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CENTRO UNIVERSITÁRIO RITTER DOS REIS

FACULDADE DE DIREITO

GERMANA ETGES LOPES

A UNIÃO HOMOSSEXUAL COMO ENTIDADE FAMILIAR NO DIREITO


BRASILEIRO

Monografia jurídica apresentada ao Curso


de Direito, como requisito à obtenção do
título de Bacharel em Direito, sob a
orientação da professora Maria Inês
Magalhães.

CANOAS
2006
2

A UNIÃO HOMOSSEXUAL COMO ENTIDADE FAMILIAR NO DIREITO


BRASILEIRO

GERMANA ETGES LOPES

Aprovada em:
Banca Examinadora:

___________________________________

___________________________________

___________________________________
3

Dedico este trabalho à minha namorada


Carolina Maia de Aguiar, por ser a luz que
ilumina o meu caminho.
4

Agradeço à minha orientadora, professora


Maria Inês Magalhães, pelo zelo e
atenção dispensados.

Aos meus pais, por sempre terem ficado


ao meu lado, com amor e respeito
incondicionais. Agradeço também pelo
incentivo que sempre recebi de vocês.

À Carolina, por sempre estar ao meu lado


com apoio, carinho e amor. Sei que serás
minha companheira nesta luta para
sempre.

Aos meus amigos, pois eles são a família


que eu pude escolher.
5

“Tempo difícil esse em que estamos,


onde é mais fácil quebrar um átomo
do que um preconceito”
Albert Einstein
6

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo um estudo aprofundado das


relações homossexuais enquanto entidades familiares formadas com base nos
princípios do Direito de Família: o afeto e a vontade de constituir uma vida em
comum. É feita uma análise de tais vínculos sob a visão do direito de família
brasileiro atual.
É importante ressaltar que não irá se discutir neste trabalho o
“casamento”, mas sim a união estável entre pessoas do mesmo sexo, falando
sobre a evolução do direito de família após a promulgação da Constituição
Federal de 1988 e demonstrando as características comuns entre as relações
homossexuais e heterossexuais.
No segundo capítulo, defendemos o uso da analogia que está prevista na
Lei de Introdução ao Código Civil, demonstrando desde como se deve proceder
para interpretar as leis existentes, comprovando a existência da lacuna da lei
vigente, pois não existe previsão de ser declarada a união estável entre
pessoas do mesmo sexo. E, finalmente, fazemos um breve estudo sobre o
instituto da analogia e demonstrando como ela é perfeitamente aplicável para
se resolver o problema jurídico que é o não reconhecimento dos vínculos
homossexuais como entidades familiares.

Palavras – chave:
Homossexualidade; União estável; Direito de família; Analogia.
7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................8
1 AS UNIÕES HOMOSSEXUAIS E O DIREITO DE FAMÍLIA ................11
1.1 Características comuns entre as relações homossexuais e
heterossexuais ....................................................................................11
1.1.1 O vínculo afetivo ....................................................................................11
1.1.2 O vínculo patrimonial .............................................................................15
1.2 Os princípios do direito de família .....................................................18
1.2.1 A entidade familiar .................................................................................19
1.2.2 A evolução do direito de família .............................................................21

2 UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO:


POSSIBILIDADE JURÍDICA .................................................................25
2.1 A analogia .............................................................................................25
2.1.1 A interpretação da lei .............................................................................26
2.1.2 A existência das lacunas na lei ..............................................................28
2.1.3 Da analogia propriamente dita ...............................................................31
2.2 A união estável ....................................................................................33
2.2.1 Conceito e natureza jurídica ..................................................................34
2.2.2 Requisitos ..............................................................................................37
2.3 Aplicação da legislação existente nos casos de uniões
homossexuais ......................................................................................41

CONCLUSÃO ........................................................................................52

REFERÊNCIAS ......................................................................................54

ANEXOS ................................................................................................58
8

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos pudemos notar uma maior visibilidade dos


homossexuais, o que tem acarretado uma evolução em sua aceitação pela
sociedade, que lentamente começa a discutir os direitos reivindicados por essa
população. Esse maior respeito fica visível também nas atitudes do Judiciário,
que recentemente tem reconhecido relacionamentos homossexuais como
uniões estáveis. No entanto, tais decisões favoráveis concentram-se no Rio
Grande do Sul e no Rio de Janeiro, ou seja, não há uniformidade no tratamento
a essas questões em todo o País.
Ainda que tais decisões sejam reflexo do empenho – que deve ser
admirado – de alguns magistrados em reverter um quadro de não-
reconhecimento dos direitos dos homossexuais, não devemos limitar a questão
à defesa do posicionamento pessoal de tais agentes do Judiciário. O presente
trabalho se propõe a provar que o reconhecimento dessas relações é possível
através da analogia, forma de interpretação da norma prevista em lei, ou seja,
a uniformização das decisões é possível e deve ser implementada.
Temos como objetivo geral analisar a natureza das relações
homossexuais, enquadrando-as na realidade do Direito Brasileiro atual,
baseado nos avanços da sociedade e reforçando a idéia de que o Judiciário
deve acompanhar essa evolução e enquadrar as uniões entre pessoas do
mesmo sexo como entidade familiar, tomando como objetivos específicos
comprovar que estas uniões possuem todas as características para serem
consideradas como matéria de Direito de Família. Também temos como
objetivo específico um estudo aprofundado das relações homossexuais
enquanto entidades familiares formadas com base nos princípios do Direito de
Família: o afeto e a vontade de constituir uma vida em comum.
Também cabe ressaltar que não irá se discutir, no presente trabalho, o
instituto do casamento, mas somente a união estável. Tampouco iremos
abordar o tema da adoção por casais homossexuais, por entender que tal
9

assunto necessitaria um estudo específico, não cabendo, portanto, dentro do


tema escolhido e limitado para o estudo.
A metodologia aqui utilizada será a revisão bibliográfica, da doutrina e de
decisões relativas ao reconhecimento de uniões entre pessoas do mesmo
sexo. Ao longo do texto colacionaremos jurisprudência que confirma o
posicionamento do presente trabalho, e, quando for necessário,
apresentaremos argumentos que servem de base para alicerçar pensamentos
contrários ao reconhecimento das uniões homossexuais como entidade
familiar, sempre demonstrando as razões destes argumentos estarem
equivocados sob o ponto de vista do entendimento apresentado neste trabalho.
Serão abordadas as características comuns entre as relações
homossexuais e heterossexuais, comentando tanto os seus aspectos internos
– a afetividade, a intimidade e a vontade de constituir família – como os seus
aspectos externos – esses sendo os direitos patrimoniais e obrigacionais
provenientes dessas relações.
Falaremos sobre a evolução do conceito de entidade familiar no Direito
atual, e da evolução do Direito de Família brasileiro, especificamente as
modificações trazidas com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ao
expandir o conceito de entidade familiar, incluindo a união estável como
modalidade válida de formação de núcleo familiar. Além disso, abordaremos o
posicionamento dos magistrados frente aos casos de uniões homossexuais,
não previstas especificamente pela legislação.
Defenderemos também o uso da analogia, prevista no artigo 126 do
Código de Processo Civil e também no artigo 4° da Lei de Introdução ao
Código Civil, já que existe uma lacuna na lei no que tange os relacionamentos
homossexuais, passando pelo estudo da interpretação da lei e também
demonstrando que as uniões de pessoas do mesmo sexo possuem os mesmo
objetivos e princípios das uniões heterossexuais, cabendo então aplicar-lhes a
mesma legislação existente para as uniões estáveis, sendo esta legislação o
artigo 226 da Constituição Federal.
Para um melhor entendimento da legislação a ser aplicada,
explicaremos o instituto da união estável, seu conceito, seus requisitos, e os
direitos e deveres que decorrem de tal situação fática frente a legislação
vigente no Brasil atualmente. Explicitaremos, também, o porquê do
10

reconhecimento das uniões homossexuais como entidades familiares no Direito


Brasileiro, e o não-cabimento do entendimento de tais uniões como simples
sociedades de fato, pois entendemos que as uniões entre pessoas do mesmo
sexo geram efeitos tanto no plano do direito obrigacional como no plano do
Direito de Família.
Partindo do pressuposto de que o Estado é laico, nos é hoje
completamente inaceitável que tenhamos sentenças onde não se reconhece
uma união estável homossexual com base, por exemplo, nas crenças religiosas
de um juiz. Isto é um flagrante desrespeito a todo o ordenamento jurídico, pois
se o magistrado não desempenha a função para a qual foi designado, a de
fazer justiça, não podemos mais confiar no Direito como instituto protetor dos
cidadãos. É necessário que se olhe para essas uniões não com o preconceito
de ranços ideológicos e religiosos, mas sim com a clareza de que todos os
cidadãos brasileiros merecem ter seus direitos reconhecidos, ainda mais
quando se trata de uma camada da população já tão desprotegida pelo Estado
Democrático de Direito.
11

1 AS UNIÕES HOMOSSEXUAIS E O DIREITO DE FAMÍLIA

Falaremos neste capítulo sobre o entendimento das uniões


homossexuais como entidades familiares, e, como tal, dignas de atenção do
Direito de Família. Para seu desenvolvimento, é de vital importância uma
caracterização dessas relações, bem como uma breve explanação sobre
Direito de Família, seu conceito de entidade familiar e sua evolução histórica no
Brasil.

1.1 Características comuns entre as relações homossexuais e heterossexuais.

Relacionamentos homossexuais e heterossexuais não são de todo


diferentes. Para que se compreenda a necessidade do reconhecimento da
união entre pessoas do mesmo sexo, é preciso lembrar que estas, assim como
aquelas entre indivíduos de sexos opostos, geram vínculos afetivos e
patrimoniais entre aqueles que as constituem. Destarte, ambos os tipos de
união merecem a tutela do Estado.

1.1.1 O vínculo afetivo

Para começar a entender a problemática do não reconhecimento das


uniões homossexuais, é preciso antes ter a consciência de que o amor, o afeto
e o desejo não são sentimentos passíveis de qualquer controle por parte do ser
12

humano. Partindo desse pressuposto, não se pode afirmar, mesmo


juridicamente, que uma conduta homossexual não merece a guarda do Estado
Democrático de Direito.

Partindo dessa idéia, abrimos uma gama de possibilidades, pois


aceitamos que o que deve servir de base para todas as uniões, sejam elas
homo ou heterossexuais, é o afeto e a vontade de constituir família.

Nas palavras de José Sebastião de Oliveira: “Realmente, o Direito não


tem o poder de criar afetividade. Sentimentos naturais não decorrem de
legislações, mas da vivência cotidiana informada pelo respeito, diálogo e
compreensão”.1

Logo, assim como o Direito não tem como criar, e muito menos
controlar, os sentimentos dos que estão sob a sua égide, ele também não pode
negar a existência dos mesmos sob a justificativa de não se enquadrar em um
padrão que foi estabelecido há séculos atrás. É característica importante do
Direito a sua mutação para acompanhar a evolução da sociedade à sua mercê.

Podemos afirmar que todos são iguais perante a lei, e, salvo alguns
casos especiais, todos amamos da mesma forma também, mas não aos olhos
da mesma. Como diferenciar o amor homo do heterossexual? Baseado em
quais informações, sejam elas científicas, sociais ou culturais, se pode afirmar
que existe diferença entre os sentimentos apenas por eles serem direcionados
a uma pessoa do mesmo sexo?

É fato notório que desde os primórdios da humanidade a


homossexualidade se faz presente, em alguns momentos mais notoriamente,
em outros mais discreta. E desde sempre se sabe que os homossexuais amam
e constroem relacionamentos duradouros.

Segundo Maria Berenice Dias, vivemos em uma sociedade onde o ser


humano só se sente completo quando concretiza uma relação afetivo-amorosa
com outra pessoa, ou seja, é impossível ser absolutamente feliz estando
sozinho.2 E isto é apenas o começo de uma tradição que vai muito além: o

1
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.233.
2
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2000.
13

casamento é o marco inicial de uma vida promissora, e dentro dele se formará


uma família que será a base para uma existência completa e alegre. Somos
bombardeados com essa informação praticamente desde que nascemos, com
noções pré-estabelecidas a respeito do nosso papel dentro desse casamento,
que já é idealizado pelos pais, muitas vezes antes mesmo do nosso
nascimento.

Sendo o amor um pressuposto básico para as uniões, e a presença do


mesmo sendo incontestável dentro de uma união duradoura – e presente
mesmo em algumas relações efêmeras – entre duas pessoas do mesmo sexo,
passamos ao próximo aspecto inerente a uma relação: o respeito mútuo. Assim
como nas relações heterossexuais, o sentimento de reciprocidade do respeito é
muito forte dentro das uniões homossexuais, mesmo com todas as dificuldades
enfrentadas.

