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VIEIRA, Alberto,
Albuquerque, Luís de
(1998)
O Arquipélago da Madeira
no Século XV,
COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:
VIEIRA, Alberto e Albuquerque, Luís de (1987), O Arquipélago da Madeira no Século XV, Funchal,
CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/1987-
avieira-madeiraxv.pdf, data da visita: / /
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CAPA: Extrato da Verea~ãode 5 de Julho de 1470 da Câmara do Funchal
(Arquivo Regional da Madeira, Câmara do Funchal, n.O 1296 R. 3)
I
I O ARQUIPELAGO DA MADEIRA
NO SÉCULO XV
L U Í S D E A L B U Q U E R Q U E e A L B E R T O VIEIRA
I
1987
REGIÃO A U T ~ N O M AD A M A D E I R A
Capa: Vin~irioGOMES
Fotografia: Esc. MANUELAARANHA
1. O PROBLEMA DO RECONHECIMENTO OU DESCO-
BRIMENTO DO ARQUIPÉLAGO MADEIRENSE
1 caravela com tormenta, viu uma pequena ilha, que está perto da
Madeira, e que se chama hvje Porto Santo, despovoada^^,
Parece claro que Diogo Gomes ignorava ter a ilha de há muito o
nome que ainda hoje mantém; todavia, se trocarmos a palavra <<cara-
vela. por <<barca.,verifica-se que esta informação quase se identifica
com aquela que Azurara transmite. Diogo Gomes deixa implícito o
reconhecimento da ilha, que então terá sido feito, pois conclui a breve
referência com os seguintes dados de alguma importância (mas não
registados por Azurara), que só através de uma acção daquele tipo
podiam ter sido recolhidos: .Nesta ilha de Porto Santo há muitas
árvores que se chamam dragoeiros, as quais dão uma resina muito
linda, de cor vermelha, a que se chama sangue de dragão. E aquela
caravela regressou, anunciando ao Infante a terra encontrada, da qual
levaram sangue de dragão e ramos de outras árvores.. .>,.
Quando na continuação desta narrativa se lê que D. Henrique
tomou a decisão d e mandar o piloto Afonso Fernandes a <<ilhades-
coberta de Porto Santo,, (-insulam inventam de Poito Santo.), não nos
parece correcto considerar a expressão como insignificante de que
D. H e ~ q u fora
e o seu descobridor; o texto apenas aponta para o facto
da ilha ter sido visitada, deixando indetenninados o nome do nave-
gador que a visitou e a data da visita.
A esta mesma conclusáo nos conduz uma outra fvnte manuscrita
um pouco mais tardia, pois data do início do século XVI. Trata-se de
um texto <<sobreas ilhas do Mar Oceano., que o mesmo Valentim
Femandes redigiu e juntou a compilação remetida a Konrad
Peutinger.
Nesse escrito Fqmandes começa por nos dizer que os castelhanos,
ao tempo em que andavam empenhados na conquista das Canárias,
para onde mandaram frequentemente armadas, tinham por hábito ir a
Porto Santo fazer camagem, pois havia cabras na ilha; os primeiros que
aí aportaram, fizeram-no -com o tempo. -o que quer dizer: em con-
sequência de tempestade ou de ventos contrários.
É de notar que o recurso a uma tormenta para explicar a primeira
abordagem a ilha, é igualmente usado por Diogo Gomes, como se viu,
embora este autor não endosse o acontecimento a um anónimo cas-
telhano; e é também de assinalar que se esse supostamente primeiro
visitante da ilha lá foi encontrar cabras, alguém para lá teria levado os
animais em viagem anterior.
Como é que, nesta versão, se explica ter vindo a ilha ao conhe-
cimento dos portugueses? Teremos a respostp se ~ontinuarmosa ler
Valentim Femandes: na verdade, este diligente impressor da corte de
D. Manuel conta que cena vez, andando João Gonçalves Zarco *de
armada em uma barca contra os castelhanos., e sem qualquer resul-
tado positivo, um outro castelhano, seu companheiro de aventura, lhe
disse: .Senhor, se quiserdes tomar boa preza, vamos onde eu vos
disser, que é a ilha de Porto Santo, onde os conquistadores de Canária
[topónimo que designava genericamente o arquipélago, em que a ilha
com aquele nome se integra] vão fazer sua camagem e tomar sua água;
porquanto, quando eles ali estão, saem todos em terra, e tomaremos os
navios e depois cativá-los-emos em terras.
