Sei sulla pagina 1di 4

A Máquina-Cabral

“O Le Corbusier definiu uma vez a casa,


no bom tempo dele, como uma máquina
de morar. Uma vez li um artigo
dele(...)em que um quadro era uma
‘machine à émouvoir’, quer dizer, uma
máquina a comover , a emocionar. Então,
foi minha idéia de poesia, uma máquina a
emocionar.” (JCMN – FSP/ilustrada
24/05/88)

“Para mim o inconsciente não tem nada


de metafísico. Ele faz parte do ser
humano, como qualquer outra parte do
corpo, como um braço ou uma perna.
Noutras palavras, eu tenho uma visão
materialista do inconsciente.” (JCMN –
Cadernos de Literatura Brasileira,
pg.31/IMS)

Deleuze e Guattari(DG), em sua obra conjunta – O Anti-Édipo


e Mil Platôs, principalmente – criaram uma nova abordagem do
inconsciente e do desejo. Eles inventaram a expressão maquínico. O
maquínico não é o mecânico, não é a máquina tomada em seu
mecanicismo, em seu funcionamento automático e previsível. O
maquínico é aquilo que produz desterritorialização, que abre novas
possibilidades de experiência, de sensações, de afetos.
Por isso, para DG, a subjetividade (que inclui o inconsciente,
mas não deriva apenas dele) é uma máquina desejante. Onde o
desejo não é nem representação da falta, nem romance familiar, nem
pneumática anímica( id/ego/superego), mas produção concreta com
as forças e os fluxos. É o trabalho de aumento de potência da vida,
criando agenciamentos – formas, atitudes, devires – no encontro dos
corpos que são conceitos, perceptos, afectos, pessoas, fatos.
Tentando explicar melhor: na definição de von Foerster, um
dos maiores nomes da cibernética, o cérebro é uma máquina não-
trivial, sensível à modificação de seus próprios estados internos,
dependente do passado e analiticamente imprevisível. Uma máquina
que trabalha todos os dados que entram, sempre procurando novos
resultados/ respostas. E Carl Sagan reforça essas considerações ao
afirmar que o número de estados diferentes de um cérebro humano é
(1013 )2 dez trilhões de vezes elevado à segunda potência:
“Esses números enormes podem também dar alguma
explicação sobre a imprevisibilidade do comportamento
humano e sobre aqueles momentos que surpreendemos a nós
mesmos pelo que fazemos(...)Todos os estados do cérebro não
estão de modo algum ocupados: deve haver um número
enorme de configurações mentais que nunca entraram e nem
mesmo foram vislumbradas por nenhum ser humano na
história da espécie. Deste ponto de vista, cada ser humano é
verdadeiramente raro e diferente(...).” (Dragões do Éden)

Para DG, a subjetividade está sendo produzida, materialmente,


não apenas no cérebro, mas pelo corpo todo e por todos os corpos.
Ela habilita a criação de universos biopsicossociais. E quando “o nome
de um músico, de um cientista, é empregado como o nome de um
pintor que designa uma cor, uma nuance, uma tonalidade, uma
intensidade” (acordes Bach, o amarelo Van Gogh, a relatividade de
Einstein) (DG / Mil Platôs), a isso dão o nome curioso de máquina
abstrata, aquela que produz “um novo tipo de realidade”.
“A máquina, no universo cabralino, é sempre captada por
dentro, como engrenagem de um modelo infatigável (...)uma
certa forma de produzir, de ordenar o real, de combater-lhe a
entropia.”(Secchin/João Cabral: A Poesia do menos)

Na poesia brasileira, João Cabral de Melo Neto torna-se a


máquina-Cabral. Ela pega o fonema, a palavra, o verso, a estrofe, a
rima, o poema, o livro, e faz com eles o que ninguém tinha feito: oito
sílabas do verso (não redondilhas), fonemas atritantes, insistência em
nomes e adjetivos concretos (maçã é melhor que saudade, azedo é
melhor que triste), conceito que se prolonga estrofe após estrofe até
o esgotamento, permutações, estruturação em potências de 4 nos
poemas (e livros – Serial/ Educação pela Pedra).
É preciso um outro ouvido para esse ritmo do verso, como na
música contemporânea. É preciso um outro olho para esta estrutura
de poema (e de livro), como no cubismo ou no concretismo. É preciso
um outro compromisso com o social e político que não o realismo-
socialista ou a dita literatura engajada. É preciso um outro
pensamento sobre poesia que não o lirismo romântico, como em
Baudelaire, Mallarmé, Valéry, Augusto de Campos.
A máquina-Cabral toma a história pessoal e certas referências –
o cordel, o épico espanhol, a rima toante, o nordeste, Sevilha, Recife,
o drama, a narrativa – e as modula em outra coisa, numa linha de
fuga. “Não há linha reta, nem nas coisas, nem na linguagem. A
sintaxe é o conjunto de desvios necessários criados a cada vez para
revelar a vida nas coisas”(Deleuze/A Literatura e a Vida). Não há
representação da história, e sim a constituição de novas
potencialidades.
Inclusive a máquina-Cabral insinua um novo povo: “Não se
escreve com as próprias lembranças, a menos que dela se faça a
origem ou a destinação coletivas de um povo por vir ainda enterrado
em suas traições e renegações.”(Deleuze)
Esse povo da pedra entranhada na alma, que teimosamente
resiste a tudo que o tenta esmagar e aprisionar, “povo bastardo,
inferior, dominado, sempre inacabado, tomado num devir
revolucionário”(Deleuze).
Imagens: com seu braço erguido, o mandacaru dá uma banana
para o país eugênico; a vida franzina nascendo, que infecciona a
miséria com sua presença viva. Esta máquina quer sevilhizar o
mundo - “fazê-l(o) uma enorme Sevilha,/que é a contra-pelo, onde
uma viva/guerrilha do ser, pode a guerra.” Fazer uma outra
revolução, micropolítica.
“as máquinas estéticas, em nossa época, nos propõem
(...)os núcleos de resistência dos mais conseqüentes ao rolo
compressor da subjetividade capitalística, a da
unidimensionalidade, do equivaler generalizado, da
segregação(...)” (Guattari/Caosmose)
Para além desse sem-fim da poesia de versinhos, do plim-plim
da mídia corporativa ou desse tlim-tlim-tlim do discurso economicista,
essa poesia tem muito a dizer:
“Falo somente para quem falo:
quem padece sono de morto
e precisa um despertador
acre, como o sol sobre o olho:

que é quando o sol é estridente,


a contra-pelo, imperioso,
e bate nas pálpebras como
se bate numa porta a socos”
(Graciliano Ramos/Serial)
Gerson Dudus- out/99

Potrebbero piacerti anche