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MARVIN
E O CARACOL
DO TEMPO
A
VEN
TURA
ALMIR CORREIA
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MARVIN
E O CARACOL
DO TEMPO
A
VEN
TURA
BRASIL -- 2003
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DESENHO DA CAPA:
LAYOUT DA CAPA:
IMPRESSO NA GRÁFICA
CONTATOS:
almircor@yahoo.com.br
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AGRADECIMENTOS
SUMÁRIO
1-MARVIN, O DÉSPOTA
2- O DUPLO
3- A MISTERIOSA CRIATURA
DA CAIXA PRETA
4- COMPOTAS E CONSERVAS
6- O LIVRO DE CARNE
8- O MERLIN NOSTRADAMUS
9- A ESPADA EXCALIBUR
10 - O CARACOL DO TEMPO
E O COMEÇO DE OUTROS
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CAPÍTULO 1
MARVIN, O DÉSPOTA
“Nem todo sonho sonhado é sempre
apenas um sonho sonhado.”
(Growbert, o dragão-anão guru)
...E assim o pequeno Milo foi sendo levado pela correnteza feroz. Cada vez
mais para o fundo, para o fundo, para o fundo terrível...
O fundo até parecia não querer ter fim. Mas como quase tudo tem, o fim do
fundo também chegou. E Milo pôde então colocar sua cabeça toda pretinha para
fora daquela “água” monstruosa e assustadora, agora já calma e límpida.
O FIM DO FUNDO É O INÍCIO DE UM OUTRO MUNDO.
E o outro mundo começava para Milo na forma líquida de uma enorme
lagoa, onde qualquer um podia nadar sem se afogar. Ele era prova real disso. E por
isso mesmo, seu pavor diluiu-se em medo e o medo ficou apertado-escondido em
seu coraçãozinho pulsante.
MILO TEM SOPRO NO CORAÇÃO.
“Nada grave!” -- disse o médico do Postinho de Saúde.
“Isso é que é uma lagoa super enorme!” – pensou Milo.
Milo nadou, nadou, nadou... mas não conseguiu sair do mesmo lugar. E
assim o seu medo voltou a ser pavor de ficar ali para sempre até morrer.
MENINOS DIFICILMENTE MORREM EM LAGOAS MÁGICAS.
Há sempre uma saída, uma ajuda que vem quando menos se espera por ela
ou, até mesmo, quando mais se espera por ela também.
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Mas Milo não era um menino qualquer de seis anos. A vida no Morro
Paraíso deu-lhe alguns anos a mais. Cinco no mínimo. Milo de seis tinha pelo
menos onze.
Não faz nem um ano que a polícia entrou no barraco e matou seu pai com
vinte tiros. O sangue sujou até as panelas no fogão...
-- Mas esse cara é inocente? -- comentou um dos policiais envolvidos na
operação.
-- Enganos acontecem! Vamos ter que sujar a barra desse pobre desgraçado
pra limpar a nossa! – analisou um segundo, enquanto um terceiro já colocava o
pacote de cocaína junto ao corpo ensangüentado...
TODO FAVELADO JÁ NASCE CULPADO MESMO SENDO
INOCENTE.
Milo já nasceu culpado também. A Injustiça Oficial o condenou à morte por
fome, frio, fogo no barraco, balas perdidas... e por tantas outras drogas de coisas.
Mas Milo insiste em viver, assim como seus outros dois irmãos.
A MÃE MARIA LAVA ROUPA PARA FORA.
Milo já viu até um homem pendurado-enforcado perto de sua “casa”.
A VIDA NA FAVELA TEM CHEIRO E GOSTO DE MORTE, MAS TEM
VIDA TAMBÉM. MUITA VIDA. VIDA SOFRIDA E TEIMOSA. CHEIA DE
PEQUENOS MILAGRES.
Mesmo já tendo experimentado tantas tragédias e coisas ruins, Milo e seus
olhinhos de jabuticaba ficaram “boquiabertos” diante da visão aterradora que se
seguiu.
Além da colina e abaixo dos rojões e fogos de artifício, uma imensa
PLANTAÇÃO MACABRA (nunca imaginada, nem mesmo pelos maiores
escritores de histórias de terror) perdia-se de vista... Eram quilômetros de extensão
para todos os lados...
As árvores estavam todas secas, curvas e tenebrosas. Cada uma delas trazia
como fruto pelo menos um cadáver enforcado...