Apesar desta proposta ter sido encarada de diversos modos pelos
companheiros de Zarco, acabou por se concluir que era de pôr em
prática a sugestão do castelhano: mas chegaram tarde a ilha, o que os
impediu de pilhar os navios e de cativar os seus tripulantes -embora
o golpe planeado tivesse falhado por pouco, pois encontraram em terra
vestígios &uma camagem recente; algum gado morto e fogueiras que
ainda crepitavam.
Parece-nos oportuno aqui um parentese para darmos uma expli-
cação. Efectivamente, a luz do código de honra da cavalaria da época
um acto como este planeado por Zarco não era condenável, como o
seria hoje; um cavaleiro desse tempo podia entregar-se a actividade do
corso, e se ela terminasse a seu favor, isso só o honraria; abordar um
navio no mar, pilhá-lo e aprisionar-lhe a tripulação era um acto per-
feitamente lícito, mesmo quando as vítimas fossem irmãos de crença; a
diligência de Gonçalves Zarco, aliás fmstrada, nada tinha, por conse-
quência, de condenável, a luz do código ae honra. vigente nessa
época.
Porto Santo desde há três anos seria conhecida, toma-se bem difícil de
explicar; e a justificaçáo dada para o nome posto a última ilha não
passa, como é evidente, de uma fantasia de Cadamosto.
Assim, e sem perdermos tempo a referir informações de outras
fontes do século XVI, já que nenhuma delas veicula novos dados sobre
o problema que nos ocupa, podemos concluir que todas elas deslocam
abusivamente para o primeiro quartel do século XV o descobrimento
do arquipélago; que este teve lugar cerca de um século antes, e que os
nomes dados as ilhas foram atribuídos desde o primeiro reconheci-
mento. E é sobretudo através da Cartografia, aliás não contrariada
pela pouca documentação que até nós chegou, que podemos avançar
as duas Últimas conclusões com bastante segurança.
a. - A propriedade
Na Madeira só pode ser cultivada uma reduzida faixa paralela ao
litoral, com cerca de dois quilómetros e meio de profundidade, que no
total não ultrapassa uns trinta mil hectares (cerca de um terço da área
da ilha). A essa exiguidade do espaço arável junta-se a formação
orográfica da ilha, que actua como condicionante da ocupação e da
distribuiçio desse espaço, dando lugar a, essa obra-prima da agricul-
tura madeirense: os poios.
Tal condicionalismo pesou na política de distribuição de terras no
século XV e implicou uma evolução peculiar do sistema de proprie-
dade. A sua distribuição foi regulamentada, desde o início, pela coroa
e, mais tarde, pelo Senhor. No primeiro caso, D. João I estipulara que
as terras deveriam ser .dadas forras e sem pensão alguma aqueles de
maior qualidade e a outros que possanças tiveram para as aproveitar e
aos de menor que vivam do seu trabalho de cortar e pilhar madeiras e
das criaçóes de gado.. .n. Com a criação do senhorio (1433 e
até 1497) essas competências são transferidas para o donatário que
delega os seus poderes nos seus capitães. Com o decorrer dos anos
essas normas de distribuição de terras vão sendo alteradas de modo a
poderem adequar-se à pressão do movimento demográfico. Assim, o
prazo de aproveitamento das terras baixa de dez para cinco anos, e
caduca a possibilidade de nova concessão, findo este prazo.
A partir da década de sessenta agrava-se a política de concessão de
terrenos, mercê do aparecimento de várias demandas sobre a sua
posse e sobre as águas, que obrigam a uma pronta intervenção do
donatário por meio do seu ouvidor. Ao mesmo tempo restringem-se
as frentes de arroteamento, pondo-se termo a concessão de terras em
regime de sesmarias, bem como a prática generalizada do fogo na
abertura de novas arroteias, que se reconheceu ser uma ameaça ecoló-
gica, e também da economia açucareira.
