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VIEIRA, Alberto (1993)

A Madeira e Expansão e História da Tecnologia


do Açúcar,

in História e Tecnologia do Açúcar, Funchal, CEHA,


pp.7-27

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:

VIEIRA, Alberto (2000): A Madeira e Expansão e História da Tecnologia do Açúcar, in História e


Tecnologia do Açúcar, Funchal, CEHA, pp.7-27, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível em:
http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/2000-madeiratecnologiasugar.pdf, data da
visita: / /

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E TECNOLOGIA DO AÇÚCAR
A MADEIRA, A EXPANSÃO E HISTÓRIA
DA TECNOLOGIA DO AÇUCAR

ALBER'IQ VIEIRA
CEHA
Avieira@nesos.net

"...com sua pouca ciência e menos experiência,


saiu aquele assuqre assim tiio bom e tão fino."
[ Gaspm Frutuoso, Livro Qurirtci d u S d u d e . ~
du
Terru, vol.11, Ponta Delgada, 1981, p.21 1.1

A cana de aqúcar é de todas as plantas domesticadas pelo Homem a que


mais implicações teve na Hist6ria da Humanidade. O seu percurso multissecular,
desde a descoberta remota na Papua (Nova Guiné) 5i 12.000 anos, evidência esta
realidade. A chegada ao Atlhtico, no século XV provocou o maior fenómeno
migratório que foi a escravatura de milhões de africanos e teve repercussões
' evidentes na cultura literária, musical e liídica. Foi também no Atlântico que a
cultura atingiu a plena afirmação económica, assumindo uma posição dominante
no sistema de trocas.
A rota do açúcar, na sua transmigração do Mediterrâneo para o Atlilntico,
tem na Madeira a principal escala. Foi na ilha que a planta se adaptou ao novo
ecossistema e deu mostras da elevada qualidade e rendibilidade. A história do
+ar na Madeira confunde-se com a conjuntura de expansão europeia e dos
momentos de fulgor do arquipélago. A sua presença 6 multissecular e deixou
rastros evidentes na sociedade rnadeirense. Dos séculos XV e XVI ficaram os
imponentes monumentos, pintura e a ourivesaria que os embelezou e que hoje jaz
quase toda no Museu de Arte Sacra. Do século XIX e do primeiro quartel da
nossa centúria perduram ainda a maioria dos engenhos desta nova vaga de cultura
dos canaviais. Aqui, a cana diversificou-se no uso industrial, sendo geradora do
hlcool, aguardente e, raras vezes, o aç6car
A Europa sempre se prontificou a apelidar as ilhas de acordo com a oferta
de produtos ao seu mercado. Deste modo, sucedem-se as designações de ilhas do
pastel, do açúcar e do vinho. Q a@car ficou como epiteto da Madeira e de
as, ande a aituia foi a vari&a 'de mndão que ~ m f o m o rai
do outro lado do oceano das se
o q ú w , uma vez que serviram de ponte à passagem do
levhcia que assume o estudo do
stimição da rota do açúcar. A
e.
Primeiro, porque Foi
expansão ao espago exterior
qualquer das casas as ilhas

acompanharam a dikpora europeia


ndividêncisi quotidiana das novas
es e monomias que, em muitos casos, se afirmaram como resuItada dele.
'A cana sacarina, pelas espeçificidades do cultivo, especialiqão e morosidade do
p s s s Be transfmm@o em açúcar, implicou uma vivência particular, assente
, num &'-$e wrnplex~&io-culttlral da vida e convivência @mana. Neste
contexto a M&im;x.mmtweW m p s @ & m k , por ter sido a primeirã área
d a ~ ~ ~ or isso~mesmo, foikaqui que ~ se

) que materiüiizararn a
scindívrsl a análise da sitwqh
r, exaustivamente, a civiliaçfio
os demais produtos e
agenas A intervengo no processo
hidades a a p s da mklam a

a Historiografia a definir o
i não est8vmos perante ram9
pretendia-se bon;finar esta
rnica e social com o conceito.

m a &rPriogtafia europeia, foram o princípio da


e da v i m d q k aos escravos. Desb wado nas
Wntd m rn as primeims mqukios da
'nova&&miaa& qua p m i d 8 b S a a c, depois & Madeira, d b n h se
expandiram no Atlânticol. Diz-se, ainda, que a ligação do escravo, negro ou não,
à cultura dos canaviais foi uma invenção do ocidente cristão, não havendo lugar
no mundo muçulmano. Neste contexto surgiu o conceito Plantation, ou
plantagem para os brasileiros, a definir a organização social, económica e
política da agricultura que tinha por base este produt02. Sidney Greenfield3
estabeleceu para o arquipélago madeirense uma função primordial na afirmação
da escravatura e relações económico-sociais envolventes: A Madeira foi o elo de
ligação entre "Mediterranean Sugar Production" e a "Plantation Slavery". Sucede
que a escravatura da Madeira não assumiu uma posição similar à de Cabo Verde,
São Tomé, Brasil ou Antilhas, não obstante o surto evidente de produção
açucareira. Aqui, ao invés daquilo que tem lugar, o escravo não dominou as
relações sociais de produção: ele existiu, sob a condição de operário
especializado ou não, mas a posição não era dominante, tal como sucedia nas
áreas supracitadas.
A presença do açúcar na Madeira enquadra-se na tradição Mediterrânea
desta cultura. Aliás, foi na Sicília que o infante D. Henrique viu o exemplo para a
transformação económica da ilha, mandando vir socas de cana e mestres de
engenho. Os canaviais existiam na Sicília desde o século X. Note-se que
Cadamosto, conhecedor desta ilha, estabelece uma comparação entre as ambas
ilhas quanto à riqueza e processo económico.
O açúcar era, acima de tudo, um complemento fundamental na vida
económica da ilha. Sucedeu assim até meados do século XVI e, depois, a partir
de finais do século XIX, tudo mudou. A riqueza chegou aos proprietários mas
também a arraia-miúda, sendo um factor de progresso social. Com ele ergueram-
se igrejas -a Sé do Funchal é um exemplo disso -, amplos palácios que se
rechearam de obras de arte de importação, testemunhos evidentes estão no actual
Museu de Arte Sacra. A arte flamenga na ilha é um dom do açúcar. O Progresso
sócio-económico da ilha, o protagonismo na expansão atlântica -- nos
descobrimentos e defesa das praças africanas -- só foi conseguido à custa da
elevada riqueza acumulada pelos madeirenses. Todos, sem diferença de condição

I Sobre a expansão do açúcar no Mediterrâneo veja-se: Carmelo TRASSELLI, Producción


y comercio dei azúcar en Sicilia deI siglo XVIII ai XIX, Revista Bimestre Cubana, 72, 1957, 138-
141; José PEREZ VIDAL, La cultura de la cana de azúcar en el Levante espaiiol, Madrid, 1973; J.
H. GALLOWAY, The Mediterranean sugar industry in Geographical Review, 67,1977, 177-194;
William PHILIPS, Sugar production and trade in the Mediterranean at the end af the crusades, in
Meeting of two worlds, ed. Vladimir P. Goss, Michigan, 1986, 383-406; Actas dei segundo
Seminario internacional. La cana de azucar en el Mediterrâneo, Motril, 1990
2 S. Mintz, SugarCJndsociety in Caribbean, New Haven, 1970, p. XIV; Eric R. Wolti'Sidncy
W. Mintz, Haciendas y plantaciones en Mesoamérica y Ias Antillas, in Enrique Florescemo(cord.),
Haciendas, latifundios y plantaciones en America latina, Mexico, 1975; Philip D. Curtin, The rise
andfall of the plantation complexoEssays in atlantic history, Cambridge, 1990.
3 Madeira and the beginings of sugar cultivatian and plantation slaves, in COl1lparalive
perspectives onnewworld plantation societies, N. York, 1979, pp. 236-252.

