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Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 9 (3): 239-262, jul/set, 1993 239
Minayo, M. C. S. & Sanches, O.
principalmente, o social como um mundo de Nas áreas denominadas ciências exatas, nos
significados passível de investigação e a lingua- últimos 3 séculos tem havido consideráveis
gem comum ou a “fala” como a matéria-prima avanços a este respeito, já existindo, atualmen-
desta abordagem, a ser contrastada com a te, todos os pré-requisitos para o manuseio do
prática dos sujeitos sociais. crescimento acelerado do conhecimento, princi-
Finalmente, procura-se concluir que ambas as palmente o da linguagem, conforme acentua
abordagens são necessárias, porém, em muitas Bailey (1967).
circunstâncias, insuficientes para abarcar toda a De fato, a título de ilustração, consideremos
realidade observada. Portanto, elas podem e aquela que parece ser a mais antiga das ciências
devem ser utilizadas, em tais circunstâncias, exatas: a Astronomia. É bem conhecido o
como complementares, sempre que o planeja- fantástico conhecimento adquirido pelos astrô-
mento da investigação esteja em conformidade. nomos da Babilônia e do Egito antigo, não só
O conhecimento científico é sempre uma envolvendo a observação prolongada e precisa
busca de articulação entre uma teoria e a reali- dos eventos, mas também desenvolvendo a
dade empírica; o método é o fio condutor para habilidade para se distinguir padrões de mudan-
se formular esta articulação. O método tem, ças, sobre cuja base puderam criar um calendá-
pois, uma função fundamental: além do seu rio suficientemente preciso, que permitiu o
papel instrumental, é a “própria alma do conteú- desenvolvimento de atividades que, moderna-
do”, como dizia Lenin (1965), e siginifica o mente, constituem o cerne da economia agríco-
próprio “caminho do pensamento”, conforme a la.
expressão de Habermas (1987). Na verdade, para se alcançar tais resultados
era necessário mais que observar os aconteci-
mentos e registrar luz e calor nos dias de verão,
O QUANTITATIVO ou luz esmaecida e dias frios no inverno. A
observação de padrões reconhecíveis e a deter-
A Descrição Matemática minação e mensuração de suas posições eram
como uma Questão de Linguagem essenciais. A manipulação e o registro de tais
medidas com propósitos de predição implica-
O desenvolvimento da linguagem é uma etapa vam a existência de uma linguagem e de uma
fundamental na evolução do controle deliberado escrita adequadas. Não é, pois, por um acidente
e consciente das circunstâncias ambientais. A que a matemática babilônica e egípcia possuía
fala exerce um papel vital na rápida transmissão as qualidades suficientes para atender a tais
de grandes quantidades de informação entre os necessidades.
diferentes elementos de um grupo. Quando se A lição fundamental que se pretende extrair
atinge o estágio da escrita, cria-se, então, a da lembrança histórica de tal fato de conheci-
possibilidade do registro permanente, revisado mento de todos é que, mesmo no chamado
e acumulado. A modificação consciente e Mundo Antigo, um conhecimento considerado
intencional da linguagem para servir a propósi- suficientemente preciso não teria sido atingido
tos deliberados é uma etapa posterior do pro- e aplicado sem as noções básicas de contar e
cesso. medir, acompanhadas de um adequado instru-
Aqueles que acompanham e operam na evo- mento matemático para manipulá-las.
lução das idéias e do conhecimento sabem que Isto parece corroborar nosso ponto de vista de
a situação atual da investigação científica é que uma interação entre pensamento e lingua-
urgente: os trabalhos científicos são produzidos gem e, conseqüentemente, seu desenvolvimento
a uma taxa sempre crescente, tornando-se mútuo são pautados por uma correspondente
constantemente mais difícil acompanhar lado a interdependência entre pensamento e matemáti-
lado os novos desenvolvimentos, tanto na ca, quando nos dispomos a usá-la para propósi-
própria área de interesse específico quanto no tos de maior precisão de expressão.
