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ESCOLHIDOS
Cláudio Manoel da Costa — POEMAS ESCOLHIDOS
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Compilado por
Roberto B. Cappelletti
Setembro, 2005
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Índice
SONETOS .......................................................................4
EPICÉDIO À MORTE DE SALÍCIO ................................18
FÁBULA DO RIBEIRÃO DO CARMO ...........................20
EULINA .........................................................................20
Cláudio Manoel da Costa — POEMAS ESCOLHIDOS
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III
Para cantar de amor tenros cuidados, Sou pastor; não te nego; os meus montados
Tomo entre vós, ó montes, o instrumento; São esses, que aí vês; vivo contente
Ouvi pois o meu fúnebre lamento; Ao trazer entre a relva florescente
Se é, que de compaixão sois animados: A doce companhia dos meus gados;
Já vós vistes, que aos ecos magoados Ali me ouvem os troncos namorados,
Do trácio Orfeu parava o mesmo vento; Em que se transformou a antiga gente;
Da lira de Anfião ao doce acento Qualquer deles o seu estrago sente;
Se viram os rochedos abalados. Como eu sinto também os meus cuidados.
Bem sei, que de outros gênios o Destino, Vós, ó troncos, (lhes digo) que algum dia
Para cingir de Apolo a verde rama, Firmes vos contemplastes, e seguros
Lhes influiu na lira estro divino: Nos braços de uma bela companhia;
O canto, pois, que a minha voz derrama, Consolai-vos comigo, ó troncos duros;
Porque ao menos o entoa um peregrino, Que eu alegre algum tempo assim me via;
Se faz digno entre vós também de fama. E hoje os tratos de Amor choro perjuros.
II V
Não vês nas tuas margens o sombrio, Nem por isso trocara o abrigo terno
Fresco assento de um álamo copado; Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Não vês ninfa cantar, pastar o gado Dessa grande fortuna: assaz presentes
Na tarde clara do calmoso estio. Tenho as paixões desse tormento eterno.
Que de seus raios o planeta louro Seja embora prazer; que a meu ouvido
Enriquecendo o influxo em tuas veias, Soa melhor a voz do desengano,
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro. Que da torpe lisonja o infame ruído.
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VI IX
Recebei (eu vos peço) um desgraçado, Um obséquio, que foi de amor rendido,
Que andou té agora por incerto giro Bem pode ser, pastora, desprezado;
Correndo sempre atrás do seu cuidado: Mas nunca se verá desvanecido:
Este pranto, estes ais, com que respiro, Sim, que para lisonja do cuidado,
Podendo comover o vosso agrado, Testemunhas serão de meu gemido
Cláudio Manoel da Costa — POEMAS ESCOLHIDOS
Façam digno de vós o meu suspiro. Este monte, este vale, aquele prado.
VII X
Onde estou? Este sítio desconheço: Eu ponho esta sanfona, tu, Palemo,
Quem fez tão diferente aquele prado? Porás a ovelha branca, e o cajado;
Tudo outra natureza tem tomado; E ambos ao som da flauta magoado
E em contemplá-lo tímido esmoreço. Podemos competir de extremo a extremo.
Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço Principia, pastor; que eu te não temo;
De estar a ela um dia reclinado: Inda que sejas tão avantajado
Ali em vale um monte está mudado: No cântico amebeu: para louvado
Quanto pode dos anos o progresso! Escolhamos embora o velho Alcemo.
Eu me engano: a região esta não era: Parece, que estes prados, e estas fontes
Mas que venho a estranhar, se estão presentes Já sabem, que é o assunto da porfia
Meus males, com que tudo degenera! Nise, a melhor pastora destes montes.
VIII XI
Oh quão lembrado estou de haver subido Tanto os seus lindos olhos enamoram,
Aquele monte, e as vezes, que baixando Que arrebatados, como em doce encanto,
Deixei do pranto o vale umedecido! Os que a chegam a ver, todos a adoram.
Nesta ardente estação, de fino amante Eu, o mísero Alfeu, que em meu destino
Dando mostras Daliso, atravessava Lamento as sem-razões da desventura,
O campo todo em busca de Violante. A seguir-vos também hoje me inclino:
Seu descuido em seu fogo desculpava; Medi meu rosto: ouvi minha ternura;
Que mal feria o sol tão penetrante, Porque o aspecto, e voz de um peregrino
Onde maior incêndio a alma abrasava. Sempre faz novidade na espessura.
XIII XVI
Nise? Nise? onde estás? Aonde espera Toda a mortal fadiga adormecia
Achar-te uma alma, que por ti suspira, No silêncio, que a noite convidava;
Se quanto a vista se dilata, e gira, Nada o sono suavíssimo alterava
Tanto mais de encontrar-te desespera! Na muda confusão da sombra fria:
Ah se ao menos teu nome ouvir pudera Só Fido, que de amor por Lise ardia,
Entre esta aura suave, que respira! No sossego maior não repousava;
Nise, cuido, que diz; mas é mentira. Sentindo o mal, com lágrimas culpava
Nise, cuidei que ouvia; e tal não era. A sorte; porque dela se partia.
Grutas, troncos, penhascos da espessura, Vê Fido, que o seu bem lhe nega a sorte;
Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde, Querer enternecê-la é inútil arte;
Mostrai, mostrai-me a sua formosura. Fazer o que ela quer, é rigor forte:
XIV XVII
Quem deixa o trato pastoril amado Deixa, que por um pouco aquele monte
Pela ingrata, civil correspondência, Escute a glória, que a meu peito assiste:
Ou desconhece o rosto da violência, Porque nem sempre lastimoso, e triste
Ou do retiro a paz não tem provado. Hei de chorar à margem desta fonte.
Que bem é ver nos campos transladado Agora, que nem sombra há no horizonte,
No gênio do pastor, o da inocência! Nem o álamo ao zéfiro resiste,
E que mal é no trato, e na aparência Aquela hora ditosa, em que me viste
Ver sempre o cortesão dissimulado! Na posse de meu bem, deixa, que conte.