9
,bsocial,fmiram da riqueza. Até a opulência e luxúria da própria coroa, lá longe no
Tareino,foi conseguida, por algum tempo, com o açúcar que a coroa arrecadava na
U(iIha.
Y A canade-açúcar na primeira experiência além Europa demonstrou as
%possibilidadesde rápido desenvolvimento fora do habitat mediterrânico. Gaspar
njFrutuoso testemunha isso mesmo ao referir que "esta planta multiplicou d e
drnaneira na terra, que he o assucar della o melhor que agora se sabe no mundo, o
.,igual com o beneficio que se lhe faz tem enriquecido muitos mercadores
,forasteiros e boa parte dos moradores da terrao4. Tal evidência catalizou as
,atenções do capital estrangeiro e nacional que apostou no seu crescimento e
,promoção, pois só assim se poderá compreender o rápido arranque. Esta que, nos
primórdios da ocupação do solo insular, se apresentava como uma cultura
subsidiária, passou de imediato a dominante, situação que manteve por pouco
tempo.

PROJECÇÃO DOS CANAVIAIS E AÇÚCAR MADEJRENSE NO


MUNDO.

A Madeira afirmou-se no processo da expansão europeia pela


singularidade do protagonismo. São vários os factores que o propiciaram, no
momento de abertura do mundo atlântico, e que fizeram com que ela fosse, no
século XV, uma das pqas-chave para a afirrna~ãoda hegemonia portuguesa no
Novo Mundo. O Funchal foi uma encruzilhada de opções e meios que iam ao
encontro da Europa em expansão. Além disso a ilha é considerada a primeira
pedra do projecto, que lançou Portugal para os anais da História do oceano que
abraqa o litoral abrupto. A função de porta-estandarte do Atlântico, n Madeira
associou outras, como "farol" Adântico, o guia orientador e apoio para as
incursões oceânicas, Por isso ela foi um espaço privilegiado de comunicsições,
tendo a favor as vias traçadas no oceano que a circunda e as condições
econbmicas internas, propiciadas pelas culturas da cana sacarina e vinha. Uma e
outra contribuíram para que o isolamento definido pelo oceano fosse quebrado e
assumisse um permanente contacto com o velho continente europeu e o Novo
Mundo. Como corolário disto a Madeira firmou uma posição de relevo nas
navegações e descobrimentos no Atlântico. O rápido desenvolvimento da
economia de mercado, em unissono com o empenhamento dos principais
povoadores em dar continuidade à gesta de reconhecimento do Atlancico,
reforçaram a sua posição e fizeram avolumar os serviços prestadcis pelos
rnadeirenses. Aqui, surgiu uma nova aristocracia dos descobrimentos, cumulada
.,,de títulos e benesses pelos serviços prestados no reconhecimento da costa
africana, defesa das praças marroquinas, ou nas campanhas brasileiras e indicas5.
A par disso a ilha foi, nos dvores do skculo XV,como a primeira experiencia de
ocupação em que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais, que
depois foi utilizado, em larga escala. noutras ilhas e no litoral africano e
americano.
O sistema institucional rnadeirense apresentava uma estrutura peculiar,
, definida pelas capitanias. Foi a 8 de Maio de 1440 que o infante D. Henrique
lançou a base da nova estrutura ao conceder a Tristão Vaz a carta de capitão de
Machico. A partir daqui ficou estabelecido o sistema institucional que deu corpo
ao governo português no Atlântico insular e brasileiro. Sem dúvida que o facto
mais significativo da estrutura institucional deriva de a Madeira ter servido de
modelo referencial para o delineamento institucional do espaço atlsntico. O
monarca insiste, nas cartas de doação de capitanias posteriores, na fidelidade ao
sistema trqado para a Madeira. Assim o comprovam idênticas concedidas aos
novos capitães das ilhas dos Açores e Cabo Verde, tal como em S. Tomé e
~rasil~.
João de Me10 da Câmara, irmão do capitão da ilha de S. Miguel, resumia
em 1532' de uma forma perspicaz o protagonismo rnadeirense no espaço
atiântico. Segundo ele a sua fitmíIia era portadora de uma longa e vasta
experiência "porquea ilha da Madeira meu bisavB a povoou, e meu avô a de São
Miguel, e meu tio a de São Tomé,e com muito trabalho, e todas do feito que
vê...". Isso dava-lhe o alento necessário e abri-lhe perspectivas para uma
iniciativa de sucesso no Brasil. Ele reclamava o protagonismo do ancestral Rui
Gonçalves da Câmara que em 1474 comprara a ilha de S . Miguel, dando início ao
verdadeiro povoamento. A mesma percepção surge em Gilberto Freire que em
1952 não hesita em afirmar: "A irmã mais velha do Brasil 6 o que foi
verdadeiramente a Madeira. E irmã que se estremou em termos de mãe para com
a terra bhbara que as artes dos seus homens, ... concorreram para transfomur
rápida e solidamenteem nova ~usitâninia"~.
Outra componente importante da afirmação da ilha como modelo de
refesncia tem a ver com a organização da sociedade no espaço atlântico e da
importância aí assumida pelo escravo. Mais uma vez a Madeira 6 o ponto de
parlida para a transformação social. De acordo com S. ~reenfield'ela serviu de

Confrontese João Josd Abreu de SOUSA, 'Emigração madeirense nos séculos XV LI


XVII", in Athtico, no. 1, Funchal, 1985, pp. 46-52.
David F. GOUVEIA. "A manufactura açucareira madeitense [ 1420- 15501",in Ailântico,
no. 10, Funchal. 1987, p. 13 1.
7
Sachanun, n0.3,SãoPaulo, 1978, pp. 5-12.
a Aventura e Rotinu. 20 ed..pp 44046,448449
9 i
'Madeira and the beginings of New World sugar cane cultivation and plnntation slavery: a
study in wnstitution buiIdingW,in Vera RUBIN e Artur TUNDEN (eds.), Con~parativepers~~ective.~
on sla,yer#iNm World Plantuíiur Socieries, N. York, 1977.
&& 0 "Mediterranean Sugar Production" e a "Plantation Sfavery"
v 8 autor não faz mais do que retomar os argumentos aduzidos por

