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Psicologia: Reflexão e Crítica

versionPrint ISSN 0102-7972


Psicol. Reflex. Crit. vol.13 n.1 Porto Alegre 2000

doi: 10.1590/S0102-79722000000100005

Desequilíbrio e co-regulação em situação de ensino-


aprendizagem: análise segundo o conceito de ação
comunicativa (Habermas)
Lívia Mathias Simão 1 2

Universidade de São Paulo

Resumo
As situações de ensino-aprendizagem, tomadas da perspectiva de desenvolvimento implicam um
entrejogo de ações verbais dos atores, dirigidas tanto às ações do outro ator como ao objeto de
conhecimento. Nesta perspectiva são fundamentais o desequilíbrio e a co-regulação da interação,
bem como a emergência de novos conhecimentos. O objetivo deste trabalho é explorar o
conceito de ação comunicativa (Habermas) para descrever o desequilíbrio e a co-regulação
cognitivas em uma situação de ensino-aprendizagem. Deste referencial, analisou-se um diálogo
professora - aluna, buscando-se caracterizar cada ação verbal do diálogo de acordo com
Habermas. A seguir, relacionou-se cada ação comunicativa com sua conseqüência para a
interação, em termos de desequilíbrio ou co-regulação. Esta análise permitiu descrever a
dinâmica das ações comunicativas que, através de sucessivos desequilíbrios e co-regulações,
criaram condições para restruturação do campo semântico nos atores e para emergência de novos
conhecimentos sobre o objeto.
Palavras-chaves: Ação comunicativa; desequilíbrio; co-regulação; interação professor-aluno.

Disequilibrium and co-regulation in teaching-learning situations: an analysis according to


the concept of communicative action (Habermas)

Abstract
From the development perspective, teaching-learning situations imply an interplay of the actors’
verbal actions, each of which are directed to the actions of the others as to the object of
knowledge. From this perspective, disequilibrium and co-regulation are fundamental, as well as
the emergence of the new knowledge. The objective of this work is to explore the concept of
communicative action (Habermas) in order to describe the cognitive disequilibrium and co-
regulation in a teaching-learning situation. Aiming to characterize each verbal action according
to Habermas, a teacher-student dialogue was analyzed. Then, each communicative action was
related to its consequence to the interaction, in disequilibrium or co-regulation terms. This
analysis allowed to describe the dynamics of the communicative actions. These actions, through
successive disequilibrium and co-regulations, gave the conditions for restructuring the actors’
semantic field as well as for the emergence of new knowledge about the object.
Keywords: Communicative action; disequilibration; co-regulation; teacher-student interaction.

As situações de ensino-aprendizagem, se tomadas da perspectiva de promotoras de


desenvolvimento (Vygotsky, 1984), implicam um entrejogo de ações verbais dos atores,
referentes ao outro e ao objeto de conhecimento, podendo resultar na emergência de novos
conhecimentos. Podemos dizer que a emergência de novos conhecimentos na interação se dá,
fundamentalmente, no bojo do desequilíbrio cognitivo causado pelas ações comunicativas dos
atores, reciprocamente dirigidas.

Entendemos as noções de equilíbrio e desequilíbrio numa acepção próxima a Piaget (1964/1967)


em que o desenvolvimento humano implica um constante desequilíbrio e reequilíbrio cognitivos.
Devido a transformações que ocorrem no mundo, exterior ou interior ao indivíduo, ocorrem
desequilíbrios que requerem que o indivíduo aja na busca de novo estado de equilíbrio. Assim,
cada ação nasce da necessidade de busca de novo equilíbrio devido a uma perturbação no
mundo. Nesta medida, no processo de desenvolvimento, a síntese de novidade se deve ao
desequilíbrio causado por uma perturbação que, por sua vez, resulta na necessidade de busca de
uma nova conduta reequilibradora. Se tomarmos, como já dissemos, as situações de ensino-
aprendizagem como promotoras de desenvolvimento (Vygotsky, 1984), podemos examiná-las à
luz das noções de equilíbrio e desequilíbrio, uma vez que estas noções delineiam um processo
em que ocorre síntese de novidade, típica das situações de ensino-aprendizagem.

