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IMIGRACAO E EMIGRAÇÃO
NAS ILHAS
REGIAO A U T O N O M A DA M A D E I R A
AS MIGRAÇÕES E OS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES
Séculos XV e XVI
Aqui s%oevidentes duas formas de expressão dos ffuxos rnigrathrios: por uin Iado o
espaço atlsntico, onde o portuguks teve que criar as condições para a sua instalação, isto
o "povoar", e, por outro, as indias, entendidas como o Oriente, onde se lhe deparou uma
sociedade estruturada e, por isso, o que deve fazer é integrar-se, no entender de Garcia de
Resende "morar". Foi este segundo destino que atraiu maior número de migrantes,
Tudo isto releva-nos duas atitudes distintas que resumeiii a foriiia de expressão de
ambos os fluxos migratdrios: dum lado foi a plena ocupação dos espaços desertos ou
ocupados, do outro a intervenção no coinércio, por ineio do estabeleciinento de feitorias e
fortalezas, consideradas instrunientos de controlo dos circuitos coinerciaiss.
Sucedeu depois um fluxo inverso de escravos, que atemorizou os que ficaram, inas
que veio a ser um factor de equilíbrio do sector produtivo:
Veriros no reino nlcter
tantos cativos, cre.yccr,
c irem-se O,? nufurui.s,
que se assin~for, serão n1ai.v
c h que nris, u meu ver
Destes Últimos já inuito se tem dito, mas dos primeiros pouco ou nada se sabe. Fata-
se de uma verdadeira sangria populacional do reino mas quase ninguém aiiida questionou
a dimensão assumida por este movimento: quantos partiram h aventura? Qiiem são estes
aventureiros da conquista do Norte de Afi-ica e Oriente, do descobrimento das illias, costa
africana e Brasil? Por fim, importa saber porque se sai? VTio todos de livre voiitade,
guiados pelo espírito de aventura ou por outros interesses e objectivos?
A História e a tradição testemunham a presença de uni grupo heterogkneo: viajantes,
aventureiros, militares, funcionários e missionários. Foi uma gesta nacional pelo que
estão representadas todas as localidades do reino. A salda aconteceu em Lagos ou Lisboa
mas as gentes que acudiam As plagas lusitanas para a partida ou despida são de todo o
pais. Não são os algarvias os únicos a aderirem de alina e cornção a este processo. O
Norte e o interior tainbém estiveram representados. Os marinheiros, lavradores, e oficiais
mecânicos que aderiram a aventura sgo de todo o pais. A alguns as crónicas lavraram o
nome em letras douradas, mas a maioria ficoit inclignita e seri diflcil, senão impossivel,
reconstituir a lista.
O tema n%ose esgota neste breve enunciado de nomes e números. H a que dedicar
muito tempo a recolha de dados avulsos em docu~neiitos,crónicas e relaçães de viagens
que testemunhem esta realidade. A literatura reserva um apartado para esta situação.
Algumas das páginas de ouro da nossa escrita do sdculo XVI estão baseadas nesta
vivência. A lista extensa e contempla todas as hreas literhrias. Desde Gil Vicente,
passando por Carnbes, Fernão Mendes Pinto é evidente a prernència das migrações
geradas pelos ~escobrimentos~.
-
Confronte-sc Joiío l'nulri COSTA, "A ColonizaçSu Portuguesa lia Ásia", in I'oi?ilgnl rio
Miindo, vol. 111, 158- 179: Ilidio do AMARAL, "Medidas portuguesas pnw n organizaçiio dos novos
ierritrírios lias innrgcns coniiiientnis do AtlUntico sul. nu scculo XVI (apontainenios de Geognlia
Histórica)", in Revisto de Universidade de Coirnbru, XXXVI, 199 1. 277-3 16.
Coiifronte-se Hernani CIDADE, A Litern~tiraPorlrrgaesn e a Exponsiio Wtrnrnarina, vol. I,
Coiinbra, 1 963.
Fernando Pessoa em o "mar português" dá-nos coiita deste movimento:
" hmar salgado, quanto tea sal
são Iágrinia.~de P ortzigal!
por te cruzarmos, quuntus mães choraram,
qiranto.~filhosem vão rezaram!
quantas noivasficaram por casar
para que fosses nosso, d mar!"
"'or exemplo para ri Oricnte tcnios FernSo Lopcs de CASTANHEDA, tJisthririn clo
d~scobritttenior congriistn do j~fdicipelos ,iortirgiiesPsb livros 1-11, Coirnbra. 1924. livros Ill-!V,
1928, livros V:VI. 1929. Confiontc-sc Gcrmana da Silva CORREIA, Ilisfrjrirr d(t coloni:c1~~70
portirgiresn na Ii~din,6 vols. Lisboa, 1948-56: Viscondc LAGOA, Grondes e hrintildes no epopeia
portuguesa do O r i e t ~ r c ( ~ ~ c iX 1 0 Xl'l e ,XI'II), 2 vols, I,isbon. 1942-43. Ficou pclo aiitropónimo
1I:
Albuquerque.
I l3 D impbrio coloniril pnrtlig~iês.Lisboa. 1977.
I' "Socicdade Porlugiiesa", iin Dicionrirto de I.listcii-ia úe Porii,gnl, vol [V,Lishoa, 1978,
, pp.18-50
l 6 A ernigrnçfioportiigucsu, Lisboa, 1 977,93.
