A busca pelo acolhimento através da paternidade/ maternidade é, sem
dúvida, um dos mais difíceis papéis que o ser humano tem a desempenhar. Exige maturidade, envolve desejos inconscientes e é revestida de profunda expectativa social, o que o torna uma tarefa ainda mais complexa. Quando consideramos as expectativas sociais, os desejos conscientes e inconscientes e as possibilidades individuais de vivência da função parental percebemos que há sempre uma conotação idealizada no modo como a mesma é sentida, independentemente do tipo de paternidade/maternidade: biológica ou afetiva. Em nossa cultura, a paternidade/maternidade tem significados diferentes quando são disseminados pela cultura para homens e mulheres. Do homem é socialmente esperado que mostre sua virilidade através da concepção de filhos naturais e autoridade sobre a família; da mulher se espera abnegação e amor incondicional na tarefa de ser mãe, com ênfase na sua moralidade; da criança, a obediência e a dependência. A maternidade/paternidade inaugura a maturidade aos pais, facilitando sua entrada ao mundo adulto e nas redes que compõe a sociedade. A motivação interna é que nos arrasta para a maternidade/paternidade. Esse desejo demonstra que ter filhos é uma função mais ampla, o que reflete nosso desejo de imortalidade. Consciente e inconscientemente, os elementos afetivos e cognitivos que irão constituir a maneira como o indivíduo vai assumir a função parental vão, ao longo da vida, integrando e alternando o modo como o exercício da paternidade/maternidade irá consolidar-se em diferentes fases do ciclo de vida. O tornar-se pai/mãe é um processo que vai muito além de determinações biológicas. Nesse sentido, tanto a paternidade biológica como a paternidade pela adoção tem as mesmas possibilidades e as mesmas dificuldades para se consolidarem. Os pais projetam nos filhos seu ideal de ego e esses são receptores das fantasias de imortalidade. Também para os pais a adoção ainda é algo complicado porque, fundamentalmente, coloca em xeque a potência paterna e materna. Tanto na literatura como em relatos1 e depoimentos pessoais, aparece de forma marcante o medo mais comum dos pais adotivos: perder sua criança. É como se eles sentissem continuamente que a sua relação corre perigo. Portanto, deixam para “mais tarde” falar sobre sua condição de adotada. Tal atitude, segundo estudiosos do tema, pode acarretar sentimentos de rejeição na criança de sua vida anterior e consequentemente de sua vinda. Da mesma forma que pais biológicos contam as histórias a seus filhos sobre o seu nascimento, a escolha do nome etc., geralmente após um interrogatório inicial da criança, a adotiva também vasculhará informações sobre o percurso dos seus pais atuais em sua busca e para muitas delas, os motivos de seu abandono. No entanto, por mais estranho que possa parecer, já presenciamos casos em que a curiosidade frente à origem e ao conhecimento dos progenitores é aliviada como num passe de mágica, quando os pais adotivos permitem a busca. Parece-nos que a curiosidade é sentida pela família como deslealdade, traição, abandono dos filhos aos pais e traz à tona a ferida narcísica do abandono, quando o caso é de esterilidade. Freqüentemente, as pessoas expressam seu medo de que as coisas dolorosas do passado necessariamente se repetirão. Na verdade, quanto mais conscientes estes medos são, menor a possibilidade de repetição compulsiva. Outra questão refere-se às fantasias em que o laço sangüíneo é * Formada em Psicologia pela UNESP – Assis (SP) e Mestre em Psicologia pela mesma instituição, atua em consultório e na casa-abrigo Lar de Amparo à Criança Filhos de Deus e consultório. É professora e coordenadora do Curso de Pedagogia da Fasert/Anhanguera Educacional. 1 Estes relatos foram coletados na pesquisa “Segredos na Adoção: estudo exploratório sobre o processo de revelação em famílias com filhos adotivos”. (FAPESP). determinante do tipo de relacionamento que irá se desenvolver entre pais e filhos. O que ainda vemos nas famílias adotivas é a preocupação dos pais e filhos em encontrarem marcas corporais semelhantes para mascararem a adoção e a não consangüinidade. Percebemos que as atitudes, gestos e falas dos pais adotivos estão marcados por intensas preocupações e receios pela filiação adotiva. Encontramos sentimentos atravessados por crenças antigas, como por exemplo, a de que a ligação genética ameniza a não ocorrência de conflitos entre pais e filhos; de que o segredo sobre a adoção assegura que a criança permanecerá emocionalmente bem; de que na falta de semelhanças físicas a adoção seja relembrada em muitos momentos e, sendo assim, não é esquecida, tornando-se um entrave para o relacionamento familiar. Assim, faz-se relevante procurarmos investigar o que se passa nessas situações para melhor compreendermos esses acontecimentos que acabam demarcando, muitas vezes de maneira confusa, os vínculos entre pais e filhos adotivos. Assim que os passos para uma adoção são completados, a partir do momento em que a criança foi entregue aos adotantes, os pais biológicos passam a ser os pais “ocultos”. Percebemos através de relatos de pais adotivos uma atitude ambígua frente à sociedade ao comentarem sobre os pais biológicos. Essa ambigüidade é demonstrada pela variedade de nomes que se lhes outorgam. São: “os primeiros”, “os de nascimento”, “os naturais”, “os biológicos”, “os reais”, “os verdadeiros”, “os de sangue”, “a outra mamãe”. Entre essas designações, algumas são particularmente ofensivas para os pais adotantes, tais como “os verdadeiros pais” ou os “pais naturais”, essa última porque implica considerar os adotantes como “não naturais”. Desse modo, essa omissão dos pais biológicos por parte dos adotantes contribui para que a adoção se torne um segredo na família e um problema para ser enfrentado.