Buscaremos ilustrar aqui como ações verbais comunicativas podem operar cognitivamente na
instauração do desequilíbrio e na co-regulação das interações em uma situação de ensino -
aprendizagem em que emergem novos conhecimentos. Para tanto, iniciaremos com uma breve
exposição sobre o que entendemos por ação comunicativa. A escolha do referencial de ação
comunicativa se insere em nosso interesse mais amplo (Marques & Simão, 1995; Simão, 1986,
1989, 1992, 1996; Tunes & Simão, 1998) de tomar as falas no discurso enquanto ações verbais,
especialmente em situações onde ocorre construção de conhecimento, como, por exemplo, as de
ensino-aprendizagem. Neste sentido, pensamos ser oportuno explorar possibilidades do conceito
de ação comunicativa porque ele prevê que, num discurso, as ações de um ator têm como objeto
e objetivo as ações do outro. A reciprocidade entre ações implicada no conceito se ajusta, então,
ao caráter interativo de tais situações.
Ação Comunicativa

Segundo Habermas (1981/1988), a ação comunicativa é uma forma de interação, da qual


participam pelo menos dois atores que, através de linguagem (ou outro meio extra - verbal),
buscam compreensão e consenso sobre uma situação, para, desta forma, coordenarem
mutuamente seus planos e correspondentes ações. Os atores chegam ao consenso através de
negociação das definições da situação, ao que Habermas chama de interpretação3 .

Na ação comunicativa, o ator se refere, simultaneamente, a algo no mundo objetivo, no mundo


social e no mundo subjetivo. O mundo objetivo compreende o "conjunto de todas as entidades
sobre as quais são possíveis enunciados verdadeiros"; o mundo social é representado pelo
"conjunto de todas as relações interpessoais legitimamente reguladas"; e o mundo subjetivo
comporta a "totalidade das vivências do falante, às quais ele tem acesso privilegiado" (Habermas,
1981/1988, p. 144).

Entendemos que esta concepção de ação comunicativa de Habermas nos leva a atentar para dois
aspectos importantes da fala. Primeiro, ela pode ser entendida em seu caráter de ação verbal
interativa, cuja meta a ser atingida é a compreensão e consenso entre os interatores sobre o tema
do diálogo. Segundo, o conteúdo da fala pode ser visto como indicador de relações eu-mundo
estabelecidas pelo ator. Podemos dizer, numa concepção derivada de Habermas, que o mundo do
ator inclui três tipos de acontecimentos: objetivos, sociais e intrasubjetivos. Podemos dizer
também que cada ação verbal de uma pessoa pode ser instrumental para a explicitação de uma ou
mais relações do eu com os diferentes tipos de acontecimentos do mundo: relações eu-mundo
objetivo, relações eu-mundo social e relações eu- mundo intrasubjetivo.

Conforme aponta Cooke (1994), em seu estudo sobre a pragmática de Habermas, esta distinção
entre mundos deriva-se de três atitudes básicas, adotadas pelo ator: atitude objetivante, atitude
conformativa a normas e atitude expressiva. "Quando adotamos uma atitude objetivante
estabelecemos relação, em primeira instância, com o mundo objetivo dos fatos e dos estados de
coisas; quando adotamos uma atitude conformativa a normas estabelecemos relação, em primeira
instância, com o mundo social das interações normativamente reguladas; quando adotamos uma
atitude expressiva estabelecemos relação, em primeira instância, com o mundo subjetivo da
experiência interna." (Cooke, 1994, p.10) Ainda segundo Cooke (1994), para Habermas, os
"participantes na comunicação diária geralmente adotam, sem nenhum problema, atitudes
diferentes em relação a um e mesmo mundo." (p. 10). Portanto, a fala enquanto ação
comunicativa é uma ação verbal que relaciona diretamente o eu com o outro (porque a própria
fala é dirigida ao outro) e, indiretamente, o eu com acontecimentos objetivos, sociais ou
intrasubjetivos do mundo, dependendo das atitudes adotadas pelo ator (como quando falamos
para alguém que está chovendo, que discutimos com uma pessoa, ou que estamos alegres,
respectivamente). Nesta medida, a ação comunicativa, enquanto ação verbal explícita, indica,
através do conteúdo da fala, as relações eu-mundo em vigor para a pessoa que age. Em
conseqüência, analisando a ação comunicativa de uma pessoa, podemos, através de seu
conteúdo, identificar os tipos de relação eu-mundo estabelecidos por aquela pessoa. Podemos,
por exemplo, identificar, em uma dada tarefa, quais as relações eu-mundo que a pessoa
estabelece ao executá-la, bem como buscar compreender como o estabelecimento daquelas
relações eu-mundo auxiliam ou trazem dificuldade para a pessoa na própria execução da tarefa.
Outro aspecto a ser considerado na dinâmica da ação comunicativa é o papel desempenhado pelo
outro. Na medida em que, na ação comunicativa, os atores explicitam suas relações eu-mundo
através do conteúdo de suas falas dirigidas ao outro, esse outro funciona como oportunidade para
explicitação de relações eu-mundo pelo ator. Por outro lado, a interação verbal pressupõe que um
ator se coloque em lugar do outro, num movimento de vai-e-vem contínuo, buscando
compreensão do significado da ação comunicativa do outro. Portanto, na interação verbal os
atores estão em contínua atividade semiótica, entendida como Valsiner (1989) a coloca, isto é,
como construção e uso de signos, seja para organizar e expressar suas relações eu-mundo, seja
para compreender as do interlocutor. Ao explicitar suas relações eu-mundo, buscando
entendimento e consenso, cada participante da interação pretende validade para suas colocações,
validade esta que pode ser reconhecida ou questionada pelo outro ator (conforme Habermas,
1981/1988, p. 144). Isto é, os atores na comunicação reconhecem, intersubjetivamente, as
pretensões de validade de cada um, e se manifestam contando com a possibilidade de que suas
colocações sejam avaliadas pelos outros. Segundo Cooke (1994):