Ali respira amor sinceridade; Mas que modo, que acento, que harmonia
Aqui sempre a traição seu rosto encobre; Bastante pode ser, gentil pastora,
Um só trata a mentira, outro a verdade. Para explicar afetos de alegria!
Ali não há fortuna, que soçobre; Que hei de dizer, se esta alma, que te adora,
Aqui quanto se observa, é variedade: Só costumada às vozes da agonia,
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre! A frase do prazer ainda ignora!
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XVIII XXI
Aquela cinta azul, que o céu estende De um ramo desta faia pendurado
À nossa mão esquerda, aquele grito, Veja o instrumento estar do pastor Fido;
Com que está toda a noite o corvo aflito Daquele, que entre os mais era aplaudido,
Dizendo um não sei quê, que não se entende; Se alguma vez nas selvas escutado.
Ah! queira Deus, que minta a sorte irada: Lembra-te, caminhante, da ternura
Mas de tão triste agouro cuidadoso De seu canto suave; e uma saudade
Cláudio Manoel da Costa — POEMAS ESCOLHIDOS
XIX XXII
Corino, vai buscar aquela ovelha, Neste álamo sombrio, aonde a escura
Que grita lá no campo, e dormiu fora; Noite produz a imagem do segredo;
Anda; acorda, pastor; que sai a Aurora: Em que apenas distingue o próprio medo
Como vem tão risonha, e tão vermelha! Do feio assombro a hórrida figura;
Já perdi noutro tempo uma parelha Aqui, onde não geme, nem murmura
Por teu respeito; queira Deus, que agora Zéfiro brando em fúnebre arvoredo,
Não se me vá também estoutra embora; Sentado sobre o tosco de um penedo
Pois não queres ouvir, quem te aconselha. Chorava Fido a sua desventura.
XX XXIII
Ouço o rumor que faz desaforado Aqui me manda estar nesta espessura,
O lobo nos redis; ouço o sucesso Ouvindo a triste voz da filomena,
Da ovelha, do pastor; e desconheço E bem que este martírio hoje me ordena,
Não menos, do que ao dono, o mesmo gado: Jamais espero ter melhor ventura.
Da fonte dos meus olhos nunca enxuta Veio a dar-me somente uma esperança
A corrente fatal, fico indeciso, Nova idéia do ódio; pois sabia,
Ao ver, quanto em meu dano se executa. Que o rigor não me assusta, nem me cansa:
Um pouco apenas meu pesar suavizo, Vendo a tanto crescer minha porfia,
Quando nas serras o meu mal se escuta; Quis mudar de tormento; e por vingança
Que triste alívio! ah infeliz Daliso! Foi buscar no favor a tirania.
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XXIV XXVII
Assim na agitação de meu cuidado Nem aquele sem termo passa avante
De um contínuo delírio esta alma presa, Na longa, duvidosa e incerta via;
Quando é tudo rigor, tudo aspereza, Nem este atravessando a região fria
Me finjo no prazer de um doce estado. Vai levando sem rumo o curso errante:
Que importa pois, que a idéia alívios cobre, Eu só, tendo de penas a alma cheia,
Se apesar desta ingrata aleivosia, Não tenho, que esperar; que o meu cuidado
Quanto mais rico estou, estou mais pobre. Faz, que gire sem norte a minha idéia.
XXV XXVIII
Outro as flores, e frutos, que te envia, Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo,
Corte nos montes, corte nas florestas; E por força da idéia me converto
Que eu rendo as mágoas, que por ti sentia: Na bela causa de meu fogo ativo;
Mas entre flores, frutos, peles, testas, Como nas tristes lágrimas, que verto,
Para adornar o altar da tirania, Ao querer contrastar seu gênio esquivo,
Que outra vítima queres mais, do que estas? Tão longe dela estou, e estou tão perto.
XXVI XXIX
Não vês, Nise, este vento desabrido, Ai Nise amada! se este meu tormento,
Que arranca os duros troncos? Não vês esta, Se estes meus sentidíssimos gemidos
Que vem cobrindo o céu, sombra funesta, Lá no teu peito, lá nos teus ouvidos
Entre o horror de um relâmpago incendido? Achar pudessem brando acolhimento;
Não vês a cada instante o ar partido Como alegre em servir-te, como atento
Dessas linhas de fogo? Tudo cresta, Meus votos tributara agradecidos!
Tudo consome, tudo arrasa, e infesta, Por séculos de males bem sofridos
O raio a cada instante despedido. Trocara todo o meu contentamento.
Ah! não temas o estrago, que ameaça Mas se na incontrastável, pedra dura
A tormenta fatal; que o Céu destina De teu rigor não há correspondência,
Vejas mais feia, mais cruel desgraça: Para os doces afetos de ternura;
Rasga o meu peito, já que és tão ferina; Cesse de meus suspiros a veemência;
Verás a tempestade, que em mim passa; Que é fazer mais soberba a formosura
Conhecerás então, o que é ruína. Adorar o rigor da resistência.
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XXX XXXIII
Não se passa, meu bem, na noite, e dia Aqui sobre esta pedra, áspera, e dura,
Uma hora só, que a mísera lembrança Teu nome hei de estampar, ó Francelisa,
Te não tenha presente na mudança, A ver, se o bruto mármore eterniza
Que fez, para meu mal, minha alegria. A tua, mais que ingrata, formosura.
Tirano foi comigo o fado ingrato; Teu rosto aqui se mostra; eu não duvido,
Que crendo, em te roubar, pouca vitória, Acuses meu delírio, quando trato
Me deixou para sempre o teu retrato: De deixar nesta pedra o vulto erguido;
XXXI XXXIV
Estes os olhos são da minha amada: Que feliz fora o mundo, se perdida
Que belos, que gentis, e que formosos! A lembrança de amor, de amor a glória,
Não são para os mortais tão preciosos Igualmente dos gostos a memória
Os doces frutos da estação dourada. Ficasse para sempre consumida!
