas indagações.

Atualmente, como professora do curso de Pedagogia, me incluo no grupo de


educadores e pesquisadoras que buscam repensar as práticas educativas e as
matrizes pedagógicas de uma educação que se assume como parte dos dilemas
sociais e anseia por reformulações.

Concordo que uma das maneiras de avançar esta reflexão é olhar com mais
atenção para a prática pedagógica que vêm sendo produzida pela dinâmica das

2
lutas sociais que não aceitam a exclusão e que lutam pelo seu direito de exercer a
sua cidadania. E, neste sentido, os estudos dos trabalhos produzidos pelas ONGs
são uma referência importante nesta discussão.

E é neste tempo de uma maior sensibilidade para práticas de educação e de


escola ligadas a processos de transformação social e recuperação da
solidariedade e da dignidade humana que uma questão se coloca: Como bêbados,
drogados, marginalizados, viciados, excluídos da sociedade, podem eles próprios
construir um processo de ajuda e de restabelecimento da sua dignidade?

Vale a pena indagar: Como a escola formal lida com essas questões e com essas
pessoas? Pessoas marginalizadas da sociedade, que a escola se incumbe de
também marginalizar e excluir. A escola formal não está preparada (nós) para
‘educar’, ‘ensinar’ essas pessoas. Também a família, como outro espaço
educativo, geralmente acaba por ‘optar’ pela exclusão

A minha entrada nos grupos anônimos ocorreu por problemas familiares. A


permanência, e atualmente a coordenação nacional de um grupo, aconteceu por
intensa admiração - passei a conhecer os mais diversos grupos e a sua literatura.
Durante esses dois anos de intensa participação várias lições contribuíram para a
minha formação e para a minha prática profissionbal - Reafirmei minha crença no
ser humano e na possibilidade da mudança.

No anseio de conhecer mais o trabalho dos grupos anônimos, busquei leituras no


meio acadêmico e encontrei referências na Psicologia - como por exemplo:
PACHECO (1998) "Não Pense, Acredite e Faça": Sobre as Estratégias de
Construção da Subjetividade nos Alcoólicos Anônimos. Uma dissertação de
mestrado defendida na área de Psicologia Social que trata de aspectos da prática
do AA.

3
Já PEÑA-ALFARO (1993) em " Alcoolismo: os seguidores de Baco" , dissertação
de mestrado defendida na Universidade da Paraíba, o autor faz uma análise
através da psicologia e da antropologia, fazendo uso do mito de Dionísio.

Na Ciência das Religiões, GUIMARÃES (2001), em " Spiritus contra Spiritum.


Aspectos rituais e simbólicos dos grupos de AA, a autora investiga o aspecto
religioso presente no grupo.

Na Antropologia, TROIS (1998) A Cura pelo Espelho. Uma leitura antropológica


do dispositivo terapêutico dos grupos de auto-ajuda de neuróticos anônimos. A
dissertação de mestrado faz uma leitura do grupo e analisa as representações
sobre a neurose pelos participantes do grupo.

As leituras desses trabalhos proporcionaram elementos interessantes de análise,


mas que não esgotam a temática, e aí indago: Por que não estudar os grupos
anônimos em educação?

E por que estudar Grupos Anônimos, num doutorado: Educação - no grupo de


Currículo numa linha de pesquisa: Interdisciplinaridade? Por serem questões de
vida e morte e de vida inteira, porque vinculadas às raízes de um processo de
humanização mais profundo que é a dignidade e seu direito à vida.