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“E eu que pensava que o super-homem era um só... Nem podia mesmo. Para
estar em tantos lugares ao mesmo tempo! Talvez tenha muito mais ainda! Será que
enforcaram eles todos? ”
Milo continuou andando pelo grande cemitério de árvores e enforcados. Seus
olhinhos-jabuticaba procuravam agora entre tantos e tantos e tantos cadáveres
outros super-homens.
“No gibi e na televisão nunca enforcaram o super-homem!”
Milo passou por muitas e muitas outras árvores e por centenas e centenas de
outros corpos pendurados... Até artistas e estrelas de cinema haviam sido
enforcados. Um baixinho musculoso, quase anão, se parecia um pouco com o ator
Van Damme, mas Milo não tinha certeza.
A maioria dos corpos já estava em estado de decomposição adiantado.
Alguns pedaços haviam até caído no chão. Entretanto nenhum cheiro de podridão
insuportável contaminava o ar e os narizes que passassem por ali.
A PIOR MORTE É AQUELA QUE NÃO DEIXA (MAU)CHEIRO.
Passada de boca em boca através de séculos de escuridão, uma lenda
medieval conta que uma raiz especial nasce da terra bem onde escorrem os líquidos
de um enforcado. Duas pessoas apaixonadas que comerem de tal raiz ficarão juntas
e felizes para sempre. E para sempre aqui quer dizer para a ETERNIDADE, muito
além da vida. Muito além da vida e de todas as mortes...
Mas retornando ao pequeno Milo, antes que ele continuasse sua “visita”
pelo “cemitério”, uma inusitada bola de ovelha, ou melhor dizendo, uma bola de lã
veio rolando em sua direção... E só parou de rolar quando já estava bem próxima
dele, mais precisamente trinta centímetros.
NO MÍNIMO A BOLA DAVA “TRÊS MILOS” DE ALTURA.
Milo tocou curioso naquela lã macia. Nunca havia visto algo parecido. Uma
bola tão grande e tão fofa!
“Isto sim é que é um bolão!” -- pensou ele.
E Milo já imaginou aquela bola fofa sendo chutada pelos jogadores em uma
partida de futebol.
“Ia ser muito engraçado!”
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Para maior e total segurança, as duas tranças (que também eram mágicas) se
enrolaram no “garoto”.
É estranho ver duas pessoas galopando em um cavalo invisível. Talvez a
palavra mais apropriada para descrever tal cena seja: engraçado, muito engraçado...
Rapunzel e o pequeno Milo cavalgando no “nada”... indo até quase junto às nuvens.
Rapunzel levou o garoto rumo norte...
ATÉ UMA “PLANTAÇÃO” DE CASTELOS.
-- Garoto, Estamos na Marvinlândia... Eta nome ridículo e sem criatividade
alguma! Mas não se podia esperar outra coisa mesmo. Os reis, em noventa e nove
por cento dos casos, são ridículos. Assim como o poder que emana deles.
AOS POUCOS OS IMPONENTES CASTELOS FORAM SE FAZENDO
NÍTIDOS E CADA VEZ MAIORES AOS OLHINHOS DE JABUTICABA.
E havia castelo de vários tipos e materiais:
Castelo de Pedra
Castelo de Aço
Castelo de bambu
Castelo de Vidro
E OLHA A DISNEYWORLD ATRÁS DE UM DELES!
Castelo de Bronze
Castelo de Prata
Castelo de Ouro
Castelo de Conchas
Castelo de Rubis
Castelo de Diamantes
Castelo de gesso
Castelo de areia
Castelo de enigmas.
E pasmem! Até um castelo de água. Sim, isso mesmo. Um grandioso castelo
de água. Com paredes de água, torres de água...
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Rapunzel não poderia ficar com Milo por muito tempo. Escondê-lo naquele
mundo ali não seria nada fácil. Afinal o TODO PODEROSO REI MENINO DOS
CABELOS VERDES tinha muitíssimos espiões, além de pedras delatoras, árvores
fofoqueiras e até nuvens “língua solta”...
ASSIM O REI MARVIN TORNARA-SE QUASE ONIPOTENTE EM SEU
REINO.
Enquanto Milo olhava admirado para tudo lá embaixo, Rapunzel Preocupado
tentava encontrar uma saída...
“Onde foi parar aquele maldito portal-túnel-redemoinho que ficava mais ou
menos por aqui?” -- pensou ele.
