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Os pobres desempenham de tal modo um papel central no Evangelho de Lucas, que se pode
definir como «o Evangelho da pobreza».
A primeira bem-aventurança, «Felizes de vós, os pobres, porque o Reino de Deus vos
pertence» (Lc.6:20), adverte imediatamente acerca de uma perspectiva espiritual da pobreza
mas como em Is 61,1, Lucas também considera que os pobres são os ‘anawím’ que não têm o
necessário para sobreviver porque foram obrigados a vender as suas terras (Lv 25,35).
Naturalmente, essa condição de dependência socio-económica expõe os pobres às injustiças
dos ricos, tornando-os indefesos perante o seu poder.
É precisamente essa situação de injustiça e de opressão que grita ao Senhor que, por sua vez,
não pode deixar de assumir a defesa dos pobres. Por causa desta sensibilidade especial pelas
consequências sociais da pobreza, pobre não é tanto quem pouco ou nada tem, mas sobretudo
(como para o nosso ambiente cultural) quem não tem meios para se defender dos ricos. Por
isso, muitas vezes Lucas escolhe as viúvas como exemplo de pobreza: estão em situação de
fragilidade económica (Lc 2,37; 4,25-26; 21,1-3), social (Lc 7,11-17; Act 6,1) e jurídica (Lc
18,1-7). Nesta perspectiva, o restabelecimento da justiça em relação aos pobres concretiza-se
na relação dos pobres com o reino dos céus, expressa na primeira bem-aventurança: eles já
possuem o reino de Deus (cf. Lc 6,20), embora não possuam nenhum património económico.
Tal pobreza é negativa porque, de facto, põe os que são obrigados a vivê-la em condições de
opressão e de injustiças permanentes. No entanto, a pobreza torna-se positiva quando, por um
lado, leva os pobres a esperar na justiça de Deus e, por outro, conduz ao seguimento de Cristo,
como demonstram os «ditos» de Jesus sobre a pobreza, que encontramos, sobretudo, na
secção da viagem para Jerusalém. O episódio do homem rico, não disposto a renunciar às suas
riquezas para seguir Cristo (Lc. 18,18-23), demonstra a profunda conexão entre a pobreza e o
seguimento no Novo Testamento.
Portanto, na perspectiva de Lucas, evangelizar os pobres não significa simplesmente falar do
Evangelho, mas anunciar e realizar uma justiça divina que não é prometida para um futuro
ultraterreno e distante, mas sim para o hoje da salvação (Kairos) e que deriva do próprio
Evangelho, isto é, da relação com Jesus Cristo que realiza as esperanças e as utopias do ano
jubilar.
A libertação dos prisioneiros
Do texto de Lucas poderia parecer que os prisioneiros se distinguem dos pobres e que
qualquer prisioneiro seria destinatário da libertação, independentemente do crime cometido.
Na realidade os prisioneiros são também os próprios pobres obrigados a viver em condições
de escravidão ou de prisão, dada a sua impossibilidade de saldar as dividas. A importância da
libertação, no cumprimento das expectativas proféticas, é confirmada pelo quarto grupo de
pessoas a quem Cristo é enviado: «... para libertar os oprimidos». Trata-se, uma vez mais,
daqueles que, enquanto pobres e prisioneiros, não podem resgatar-se a si mesmos e esperam
do Senhor a libertação definitiva anunciada para o ano jubilar(Goel). E dado que em Israel
não havia distinção entre a sociedade religiosa e civil muita dessa gente era considerada
pecadora pública. Jesus promete-lhes assim o perdão que produz libertação.
Portanto, não é só o perdão económico e social, mas também o dos pecados ou das culpas que
começa a fazer parte das instâncias do ano jubilar segundo a nova compreensão de Lucas, a
partir da acção e da salvação realizada por Cristo.