E são nas palavras2 da Dra. Ivani Fazenda que busco este sustento, na sua
análise sobre a etimologia da palavra interdisciplinaridade, ela coloca:

" Disciplina: conjunto organizado de conhecimentos, é uma


denominação, outra é disciplina militar, ou seja, imposta. Mas,
se você analisar a raiz grega e não a latina a palavra disciplina
significa fundamentalmente encontro. Neste sentido,
disciplina: possibilidade de encontro. Dade determina um
movimento. Inter - entre.
Se eu utilizo esta expressão como encontro entre as
disciplinas, eu preciso tentar entender a disciplina, conjunto
organizado de conhecimento na sua dimensão Dade, ou seja,

2
Este comentário foi transcrito da palestra da Dra. Ivani Fazenda - em Setembro de 2001 no auditório do
Centro Universitário Newton Paiva em Belo Horizonte para o Curso de Pedagogia.

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da história. E quem eu vou encontrar na história das
disciplinas? A história das pessoas que constroem os
conhecimentos. Portanto, a interdisciplinaridade é entendida
como o encontro entre pessoas em movimento."

E, é neste sentido, ao conceber que o processo de educação é também um modo


de produção da formação humana, que esta pesquisa se apresenta.

Uma luta que permite ao ser humano parar de morrer, só pode nos trazer lições
fundamentais de pedagogia. É assim, que CALDART (2000) No seu trabalho
sobre a Pedagogia da Luta pela Terra argumenta e acrescenta:

"Principalmente se acreditarmos que em tempos de


desumanidade crescente, a educação somente tem sentido
como uma prática radical de humanização, ou de formação
humana em seu sentido mais inteiro e profundo; e que neste
tempo e em nosso país, um dos saberes fundamentais para
os educadores e as educadoras do povo é, como nos diz
Paulo Freire, o aprendizado de que mudar é difícil, mas é
possível." (p.32)

Como sabemos, a educação nunca se restringiu à escola. Práticas educativas têm


ocorrido, ao longo do tempo, fora dessa instituição e, às vezes, com maior força
do que se considera, principalmente para certos grupos sociais e em
determinadas épocas. A cidade, o trabalho, o lazer, os movimentos sociais, a
família, a Igreja foram, e continuam sendo, poderosas forças nos processos de
inserção de homens e mulheres em mundos culturais específicos.

"Ao buscarem conquistar o direito à dignidade, estes sujeitos e


suas lutas nos ensinam algo mais sobre processos de
transformação humana, e sobre práticas de educação a eles
vinculados. " (CALDART : 2000;42)

II Os Grupos:

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"Sou alguém que teve a oportunidade de ter sua vida
resgatada pelos princípios que norteiam os programas dos
Grupos Anônimos" (MASCARENHAS: 1996,7)

Internautas Anônimos, Devedores Anônimos, Dependentes de amor e Sexo


Anônimos, Comedores Anônimos, Introvertidos Anônimos, Neuróticos Anônimos,
Narcóticos Anônimos, Jogadores Anônimos, Fumantes Anônimos, Emocionais
Anônimos, Alcoólicos Anônimos e outros.

Um fenômeno cada vez mais comum em nossa sociedade, em número cada vez
maior, os grupos anônimos de auto-ajuda, em que pessoas de diferentes idades e
classes sociais buscam apoio mútuo para superar vícios e comportamentos
compulsivos crescem cada vez mais. Eles funcionam em várias cidades e reúnem
pessoas com os mais diversos tipos de problemas e afinidade.

O funcionamento de todos esses grupos se inspira nos Alcoólicos Anônimos


(A.A.), a mais antiga e bem organizada associação do gênero. Fundado em 1935
por dois alcoólicos 3 Bill W. e Bob4

Em uma recente estimativa5 (2000) foi verificado que o A.A. possui atualmente
cerca de 99.024 grupos em 146 países, com 1.990.504 membros. No Brasil, a
estimativa é que existam 6.000 grupos, com 200 000 freqüentadores. E, em Minas
Gerais, estima-se que tenham 539 grupos.