âmbito inter e multidisciplinar, independente- A despeito dos grandes avanços na Biologia
mente da existência de meios eletrônicos para Molecular e na Engenharia Genética, reconhe-
armazenamento da informação. cemos, no entanto, que nas chamadas soft
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possibilidade, estabelecidas pelo senso comum, minados desenhos de estudo. No entanto, tem
e as conclusões devam ser interpretadas em ocorrido um certo abuso na utilização de tais
sentido prático. procedimentos por parte de muitos pesquisado-
Ao construirmos um quadro matemático res desta área, que, desconhecendo ou intencio-
válido de alguns fenômenos com fortes flu- nalmente ignorando as limitações impostas a
tuações aleatórias, introduzimos idéias de tais procedimentos pelos pressupostos sobre os
probabilidades e usamos a teoria da probabilida- quais se assentam, extrapolam sua aplicações,
de para desenvolver as implicações práticas da deixando sob suspeita os resultados da análise
mesma. Se o modelo é razoavelmente satisfató- conduzida (Altman, 1991). Isto ocorre principal-
rio, pelo menos a algum respeito, então as mente nos testes de hipóteses estatísticas, em
implicações devem ser verificadas na prática. particular com o abuso do chamado “p-valor”
Isto é, as conclusões matemáticas devem mos- como uma medida de evidência em relação à
trar um certo grau de aproximação ou aderência hipótese de nulidade (Miettinen, 1985; Stephen
às observações que são feitas e aos resultados et al., 1988; Berger & Selke, 1987; Goodman &
obtidos para o fenômeno em questão. Royall; 1985). Os estatísticos encontram-se
É função da estatística estabelecer a relação atualmente na situação dos bioquímicos e dos
entre o modelo teórico proposto e os dados farmacólogos: não se sentem responsáveis pelo
observados no mundo real, produzindo instru- uso indevido e abusivo de seus produtos. Não
mentos para testar a adequação do modelo. Em são procedentes as críticas feitas à Estatística;
resumo, enquanto a teoria da probabilidade está elas devem ser dirigidas aos maus usuários.
dentro da esfera da lógica dedutiva, a estatística Associadas às questões de inferência estatísti-
encontra-se no âmago da lógica indutiva, con- ca temos as questões de amostragem. Em regra,
forme explicita Bailey (1967). aqui também há um desconhecimento quase
A grande potencialidade dos procedimentos geral, por parte dos não-especialistas, a respeito
estatísticos de análise de dados, na presença de do papel da amostragem, sua relação com a
variabilidade aleatória está contida na possibili- inferência e, conseqüentemente, os pressupostos
dade de se estabelecer inferência, neste caso básicos que devem nortear a opção por um
chamada inferência estatística. determinado desenho de amostragem e um
Uma das aplicações da inferência estatística tamanho específico da amostra. Esta não é uma
é o teste de ajuste — também chamado teste de questão apenas técnica, relacionada à definição
aderência (em inglês, goodness of fit) — de um do tamanho da amostra; não é uma questão
modelo teórico proposto ao conjunto de dados meramente estatística ou para deixar para o
observados. estatístico resolver. Pesquisadores experimenta-
Formalmente, dois são os grandes problemas dos na área das ciências humanas (aqui incluin-
estatísticos de natureza inferencial: os proble- do as ciências da saúde) não podem ignorar, e
mas de estimação de parâmetros e os problemas muito menos esquecer, que as questões de
de testes de hipóteses estatísticas. amostragem são parte integrante das questões
As questões de inferência estatística que gerais de desenho da investigação.
deram origem à denominada estatística mate-
mática surgiram de modo mais formal com os
trabalhos, quase simultâneos (e às vezes polê- O QUALITATIVO, SUAS
micos), de Sir Ronald A. Fischer e da dupla J. POTENCIALIDADES E SUAS LIMITAÇÕES
Neyman e E. S. Pearson, na década 20-30
(Neyman, 1976; Neyman & Pearson, 1967; O Social como um Mundo
Fischer, 1934), sendo brilhantemente unificadas de Significados Passível de Investigação
num contexto de teoria das decisões por A.