em todas as expedições. Aos primeiros foi, sem duvida, com destino ao Norte de África e
a índia que engrossou o seu número. Esta questão prende-se com outra que tem ocupado a
Historiografia dos Descobriinentos. Para o século XV estabelece-se uma dualidade de
opções entre a burguesia e a aristocracia, expressa tambtm no confronto de duas figuras:
os infantes D. Pedro e D. ~ e n r i ~ u e "Enquanto
. os primeiros estariam empenhados nas
campanhas de defesa das praças africanas ou de conquista dos entrepostos orieiitais, os
segundos postaram na linha da frente do descobrimento de novas terras, na senda de
encontro de novos mercados e produtos. Dualidade de políticas, de rumos e protagonistas
eis a forma simplista de definir este mcessa. A realidade não foi assim tão linear como
se pode provar em qualquer listagein . it
A preocupação da nobreza pelos descobrimentos é considerada posterior As
campanhas marroquinas e a morte do Infante D. Henrique. Ate 1460 a nobreza, excepção
feita a Nuno de Góis e Vide de Sousa, estava empenhada na conquista e defesa das praças
marroquinas. Para alguns, os Descobrimentos até esta data foram protago~iizados,
maioritariamente, por aqueles que estavam próximos da sua Casa. O primeiro docuinento
que testemunha esta mudança de atitude é a carta r6gia de 24 de Março de 1462'"
autorizando D. Duarte de Menezes a enviar ernbarcaçfies a Terra dos Negros. Todavia, tal
como o refere Vitorino Magalhães ~odinho'~,e dificil distinguir a bcirguesia da
aristocracia, uma vez que somos confrontados com mercadores-cavaleiros e cavaleiros-
mercadores, por isso, "no mundo que os portugueses vão criando nestes séculos o vector
social dingmico t o cavaleiro-mercadora
N a india, segundo Luis F. Reis Thomaz e Genevieve ~ o u c l i o n a~ classe
~, dirigente
apresenta-se como um clã, composto por um grupo restrito das fnmilias, na sua maioria da
velha nobreza anterior h crise de 1383-1385. Ainda, segundo os mesmos, há uma con-
tinuidade das familias no processo de descobrimento e ocupação: "les fils se combattants
A Ceuta em 1415 se battent h Tanger en 1437 ou a Alcacer-Ceguer en 1458, leurs petits-
fils conquitrent Anila en 1471 ou se battent k Toro en 1475, les fils de ceux-ci
cornrnencent i apparaitre en ~ n d i e " Esta
~ ~ . ideia pode ser certificada com o testemunho de
um dos descendentes da primeiro capirão do Funchal: Joso Gonçalves Zarco. Em 1526
João de Melo da Chmara, irmão do capitão da ilha de S. Miguel, justificava a capacidade
de povoador do seguinte modo: "porque a ilha da Madeira meu bisavb a povooii, e meu
avB a de São Miguel e meu tio a de São Torné, e com muito twhalho, e todas do feito que
t '.,-, .i ,:, v
, .i' ,
l7 Confronte-se Armtindo de CASTRO, Histbria Econbntica de Porrtigal, vol. Ilt, Lisboa,
1985,59 e segs.
I R Confronte-se Armando de CASTRO, Histriria honbmicn de Porhrgni, vol. 111, Lisboa,
1985, pp.59-84.
Monumenta Henricirla, XIV,208-2 1 0.
20 'Sociedade Portuguesa". in Dicionário de Histórici de Portugal, vol. IV. Lisboa, 1978,
pp. 18-50
2 ' Vitorino Magalhiles Godinho, "As ilhas atllnticns. Da g c o p f i a mítica à construção das
economias oceanicas", in Actas do I Colóquio Infernncional de Iiistória da Mudeira, Funchal,
1989-47.
Voyage drrns les Deltas dtr Cange et de I'lrrnmrnddy. 152 1, Paris, 1988, pp. 367-4 13.
23 Ibidem, p.4 10.
se v8 Estes dois mil colonos que ele se propunha levar para a cotonizaçlo do Brasil
n%oeram "da esptcie de tomarem Índias por concubinas e de viverem na terra sem a
fazerem produzir". Não sabemos se, com tão valiosa tradição e inten*, conseguiu os
seus intentos.
Outra famllia d tambem protagonista de rumo idêntico. São os Betencourts, que da
Nomandia, através das Canarias. evoluem a todo o espaço atlântico. São um exemplo de
familia atl~ntica~~.
No caso do Brasil o processo foi distinto. Primeiro, entre 1532 e 1548, foi o sistema
de capitanias. Os seus usufrutuários são capitães e altos funcionários a quem a coma
procurava compensar os serviços prestados no ~ n d i c oA ~ ~mudança
. foi operada em 1549
por iniciativa de D. João 111, que apostou na unidade política e administrativa do Brasil
atravks da criação do cargo de governador-geral, entregue a Tome de Sonsa. É a política
de povoamento dos demais espaços atlânticos, que levara a uma forte presença dos
obreiros madeirenses para o lançamento da cultura da cana de açúcarz7.
Tal como o refere Jogo Paulo COSTA*' este permanente fluxo migratbrio C alargado
a todos os estratos sbcio-profissionais, com especial incidência para os "comerciantes,
sacerdotes, marinheiros, guerreiros e missionários" que "trilharam juntos os mesmos
caminhos, falaram as mesmas gentes, perscrutaram o mesmo horizonte infinito de
água...". A bordo das embarcações iam os soldados para a peleja, os funcionhrios que
defendiam os interesses da coroa e os missionários como arautos da fé. Estes ultimos,
segunda José Pereira da costa'" ssão na maioria estrangeiros, "sob a égide da coroa
portuguesa". E de salientar que eles são companheiros inseparkveis de povoadores e
conquistadores. Sucedeu assim na Madeira, em 1420, como para o Oriente no século
XVI. Vasco da Gama em 1498 fez-se acompanhar apenas de dois religiosos, mas Pedro
~lvaresCabra1 em 1502 levou 8 padres capelks, 1 vigário e um grupo de franciscanos
sob as ordens de Frei Henrique Á l v a r e ~ A~ ~missão
. destes religiosos não se resumia
apenas a assegurar a actividade de culto, a bordo e nos locais de fixação, a conversão dos
gentios, pois podem ter também a missão específica de embaixadores. Depois, foi a
fixação com a criação de casas de franciscanos, dominicanos e, finalmente, jesuitas. Isto
provocou a ida de muitos clérigos, oriundos do reino ou estrangeiro3'.
Bnrtolomert Dias e a saio época. Actas, vol.V, Porto, 1989; João Pwlo Oliveira e COSTA. "As
misdes crist3s em Africa", "As missões cristiàs na China e iio .lapãoM,inPortugal no Adiindo, vol.Il1,
1989, 88- 103, 143-157; Luís Filipe F. R. THOMAZ, "Descobrimentos e cvangelirnção. Da criimdn
à inissno pacífica", in Congresso Internacionni de Hisf brin. Missionaçfio Porticgiresa e encontrn dc
-
ciilhiras. Actns. v01 I, Lisboa. 1993. 8 1 129.