Vivendo em uma sociedade extremamente discriminatória como a


nossa, muitas vezes os homossexuais têm problemas em se aceitar
plenamente e também apresentam sérios distúrbios emocionais, como baixa
auto-estima e, muitas vezes, a falta de respeito pela sua própria pessoa. Como
ensina Maria Berenice Dias, não devemos definir a identidade de uma pessoa
apenas por seu comportamento sexual, mas muitas vezes esse aspecto acaba
sendo o mais importante e definidor de caráter, tanto para os próprios
homossexuais que se culpam por ser assim, como para os heterossexuais que
vêem a homossexualidade como uma característica negativa e depreciadora.3

Mesmo assim, se verifica nas uniões homossexuais um esforço acima


da média para que as uniões dêem certo e sejam reconhecidas como tal. E
uma das principais bases destas é justamente o respeito que se exige de
ambas as partes, sendo mais fácil encontrarmos casos de abuso moral e
psicológico em casais heterossexuais do que em casais homossexuais.
Obviamente existem exceções, e muitas delas decorrem do machismo da
nossa sociedade.

Os homossexuais dão particular atenção ao respeito mútuo nas suas


relações justamente por já se sentirem extremamente desrespeitados pela

3
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2000.
14

sociedade em geral, não admitindo este tipo de comportamento dentro de suas


uniões e lares. Por exemplo: assim como para os heterossexuais, a opinião do
companheiro é importante e sempre levada em conta para as decisões
importantes que o casal tem que tomar ao longo do relacionamento.

Além dos sentimentos, que são interiores, e dos demais aspectos


internos de uma união, devemos falar também de um aspecto externo que os
relacionamentos devem ter, pois um dos principais requisitos para o
reconhecimento de uma união estável é justamente a publicidade da mesma,
ou seja, que ela seja de conhecimento de membros da família de ambos, e que
a sociedade veja naquela situação específica a existência de um casal.

Aqui, pela primeira vez, podemos visualizar uma diferença substancial


entre as relações homossexuais e heterossexuais, mas não por parte da
conduta das pessoas que formam o casal, mas sim daquelas que as rodeiam.
Quando se trata de um casal formado por um homem e uma mulher, a idéia de
que eles formam um casal é imediata e instantânea, então é fácil para um casal
heterossexual atingir a plena publicidade do seu relacionamento, pois todos os
que vivem ao seu redor reconhecem neles uma entidade familiar, e quando não
são próximos, a presumem, como é o caso dos vizinhos, que muitas vezes são
chamados a depor em uma ação de reconhecimento de união estável como
testemunhas importantes. Já no caso dos homossexuais se vive uma situação
contrária: quando há a convivência de dois homens ou duas mulheres, a
presunção geral é de que se trata de uma relação de amizade ou de
parentesco. Muitas vezes isso decorre da própria atitude do casal: muitos
homossexuais apresentam seus companheiros como primos distantes ou
colegas de trabalho, com medo da reação das pessoas e de represálias. Mas
mesmo quando não há esse disfarce, é difícil que pessoas distantes
reconheçam ali um núcleo afetivo, e na maioria das vezes, quando existe esse
reconhecimento, a reação é negativa e a sua conseqüência é o afastamento e
a invisibilidade do casal em questão.

Reforça tal posicionamento sobre a importância do vinculo afetivo o Juiz


Federal Roger Raupp Rios:

[...], o direito de família contemporâneo ruma cada vez mais para a


valorização das uniões em que se estabelece uma comunhão de
15

vida voltada para o desenvolvimento da personalidade, mediante


vínculos sexuais e afetivos duradouros, sem depender mais de
vínculos formais e de finalidades reprodutivas. O que importa, agora,
é o reconhecimento da comunidade afetiva resultante da vida em
comum e da conjugação de mútuos esforços, constituída a partir do
entrelaçar de sexo e afeto, presentes na construção cotidiana da
vida de cada um dos participes da relação.4

Posto isso, podemos concluir que as uniões homossexuais em nada


diferem dos casais heterossexuais no que diz respeito à questão material, pois
se trata de uma união livre e espontânea, revestida de sentimentos recíprocos,
com continuidade e, quando possível, com a publicidade necessária para que
ela seja posteriormente reconhecida.

1.1.2 O vínculo patrimonial

Não podemos nos escusar de falar também sobre um outro aspecto


muito importante que decorre dos relacionamentos: o patrimônio, tanto o
aumento dele, quanto a sua partilha. Durante uma união, um dos objetivos do
casal é, via de regra, a construção de um patrimônio em comum.

Quando há a formação de patrimônio por parte do casal, geralmente os


bens são postos em nome de uma das partes, dependendo do casal e do
regime de bens adotado, se já houve o casamento. No caso de casais
heterossexuais que optam por não casar, e vivem em união estável, muitas
vezes não há uma preocupação em relação aos bens, pois há a aplicação
integral do artigo 1.725 do Novo Código Civil Brasileiro, que dispõe: “Na união
estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações
patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.” Sendo
assim, se resolve facilmente a questão patrimonial quando a entidade familiar é
reconhecida pela justiça, seja por uma ação promovida para tal
reconhecimento, ou por ocasião de separação ou morte de uma das partes.

4
RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado :
Esmafe, 2001. p.107.
16

Obviamente a construção de patrimônio em comum é mais difícil para os


homossexuais, pois eles encontram vários empecilhos jurídicos ao longo do
processo burocrático. Um exemplo concreto desta situação é a vedação a
casais homossexuais de apresentação de renda conjunta para fins de
financiamento habitacional. Até mesmo abrir uma conta conjunta se transforma
em problema quando há, por parte do banco, a mínima desconfiança de que se
trata de um casal homossexual. Portanto, quando há a aquisição de patrimônio
ela se dá de forma vinculada a apenas um dos componentes do casal.

Durante anos, o vínculo patrimonial foi o único aspecto da relação


homossexual que o Direito ousou analisar, e, ainda assim, de forma
preconceituosa e retrógrada. Ainda hoje encontramos acórdãos que tratam da
partilha de bens de um casal homossexual como decorrente de uma situação
de sociedade de fato, anteriormente fundamentada no artigo 1369 do Código
Civil de 1916, sem artigo correspondente no atual Código Civil, onde se lia: “O
simples ajuste de sociedade universal, sem outra declaração, entende-se
restrito a tudo que de futuro ganhar cada um dos associados”. Atualmente, as
decisões que equiparam as relações homossexuais a sociedades de fato têm
como fundamento a Súmula n° 380 do STF: “Comprovada a existência de
sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com
a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.” Para fins de
esclarecimento, a jurisprudência só se utiliza desta súmula pois utiliza o termo
“concubinos” para designar todos aqueles que estão proibidos de casar, nos
moldes do artigo 1727 do Novo Código Civil.5

Mesmo a jurisprudência tratando as uniões homossexuais como


sociedades de fato, ainda assim tínhamos a ocorrência de injustiças
lamentáveis. Sob a proteção do princípio do livre convencimento e da
presunção de imparcialidade esperada dos magistrados, muitos deles sequer
reconheciam a sociedade de fato, diminuindo as uniões comprovadas a meros
caprichos daqueles que buscavam a tutela jurisdicional para a solução de seus
problemas. Sendo baseadas em convicções religiosas (esquecendo-se
completamente da laicidade do Estado), ou opiniões pessoais sem
embasamento legal nenhum, as decisões eram (e ainda são) proferidas
5
“As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem
concubinato.” Novo Código Civil, artigo 1727.
17

totalmente à margem de todos os princípios constitucionais que deveriam reger


a legislação ordinária.

Seguindo essa mesma linha, apesar de a maioria da doutrina se afirmar


a favor do reconhecimento das uniões homossexuais como entidade de família,
contribuindo, assim, para o progresso dos direitos dos homossexuais de uma
maneira geral, ainda há doutrinadores que analisam os casos de maneira bem
conservadora, como é o caso de Rainer Czajkowski:

A questão, também aqui, é puramente de direito


obrigacional. Não se cuida de estabelecer a existência de uma
família entre estes parceiros, pois não há família. O que é essencial
é a prova de que houve colaboração, com dinheiro ou trabalho de
um na formação do patrimônio de outro. Os aspectos íntimos da
convivência homossexual entre estes parceiros são matéria estranha
que não precisa ser abordada.6

Esta passagem engloba, em uma só frase, todo o pensamento daqueles


que são contrários à união entre pessoas do mesmo sexo, mas reconhecem
que tais relações geram efeitos jurídicos no plano patrimonial. Tal pensamento
não basta e não resolve todas as questões jurídicas decorrentes das uniões
que trata este trabalho. Apesar de forte e existente, o vinculo patrimonial não é
a característica mais importante a ser tutelada pelo Direito.

Com o passar dos anos, mesmo após algumas conquistas memoráveis


em favor dos homossexuais, a questão da relação patrimonial ainda é bastante
controversa nos tribunais. Como veremos ao longo do presente trabalho, o não
reconhecimento das uniões homossexuais como entidade familiar no Brasil
causa sérias conseqüências, entre elas a dificuldade de se estabelecer um
vínculo de patrimônio consistente.

Já se posicionando de forma totalmente contrária ao pensamento citado


acima, Roger Raupp Rios expõe:

Para ilustrar a diferença radical produzida pelas abordagens ora


discutidas(do direito de família ou do direito obrigacional), basta
imaginar as diferentes repercussões jurídicas de uma sociedade de
fato e de união estável nas situações de internação hospitalar:
enquanto a relação obrigacional limita substancialmente o “parceiro
de negócios” na visita e no acompanhamento hospitalar, o

6
CZAJKOWSKI, Rainer. União Livre: à luz da Lei 8.971/94 e da Lei 9.278/96. 1.ed. Curitiba:
Juruá, 1997. p.103.
18

“companheiro em união estável” ocupa posição diametralmente


oposta em tal circunstância.7

Com tal diferenciação, fica claro qual o posicionamento correto a se


adotar quando se tratam de uniões homossexuais. Não se pode tratá-las como
simples sociedades de fato, pois não se trata apenas de vinculo patrimonial,
mas sim de uma união onde este vínculo faz parte de um contexto maior, pois
também existe o animus de constituir família, com a presença do afeto como
característica mais marcante destas uniões.

Entender que uniões duradouras entre duas pessoas adultas, que


compartilham a sua vida de forma contínua e pública, como simples
sociedades de fato é condenar tais uniões à marginalização, pois tal
entendimento não gera nenhum efeito prático no plano do direito de família,
mas sim apenas no plano do direito obrigacional, como vimos acima. E isso é
inconcebível, pois quando uma união gera apenas efeitos patrimoniais, está se
negando uma série de direitos aos integrantes da mesma, como a negação do
direito de inclusão do companheiro como dependente em plano de saúde, a
não-aceitação de apresentação de renda conjunta para aprovar
financiamentos, entre outros. Tais exemplos são apenas alguns dos efeitos
gerados quando não se reconhece o caráter familiar da união estável entre
pessoas do mesmo sexo no direito brasileiro.

1.2 Os princípios do direito de família.

Para se entender a união homossexual como entidade familiar, é preciso


– além da compreensão do que motiva duas pessoas do mesmo sexo a se
unirem – resgatar algumas discussões do Direito de Família, como o conceito
de entidade familiar e a evolução dessa área do Direito no Brasil.

1.2.1 A entidade familiar.

7
RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado:
Esmafe, 2001. p.109.
19

Muito se discute a respeito da terminologia “entidade familiar”. Antes


restrita às uniões que provinham do casamento, ela era estabelecida apenas
dentro do Código Civil de 1916, ou seja, sob o prisma do conservadorismo que
reinava na época. Durante toda a história tivemos conhecimento de casais que
optavam por um relacionamento mais livre, sem as formalidades que um
casamento exigia. Durante décadas, enquanto vigeu o nosso antigo Código
Civil, uniões que não eram oficializadas através do casamento viviam à
margem da sociedade e, quando eram parcamente reconhecidas pelo Direito,
não se aplicavam a elas as mesmas condições e normas que se aplicariam aos
casais cuja relação se enquadrava no padrão da “normalidade”.