Por eles a alegria derramada, Mas a pena mais triste, e mais crescida
Tornam-se os campos de prazer gostosos; É ver, que em nenhum tempo é transitória
Em zéfiros suaves, e mimosos Esta de amor fantástica vitória,
Toda esta região se vê banhada; Que sempre na lembrança é repetida.
Vinde, olhos belos, vinde; e enfim trazendo Amantes, os que ardeis nesse cuidado,
Do rosto de meu bem as prendas belas, Fugi de amor ao venenoso intento,
Dai alívios ao mal, que estou gemendo: Que lá para o depois vos tem guardado.
Mas ah delírio meu, que me atropelas! Não vos engane o infiel contentamento;
Os olhos, que eu cuidei, que estava vendo, Que esse presente bem, quando passado,
Eram (quem crera tal!) duas estrelas. Sobrará para idéia do tormento.
XXXII XXXV
Aquele mesmo bem, que me consente, Por mais, que gire o espírito cansado
Talvez propício, meu tirano fado, Atrás de algum prazer, por mais em suma,
Esse mesmo me diz, que o meu estado Que porfie, trabalhe, e se consuma,
Se há de mudar em outro diferente. Mudança não verá do triste estado.
Leve pois a fortuna os seus favores; Não basta algum valor, arte, ou engenho
Eu os desprezo já; porque é loucura A suspender o ardor, com que se move
Comprar a tanto preço as minhas dores: A infausta roda do fatal despenho:
Se quer, que me não queixe, a sorte escura, E bem que o peito humano as forças prove,
Ou saiba ser mais firme nos rigores, Que há de fazer o temerário empenho,
Ou saiba ser constante na brandura. Onde o raio é do Céu, a mão de Jove.
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XXXVI XXXIX
Estes braços, Amor, com quanta glória Breves horas, Amor, há, que eu gozava
Foram trono feliz na formosura! A glória, que minha alma apetecia;
Mas este coração com que ternura E sem desconfiar da aleivosia,
Hoje chora infeliz esta memória! Teu lisonjeiro obséquio acreditava.
Mas que empreendo, se ao passo, que constante Que ligeira acabou, que mal segura!
Vou a romper a fé do meu segredo, Mas que venho a estranhar, se estava posta
Não há, quem acredite um delirante! Minha esperança em mãos da formosura!
XXXVII XL
Que me pode fazer a sorte dura, Triste! A quanto chegou meu duro fado!
Se para não sentir seu golpe incerto, Se de um fingido bem não faço apreço,
Tudo o que foi paixão, é já loucura! Que alívio posso dar a meu cuidado!
XXXVIII XLI
Aonde a dita está? aonde o gosto? Mas se fugir não pude ao golpe ativo,
Onde o contentamento? onde a alegria, Buscando por meu gosto tanto estrago,
Que fecundava esse teu lindo rosto? Por que te encontro, Amor, tão vingativo?
Tudo deixei, ó Nise, aquele dia, Se um tal despojo a teus altares trago,
Em que deixando tudo, o meu desgosto Siga a quem te despreza, o raio esquivo;
Somente me seguiu por companhia. Alente a quem te busca, o doce afago.
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XLII XLV
Lise presente vi, Lise, que um dia Por entre a sombra fúnebre, e distante
Todo o meu pensamento arrebatava, Rompe o vulto do alívio malformado;
Lise, que na minha alma impressa estava, Ora mais claramente debuxado,
Bem apesar da sua tirania. Ora mais frágil, ora mais constante.
A crê pelo costume o pensamento. Nem a glória tão pouco está segura.
XLIII XLVI
Quem és tu? (ai de mim!) eu reclinado Não vês, Lise, brincar esse menino
No seio de uma víbora! Ah tirana! Com aquela avezinha? Estende o braço;
Como entre as garras de uma tigre hircana Deixa-a fugir; mas apertando o laço,
Me encontro de repente sufocado! A condena outra vez ao seu destino?
Não era essa, que eu tinha posta ao lado, Nessa mesma figura, eu imagino,
Da minha Nise a imagem soberana? Tens minha liberdade; pois ao passo,
Não era... mas que digo! ela me engana: Que cuido, que estou livre do embaraço,
Sim, que eu a vejo ainda no mesmo estado: Então me prende mais meu desatino.
Foi sonho; foi quimera; a um peito amante Mas fora menos mal esta ânsia minha,
Amor não deu favores um só dia, Se me faltasse a mim o entendimento,
Que a sombra de um tormento os não quebrante. Como falta a razão a esta avezinha.
XLIV XLVII
Há quem ponha inda cego a confiança Não vi; nem hei de ver mais semelhante
Em teu fingido obséquio, que tomando Retrato dessa ingrata, a que o gemido
Lições de desengano, não vá dando Jamais pode fazer, que enternecido
Pelo mundo certeza da mudança! Seu peito atenda às queixas de um amante.
Há quem creia, que pode haver firmeza Tal és, ingrata Nise: a rebeldia,
Em peito feminil, quem advertido Que vês nesse penhasco, essa dureza
Os cultos não profane da beleza! Há de ceder aos golpes algum dia:
XLIX LII
Em vão se esforça o harmonioso acento Foi grande a dita sim; porém lembrada,
Da sereia, que habita o golfo errante; Inda a pena é maior de a haver perdido;
Que resistindo o espírito constante, Quem não fora feliz, se o haver sido
Vence as lisonjas do enganoso intento. Faz, que seja a paixão mais avultada!
Que vem buscar comigo a néscia empresa, Mas que em vão esta dor me desespera,
Se inda mais, do que Ulisses atrevido, Se já entorpecida a enfermidade,
Sei vencer os encantos da beleza! Inda agora o remédio se pondera!
L LIII
Tristes lembranças! e que em vão componho Que te fiz eu, pastor? em que condenas
A memória da vossa sombra escura! Minha sincera fé, meu amor puro?