Nem mesmo um mago (Merlin poderoso) conseguiria sair do Reino de
Marvin sem utilizar um dos seus três portais.
“Maldito Marvin e toda a sua imensa corja! O que será que esse rei
ordinário e metido à besta quer com um garotinho?” -- continuou pensando
Rapunzel.
À NOITE JÁ COMEÇAVA A CAIR NA MARVINLÂNDIA (e quando
caía, caía sempre de acordo com a vontade-disposição do Rei. Por isso mesmo era
difícil de prever. Às vezes começava às 18 horas, outras vezes às 20.
Depois do almoço, isso quando Marvin almoçava, a noite sempre era
obrigada a cair para que ELE pudesse dormir na paz da mais completa escuridão.
NENHUM BARULHO ENQUANTO O REI ESTIVER DORMINDO!!!
Rapunzel Preocupadíssimo não sabia mais o que fazer para tirar o “garoto”
daquele lugar perigoso para garotos de seis anos.
Á NOITE, BOLINHAS FLUTUANTES DE LUZ ESPIONAVAM OS
LUGARES.
Nenhum súdito conseguia viver tranqüilo. Os atos estavam sempre sendo
vigiados. Ninguém podia ser verdadeiro, se a verdade contrariasse os desejos do
Rei...
FINGIR ERA A ÚNICA FORMA DE SOBREVIVÊNCIA.
Quem ousasse entrar em desacordo com as milhares e milhares de normas e
leis acabava no Cemitério dos Enforcados ou...
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PLAFT!!!
--E agora??? Quem viu antes mesmo???
As duas vozes distantes se multiplicaram por dois, por três, por quatro... .
QUARENTA E OITO VOZES CORRERAM ATÉ OS OUVIDOS DO REI.
No Salão Oval de um dos castelos, lonnnnnga espera... Mais de duas horas
E até que enfim Marvin ainda sonolento apareceu, entrando montado em um
imponente trono voador: UMA CADEIRA DE OURO RUFLANDO DUAS
SUNTUOSAS ASAS TAMBÉM DE OURO.
-- Ajoelhem-se súditos! Será que vocês nunca aprendem!
Esbravejou a voz metálica de um cavaleiro-armadura-dourada (para
combinar com o trono do Rei).
-- Agora lambam o chão! -- gritou ele.
E todas as criaturas assim fizeram... Melhor isso do que virar sapo, grilo,
besouro, ou ser decapitado, ou nadar no óleo fervente, ou morrer comido por
terríveis “chuques-chuques” gigantes (também conhecidos por morceganhas).
Ah! E como Marvin gostava daquilo tudo! Gostava de confirmar sempre que
tinha o poder absoluto sobre tudo e sobre todos. Talvez a psicologia explique isso.
Afinal o rei era ainda um menino de doze anos, orelhas de abano, cabelos verdes e
uma inseparável mochila alada nas costas. Nada na aparência lembrava a maldade
que habitava seu coração...
-- Agora já chega! Podem levantar, seus decrépitos imundos! – sentenciou a
voz, já aguardando a fala do Rei.
--Mas o que vocês têm a me dizer, afinal? -- perguntou o Todo Poderoso
Marvin em alto e bom som.
E todas as criaturas começaram a falar ao mesmo tempo. Todas queriam ser
a primeira a contar o fato. Todas queriam a recompensa... Cada uma delas carregava
a certeza de que havia visto o bruxo Rapunzel voando-acompanhado de um menino
pretinho. Cada uma delas dizendo que havia visto os dois em um lugar diferente...
-- Calem a boca, seus imbecis-idiotas-incompetentes! Calem a boca, antes
que eu, antes que eu...
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Sempre que o rei Marvin ameaçava com a expressão “antes que eu, antes
que eu”, duendes, vampiros, super-homens, magos, estrelas e astros do cinema-e-
televisão, bobos da corte, assim como outras criaturas começavam a tremer
alucinadamente de medo. Alguns chegavam ao exagero de trincar os dentes ou as
dentaduras. Deslocamentos de queixos eram mais do que comuns.. Unhas
quebradas, cabelos ouriçados, chifres entortados... E outras coisas estranhas que
acontecem quando se tem muito-muito medo.
QUARENTA E OITO VOZES SILENCIARAM-SE.
-- AH! Eu ainda pego esse Rapunzel e aí não vai sobrar nem mesmo um
pedacinho dele pra contar histórias...