Nesta relação entre o perdão de Deus e o perdão dos homens, uns aos outros, existe o mesmo
percurso identificado pela santidade de Deus em Lv. 25: a santidade de Deus torna-se a do
seu povo quando a pessoa, a família e a terra são respeitadas na sua dignidade; assim, o
perdão de Deus atinge o homem e torna-o capaz de perdoar todas as dívidas ao seu
irmão. Nesta nova compreensão do perdão pode notar-se uma passagem do perdão das
dívidas materiais para o da ofensas ou das culpas espirituais, para indicar que a
remissão visa a pessoa humana na sua integridade e não apenas uma área da sua
existência, quer económica quer social.
No sumário narrativo de Lc.7,21, o evangelista observa que Jesus «fez com que muitos cegos
recuperassem a vista»; por isso, a constatação da cura dos cegos representa a primeira
resposta de Jesus aos discípulos de João Baptista, para confirmar que o oráculo de Is 61,1-2 se
cumpriu inteiramente.
A cura do cego de Jericó, que «estava sentado à beira do caminho, a pedir esmola»
(Lc.18,35), mostra que a cegueira representa uma das formas mais visíveis da pobreza: os
cegos não só são excluídos da sociedade e, portanto, sujeitos a injustiças socio-económicas,
mas também do próprio sector religioso e cultural do templo e dos sacrifícios. Por isso, Jesus
não só exorta aqueles que organizam banquetes a convidar «pobres, aleijados, coxos e cegos»
(Lc.14,13), mas também declara que estes farão parte do banquete final do Reino (Lc.14,21).
Contudo, Lucas nunca se fecha a uma cegueira física, como condição concreta de pobreza;
mas põe, ao lado desta, a cegueira espiritual e interior. A sobrevivência destes dois níveis de
cegueira é exemplificada, sobretudo, nos Actos dos Apóstolos, pela tríplice narração da
vocação de Paulo (Act 9,8; 9,18; 26,17-18), nesta última é bem clara a cegueira espiritual.
A par destas libertações de satanás, que significam libertações do mal, devem-se colocar as
libertações da doença (Lc.5,1 7-26), a morte (Lc.7,11-l7) e do pecado (Lc.7,36-50).
Consequentemente, com a promulgação do ano de graça, Jesus anuncia ao homem a sua
libertação do pecado, da doença, da morte e de satanás; e, desse modo, a libertação
económico-social torna-se também física e moral para todos aqueles que estão
sobrecarregados com qualquer forma de escravidão.
Jesus não só anuncia o ano de graça que, em suma, pode ser realizado por Ele ou por qualquer
outro, mas também o realiza, enquanto o anuncia. Por isso, embora Is 61,1-2 seja lido na
sinagoga de Nazaré, quando Jesus ainda nem sequer tinha evangelizado nenhum pobre nem
realizado nenhum milagre, é considerado cumprido pela sua presença: «Hoje cumpriu-se
esta passagem da Escritura que acabais de ouvir». A expressão «ano de graça», refere-se a
um ano que anuncia a salvação em relação aos homens. Jesus não só realiza um ano agradável
ao Senhor, mas também e sobretudo um ano definitivo em que a salvação do Senhor atinge
todos os homens.
Conclusão
No entanto, à primeira vista, parece que entre o ano jubilar e o de graça, anunciado por Jesus,
existe a diferença fundamental representada pelo ritmo cíclico do primeiro e pelo acaso do
segundo.
Na realidade, esta diferença é superada pela identidade escatológica ou definitiva do ano de
graça; para Lucas nunca mais haverá um ano jubilar, porque todos os anos, e até todos os dias
em que se encontra Jesus de Nazaré, representam o ano da libertação.
Por conseguinte, não é o ano jubilar que determina o envio do Filho de Deus, mas o Filho de
Deus é que torna possível cada ano jubilar.Estas celebrações jubilares ao longo da história
constituem somente a representação do único evento da morte e ressurreição de Jesus,
realizado no hoje da salvação.