Que néscio em vós a ponderar me ponho! As provas, que te dei, serão pequenas?
Ide-vos; que em tão mísera loucura Queres ver, que esse monte áspero, e duro
Todo o passado bem tenho por sonho; Sabe, que és causa tu das minhas penas?
Só é certa a presente desventura. Pergunta-lhe; ouvirás, o que te juro.
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LIV LVII
Ficai-vos; e sabei, que o pensamento Não julgues, que me alento com trazer-te
Vai tão livre de vós, que da saudade Sempre viva na idéia; que a vingança
Não receia abrasar-se no tormento. De minha sorte todo o bem perverte.
Sim; que solta dos laços a vontade, Que alívio em te lembrar minha alma alcança,
Pelo rio hei de ter do esquecimento Se do mesmo tormento de não ver-te,
Cláudio Manoel da Costa — POEMAS ESCOLHIDOS
LV LVIII
Que diferente tudo está notando! Que alegre, que mimoso, que brilhante
Que perplexo as imagens do perdido Ele se me afigura! Ah qual efeito
Num e noutro despojo vem achando! Em minha alma se sente neste instante!
Este não é o templo (eu o duvido) Mas ai! a que delírios me sujeito!
Assim o afirma, assim o está mostrando: Se quando no Sol vejo o seu semblante,
Ou morreu Nise, ou este não é Fido. Em vós descubro ó penhas o seu peito?
LVI LIX
Tu, ninfa, quando eu menos penetrado Lembrado estou, ó penhas, que algum dia,
Das violências de Amor vivia isento, Na muda solidão deste arvoredo,
Propondo-te então bela a meu tormento, Comuniquei convosco o meu segredo,
Foste doce ocasião de meu cuidado. E apenas brando o zéfiro me ouvia.
Roubaste o meu sossego, um doce agrado, Com lágrimas meu peito enternecia
Um gesto lindo, um brando acolhimento A dureza fatal deste rochedo,
Foram somente o único instrumento, E sobre ele uma tarde triste, e quedo
Com que deixaste o triunfo assegurado. A causa de meu mal eu escrevia.
Em prêmio dos suspiros, que te envio, Que vejo! esta é a cifra: triste glória!
Ou modera o rigor da crueldade, Para ser mais cruel a desventura,
Ou torna-me outra vez meu alvedrio. Se fará imortal a minha história.
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LX LXIII
LXI LXIV
Ora eu te mostrarei inda algum dia, Não pode ser, que o giro luminoso
Em que está teu engano: a novidade, Tanto tempo detenha: se persiste
Que agora te direi, é, que a cidade Acaso o meu delírio! se me assiste
Por melhor, do que todas a avalia. Ainda aquele humor tão venenoso!
Há pouco, que encontrei lá junto ao monte Aquela porta ali se está cerrando;
Dous pastores, que estavam conversando, Dela sai um pastor: outro assobia,
Quando passaram ambas para a fonte; E o gado para o monte vai chamando.
Nem falaram em Brites: mas tomando Ora não há mais louca fantasia!
Para um cedro, que fica bem defronte, Mas quem anda, como eu, assim penando,
O nome de Maria vão gravando. Não sabe, quando é noite, ou quando é dia.
LXII LXV
Aqui estou entre Almendro, entre Corino, Que achaste no seu rosto de sereno,
Os meus fiéis, meus doces companheiros, De belo, ou de gentil, para inumana
Vendo correr os míseros vaqueiros Trocares pela dele esta choupana,
Atrás de seu cansado desatino. Em que tinhas o abrigo mais ameno?
Se o bem desta choupana pode tanto, Que canto em teu louvor entoaria?
Que chega a ter mais preço, e mais valia, Que te podia dar o pastor pobre?
Que da cidade o lisonjeiro encanto; Que extremos, mais do que eu, por ti faria?
Que consagres à minha sepultura. Triste remédio a quem não pode amar-te!
LXVII LXX
Não te cases com Gil, bela serrana; Breves horas, que em rápida porfia
Que é um vil, um infame, um desastrado; Ides seguindo infausto movimento,
Bem que ele tenha mais devesa, e gado, Oh como o vosso curso foi violento,
A minha condição é mais humana. Quando soubestes, que eu vos possuía!
Que mais te pode dar sua cabana, Já crédito vos dava; porque via
Que eu aqui te não tenha aparelhado? Avultar meu feliz contentamento:
O leite, a fruta, o queijo, o mel dourado; Que é mui fácil num triste estar atento
Tudo aqui acharás nesta choupana: Aos enganos, que pinta a fantasia.
Bem que ele tange o seu rabil grosseiro, Logrou-se o vosso fim; que foi levar-me
Bem que te louve assim, bem que te adore, Da falsa glória, do fingido gosto
Eu sou mais extremoso, e verdadeiro. Ao cume, donde venho a despenhar-me:
Eu tenho mais razão, que te enamore: Assim a lei do fado tem disposto,
E se não, diga o mesmo Gil vaqueiro: Que haja o instantâneo bem de lisonjear-me;
Se é mais, que ele te cante, ou que eu te chore. Por que o estrago, me diga, que é suposto.
LXVIII LXXI
Por que (diz) esta sorte, que se alcança Ninguém de amor se fie: agora canto
Entre a sombra, e a luz, não sinto agora Somente os seus enganos; porque sinto,
No mal, que me atormenta, e que me cansa? Que me tem destinado estrago tanto.
Que alegre, que suave, que sonora, Eu o primeiro fui, fui o primeiro,
Aquela fontezinha aqui murmura! Que nos braços da ninfa mais constante
E nestes campos cheios de verdura Pude ver da fortuna a face errante
Que avultado o prazer tanto melhora! Jazer por glória de um triunfo inteiro.