" em termos mais simples, a ação comunicativa (...) é a ação na qual um falante leva a cabo um ato de fala,
por meio do qual o sucesso da interação depende da resposta do ouvinte à asserção de validade levantada
pelo ato de fala, com um ‘Sim’ ou ‘Não’. O falante deve ser capaz de dar razões que suportem a validade da
asserção, se desafiado, e o ouvinte deve ser capaz de dar razões que dêem suporte ao seu ‘Sim’ ou ‘Não’.
Levantar uma asserção é, então, encarregar-se de mostrar, se desafiado, que a asserção é justificada. (...)
Com cada ato de fala, em virtude da asserção de validade que ele levanta, o falante entra numa relação
interpessoal de obrigação mútua com o ouvinte: o falante está obrigado a dar suporte para sua asserção com
razões, se desafiado, e o ouvinte está obrigado a aceitar a asserção a menos que tenha boas razões para não
fazê-lo." (pp. 12-13)

Portanto, em uma dada tarefa que envolve interação, cada ator representa uma oportunidade para
o outro explicitar relações eu-mundo sob a forma de ações verbais, cujos conteúdos são
asserções que o ator pretende que sejam válidas. Tal validade poderá ser aceita ou contestada
pelo interlocutor, em função de suas próprias relações eu-mundo. Se aceita, estabelece-se o
consenso entre os atores sobre aquele passo de execução da tarefa, que depende da validade
daquela asserção. Em caso contrário, isto é, se a validade da asserção de um ator for contestada
pelo outro, o contestante deverá expor suas razões para a contestação, o que implicará novas
ações verbais de sua parte, cujo conteúdo serão novas asserções, que explicitam novas relações
eu-mundo. Estas novas asserções serão, por sua vez, julgadas em sua validade pelo ator
contestado, estabelecendo-se assim uma negociação sobre os passos da tarefa que dependem da
validade das asserções colocadas em jogo pelos dois atores. Segundo Cooke (1994):

"dizer que os participantes em comunicação buscam chegar a um acordo com respeito à validade afirmada
de suas verbalizações é o mesmo que dizer que eles buscam alcançar reconhecimento intersubjetivo das
afirmações de validade que eles levantam. A partir daí podemos ver também que os participantes na ação
comunicativa podem perseguir seus objetivos somente cooperativamente. Os meios de sucesso não estão à
disposição do agente individual; ele é dependente da cooperação ( mais precisamente, do reconhecimento)
de outros." (p. 12)

Assim, numa dada tarefa envolvendo mais de um ator, o atingimento de um objetivo por um dos
atores dependerá da cooperação do outro em compreender e reconhecer a validade das asserções
levantadas sobre o objeto da tarefa. Ou seja, dependerá da negociação de significados atribuídos
ao objeto da tarefa, na tentativa de se chegar a um consenso sobre a validade das asserções
levantadas. Como o conteúdo das asserções sobre o objeto se referem a relações eu-mundo
objetivo dos atores, então a meta de compreensão e consenso sobre a validade das asserções
dependerá da negociação de relações eu-mundo objetivo dos atores. Negociando relações eu-
mundo objetivo, cada ator interfere na relação eu-mundo objetivo inicialmente estabelecida pelo
outro. Neste sentido, cada ator é mediador das relações eu-mundo objetivo construídas pelo
outro. Ou seja, a construção das relações eu-mundo objetivo é intersubjetiva em seu processo.