h d e n t o desde a &cada de sessenta. Note-se que esta argumentação


tdgixns reparos na formulação, mercê de novos estudos1'. Na verdade,
foi concretizado em termos do mundo atlântico português teve por
sucedido na Madeira. A Madeira foi ao nível social, político e
eo, o ponto de partida para o "mundo que o português criou.:." nos
Neste contexto 6 sumamente importante o conhecimento do sucedido nu
'''#&kitfa quando pretendemos estudar e compreender as outras situações.
"'blwmbo abriu as portas ao Novo Mundo e traçou o rumo da expansão da cana de
qtlcar. Note-se que esta cultura não lhe era alheia, pois o navegador tem no
~ u m i c u l malgumas actividades ligadas ao comércio do açúcar na Madeira. O
navegador, antes da relação afectiva ao arquipélago, foi, a exemplo de muitos
genoveses, mercador do açúcar madeirense. Em 1478 eIe encontrava-se no
Funchal ao serviço de PaoIo di Negro para conduzir a Gknova 2400 arrobas a
Ludovico Centurione. Com esta viagem e, depois da larga estância do navegador
na ilha, Cofombo ficou conhecedor da dinâmica e importância do açúcar &U
Madeim. Em Janeiro de 1494, aquando da preparação da Segunda Viagem, o
navegador sugere aos reis cat6licos o embarque de 50 pipas de mel e 10 caixas de
açúcar da Madeira para uso das tripulações, apontarido o petíodo que decorre até
a Abril como o melhor momento p m o adquirir12. A isto podemos somar a
passa m do navegador pelo Funchal no deamo da terceira viagem em Junho de
1498=!I podemos apontar como muito prov&veia presença & socas de canas da
Madeira na bagagem dos agricultores que o acompanhavam. Note-se que neste
momento a cultura dos canaviais havia adquirido o apogeu na ilha, mantendo-se
uma importante franja de canaviais ao longo da vertente sul.
A tradição anota que as primeiras smas de cana enviadas para o Novo
Mundo s a h m de L.Gomera. Todavia, a cultura encontrava-se ai em expansão,
enquanto na Madeira estava j6 consolidada. Por outro Ido estão ainda por
descobrir as razões que conduziram Colombo, no decurso da terceira viagem, a
fazer um desvio da rota para escalar o Funchal. Na verdade, a Madeira foi a
primeira área do Atlântico onde se cultivou a cana-de-açircar que, depois, partiu h
conquista das ilhas (Açores, Canárias, Cabo Verde, S. To& e Antilhas) e

111
"Pt.Boédents et paralèiles wropehs de I'esclavage colonial", in Itdtuto, wl. 1 13,
Coimbra, 1949; "h origines coloniales de la civjlization atlantique. Antkcédents et types de
mnicture",in J o d of W o d History, 1953, pp. 378-398;Précédenrs médiévau de la colonie en
Adrique, M k x i w , 1954; Les origines de lu civilieaiion ailaniique, Mêuchatel. 1966.
" Confronte-se Alfonso FRANCO SILVA, "La wlavitud en Andaiucia...".in Studia, no. 47,
Ligboa, 1989, pp. 165-166;Alberto VIEIRA, Os escravos no orquipilngo da Madeira. siculos XV n
XVII, b c h a l , 1991.
" CA- c O L ~ N ,Texios y doemos cutnpleros,Madrid, 1984, p. 160.
13
Fray Bartolomé de Ias CASAS, Hkoria & Ins Indias, V01 . I, México, 1986, p. 497.
continente americano. Por isso mesmo o conhecimento do caso madeirense
assume primordial importância no contexto da História e geografia açucareira dos
s é c a s XV a XVII.
d';O açúcar da Madeira ganhou fama ao nível do mercado europeu. A sua
qualidade diferenciava-o dos demais e fê-lo manter-se como o preferido de
. muitos consumidores europeus. Deste modo o aparecimento de açúcar de outras
ilhas ou do Novo Mundo veio a gerar uma concorrência desenfreada ganha por
aquele que estivesse em condições de ser oferecido ao melhor preço. Um
testemunho disso surge-nos com Francisco Pyrard de Laval: "Não se fale em
França senão no açúcar da Madeira e da ilha de S. Torné, mas este é uma bsigatela
em comparação do Brasil, porque na ilha da Madeira não hã mais de sete ou oito
engenhos a fazer açdcar e quatro ou cinco na de S. ~ o r n 6 " ' E~ .refere que no
Brasil laboravam 400 engenhos que rendiam mais de cem mil urrobas que,
segundo o mesmo,são vendidas como da Madeira.
O mais significativo da situqão do novo mercado produtor de açúcar é que
o rnadeirense encontra-se indissociavelmente ligado a ele. Na verdade, a Madeira
foi o ponto de partida do açúcar para o Novo Mundo. O solo madeirense
confirmou as possibilidades de rentabilização e de abertura de novo mercado para
o açúcar. Tambem o incola foi capaz de agarrar esta opção, tornando-se no
obreiro da sua difusão no mundo Atlântico. A tradição anota que foi a partir da
Madeira que o açúcar chegou aos mais diversos recantos do espaço atlântico ,e
que os técnicos madeirenses foram responsáveis pela sua implantqição. O
primeiro exemplo é Rui Gonçalves da Câmara, quando em 1472 comproii ri
capitania da ilha de S. Miguel. Na expedição de posse da sua capitania fez-se
acompanhar de canas da Lombada, que entretanto vendera a Joiío Esmeralda, e
dos operários para a tornar produtiva. A estes seguiram-se outros que
corporizaram diversas tentativas frustradas ara fazer vingar a cana de açúcar nas
ilhas de S. Miguel, Santa Maria e TerceiraI? .
Em sentido contrário avançou o açúcar em 1483, quando o governador
D. Pedro de Vera quis tornar produtiva a terra conquistada nas ~ a n ~ r i a s 'De
"
novo a Madeira surge disponibilizar as socas de cana para que aí surgissem os
canaviais. Todavia, o mais significativo é a forte presença portuguesa no processo
de conquista e adequaqão do novo espaço a economia de mercadoi7. Os
portugueses. em especial os madeirenses, surgem com frequência nas ilhas

l4 Viagem de Francisco Pyrard de Lavnl, Vol. I, Porto, 1944, p. 228.


lS Gaspar FRUTUOSO,Livro Quarto das Saudades da Terra, Vol. 11, pp. 59, 2G9-212;
V. M. GODINHO, Os Decobrirnentos e a Economia Mundial., Vol. IV, F. Carreiro da COSTA, "A
cultura da cana-deaçúcar nos Açores. AIgumas notas para a sua História" in Boktini dn CniizissFm
Reguladora do Comdrcio de cereais &s Açores, no 10, 1949. 15-3 1.
'"oquista de lu Isla de G m Canaria, La Laguna, 1933,p. 40.
I' José P ~ R U VIDAL, Los Portugueses en Canarias. Porluguesisims, Las Palmas, 199 1 ;
Felipe PERNANDEZARMESTO, ob. cil., 14-19.
lig&&& ao processo de arroteamento das terras, como colonos que recebiam
datas de terras na condição de trabalhadores especializados a soldada", ou de
operários especializados que construíam engenhos e os colocam em movimento.
O avanço do açúcar para sul ao encontro do habitat que veio gerar o boom da
pmdução, deu-se nos mos imediatos ao descobrimento das ilhas de Cabo Verde e
S. T&. Todavia, só nesta última, pela disponibilidade de água e madeiras, os
canaviais encontraram condições para a sua expansão. Deste modo em I485 a
coroa recomendava a João de Paiva que procedesse à plantação de cana do
açdcar. Para o fabrico do açicar refere-se a presença de "muitos mestres da ilha
da Madeira".
'.. A partir do século XVI a concorrência do açúcar das Canárias e S. Tomé
aperta o cerco do açúcar madeirense o que provocou a natural reacção dos
agricultores madeirenses. Deste m d o sucedem-se as queixas junto da coroa, que
ficou testemunho em 152719.Em vereação reuniram-se os lavradores de cana para
reclamar junto da coroa contra o prejuízo que lhes causava o progressivo
desenvolvimento desta cultura em S . Torné. A resposta do rei, no ano imediato2',
remete para uma anitlise dos interesses em jogo e só depois, no prazo de um ano,
seria tomada uma decisão, que parece nunca ter vindo. Notese que a exploração
fazia-se directamente pela coroa e só a partir de I529 surgem os particulares
interessados nisso. Enquanto isto se passava, do outro lado do Atlhtico davam-se
os primeiros passos no arroteamento das temas brasileiras. E, mais uma vez, é
notada a presença dos canaviais e dos madeirenses como os seus obreiros. A
coroa insistiu junto dos madeirenses no sentido de criarem as infra estruturas
necessárias ao incremento da cultura. Ali&, o primeiro engenho ai erguido por
iniciativa da coroa contou com a participação dos rnadeirenses2'.Em 15 15 a
coroa solicitava os bons ofícios de alguém que pudesse erguer no Brasil o
primeiro engenho, enquanto em 1555 foi construido pelo madeirense João Velosa
um engenho a expensas da fazenda reaf2. Esta aposta da coroa na rentabilização
do solo brasileiro atravds dos canaviais levou-a a condicionar a forja de rnãiode-
obra especializada, que então se fazia na Madeira. Assim, em 1 5 3 7 ~os~
carpinteiros de engenho da ilha estão proibidos de ir à tem dos mouros.