Embora sem reconhecimento e previsão legal, as pessoas continuavam


a constituir famílias de maneira alternativa, bastando-lhes a convivência
contínua e a vontade de permanecer juntas para formalizar a sua união. Muitos
casais, quando geravam prole, se sentiam obrigados a casar, mais por uma
formalidade exigida nos cartórios do que por vontade própria. É importante
lembrar também que nesta época se fazia distinção entre filhos legítimos e os
chamados “bastardos”, situação que só foi ser modificada com o advento do
Código Civil de 2002. Arnaldo Rizzardo diz:

Não se circunscrevem esses direitos aos limites de


institucionalização de uma ordem, que é a oficialização ritual da
união através do casamento. Alastrou-se o âmbito de proteção para
o campo afetivo, que passa a predominar sobre o ato oficial. Com
efeito, ninguém pode fugir à realidade que hoje se assiste, que é o
aumento dos casos de uniões informais, com a proporcional
diminuição de dos matrimônios celebrados segundo as solenidades
rituais previstas na lei. Há uma crescente descrença nas instituições
públicas, levando as pessoas a abolirem as situações que
demandam maiores compromissos e formalidades, mesmo porque,
na prática, de pouco adiantam na eficiência e perenidade das
celebrações.8

Mas antes da entrada em vigor do novo Código Civil, os brasileiros


tiveram uma outra conquista importante para a evolução daquilo que
chamamos de entidade familiar: a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 1988. A partir de então se abriram

8
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº10.406,de 10.01.2002. 2.ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. p.03.
20

oportunidades de se estabelecer família de uma maneira bem mais simples


conforme o disposto no artigo 226, e seus parágrafos 3° e 4°, da Constituição
Federal.9
Com tal redação, nota-se um avanço extraordinário no sentido da
terminologia “entidade familiar”. O Estado democrático de Direito, a partir de
então, foi autorizado a analisar as situações fáticas de direito de família de uma
maneira mais humana, mais liberal e mais inclusiva. Entendendo-se a união
estável e a família monoparental como formadoras de entidades familiares, se
incluem dentro da proteção e tutela do Estado todas aquelas pessoas que,
apesar de não terem interesse em formalizar a sua união, não vivem à margem
da sociedade e precisam do reconhecimento pela lei. Entidade familiar é o
mesmo que falar em família, logo, a Constituição Federal serviu de mecanismo
para aumentar a gama de situações fáticas protegidas pelo direito de família.
Com essa evolução trazida pela Constituição Federal de 1988, podemos
afirmar que houve um fortalecimento da família. Os críticos da igualdade
promovida pela Constituição afirmam que está havendo uma “vulgarização” da
entidade familiar. Ora, não existem elementos para corroborar tal
posicionamento. Quanto mais ampla definição podermos dar a entidade
familiar, mais o direito de família irá cumprir a sua verdadeira função, que é a
de regular todas as situações que envolvam afeto e construção de núcleo
familiar, independentemente da formação destes núcleos.
Para José Sebastião de Oliveira, através da análise dos dispositivos
constitucionais que reconhecem novas formas de família, se nota o quão
importantes estas são para a sociedade e para o Estado, assim como se
verifica o aumento da gama de relações tuteladas por estes dispositivos.10
Partindo do pressuposto que a família é a base da sociedade, podemos
afirmar que, quanto mais entidades familiares reconhecemos dentro de todas
as possibilidades possíveis, mais próximos estaremos da realidade fática da
sociedade brasileira. É imperioso, então, que reconheçamos as uniões

9
“A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. [...]
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos
pais e seus descendentes. [...]” Constituição Federal, artigo 226.
10
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
21

homossexuais como parte integrante da nova terminologia de entidade familiar,


pois estas uniões preenchem todos os requisitos que hoje se pede para a
constituição de uma união estável e conseqüente afirmação daquele núcleo
afetivo como entidade familiar.

1.2.2 A evolução do direito de família.

Nas palavras de Orlando Gomes “Direito de família é o conjunto de


regras aplicáveis às relações ligadas pelo casamento, pelo parentesco, pela
afinidade e pela adoção”.11 Esta é uma definição clara, porém ainda um pouco
conservadora, pois ele considera a família derivada do casamento como a
única capaz de constituir o que ele denomina de “família legitima”, sendo as
uniões estáveis consideradas como “famílias ilegítimas” – essas merecendo
também, o reconhecimento da lei. Veremos que tal posicionamento está
equivocado, em face do que está expresso na Carta Magna Brasileira.

Conforme já foi abordado, antes da promulgação da Constituição


Federal de 1988 o direito de família se restringia a apenas uma forma de
núcleo familiar: o casamento, sendo a finalidade deste sempre e
obrigatoriamente a geração de prole. Após a entrada em vigor da nova Carta
Magna, se equipararam ao casamento, formal e materialmente, às uniões
estáveis e às famílias monoparentais. Sendo assim, descabido é o pensamento
do ilustre doutrinador, pois não há mais espaço para se falar em famílias
legitimas ou ilegítimas. Todas se equiparam à luz do Direito atual.

O principal ponto de evolução do direito de família brasileiro é a


dissociação do núcleo familiar da estrutura econômica dominante. Quando foi
criado, o instituto do casamento era apenas uma forma de manutenção de
riquezas, e se dava para perpetuar o patriarcado ao longo dos séculos.
Entendendo os legisladores, na época da Assembléia Constituinte, que
já não havia mais a necessidade da manutenção do casamento como forma
11
GOMES, Orlando. Direito de Família. 14.ed.rev.atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.01.
22

única de oficializar uma união, pois as pessoas já viviam uma realidade


diferente daquela que vigia quando da publicação do antigo Código Civil, foi
fácil assimilar e inserir novas modalidades de núcleos familiares, pois a
sociedade assim se portava e o exigia.

Outra característica importante para que ocorresse a modificação do


status do direito de família foi a busca de uma maior laicidade do mesmo.
Mesmo sendo o casamento, até hoje, uma instituição totalmente de cunho
religioso, foi preciso fazer uma abstração da moral cristã dominante no País
para que se pudessem admitir situações como o divórcio e as relações de
concubinato, as últimas posteriormente reconhecidas como uniões estáveis. A
religiosidade como forma de doutrina jurídica é uma barreira a ser vencida se
considerarmos que é necessária a evolução plena do Direito no Brasil.

Para fins de entendimento da evolução do direito de família no Brasil,


usaremos apenas como objeto de estudo os fatos que foram desencadeados
após a promulgação da Constituição de 1988, não nos atendo à realidade
anterior por entendê-la por demais ampla. Além disso, é fato notório que tal
legislação trouxe consigo ares de importantes e necessárias modificações,
forçando, inclusive, uma reflexão bastante ampla por parte da sociedade sobre
suas inovações.

Por ser a parte do direito onde se regulam as relações familiares, e


sendo essas as mais sensíveis de todas das que tratam o ordenamento
jurídico, é no direito de família que podemos sentir com mais intensidade as
mudanças sociais e a necessidade da evolução do direito para acompanhar
tais mudanças. Sob pena de ser considerado obsoleto, não pode o direito ser
uma ciência imutável. Como bem ensina Caio Mário da Silva Pereira:

Não pode o jurista esquecer que o material com que trabalha há de


ser colhido em plena vida. Cada época vive um complexo de regras
que lhe são próprias. Não desprezam o passado, não rompem com
as tradições, mas modelam ou disciplinam os fatos humanos segundo
as injunções do seu momento histórico. Se a sociedade fosse
estática, o Direito seria estático. Se o Direito fosse estático, imporia à
vida social um imobilismo incompatível com o senso evolutivo da
civilização. Contingente como a vida, o Direito é igualmente mutável.12

12
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, volume 5: direito de familia.
14.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v.5. p.02.
23

Com esta afirmativa, temos que reconhecer que a evolução do direito de


família se dá de forma automática e diária, não necessitando, para comprovar
isto, que se faça um grande estudo no âmbito jurídico. Além da evolução
inegável do direito de família após a promulgação da Constituição Federal de
1988, a doutrina também se encarregou de acompanhar a evolução da
sociedade: hoje já se admite reconhecer uma união estável sem que os
companheiros morem na mesma casa, desde que a sua relação seja diuturna e
pública. Outra construção, doutrinária e também jurisprudencial, é no sentido
de que a existência de filhos não é característica definidora da existência de
uma união estável, como podemos ver no seguinte decisão:

A família não suporta mais a estreita concepção de núcleo formado


por pais e filhos, já que os laços biológicos, a heterossexualidade, a
existência de, pelo menos, duas gerações, cederam lugar aos
compromissos dos vínculos afetivos, sendo um espaço privilegiado
para que os opostos possam vir a se tornar complementares.
Atualmente a família, além da sua função de reprodução biológica,
produz também sua própria reprodução social, através da função
ideológica que exerce ao vincular a introjeção, por seus membros, de
valores, papéis, padrões de comportamento que serão repetidos
pelas sucessivas gerações, deixando a família nuclear de se
constituir em modelo prevalente.13

Estes são dois exemplos claros de que a Justiça, quando assimila


comportamentos reiterados dos cidadãos, com o objetivo de inseri-los sob o
manto da proteção jurídica, cumpre seu papel primordial, que é o de regular e
proteger os direitos das pessoas, sem se utilizar de preconceitos e formulas já
ultrapassadas para decidir as questões controversas do direito de família.

Junto a tudo isso, vemos hoje também uma flexibilização do chamado


“instituto da família”. O que antes era compreendido como sendo um núcleo
rígido, composto apenas pelos pais e sua prole, hoje já conta com as mais
diversas interpretações. Para efeitos de existência do vínculo familiar, pode se
considerar “família” uma avó que cria seu neto. Um outro avanço
importantíssimo foi o reconhecimento da família monoparental pelos

13
PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Embargos infringente n° 7001112057.
Embargante: C.W. Embargado: Ministério Público. Relator: Des. José Carlos Teixeira Giorgis.
Acórdão 10 de junho de 2005. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/index.php>. Acesso em 20 out. 2006
24

legisladores que escreveram a Constituição de 1988, conforme podemos


verificar no parágrafo 4º do artigo 226 da mesma, já citado anteriormente.

Tal reconhecimento pode ser visto como uma prova da evolução pela
qual passou o instituto da família, e também como uma das materializações da
evolução imensa pela qual passou o direito de família nos últimos 18 anos.

Podemos concluir esse ponto afirmando que a evolução do direito de


família está longe de estar completa. Enquanto houver demandas familiares
que estiverem desprotegidas por não serem reconhecidas pelo ordenamento
jurídico vigente, teremos a realidade de mutação constante deste ramo tão
importante que é o direito de família.
25

2 UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO:


POSSIBILIDADE JURÍDICA.

Como já vimos no capítulo anterior, as uniões estáveis homossexuais


em nada diferem das relações heterossexuais que são reguladas pelo
ordenamento jurídico brasileiro. Na inexistência de legislação específica que
verse sobre as uniões entre pessoas do mesmo sexo, defendemos a utilização
da analogia para enquadrá-las na legislação vigente. Para que se compreenda
que esta é uma possibilidade viável e completamente dentro dos limites da lei,
explicaremos nesse capítulo como se desenvolve esse procedimento legal.
Também abordaremos os conceitos e requisitos que definem a união estável. A
partir disso, poderemos entender como é possível aplicar a legislação existente
às uniões homossexuais.

2.1 A analogia

A analogia, maneira de suprir falhas ou omissões no ordenamento


jurídico vigente está prevista no Código de Processo Civil e na Lei de
Introdução ao Código Civil, permite que se enquadre uma situação que não foi
objeto de legislação em uma norma direcionada especificamente a outros
casos materialmente semelhantes. Para que cheguemos a essa possibilidade é
preciso que compreendamos primeiramente a necessidade da interpretação da
lei e a existência de lacunas na mesma.
26

2.1.1 Interpretação da lei

Para que possamos chegar ao instituto da analogia, precisamos antes


entender como funciona a hermenêutica, que nos levará a enquadrar duas
situações semelhantes em uma mesma legislação, embora essa seja aplicada
diretamente a apenas uma das situações.

Como se sabe, os juízes são pessoas que devem ser sensíveis à


realidade quando forem aplicar certa legislação ao caso concreto, sendo isso o
que se chama de integração do direito: integrar, literalmente, a legislação ao
caso que deve ser resolvido. Mas antes de isso acontecer, é necessário que se
faça uma interpretação da lei, ou seja, é preciso que se busque não apenas o
que o legislador tentou disciplinar, mas também qual sentido se adequa e
resolve de forma mais benéfica o conflito trazido para aquele juiz.

Sem a interpretação da lei, teríamos apenas sentenças e acórdãos


automáticos, totalmente distantes do real sentido de justiça. Não se pode
conceber uma Justiça em que não se usa elementos humanos para aplicá-la: a
interpretação da lei por parte do juiz é a manifestação mais sublime da parte
humana, que deve estar presente quando da aplicação de uma norma em
qualquer caso concreto, seja ele de qual jurisdição for. Em relação a isso,
Sônia Maria Saraiva Seganfreddo expõe brilhantemente:

Em conseqüência, improcede a afirmação de que um texto de lei


considerado claro não mereça o trabalho interpretativo de quem vai
aplicá-lo. Haverá sempre a necessidade de interpretar a lei, aquele
trabalho de desentranhar o sentido de uma expressão, a fim de
adequá-la à época em que se aplica e ao caso concreto, que será
sempre único, individual.14

Ou seja, mesmo o texto legislativo mais transparente e simples sempre


deverá sofrer a interpretação por parte daquele que vai aplicá-lo. Mas devemos
lembrar que tal entendimento deve ser sempre visando ao beneficio das partes
que buscam a solução de algum conflito pela via judicial. É de se ressaltar que
interpretações tendenciosas, visando ao prejuízo de uma das partes ou até
14
SEGANFREDDO, Sonia Maria S. Como interpretar a lei: a interpretação do Direito Positivo.
Rio de Janeiro: Rio, 1981. p.32.
27

mesmo à violação de direitos das mesmas são temerosas e, infelizmente,


ainda acontecem em certos casos.