32 Veja-se LiiIs de ALRUQUERQUE. A'avegndores. viajuntes e eaventilreiros porttipieses.
séciilos XY e XI'1, 2 vols, Lisboa. 1987
33 Sfio muitos os estudos sobre os Judeus em Portugal, coiifronte-se a síntese actualiznda de
Maria J o k FERRO, Los judíos en Portugal, Mndrid. 1992.
34 Sainucl USQUE, ConrolaçCo às tribulações d~ Israel, Coiinbrk 1906.
35 Mnria Ernilia Madeira SANTOS, "Origcin e desenvolvimento da colonizaç~o.Os pri-
meiros lançdos na Costa da Guine. Aventureiros e comerciantes", Por~rigrrlno hlr~ndo,vol. Il,
pp. 125-136.
36 Confronte-se C.R.BOXER, A mulher na expnnsâ'oporiugtiesa i~ltronicirinaibGrica, Lisboa,
1977.
37 Sobre a presença da mulher na expansão veja-se: Eiaine Sancem, Mirllteres portugi~esas
no uliramar, Porto, 1979; C.R. Boxer. A niuliter na expansfi ~iltrnrnarinoiberica, Lisboa, 1977:
Mnria Regina lavares da Silva, Hei-oinas dn Expansfio c Descnbrinsenfos, Lisboa, 1989.
38 Veja-se Richart KONETZKE, "La imigracion de rnujeres espafiolm a América durante Ia
tpoca colonial", in Revista Internncionol de Sociologia, n".9-10, Madrid. 1945.
I
A COMUNIDADE SEFARDITA DA MADEIRA E O A Ç ~ C A RNO ATLÂNTICO
I
. 39 A Bibliografia C extensa. apenas destacamos os textos de Maria Jose Ferro Tavares.
40 Cf. Jost G.Salvador, Os Cristãos-novos e o comércio no Ailâniico meridional. S . Paulo,
1978, 149; António Jost Saraiva, Inquisição e Cristãos Novos, Lisboa, 1 994, 1 34- 1 35.
4 1 Vide Maria José Ferro Tavares osjudeus na época dos descobrimenios, Lisboa, 1995.
42
Para a Madeira n8o existe estudo completo sobre a inquisição como t o caso de Paulo
Braga, A Inguisição nos Açorex, P.D., 1997.
41
AHM, Vol. XV, 1972, 14-1 5,3 de Agosto de 1461.
" Os cristãos novos e o comêrcio Atlúntico Meridional, S . Paulo, 1978,246.
Os judeus esta0 envolvidos em todas as actividades, todavia, como nos refere Maria
Jose Ferra Tavares, "a ac~ividndenlercaniil e n ocupaqüo principar'. E dentro destas
parecem ter uma predilecçgo especial pelos iiegócios baseados no açucar. Pelo inenos 6 a
opinião de José Gonçalves que t pereniptoria ein afirmar que "os hehreiis
sefurdita.~uparecem idenliftcadfi~ com a.7 actividude.~ligadas ao açúcar prinseiro nas
ilhm adjacente.^ a Porriigal e depois nas demais pos,~es.~õc~''.
A estrattgia dos judeus para o domínio do mercado açucareiro do espaço atlântico
passa por uma estreita aliança cam os mercadores flamengos e italianos nomeadamente os
genoveses. Esra aliança fora já denunciada nas Cortes de 1471-72, inas continuarjl a
progredir nos decdnios seguintes. No caso do comdrcio do açúcar da Madeira 6 comuin
encontrar-se esta forma de actuaçZío. Assiin quando o coinkrcio do açúcar estava sujeito a
um monopdlio da Coroa, mandado a sociedadcs estes surgein aliados aos Leme,
Lomellini e Marchione. N o caso do monopblio do comkrcio do açúcar com a Flandres e
uma sociedade entre os Leme e Abravanel que controla o processo. Jh para as cidades
italianas sao Moises Latam e Guedelha Palaçam que se associam a B. Marchione.
De acordo com o livro de estimos do açúcar do Funchai em 1 4 9 4 e~ evidente
~ a
presença de judeus, como Isaac Abeacar, M o i s b Benagaçarn e David de Negro naq
transacções açucareiras, achando na ilha através de procuradores italianos como era o
caso de Dinis Sernige, Lucas Ctsar, Sisto Lomellini. Ainda segundo V. Rau os judeus
junto com outros estrangeiros, aqui dominados pelos genoveses, dominavam em 1494 as
transacções açucareiras coin 11.373 arrobas, o equivalente a 64% do total eni causa".
Esta posição não está longe da realidade desta e posterior centúria, uma vez que os dados
por n6s apurados entre 1490 e 1550 apontam de novo para esta esmagadora presença dos ,
mercadores italianos com 80% das operaçaes comerciais do açúcar rna~leirense~~.
Os aferidores mais importantes da religiosidade dos madeirenses são, sem duvida,
os testemunhos exarados, primeiro nos diversos livros das visitações e depois nos
processos perante o Saiito Oficio. A inquisição exercia a actividade atraves do tribunal de
Lisboa, a quem pertencia todo o espaço atlântico. A acção do tribunal nestas paragens não
era permanente e fazia-se através de visitadores aí enviados. Na Madeira e nos Açores
realizaram-se t d s visitas: em 1575 por Marcos Teixeira, em 1591-93 por Jerónimo
Teixeira Cabral e em 1618- 19 por Francisco Cardoso Tomeo, mas só é conhecida a
documentação das duas últimas.
Nas ilhas foi evidente a conivbncia das autoridades com a presença da comunidade
judaica, o que resultou em facilidades a sua fixação quando perseguidos no reino. Eni
finais do sdculo dezasseis foram amolados 94 cristãos nnoos, mas em 16 18 o seu iiúmero
não passou de 5, quando sabemos que em 1620 eram 58 os judeus que pagavam a taxa. A
presença da comunidade judaica era evidente. Os judeus, maioritariamente comerciantes,
estavam ligados, desde o início, ao sistema de trocaç nas ilhas, sendo os principais
animadores do relacionamento e comtrcio a longa distância.
A criação do tribunal do Santo Oficio em Lisboa conduziu a que os cristãos-novos
avançassem no Atliintico: primeiro nas ilhas e depois no Brasil. A dikpora fez-se de
FORMAS DE RECRUTAMENTO
49 MELLO. Jod Antbnio Gonsalves de, Gente da naçfio: cristr70s-novos e jirdetis ersr
Pernarnbi~co,Recife:, 1989; RIBEMBOIM. José Alexandre, Senhores de Engenlio ,judeits em
Per~iambucocoloninl1542- 1654, Recife, 1 995: SAL,VADOR, José Gonçalves Os Cristãos-Novos.