As reclamações e as medidas consequentes do senhorio atestam a
pressão do movimento demográfico sobre a concessão de terras. Das
facilidades da década de vinte entra-se na década de sessenta com
medidas limitativas dessas concessões, como forma de preservar áreas
de pasto de usufruto comum e de apoiar os principais proprietários de
canaviais. As exorbitâncias dos capitães, desrespeitando as ordena-
ções régias e senhoriais, conduziram a uma diminuição de áreas de
pasto ou comunitárias, e também as incessantes reclamações dos
madeirenses. Saliente-se que o próprio D. Manuel, em 1492, contra-
ria o regime de concessão de terras, ao permitir ao capitão do
Funchal que fizesse a distnbuiçáo de terrenos na serra para currais e
para cultura de cereais, bem como o das bermas das ribeiras para a
plantação de árvores de fruto; por outro lado, no sentido de evitar a
exorbitância do capitão em suspender a doaçáo de terras, revoga-se tal
direito.
No período de 1433 a 1495 a atribuição de terras de sesmaria era
feita pelo capitão, em nome do donatário. A carta respectiva deveria
ser lavrada pelo escrivão do almoxarifado, na presença do capitão e
almoxarife; no seu enunciado deveriam constar as condições gerais que
regulavam esse tipo de concessão, as confrontações, extensão e quali-
dade do terreno, capacidade de produção e o tipo de cultura mais
própria para a sua exploração, bem como o prazo do seu aproveita-
mento. O colono ou sesmeiro deveria actuar de acordo com o clau-
sulado e, findo o prazo estabelecido, adquiria a posse plena do terreno,
podendo então vender, doar, cescambar ou fazer dele e em ela como
sua própria c o u s a ~ .
São poucas as concessóes de terras que resistiram ao correr dos
tempos e que ficaram a testemunhar e a legitimar a posse do solo arável
da ilha. Temos notícia de uma, em 1457, feita a Henrique Alemão:
especifica-se nela que o beneficiário fará casa nas terras concedidas,
sendo o terreno de lavra ocupado em vinhas, canaviais e horta.
A evolução do movimento demográfico madeirense, acompa-
nhado da valorização das zonas aráveis com as culturas de exportação,
conduziram a profundas alterações na distribuição e na posse das
terras, aliás já evidente no regimento henriquino. Os mercados interno
e externo condicionaram um maior aproveitamento do solo arroteá-
vel, tomando-se urgente um adequado reajustamento da estrutura
fundiária a nova situação. O aparecimento de capitais estrangeiros e
nacionais conduziu a intensificação do arroteamento das terras e pro-
vocou alterações na sua posse por meio das transacções para compra e
aforamento enfatiota. Em consonância com estas mutações surge a
afirmação do sistema de vinculação da terra, no reinado de D. Manuel,
que veio dar origem ao contrato de colónia. Note-se que em 1494 se
generaliza o aforamento dos canaviais na capitania do Funchal, com
especial incidência nas partes do fundo e em Câmara de Lobos.
Com a lei de 9 de Outubro de 1501 põe-se termo a concessão de
terras de sesmarias, como forma de impedir a diminuição do parque
florestal, tão necessário a laboração do açúcar. A partir deste
momento, toda a aquisição de terras só poderá fazer-se por compra ou
aforamento enfatiota e ainda por transmissão por via familiar, atra-
vés de herança, sucessão e dote. Enquanto a compra e a venda
surgem como mecanismos de concentração da propriedade nas mãos
da aristocracia e da burguesia enriquecidas com os proventos da pri-
meira fase de colonização, ou dos estrangeiros recém-chegados, a
herança e dote actuam no sentido inverso, conduzindo a desintegra-
ção da grande propriedade. A primeira transacção conhecida data
de 1454 e resulta da venda feita por Diogo de Teive a Pedro Gonçal-
ves Barbiias de uma terra no Funchal por dois mil reais brancos.
Em 1498 Rui Gonçalves da Câmara vende a sua sesmaria da Lombada
da Ponta de Sol a João Esmeraldo. Quanto ao regime de aforamento,
que se generaliza nas Últimas décadas do século XV, a primeira acta
surge em 1484, quando Constança Rodrigues entrega uma terra em
Santa Catarina a João da Cunha por cinco mil reais de foro. Em 1494
esse regime generaliza-se na cultura dos canaviais da capitania do
Funchal, com especial incidência nas partes do fundo e em Câmara de
Lobos.