Ações Verbais Comunicativas na Construção de Conhecimento em Situações de


Ensino-Aprendizagem

Ilustraremos, a seguir, a possibilidade de analisar a resolução de tarefas, em termos da função das


ações comunicativas para o desequilíbrio e a co-regulação, em situações de ensino -
aprendizagem, à luz das considerações sobre o conceito de ação comunicativa que acabamos de
expor. Para tanto, tomaremos para exame dois trechos consecutivos do diálogo de uma díade
professora - aluna durante a resolução de um problema sobre frações matemáticas, em uma aula
de acompanhamento escolar de reforço. Na análise dos trechos, as letras P e A identificam falas
da professora e da aluna, respectivamente.

Trecho 1 (introdução à tarefa)

P1: "Faz um probleminha p’rá mim."


A1: "Scchhhh..."
P2: "Lê alto."
A2: "No tanque de gasolina de um automóvel cabe 50 litros. Durante uma viagem foram gastos
3/5 dessa quantidade. Quantos li...litros restaram no tanque?"

Trecho 2 (desenrolar da tarefa)

P3: "Então que fração representa o tanque cheio?"


A3: "Cinqüenta."
P4: "Fração?"
A4: "Cinco."
P5: "Cinco o quê?"
A5: "Cinco quintos."
P6: "Ahh, não é cinco. Cinco não é fração." P7: "Concorda?"
A6: "Ahã..."
A7: "Então eu tenho que dividir cinqüenta por cinco. Cinqüenta, dividido por cinco, que é igual
a (...), que é igual a dez. Agora eu tenho que multiplicar por três.

Então vai ser dez vezes três; então eu faço aqui: 10... Então cada um desses vale dez. Então é
dez vezes três que é igual a trinta. Tá aqui. Então, foram gas-tos...trinta litros... Ai, agora eu
tenho que fazer dez... Dez vezes dois..."
P8: "Não... Ahh... Isso foi o que foi gasto. Eu quero saber quanto que sobrou."
A8: "Mas, pode falar quanto que foram gastos, ou não?"
P9: "Não. Eu tô perguntando? O que que eu tô perguntando?"
A9: "Quantos litros restaram. Então vai ser dez, vezes o dois que é igual a 10x2 que é igual a
20. Ah, só...restaram no tanque 20 litros."

No Trecho 1, em P1, a professora dirige uma ação à aluna, solicitando que ela inicie a tarefa.
Explicita, assim, uma relação com o mundo social, cujo conteúdo é uma asserção para a qual
pretende validade: a asserção de que a aluna é a participante da interação que deve executar a
tarefa propriamente dita.

Em A1, a aluna contesta a validade dessa asserção da professora, através de uma ação
comunicativa que explicita uma relação com o mundo subjetivo, expressando insatisfação ou
insegurança em relação a assumir o papel solicitado pela professora. A contestação, pela aluna,
da direção indicada pela professora causa, assim, um desequilíbrio no processo de interpretação
da professora a respeito das tarefas associadas ao papel da aluna na relação.

Houve, aqui, uma divergência quanto às relações eu-mundo social da professora e da aluna,
divergência esta que a aluna indica através da contestação da validade da asserção levantada pela
professora. A asserção levantada pela professora diz respeito a uma relação eu-mundo social
(P1), mas a contestação da aluna é feita através de uma asserção que diz respeito a uma relação
eu-mundo subjetivo (A1). Assim, a função da ação comunicativa A1 não é apenas comunicar um
estado subjetivo da aluna, mas sim, através dele, contestar a validade de uma asserção, criando
um impasse que exige uma negociação do papel da aluna na tarefa.

Em P2, a professora aceita implicitamente a contestação da aluna, dando-lhe uma nova instrução
sobre como desenvolver a tarefa. Explicita, assim, uma nova relação eu-mundo social em que
convida a aluna a executar um primeiro passo da tarefa, e não a tarefa toda. A ação comunicativa
P2 levanta, portanto, uma asserção alternativa à contestada anteriormente pela aluna, na tentativa
de incentivar o engajamento da aluna na atividade. Indica, portanto, uma nova interpretação da
professora a respeito das tarefas associadas ao papel da aluna na relação.