Wald (Wald, 1950). Ao inscrever, no item anterior, a descrição
Um grande avanço tem sido conseguido nas matemática como uma questão de linguagem,
ciências da saúde, e em particular na Epidemio- Sanches afirma que “quanto mais complexo é o
logia, com a criação de alguns procedimentos fenômeno sob investigação, maior deverá ser o
inferenciais estatísticos, específicos para deter- esforço para se chegar a uma quantificação
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social analisado e como sua consciência crítica crenças e valores, que se expressa pela lingua-
possível. Assim, considera os instrumentos, os gem comum e na vida cotidiana — o objeto da
dados e a análise numa relação interior com o abordagem qualitativa.
pesquisador, e as contradições como a própria Por trabalhar em nível de intensidade das
essência dos problemas reais (Minayo, 1982). relações sociais (para se utilizar uma expressão
Voltando ao ponto inicial sobre as indagações kantiana), a abordagem qualitativa só pode ser
espistemológicas de tal abordagem, dir-se-ia empregada para a compreensão de fenômenos
que a cientificidade tem que ser pensada aqui específicos e delimitáveis mais pelo seu grau de
como uma idéia reguladora de alta abstração, e complexidade interna do que pela sua expressão
não como sinônimo de modelos e normas quantitativa. Adequa-se, por exemplo, ao estudo
rígidas. Na verdade, o trabalho qualitativo de um grupo de pessoas afetadas por uma
caminha sempre em duas direções: numa, doença, ao estudo do desempenho de uma
elabora suas teorias, seus métodos, seus princí- instituição, ao estudo da configuração de um
pios e estabelece seus resultados; noutra, inven- fenômeno ou processo. Não é útil, ao contrário,
ta, ratifica seu caminho, abandona certas vias e para compor grandes perfis populacionais ou
toma direções privilegiadas. Ela compartilha a indicadores macroeconômicos e sociais. É
idéia de “devir” no conceito de cientificidade. extremamente importante para acompanhar e
Definir o nível de simbólico, dos significados aprofundar algum problema levantado por
e da intencionalidade, constituí-lo como um estudos quantitativos ou, por outro lado, para
campo de investigação e atribuir-lhe um grau de abrir perspectivas e variáveis a serem posterior-
sistematicidade pelo desenvolvimento de méto- mente utilizadas em levantamentos estatísticos.
dos e técnicas têm sido as tarefas e os desafios O material primordial da investigação qualita-
dos cientistas sociais que trabalham com a tiva é a palavra que expressa a fala cotidiana,
abordagem qualitativa ao assumirem as críticas seja nas relações afetivas e técnicas, seja nos
interna e externa exercidas sobre suas investi- discursos intelectuais, burocráticos e políticos.
gações. Segundo Bakhtin (1986), existe uma ubiqüi-
dade social nas palavras. Elas são tecidas pelos
Linguagem e Prática: fios de material ideológico; servem de trama a
Matérias Primas da Abordagem Qualitativa todas as relações sociais; são o indicador mais
sensível das transformações sociais, mesmo
Segundo Granger (1982), a realidade social é daquelas que ainda não tomaram formas; atuam
qualitativa e os acontecimentos nos são dados como meio no qual se produzem lentas acumu-
primeiramente como qualidades em dois níveis: lações quantitativas; são capazes de registrar as
a) em primeiro lugar, como um vivido absoluto fases transitórias mais íntimas e mais efêmeras
e único incapaz de ser captado pela ciência; e das mudanças sociais.
b) em segundo lugar, enquanto experiência Nestes termos, a fala torna-se reveladora de
vivida em nível de forma, sobretudo da lingua- condições estruturais, de sistemas de valores,
gem que a prática científica visa transformar normas e símbolos (sendo ela mesma um
em conceitos. deles), e, ao mesmo tempo, possui a magia de
Falando dentro do campo sociológico, Gur- transmitir, através de um porta-voz (o entrevis-
vitch (1955) diferencia também dois níveis de tado), representações de grupos determinados
experiência em constante comunicação: a) o em condições históricas, sócio-econômicas e
“ecológico, morfológico, concreto”, que admite culturais específicas.
expressão em cifras, equações, medidas, gráfi- Uma das indagações mais freqüentes no
cos e estatísticas; e b) o das “camadas mais campo da pesquisa é a que se refere à repre-
profundas”, que se refere ao mundo dos símbo- sentatividade da fala individual em releção a
los, dos siginificados, da subjetividade e da um coletivo maior. Tal indagação constituía
intencionalidade. uma preocupação de Bourdieu (1972) quando
É exatamente esse nível mais profundo (em este definiu o conceito de habitus, segundo o
constante interação com o ecológico) — o nível qual a identidade de condições de existência
dos significados, motivos, aspirações, atitudes, tende a produzir sistemas de disposições seme-
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