A presença estrangeira ao nível da estmtura fundiária evidencia-se
a partir da década de oitenta, com fixação de vários contingentes de
italianos, flamengos, franceses e casteihanos. Entre eles salienta-se
João Esmeraldo, que em 1498 aforou a já referida Lombada da Ponta
de Sol.
A este importante mercador flamengo vieram juntar-se muitos
estrangeiros que, entre finais do século XV e meados do século XVI,
fixaram a sua residência nas principais áreas de canaviais da vertente
meridional. Atraídos inicialmente pelo comércio do açúcar, acabam
investindo os seus proventos em canaviais, engenhos e levadas; para
além de João Esmeraldo, podemos referir os nomes de Simão Acciaoli,
João de Bettencourt, Pedro Lominhana Berenguer (o Doutor), João
Drumond, António Espíndola, António Leme, Urbano e Sixto Lome-
lino, João Mondragão, João Salviati, Adriano Espranger, João Val-
devesso, Micer Batista, Maciote de Bettencourt, André França,
Pedro Giralte, Martim Leme, Rui Vaz Uzel e Benoco Amador.
Bem relacionados com a alta finança europeia e com os principais
centros do comércio europeu, cativaram rapidamente a atenção da
aristocracia e da burguesia insulares, com que se relacionavam por
meio de laços de parentesco. O casamento com o apetecido dote era
muitas vezes a forma mais simples de alargarem os seus domínios e de
afirmarem a sua posição na sociedade local. Assim sucedeu com
Benoco Amador, qce casou com Petronilha Gonçalves Ferreira, viúva
de Esteves Eanes Quintal, detentor de uma grande quinta em Santo
António e de terras na Ponte de Sol; em poucos anos transformou-se
num grande proprietário e empresário, cuja fazenda adquirira com a
compra e arrendamento, por um lado, e com o comércio, a arrema-
tação e o empréstimo, por outro. Idênticas situações surgem com
João Esmeraldo, Simão Acciaoli, Pedro Berenguer, João Dmrnmond,
Urbano Lomelino, João Salviati e Micer Batista; Este último era
casado com a filha de Tristão Vaz, capitão do donatáno de capitania de
Machico.
Não obstante a forte presença do capital estrangeiro na ilha, a sua
actuação ao nível da estrutura fundiária fica muito aquém das expec-
tativas; assim, no estimo de 1494 registam-se quinze estrangeiros com
menos de um quinto da produção total; embora no século XVI tal
situação tendesse a melhorar um pouco, o certo é que o estrangeiro
mantém uma posição secundária no sector produtivo.
Sendo o Funchal o principal centro do comércio madeirense,
lógico será supor a fixação do estrangeiro no burgo e arredores, alar-
gando-se depois a algumas comarcas periféricas com forte incidência
na economia açucareira, como Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta.
Nesses lugares os estrangeiros têm, no século XVI, uma posição impor-
tante na produção de açúcar, aparecendo como os principais proprie-
tários, dispondo de extensos canaviais, engenho e grande número de
escravos. De entre eles salientam-se João de Bettencourt na Ribeira
Brava, com duas mil quatrocentas e cinquenta m b a s de açúcar, João
de França, na Calheta, com mais de três mil e seiscentas arrobas e João
Esmeraldo, na Ponta do Sol, com cerca de três mil e trezentas arrobas.
É certo que no Funchal temos grandes proprietários, como Simão
Acciaoli, Benoco Amador e João Benencourt mas, em contraste, a sua
posição no quadro geral não atinge o nível dos supracitados. Aliás, é
na Ribeira Brava e Ponta de Sol que encontramos a percentagem mais
elevada da produção dos estrangeiros.