LXXIII LXXVI
Quem se fia de Amor, quem se assegura Enfim te hei de deixar, doce corrente
Na fantástica fé de uma beleza, Do claro, do suavíssimo Mondego;
Mostra bem, que não sabe, o que é firmeza, Hei de deixar-te enfim; e um novo pego
Que protesta de amante a formosura. Formará de meu pranto a cópia ardente.
Deste, ó Fábio, que vês, desordenado, Das ninfas, que na fresca, amena estância
Ingrato proceder se é que examinas Das tuas margens úmidas ouvia,
A razão, eu a tenho decifrado: Eu terei sempre n’alma a consonância;
São as setas de Amor tão peregrinas, Desde o prazo funesto deste dia
Que esconde no gentil o golpe irado; Serão fiscais eternos da minha ânsia
Para lograr pacífico as ruínas. As memórias da tua companhia.
LXXIV LXXVII
Mudou-se aquele bem; hoje é delito Mas que muito, se mostra a experiência,
Lembrar-me de Marfisa; era mui leve: Que da amizade a torre mais segura
Não há mais, que atender; tudo está dito. Tem a base maior na dependência!
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LXXVIII LXXXI
Campos, que ao respirar meu triste peito Junto desta corrente contemplando
Murcha, e seca tornais vossa verdura, Na triste falta estou de um bem que adoro;
Não vos assuste a pálida figura, Aqui entre estas lágrimas, que choro,
Com que o meu rosto vedes tão desfeito. Vou a minha saudade alimentando.
Vós me vistes um dia o doce efeito Do fundo para ouvir-me vem chegando
Cantar do Deus de Amor, e da ventura; Das claras hamadríades o coro;
Isso já se acabou; nada já dura; E desta fonte ao murmurar sonoro,
Que tudo à vil desgraça está sujeito. Parece, que o meu mal estão chorando.
Tudo se muda enfim: nada há, que seja Mas que peito há de haver tão desabrido,
De tão nobre, tão firme segurança, Que fuja à minha dor! que serra, ou monte
Que não encontre o fado, o tempo, a inveja. Deixará de abalar-se a meu gemido!
Esta ordem natural a tudo alcança; Igual caso não temo, que se conte;
E se alguém um prodígio ver deseja, Se até deste penhasco endurecido
Cláudio Manoel da Costa — POEMAS ESCOLHIDOS
Veja meu mal, que só não tem mudança. O meu pranto brotar fez uma fonte.
LXXIX LXXXII
Entre este álamo, ó Lise, e essa corrente, Piedosos troncos, que a meu terno pranto
Que agora estão meus olhos contemplando, Comovidos estais, uma inimiga
Parece, que hoje o céu me vem pintando É quem fere o meu peito, é quem me obriga
A mágoa triste, que meu peito sente. A tanto suspirar, a gemer tanto.
Quem não sabe, que a tua formosura Se tanto a minha dor a elevar chego,
Sempre móvel está, sempre inconstante, Em fé de um peito, que tão fino adora,
Nunca fixa se viu, nunca segura? Ao meu silêncio o meu martírio entrego.
LXXX LXXXIII
Aquele mesmo objeto, que desvia Esta a virtude, a glória, o esforço, o brio
Do humano peito as mágoas inclementes, Do Russiano Herói, esta a grandeza,
Esse mesmo em imagens diferentes Que igualou de Alexandre a fortaleza,
Toda a minha tristeza desafia. Que venceu as desgraças de Dario:
Como, ó Céus, para os ver terei constância, Lá vive, onde no ferro não se acende;
Se cada flor me lembra a formosura Vive na paz dos povos, na brandura:
Da bela causadora de minha ânsia? Vós a ensinais, ó Rei; em vós se aprende.
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LXXXIV
EPICÉDIO À MORTE DE SALÍCIO
Destes penhascos fez a natureza Espírito imortal, tu que rasgando
O berço, em que nasci! oh quem cuidara, Essa esfera de luzes, vais pisando
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza! Do fresco Elísio a região bendita,
Se nesses campos, onde a glória habita,
Amor, que vence os tigres, por empresa
Tomou logo render-me; ele declara Centro do gosto, do prazer estância,
Contra o meu coração guerra tão rara, Entrada se permite à mortal ânsia
Que não me foi bastante a fortaleza.
De uma dor, de um suspiro descontente,
Por mais que eu mesmo conhecesse o dano, Se lá relíquia alguma se consente
A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano: Desta cansada, humana desventura,
Não te ofendas, que a vítima tão pura,
Vós, que ostentais a condição mais dura,
Temei, penhas, temei; que Amor tirano, Que em meus ternos soluços te ofereço,
Onde há mais resistência, mais se apura. Busque seguir-te, por lograr o preço
Lágrimas tristes são, mágoas, e pranto, Inda que estejas de esplendor cercada,
Tudo o que entoa o músico instrumento; Alma feliz, na lúcida morada,
Mas se o favor me dais, ao mundo atento
Em assunto maior farei espanto. Que na pompa dos raios luminosa
Pises aquela esfera venturosa,
Se em campos não pisados algum dia
Entra a ninfa, o pastor, a ovelha, o touro, Que a teu merecimento o Céu destina;
Efeitos são da vossa melodia; Nada impede, que a chama peregrina
Que muito, ó musas, pois, que em fausto agouro De uma saudade aflita, e descontente,
Cresçam do pátrio rio à margem fria Te assista acompanhando juntamente.
A imarcescível hera, o verde louro!
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Antes razão será, que debuxada Cá viverá comigo a minha pena,
Em meu tormento aquela flor prostrada, Penhor inextinguível, que me ordena
Chegar só pode o lastimoso rosto Tão pérfida, tão ímpia a força sua,
Deste meu triste, fúnebre desgosto, Que maltratar pudesse a idade tua,
Já não consinto, que seu vôo ardente Mas inda de frutíferos abonos,
A acompanhar-te suba diligente: Que antecipa a cultura dos outonos!
