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Lá fora o Sol já se põe, a hora propícia para o início da ceia. O mestre assumiu
um tom ainda mais grave em suas palavras, mas embora sua expressão seja
tensa seus olhos conservam a doçura de sempre. Nestes últimos dias ele falou
sobre tribulações, perseguições, sobre um sacrifício e até chorou ao chegar à
cidade. Ainda a pouco falara sobre um traidor que comeria do mesmo pão que
ele come.
Ele percebeu o nosso espanto ao ouvir todas estas coisas, ele sempre nos
percebe e parece que nada escapa a seus olhos. E, mesmo que esteja sofrendo
com isso, vendo nossa aflição tem tentado nos confortar.
Lavou nossos pés ao chegarmos e fala agora de moradas que ele mesmo vai
preparar, sobre um consolador e sua missão, sobre videiras e seus frutos – será
que gostou do vinho comprado para a ceia?Confesso que nunca entendi direito
os seus ‘mathals’. Ele disse a Simão que em breve entenderíamos tudo. O que
sei é que ele parece estar se despedindo. Oh, o mestre está orando agora.
Após a oração, ele tomou o pão e o partiu distribuindo entre nós dizendo
que era o seu corpo. E também o cálice de vinho dizendo que era seu sangue
derramado para o perdão dos pecados e que isso era uma nova aliança.
Estas palavras me trouxeram à memória a história que meus avós
contavam sobre as festas onde celebravam a aliança feita com Yavé oferecendo
manjares queimados sobre o altar. Também faziam parte daquelas ofertas o pão
e o vinho, que era derramado sobre o cordeiro. Mas... onde esta o cordeiro?
O vento forte da noite entrou pela porta que o Iscariotes deixou aberta
quando saiu apressado. A chama da vela sobre a mesa tremeu e, olhando para o
mestre, tive um pensamento aterrador. Aquele pão em sua mão, do qual Judas
havia recebido o primeiro bocado, fora partido em pedaços e distribuído entre
nós. Serei eu - que comi do pão - o traidor? Seremos todos nós traidores? Será
que o pão foi partido pelos que o traíram? Será que seu corpo, assim como o pão,
também será partido por nossa causa?
A chama vacilante da vela por vezes ilumina e por vezes traz penumbra
aos meus pensamentos. Mas agora que o vento esta mais brando ela vai se
firmando. Meus pensamentos e meus olhos também se firmam. Olho para o
cálice com o vinho. Iluminado pela vela ele parece adquirir uma cor cada vez
mais intensa, tão intensa quanto a púrpura, tão intensa quanto o sangue.
O mestre falou de sangue que seria derramado como o vinho era
derramado sobre as ofertas. Ele falou que era o seu sangue que estava para ser
derramado para a remissão dos pecados e para uma nova aliança. Será que
assim como nossos primeiros pais no Éden, nós também descumprimos a
aliança feita com Yavé e nos afastamos de Sua presença? Será este o pecado a
qual o mestre se refere? Será necessária uma nova aliança? Será que seu sangue
terá de ser derramado como libação por ela?
Vendo o mestre com o pão e o vinho nas mãos. Iluminado agora pela
chama reluzente daquela vela me parece que sua pele, queimada do Sol, é tão
tenra quanto à pele do cordeiro preparado para a ceia. Ele olha para o alto dando
graças e uma certeza impetuosa me atravessa o peito: aquele que ainda ontem
fui ungido e recebido como um rei era o cordeiro pascal. Ele é o Cordeiro de
Deus!
O mestre interrompe meus pensamentos dizendo que daquela hora em
diante aquele vinho só seria libado novamente no dia em que nos reuníssemos
no reino de seu Pai.
Após a ceia, já a caminho do monte, voltei a pensar no significado
daquelas últimas palavras ditas pelo mestre, tentando compreendê-las.
Existe uma corrente apoiada em Mateus 8.11 que defende que Jesus se
referia à salvação futura, vista também como um banquete. Ou seja, uma re-união
dos salvos que, já na glória dos céus, celebrarão com o Senhor. É nisto que cremos
também.
Porém, isto não encerra a questão visto que Jesus se reuniu com seus
discípulos apenas alguns dias depois de sua ressurreição, como Tomé bem pode
constatar. Quero então pensar aqui sobre o veto feito por Jesus: não beba o fruto da
videira até aquele dia.
É comum na Bíblia toda benção estar, em algum grau, relacionada a um
veto. Gozar de um jardim de delícias, mas não comer o fruto da arvore do
conhecimento do bem e do mau; seus pecados estão perdoados, vá e não peque
mais; não beba do fruto da videira até estarmos juntos na glória, para citar alguns
exemplos simples.
Apoiado também no texto de Coríntios 11.17-34, onde Paulo instrui a igreja
quanto à realização da ceia. Celebração que traz até hoje entre seus elementos o
vinho, bebido em memória do sacrifício de Jesus. Quero destacar também que é
importantíssimo discernir que o veto, ao contrário do que afirmam alguns radicais,
não se refere ao consumo de vinho especificamente. Haja vista que nenhuma coisa
material é má em si mesma.
Somos nós que atribuímos o mal ou o bem as coisas através dos significados
que damos para elas. O mal que os radicais querem ver no vinho, esta apenas
dentro de sua cabeça na verdade. Penso que eles não conseguem ver nada que
esteja fora dela porque uma trave encobre seus olhos.