Povoamento e Conqriisia do Solo Urusileiro (1 330- 1684, S.Paulo, 1976.
50 Veja-se no caso do Oriente o estudo de Luis de ALBUQUERQUE e José Pereira da
COSTA, "Cartasde serviço da índia( 1 500- 1 550)", in Mure Liberi~rn,no.1, 1 990,309-396.
Confronte-se Luis Miguel DUARTE e José Augusto P. de Sotto Mayor PIZARRO. "Os
forçados das galts(os barcos de João da Sílvn e Gonçalo FalcBo na conquista de Arzila em 1471)".
in Congresso Internacional. Bar~olonieiiDias e n sua época. Actas, vol. 11, Porto, 1989, pp. 3 13-
-328.
I
terras estranhas e desnaturarem-se pera todo o sempre de sua terra"". Mais tarde, Lufs
~ ~ que "o Brasil povoou-se com degredados, gente que se
Mendes de ~ a s c o n c e l o srefere
tirava do reino por beneficio dele". Neste caso recorde-se que Martim Afonso de Sousa
fez-se acompanhar de 600 degredados. Não será isto um indicio de que esta emigração
funcionava como uma vdlvula de escape para os conflitos sociais54?.
Para as ilhas as orientações de envio dos degredados sucedem-se conforme a
evolução do processo de povoamento do espaço atlântico: primeiro a Madeira, depois, os
Açores, Cabo Verde e S. Tomé. Note-se que a partir de 1 45455D. Afonso V determina, a
pedido do Infante D. Henrique todos os homens condenados a degredo iam "povoarem as
ditas ilhas que então começava de povoar...". No caso da Costa da Guiné - os
-
arquipklagos de Cabo Verde e S . Tomé ternos para o periodo de 1463 a 1500 temos 19
casos em que foi solicitada a carta de perdgo a coroa5!
Ao Oriente também chegaram os degredados. O recrutamento da tripulação para as
primeiras expedições, a partir da viagem de Vasco da Gama, fazia-se tarnbkm entre os
prisioneiros que aguardavam degredo nas terras do alem. Vasco da Gama em 1497 fez-se
-
acompanhar de dois - Fernão Veloso e Martim Afonso lançados em busca de novas do
-
semo. Em 1500 Pedro Álvares Cabral fez-se acompanhar de dois Jogo Machado e Luis
-
de Moura que deixou em Melinde com intuito de ir ao encontro do Preste Jo50. Uin
deles foi Jo%oMachado, natural de ~ r a ~ aEle~ ' .fora condenado ao degredo para S. Tome,
mas acabou por acompanhar Vasco da Gama, como língua. Ficou em Moçambique e
lançou-se a uma vida de aventura por Quiloa, Mornbaça, Melinde e Cambaia. Colocou-se
ao serviço dos turcos e depois passou para o lado dos portugueses, acabando por falecer
em 1517 numa escaramuça contra o inimigo. Este não é caso único. Outros o sucederam
como lançados no sertão, onde se perderam ou desertaram. O que mais se evidenciou
neste grupo foi a grande capacidade de adaptafio as adversidades da aventura, como o
exemplifica o caso de João Machado.
75 Vejam-se as aportacfics de Alberto IRIA(0 AIgm-ue e n illrri drr iIhdr?iin no sicido Xt'
(clocttinentos inéditos), Lisboa. 1974)e a crltica de Fernando lasinins PEREIRA ("O Algurve c ri
ilha da Madeira. Criticas c aditamentos a Alberio Iria". in fittidos sobre flistórin rln Mc~deirn.
Funchal, 1991, pp. 283-296). O tema foi rctomado por Arhir Trtodom de MATOS("Dricontribiito
algarvio no povoamento da Madeira e dos Açores", in Actas rins I J m n d t ~ s(/e Histcirin medieval do
Algaiw e Andalilzia, I,oulé, 1987). que releva a irnportfincia das gentes algamias no povoainento da
Madeim e Açores.
"Aspectos e problemas da expansão portuguesa", in fi~zidas de Ciêncins Poliiicas e
Sociais. n0.59, Lisboa, 1962.
77 Luis de Sousa MELO, "O problema da origem geográfica do povoamcnto". in Islenlta,
n0.3, 1988.20-34.
78 Maria Luts Rochn PINTO e Teresa Mnrin Ferreira RODRIGUES, "Aspectos do
povoamento das ilhas dx Madeira e Porto Santo nos stculos X V e XVI", in Actas do IJI Coldqziio
Inrmm~1ml(de HrsI~Iriurkr Mmk.iru, Ftinchal. 1993.40347 I.
Ponte Lima, Vila Real e Vila do condem. Os livros de matricula do Cabido da Sé do
Funchal, para o periodo de 1 5 3 ~ - 1 5 5 8a~ maioria
~, dos ordinandos do continente situa-se
lias regiões a Norte do Tejo, com forte incidencia em Braça e Porto.
Para os Açores são diversos os estudos sobre a etnogenia da população açoriana. A
ideia mais usual de que as ilhas de Santa Maria e S. Miguel foram povoadas por gentes
da Estreinadura, Algarve e Alentejo, os da Terceira e Graciosa são do Norte, eiiquanto no
Faia1 e S. Jorge tivemos a dominância dos flamengosS1.
Em S. Miguel, a listagem dos primeiros povoadores fornecida por Gaspar Fmtuoso
leva-nos a concluir por uma idêntica afirmação das gentes do Norte de Portugal: em 177
farnilias ai referenciadas 59% eram do reino e 24% da ~ a d e i r a " . Das primeiras a maior
percentagem situa-se na região de Entre-Douro-e-Minho. E podeinos concluir coin Luis
da Silva Ribeiro: "A grande maioria dos povoadores foi constituida por portugueses e no
povoamento colaboraram, mais ou menos, todas as provincins de ~ o r t u ~ a l " ~ ' .