Antes no mesmo horror, na sombra escura Cinco lustros o Sol tinha dourado
Da minha inconsolável desventura (Breves lustros enfim, Salício amado),
Eu quero lastimar meu fado tanto, Quando o fio dos anos encolhendo,
Que sufocado em urnas de meu pranto, Foi Átropos a teia desfazendo:
Que ignoram o rigor do frio inverno; De um triunfo, que levas tão precioso:
E que em brando concerto, em jogo alterno Desar é de teu braço indecoroso;
Gozam toda a suavíssima carreira Que inda que a fúria tua o tem roubado,
De uma sorte risonha, e lisonjeira. A nossa dor o guarda restaurado.
Ali, entre os favônios mais suaves, Vive entre nós ainda na memória,
A consonância ofenderei das aves, A que ele nos deixou, eterna glória;
Não entrarão, Salício: que não quero Prodígio foi no raro do talento,
Ser contigo tão bárbaro, e tão fero, Sobre todo o mortal merecimento;
Que um bem, em cuja posse estás ditoso, E prodígio também com ele agora
Triste magoe, infeste lastimoso. Se faz a mágoa, que o lastima e chora.
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A lutuosa vítima do pranto Fui da florente idade
Melhor, que o imarcescível amaranto, Pela cândida estrada
Os pés movendo com gentil vaidade;
Te cerca, ó alma grande, a urna triste; E a pompa imaginada
O nosso sentimento aqui te assiste, De toda a minha glória num só dia
Trocou de meu destino a aleivosia.
Em nênias entoando magoadas
Hinos saudosos, e canções pesadas. Pela floresta, e prado
Bem polido mancebo,
Quiséramos na campa, que te cobre, Girava em meu poder tão confiado,
Bem que o tormento ainda mais se dobre, Que até do mesmo Febo
Imaginava o trono peregrino
Gravar um epitáfio, que declare,
Quem o túmulo esconde; e bem que apare Ajoelhado aos pés do meu destino.
Não ficou tronco, ou penha,
Qualquer engenho a pena, em nada atina. Que não desse tributo
Vive outra vez: das cinzas da ruína A meu braço feliz; que já desdenha,
Despótico, absoluto,
Ressuscita, ó Salício; dita; escreve; As tenras flores, as mimosas plantas,
Seja o epitáfio teu: a cifra breve Em rendimentos mil, em glórias tantas.
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Por mais desgraça minha, Competir não pretendo
Dos tesouros preciosos Contigo, ó cristalino
Chegou notícia, que eu roubado tinha, Tejo, que mansamente vais correndo:
Aos homens ambiciosos; Meu ingrato destino
E crendo em mim riquezas tão estranhas, Me nega a prateada majestade,
Me estão rasgando as míseras entranhas. Que os muros banha da maior cidade.
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Frondoso Alcino
Primeiro se verá nascer o trigo Uma tão bela, tão mimosa idade.
No céu; dará primeiro a terra estrelas,
Que tenha esta lembrança algum perigo. Roubou-nos um pastor, que era o primeiro
Entre os nossos do monte; ele nos dava
Alcino As justas leis no campo, e no terreiro.
Os gados largos dias não pastaram; De mil virtudes suas nos deu prova;
E mugindo à maneira de sentidos, Sempre a bem dirigindo os nossos passos.
A pele sobre os ossos encostaram. Oh quanto esta lembrança a dor renova!
Aquele caro irmão, que tanto amavas, E contra quem, Frondoso, inda em tal hora
Aônio, digo, aquele, a quem devias Se armam as pragas tuas! Um delírio
Toda a felicidade, que gozavas, Só para extremo tal desculpa fora.
Hoje lamenta teus saudosos dias; Se Jove é quem nos manda este martírio,
Hoje chora comigo: eu lhe desejo Soframos o seu golpe: ao pastor belo
Alívio a tão cansadas agonias. Derramemos em cima o goivo, o lírio.
Palemo Palemo
Diga-o minha alma: porque nela tenho Ficai, belas ovelhas: assim seja
Impressa sempre a imagem de uma dita, Convosco mais propício o duro fado;
Em que firmava o gosto o desempenho. Que pastor mais feliz vos guie, e reja.
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Alicuto Marino
Deiopéia adorada, a luz do dia, Qual foge o grande monstro, que o mar cria,
Como funesta nasce a um desgraçado! Do arpão ferido, em sangue o mar banhando;
Quanto me foi suave a noite fria, Quando cuida, que escapa à morte fria,
Tanto o rosto da Aurora me é pesado: O alento pouco, e pouco vai deixando;
O silêncio da noite dirigia O destro pescador, que a presa fia
O sossego também de meu cuidado; Do agudo ferro, a linha então largando,
E apenas foge o horror da sombra escura, Quando de todo já exangue o sente,
Quando mais viva toco a desventura. O barco chega, e o colhe mais contente.
Marino Alicuto
Que importa, que em contínua sentinela Tal eu, doce inimiga, sem cautela
Eu ande os crespos mares descobrindo, Adorava a traição de um falso engano,
Se ingrata sempre a luz da minha estrela Que no teu rosto, ó sempre ingrata, e bela.
Me vai desses teus olhos dividindo! Soube dissimular Amor tirano;
O vento, que suave entesa a vela, Acreditando aquela indústria, aquela
A meu ligeiro barco a estrada abrindo, Mal escondida imagem de meu dano,
Solícito me guia a esta praia; Imaginei, que o que era aleivosia,
Onde sem ver-te o coração desmaia. De um fino, e puro coração nascia.
Alicuto Marino
Três dias há, que giro, amada minha, Não de outra sorte a bárbara destreza
Desesperado nesta mortal ânsia Dessa homicida mão, dessa alma ingrata,
De ver o prêmio, que guardado tinha Depois de assegurar minha firmeza,
A meu peito fiel tua inconstância. De mim se ausenta, e com rigor me mata:
Outra ventura, outra mercê convinha, Ah! quanto temo, ninfa, que a fereza
De tanto amor, à fatigada instância De tua condição, que assim me trata,
E quando o não mereça na verdade, Nestas ondas em penha convertida,
Quem há, que não te estranhe a falsidade! Pague o delito de roubar-me a vida!