Em A2, a aluna aceita implicitamente a validade da asserção da professora, executando uma ação
que explicita uma relação eu-mundo objetivo, uma vez que se engaja na tarefa lendo o problema.
Levanta, assim, uma asserção cuja validade é dada a priori, uma vez que é o próprio enunciado
do problema.

Ocorreu, neste trecho, uma perturbação da interação pela contestação da aluna, causando um
desequilíbrio que exigia um novo estado de equilíbrio, buscado pelas interlocutoras através da
negociação e interpretação conjunta de qual a melhor forma da aluna iniciar a resolução do
problema. A interpretação e resolução do impasse do episódio ocorreu graças à inter-relação de
ações verbais comunicativas das atoras que expressaram e negociaram relações eu-mundo social,
eu-mundo subjetivo e, finalmente, eu-mundo objetivo.

No Trecho 2, em P3, a professora dirige uma ação à aluna referente a uma relação eu-mundo
objetivo, sob a forma de uma indagação que convida a uma interpretação do problema. A partir
daí, de A3 a A9, a aluna responde às indagações da professora com ações que explicitam relações
eu-mundo objetivo e cujos conteúdos a aluna pretende que sejam válidos na tentativa de resolver
o problema. Entretanto, a professora contesta a validade das asserções da aluna (P4 a P9), em
função da correção matemática, isto é, das relações eu-mundo objetivo que estabeleceu (saber
matemático da professora). A cada contestação, a professora representa uma oportunidade para
desequilibração do processo de raciocínio da aluna sobre o significado matemático do problema.

Note-se que, em A3 e A4, a aluna interpreta o problema erroneamente em uma dada direção
( números inteiros, ao invés de fração). As contestações P4 e P5 da professora questionam a
direção de raciocínio da aluna, forçando um redirecionamento pois, para responder às questões
contestatórias P4 e P5, a aluna deve mudar a direção de seu raciocínio ( de números inteiros para
fração). De A7 a A9, a aluna entra em um novo processo de raciocínio, isto é, estabelece uma
nova relação eu-mundo objetivo, no que respeita ao problema matemático que busca resolver.
Passa agora a raciocinar em termos de frações, estabelecendo-se, a partir daí, novas negociações
na interação.

As ações comunicativas referentes ao mundo objetivo, por parte da professora, contestaram a


validade das ações da aluna, desequilibrando seu processo de raciocínio. Entretanto, estas ações
contestatórias abriram, ao mesmo tempo, possibilidade para que a aluna redirecionasse suas
ações, que era o objetivo da professora. Ao redirecioná-las, a aluna criou novos elos semânticos
que eram os passos de raciocínio para a solução do problema, seu objetivo. Nesta medida, a
professora atuou como desequilibradora, incentivadora e re-direcionadora da ação e do processo
de construção do significado conceitual de "fração" pela aluna.

Portanto, a execução de cada passo da tarefa dependeu da negociação e do consenso sobre


asserções, que eram os conteúdos das ações verbais da professora e da aluna. Dado que estes
conteúdos de ações verbais se referem a relações eu-mundo, então a execução de cada passo da
tarefa dependeu da negociação e do consenso sobre relações eu-mundo estabelecidas pela
professora e pela aluna e explicitadas através dos conteúdos das ações reciprocamente dirigidas.
Dependeu, na terminologia de Habermas, da interpretação conjunta da tarefa pela professora e
pela aluna, uma vez que, para ele, interpretar é negociar significados atribuídos à situação pelos
atores, em função de suas relações eu-mundo, buscando compreensão e consenso sobre a
validade das asserções que formularam.

Conclusão

Recapitulando, buscamos analisar aqui como ações verbais comunicativas podem operar na
instauração do desequilíbrio e na co-regulação de interações em uma situação de ensino-
aprendizagem, tomada da perspectiva de promotoras de desenvolvimento (Vygotsky, 1984). Isto
implicou focalizar o entrejogo de ações verbais dos atores (professora e aluna), referentes uma à
outra e ao objeto de conhecimento (matemática), cujo resultado foi a emergência de novos
conhecimentos. Podemos dizer que estes novos conhecimentos, no caso da aluna, referiram-se à
matemática, especificamente ao tópico frações, enquanto que, para a professora, referiram-se a
estratégias de ensino do tópico frações, em especial para aquela aluna.