A inexistência de registos capazes de elucidar esta realidade leva-nos a buscar outro
tipo de testemunhos capazes de denunciarem a origem destes primeiros colonos. Os dados
fornecidos pela Genealogia, Antroponímia, Linguística e Etnologia referem uma oripein
variada para os priineiros colonos que actuaram coma o fermento da nova sociedade
açoriana: minhotos, alentejanos, algarvios, madeirenses e flamengos corporizain o
começo da sociedadex" E compreensível que, a exemplo do que sucedeu na Madeira, no
grupo de povoadores das ilhas de Santa Maria e S. Miguel surgisse gentes alçarvias ou n f
residentes, que corporizarain a oligarquia local. Mas depois a principal força motriz da
sociedade e economia açorianas deveria ser, necessariamente, do norte de Portugal. E se
no começo os contactos eram, preferencialmente, com o Algarve diversificaram-se depois
a exemplo da Madeira manteve-se uina forte vinculação as terras norteiihas.
Partindo do principio de que o povoamento das ilhas foi um processo faseado, qiie
atraiu a totalidade das regibes peninsulares e ate mesmo mediterrâneas, é de prever a
confluência de gentes de varias proveniências, em especial iios espaços ribeirinhos de
maior concentração dos aglomerados populacionais. Se é certo que o litoral algarvio
exerceu uma posição d e relevo nas primeiras expedições henriquinas no Atlântico,
também não 6 menos certo que esta era uma área de recente ocupação e carenciada de
gentes. Assim o grosso dos cabouqueiros do mundo insular português deveria ser de
origem nortenha, sendo em muitos casos os portos do litoral algarvio o local de .partida.
Do Algarve vieram, sem duvida, os criados ou servidores da Casa do Infante, ciija origein
geográfica está ainda por esclarecer. Eles tiveram uma função de relevo no lançamento
das bases institucionais do senhorio das ilhas.
86 Confronte-se Jules MEES. "FlistOrin dn dcscobcrtn das illins dos Açores c dn ririgciii J;t sii;i
denominação de ilhas flaiiiciigaq". Kevistri Iiicl~ocleme,lhsc. 2 c 3, Ponta Delgnrln. 19 19.
87 Ferreira SERP A, Os /l~,rnengosnn illtli r h Fniol. A jiinlílin CTt,o(ll~irtere),Lis hoti. 1 (379;
Mnrcelino LIMA, Foiinií1in.s fciinletives, t Irirta. 1833: M. Martiin Ciinha da SILV1:IIIA. "Do
contributo flainengo 110s Açorcs". in Rolr~iini do Inst~tiito Il!sihricn dc~11lrn Terceirn. 11-21-27,
Angra dri lieroisino, 1963-64.
88 Ferreira SERPA. "tliii documeiito hlrri ~trihiiídorici ixil'sintc D. I lcnriquc o11 a carta de
d o m o da ilha Tcrccin a Jicon~cdc Urugs". iii I<~>i~i,~iri
tlr, .-lrrlirrolrqici r ffistOrin, IBsç. V11, I X .
Mais importante foi, sem dúvida, a vinda de Josse Huerter ein 1468 como capitão das
ilhas do Pico e Faial. Acompanharam-no inhineros flamengos que contribulrain para o
arranque do povoamento das ilhas do grupo central e ocidental. Martim ~ e h a i r n ~refere
'
para 1466 a presença de dois rni l flamengos no Faial, enquanto Jeronimo ~ u n z e vinte
c
e oito anos depois, diz serem apenas mil e quinhentos os que residiam aqui e no Pico.
Na ilha de São Miguel Fala-se da existência de uma comunidade bretã no lugar da
Bretanha91. Segundo alguns ela deriva do inicial fluxo de povoadores inas para outros
deverh ser tardia, situada entre 1515 e 1527, pois so na última data o local surge com tal
nome. Todavia é de estranhar que Gaspar Frutuoso não faça qualquer coinentario sobre
ela e os registos paroquiais sejam omissos. Mas isto não invalida a presença desta
comunidade, talvez em data posterior, comprovada alihs em alguns apelidos, topónimos,
caracteristicas fisicas da população, das casas e dos moinhos de vento.
A esta primeira leva de estrangeiros como povoadores sucederam-se outras com
objectivos distintos. O progresso econbmico do arquipélago despertara a atenção da
burguesia europeia, que surge a i a procura dos seus produtos. O pastel atraiu, primeiro os
flamengos e, depois os ingleses. Daqui resultou a importante colónia na cidade de Ponta
Delgada.
Para os arquipélagos de Cabo Verde e S. Tome a comunidade estrangeira assume
menos importância, sendo, em certa medida, delimitada pela política exclusivista da coroa
portuguesa, que criou sérios entraves B sua presença. Todavia a facto de S. Toiné ter
merecido uma exploração diversa coin a cultura da cana sacarina levou a que aí afluíssem
tkcnicos e mercadores, ligados ao produto. Por outro lado, no entender de um piIoto
anónimo no s~culodezasseis, havia a preocupação de cativar colonos de diversas origens
para o povoamento da ilha: "Habitam ali muitos comerciantes portugueses, castelhanos,
franceses e gnoveses e de qualquer outra nação que aqui queiram viver se aceitam todos
de rnui boa vontade..."".
Numa listagem posslvel deste grupo é evidente o reduzido número e o facto de eles
na maioria terem adquirido a nacionalidade e aportuguesado os nomes. Num e noutro
arquiptlago encontrámos alguns italianos e flarnengos. Aliás à descoberta do arquipélago
de Cabo Verde estão associados dois italianos - Cadamosto e António da NoIi -, que se
encontravam ao serviço do infante D. Henrique. A des poderemos juntar, para Cabo
Verde, Joham Pessanha, Pero Sacco, Antonio Esplndola, Bastiam de Lita. Rodriço
V i l h a m , Fernam Fiedde Lugo, para S. Tomé: Cristóvão Doria de Sousa, Andre Lopes
Biscainho, .lácome Leite, Pedra e Luis de Roma, Francisco Corvynel, Antonio Rey, Jorge
Aliote. Note-se que Cristóvão Dbria de Sousa era em 1561 o capitão e governador da ilha
de S. Tomd.