3
A designação alcoólatra, ainda é muito utilizada em A.A. , mas tem sido gradualmente substituída por
alcoólico, isto se justifica porque etimologicamente alcoólatra traduz-se por adorador do álcool (sufixo latra:
adorador). Alcoólico ou alcoolista supõe mais submissão do que adoração, segundo membros do A.A.
4
De acordo com um dos princípios de A.A. (12ª tradição), os seus membros são identificados apenas pelo pré-
nome. Nesse sentido os seus co-fundadores também são assim denominados.
5
A freqüência aos grupos é variável e os dados divulgados são de responsabilidade do Escritório de Serviços
Gerais e Serviços de informação do A A

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Além disso, existem cerca de 30.000 grupos de Al-Anon 6 e Alateen registrados no
Escritório de Serviços Mundiais em 112 países. No Brasil há cerca de 1.200
grupos de Al-Anon e 80 grupos de Alateen.

O grupo de Jogadores Anônimos, de acordo com a sua definição, é uma


Irmandade de Homens e Mulheres que compartilham suas experiências, forças e
esperanças, a fim de resolverem o seu problema comum e ajudarem a outros a se
recuperarem do problema do jogo.

Jogadores Anônimos teve o seu início através de uma reunião entre dois homens
no mês de janeiro de 1957. Estes homens possuíam uma história repleta de
confusão, encrencas, misérias, dívidas e uma obsessão para jogo. Eles
começaram a se reunir regularmente e conforme passaram-se os meses, nenhum
deles retornou a jogar. Em consequência disto, formou-se uma publicidade
favorável e a primeira reunião do grupo de Jogadores Anônimos aconteceu numa
Sexta-feira, 13 de Setembro de 1957, em Los Angeles, Califórnia. Desde essa
data o grupo vem crescendo por todas as partes do mundo.

No Brasil, foi no Rio de janeiro, em Copacabana, no dia 26 de março de 1983, que


um grupo de homens e mulheres se reuniu e iniciou o grupo de jogadores
anônimos. Os primeiros ingressantes lamentavam as perdas nas corridas de
cavalo, outros no jogo de bicho, outros na loteria esportiva. Cada qual com sua
história, cada qual com a sua perda. Este grupo comemora com muito orgulho a
recuperação de muitos membros, dentre eles seu fundador que completa onze
anos de abstinência. Ele ingressou primeiro no grupo de Neuróticos Anônimos e
atualmente é fundador e membro nacional do Jogadores Anônimos que se
espalhou pelo Brasil. O grupo está presente em grande parte do país, com
reuniões diárias, inclusive do Jog-anon que atende aos familiares e amigos dos
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Al-Anon - É uma associação de homens e mulheres cujas vidas foram afetadas pela maneira de beber de um
familiar ou amigo. Os grupos de familiares e amigos tiveram sua origem em New York, no Brasil, existe
desde 1965 e tem sua sede na cidade de São Paulo. O Al-Anon inclui o Alateen para os membros mais jovens
da família. A organização Mundial de Saúde reconhece o alcoolismo como doença que pode ser detida, mas
não curada. Os familiares e amigos são afetados pela doença do alcoolismo: enquanto a obsessão do alcoólico
é pela bebida, a obsessão da família é controlar essa bebida.

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jogadores compulsivos. Além disto, não são apenas reuniões presenciais, as
reuniões virtuais são diárias e atendem a centenas de pessoas.

Nosso trabalho não pretende analisar os fatores biológicos, sociais,


químicos e psicológicos que tornam alguém um sujeito compulsivo, mas,
sim, investigar o programa de recuperação buscando elementos de uma
prática educativa.

I.II. Por quê jogadores anônimos ?

Os grupos anônimos têm reuniões fechadas e reuniões abertas, além disso


inúmeros são os depoimentos publicados nas páginas da internet em seus
endereços eletrônicos. Ao participar de uma reunião aberta do grupo de jogadores
Anônimos em Belo Horizonte, alguns aspectos chamaram minha atenção:
" No início não passava de uma brincadeira; comecei a ir um
dia sim e outro não e com o passar dos meses comecei a ir
todos os dias e isso sucedeu durante 10 anos de minha vida."
"Jogava desde criança, mesmo as mais banais das disputas
tinha de haver apostas... Adorava quando a professora
brincava com jogos..."