IR Pedra MARTINEZ GALINDO, Protocolos de Rodrigo Fernandez (1520-1526). Primera


par&, La hguna, 1982, pp. 67,84-W, GuiBermo CAMACHO Y GALDOS, "Hcultivo de
la cana de anlcar y Ia industria awcarera w Gran Canaria (1510-1535) in Anuario de EnFt1~lin.v
Atlaniicos, nl 7,1961,35-38; Maria LUSA FABRELLAS, "Laproduccibn de azilcnr en Tenerife"
in Revista de História, na 100, 1952,454/475.
l9AIEM, CMP, Verea@?s 1527, ff. 23 v 1,26 de Março.
" M M ,Doe-ntosAvulsos, n* 66,8 de Fevereiro 1 528.
21 Alberto LAMEGO, "onde foi iniciado no Brasil a iavoum canavieira. onde foi levantado
o primeiro engenho de a @ a f in B. A ç h r , no32,1948, pp. 165- 168.
Arquiva Geral da Aifãndega de Lisboa, livro 54, fl. 41; Doctumntos para a Hh~óriado
Açúcar, ed. I, A. A. VoI I, Rio de Janeiro, 1954, pp. 121- 123,5 de Outubro I 555.
ARM. RGCMF,T. I, fl. 372 VI.
p l a t i n a decréscimo da

E a partir daqui que se estabelece um vínculo com n Madeira,


vés do trafico ilegal de açúcar para o Funchd ou então ao
europeu com a designação & Madeira. Este movimento seguiam-se as
ligações entre os que do outro lado do Atlhtico via florescer a cultura
que na ilha ficavam sem os seus benefíciosn. Contra isso intervieram os

do a compra de @car
1610 os rnadeirenses
, por isso a edilidade
em que estes se

620 nas 1 178 caixas


ar do Brasil e 1992
capacidade concomncial do açdcar insular
irremediavelmente perdida. Os canaviais foram desaparecendo
m t e das terras, dando lugar aos vinhedos. Apenas a conjuntura da
metade do32 século dezanove pemitiu o seu retorno. Mas foram
as tentativas para a produçáo & açúcar, s5 possível d i a n t e uma
perderam a h ~ ã deo produtores do açúcar,
branco dos insulares, mas em contrapartida favoreceram u m a produção

,"que agora Mem Pemambum".


GOUVBIA+"A mmfactura madeirense (1 420- 1 550).
smissão da tecrrologia açucareira", in Atlântico, no 10,

Pernambuco em cerca de cem mil réis de uma companhia

Poriiigal o Brrrrii e o A t h t i c o (1570-1670),Vol. I, Lisboa, 1989, p. 248-249.


ANTT, PJRFF, no 364.
' Cma g d & S e m i a , Rio de Janeiro, 1987, idem, Nordeste, Rio de Janeiro,
& c aguardente. Daqui resultam as actuais sobrevivências da
,.a -7: -
eira e Canfias.

'h
, ->.
Wcar,
A moenda e o consequente processo de transformação da guarapa em
mel, dcool ou aguardente projectaram as áreas produtoras de canaviais
;+ ., para a linha da frente das inovações técnicas, no sentido de corresponderem as
'cada vez maiores exigências. A madeira e o metal foram a matéria-prima que
deram forma a capacidade inventiva dos senhores de canaviais e engenhos. Nu
moenda da cana utilizaram-se vários meios tkcnicos comuns ao mundo
mediterrinico. A disponibilidade de recursos hídricos conduziu à generalização
do engenho de água. Na Madeira, o primeiro engenho particular que temos
conhecimento foi o de Diogo de Teive em 1452. E este terá sido o primeiro
engenho que se veio juntar ao lagar do infante. O infante, donatário da ilha,
detinha o exclusivo destas infra-estruturas e quem quisessem segui-lo deveria ter
autorização sua. Este documento espelha apenas a situação. A estrutura só
resultou nas áreas onde era possivel dispor da força motriz da hgua fez-se uso da
força animal ou humana. Os Ultimos eram conhecidos como trapiches ou
almanjaras. O infante D.Fernando em 1468 refere as estruturas diferenciando os
engenhos de água, alçapremas e trapiches de besta. Até i generalimçiio dos
engenhos de cilindros horizontais no skulo XVII, a infra estrutura para espremer
as canas era composta do engenho ou trapiche e da alçaprema.
Não conhecemos qualquer dado que permita esclarecer os aspectos
técnicos deste engenho3" Apenas se sabe, segundo Giulio Landi, que na década
de trinta do século XVI funcionava um com o sistema semelhante ao usado no
fabrico de azeite: "Os lugares onde com enorme actividade e habilidade se fabrica
o açúcar estão em grandes herdades, e o processo é o seguinte: primeiramente,
depois que as canas cortadas foram levadas para os lugares acima referidos,
põem-nos debaixo de uma mó movida a água, a qual triturando e esmagando a
cana, extrai-lhes todo o suco"". .
Na ilha de São Miguel a cultura da cana está inegavelmente ligada aos
rnadeirenses. A eles se deveu o transplante das socas e da tecnologia3? Gaspar
Frutuoso conta que em Ponta Delgada Bastião Pires contratou o madeirense