A existCncia da comunidade estrangeira, maioritariamente composta por merca-
dores, esti em consonância com a conjuntura peninsular e europeia, por um lado, e os
C
Gaspar Frutuoso refere, quanto h ilha de S. Miguel (Açores), que em 1522, quando
o sismo e derrocada de terras que soterraram Vila Franca do Campo, era numeroso o
grupo de escravos mouros que o capitiio Rui Gonçalves da C h a r a e acompanhantes
detinham, quando anos antes haviam ida a socorrer a Tanger e ~rzila"'. Identico foi o
comportamento dos madeirenses que participaram com assiduidade nestas campanhas.
Talvez, por isso mesmo, os mouriscos surgem com maior incidência no Funchal e Ribeira
'O2 V. M. GODINHO, ob. cit., IV. 191; Fortuliato de Alineida, ob. cit., vol. Xl, 1 10.
Carreiro dn COSTA, "Reminixtncias inouriscns em terrns açorianas", in Efnologia dos
Açores, vol. I, Lagoa, 1989, pp.364-368.
'O4 Saudades da Terra, livro IV, vol. 11.
'O5 Sobre este episúdio veja-se: Carreiro da COSTA, Menrorinl da vila da Lagoa e do seu
concellro, P. Delgada, 1974.
'O6 A.R.M., C.M.F.. tomo I, 11s. 223 vo-725, sentença regia isentando os momdores da
Madeira do pagamento de dizima nos escrnvos que Icvnrcrn para Lisboa, pan seus erviço, piibl. in
A.H.M., Vol. XVI, 1973, no 161, pp. 269-271.
A.R.M., Ch4.F. t. I, fls. 226.229vo.. 7 de Novcmbro de 1466, "AponLqmentos do infante
D. Fernando, em resposta dc outros", in A. H. M.. XV, 1972, doc. 13, 38.
'os moradores representavam ao infante contra a redizirna lançada sobre os moços de
soldada que condicionava a presença em favor dos negros escravos, situação em que
temiam "vir algum perigo". Passados vinte e tres anos o capitão do Funchal representara
ao duque o perigo em que estava a ilha, por os vizinhos sairem para Lisboa ou para o
litoral africano, "por bem dos muytos negros que ai haIo8".A par disso, já em 1474'09, a
infanta D. Beatriz, em carta aos capitães do Funchal e Machico, estabelecera medidas
limitativas dos escravos e forros quanto a posse de casa, para impedir os roubos que
vinham sucedendo.
A primeira referencia ao envio de um escravo de Cabo Verde para a Madeira surge
apenas em 1557"~ na testamento de Isabel de Sousa, onde diz ter entregue dez cruzados e
sete ou oito bocetas de marmelada a Diogo liodrigues para Ihe trazer um escravo de Cabo
Verde. Em 1587 um Lorenm Pita de Gran Canaria surge em Cabo Verde a compra a
troco de vinho. Manuel Lobo Cabrera aponta, a este propdsito, que os portugueses tinham
uma participaç%oactiva no trato das Canárias com a ~ u i n t " ' .
Certamente que o documento mais importante sobre a intenienção dos rnadeirenses
no comércio de escravos da Costa da Guiné, d o testamento do rnadeirense Francisco
Dias, feito em 22 de Outubro de 1594"~na Ribeira Grande (ilha de Santiago-Cabo
Verde).Os encargos e dívidas testemunham que ele foi um importante interlocutor do
Mfico negreiro na ilha. Ele mostra-se bem relacionado com o comercio de escravos no
interior dos Rios da Guint, com mercadores de Sevilha e com o mercado negreiro das
ilhas de S. Domingos e Honduras. A sua morte veio quebrar esta cadeia de negdcio e ao
mesmo tempo revelar-nos, atravds do testsmento, que este era um negócio rentável. Daí
v conclui por uma importante fortuna, subdividida por encargos pios aos sobrinhos e
cunhados, aos três escra~os"~.
Francisco Dias, com morada fixa na Ribeira Grande, intervinha no trato de escravos
nos Rios da Guint por meio do escravo Antbnio: ai no Rio Grande mantinha contactos
w m Diogo Femandes. As referências a dividas de alguns rnadeirenses poderão ser o
indicativo do envio de escravos para a Madeira, que poderá ter sido o começo do seu
wgbcio. No testamento anotam-se dividas a Jo%o Gonçalves, JerrSnimo Mendes,
hmcisco Afonso, Antbnio Gonçalves e Francisco Femandes. todos vizinhos da Madeira.
A prova da existência deste activo c o m h i o de escravos entre a Madeira e Cabo
áferde temo-la em 1562'" e 1547'''. Nesta ddcada as dificuldades sentidas na cultura do
l o 8 ~ . ~ . C.M.F..
~ . , t. I,fl.169, inA.H.M.,vol.XV, 1973,doc. no 131,p.226.
'O9 Ibidem, tomo velho, fl. 1 1.
i IoA.R.M., Misericórdia do Funchol, no 7 10, fls. 308-309,testamento de 3 de Fevereiro de
"I A.H.P.L.P., Lorenzo de Palenmela, no 844, fl. 109; Manuel LOBO CABRERA, "tos
rcadores y Ia trata de csclavos en Gran Canaria", in Homenaje a Alfonso Trwjillo, 11, Santa Cruz
Tenerife, 1 982,59 e 71.
'I2 A.R.M.. Misericúrdia no Funchal, 684, fl. 785-90 vo.
'I3 Os seus bens m6veis foram avaliados em I.23 1.000rs a que se dever&somar as dividas no
or de 30.600 rs; desse elevado peclilio entregou 74.000 rs para encargos pios e 209.999rs pelos
iliare~escravos e testamenteiro.
A.R.M., Documentos Avulsos, cx.2, no 194.
'IsIdem, C . M E , t. 3, fl. 137 vo-138.
*
açúcar levaram os lavradores a solicitarem junto da coroa, facilidades para o proviniento
de escravos na Guint, com o envio de uma embarcação para tal efeito. O rei acedeu a esta
legítima aspiração dos lavradores inadeirenses e ordenou que, apos o rermin2t.s do contrato
de arrendamento com Ant6nio Gonçalves e Duarte Leão - , isto é, em 1562, aqueles
piidessem enviar anualmente uma einbarcação a buscar escravos. Em 1567 foi necessário
regulamentar, de novo, o privilggio atribuído aos rnadeirenses, sendo-lhes concedido o
direito de importar anualmente, por um período de ciiico anos, de Cabo Verde e dos Rios
de Guint, cento e cinquenta peças de escravos, dos quais cem ficariam no Funchal e
cinquenta na Calheta.