Para tanto, tomamos o conceito de ação comunicativa na acepção de Habermas (1981/1988), o


que nos permitiu enfatizar a meta de compreensão e consenso entre professora e aluna, presente
nas ações verbais interativas de cada uma, bem como as relações ator-mundo, subjacentes ao
conteúdo daquelas ações. Neste processo tanto professora como aluna não apenas buscavam
compreensão e consenso entre si sobre o tópico frações, como também pretendiam que suas
colocações a respeito fossem consideradas válidas pela interlocutora. Ocorria, entretanto, que
nem sempre uma interlocutora reconhecia como válida a asserção da outra, o que a fazia
contestá-la. No trecho de diálogo que analisamos como ilustração, a contestação da aluna se deu
no nível do desempenho de papéis, isto é, das relações eu-mundo social, enquanto que as
contestações da professora se deram no nível do saber matemático, isto é, das relações eu-mundo
objetivo. Assim, podemos dizer que a contestação de validade de uma asserção, por um ator, pôs
a público e à prova relações do outro ator com um ou mais mundos (objetivo, social e subjetivo).

Entretanto, ao colocar à prova tais relações, a contestação de um ator causou desequilíbrio nas
relações eu-mundo do outro ator, que buscou reequilibra-la fazendo novas asserções na direção
de uma negociação com o ator que o contestou. No trecho de diálogo que analisamos, a aluna,
quando contestada pela professora, sofre uma perturbação que desequilibra seu raciocínio em
dada direção, necessitando buscar uma nova conduta reequilibradora. Ao fazê-lo pode chegar a
asserções na direção desejada pela professora, que indicaram mudanças em seu raciocínio
subjacente à asserção explícita. Desta perspectiva, professora e aluna foram focalizadas em seu
papel de oportunizadoras da explicitação e argumentação sobre relações eu-mundo pela outra.

Seria, neste caso, interessante uma análise de como o conteúdo da contestação da professora
oportuniza a nova conduta da aluna em uma dada direção, que é a direção adequada no que se
refere à correção matemática. Ou seja, em termos mais gerais, que aspectos do conteúdo da
contestação de um interlocutor faz com que o outro busque o equilíbrio numa direção tal que
emerja novo conhecimento pertinente à meta do primeiro.

Finalmente, cabe assinalar que propusemos aqui um tipo de análise de interação verbal segundo
um dos conceitos da tipologia de Habermas, o da ação comunicativa, ilustrando-o com um
exercício de análise de uma situação específica. Esta tentativa trouxe à tona dimensões da
interação que nos parecem relevantes para a compreensão das situações de ensino-aprendizagem
enquanto entrejogo de ações que oportuniza a emergência de novos conhecimentos para os
atores. Dentre estas dimensões destacamos, por um lado, o papel das metas de compreensão e
consenso e, por outro, o papel da contestação de asserções, no processo de negociação de
relações eu-mundo pelos atores. Resta, entretanto, explorar as possibilidades deste tipo de análise
em outras situações de construção de conhecimento por atores em interação verbal.

Referências

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Vygotsky, L. S. (1984). A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]

Recebido em 03.02.99
Revisado em 18.05.99
Aceito em 12.07.99

Sobre a autora:
Lívia Mathias Simão é Psicóloga, Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo, com estágio em nível de Pós-doutoramento na University of North
Carolina at Chapel Hill, EUA, a convite de Jaan Valsiner, PhD. É coordenadora do Laboratório
de Interação Verbal e Construção de Conhecimento do Departamento de Psicologia
Experimental do IP - USP e Professora-Orientadora do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia do mesmo Instituto.

1
Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, Av. Prof.
Mello Moraes, 1721, 05508-900, São Paulo, SP. E-mail: limsimao@usp.br
2
Pesquisa desenvolvida com bolsa de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Agradeço os comentários críticos do
Professor Jaan Valsiner, PhD. (Clark University, EUA), fundamentais para a elaboração deste
artigo.
3
Interpretar, na acepção de Habermas, implica também compreender e fazer compreender o
sentido: "Todo aquele que domine uma linguagem natural pode, em virtude de sua competência
comunicativa, compreender em princípio e fazer compreensíveis a outro, isto é, interpretar,
quaisquer expressões que tenham sentido." (Habermas, 1984 /1989, p. 23)

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