RAPUNZEL INVENTAVA BOMBAS MÁGICAS, GRANADAS
MÍSTICAS, MÍSSEIS EXOTÉRICOS... Com tais artefatos já destruiu muitos
castelos e outras construções aparentemente “indestrutíveis” do raivoso Rei Marvin,
O TODO PODEROSO (segundo cartazes e “outdoors” espalhados por todos os
cantos e não-cantos do reino).
No Reino de Marvin, Rapunzel é mais conhecido como “BRUXO
TERRORISTA”.
“Eu sou o bem e ele é o mal! Ele é a doença e eu sou a cura!” – Marvin não
se cansa de ficar repetindo frases deste tipo. Muito original ele, não???
QUEM REPETE MUITO UMA MENTIRA ACABA AINDA
ACREDITANDO NELA.
CAPÍTULO 2
O DUPLO
“O meu descanso é a batalha.”
(Dom Quixote De La Mancha)
Dito e então feito, Rapunzel estalou novamente os dedos e as bolas de fogo que
atingiam o escudo começaram a retornar aos seus donos.
E assim os cavaleiros, ou melhor, as moscas de lata foram sendo desintegradas...
Vinte por cento delas, é claro.
RESTAVAM AINDA OS OUTROS OITENTA POR CENTO INSISTENTES.
Fazendo melhor as contas, restavam, na verdade, setenta por cento já que o
esquecimento atroz omitira os dez por cento dos cavaleiros desintegrados pelas bazucas
“defeituosas”.
Setenta por cento de cavaleiros-moscas continuavam sendo um número
impressionante. Há pouco tempo, eles eram ao todo mais ou menos duzentos. O que dava
agora, com os descontos, uns cento e quarenta.
Cento e quarenta cavaleiros-moscas ao redor, abaixo e acima de Rapunzel...
Resumindo: a situação estava, como se diz por aí, PERICLITANTE.
APARENTEMENTE SEM SAÍDA.
Mas quem disse que Rapunzel se intimidava com 140 “moscas”. Pelo seu olhar vivo
e guerreiro, ele ainda “tinha muitas cartas escondidas na manga”. Talvez até um “coringa”.
Quem sabe “alguns coelhos mágicos.”
-- Promptum, redomistro, alredorum, zumpt!!!
E a bolha-azul-transparente começou a girar e girar e girar...
“Nada como um bom jogo de boliche aéreo!” – pensou Rapunzel.
E a bolha-azul transparente voou feito um raio (“UAUU!! – gritou Milo) sobre sete
cavaleiros-moscas estacionados no ar a uns trinta metros de Rapunzel.
Strike!!!
A bolha-azul derrubou três deles que derrubaram os outros quatro...
Sete cavaleiros-moscas caindo no chão de pedras assassinas.
Acima, abaixo, à direita, à esquerda.... Novas investidas da bolha foram derrubando
os outros cavaleiros-moscas..
por muito tempo em um mesmo lugar... Muitas vezes mudam de forma e tamanho... E
fazem isso para confundir as pessoas e as outras criaturas que precisam urgentemente de
um deles.
No Reino de Marvin, os portais estavam proibidos de fugirem ou se disfarçarem de
outras coisas. Assim decretou o Rei... Mas nenhum portal obedeceu... Afinal portais não
foram feitos para serem domados feito um cavalo invisível ou coisa parecida...
Se pudesse, Rapunzel ficaria morando ali mesmo na Favela Paraíso. Pelo menos um
bom tempo. Certamente era um lugar muito mais agradável e verdadeiro. Mas Rapunzel
tinha uma missão. A maior missão de sua segunda vida: acabar com o facínora Rei Marvin.
“Onde afinal foi parar esse portal fujão?” – perguntou o bruxo a si mesmo.
Rapunzel vasculhou a Favela e nada...
ALGUNS TIROS FURARAM SEU PENSAMENTO... Ainda bem que foi só o
pensamento...
-- Pare aí, seu moleque desgraçado, ou eu atiro!!!
A voz seca de um policial, mal pago e mal amado, não conseguiu fazer o moleque
obedecer.
MAIS TRÊS TIROS... Ainda bem que o também favelado policial era mau de
mira...
Alguma coisa dizia a Rapunzel que o portal estava por ali mesmo. Mas ali onde?