Para os Açores a presença de negros e muito menor. Mesnio assim os cronistas,
como Gaspar Frutuoso, referem a presença destes escravos nas diversas ilhas. Muitos
acompanharam os primeiros colonos, sendo trazidos do reino. É o caso de Feriião Cameto
Pereira, natural de Castelo Branco, que não hesitou em acompanhar Rui Gonçalves da
Camara no povoamento da ilha de S. Miguel, trazendo "cavatos e escravo^""^. Outros
mais vieram directamente da Costa da Guine, faltando um texto que testemunhe a
importhcia que assumiram na sociedade açoriana117-
A EMIGRAÇÃO INSULAR
I
A elevada mobilidade social é uma caracterlstica da sociedade iiisular. O fentimeno
da ocupação atlântica lançou as bases da sociedade e a eniigraçfio ramificou-a e
projectou-a alhn Atlântico. As ilhas foram assim, num primeiro momento, p6los de
atracçao, passando depois a actuar como áreas centrífugas. A novidade aliada h forma
como se processou o povoamento, activaram o primeiro moviinento. A desilusão, as
escassas e limitadas possibilidades economicas e a cobiça por novas e prometedoi-as
terras, o segundo surto.
Primeiro foi a Madeira, depois as ilhas prdxirnas dos Açores e das Canarias e,
finalmente, os novos continentes ou ilhas. O madeirense, desiludido coin a ilha, procurou
melhor fortuna nos Açores ou nas Canarias, e depositou, depois, na costa africana as
prometedoras esperanças comerciais. Neste grupo incluem-se principalmelite os filhos
segundos desapossados da terra pelo sistema sucessorio. É disso exemplo Rui GoiiçaIves
da CAmara, filho do capit%o do donatário no Funchal, que preferiu ser capitão da ilha
distante de S. Miguel a manter-se como mais um mero proprietário na Ponta do Sol. Com
ele surgiram outros que deram o arranque decisivo ao povoainento desta illia. Deste modo
a Madeira evidencia-se também no século quinze como um centro de divergencia de
gentes no novo mundo.
A elevada mobilidade do ilhéu levou os rnoiiarcas a definirem m a política de
restrições no movimento emigratorio em favor da fixação do colono a terra, como forma
de se evitar o despovoamento das ireas jã ocupadas. Mas o apelo das riquezas ficeis, do
resgate africano ou da agricultura americana eram mais convincentes. tendo a seu favor a
disponibilidade dos veleiros que escalavam com assiduidade os portos insulares. A
emigração era inevitfivel.
I
Giispar FRUTUOSO. Sni,dcidcs da
I ICi Turra, livro IV, vot. 1I, pp. 1 0 1.
I
'I7 Eriieslo REBELO, "Notas açori;uiastl, in .4l*qiiiv0 dos Açores, vul.VIII. Ponta Delgadii,
1886; Carreiro da COSTA, "Pretos nos Açores", in Etnologin dor Açores, vol. IIIII. Lagoa, 1989,
pp.374-377.
I
A Madeira desfrutava no dculo XV, a exemplo das Caniirias, de uma posição
privilegiada perante a costa e ilhas africanas. Deste modo ela afirmou-se por muito tempo
como um importante centro emigratbrio para os arquip6Iagos vizinhos ou longínquos
continentes. Para isso contribuiu o facto de estar associada ao madeirense uma cultura que
foi a principal aposta das arroteias do AtlAntico, isto 6, a cana sacarina.
Os madeirenses aparecem nas Canarias, Açores, S. Tomé e Brasil a dar o seu
contributo para que no solo virgem brotem os canaviais, apareçam os canais de rega ou de
serviço aos engenhos, a que tambhn foram seus obreiros nos avanços tecnolhgicos. A
crise da produçBa açucareira inadeirense, gerada pela concorrência do açucar das areas
que os seus habitantes contribuíram para criar, empurrou-nos para destinos distantes.
Nesta diáspora atlântica, iniciada na Madeira, 6 de referenciar o caso da emigração
inter-insular dos arquipdlagos do Mediterrâneo Atlântico. As ilhas, pela proximidade e
forma similar de vida, aliadas ks necessidades crescentes de contactos comerciais,
exerceram tambtm uma forte atracção entre si. Madeirenses, açorianos e canirios não
ignoravam a condição de insulares e, por isso mesmo, sentiram necessidade do
estreitamento destes contactos.
A Madeira, mais uma vez, pela posição charneira entre os Açores e as Canárias e da
anterioridade no povoamento, foi, desde meados do skculo XV, um importante viveiro
fornecedor de colonos para estes arquipélagos e elo de ligação entre eles. A ilha
funcionou mais como p61o de emigração para as ilhas do que coino drea receptora de
imigrantes. Se exceptuarmos o caço dos escravos guanches e a inicial vinda de alguns dos
conquistadores de Lnnzarote, podemos afirmar que o fenomeno 6 quase nulo, não
obstante no s6culo dezasseis os açorianos surgirem com alguma evid&ncia no Funclial.
Note-se, ainda, a presença de uma comunidade de açorianos nas ilhas Canhrias,
principalmente nas ilhas de Gran Canaria, Tenerife e Lanzarote, dedicados a cultura dos
cereais, vinha, cana sacarina e pastel. Mas açorianos e canarianos, bem posicionados no
traçado das rotas oceânicas, voltamm a sua atenção para o promissor novo mundo.
l2) Lothar SIEMENS HBRNANDEZ. "LA expedicion a Ia Madera dei Conde de Lanzarote
desde Ia perspectiva de Ias fuentcs inadeirenses", in An~toriode Esitrdios Atlanfico.~,ti0.25. 1979.
criado famllia na ilha. No eriodo de 1580 a 1600 os espanhóis surgem em primeiro lugar
na imigraçgo madeirense1 8.
O descem em 1640 trouxe consigo consequEncias funestas para tal relacionamento.
Assim os madeirenses residentes em Lanzarote foram alvo de represhlias, sendo de referir
o confisco dos bens do filho varão de Sim80 Acciaioli que casara com a filha do Conde de
Lanzarote.