Em síntese podemos afirmar que o estrangeiro avizinhado não se
preocupou apenas com o sector produtivo, pois o comércio e o trans-
porte dos produtos, que o atraíra, se mantiveram sempre como a acti-
vidade principal; o estrangeiro raramente surge na condição de pro-
prietário mas com o triplo estatuto de proprietário-mercador-
-prestamista.
b. Produção
42
internacional. A selecção e transplante dos produtos para as novas
arroteias far-se-á, portanto, em consonância com os vectores do diri-
gismo económico europeu e, bem assim, com as diferenças e assime-
@ias derivadas da estrutura do solo e do clima. Estes condiciona-
lismos actuam em conjunto como mecanismos virtuais de distribuição
das culturas europeio-mediterrânicas, componentes da dieta alimentar
(cereais, vinha) ou resultantes das solicitações das principais praças
europeias (açúcar, pastel).
Tal situação materializar-se-á numa tendência evidente para uma
exploração económica baseada na monocultura ou dominância de um
produto. Contra isso surgirá a heterogeneidade do espaço insular,
que condicionará a distribuição das terras, dando azo a uma política
distributiva ou a uma arrumação dos principais produtos agncolas;
surgem, deste modo, áreas de produção para subsistência e troca,
procurando definir-se as condições necessárias a estabilidade das acti-
vidades económicas. Assim, o avanço da mancha do açúcar na
Madeira implicou a criação de novas áreas de produção cerealífera,
capazes de suprirem as exigências da ilha e de outras praças em
carência.
O povoamento e exploração do espaço madeirense filia-se numa
dupla actividade; com efeito, o carácter agrário desta sociedade nas-
cente tem de compatibilizar com as necessidades derivadas da subsis-
tência e das solicitações externas. Ambos os sectores alicerçaram o
rumo desta economia, definida, por um lado, pela aposta numa agri-
cultura de subsistência, assente nos componentes da dieta alimentar
europeia, e, por outro, pela imposição de produtos estranhos, capazes
de a c t i v a m o sistema de trocas.
A estrutura do sector produtivo adaptar-se-á a estas circunstân-
cias. Em consonância com a actividade agrícola, teremos a valori-
zação dos recursos do meio insular, que irão integrar os produtos para
alimentação - pesca, silvicultura - e as trocas comerciais -urzela,
sumagre, madeiras e derivados, como o pez.
Oriundos de uma área em que a principal componente alimentícia
se definia pelos cereais (trigo, cevada, centeio), os colonos europeus
povoaram as ilhas não menosprezaram o quantitativo do grão neces-
sário p m a sementeira nestas novas frentes de arroteamento.
O fenómeno de ocupação e povoamento das ilhas atlânticas é, assim,
caracterizado pela transplantação de homens, técnicas, produtos e
formas de domínio e de poder; a ocupação será moldada à imagem e
semelhança das terras de origem destes colonos, e por isso surgem as
searas, os vinhedos, as hortas e os pomares, tudo dominado pela casa
de palha e, mais tarde, pelas luxuosas vivendas senhoriais.
Na Madeira, até a década de setenta, a paisagem agrícola será
definida pelas searas, decoradas de parreiras e canaviais. A cultura
cerealífera dominava, então, a economia madeiinse, referindo Femando
Jasmins Pereira, a este propósito, que no período henriquino os cereais
constituíram a base da colonização da ilha.
A fertilidade do solo, resultante das queimadas, fez com que esta
cultura atingisse níveis de produção espectaculares, que a historio-
grafia quatrocentista e quinhentista anuncia com assiduidade, notando
que se exportava cereal para o reino e as praças africanas.
Segundo Francisco Alcoforado e Diogo Gomes uma medida de
sementeira equivalia, em média, a sessenta e cinquenta de colheita,
situação deveras espectacular se tivermos em conta que na Europa
raras vezes ultrapassava trinta e só em condições excepcionais se ficava
por quarenta.
Em meados do século, segundo Cadamosto, a ilha produzia três
mil moios de trigo, o que excedia, em mais de dois terços, as necessi-
dades da parca população. Esse excedente era exportado para o reino
e, segundo os cronsitas, vendia-se ao preço de quatro reais o alqueire;
desde 1461, mil destinava-se ao saco da Guiné.
Não obstante, a partir da década de sessenta, com a valorização da
produção açucareira, as searas diminuiram em superfície e a produção
cerealífera passou a ser deficitária; a partir de 1466, a ilha precisava
mesmo de importar trigo para o sustento dos seus vizinhos, sendo,
portanto, impossível manter as escápulas estabelecidas. Aliás,
em 1478 referia-se que essa produção dava apenas para quatro meses.