33 Sobre a hist6ria dp engenho e a discussào das inovações tecnológicas o estudo inais


importante foi publicado por John e Cristian DANIELS, The origin of rhe sugar cane roller rnill.
Technology and Culture, vol. 29, no.3, 1888, pp. 493-535.
Ant6nio ARAGÁO, A Maaèira vista por estrmgeiros, Funchal , 198 1 , p. 87.
35 G&par Frutuoso, Livro Quarto das Saudades da Terra, vol.11, Ponta Delgada, 1 98 1 ,
p. 209-212.
l'az, Ao qual deu ordem como se fez um engenho de besta, corno de
pastel, mas o assento da rnb diferente, porque era de uma pedra grande e mui
&-a, a maneira de garnela ¢ furada pelo fundo, por onde o sumo das canas, que
b t r o nela se moiam, ia por debaixo do chão, por uma calle ou bica, sair fora do
:mdaimo da besta que moia, e assim fez fazer tarnbem um fuso e caixa para
espremer o bagaço, e uma fornalha com uma caldeira em cima, a maior que então
%e achou, onde cozia aquela calda, e cozida a deitava em uma tacha e ao outro dia
-
M a o mesmo, ate que fez c6pia de melado para se poder fazer assuqre (...) com
ma pouca ciência e menos experihcia, saiu aquele assuqre. assim tão bom e tão
ml5;::- , ,I ,,

Uma das questões que mais tem gerado polémica prende-se com a
#Valuçiio da tecnologia usada para espremer a cana. O aparecimento e
~@er&qão dos cilindros horizontais e depois verticais é um processo
tem ocupado os especialistas nos últimos anos sem se conseguir
quer consenso. O primitivo trapenm era jd usado na Roma antiga
itonas e sumagre, sendo, segundo Plínio, inventado por Arístreu,
s dos pastores". Mas este tomou-se um meio pouco eficaz com a
ralizaqão da produção e comércio no decurso do século xvi, sendo
engenho de cilindros. fi aqui que as opiniões divergem. São
as hipóteses para a origem do sistema, sendo a mais antiga a que aponta a
lução como uma descoberta meditemca. Dois teqtos clhssicos para o
açúicar - F.O. Von ~ i ~ ~ r n a ne nNoel
" Ded9deram
- o mote atribuindo
a a Pietro Speciale, prefeito da Sicilia, um importante proprietário
fez testamento em 1474~'. Esta tese foi rebatida por Moacyr Soares
ra (1955) e Gil Methodio de Maranhão (1953) que demonstram a falta de

36 Gaspar FruRioso, Livro Quurto d a s Sa&s da Term, vol. TI, Ponta Delgada,

C. GJESSING. The
$ & h i f l for guindering mgar cone, Virgin Islands, 1477;MORENO FRAGINALS, E1 irsgenio, La
. 1978;Marie C l h e A M O W , k a n Vienne BEREN (eds). La Produciwn du vin e# de I

" .
. - v

L Cf.C a m l o Trasselli, Sioria de110 zLchro siciliana, Caltamissetia-rom, 1982. A tese


fendida com base nos textos Pietro Panzano (opuscuium de auiore, primordiis e#progressu
fs urbis Panottri, 1471) e Gaspar Vaccaro Panebianw (Sul richiamo delh ccuura wchcrina h
sulk mgioni che b mgono, Lipomi, 1826), que conforme a publicaçllo por Moacyr Soares
(1955) dos textos é evidente a falta de fundamento.
fundamento da tese siciliana. Alguma Historiografia castelhana atribui esta
invenção a Gonzalo de Veloza, vizinho da ilha de La Palma casado com a jovem
madeirense, Luísa Bettencourt que em 1518 é referido como "haber inventado un
ingenio para azúcar,,41na ilha de S. Domingos42.Todavia nos últimos anos os
estudos sobre a História do Açúcar no oriente, nomeadamente na lndia e China,
reforçaram a ideia de que o sistema de moagem da cana por cilindros têm aqui a
sua origem43.Por outro lado os estudos sobre a História da Ciência revelam que o
sistema de cilindros era conhecido na Europa sendo usado em diversas
actividades industriais. A mais antiga referência reporta-se ao uso na China e
Índia para descaroçar o algodão, fabrico de papel, e terá chegado à Europa a
partir de meados do século XV44.David Ferreira Gouveia45 apresenta esta
evolução como resultado do invento do madeirense Diogo de Teive, patenteado
em 1452. Outros apontam para a origem chinesa.
O engenho de três eixos surge mais tarde no Brasil sendo considerado
também uma invenção portuguesa, inegavelmente ligada aos madeirenses aí radi-
cados. Note-se que a primeira referência aos eixos para o engenho datam já do
último quartel do século XV. Entretanto em 1477 Álvaro Lopes tem autorização
do capitão do Funchal para que "faça hum enjenho de fazer açúcar que seja de
moo ou d'alçapremas, ou doutra arte...o qual enjenho será d'augoa com sua casa e
casa de caldeiras...,,46.Depois, em 1485, D. Manuel isentava da dizima "quaes-
quer teyxos que forem necesarios para eyxos esteos cassas latadas dos enjenhos e
tapumes...,,47.Em 1505 Valentim Femandes refere que o pau branco era usado no
fabrico de "eixos e prafusos pera os enjenhos de açúcar,,48.A isto associa-se o
inventário do engenho de António Teixeira, no Porto da Cruz em que são referi-

41 RIO MORENO,JustoL. dei,Los iniciosde la agriculturaeuropeaen el NuevoMundo,


(1492-1542), Sevilla, 1991,p, 306.
42 Fernando ORTIZ, Los Primitivos Técnicos Azucareros de America, La Habana, 1955,
pp. 13-18. Confronte-se Moacir Soares PEREIRA, A origem dos cilindros na moagem da cana
(investigação em Palermo), Rio de Janeiro, 1955.
43 Cf. Estudos de J. Daniels e S. Mazumbar que seguem Moacyr Soares Pereira e Gil
Methodio de Maranhão.
44 Cf. DANIELS, John e Christian Daniels, the origin of the sugar cane Roller mill,
Tecnology and Culture; 1988, 29.3, pp. 493-535, SABBAN, François, I'industrie sucriere, le
moulin a sucre et les relations Sino-Portugaises aux XVle-XVlIle siecles, Annales, 49.4 (1994),
817-861, Idem, Continuité et rupture Histoire des Techniques sucrieres en Chine Ancienne, Actas
dei Tercer Seminario Internacional. Producción y Comercio dei Azúcar de cafia en Época
Preindustrlbl, Granada, 1993,247-265, J. H. Galloway, The Technological Revolution in the Sugar
Cane Industry During the Seventeenth century, ibidem, pp. 211-228.
45 " GOUVEIA, David Ferreira, O Açúcar da Madeira. A manufactura açucareira
madeirense (1420-1550), inAtlântico, IV, 1985,260-272
46ANTT, Convento de Santa Clara, maço 13, n° 1,4 Julho 1477.
47ARM, Vol. XV, p. 150, Apontamentos de D. Manuel de 22 de Fevereiro.
48António BAlÃO, O manuscrito de Valentim Fernandes, Lisboa, 1940, p. 112.