Eram tantos barracos espremidos uns contra os outros, uns sobre os outros.. Onde um portal
iria se esconder naquela bagunça toda?
Certamente Rapunzel não havia vasculhado aquele local o suficiente. Observara
tudo por cima, montado no cavalo Silver... Afinal não queria ser visto e levantar
alvoroços... Entretanto um olhar vasculhador mais cuidadoso se fazia necessário...
O DIA JÁ ESTAVA ACORDANDO DE UMA NOITE MAL DORMIDA.
Restava a Rapunzel uma única alternativa. Ficar invisível...
Existem muitas maneiras de se ficar invisível. Usar uma capa mágica é a mais
conhecida por todos, afinal são tantas as histórias que mencionam tal possibilidade... Mas
além dessa, quem achar mais conveniente pode se ensaboar com o sabonete da
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invisibilidade ou tomar uma pílula especial inventada pelo médico dragão verde Elvis
Presley ou ainda...
Rapunzel só tinha uma alternativa. E ele se viu forçado a usá-la, deixando de lado
todo o nojo que tal procedimento lhe dava...
“Já que é para a salvação de um mundo monstruosamente perdido pela arrogância e
prepotência e maldade propriamente dita, eu digo a mim mesmo que faço!” – pensou ele e
fez... “URGT!!!”, passando a mão direita na boca invisível de Silver e catando de lá um
pouco de sua baba mal cheirosa ...
QUEM COME BABA DE CAVALO INVISÍVEL TAMBÉM FICA INVISÍVEL
POR UM TEMPO...
“Sorte que esta coisa nojenta não tem gosto de nada. URGT!!! Ou melhor pensando,
tem gosto é de nojo URGT!!! Muito nojo!”
Rapunzel teve então que se desfazer de sua camiseta-armadura-dourada, de sua
mochila de arcos e flechas, de sua calça de couro peludo, de sua espada na cintura, de suas
botas de aço escovado...
Deu uma “tremenda dor no coração” jogar tudo aquilo fora... Sorte de quem achar
as coisas do bruxo. Cada uma delas tem um pouco de mágica. Mas não é qualquer um que
está preparado para usá-las...
COMPLETAMENTE INVISÍVEL, RAPUNZEL PÔDE VASCULHAR MAIS
TRANQÜILO TODO AQUELE LOCAL.
Entrar nos barracos, só se ele descavalgasse do Silver... Mas Rapunzel estava com
uma moleza tão grande naquele manhã que até parecia ter sido contaminado pelo espírito
do índio Macunaíma (que quando vivo sempre dizia a todo e qualquer momento “Ai que
preguiça! Ai que preguiça!”). Ou talvez tivesse sido mordido pelo minúsculo dragão beija-
flor Tsé-Tsé-Tsu.
De repente, meio escondido entre tantos e tantos barracos amontoados, um galpão
com telhas metralhadas de furos lhe chamou atenção.
-- Isso sim, eu quero ver de perto! Vamos lá Silver, desça, vamos!
E Silver aterrissou... E Rapunzel finalmente desceu de Silver...
-- Fique aqui quietinho! Por favor, não relinche e nem fique coçando seus carrapatos
invisíveis!
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continuar realizando os seus mimos. Em muito breve, os magos do REI iriam descobrir
quem fez aquilo tudo e o culpado ou culpados pagariam com a própria vida.
De repente, um som forte e abafado chamou atenção de seus ouvidos...
DIRETO DE UMA DAS DIMENSÕES MACABRAS, um exército de cem mil
esqueletos (montados em cem mil cavalos-esqueletos) vinha violentamente veloz,
cavalgando na direção do rei que não era mais rei coisa alguma.
MARVIN JÁ OUVIA OS GALOPES DE OSSOS, mas ainda não sabia do que se
tratava... Só sabia que boa coisa não era...
Queria correr, mas se sentia muito fraco para isso...
Em pouco tempo, mais precisamente trinta segundos, Marvin começou a visualizar
a ossuda morte ambulante...
SE FICAR OS OSSUDOS PEGAM, SE CORRER OS OSSUDOS...
Com a aproximação do EXÉRCITO DO MAL, o medo de Marvin ficou amarelo
de pavor para, já em seguida, avermelhar-se de terror...
O TERROR TEM A COR DE VERMELHO-SANGUE MESMO QUANDO
NENHUMA GOTA DE SANGUE ESCORRE DE SUA VÍTIMA.