Marino Alicuto
Abrasadas as ondas deste pego De que serve, que eu traga do mar fundo,
Tenho já com meus ais, com meus suspiros; A preço de fadiga tão pesada,
Ele me escuta; eu cada vez mais cego Esta, que em tal excesso estima o mundo,
Acuso a sem-razão de teus retiros. Rama, que fora d’água é encarnada?
De meus males ao passo, que o navego, De que serve; que lá do mais profundo
O peso sente, e se revolve em giros; Venha oferecer-te a pérola engraçada,
E até as brutas penhas mais pesadas Se encontro sem-razões, iras, rigores?
Estão de meu tormento magoadas. Se os teus desprezos sempre são maiores?
Alicuto Marino
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Alicuto
FILENO A ALGANO
Em pensamentos mil eu me desfaço, Depois, Algano amado,
Ao ver traição tão bárbara, e tão crua; Que por mais verde, e plácido terreno,
Rompo o vestido, o corpo despedaço, Deixaste o sítio ameno,
Quando me lembra a falsidade tua: Onde alegre pascia o manso gado,
Loucuras mil, mil desatinos faço, Tomou minha saudade
Sem pejo, e sem vergonha; em pele nua Triste posse no horror da soledade.
Corro esta praia, giro esta ribeira;
E ninguém há, que socorrer me queira. De todos os pastores
Foi mui sentida a tua ausência dura:
Marino Que o bem de uma ventura
Se se perde, inda os mesmos moradores
Mas que é isto, Alicuto? O nosso canto Da choça, que os abriga,
Quase que vai passando a impaciência. Sabem sentir: oh quanto a dor obriga!
Mal haja o ter amor, que pode tanto. Talvez mais lisonjeia
Esta no meu pesar néscia jactância;
Alicuto Por ser minha ignorância
Alimento, em que a mágoa mais se ateia:
Mal haja o conhecer uma inclemência. Que a ser mais entendido,
Não fora o meu tormento tão crescido.
Marino
Não somente o efeito
Que intentar-lhe fugir é desatino. De tão ingrato mal em nós sentimos;
Mas, se bem advertimos,
Alicuto Tudo ao grande pesar ficou sujeito:
Que fez a ausência tua
Que assim o sinto eu, e tu, Marino. A saudade em nós razão comua.
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Ah meu Algano caro, Eu espero, que a memória
Doce consolação do campo ameno! O conserve nestas águas,
O teu triste Fileno Por padrão dos desenganos,
Busca debalde alívio: que o reparo Por triunfo de uma ingrata.
Da saudade está posto
Na imagem só de teu alegre rosto: E na frondosa ribeira
Deste rio, triste a alma
Não só o seu alento, Girará sempre avisando,
Porém inda dos campos a alegria, Quem lhe soube ser tão falsa.
A clara luz do dia,
Das aves o canoro, e doce acento,
E quanto tem mudado ANTANDRA
Da tua ausência o desumano estado. Pastora do branco arminho,
Não me sejas tão ingrata:
Apressa, apressa o passo, Que quem veste de inocente,
Com que hoje alegras as regiões do Tejo; Não se emprega em matar almas.
Rompe já o embaraço,
Que se interpõe à vista do desejo: Deixa o gado, que conduzes;
E possa alegre ver-te, Não o guies à montanha:
Algano meu, quem sabe merecer-te. Porque em poder de uma fera,
Não pode haver segurança.
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E depois que esmorecidos
Da dor os olhos, na imensa ANARDA
Explicação do tormento, Aonde levas, pastora,
Sufocada a luz, se cegam; Essas tenras ovelhinhas?
Que para seu mal lhes basta
Só às lágrimas recorre, O seres tu, quem as guia.
Deixando-se ouvir apenas
Daquelas árvores mudas, Acaso vão para o vale,
Daquela mimosa relva. Ou para a serra vizinha?
Vão acaso para o monte,
Com torpe aborrecimento Que lá mais distante fica?
A companhia despreza
Dos pastores, e das ninfas; Vão porventura, pastora,
Nada quer; tudo o molesta. A beber as cristalinas,
Doces águas, que discorrem
Erguido sobre o penhasco Por entre estas verdes silvas?
Já vê, se é grande a eminência:
Por que busque o fim da vida, Ah! Quem sabe, triste gado,
Cláudio Manoel da Costa — POEMAS ESCOLHIDOS
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Eu repetirei contente
A cantilena, que tinha CANÇONETAS À LIRA DESPREZO
Com Alcimedon composto, I
Quando no monte vivia.
Que busco, infausta lira,
Direi aquelas cadências, Que busco no teu canto,
Que à casca de uma cortiça Se ao mal, que cresce tanto,
Encomendou meu cuidado, Alívio me não dás?
De meu sangue com a tinta.
A alma, que suspira,
Pastora (se bem me lembra Já foge de escutar-te:
Assim meu verso dizia), Que tu também és parte
Mais branca, que a mesma neve, De meu saudoso mal.
Mais bela, do que a bonina;
II
Eu sou, quem estas ribeiras,
Sou, quem estes campos pisa, Tu foste (eu não o nego)
Atrás de uma alma, que roubas, Tu foste em outra idade
Tão presa, como rendida. Aquela suavidade,
Que Amor soube adorar;
Não te peço, que ma entregues:
Porque quem ta sacrifica, De meu perdido emprego
De meu voluntário culto Tu foste o engano amado:
Faz ostentação mais fina: Deixou-me o meu cuidado;
Também te hei de deixar.
Quero só, que ma não deixes,
Que a não desampares; inda III
Quando de Letes saudoso
Vires a margem sombria. Ah! De minha ânsia ardente
Perdeste o caro império:
Mais seguro, e mais constante, Que já noutro hemisfério
Que aquela mimosa ninfa, Me vejo respirar.