18
t
dos como aprestos: rodas eixos, prensas, fornalhas espeques (...)49. Também nou-
tro documento de 1546 refere-se a existência deste tipo de engenho nas fazendas
de Manuel damil em Câmara de Lobos, foreiras ao convento de Santa Clara, pois
o mesmo declara que "aquelle anno mandou fazer a roda nova por ser velha a que
estava e não aproveitar para servir e os eixos servirem hum anno..."" Por fim
tenha-se em conta que os primeiros engenhos construidos no Brasil, mais propri-
amente em S. Vicente, são de eixos e que estes foram feitos por destros carpin-
teiros rnadeirenses que acompanharam o governador Mem de ~ á " .
A tudo isto deverá juntar-se o facto de que foi a partir da Madeira que se
generalizou o consumo do açúcar, sendo necessário para isso uma produção em
larga escala. A pressãio do mercado europeu conduziu a uma rápida afirmação da
cultura na segunda metade do século XVI, situação que só seria possível de ali-
mentar com o recurso a inovações tecnológicas capazes de atenderem a tais soli-
citações. Note-se que a evolução para o sistema de cilindros não reverte no
melhor aproveitamento do suco da cana, mas sim vantagens acrescentadas para a
rapidez no processo de esmagamento. A situaqgo que se vive na Madeira a partir
de meados do século XV é de incremento da cultura que se alia a inovações tec-
nológicas, que certamente o engenho de Diogo de Teive foi o primeiro exemplo.
Se estas referências forem indício dos engenhos de cilindros quer dizer que
é na Madeira que encontrámos a mais antiga referência desta tecnologia no
espago atlântico e será a partir da Madeira que a mesma se difundiu. Os
i madeirenses estiveram ligados a promoção da cultura e construção dos primeiros
engenhos açucareiros nas ilhas Canárias, dos Açores, S. Tomé,e Brasil, chegando
i mesmo ao norte de Africa, situação que foi interditada pela coroa em 153752.Por
I
i outro lado a sua origem não poderá associar-se a uma influência directa da índia
ou da China, onde estiveram muitos madeirenses, uma vez que as primeiras
referências são anteriores h primeira viagem de Vasco da Gama. Perante tantas
wid€ncias não é possivel afirmar com toda a certeza que a expansão dos
s se fez a partir do Funchal. Teremos de continuar no
domhio das hipóteses, pois faltam-nos descrições e gravuras capazes de o
@temunhar. Mas se olharmos ao que sucede com as demais áreas tudo se
qmstrói no dominio da hip6tese e dificilmente teremos conclusões plausíveis
d r e os primórdios da evolução do sistema de cilindros na moagem da cana

" A. AUTUR, "Apontamentos hist6ricos de Machim", in DAHM, n 1, pp. 8-9. A dúvida


na data a atribuir ao inventário, que estã anexo ao seu testamento de 7 de Setembro de 1535, ou
3 de Setembro de 1495, data do testamento de Isabel de Vasconcdos sua esposa.
ANTT, convento de Santa Cium, no.12,21 de Janeiro de 1546.
Eddi Stols, um dos primeiros documentos sobre o engenho Shetz, em STio Vicente,

t. I, fl. 372 v, publ. in Arquivo Histórico da Madeira, vol. XIX (1990)


A palavra trapiche entrou depois no vocabulário do qúcar a designar todos
as tipos de engenhos de cilindros usados para moer cana. Nos arredores do
Funchal, como em Arucas, existe uma localidade com este nome, o que prova ter
existido ai um engenho deste tipo. Para São Tomé o Piloto Anónimo refere o uso
dos "Braços dos negros e ainda mesmo cavalos". Deste iiltirno sistema temos
notícia da sua utilização apenas nos p d r d i o s da cultura da cana-de-açúcar na
Madeira, sendo pmco proviivel a continuação após a experiência do engenho de
<-V-* - ,
Agua de Diogo de Teive, tendo em conta a disponibilidade de cursos de água e do
.
< .>',
-.i-, possivel aproveitamento por meio & canalização através das Ievadas. Já o mesmo
.-- -
.- .
,. não sucede nas Canárias, onde as datas diferenciam os engenhos de água dos de
1, -
besta. As condições geo-hidrográficas foram propícias à generalização dos
engenhos de água, de que os madeirenses foram exímios criadores. Aliás, nesta
ilha estavam criadas as condições para a afirmação da cultura, pois enquanto a
primeira desfrutava de iniimeros cursos de água e de uma vasta área de floresta,
disponibilizando lenha para as fornalhas e madeira de pau branco para a
construção dos eixos do engenho.
Toda a animação s6cioecon6mica gerada pelo @car foi dominada pelo
engenho, mas isto não significava que a exisencia de canaviais fosse sempre
sinónimo da presença próxima de um engenho. Aqui, mais do que no Brasil, são
inúmeros os proprietários incapazes de dispor de meios financeiros para montar
semelhante estrutura industrial e por isso socorriam-se dos serviços de outrems3.
No estimo da produção da capitania do Funchal para o ano de 1494 são
referenciados apenas 14 engenhos para um total de 209 usufrutuários, dispondo
de 431 canaviais". Por outro lado temos casos de alienaqão destes complexas a
outrem, sem qualquer relação com os canaviais. Assim sucedeu em 1546 o
convento de Santa Clara arrendou o engenho dos Socorridos, que fora de Rui
Dias Aguiar, a Manuel ~ a m i l ~ ~ .
Não é fhcil estabelecer o número exacto de engenhos que laboraram nas
ilhas. As informações disponíveis são, em muitos dos casos, dispares. Assim,
para a Madeira em 1494 são referenciados apenas 14 engenhos, quando noutro
documento de 1493%se dava conta da existência de 80 mestres de açúcar. Note-
se ainda que Edmund von ~ i ~ ~ e r m a nreferen" existirem no Funchal I50
engenhos no início do século XVI, número que não se coaduna com os valores

53 Em 1499 (AHM, vol. XVII, nm.227,pp. 38&387,20 de Março) refere-se esta situaçilo e os
possíveis prejulms causados h arrecadaçlio do quinto.
;!m
Ii V. RAU,ob. cit.
55 ANTT,convento uk Sunia Clara, no. 12, inventario de 21 de janeiro.
[ifi'''' j6 ARM, RGCMF,T.I, pub1. in AHM,Vol. XVI, p. 87,doc. 21 Junho.
" Histdria do açúcar, 194 I , 13
..
s na do Funchal. A sua localização geográfica
aferir das &as de maior incidência da cultura no século XVI.
de engenhos era reduzido. Assim, em 1602,
7 a 8 engenhos em laboraçãoS9.Esta aposta
levou ao necessário o estabelecimento de alguns incentivos i sua
. Nesta
d6cada fala-se apenas de quatro
os em 1650~'.Daí derivaram, enormes
por falta de engenhos suficientes. No
h d r é de Betaneor h6 três anos que não funcionava e seria dificil
pelo estado em que se encontravaE. Ademais, do abandono dos

como sucedeu com a Companhia Fabril do agúcar (l868)",


empenho dos industriais rnadeirensesM.Os séculos XIX e XX

,PJRFF, no.396,20 de Outubro de 1648.


,PJRFF, 11'396, fl. 7 9 5 de Dezembro de 1651.
,PJRFF, no.396, fl.6 v", 25 de Maio de 1651.

S 76, fl. 178.180, a l v d de 1 de Abril de 1870.