Esta situasão derivou da acção dominadora dos canaviais, aliada ao
rápido esgotamento do solo e a inadequação da cultura, resultante de
uma exploração intensiva, sem recurso a qualquer técnica de arro-
teamento.
O agravamento do défice cerealífero nas décadas de setenta e
oitenta, que conduziu ao alastramento da fome, em 1485; surgirá como
a principal preocupação das autoridades locais e centrais. Primeiro
procura-se colmatar essa falta inicial com o recurso a Berberia, Porto,
Setúbal, Salónica; depois foi necessário definir uma área produtora,
capaz de suprir as necessidades dos madeirenses. Assim sucedeu
desde 1508, com a definição dos Açores como principal área cerealí-
fera do Atlântico português; esse arquipélago actuará como o celeiro
de provimento da Madeira e substitutivo desta no fornecimento as
praças africanas.
A Madeira que se havia afirmado, no penodo henriquino, como
um importante mercado de fomecimento de trigo passará, no governo
femandino, a situação de comprador, adquirindo mais de metade do
seu consumo nas ilhas vizinhas: Açores e Canárias.
A crise cerealífera madeirense surge siniultaneamente com a afir-
mação da mesma cultura no solo açoreano; aliás Joel Serrão já referiu
que a sua valoriza~ãoaçoreana resulta daquela exigência; o rápido
incentivo da cultura no arquipélago dos Açores durante as décadas
de 60 e 70, conduziu a uma situação em que o arquipélago, nos finais do
século, se a f m a v a como a principal área produtora de trigo do novo
mundo.
Os cabouqueiros peninsulares transportaram conjuntamente com
os poucos grãos de cereal alguns hacelos das boas cepas, existentes no
reino, de modo a poderem dispor do preciso vinho para o ritual
cristão e aliunento diário. A videira adaptou-se com facilidade ao solo
insular e conquistou uma posição de peso na economia das ilhas.
Cadamosto, que em meados do século XV vitou a Madeira, ficou
deslumbrado com o rápido crescimento desta cultura, aduzindo que a
ilha =tem vinhos muitíssimo bons, e se se considerar que a ilha é habi-
tada há pouco tempo, são em tanta quantidade, que chegam para os da
ilha e se exportam muitos deles..
A cultura da vinha na Madeira absorvia, já nessa altura, uma parte
considerável da área arroteada da ilha e, de modo especial, a zona
ribeirinha do Funchal, onde deparamos com doze vinhas e treze
latadas; foia do Funchal, na área entre a ribeira brava e Ponta do Sol,
situavam-se apenas oito latadas.
Da certeza e da aposta inicial, testemunhada em 1511 na expressão
de Simão Gonçalves da Câmara, segundo a qual a ilha produzia ape-
nas pão e vinho, surge a afirmação, a partir de meados do século, de
novas culturas, como a cana de açúcar que galvanizava o empenho dos
pioneiros madeirenses. Por outro lado, é atribuída maior atenção aos
recursos que a ilha pode oferecer e que apresentam valor econó-
mico, e daí a importância dos domínios silvícolas e piscícolas. Por isso
Zurara (1463-68) refere que os proventos da ilha incidiam sobre o pão,
açúcar, mel, madeiras e outros. Incompreensivelmente o cronista
ignora o vinho, que já em 1455 era referenciado por Cadamosto como
um produto importante da lavra madeirense.
A cana de açúcar, na sua primeira experiência além Europa,
mostrou as possibilidades do seu rápido desenvolvimento fora do
habitat mediterrânico. Esta verificação catalizou as atenções do capital
estrangeiro e nacional, que apostou no crescimento e promoção desta
cultura na ilha; só assim se poderá compreender o seu rápido avanço.
Se nos primórdios da ocupação do solo insular se apresentava como
uma cultlira subsidiária, passa a partir das últimas décadas do
século XV a produto dominante, situação que se manterá até o final da
primeira metade do século XVI.