Ainda falando sobre a necessidade de se entender a lei antes de aplicá-


la, temos que falar também das mudanças sociais sem a correspondente
modificação legislativa. É necessário que, dentro da tarefa de interpretar a lei,
também se leve em conta o contexto social da época em que seu texto foi
editado. Uma norma pode não conservar eternamente o mesmo sentido que
carregava quando foi escrita, sob risco de ser aplicada totalmente fora do
contexto. Logo, uma lei que à sua época significava algo, pode ter significado
bastante diverso se aplicada cinqüenta anos após sua criação se a realidade
social se encontra totalmente diferente: não se pode exigir imortalidade das
palavras dos legisladores de outrora se estes não vivenciavam as nossas
condições de vida atuais.

Segundo Sônia Maria Saraiva Seganfreddo, existem quatro elementos


de interpretação de lei.15 O primeiro deles é o elemento gramatical (ou literal),
onde se leva em conta apenas o sentido literal da compreensão das palavras,
com base somente no texto da lei, o que não é muito eficaz, pois como já
mencionamos, não se pode querer utilizar o mesmo sentido de cada vocábulo
quando se tem outra condição social vigendo. O segundo elemento de
interpretação é o lógico-sistemático. Aqui se busca a interpretação da lei pela
via da investigação do sentido e posterior aplicação da lei, também não sendo
muito aconselhável sua utilização isolada, por não conter instrumentos
suficientes para se chegar ao real sentido de uma legislação específica. Temos
ainda o elemento histórico, que busca, através de um estudo da realidade,
usos e costumes da época, dar a interpretação que se presume pretendida à
época da edição da lei. Por último, o quarto elemento é o considerado mais
adequado: o elemento sociológico. Aqui, temos a plena aplicabilidade da real
situação da sociedade para realizar a interpretação da lei. Utilizando-se esse
tipo de interpretação, chegamos a um nível de segurança jurídica quase
absoluto, pois se interpretam as leis conforme as necessidades da sociedade.

No caso especifico do presente trabalho, não podemos levar em conta a


interpretação mediante dedução da vontade do legislador. Quando se excluiu a
15
SEGANFREDDO, Sonia Maria S. Como interpretar a lei: a interpretação do Direito Positivo.
Rio de Janeiro: Rio, 1981.
28

união entre pessoas do mesmo sexo do rol de entidades familiares, isso foi,
claramente, intencional, pois já se havia discutido a idéia de inclusão da
expressão “orientação sexual” no rol das proibições por discriminação no artigo
5° da Constituição Federal, e a mesma foi duramente rejeitada. A redação
“entre homem e mulher” no parágrafo 3° do artigo 226 da Carta Magna
determinou a exclusão legislativa das uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Mas não é por isso que deixaremos de utilizar os diferentes métodos de
interpretação da lei, pois a má vontade dos entes legislativos não pode servir
de motivo para a negação de tutela por parte do Judiciário.

Temos, como ponto inicial para a aplicação da analogia, o instituto da


interpretação da lei, nos moldes apresentados aqui. Assim, podemos ter como
indispensável ao bom funcionamento do ordenamento jurídico a busca pela
compreensão mais benéfica e atualizada das normas que o compõem.

2.1.2 A existência das lacunas na lei

Após termos explicitado as formas e a necessidade da interpretação da


norma, passaremos a tratar de outro requisito necessário para podermos
utilizar a analogia, que são as lacunas na lei.

Para que possamos entender melhor os efeitos decorrentes deste


fenômeno, temos a seguir o conceito de lacuna da lei, utilizando, mais uma
vez, as ilustres palavras de Sônia Maria Saraiva Seganfreddo:

A legislação não consegue fornecer todas as soluções reclamadas


pela ordem jurídica, vez que há situações sociais não previstas pelo
legislador, motivadas pelas próprias mudanças sociais. Surge, em
conseqüência, para o intérprete, o problema de não ser encontrada
uma norma em que se enquadre um caso a exigir solução. Têm-se,
então, as chamadas lacunas da lei, devendo o intérprete recorrer aos
processos de integração do direito para solucionar o caso concreto.16

16
SEGANFREDDO, Sonia Maria S. Como interpretar a lei: a interpretação do Direito Positivo.
Rio de Janeiro: Rio, 1981. p.79.
29

Temos, assim, a definição de uma situação jurídica que é mais comum


que deveria, apesar de o Brasil ser um país em que a edição de leis é bastante
numerosa. As remissões que são feitas de um artigo ou código ao outro nem
sempre são esclarecedoras – muitas vezes acabam por confundir o intérprete,
já que um dispositivo legal, às vezes, contraria outro anteriormente consultado.

Dessa realidade legislativa nasce a lacuna da lei, situação que nem


sempre é enfrentada de maneira correta pelo Judiciário, como veremos a
seguir. No caso das uniões homossexuais, temos a lacuna da lei a partir da
não previsão das mesmas no artigo 226, parágrafo 3° da Constituição Federal.
Para muitos, tal artigo é taxativo, portanto não caberia ali a existência de uma
lacuna. Pois neste trabalho defendemos justamente o contrário: uma das
máximas do Direito é a de que o que não é proibido é permitido. No
ordenamento jurídico brasileiro, inexiste previsão legal de proibição de união
entre pessoas do mesmo sexo. Somando-se a isso o fato de que, à época em
que foi escrita a Constituição Federal, os legisladores tinham conhecimento da
existência dos vínculos amorosos entre pessoas do mesmo sexo e decidiram
por não reconhecê-la por puro preconceito, temos aqui um caso claro de
lacuna do direito: existe uma situação fática, que é de conhecimento público,
mas que não recebeu legislação própria.

Diante da impossibilidade de legislar sobre todos os temas que cercam e


compõem o Direito, o próprio legislador brasileiro reconheceu sua
defectibilidade ao redigir o artigo 126 do Código de Processo Civil. 17 Na
redação deste artigo, onde se expressa que o legislador não pode se eximir de
sentenciar ou despachar alegando obscuridade ou lacuna da lei, fica claro que
se busca uma maneira eficiente de se solucionar aqueles casos sem previsão
legal explícita. Assim, se abre também uma possibilidade de o juiz criar e
completar o que o legislador omitiu ou esqueceu.

Um questionamento constante quando se trata da analogia aplicada nos


casos de lacuna da lei é o seguinte: estaria o juiz fazendo o papel de legislador,
e por conseqüência, indo além de suas responsabilidades e atribuições?

17
“O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No
julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia,
aos costumes e aos princípios gerais de direito.” Código de Processo Civil, artigo 126.
30

Entendemos que não. Ao aplicar a analogia, o magistrado está apenas


inserindo um caso concreto especifico sob o manto da proteção do
ordenamento jurídico. É obvio que a jurisprudência não cria legislação, pelo
menos não de maneira formal. A repetição de decisões aplicando a analogia,
pode, sim, sensibilizar o legislador a respeito daquele tema, e ter como fim a
posterior legislação daquele caso que não se encontrava previsto na lei. De um
modo ou de outro, o juiz, ao aplicar a analogia para solucionar casos não
legislados, além de estar cumprindo pontualmente seu papel enquanto
aplicador e defensor da lei, também está sendo muito corajoso ao permitir uma
interpretação mais extensiva dos dispositivos legais.

Por fim, temos que as lacunas da lei, apesar de negativas quando


analisadas sob o ponto de vista geral, acabam por trazer algumas evoluções
importantes, partindo do Judiciário, por meio de suas decisões que alertam
para a necessidade da criação da norma legislativa, ou apenas demonstrando
para o legislador que tal fato não necessita ser tutelado, pois já se encontra
parcialmente inserido na legislação e se pode solucionar o fato com a aplicação
da analogia.

Maria Helena Diniz assim explica:

Partindo dessas considerações e do reconhecimento de que o


legislador, por mais sagaz que seja, não pode conhecer e prever
todos os fatos, conflitos e comportamentos que surgem nas relações
sociais, bem como do entendimento de que, dentro de uma visão
dinâmica do direito, é impossível pretender que no ordenamento
existam normas regulando e prescrevendo todas as relações
jurídicas presentes e todas as que o progresso trará, entendemos
que o direito será sempre lacunoso.18

Logo, podemos concluir que as lacunas da lei sempre existirão, por mais
que se tente preencher todos os espaços legislativos. Mas o mais importante
será o papel do magistrado, que deverá sempre ter a sensibilidade de saber
como solucionar e colmatar tais lacunas.

2.1.3 Da analogia propriamente dita

18
DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.18.
31

Após termos explanado a existência das lacunas da lei, passamos agora


a falar do tema que deve ser usado para enfrentá-las: a analogia. Ela está
prevista no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, nos seguintes
termos: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.”

Por estar prevista expressamente no ordenamento jurídico, a analogia é


a única forma de se preencher as lacunas da lei, mas isso nem sempre
acontece. Na maioria das vezes os juízes decidem por extinguir o feito, ou
sequer recebê-lo, com a afirmativa de que não existe lei a ser aplicada naquele
caso. Por falta de conhecimento do instituto da analogia, ou por entendê-la
inadequada, tal forma de resolução e preenchimento das lacunas da lei é
pouco utilizada.

A palavra analogia pode ser definida em seu significado da seguinte


forma:

Do gr. analogía, pelo lat. Analogia.


S. f. 1. Ponto de semelhança entre coisas diferentes; 2. Semelhança,
similitude, parecença; 3. Filos. Identidade de relações entre os
termos de dois ou mais pares; 4. Filos. Semelhança entre figuras que
só diferem quanto à escala; 5. Filos. Semelhança de função entre
dois elementos, dentro de suas respectivas totalidades; 6. Físico:
Relação entre dois fenômenos físicos distintos que podem ser
descritos por um formalismo matemático idêntico, a qual pode existir
entre um fenômeno elétrico e outro mecânico, entre um acústico e
um elétrico, etc; 7. Jurídico: Operação lógica mediante a qual se
suprem as omissões da lei, aplicando à apreciação de uma dada
relação jurídica as normas de direito objetivo disciplinadoras de
casos semelhantes.[...].19 [grifo nosso]

Temos como ponto inicial que a analogia pode ser aplicada onde o
objeto não seja idêntico, mas onde haja semelhança substancial entre um caso
e outro. Aí está a sutil, porém imprescindível característica: a analogia vem a
ser aplicada àquelas lides onde há uma causa de pedir que o ordenamento
jurídico desconhece, porém apresenta os mesmos pressupostos fáticos de uma
outra situação que está, sim, prevista juridicamente.

Para se aplicar a analogia, não basta apenas que o juiz aplique uma
norma que ele entenda cabível. Temos que entender tal instituto como uma
faculdade dada aos magistrados, por se partir do pressuposto de que tais
19
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua
portuguesa. 3.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p.131.
32

doutores possuem a sensibilidade e a sensatez de resolver os conflitos


jurídicos da melhor forma possível. Deve-se estudar o caso com minuciosa
atenção, até para se ter certeza de que realmente não existe norma que regule
o pedido. Após este estudo, passa-se à próxima fase, que é a de achar o
dispositivo legal que melhor se enquadra e resolve a lide. Nas palavras de
Carlos Maximiliano:

O processo analógico, no entanto, não cria direito novo; descobre o


já existente; integra a norma estabelecida, o princípio fundamental,
comum ao caso previsto pelo legislador e ao outro, patenteado pela
vida social.20

Como, na maioria das vezes, o fato gerador é muito anterior à legislação


que vai regulá-lo, não podemos concordar que a omissão por parte dos
legisladores seja perpetuada pelos magistrados com a desculpa da não-
existência da norma. A analogia existe, possui previsão legal e deve ser
utilizada, sobretudo como maneira de reparar históricas violações a direitos de
cidadãos que se encontram desprotegidos do manto da Justiça brasileira.

Vemos, no presente trabalho, a analogia como uma espécie de


“salvação” para suprir omissões históricas. Não é admissível que todos sejam
iguais na hora de arcar com seus deveres, mas sejam tratados diferentemente
no reconhecimento dos seus direitos. Não existindo a previsão legislativa
específica, deve-se aplicar aquela legislação existente que se assemelha
materialmente.

Além da semelhança material, segundo Alípio Silveira, também podemos


aplicar a analogia quando, embora o caso não esteja explicitamente contido na
letra da lei, seja o mesmo espírito ou escopo do dispositivo legal.21 Com isso,
abre-se um leque de possibilidades de enquadramento das mais diversas
situações.