-se A. BEAUDRIMONT, du sucre et de la sa fabrica#iapi,Paris,
Um privilégw industrial. Cartus as diversos jornaes, Punchal,
mmrn O momento da grande inovação tecnol6gica dos engenhos e da f o m de
.'
4 fabrico do eqpela
&r%&wtura
l c a r . A revolução industrial foi provocada pela abolição da
crise que atingiu o mercado internacional do açúcar a partir de
. .
1880. O uso de m@na a vapor teve lugar em lamaica em 1 7 ~ mas ~ ' foi i 6 n
partir de meados do século XIX que a mesma se generalirnu. Esta inovação
'P' dcnica é favorecida pela concentração das estruturas industriais, resultado de
' uma política governamental que tem na década de vinte da presente centúria a
-irna expressão70. No Brasil deu origem aos chamados engenhos centrais,
enquanto na Madeira foi o principio da total xf1rmaç50 do engenho Hinton.
Durante o século XVm e at6 princípios da centúria seguinte existiu apenas
um engenho em funcionamento à Ribeira dos ocorri dos". A partir da década de
cinquenta o panorama é distinto e a cana volta de novo a ocupar um lugar de
destaque, ocupando 112 da superfície cultivada em 1 8 5 0 ~Deste
~. modo aumentou
o número de engenhos, sendo referenciado em 185 173 quatro fgbricas de refinação
de açiicar, quatro engenhos & moer canaT4e três fábricas de aguardente. Em
Câmara de Lobos a cultura teve grande incremento uma vez que são
referenciados três novos engenhos em 1854". A situação alastrou a tcda a ilha e
levou a promoção de novos engenhos ou à reactivação de antigos, uma vez que
em 1856 temos já 80 e 10 fábricas de destilar aguardente76.Aqui há que distinguir
as fãbricas de moer cana e os engenhos para fabrico de açúcar e destilação de
aguardente. Os engenhos de moer apresentavam duas rodas na disposição
horizontal, enquanto os movidos por bois tinham estas na posição verticaln.

"A. C. BARMES, The sugar cane, N. York, 1974.


Alberi BILL e Adrian GRAVES (ed.) The world sugar industry in War and depression
1914-1940, London, 1988; R. W.BEACHEY,lhe Bristish West indies sugar industry in rhe late
19th century, Oxford, 1957; A. C.BARNãS. ibidem; J. Carlyle SITTERSON, Sugar country. The
cane sugar indusrry Um t h south 1753-1950, Kenhclcey, 1953; Peter L. EISENBERÇ, the sugar
indwtry h P e d u c o 1840-1910. Modemim#ion witkaut c h g e , Berkeley, 1 974; Joshua
BERNARDT, The sugar indusiry and the federal govemmnl. A Thirty year record (1917-1947).
Washington, 1948; Francis MAXWELL, Modem rnilling of sugar cane, Loridon, 1932.
" An historical sb#ck of the island of Madeira, London, 18 1 9, p. '5 1 ; Rambles iri Madeira,
London, 1827, p. 364.
72, 1. k MASON, A treatise on the climaie and meieorology of Madeira, London,
1850, p. 244.
73 João José A b de SOUSA, "A patuleia na Madeira 1847"in Islenh, 14 (1 994), 7.
'' Edward Vermon HARCOURT, A sketch of Madeira, London, 1851. Refere quatro
engenhos movidos por bois. Roberi WHITE, Modeira its c l h t e and scenay, London, 185 1 , refere
tr&s engenhos:Praia Fomsa, S. Martinho e Funchal.
J. A. RiIBEiRO "A ind6stria de cana de açúcar em Cgmara de Lobos nos stculos XIX e
X X ,Ginio, 8 (19921,361-365.
Robert W I T E , Madeira its clirnate and scenery, Edimburgh, 1857, 139-140.
Veja-se a Descrição deste maquinismo em Iriformaç& E~tatísticaindustrial. Distritos do
Funchal, Lisboa, 1863.
b- - 'De acordo com D. João da Câmara Leme o avanco da cultura na ilha $6

U & r & s e criada em 1866 e inaumada em 1873, que se saldou num verdadeiro
b s a e motivo de acesa polémica79.Por outro lado é de salientar as iniciativas
@t#l~gicas do próprio D. João da C k a Leme que em 1875 apresentou o novo

1 ~ 7 2para
~ ' a ~ o n s de~ urna
~ ã ~ de extraeçáo e cristalização de qúcar .
fábrica
Flítica de proteccionismo e favorecimento do engenho do Torreão afastou
s de& desta industria, levando a maioria ao encerramento. Em 1 934 um
estabeleceu claramente esta situação: proibiu-se a construção de mais
s até 1953 e os demais existentes não podiam laborar açúcar, actividade
era exclusivo do engenho do Torreão, apenas forão autorizados os
amentos. Pior foi o aue sucedeu em 1954 com o decreto aue determina a

L
$ic
èntração de todos os fabricantes de aguardente em apenas três fábricas. Os
hhos do norte ficaram reunidos na comnanhia dos engenhos do na* com
no Porto da cruz8'.

6 Os valores de produção dos engenhos insulares são muito distintos dos


anos. Para a Madeira em finais do século XV são referenciados apenas 12
para um total de 233 proprietários de canaviais. Estes situam-se todos
do Fundo, não havendo qualquer referência para os que funcionavam

e V.Maniz de Beiíencourt, ~offap;aihiaf d r i l de ~ ~ ú cmadeireme


ar I... j, Funchal 1871;
, J& ~ugilstod'0mllas e a nova *rica de assucar, Funchal, 1871; João Augusto

ão comrcial irn que sda actores ~illiA Hinton & Sons a aa Conaè h ~hranvial . .i
898: Visconde CANNAVIAL. Um oriviléaio vihtriQ1. Cartas a diversos iormes,

r 3 1883: A descriçáa do processo seguido no ~ o & b 6 feita por Eduardo PEREIRA illlnas de
vol. I, 541-542). Em 1926 o Marquês de Iáoome CORRBIA (A ilha da Madeira, Coimbra,
,.98)refere o seguinte: A fábrica do torrem, de Harry Hinton, goza, com justificada razão, a
e ser uma fabrica modelar: e são complexos mechanismos, a organização fabril e a

r .82&ta reuniu os engenhos de's. Roque do ~ a i iFaial,


, Arco de S. Jorge e S. Jorge, Ponta
Potto da Cruz e Boaventura.
na b a $ o Caniço a Cânaara de Lobos. Tomando em conta, apenas as Partes do
Futuio, nota-se que a cada engenho estariam atribuídas mais de cinco mil arrobas,
ual0tOte1evadose tivermos em conta o estado da tecnologia usada. Também é de
notar que estes proprietários de engenho não se situam entre os mais importantes
detentora de cruiaviais. Apenas Femão Lopes surge com 1600 arrobas, havendo
caso de Iavradores com valores superiores que não são proprietários de engenho.
Note-se, ainda, que Fernão Lopes apresentava mais 2000 arrobas em conjunto
com João Esrneraldo. Na primeira metade do século XVE estes valores desceram
a mais de um terço, pois a média é de 1478 arrobas. Outro aspecto de relevo é a
relação entre os proprietários de engenho e canaviais. Nesta fase, marcada por
profundas alterações na estrutura produtiva, o desfasamento entre ambos os
grupos. Deste modo a distinção entre lavradores de cana e proprietários de
engenho 6 muito clara. Note-se que neste grupo surgem seis com valores
superiores a 1000 arrobas.
Por outro lado é de salientar que, não obstante os engenhos estarem
associados aos grandes proprietátios de canaviais, não os poderemos considerar
sinónimo de engenho. No caso do século dezasseis alguns situam-se entre os
principais produtores, mas a maioria surge com valores de produção muito
inferiores, como é o caso de Jogo de Ornelas que em 1530 declara apenas
70 arrobas de açúcar no Funchal. Deste modo podemos afirmar que estamos
perante duas realidades distintas que geram uma dinâmica particular na estrutura
produtiva em torno da cana de açúcar. No decurso do século dezanove é cada vez
mais evidente esta dissociação do engenho dos canaviais.