Noutra ponta, também é idolatria pensar que o bem provém das coisas
materiais em si a ponto de embriagar-se delas. Pecado, então, convenhamos, é não
saber apreciar um bom vinho!
Sejam, portanto, nossos olhos puros (simplex), sem plicas e ciscos e
pousemo-los novamente nas palavras Daquele, que é a essência de todo o bem e de
toda a verdade que ilumina nossos corpos, nossas mentes e nossos caminhos.
Vendo o contexto em que Jesus impõe este veto e a simbologia atribuída ao
vinho, representando o sangue, e sabendo ainda que Jesus se expressava em
aramaico, podemos concluir que:
O que se traduz por beber pode bem ser ocupado pelo seu sinônimo libar.
Tomando o sentido de infundir o vinho sobre a oferta como o sangue seria
derramado sobre a cruz. Entenda-se: não derramareis (libareis) de novo este vinho
ou este sangue para a remissão dos pecados. Indicando assim que o sacrifício de
Jesus era, a priori, necessário e, a posteriori, suficiente.
Jesus, sendo consumido pela morte tanto quanto o cordeiro pelas chamas,
desceu até as brasas vivas do Hades e ascendeu aos céus como o aroma agradável.
E Aquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida, se tornou assim o Cordeiro. Como
também cremos.
Esperamos também pela benção propiciada pelo veto: “até aquele dia em
que hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai”. Um convite feito pelo
Senhor para um novo banquete, dessa vez na glória.
Saindo do evento social em que Jesus se despede também quero convidá-los
para estar no evento que deu início ao ministério do Messias, outro banquete (que
já é o terceiro em que participamos... maravilha!!!): as Bodas de Caná.
Este evento, registrado em João 2.1-11, relata aquele que é considerado o
primeiro milagre público de Jesus. Além de testemunhar o evidente espanto
causado pelos milagres ao revelar a autoridade e o amor de Deus sobre toda a
Criação, é importante observar também a mensagem simbólica que trazem. Sendo
a linguagem simbólica do mathal a base da pedagogia de Jesus.
Transformar água em vinho. Expressão que está, assim como estes dois
elementos, comumente na boca, mas infelizmente longe do coração das pessoas. A
aproximemos do nosso tentando entender seu significado.
A água guardada em odres (vasos de barro), que por serem velhos já
estavam rachando, era usada para lavar as mãos e os pés dos convidados para a
festa. Tinha a princípio, assim como qualquer convenção social de qualquer
sociedade, um significado ritualístico de ascesse e com o tempo adquiriu um
significado funcional. No caso da água, seu significado ritual era a purificação e o
funcional passou a ser a higiene, como vimos na Ceia a pouco e veremos, espero,
antes de nossas refeições. Outro exemplo pode ser: Não nos mataremos para nos
manter puros e ter acesso a Terra Santa, que passa a ser funcionalmente – “Não
matarás!”.
A água então é símbolo de toda a ritualística judaica, da qual fazem parte as
Ofertas Contínuas, com propósito de ter acesso a Deus. O vinho como sabemos é
símbolo do sangue de Jesus. Sangue que foi derramado fundando assim a nova
aliança em substituição à antiga, feita apenas com os judeus e baseada em rituais.
Ao transformar água em vinho Jesus mostrava que em breve transformaria
ascesses rituais em livre acesso ao Pai.
O bom vinho servido no final das Bodas de Caná, também será servido nas
Bodas Cordeiro, quando o beberemos, novo, no reino do Pai.
Com esta esperança, cuidemos de aprontar nossas vestes nupciais com o
que há de mais fino, para que não sejamos deixados de fora do grande banquete.
Pois muitos são convidados, mas poucos são os amigos do noivo que estarão com
ele à mesa.
Em Filipenses 2. 12-18 Paulo nos dá excelentes conselhos para tecermos as
melhores vestes. Boas ou más, as expectativas para as bodas aumentam a cada dia
no coração dos noivos. As ofertas judaicas de acesse a Deus eram diárias. O
sacrifício do cristão também.
Sacrifício que consiste em desenvolvermos nossa salvação com temor e
tremor, sabendo que é Deus quem efetua em nós tanto o querer quanto o realizar,
segundo a sua boa vontade.
Sendo uma nação convertida que, por estar perto da luz intensa que é Jesus,
resplandece como luzeiro em meio a uma geração pervertida. Testificando
diariamente a Boa Nova da Salvação, que é a melhor forma de se preservar a
palavra da vida. Honrando o legado de tantos mártires que, assim como Paulo
correram e se esforçaram, chegando a derramaram seu sangue para a libação desta
oferta diária de nossa fé a Deus. O que para nós é motivo de imensa alegria.
Com o mesmo propósito, oferto também este pequeno estudo de grandes
coisas, na esperança de que ele preserve a palavra da vida, seja luzeiro para os
homens e convite para as Bodas.
Perdão pelas formalidades, a tia mal amada Didática sempre faz questão
delas. Acho que ela tem inveja do descolado, popular e bom Senso Comum. Espero
que seja tão inspirador pra você quanto sua pergunta foi pra mim.
Obs.: qualquer dúvida procure o pastor, professor da E.D. ou comentário
bíblico mais perto de você. Ou talvez eu possa escrever outro compêndio deste
para tentar esclarecer as novas dúvidas e despertar mais outras tantas, para o bem
dos amantes da Sabedoria.
Sola Scriptura
Phaedo.