Que no côncavo das penhas,
Por lei do destino, habita. O peito já não sente
Aquele ardor antigo:
Eco serei destas rochas, Porque outro norte sigo,
Aonde os clamores firam Que fino amor me dá.
Dos corações, que se queixam,
Das almas, que se lastimam. IV
Página 32
Só tu (disse) me encantas;
Tu só, belo instrumento, À LIRA PALINÓDIA
Tu és o meu alento; I
Tu o meu bem serás.
Vem, adorada Lira,
VI Inspira-me o teu canto:
Só tu a impulso tanto
Vai-te; que já não quero, Todo o prazer me dás.
Que devas a meu peito
Aquele doce efeito, Já a alma não suspira;
Que me deveste já. Pois chega a escutar-te:
De todo, ou já em parte
Contigo já mais fero Vai-se ausentando o mal.
Só trato de quebrar-te:
Também hás de ter parte II
No estrago de meu mal.
Não cuides, que te nego
VII Tributos de outra idade:
Cláudio Manoel da Costa — POEMAS ESCOLHIDOS
A tua suavidade
Não saberás desta alma Eu sei inda adorar;
Segredos, que sabias,
Naqueles doces dias, Desse perdido emprego
Que Amor soube alentar. Eu busco o encanto amado;
Amando o meu cuidado,
Se aquela ingrata calma Jamais te hei de deixar.
Foi só tormenta escura,
Na minha desventura III
Também naufragarás.
Vê, de meu fogo ardente,
VIII Qual é o ativo império:
Que em todo este hemisfério
Nise, que a cada instante Se atende respirar.
Teu números ouvia,
Ou fosse noite, ou dia, O coração, que sente
Jamais não te ouvirá. Aquele incêndio antigo,
No mesmo mal, que sigo,
Cansado o peito amante Todo o favor me dá.
Somente ao desengano
O culto soberano IV
Pretende tributar.
Se tanto bem confesso,
IX Ou seja noite, ou dia,
Jamais essa harmonia
De todo enfim deixada Espero abandonar.
No horror deste arvoredo,
Em ti seu tosco enredo Não há de a tanto excesso,
Aracne tecerá. Não há de, não, minha alma
Desta amorosa calma
Em paz se fique a amada, Meus olhos serenar.
Por quem teu canto inspiras;
E tu, que a paz me tiras, V
Também te fica em paz.
Ah! Quantas ânsias, quantas
Agora despertando,
A teu impulso brando
Eu venho a temperar!
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No gosto, em que me encantas,
Suavíssimo instrumento, O PASTOR DIVINO
Em ti só busco o alento; Fé
Que eterno me serás.
Onde, Enigma adorado,
VI Onde guias perplexo,
Confuso, e pensativo
Contigo partir quero Da minha idéia o vacilante curso?
As mágoas de meu peito;
Quanto diverso efeito, Esperança
Do que provaste já!
Que sombras, que portentos
Não cuides, que sou fero; Encobres a meus olhos,
Porque já quis quebrar-te: Ó ignorado arcano,
No meu delírio em parte Que lá dessa distância
Desculpa tem meu mal. Inspiras de teu raio esforço ativo?
VII Fé
Já do monte descendo Fé
Vem o pobre pastor: de brancas flores,
Ou já grinaldas, ou coroas tece, Mas ah! Que de prazer, e de alegria
E ao novo Deus contente as oferece. Respirar posso apenas. Todo o campo
Florescente se vê. Estão cobertos
Esperança Os claros horizontes
De nova luz, de novo sol os montes.
Já de lírios, e rosas,
Pela glória, que alcança, Esperança
Animada a Esperança se coroa;
E alegres hinos de prazer entoa. Melhor luz não espere
Ver o mundo jamais. Concorram todos
Coro A este luminoso
Assento; aonde habita
Chegai, pastores, Aquele sol, que a vida ressuscita.
Vinde contentes;
Que o novo sol Fé
Já resplandece.
Oh que glória, que dita, que gosto Vem, sol peregrino,
Nestes campos se vê respirar! De nós suspirado;
Fé Esperança
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Galatéia
GALATÉIA
Ácis Oh! Firam teus ouvidos
Meus saudosos clamores;
Galatéia adorada, Mereçam meus gemidos
Mais cândida e mais bela, Mover a sem-razão dos teus rigores;
Que a neve congelada, Já que tão docemente
Que a clara luz da matutina estrela; Sempre ao meu coração estás presente.
Mais, do que o Sol, formosa;
Não digo lírio já, não digo rosa. Vem, ó Pastor querido,
Vem, vem;
Galatéia Que em ti Amor guarda
Todo o meu bem.
Ácis idolatrado,
Pastor mais peregrino,
Que quanto ostenta o prado, ODE A MÍLTON
Quanto banha d’Aurora o humor divino; I
Pois junto às tuas cores
Não tem o prado cor, não têm as flores. Contigo me entretenho,
Contigo passo a noite, e passo o dia,
Ácis E cheia a fantasia
Das imagens, ó Mílton, do teu canto,
Ácis é, quem saudoso Contigo desço às Regiões do espanto,
Corre desta ribeira Contigo me remonto a imensa altura,
Todo o campo espaçoso, Que banha de seu rosto a formosura.
Buscando, ó bela Ninfa, a lisonjeira,
Doce vista, que tanto II
De Amor ateia o suspirado encanto.
Tamisa, que nos deste
Galatéia Dentro do seio teu alto engenho,
Que o sagrado desenho
Desde o azul império, Do divino Poema lhe inspiraste,
Que rege o áureo Tridente, Como o cofre dos males derramaste
Por todo este hemisfério, Sobre a sua fortuna? Como ao Fado
Galatéia te busca impaciente; O trazes desde o berço abandonado?
E amante nos seus braços
Te prepara de amor gostosos laços. III
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V XI
VI XII
VII
VIII
IX