O impacto lusiada nas Canhrias surgiu muito cedo tendo a Madeira como um dos
principais eixos do movimento. A presença alargou-se às ilhas de La Palma, Lanzarote,
Tenerife e Gran Canaría. Os portugueses assumiram um lugar de relevo, situando-se entre
os principais obreiros da valorização económica das ilhas. Eles foram exímios
agricuitores, pescadores, pedreiros, sapateiros, mareantes, deixando marcas indeldveis da
portugalidade na sociedade ~anária"~.
A tradição bélica e aventureira de alguns madeirenses levou-os a participar
activamente nas campanhas de conquista de Tenerife, recebendo por isso, como
recompensa, inúmeras dadas de terra. Dai resultou a forte presença lusiada nesta ilha,
onde em algumas localidades, como Icode e Daute, surgem como o grupo maioritario.
Aliás Granadilla foi fundada por Gonzalo Gonzalez Zarco filho de João Gonçalves Zarco,
capitão do donatArio do Funchal. A prova mais evidente da importância da comunidade
lusfada na ilha estfi documentada nos "acuerdos de1 cabildo de Tenerife" onde foram
sempre referenciados em segundo lugar. O mesmo se poderá dizer para a ilha de La
Palma onde os portugueses marcaram bem forte a sua presença, tendo a testemunha-to a
existgncia de alguns registos paroquiais feitos em português. Entretanto em Lanzarote o
impacto madeirense esth comprovado pelas inúmeras referências da documentação e pelo
testemunho de Vieira y Clavijo de que a Madeira era familiar para os lanzarotenhos que
era ai conhecida como a "ilha".
A acentuada participação lusiada no arquipdago foi resultado das possibilidades
econdmicas que o mesmo oferecia e as necessidades em m%o-de-obrae da possibilidade
de penetraça0 no comtrcio com a costa africana e depois com o novo continente
americano. Assim, num primeiro momento, fomos confrontados com um numeroso grupo
de avenmreiros dos quais se recrutaram os oficiais mecânicos e agricultores e s6 depois
surgiram os agentes de comércio e transporte, todos eles com uma acção decisiva na
economia do arquipélago nas skculos XV e XVII.
E fácil testemunhar a assiduidade dos contactos mas difícil se torna avaliar a
dimensgo assumida pela presença portuguesa neste arquiptlago, quanto h sua origem
geogrAfica. Nos diversos actos notariais, que compulsámos, ignora-se, muitas vezes, a
origem geográfica dos intervenientes portugueses. O facto de muitos surgirem em
diversos actos relacionados com oubos da Madeira ou outorgando poderes para a
cobrança de dividas e administração das heranças leva-nos a suspeitar a sua origem
madeirense.
Uma vez que os contactos entre a Madeira e as CanBrias foram mais frequentes é
natural a presença de uma importante comunidade madeirense nesse arquipblago, com
principal relevo para as ilhas de Lanzarote, Tenerife e Gran Cankia. A i foram agentes
122 Luis Francisco de Sousa Melo, "ImigraçBo na Madeira. Paróquia da Si: 1539-1600. in
História e Sociedade, no 3, 1979, 52-53.
23 Cf .I.Perez Vidal, Los por~uguesesen Conorias. portugriesismos, Las Palmas, 199 1.
$estacados do comércio e transporte entre os dois arquipélagos ou artífices, nomea-
@ente sapateiros. Os açorianos. maioritariamente das ilhas Terceira e S. Miguel,
?urgem em menor número e preferentemente ligados a faina agricola.
A classe mercantil de origem madeirense nas Canirias segue um rumo peculiar.
lianos não se avizinham de imediato, mantendo o
WHO, "Diogode Teive povoador da ilha Terceim, descobridor dns ilhas das
setenta se generaliza esse movimento, que conduziu As illias de S. Miguel, Terceira Santa
Maria e Pico muitos fillios segundos da aristocracia madeirense. Aliás, a carta da infanta
D. Beatriz, autorizando a venda da capitania refere que "a dita ilha des o começo da sua
povoaç%oatd o prezente he muy mal1 aproveitada e pouco povoada1112'.
Na Madeira havia-se esgotado a possibilidade de livre aquisição de terras, coisa que
nos Açores era facilitado. Note-se, ainda, que o incentivo de culturas, como a cana
sacarina e a vinha, estão tambem ligados os madeirenses. Daqui resulta uina forte
presença madeirense nas ilhas de Santa Maria, S3o Miguel, Terceira, S. Jorge, Graciosa,
Faial e ~ l a r e s " ~ .
O movimento inverso foi pouco frequente e só teve lugar a partir de princípios do
século XVI. Para isso deverá ter contribuido a assiduidade dos contactos entre os dois
arquipklagos provocada pelo comércio de cereais e, ainda, o temor das crises sísmicas que
asilaram as ilhas açorianas, com especiaI relevo para as de 1522 e 1563'~'.
I,
ilhas ao litoral africano com o reforço das conexões econfimicas e humanas.
No grupo, que divergia a partir de Santiago, evidenciam-se os lançados ou
,tmgomaos, que foram um dos suportes mais importantes do comércio ilegal de escravos.
Eles eram na sua maioria africanas "ladinizados" que ai se aventuravam ao serviço dos
mercadores caboverdeanos.
1 3 ' Joáo .lost de SOUSA. "Eniigrnçso inadeirense nos séculos X V a XVII", in Atlinlico,
n0.1985, pp.46-52.
132 Gapar FRUTUOSO, Livro sepindo das Sui~dudesda Tei-1-0, Ponta Delgaila 1979.
caps.XXl- XXIX, pp. 157-2 14; C. R. BOXER, Fidulgos no ertrelno Oiirt~te,Mncaii, 1690.
conduziu a que o s espaços insulares assumissem um papel fundamental na construção
desta nova realidade que corporiaou os impérios europeus.
Até ao sécuio XVlII o emigrante continuará a confundir-se como o colono,
funcionirio e soldado. Deste modo toma-se dificil enquadrar esta mobilidade das
populações dentro do contexto do fenbmeno da emigraçao. O sdculo XIX com o advento
de uma nova conjuntura dos espaços coloniais e de acentuadas transformações com a
abolição da escravatura e a internacionalizaç3odo mercado de trabalho. As ilhas, porque
são espaços limitados que n%ose compadecem com o crescimento natural da população,
assumem-secom interventores activos no processo de transformação do mercado da mão-
de-obra da centiiria oitocentista.
INSTRUMENTOS DE TRABALHO
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