Os jogos - o brincar - o lúdico - elementos tão presentes na prática pedagógica,


foram questões que fizeram refletir diretamente na minha prática profissional. Nas
escolas, várias propostas pedagógicas incentivam o aprendizado por meio dos
jogos. Os jogos pedagógicos constituem um material didático largamente utilizado
em todos os níveis de ensino.

Aquela fala despertou meu olhar e, em uma breve incursão na vida cotidiana fui
percebendo:

Em um percurso pela ruas, seja em qualquer lugar do país, observamos letreiros


luminosos com decorações reproduzindo cifras $$$, indicam: Bingo.

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Nos ônibus: enormes propagandas de loterias. Nos bares: as máquinas "caça-
níqueis" e a sinuca são presença constante. Nos shopping centers, geralmente a
área mais movimentada está repleta de adolescentes e seus jogos eletrônicos.
Nos cinemas: diversos títulos, entre eles o filme Gladiador.

Nas bancas de revistas, vários títulos "ensinam" a ganhar na loto e na sena. Uma
importante revista semanal destaca: " Show do milhão é uma mania nacional. No
final de abril, a Estrela anunciou o lançamento da terceira versão do show do
milhão - as duas principais já venderam 1 milhão de peças..." Um jornal comenta
na página policial que o assassinato de uma jovem pode estar ligado ao jogo
RPG.

Na sala de espera de diversos ambientes, pessoas aguardam pela consulta ao


jogo do Tarô. Na internet, o acesso aos cassinos on line e as loterias eletrônicas
são amplamente divulgadas. No rádio, pessoas atentas acompanham o locutor
narrar o jogo de seu time favorito.

Difícil definir o jogo. Mesmo sendo fundamentalmente um símbolo de luta, a


representar o homem e sua lide cotidiana, objetivando seus passos no intuito de
vencer os obstáculos do caminho, o jogo não se resume simplesmente a atividade
lúdica que proporciona. Ele engloba todo o conjunto de peças, figuras, tabuleiro,
cartas ou outros elementos que o compõem.

Os jogos estão, na origem, ligados ao sagrado, como todas as atividades


humanas. De acordo com CHEVALIER & GHEERBRANT (1988:126) "os jogos se
mostram sempre, de modo consciente ou inconsciente, como uma das formas do
diálogo do homem com o invisível."

Há muitosb povos que colocam o jogo no seio das práticas religiosas. No


Mahabharata, o próprio mundo é concebido como um jogo que Siva joga com sua
esposa.

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Em Jó, 19,23-24, lemos: " Os soldados, depois de terem crucificado Jesus,
tomaram quatro partes, uma para cada soldado, e a túnica(...) E disseram: não a
rasguemos, mas lancemos sortes sobre ela, para ver quem a tocará.

O jornalista Hélio Schwartsman comenta que "nada encanta mais o homem do


que o jogo; isso ajuda a explicar por que programas, como o show do milhão nos
fascinam tanto." ( F.S.P. 25.03.2001)

No livro "Homo Ludens" (1938), o historiador holandês Johan Huizinga (1872-


1945) afirma que o jogo é um traço essencial, talvez o mais importante, das
sociedades humanas. Diferentemente dos outros animais que brincam o homem é
o único que o faz conscientemente, e durante toda a vida, para obter prazer. Para
Huizinga, todas as atividades humanas, incluindo filosofia, guerra, arte, leis e
linguagem, podem ser vistas como o resultado de um jogo.

Os jogos apresentam os mais variados aspectos segundo as necessidades de


cada época, não são apenas um passatempo, podem ser iniciáticos, didáticos,
miméticos, competitivos e ligados a adivinhação. O jogo lança sobre nós um
feitiço: é fascinante, cativante. Os jogos refletem o seu tempo e estão presentes
em todos os tempos e todos os lugares, em todas as culturas, em várias
instâncias.