A moenda da cana no engenho inicia o processo de fabrico do açucar. As


m6s e os cilindros esmagam a cana e depois a prensa espreme o bagaço de modo
a retirar-se a &arapa que depois será cozida. O processo de fabrico do mel
resume-sea uma simples cozedura, mas do açucar implicava um processo moroso
de purga e clarificação. A principal questão que se coloca é a de saber donde
conseguiram os naadeirenses a tecnologia necessária para fabrico do aqiicar. Nada
nos diz de forma clara mas os poucos indícios da documentação revelam uma
ligação com as áreas produtoras do Mediterrâneo. Refere-se um mestre de
engenho valenciano e os vestígios materiais deste processo revelam as
similihides.
O complexo induscriai açucareiro surge na Madeira definido em três
espaços fundamentais: a moenda, a cozedura e a purga. Enquanto a moenda e
c o h a estavam próximas, a casa da purga era um espago separado deste
bulicio da moagem e caldeiras. Os dados documentais confirmam que estas eram
separadas e que contavam com si presença de vários t6cnicos8~Q
procedia à purific ao, o mestre temperava, enquanto o purgador
p~oom o encargo da purga:' Este Ultimo processo poderia ser executado de
&Hformas, sendo comum na Madeira a adiçZío do barro, o que conduziu a uma
mita protqfm dos temos de barros5.
i
Pera que branco fique, claro, a puro,
De huma galinha o pk com bam, o toca,
Que o secreto descobre mais seguro,
E a purgaçáo com óarro ihe provoca;
Segredo que em prudencia, no futuro,
Alvura poem, ao que por pmta, ou soca,
Descobre feito, a singular belleza,
Com que mais se engrandesce na

.. AW ç &'refere que esta foi uma invençh rnadeirense, rn os árabes j i


$ conhecedores e serviam-se dele para o fabrico do seu apícar branco.
A historiografia clássica aponta o seu inicio pelos gersas no shculo VI?'. O
%oda ilha deveria ser diminuto, uma vez que m o s notícia da imprta@o do
Santo e doutras O -mo se passava com as formas &
kar, iqdispens6veis em todo este processo, que eram importadas do B m i r o e
f @o".
A única informação sobre o fabrico do açiicar surge pela voz de Giulio
di,um italiano que visitou a Madeira na d&ada de trinta. Depois de referir a
ma de tntua$io das canas mta com minúcia o processo que se segue: "Aqui
cinco vasos postos por ordem,para cada um dos quais o suco saído das canas
&a através dum cano. Depois de bvado pam o primeiro vaso, deixam-no ferver
?te um certo tempo em ebulição, depois, passando para os outros vasos, com
p h d o , dão-lhe com habilidade a cozedura, de d o que chegue a espessura

: , C& David P e d r a de OwMa,O Açúcar da Madeira, in AtIM<ico, 4,1985, nota 1 I.


27 de Março de 1501, AHM, X W , 1973, gp. 409-413, p. 421. Cf. Pieter Honig,
s Tectwlogia Azucarem. Mhico, 1969. pp. 323.358-360,425.
~ i p i o de
:'Casa do Duque de 12 de Novembro de 1483, AHM, XV, 1972, p. 133; carta régia de
ktAh5lde 15W. ARM. vol. XVII. 1973, p. 455; Regimento de 8 de Setembro de 1507, AHM,
t974,pm
' Manuelliwmas, Insulana,A m h m , 1635. p. 474, estmfe 82.
" LIPPMANN, von, M m n d O., Geschichte des ZUckrs, Berlin. 1890, 1929 (ed.
tuguesa, R. Janeiro, 1941). Julio IA Riverend Bruwne, HisuSna de1 Azlicar antes Del
. .
mbrmmio de W c a , Revista Bimcstm Cahm. t, LIX. 1948. p. 198; M a n d o Sandoval,
hhsãUr&lAdçaren Nueva Espfu, Mexia. 1951.
'~dclO&J~uieirode1512,AHM,XVIII,1974,p.~2
Chudio Tctms, A Industtia do Wcar nos Alvpres da Expansão Atlhtica, Acrm &L
h Smruiarto Internacional B La Caiia e A z h r efi e1 Medite-eo, Motril, 1390,
183-210
tal que, posto depois em formas de barro, possa endurecer. A espuma que se
f o m ao cozer o açucar, deita-se em barricas, excepto a que sai da primeira
cozedura, porque esta se deita fora; mas a outra, que se conserva, é muito
semelhante ao
A casa das caldeiras assinala também uma importante evolução. Assim de
apepas uma caldeira evoluiu-se para quatro caldeiras ou taxas, o que fazia
acelerar o processo de cozimento da calda até ser depositada nas formas. O
melaço endurecido e frio depositado nas formas era transportado para a casa de
purgar onde repousava em andaimes. Ai acontece o moroso processo de
evaporação, depuração do melaço que termina com os pães de açUcar branco. A
prova disto temo-la no inventário do engenho de António Teixeira em 1535. Aqui
dá-se conta de 2 caldeiras de cobre, uma tacha grande e uma de receber. A tudo
isto juntava-se um conjunto variado de apetrechos como coadura, escumadeira,
repartideira, batedeira, raminhões9'.
O processo de fabrico do agúcar estava sujeito a um rigoroso controle por
parte dos chamados alea~dadores~~. A eles competiam fiscalizar a qualidade do
açiicar laborado em todos os engenhos. A paiavra Iealdar, tal como outras da
tecnologia açucareira, passou para as ~anárias~!As normas eram rigorosas e
proibiam o uso no comércio dos pães de qúcar quebrado. A qualidade do açúcar
laborado dependia das dimensões das formas. Sabe-se em princípios do século
XVI que estas eram muito grandes o que impedia que a purga fosse bem feita.
Deste modo estabeleceu-se uma bitola para medir todas as formas importadas,
fazendo com que seis pães correspondessem a uma a~-toba~~.
I
A Madeira foi um marco importante na evolução e afirmação do açúcar no
espaço atlântico. O nome da ilha está associado ao açúcar e ao complexo sócio-
económico que o serviu. Toda a estrutura serviu de matriz ao que sucedeu nos
demais espaqos apcareiros. O contributo madeirase não terá ficado somente
pela acção divulgadora não terá ficado apenas pela difusão das socas de cana e
respectiva tecnologia de transformação. Por outro lado a ilha foi um marco na
afirmação e produção em larga escala da cultura, situação que se repercutiu de
forma evidente na tecnologia que acompanhou esta evolução. Apenas a falta de
dados documentais mais seguros e explícitos nos impede de avançar mais.

' AnMnio Aragáo, A Madeira Vista por E s ~ m g c i m sFunchal,


, 1981, pp. 85-86.
'' Cf.David F e d r a de Gouveia, O Açiicar da Madeira, in Atlântico, 4, 1985, pp. 263-266
92
Regimento dos aleaidadoces de 27 de Março de 1501, AHM, XVTI, 1973, pp. 409-4 16.
y3 Cf. Maria Luisa Fabrellas, La Produccibn de Azhcar en Tenerife, Revista de Hixtoria,
no. 100,469.
wCarta régia de 2 de Setembro de 1501,AHM, XVII, 1973, pp. 409-413, p. 421.
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