Para que possa ser aplicada a analogia, é necessário que o caso


concreto preencha pelo menos dois requisitos: o de que seu fato não esteja
previsto em lei, e que guarde semelhança substancial com o dispositivo legal a

20
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18.ed.2.tir. Rio de Janeiro:
Forense, 1999. p.214.
21
SILVEIRA, Alípio. Hermenêutica jurídica: seus princípios fundamentais no direito brasileiro.
4.ed. São Paulo: Leia Livros, s.d.
33

ser aplicado. Com a presença destes dois requisitos, não pode o juiz se eximir
da responsabilidade, pois estaria contrariando a própria lei, que estabeleceu a
analogia como forma válida de se resolver as lides, conforme relata Elcias
Ferreira da Costa:

O fundamento político da analogia jurídica corresponde à opção feita


pelo legislador em vincular o juiz ao dever de julgar, sem
subterfúgios, e indicar-lhe, entre os meios de preencher os vazios
jurídicos formais do ordenamento, o recurso à analogia, delimitadas
as esferas de aplicação do mesmo.22

Temos, então, a possibilidade e a delimitação do uso da analogia pelos


magistrados brasileiros, ficando a critério dos juízes fazer uso da mesma, ou
não. A única coisa que não se pode mais admitir é que, havendo a previsão
legal e a norma que permitiria a analogia, que os ilustres magistrados não
façam uso dela por motivos contrários ao de fazer justiça.

2.2 A união estável

Neste capítulo analisaremos os aspectos mais importantes e relevantes


do instituto da união estável, que está previsto na Constituição Federal, no
Código Civil, e também tem regulamentação em legislação complementar. Este
estudo será valido para compreendermos melhor o conceito de tal instituto, e
quais os requisitos necessários para que uma união seja considerada estável,
bem como a sua natureza jurídica e os efeitos que são gerados a partir do
reconhecimento de uma união por parte do Judiciário.

2.2.1 Conceito e natureza jurídica

22
COSTA, Elcias Ferreira da. Analogia jurídica e decisão judicial. Porto Alegre: Fabris, 1987.
p.45.
34

Conforme já referimos antes, após um longo tempo de construções


jurisprudenciais e dúvidas sobre o enquadramento correto daquelas uniões que
não eram formalizadas perante a lei, a Constituição Federal de 1988 legisla,
definitivamente, sobre a união estável. Embora parte da doutrina ainda seja
resistente ao termo “união estável”, preferindo tratar destas relações sob o
nome de concubinato, uma unanimidade sempre é alcançada: a de que tal
dispositivo constitucional veio para dar ares de legitimidade para aquelas
uniões que sempre foram marginalizadas, historicamente, pelo ordenamento
jurídico brasileiro.

Dentre os que preferem utilizar a expressão concubinato está Edgar de


Moura Bittencourt:

Concubinato exprime a idéia geral de união mais ou menos


prolongada, fora do casamento. Pode revestir-se de aspectos morais
ou imorais. Companheira é a designação elevada que se dá à
mulher unida por longo tempo a um homem, como se fosse sua
esposa; mas, como não existem laços do casamento civil, é
concubina.23

Podemos notar que o doutrinador prefere o termo concubinato por


entender que pode ser uma relação revestida de imoralidade, o que indica um
posicionamento mais conservador. A maioria dos autores que tratam do tema,
utilizam o termo adotado pela Assembléia Constituinte, como é o caso de José
Sebastião Oliveira:

A união estável, em nosso entender, deve ser encarada sob sua


essência. Conquanto se deva buscar ao máximo possível uma
depuração terminológica, ela, evidentemente, não terá o condão de
afastar a existência de uma união estável se se qualificá-la como
concubinato ou outra terminologia.24

A importância da terminologia no caso das uniões estáveis está no fato


de muitos juízes ainda se sentirem constrangidos ao se verem obrigados a
aplicar um dispositivo legal tão amplo e ousado. Mas é justamente por ser um

23
BITTENCOURT, Edgar de Moura. O concubinato no direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora
Jurídica e Universitária, 1969. v.1. p.105.
24
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.156.
35

conceito tão amplo e tão inclusivo, esse da união estável, que a Constituição
colaborou para ajudar a regular milhares de relações que, antes dela, não
gerariam todos os efeitos desejados pelos companheiros e necessários para
uma aplicação proporcional das leis à tais uniões. Ainda assim, na maioria dos
casos, quando é declarada a união estável, se geram efeitos que vão além do
direito obrigacional. Ou seja, muitos juízes e doutrinadores ainda relutam em
utilizar a terminologia constitucional por entenderem que as uniões que não
buscaram a proteção legal do Estado só deveriam gerar efeitos meramente
patrimoniais.

Para melhor compreensão do tema, temos como ponto de partida as


palavras de Marco Aurélio S. Viana:

Sem uma preocupação de conceituar, mas apenas de realçar os


elementos mais expressivos dessa relação, dizemos que a união
estável é a convivência entre homem e mulher, alicerçada na
vontade dos conviventes, de caráter notório e estável, visando a
constituição de família.25

Temos, então, uma conceituação bem próxima da realidade das uniões


estáveis. Não se pode questionar a validade de uma relação apenas pelo fato
de não haver vontade, por parte dos partícipes, de formalização da mesma. Se
há a vontade de constituir vida em comum, e essa relação é contínua, não
pode o ordenamento jurídico se abster de reconhecê-las como legítimas.

Nesse mesmo diapasão temos a natureza jurídica da união estável.


Além do parágrafo 3° do artigo 226 da Constituição Federal, temos também

uma definição legal de união estável no artigo 1° da lei 9278/96 com a seguinte
redação: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura,
pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de
constituição de família.” No mesmo sentido vai a redação do artigo 1723 do
novo Código Civil.26

Também devemos salientar o “status” jurídico que a união estável cria:


fala-se sempre em “companheiro” e “companheirismo”, e hoje a doutrina é

25
VIANA, Marco Aurélio S. Da união estável. São Paulo: Saraiva, 1999. p.29.
26
“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,
configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família.” Novo Código Civil, artigo 1723.
36

quase unânime em reconhecer que a união estável não gera os mesmos


efeitos jurídicos que o casamento. Conforme as próprias palavras de Silvio de
Salvo Venosa, “(...) acentuemos que a natureza jurídica de ambos os
fenômenos é diversa: enquanto o casamento é negócio jurídico, a união estável
é fato jurídico”.27

Na jurisprudência o entendimento é o mesmo, entendendo-se que a


união estável deve apenas ser tratada de forma análoga ao casamento para
fins da sua dissolução, sob o argumento de que a união nasce e perdura de
forma livre, porém necessita da tutela do direito para, quando do seu término,
gerar de forma correta seus efeitos patrimoniais. Verifica-se isso no seguinte
acórdão:

O fato de o enlace afetivo constituir uma união estável, e não um


casamento, em nada altera a análise dos requisitos legais a serem
observados no procedimento de dissolução do vínculo.
A união estável solve-se da mesma forma que se constituiu, sem a
interferência do Estado, diversamente do que ocorre com o
casamento, razão pela qual naquela hipótese a relação pode ser
dissolvida sem a participação do Estado.
No entanto, em que pese seja dispensável a tutela jurisdicional, as
partes, reconhecendo terem mantido relacionamento nos moldes de
uma entidade familiar, optaram por submeter à chancela estatal
acordo acerca dos direitos patrimoniais decorrentes dessa relação.28

Assim, temos que o único efeito juridicamente igualável ao casamento,


nos casos de união estável, será o da sua dissolução, para fins patrimoniais.
No que concerne aos demais direitos e reconhecimentos, a união estável tem
suas próprias previsões legais, não sendo necessária, então, sua equiparação
com o casamento nos demais casos.

Isso posto, podemos concluir que união estável e casamento são


substancialmente diferentes em sua natureza jurídica, não devendo, portanto,
gerar conflitos neste sentido. Passamos, então, ao estudo dos requisitos para
que se configure a união estável.

27
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, volume 6: direito de família. 4.ed. São Paulo: Atlas,
2004. p.59.
28
PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação cível n° 70015822208. Apelantes:
D.P.G. e M.R.P. Apelado: Ministério Público. Relatora: Desa. Maria Berenice Dias. Decisão
monocrática 16 de agosto de 2006. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/index.php>. Acesso em 20 out. 2006
37

2.2.2 Requisitos

Já vimos o conceito de união estável em seu sentido estrito, mas agora


estudaremos melhor seus requisitos, tanto os contidos na legislação como os
demais citados pela doutrina. Usaremos, para esse fim, o que está expresso no
artigo 1° da lei 9278/96, já citado acima: “a convivência duradoura, pública e
contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de
constituição de família.” Por conter palavras que são amplas em seu significado
semântico, tal conceito é por diversas vezes mais flexível, ou mais rígido. Nota-
se que são três as palavras que possibilitam as mais diversas compreensões:
“duradoura”, “pública”, e “contínua”. As definições que se aplicam a tais
palavras variam de pessoa para pessoa, cabendo, então, ao juiz, perante o
caso concreto, decidir até onde pode ir cada uma dessas palavras.

Começaremos analisando o conceito de convivência duradoura, que


muitas vezes é o denominador usado como referência para se reconhecer ou
não, no caso concreto, uma união estável. A problemática de tal expressão
está situada no fato de não existir previsão mínima de duração para que uma
união seja considerada estável. Assim, se abre espaço para as mais diversas
interpretações, nem sempre aplicadas de forma a beneficiar os requerentes do
reconhecimento de sua relação por parte do Judiciário. Mas também é salutar
lembrar que uma previsão temporal explícita não serviria para determinar de
forma definitiva o que seria ou não uma relação estável, pois tal
reconhecimento parte, além do lapso temporal, de outros fatores que veremos
ao longo deste capítulo.

Ainda assim, em alguns casos na legislação ordinária, se determina um


lapso temporal para facilitar o entendimento daqueles que estão sob sua égide.
Para fins de inclusão de beneficiário no plano de saúde, por exemplo, o
Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul regula que as uniões
estáveis devem ter, no mínimo, dois anos de duração, ou filho em comum,
38

conforme o artigo 5° da Lei complementar 12.134 de 2004. 29 Mas não há


consenso jurisprudencial tampouco doutrinário a respeito de qual seria o
período mínimo de convivência para que uma união fosse considerada
duradoura.

Podemos afirmar que o fato de não haver tal disposição legal é positivo
no sentido de que dá uma flexibilidade maior ao conteúdo constitucional, e
assim respeita a enorme gama de casos diferenciados entre si que chegam ao
judiciário. Como parte integrante do direito de família, não poderia a união
estável ficar atrelada uma normatização temporal que poderia se demonstrar
totalmente equivocada.

Já a palavra “pública” também carrega consigo certa dose de dubiedade.


Qual o tipo de publicidade que se requer neste caso? Pode uma relação não
sabida por parte dos familiares ser pública? Para elucidar tais
questionamentos, fazemos uso das palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

Exige o artigo 1723 do Código Civil, para que se configure a união


estável, que a convivência, além de contínua e duradoura, seja
“pública”. Não pode, assim, a união permanecer e, sigilo, em
segredo, desconhecida do meio social. Requer-se, por isso,
notoriedade ou publicidade no relacionamento amoroso, ou seja, que
os companheiros apresentem-se à coletividade como se fossem
marido e mulher (more uxório). Relações clandestinas,
desconhecidas da sociedade, não constituem união estável.30

Logo, a publicidade que se pede, apesar de ser um conceito amplo, já


encontrou definição quase consensual tanto na doutrina quanto na
jurisprudência. Define-se como relação pública aquela onde ambos os
companheiros se apresentam e se portam como um casal perante a sociedade
de forma geral e constante. Muitos magistrados utilizam corriqueiramente a
expressão “como se casados fossem”, numa clara alusão ao caráter de
entidade familiar que o instituto da união estável carrega consigo. A publicidade
é um dos principais obstáculos de fraudes quando se trata de processos de
reconhecimento das uniões estáveis, pois, como grande parte das provas
29
RIO GRANDE DO SUL. Lei complementar n° 12.134 de 26 de julho de 2004. Dispõe sobre o
IPE-Saúde e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.al.rs.gov.br/legis/M010/M0100099.ASP?
Hid_Tipo=TEXTO&Hid_TodasNormas=47833&hTexto=&Hid_IDNorma=47833> Acesso em 05
nov. 2006.
30
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. São
Paulo: Saraiva, 2005. v.6. p.544.
39

constituídas é testemunhal, é imprescindível a ouvida de testemunhas que


possam, por meio de probação oral feita pelo juiz, confirmar o vínculo afetivo
existente entre os partícipes.