A cana sacarina, usufmindo do apoio e protecção do senhorio e da
coroa, conquista o espaço ocupado pelas searas, atingindo todo o solo
arável da ilha. Aí poderemos distinguir duas áreas: a vertente meri-
dional (de Machico a Calheta), com um clima quente e abrigada dos
alíseos, onde os canaviais atingem os quatrocentos metros de altitude; e
o noroeste, dominado pelas plantações da capitania de Machico (Porto
da Cruz e Faial até Santana), solo em que as condições mesológicas não
permitem a sua cultura além dos duzentos metros, nem uma produção
idêntica a primeira área.
A capitania do Funchal agregava no seu perímetro as melhores
terras para a cultura da cana de açúcar, ocupando a quase totalidade
de espaço da vertente meridional. A capitania de Machico restava
uma mínima parcela dessa área e todo um vasto espaço acidentado
impróprio para tal cultivo. Assim, em 1494, do açúcar produzido na
ilha apenas um quinto foi proveniente da capitania de Machico.
Na capitania do Funchal os canaviais distribuem-se de modo irre-
gular, de acordo com as condições mesológicas da área; deste modo,
em 1494, a maior safra situava-se nas partes de fundo, englobando as
comarcas da Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta, com cerca de dois
terços da produsão, enquanto ao Funchal e a Câmara de Lobos cabia
menos de um sexto. Em 1520 a diferença mantém-se, pois são ligeirís-
simas as alterações. Uma análise em separado das diversas comarcas
da capitania do Funchal, na mesma data, evidencia a importância da
comarca do Funchal, seguindo-se a da Calheta; as comarcas da Ribeira
Brava e Ponta de Sol surgem numa posição secundária.
Descrita a situação da geografia açucareira madeirense, vejamos a
sua evolução até meados do século XVI.
Criadas as condiçõees a nível interno, por meio do incentivo ao
investimento de capitais na cultura da cana de açúcar e no comércio de
seus derivados, do apoio do senhorio, da coroa e da administração
local e central, a cana estava em condições de prosperar e de se tomar,
por algum tempo, no produto dominante da economia madeirense.
O incentivo externo do mercado mediterrânico e nórdico acelerou este
processo expansionista; e a sua detenção só se veio a verificar pela
convergência de vários factores endógenos e exógenos. Tudo isto
explica o rápido movimento ascendente bem como o percurso inverso,
pois ao atingir-se o zénite não houve um lapso de tempo de esta-
bilidade.
A fase ascendente, que poderá situar-se entre 1450 e 1506, não
obstante a situação depressionária de 1497-1499, é marcada por um
crescimento acelerado que, entre 1454-1472, se situa em uma média
anual de 13%, no primeiro caso, e de 68 %, no segundo. No período
seguinte, após o colapso de 1497-1499 a recuperação é de tal modo
rápida que em 1500-1501 o crescimento é de 110% e entre 1502-1503
de 205%. Esta forte aceleração do ritmo de crescimento nos pri-
meiros anos do século XVI irá atingir o máximo em 1506, para se ven-
ficar um rápido declínio.nos anos imediatos; basta dizer que apenas em
quatro anos se atingiu um valor inferior ao do início do século.
A situação agravou-se nas duas décadas seguintes, baixando na capi-
tania do Funchal, entre 1516-1537, em 60%. Na capitania de Machico
a quebra é lenta, sendo consequéncia de depauperamento do solo e da
sua crescente desafeição a cultura. Mas a partir de 1521 a tendén-
cia descendente é global e muito marcada, de modo que a produção do
fim do primeiro quartel do século se situava a um nível pouco superior
ao registado em 1470. Na década de 30 consumava-se em pleno a
crise da economia açucareira e o ilhéu viu-se na necessidade de aban-
donar os canaviais e de os substituir pelos vinhedos.
c. Comércio
20 praticanete praticamente
3 deturpados deturpadas
21 decoberto descoberto
9 terem se terem
16 Dessa Nessa
29 com a com a de
3 tendo sendo
29 insignificante significante
33
12
5 inprovisar improvisar
33 acta carta
26 cronsitas cronistas
2 ribeira brava Ribeira Brava
9 intervencionalismo intervencionismo
12 Affaiti Affaitati
32 1944 1494
21 homens-bens homens-bons
32 orientada orientadas
Composto e impresso nas oficinas da
IMPRENSA DE COIMBRA, LIMITADA