Para o espírito humano as idéias de felicidade, de sorte e de destino parecem


estar muito próximas do domínio do sagrado. Para compreender estas
associações mentais, basta ao homem moderno pensar nessa espécie de fúteis
augúrios que todos nós costumamos praticar durante toda a nossa vida, mesmo
sem neles realmente acreditar.

Tão grande é o prazer implícito na arte de jogar que em sua prática reside
igualmente o risco de servir como veículo de excessiva canalização da libido,
quando se torna um vício. E, quando isso acontece, o jogo torna-se para muitas

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pessoas motivo de sofrimento, dor, perda, suicídio. O por quê isso acontece? O
que vem a ser um jogador compulsivo? Como uma pessoa chega a desenvolver a
dependência do jogo? Por que algumas pessoas desenvolvem essa dependência
e outras não? As respostas a elas ainda são controvertidas. Permanece como
uma espécie de quebra-cabeças desencaixado. São questões que nos aguçam e
que vamos conviver com elas o tempo todo no nosso trabalho, mas que não é, no
momento, a ênfase da nossa pesquisa.
Mas, afinal que questões próprias do grupo de Jogadores Anônimos que
considerarmos possibilitar uma prática educativa?
O próprio grupo, a sua estrutura, a sua prática. Entre os diversos aspectos dessa
organização, destacamos:

Os 12 passos7, que são considerados um guia, uma maneira didática de se


alcançar um aperfeiçoamento. A Ética: "O que se vê aqui, o que se ouve aqui,
deixe que fique aqui ". Ritual de entrega das fichas marcando o tempo de
abstinência. O ritual... A questão do Tempo - o importante é o dia de hoje - Só
por hoje evitarei a primeira aposta. O tempo.... na Educação, na Psicologia, na
História... o passado, o presente, o futuro... coisa difícil para uma cultura com
formação cristã .. viver o hoje pode causar, inicialmente, a impressão de se estar
solto temporalmente... e quando eu morrer, para onde eu vou? Em geral, nós
vivemos é para o futuro ou então das lembranças passado. Responsabilidade
com o outro e a Solidariedade: o Décimo segundo passo - ajude para se ajudar.
7 o
1 . Passo: Admitimos que somos impotentes perante o jogo – que nossas vidas haviam se tornado
ingovernáveis. 2.o. Passo: Viemos a acreditar que Um Poder Superior a nós mesmos poderia nos
reintegrar a uma forma normal de
pensar e viver. 3o. Passo: Tomamos a decisão de entregar a nossa vontade e a nossa vida aos
cuidados deste Poder de nosso
entendimento.4o. Passo: Fizemos um inventário minucioso e destemido de nós mesmos, no
aspecto moral e financeiro. 5o. Passo: Admitimos perante nós mesmos e perante outro ser
humano a natureza exata de nossas falhas. 6o. Passo: Prontificamo-nos inteiramente para a
eliminação de nossos defeitos de caráter.7o. Passo: Humildemente pedimos ao Deus de nosso
entendimento, que eliminasse nossos defeitos. 8o. Passo: Fizemos uma lista de todas as pessoas
que havíamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos causados a elas. 9o. Passo:
Fizemos reparações de nossos erros com todas as pessoas que nos fosse possível, exceto
quando fazê-lo significasse prejudicá-las ou a outrem. 10o. Passo: Continuamos fazendo um
inventário pessoal e quando estávamos errados, admitíamos prontamente. 11o. Passo: Procuramos
através da prece e da meditação melhorar nosso contato consciente com o Deus de nosso
entendimento, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade com relação a nós e forças para
realizá-la. 12o. Passo: Tendo feito um esforço para a prática deste princípios em todos os nossos
assuntos, procuramos levar esta mensagem a outros jogadores compulsivos.