Ainda temos disposto no referido artigo a expressão “contínua”. Aqui


temos que falar também sobre o conceito de estabilidade, que é imprescindível
para o entendimento do que seria uma relação possuidora de continuidade.
Silvio de Salvo Venosa esclarece:

(...) Não é qualquer relacionamento fugaz e transitório que constitui a


união protegida; não podem ser definidas como concubinato simples
relações sexuais, ainda que reiteradas. (...) Conseqüência dessa
estabilidade é a característica de ser duradoura, como menciona o
legislador ordinário. (...) A questão do lapso temporal não é absoluta,
pois a Constituição Federal não estabeleceu um tempo determinado
e sim que deveria haver o animus de constituir família. (...)31

Dessa forma, temos como norte que uma relação, para ser considerada
contínua, deve estar provida de estabilidade, ou seja, deve ser uma união
sólida e com firmes propósitos não apenas de formar família, mas também de
construir uma união duradoura e longínqua. Como não se dispôs um período
mínimo para que uma relação seja considerada estável, fica a critério do
magistrado, com base nas provas apresentadas pelos companheiros, decidir se
aquela relação está revestida de estabilidade suficiente para ser enquadrada
como união estável.

Esses são os três primeiros requisitos para que uma relação possa ser
reconhecida juridicamente como união estável. Conforme vimos, tais requisitos
estão expressos em lei. Mas a doutrina ainda recomenda que se observe mais
dois critérios para que a relação possa ser considerada válida.

Além de continuidade, publicidade e convivência duradoura, também se


entende como requisito para a união estável a diversidade de sexos dos
companheiros. Aqui faremos uma reflexão mais profunda a respeito da dicção
da norma legislativa. De fato, se nos ativermos apenas ao aspecto semântico,
fica fácil deduzir que não é possível se reconhecer uma união estável entre
pessoas do mesmo sexo, pois a legislação diz claramente “entre homem e
mulher”.
31
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, volume 6: direito de família. 4.ed. São Paulo: Atlas,
2004. p.55.
40

Começamos a análise partindo de uma interpretação a partir de um


princípio constitucional, presente no artigo 5° da Constituição Federal, qual
seja, o principio da igualdade. Está expresso no referido artigo: “Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...).” No nosso sistema
legal, temos que os princípios constitucionais devem ser os norteadores do
todo o ordenamento jurídico, devendo-se aplicá-los quando houver a
necessidade.

Entendemos que a redação do parágrafo 3° artigo 226 foi infeliz por não
respeitar os próprios princípios da Constituição Federal. Não há que se falar
em inconstitucionalidade de tal dispositivo, pois inexiste em todo o nosso
sistema legal a previsão de inconstitucionalidade de normas constitucionais, já
que o nosso sistema constitucional é rígido, e possui um tribunal pleno que tem
como sua principal função interpretar e servir de guardião para a Carta Magna:
o Supremo Tribunal Federal. Além disso, tal erro pode ser sanado, a qualquer
tempo, por meio de emenda à Constituição.

Se levarmos em conta o princípio da igualdade como norteador para


resolvermos a questão da união estável entre pessoas do mesmo sexo, não
teríamos qualquer problema em entender que, onde se lê “entre homem e
mulher”, poderá caber também uma interpretação mais extensa, possibilitando
às uniões homossexuais serem enquadradas em tal artigo, pois se teria clara a
idéia de igualdade, tanto formal quanto material, e não se admitiriam mais
interpretações restritivas, visto que se tratam de uniões iguais às
heterossexuais, devendo, portanto, preencher os mesmos requisitos estudados
neste capítulo para serem reconhecidas. Estudaremos mais profundamente tal
enquadramento das relações homossexuais no artigo 226 da Constituição
Federal no próximo tópico, onde demonstraremos com mais clareza e concisão
tal possibilidade jurídica.

O objetivo de constituição de família é o ultimo, porém não o menos


importante, requisito que estudaremos neste ponto. Aqui, mais uma vez, nos
defrontamos com um conceito abstrato. Conforme já vimos no presente
trabalho, o conceito de família vem se modificando de forma concreta, e já
temos diversas interpretações para a palavra “família”.
41

2.3 A aplicação da legislação existente nos casos de uniões homossexuais

Já vimos, sob a forma de exposição, quais são os meios que podem ser
utilizados e os motivos que justificam sua utilização. No ponto atual,
comprovaremos as maneiras de aplicação das normas jurídicas existentes, a
fim de mostrar que é possível a interpretação das uniões homossexuais como
entidades familiares através do uso da analogia.

Vimos os requisitos para a ocorrência da união estável, e podemos


concluir que os vínculos homossexuais se enquadram perfeitamente dentro da
definição da mesma ao cumprirem todas as condições pré-estabelecidas para
que uma união seja considerada estável: publicidade, continuidade,
convivência duradoura e objetivo de constituir família. Assim, temos como
realidade inegável que as uniões homossexuais podem ser enquadradas no
artigo 226 da Constituição Federal, e, assim, ser consideradas e reconhecidas
como uniões estáveis. Mas ainda há um argumento, utilizado com bastante
freqüência, que ainda serve de obstáculo para tal reconhecimento: a ausência
da diversidade de sexos.

Conforme já foi mencionado, o parágrafo 3° do artigo 226 da Carta


Magna somente prevê a união estável entre homem e mulher, excluindo,
explicitamente, as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Sobre tal fato,
Fabiana Marion Spengler reflete:

Ocorre que essa previsão legal não fez com que todos os
relacionamentos homossexuais deixassem de existir como num
passe de mágica. Ao contrário, apenas ignorou-os, como se esta
fosse a melhor forma de resolvê-los.32

Tal posicionamento é simples, porém muito verdadeiro. A omissão do


legislador, embora intencional, não serviu para que os relacionamentos
homossexuais deixassem de acontecer por não estarem previstos na lei. Pelo

32
SPENGLER, Fabiana Marion. União homoafetiva: o fim do preconceito. Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 2003. p.81.
42

contrário, essa omissão serviu de motivação para muitos militantes do


movimento gay, e desde o ano de 1988 vem sendo discutida a real validade de
tal dispositivo legal.

Pode a própria Carta Magna conter um dispositivo legal que vai contra
seus princípios elencados no artigo 5º? Não seria essa previsão do artigo 226
claramente inconstitucional por violar os princípios da igualdade e da dignidade
humana? Aqui neste trabalho defendemos que sim, mas também entendemos
que tal falha pode ser facilmente suprimida com a aplicação da analogia para
enquadrar as uniões homossexuais como merecedoras da proteção do artigo
226 da Constituição Federal. A respeito disso, Débora Vanessa Caus Brandão
explana:

Parte da doutrina vem se posicionando no sentido da


inconstitucionalidade do tratado conferido às relações entre pessoas
do mesmo sexo, seja porque o tratamento é discriminatório e a
Constituição Federal veda qualquer atitude discriminatória em função
de sexo, seja invocando o principio constitucional da igualdade, sob
o manto de que uniões entre pessoas do mesmo sexo ou de sexos
diferentes devem receber o mesmo tratamento jurídico.33

Assim, ao elencar a diversidade de sexos como pressuposto fático para


que possa ocorrer uma união estável, a legislação não deu abrigo a essas
situações de conhecimento notório que são as uniões homossexuais. E, não
obstante, contrariou os próprios dispositivos contidos no artigo 5° da
Constituição Federal.

O princípio da igualdade deve ser aplicado de forma subsidiária, pois foi


com este propósito que tal dispositivo foi incluído na nossa legislação
constitucional. A respeito do princípio da igualdade, no caso específico da
aplicação para solucionar a problemática da não-legislação sobre os vínculos
homossexuais, explica Roger Raupp Rios:

Neste contexto, o imperativo da igualdade exige igual aplicação da


mesma lei a todos endereçada. Disto decorre que a norma jurídica
deve tratar de modo igual pessoas e situações diversas, uma vez
que os destinatários do comando legal são vistos de modo
universalizado e abstrato, despidos de suas diferenças e
particularidades. O resultado que daí advém é a regulação igual de
situações subjetivas e objetivas desiguais: eis a aplicação formal da
33
BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Parcerias homossexuais: aspectos jurídicos. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.80.
43

igualdade, contrariando materialmente a consagrada máxima


segundo a qual ser justo é tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.34

É sabido que a legislação brasileira é falha em muitos aspectos. Para


isso, foram elencados princípios constitucionais, que deveriam servir de direção
para suprir certas lacunas existentes. No caso das uniões homossexuais, isso
fica explicito: há a lacuna da lei, pois não existe previsão legal que legisle sobre
o tema; porém, existe uma norma que legisla sobre a união estável, e a
situação fática apresentada pelas famílias homossexuais são muito próximas a
essa realidade que foi legislada no artigo 226 da Carta Magna.

À primeira vista, parece uma situação fácil de ser resolvida, porém não o
é. As tentativas de reconhecimento das entidades familiares homossexuais no
judiciário vêm encontrando posicionamentos bem distintos, dependendo do
Estado onde a demanda é ajuizada, e ás vezes, até dependendo de qual
Câmara a ação for ser julgada.

E a motivação para o não-reconhecimento das uniões homossexuais,


invariavelmente, são dois: a ausência da diversidade de sexos requisitada na
Constituição Federal e legislação infraconstitucional, ou a impossibilidade de se

reconhecer uma entidade familiar homossexual por se entender que esta não
preenche nenhum dos requisitos existentes no direito de família, configurando,
assim, simples sociedade de fato.

Ora, não se pode mais aceitar tais posicionamentos! Urge que os


princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana
sejam integralmente aplicados para que ocorra o reconhecimento das uniões
homossexuais como entidades familiares. Sobre isso, explana novamente
Roger Raupp Rios:

Nesta linha, pode-se afirmar que, assim como nas uniões


heterossexuais, o estabelecimento de relações homossexuais,
fundadas no afeto e na sexualidade, de forma livre e autônoma, sem
qualquer prejuízo a terceiros, diz respeito à proteção da dignidade da
pessoa humana. Efetivamente, [...] não há como negar que
restrições [...], fundadas exclusivamente na orientação sexual,
constituem discriminação que afronta fortemente o respeito a traços
34
RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual: a
homossexualidade no direito brasileiro e norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p.41.
44

constitutivos essenciais no desenvolvimento de cada um dos


partícipes da relação[...].35

Pode-se afirmar, então, que ao negar jurisdição sob o manto do direito


de família para aquelas uniões entre pessoas do mesmo sexo significa agir de
forma discriminatória, atentatória aos princípios constitucionais, e também,
demonstra a dificuldade que o judiciário brasileiro tem de enfrentar as situações
polêmicas de forma vanguardista e a fim de aplicar o direito da maneira mais
benéfica possível. Embora aqui no Estado do Rio Grande do Sul tenhamos um
Tribunal de Justiça que é referência nacional pela maneira positiva que vem
tratando os casos de uniões homoafetivas (expressão cunhada pela
Desembargadora Maria Berenice Dias, uma das pioneiras defensoras dos
direitos dos homossexuais no Brasil), no restante do país ainda temos uma
situação desoladora.

Temos, aqui, um exemplo prático do defendido no presente trabalho. É


possível, por meio da analogia e do uso dos princípios constitucionais, resolver
de forma positiva e justa a questão das uniões homossexuais. Assim já se
posicionou Maria Berenice Dias:
O silêncio constitucional e a omissão legiferante não podem levar à
negativa de se extraírem efeitos jurídicos de tais vínculos, devendo o
juiz atender à determinação do artigo 4° da Lei de Introdução ao
Código Civil, e fazer uso da analogia, dos costumes e princípios
gerais do direito. Não há como fugir da analogia com as demais
relações que têm o afeto por causa e, assim, reconhecer a existência
de uma entidade familiar à semelhança do casamento e da união
estável. O óbice constitucional, estabelecendo a distinção de sexos
ao definir a união estável, não impede o uso dessa forma integrativa
de um fato existente e não regulamentado no sistema jurídico. A
identidade sexual não serve de justificativa para se buscar qualquer
outro ramo do Direito que não o Direito das Famílias.[...].36

A afirmação acima demonstra o posicionamento correto acerca da


interpretação que devemos ter quando se tratam de uniões homossexuais. Até
mesmo o Superior Tribunal de Justiça, após anos entendendo que não cabia a
analogia para designar as relações homossexuais como uniões estáveis e
entidades familiares, mudou recentemente o seu entendimento para fins de

35
RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado :
Esmafe, 2001. p.111.
36
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2000. p. 93.
45

reconhecer os direitos de inclusão de um companheiro homossexual em plano


de assistência de saúde, conforme a seguinte ementa:

PROCESSO CIVIL E CIVIL - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA


- SÚMULA 282⁄STF - UNIÃO HOMOAFETIVA - INSCRIÇÃO DE
PARCEIRO EM PLANO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA -
POSSIBILIDADE - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO-
CONFIGURADA.
- Se o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na
formação do acórdão, não se conhece do recurso especial, à míngua
de prequestionamento.
- A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união
estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de
assistência médica.
- O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou
condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da
pessoa humana.
- Para configuração da divergência jurisprudencial é necessário
confronto analítico, para evidenciar semelhança e simetria entre os
arestos confrontados. Simples transcrição de ementas não basta.37

Embora tenhamos decisões favoráveis ao reconhecimento das uniões


entre pessoas do mesmo sexo, ainda são muito diversos os posicionamentos
dos magistrados a respeito do assunto. Muitas vezes os litigantes necessitam
contar com a sorte para ter sua lide julgada de forma positiva: é comum termos
juizes de primeira instância com opiniões mais avançadas, mas ainda é maioria
o posicionamento contrário ao reconhecimento destas relações como entidades
familiares.

Da mesma forma ocorre nos Tribunais de Justiça. No Rio Grande do Sul,


por exemplo, temos duas Câmaras que decidem de forma absolutamente
diversa lides semelhantes. Uma entende que as relações homossexuais
configuram, por analogia, entidades familiares, conforme se verifica na seguinte
jurisprudência:

Constitui união estável a relação fática entre duas mulheres,


configurada na convivência pública, contínua, duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituir verdadeira família,
observados os deveres de lealdade, respeito e mútua assistência.
Superados os preconceitos que afetam ditas realidades, aplicam-se
os princípios constitucionais da dignidade da pessoa, da igualdade,

37
BRASÍL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 238.715 - RS. Recorrente: Caixa
Econômica Federal - CEF. Recorridos: R.P.C e outro. Relator: Ministro Humberto Gomes de
Barros. Acórdão 07 de março de 2006. Disponível em:
< https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/Pesquisa_Revista_Eletronica.asp >. Acesso em 20
out. 2006
46

além da analogia e dos princípios gerais do direito, além da


contemporânea modelagem das entidades familiares em sistema
aberto argamassado em regras de inclusão.
Assim, definida a natureza do convívio, opera-se a partilha dos bens
segundo o regime da comunhão parcial.38

A outra Câmara, indo totalmente na direção contrária, entende os


vínculos homossexuais apenas como sociedades de fato, entendendo que
estas só merecem a proteção do ordenamento jurídico para tutelar os direitos
patrimoniais e obrigacionais:

Como é sabido, tendo em vista diversas decisões que lancei em


processos que tinham como fundamento a relação homossexual,
não reconheço união estável entre homossexuais, embora entenda
possível reconhecer sociedade de fato e daí extrair seqüelas
patrimoniais, para evitar enriquecimento de uma pessoa em
detrimento do direito da outra. [...]
As relações entretidas por homossexuais, no entanto, não se
assemelham a um casamento nem a uma união estável, pois estas
são formas pelas quais se constitui um núcleo familiar e, por essa
razão são merecedoras da especial proteção do Estado. Mas, ainda
assim, merecem tutela jurídica, na medida em que o par pode
constituir uma sociedade de fato e, no caso sub judice, o pedido
formulado foi o de dissolução da parceria civil em metade dos bens
para cada parceiro.39

Não se pode mais lançar argumentos como este e esperar que os


mesmos se sustentem. Tratar as uniões homossexuais como geradoras
apenas de direitos patrimoniais e obrigacionais é falacioso e denota a má-
vontade do ilustre magistrado em acompanhar a evolução da sociedade. Dizer
que as famílias constituídas a partir de vínculos afetivos entre pessoas do
mesmo sexo não merecem a proteção especial que o direito de família
despende às demais entidades familiares é faltar com o respeito com cidadãos
que, na hora de cumprirem com suas obrigações são tratados como cidadãos
plenos, mas no momento de terem seus direitos reconhecidos e declarados
são considerados cidadãos de segunda linha, por conta de sua orientação
sexual, como já foi mencionado anteriormente.
38
PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação cível n° 70005488812.
Apelante/Apelada: S.T.. Apeladante/Apelada: D.A.P.. Relator: Des. José Carlos Teixeira
Giorgis. Acórdão 25 de junho de 2003. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/index.php>. Acesso em 20 out. 2006
39
PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação cível n° 70 009 888 017. Apelante:
M.A.S.V. Apelado: S.S.A.M. P.T.C.M. P.S.M. K.C.. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos
Chaves. Acórdão 27 de abril de 2005. Disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/index.php>. Acesso em 20 out. 2006
47

Atualmente, o único consenso quando se trata do avanço dos direitos


dos homossexuais é no campo do direito previdenciário. Em nível federal,
temos a Instrução Normativa n° 25 do Instituto Nacional de Seguridade
Nacional – INSS, datada do dia 27 de junho de 2000, onde se regula,
explicitamente, o pagamento de benefício previdenciário a companheiro
homossexual.40 Mas, ao contrário do que ocorre no INSS, no Estado do Rio
Grande do Sul não temos nenhuma legislação previdenciária neste sentido, e o
Instituto de Previdência do Estado – IPERGS –, continua alegando a
impossibilidade de reconhecimento das uniões homossexuais como argumento
para não pagar pensão aos companheiros do mesmo sexo dos seus
segurados. Embora algumas decisões sejam favoráveis aos direitos dos
companheiros homossexuais, ainda falta uma regulamentação legítima e
esclarecedora a respeito deste assunto no Estado.
Obviamente, tais evoluções no campo do direito previdenciário acabam
por ajudar a concretizar os demais direitos decorrentes das uniões entre
pessoas do mesmo sexo. Apenas para citar outro exemplo de pequenos gestos
da administração pública, dentre tantos entre resoluções, instruções normativas
e portarias, temos também o Parecer Nº 006/2004, da Corregedoria da Justiça
do Rio Grande do Sul, que incluiu o parágrafo único no artigo 215 da
Consolidação Normativa Notarial Registral da Corregedoria Geral da Justiça,
possibilitando o registro das uniões homossexuais em cartório, nos seguintes
moldes:

Art. 215 (...)


Parágrafo único. As pessoas plenamente capazes, independente da
Identidade ou oposição de sexo, que vivam uma relação de fato
duradoura, em comunhão afetiva, com ou sem compromisso
patrimonial, poderão registrar documentos que digam respeito a tal
relação. As pessoas que pretendam constituir uma união afetiva na
forma anteriormente referida também poderão registrar os
documentos que a isso digam respeito.41
40
INSTITUTO NACIONAL DA SEGURIDADE SOCIAL. Estabelece, por força de decisão
judicial, procedimentos a serem adotados para a concessão de benefícios previdenciários ao
companheiro ou companheira homossexual. Instrução Normativa n° 25 de 07 de junho de
2000. Disponível em: <http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/38/INSS-DC/2000/25.htm>
Acesso em 05 nov. de 2006. Ver anexo A.
41
CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA. União estável. Pessoas do mesmo sexo. Inclui
parágrafo único no artigo 215 da CNNR-CGJ. Parecer n° 006/2004-CM/GE. Des. Aristides
Pedroso de Albuquerque Neto. 09 de março de 2004. Boletim Informativo Mensal da
Corregedoria-Geral da Justiça, ed. 321. Versão virtual disponível em:
<http://www.tj.rs.gov.br/institu/correg/bim/BIM%20321_MARCO_2004.pdf> Acesso em 05 nov.
2006.
48

Durante alguns meses os cartórios relutaram em aceitar documentos


que tratavam exclusivamente das uniões entre pessoas do mesmo sexo. Mas
tal contrariedade foi sanada aos poucos, e hoje em dia todos os cartórios do
Brasil aceitam registro de documentos que regulam tais relações. Com a união
podendo ser registrada em cartório, com fé pública, se torna mais fácil a
comprovação posterior da união quando esta for necessária.

Falamos em comprovação posterior porque tal documento, mesmo


estando registrado em cartório, não possui caráter definitivo em se tratando de
reconhecimento de uma união estável homossexual. Mesmo com todas as
provas trazidas junto com o documento registrado em cartório, ainda não se
tem a garantia que o magistrado vá reconhecer a união.

Podemos ver, com tal afirmação, que os homossexuais são tratados de


maneira absolutamente desigual quando falamos em reconhecimento de
uniões estáveis por parte do Judiciário. Sabemos que toda ação que visa a
validação de um vínculo afetivo é complicada pelos seus próprios pressupostos
fáticos e probatórios: são necessárias várias comprovações, muitos
documentos devem ser juntados e as testemunhas têm de confirmar a
existência de um vínculo afetivo entre as duas pessoas postulantes de tal
reconhecimento.
Mas agora analisemos a diferença prática quando se trata de um casal
homossexual. Enquanto os casais heterossexuais não necessitam,
estritamente, de vínculos externos sólidos, os casais homossexuais muitas
vezes são penalizados por não terem pensado no futuro: uma união entre
pessoas do mesmo sexo que não possua, ao extremo, qualquer um dos
requisitos que se entende necessário para o reconhecimento de uma união
estável, jamais terá legitimidade para ser validada como tal.
Enquanto, para os casais heterossexuais, os requisitos são flexíveis e
podem ser estendidos conforme a intenção do juiz, os casais homossexuais
devem ter todos os requisitos presentes, além de possuir o caráter da boa-fé
presente na união. Explicamos: há juizes que entendem que pessoas do
mesmo sexo podem forjar uma união para receber os benefícios decorrentes
49

da mesma, utilizando esse argumento para defender a não-regulamentação


das uniões entre homossexuais.

Além de ter que pensar com maior antecedência sobre eventos futuros,
como adquirir um imóvel, ou até mesmo escolher um plano de saúde que
contemple companheiros homossexuais, mesmo que duas pessoas do mesmo
sexo compartilhem tudo, ainda vão enfrentar resistências e desconfianças
sobre a verdadeira validade da sua união.

Tal registro em cartório tem se mostrado pouco eficiente como


instrumento de comprovação e reconhecimento de união estável entre pessoas
do mesmo sexo. No mesmo sentido de regulamentar as relações
homossexuais mediante registro de contrato em cartório, temos o projeto de lei
n° 1151/95, de autoria da ex-deputada Marta Suplicy. 42 Nele, diversos aspectos
das uniões homossexuais seriam regulados sob o nome de “contrato de
parceria civil”, conforme relata Napoleão Dagnese:

Antes de outra hipótese, a parceria civil entre pessoas do mesmo


sexo proposta adota a natureza jurídica contratualista por basear-se
numa carta, instrumento público do contrato de parceria civil,
figurante entre os pré-requisitos elencados [...]. Destarte, seria regido
pelas normas comuns a todos os contratos. [...]43

Assim, podemos concluir que tal regulamentação serviria apenas para


regular as uniões homossexuais sob os seus aspectos obrigacionais, não
enquadrando-as como entidades familiares. Entendemos não ser correta tal
proposta, pelo simples fato que a própria nomenclatura “parceria civil
registrada” reflete todo o preconceito existente contra os homossexuais, como
explicaremos adiante. Além disso, as uniões homossexuais vão muito além do
aspecto patrimonial e previdenciário. No projeto de lei citado, não se tenta nem
regulamentar as adoções por casais homossexuais, mostrando que o intuito da
mesma é de apenas criar uma situação jurídica específica para os casais de
pessoas do mesmo sexo.

42
BRASIL. Projeto de lei nº 1151 de 26 de outubro de 1995. Disciplina a união civil entre
pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=15012> Acesso em 05 nov.
2006.
43
DAGNESE, Napoleão. Cidadania no armário: uma abordagem sócio-jurídica acerca da
homossexualidade. São Paulo: LTr, 2000. p.62.
50

Vemos com bons olhos tal tentativa, na medida em que ela ajudaria a
resolver casos de partilha e sucessão de patrimônio e direitos em caso de
morte ou separação. Mas não podemos nominar como “parceria civil” uma
relação estável entre duas pessoas adultas, até porque tal nomenclatura
denota um sentido de “sociedade”, e sendo assim, não se necessitaria uma lei
específica, pois poderíamos continuar apenas a tratar as uniões homossexuais
como sociedades de fato.

Ainda tratando sobre a esfera legislativa brasileira, tínhamos também o


projeto de Emenda Constitucional n° 00070/93, sob a ementa: “Altera o
parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal, para permitir a união
estável entre casais homossexuais.”44 Tal emenda serviria para dirimir
quaisquer dúvidas existentes a respeito da característica de entidade familiar
das uniões entre pessoas do mesmo sexo. Porém, tal emenda foi retirada da
agenda legislativa pelo seu próprio proponente, o Senador Sérgio Cabral, no
dia 05 de outubro, em troca do apoio político dos setores evangélicos no pleito
eleitoral deste ano.45 Obviamente, sabemos que a aprovação de tal projeto de
emenda à Constituição seria extremamente difícil, pois existem bancadas
religiosas que se opõem radicalmente a qualquer matéria que trate do avanço
dos direitos dos homossexuais, mas simplesmente retirar o projeto de lei,
definitivamente, da pauta de votações em troca de apoio político, demonstra
como os direitos de homossexuais não são de importância relevante para os
atuais legisladores brasileiros.