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O processo é gradativo - - Um dia de cada vez. Apenas 24 horas. Respeito às
limitações de cada um, através da prece da Serenidade: Deus concedei-me a
Serenidade para aceitar as coisas que não posso modificar, Coragem para
modificar aquelas que posso e sabedoria para perceber a diferença. A palavra, o
fato de compartilhar as emoções produzindo um sentimento de pertencimento ao
grupo; a idéia de que você é o sujeito da sua mudança e ela se processa pela
linguagem, pela prática discursiva. A escuta, " Aqui dentro a gente pode falar,
porque somos escutados; lá fora vão dizer que a gente é louco." Além disso, os
depoimentos remetem ao ouvinte a verossimilhança do " isso tem a ver comigo", "
foi a mesma coisa comigo" " é igual a minha história". Querer, o único requisito
para se pertencer a irmandade é o desejo de parar de jogar. Divisão do trabalho:
Inexiste - não existe o lado doente e, do outro, aquele que cura. Simplicidade -
vontade e humildade como possibilidade de recuperação. Educação
continuada: não basta parar de jogar - abstinência + reformulação pessoal. Essa
reformulação será buscada durante toda a vida do membro através da
programação do grupo. A literatura produzida pelos membros dos grupos, são
mais de 45 livros. As 12 tradições8 que são propostas que visam manter a
integração do grupo. O anonimato: Pode existir uma identidade anônima? O
princípio do anonimato é o de proteger as pessoas do grupo de serem alvo de
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1a. Tradição: Nosso bem-estar comum deve vir em primeiro lugar; a recuperação individual
depende da unidade do grupo. 2a. Tradição: Nossos líderes são apenas servidores de confiança;
não governam. 3a. Tradição: O único requisito para pertencer a Jogadores Anônimos é o desejo de
parar de jogar. 4a. Tradição: Cada grupo deve ser autônomo, exceto nos assuntos que afetam
outros grupos ou Jogadores Anônimos como um todo. 5 a. Tradição: Jogadores Anônimos tem
apenas um propósito primordial – levar sua mensagem ao jogador compulsivo que ainda sofre. 6 a.
Tradição: Jogadores Anônimos não deve jamais endossar, financiar ou emprestar o nome de
Jogadores Anônimos a qualquer sistema parecido ou empreendimento externo, para que
problemas de dinheiro, propriedade e prestígio não nos desviem do nosso propósito primordial. 7 a.
Tradição: Cada Grupo de Jogadores Anônimos deve sustentar-se através de seus próprios meios,
declinando contribuições externas. 8a. Tradição: Jogadores Anônimos deve permanecer para
sempre não-profissional, mas nossos centros de serviço podem empregar funcionários especiais
9a. Tradição: Jogadores Anônimos como tal jamais deve ser organizado; mas podemos criar juntas
de serviço ou comitês, diretamente responsáveis perante quem servem. Jogadores Anônimos é
dirigido pelo espírito de serviço e não pela força de uma autoridade constituída. 10 a. Tradição:
Jogadores Anônimos não tem opinião alguma sobre assuntos externos; daí que o nome de
Jogadores Anônimos jamais deve ser arrastado para controvérsia pública. 11a. Tradição: Nossa
política de relações públicas está baseada na atração ao invés da promoção; necessitamos manter
sempre o anonimato pessoal em nível de imprensa, rádio, filmes e televisão. 12a. Tradição: O
anonimato é o fundamento espiritual do programa de Jogadores Anônimos, sempre nos lembrando
de colocar os princípios à frente das personalidades.

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preconceitos por parte da sociedade. Ele se dá fora do grupo, permitindo a
atmosfera de confiança mútua de que não serão estigmatizados e de abertura
para falarem de seus problemas. "Deixemos que fiquem guardados, dentro desta
sala, os problemas que nos forem confiados e o anonimato pessoal dos que aqui
compareceram."

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