Esse é um exemplo prático que reafirma o que defendemos neste


trabalho: os cidadãos homossexuais não podem ficar à mercê do Legislativo
brasileiro, que age conforme os interesses do momento. Não se pode continuar
negando direitos básicos às relações entre pessoas do mesmo sexo.46 É
preciso que o Judiciário reconheça os direitos dessas pessoas, e que a

44
BRASIL. Projeto de emenda à Constituição Federal n° 70 de 02 de setembro de 2003. Altera
o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal, para permitir a união estável entre casais
homossexuais. Disponível em <http://www6.senado.gov.br/mate/servlet/PDFMateServlet?
s=http://www.senado.gov.br/sf/ATIVIDADE/Materia/MateFO.xsl&o=DESC&m=61093> Acesso
em 05 nov. 2006.
45
Folha OnLine, São Paulo, 2006. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u84800.shtml> Acesso em 12 nov. 2006.
46
A respeito disso, vide matéria da revista Super Interessante. Disponível em:
<http://super.abril.uol.com.br/super/edicoes/202/capa/conteudo_43624.shtml> Acesso em 05
out. 2006. Ver anexo B.
51

jurisprudência a respeito das uniões homossexuais seja uniformizada de forma


a reconhecer as mesmas como entidades familiares.

Mas a jurisprudência só será uniformizada quando os magistrados


brasileiros entenderem o Direito como uma ciência humana, que deve evoluir
junto com a sociedade, para melhor se adaptar às diferentes realidades
existentes no nosso país. Considerar as uniões homossexuais como entidades
familiares será um importante passo na busca pela igualdade prevista nos
dispositivos constitucionais, bem como um avanço em direção a uma
sociedade mais justa.

CONCLUSÃO

Neste trabalho estudamos uma realidade fática que não é legislada no


ordenamento jurídico brasileiro: as uniões homossexuais. Demonstramos que
tais uniões possuem as mesmas características que as heterossexuais,
comprovando que existe um vínculo afetivo inegável, e que esse deve
prevalecer, diante dos olhos da Justiça, sobre o vínculo patrimonial.

Falamos também acerca do conceito de entidade familiar e do Direito de


Família, principalmente sobre a sua evolução após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, que trouxe mudanças significativas no seu texto,
mas não legislou sobre as relações estáveis entre pessoas do mesmo sexo.
Partindo dessa omissão legislativa, conceituamos e explicamos o conceito da
interpretação da lei, e a existência das lacunas na mesma, demonstrando a
analogia como recurso cabível e necessário para sanar tais falhas legislativas,
52

para que as uniões homossexuais não sejam mais reconhecidas como


sociedades de fato, o que gera apenas direitos obrigacionais e patrimoniais,
mas sim como entidades familiares plenas.

Com o estudo do instituto da união estável, pudemos ver com mais


clareza o porquê da possibilidade de enquadrar as uniões homossexuais,
analogicamente, ao caso previsto no parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição
Federal. As uniões entre pessoas do mesmo sexo atendem a todos os
requisitos previstos em lei, sendo a negativa de reconhecimento dessa
realidade pelo Judiciário uma verdadeira afronta aos princípios constitucionais,
base primordial de todo o ordenamento jurídico.

Os poucos, porém importantes avanços conquistados pelos


homossexuais para terem seus direitos reconhecidos, às vezes parecem não
ter surtido grandes efeitos, pois ainda temos sentenças e acórdãos baseados
em convicções pessoais, religiosas e culturais. Enquanto não se entender o
Direito como ciência humana, e o Direito de Família como o ramo mais sensível
dessa ciência, não conseguiremos compreender toda a magnitude e
complexidade da natureza humana, expressa tanto na riqueza das relações
afetivas constituídas pelas pessoas ao longo de suas vidas, quanto em outros
aspectos do convívio social.

A orientação sexual do indivíduo não deve ser aspecto predominante de


julgamento moral por parte de ninguém, muito menos por parte do Judiciário.
Não se pode discutir a existência do afeto e do amor nas uniões homossexuais,
assim como também não se pode negar que tais vínculos geram entidades
familiares.

Entender as relações homossexuais como núcleo familiar digno da


proteção do direito de família, por analogia, é humanizar o exercício do poder
que o Estado exerce sobre o cidadão, assim como significa, também, auxiliar
uma camada da população já tão discriminada e marginalizada nas demais
esferas do convívio social.
53

REFERÊNCIAS

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Janeiro: Editora Jurídica e Universitária, 1969. v.1. 305 p.

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BRASIL. Projeto de emenda à Constituição Federal n° 70 de 02 de setembro


de 2003. Altera o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal, para
permitir a união estável entre casais homossexuais. Disponível em
<http://www6.senado.gov.br/mate/servlet/PDFMateServlet?
s=http://www.senado.gov.br/sf/ATIVIDADE/Materia/MateFO.xsl&o=DESC&m=6
1093> Acesso em 05 de nov. 2006.

BRASIL. Projeto de lei nº 1151 de 26 de outubro de 1995. Disciplina a união


civil entre pessoas do mesmo sexo e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=15012> Acesso
em 05 de nov. 2006.
54

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Recorrente: Caixa Econômica Federal - CEF. Recorridos: R.P.C e outro.
Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. Acórdão 07 de março de 2006.
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<https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/Pesquisa_Revista_Eletronica.asp >.
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sexo. Inclui parágrafo único no artigo 215 da CNNR-CGJ. Parecer n° 006/2004-
CM/GE. Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto. 09 de março de 2004.
Boletim Informativo Mensal da Corregedoria-Geral da Justiça, ed. 321. Versão
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55

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PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação cível n°


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Relatora: Desa. Maria Berenice Dias. Decisão monocrática 16 de agosto de
2006. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/index.php>.
Acesso em 20 out. 2006

PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação cível n°


70005488812. Apelante/Apelada: S.T.. Apeladante/Apelada: D.A.P.. Relator:
Des. José Carlos Teixeira Giorgis. Acórdão 25 de junho de 2003. Disponível
em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/index.php>. Acesso em 20 out.
2006
56

PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do RGS. Apelação cível n° 70 009 888


017. Apelante: M.A.S.V. Apelado: S.S.A.M. P.T.C.M. P.S.M. K.C.. Relator:
Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. Acórdão 27 de abril de 2005.
Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/consulta/index.php>. Acesso
em 20 out. 2006

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RIO GRANDE DO SUL. Lei complementar n° 12.134 de 26 de julho de 2004.


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Hid_Tipo=TEXTO&Hid_TodasNormas=47833&hTexto=&Hid_IDNorma=47833>
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SEGANFREDDO, Sonia Maria S. Como interpretar a lei: a interpretação do


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SOUZA, Aida Maria Loredo Moreira de. Aspectos polêmicos da união


estável. 2. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. 166 p.

SPENGLER, Fabiana Marion. União homoafetiva: o fim do preconceito. Santa


Cruz do Sul: EDUNISC, 2003. 250 p.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, volume 6: direito de família. 4.ed. São
Paulo: Atlas, 2004. 497 p.
57

VIANA, Marco Aurélio S. Da união estável. São Paulo: Saraiva, 1999. 95 p.

ANEXO A

Publicada no DOU 110-E de 08.06.2000 com incorreção

Estabelece, por força de decisão judicial,


procedimentos a serem adotados para a
concessão de benefícios previdenciários
ao companheiro ou companheira
homossexual.

FUNDAMENTAÇÃO LEGAL:
Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0

A DIRETORIA COLEGIADA DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO


SOCIAL - INSS, em reunião extraordinária realizada no dia 07 de Junho
de 2000, no uso da competência que lhe foi conferida pelo inciso III, do
artigo 7°, do Regimento Interno do INSS, aprovado pela Portaria nº
6.247, de 28 de dezembro de 1999, e

CONSIDERANDO a determinação judicial proferida em Ação Civil


Pública nº 2000.71.00.009347-0;
58

CONSIDERANDO a necessidade de estabelecer rotinas para uniformizar


procedimentos a serem adotados pela linha de benefícios, resolve:

Art. 1º - Disciplinar procedimentos a serem adotados para a concessão


de pensão por morte e auxílio-reclusão a serem pagos ao companheiro
ou companheira homossexual.

Art. 2º - A pensão por morte e o auxílio-reclusão requeridos por


companheiro ou companheira homossexual, reger-se-ão pelas rotinas
disciplinadas no Capítulo XII da IN INSS/DC n° 20, de 18.05.2000.

Art. 3º - A comprovação da união estável e dependência econômica far-


se-á através dos seguintes documentos:

I declaração de Imposto de Renda do segurado, em que conste o


interessado como seu dependente;
II disposições testamentárias;
III declaração especial feita perante tabelião (escritura pública
declaratória de dependência econômica);
IV prova de mesmo domicílio;
V prova de encargos domésticos evidentes e existência de sociedade ou
comunhão nos atos da vida civil;
VI procuração ou fiança reciprocamente outorgada;
VII conta bancária conjunta;
VIII registro em associação de classe, onde conste o interessado como
dependente do segurado;
IX anotação constante de ficha ou livro de registro de empregados;
X - apólice de seguro da qual conste o segurado como instituidor do
seguro e a pessoa interessada como sua beneficiária;
XI ficha de tratamento em instituição de assistência médica da qual
conste o segurado como responsável;
XII - escritura de compra e venda de imóvel pelo segurado em nome do
dependente;
XIII quaisquer outros documentos que possam levar à convicção do fato
a comprovar.

Art. 4º - Para a referida comprovação, os documentos enumerados nos


incisos I, II, III e IX do artigo anterior, constituem, por si só, prova
bastante e suficiente, devendo os demais serem considerados em
conjunto de no mínimo três, corroborados, quando necessário, mediante
Justificação Administrativa JA.

Art. 5º - A Diretoria de Benefícios e a DATAPREV estabelecerão


mecanismos de controle para os procedimentos ora estabelecidos nesta
Instrução Normativa.

Art. 6º Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação.

CRÉSIO DE MATOS ROLIM


Diretor-Presidente do INSS
59

PAULO ROBERTO T. FREITAS


Diretor de Administração

LUIZ ALBERTO LAZINHO


Diretor de Arrecadação

SEBASTIÃO FAUSTINO DE PAULA


Diretor de Benefícios

MARCOS MAIA JÚNIOR


Procurador Geral

(*) Republicada por ter saído com incorreção, do original, no D.O. nº 110-E, de
8/6/2000, Seção 1, pág 4.

ANEXO B

Razões para dizer sim


Você pode não pensar neles, mas ao casar ganhamos algumas dezenas de
benefícios. Confira a lista dos direitos aos quais casais gays não têm acesso
1- não podem casar;
2- não têm reconhecida a união estável;
3- não adotam sobrenome do parceiro;
4- não podem somar renda para aprovar financiamentos;
5- não somam renda para alugar imóvel;
6- não inscrevem parceiro como dependente de servidor público (admissível
em diversos níveis da Administração);
7- não podem incluir parceiros como dependentes no plano de saúde;
8- não participam de programas do Estado vinculados à família;
60

9- não inscrevem parceiros como dependentes da previdência (atualmente


aceito pelo INSS);
10- não podem acompanhar o parceiro servidor público transferido (admissível
em diversos níveis da Administração);
11- não têm a impenhorabilidade do imóvel em que o casal reside;
12- não têm garantia de pensão alimentícia em caso de separação (posição
controversa no Judiciário, havendo diversos casos de concessão);
13- não têm garantia à metade dos bens em caso de separação (quanto aos
bens adquiridos onerosamente, têm direitos pois constituiam sociedade de fato.
Contudo, não há que se falar em meação de bens);
14- não podem assumir a guarda do filho do cônjuge;
15- não adotam filhos em conjunto;
16- não podem adotar o filho do parceiro;
17- não têm licença-maternidade para nascimento de filho da parceira;
18- não têm licença maternidade/ paternidade se o parceiro adota filho;
19- não recebem abono-família;
20- não têm licença-luto, para faltar ao trabalho na morte do parceiro;
21- não recebem auxílio-funeral;
22- não podem ser inventariantes do parceiro falecido;
23- não têm direito à herança (precisam de previsão testamentária, mas quanto
aos bens adquiridos onerosamente durante a convivência, há sociedade de
fato, recebendo o sobrevivente a sua parte);
24- não têm garantida a permanência no lar quando o parceiro morre;
25- não têm usufruto dos bens do parceiro (precisam de previsão
testamentária);
26- não podem alegar dano moral se o parceiro for vítima de um crime;
27- não têm direito à visita íntima na prisão (visitas autorizadas por grande
parte do Judiciário);
28- não acompanham a parceira no parto;
29- não podem autorizar cirurgia de risco;
30- não podem ser curadores do parceiro declarado judicialmente incapaz
(grande parte do Judiciário admite o exercício da curatela pelo parceiro, mas
não é possível que este promova a interdição);
31- não podem declarar parceiro como dependente do Imposto de Renda (IR);
61

32- não fazem declaração conjunta do IR;


33- não abatem do IR gastos médicos e educacionais do parceiro;
34- não podem deduzir no IR o imposto pago em nome do parceiro;
35- não dividem no IR os rendimentos recebidos em comum pelos parceiros;
36- não são reconhecidos como entidade familiar, mas sim como sócios;
37- não têm suas ações legais julgadas pelas varas de família.

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