E então Marvin gritou... Gritou o mais alto que pôde. Gritou clamando por um
fósforo mágico que funcionasse de verdade, livrando-o assim da morte certa.
A princípio ninguém ouviu...
NENHUM DOS SEUS FÓSFOROS MÁGICOS APARECEU...
MAS QUANDO TUDO JÁ PARECIA IRREMEDIAVELMENTE PERDIDO
(ALGUNS CAVALOS-ESQUELETOS JÁ ESTAVAM A MENOS DE CEM METROS
DE MARVIN), EIS QUE A MOCHILA COM ASAS APONTOU NO CÉU AZUL,
VOANDO DESESPERADAMENTE LIGEIRA EM SUA DIREÇÃO...
No que chegou até Marvin, a mochila toda nervosa-atrapalhada tentou se colocar em
seu corpo. Das outras vezes tinha sido tão fácil. Mas agora, ela não conseguia... E isso só
fazia o desespero aumentar... Marvin tentou ajudar... e nada...
Os esqueletos em seus cavalos esqueletos aceleraram ainda mais o galope e Marvin
foi ENGOLIDO PELO INFERNO OSSUDO. Atropelado por um e por outro e outro e
outro e outro e outro...
O gramado virou terra comida...
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De Marvin e da mochila com asas não restou nada para contar história...
E A IMENSA LEGIÃO DE ESQUELETOS CONTINUOU O GALOPE OSSUDO
RUMO NORTE... DESAPARECENDO ALGUNS QUILÔMETROS À FRENTE.
DIFERENTE dos milhões de súditos, Rapunzel não sumiu junto com o Reino de
Marvin. Afinal ele não pertencia mesmo àquele mundo. Estava apenas de passagem,
cumprindo sua missão encomendada por uma MISTERIOSA CRIATURA DENTRO DE
UMA CAIXA PRETA AMBULANTE:
“Pagamento metade no trato e metade nos finalmentes!” – disse a voz abafada de
dentro da caixa que tinha mais ou menos dois metros de altura por sessenta centímetros de
largura e setenta de profundidade.
METEOROLOGIA:
“Em toda a região de Chaventus teremos chuva de sapos... Em Reviravoltei ventos
fortes trarão tempestade de escorpiões e depois uma ligeira neblina de teia de aranha.”
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-- Alian Thor! – disse Marvin Olheiras – Eu quero que você faça um outro de mim.
Um sujeito idêntico a mim para dividir comigo este reino e assim eu poder descansar pelo
menos cinqüenta por cento do meu tempo.
-- Seu desejo é uma ordem que não se discute, meu Rei! Em sete dias Vossa
Majestade terá um duplo seu para ajudá-lo nas atribuições reais mais desgastantes.
-- Mas demora tanto assim?
-- Coisa bem feita leva tempo. Ainda mais para se fazer um Rei tão perfeito como
Vossa Majestade!
PUXA-SACO-BABA-OVO TEM MESMO EM QUALQUER LUGAR.
E então o encorpado-baixinho-bigodudo Alian Thor pegou sua BOLHACICLETA
5.000 CILINDRADAS e partiu num “zapt”, em direção à Dimensão do Pântano
Vermelho...
De lá ele trouxe quarenta e oito quilos de barro-moreno-para-se-moldar-menino-rei.
Nesse até então curto período de reinado, Marvin havia engordado três quilos,
apesar de raramente fazer uma refeição substanciosa.
PREOCUPAÇÕES (REAIS)TAMBÉM ENGORDAM...
Em um dia de trabalho, o mago Alian Thor moldou um Marvin idêntico ao original.
E com mais alguns ingredientes do próprio rei:
- Mecha do cabelo verde;
- Trinta gotas de sangue;
- Cueca suja de uma semana;
- Meleca de nariz;
- Cera de ouvido;
- Lascas de unhas;
- Uma boa escarrada real...
ALIAN THOR DEU PROSSEGUIMENTO A SUA CRIAÇÃO MAIS ESPECIAL.
Deixando de reserva a cueca de sete dias e as gotas de sangue, o mago colocou
todos os outros ingredientes em um abertura bem na testa do futuro duplo do Rei. Tampou
então tudo meticulosamente com barro...
O sangue, ele pingou gota-a-gota no local onde deveria ficar o coração do Marvin
de barro... E a cueca, por enquanto, parecia não ter destino certo...
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-- Sim, agora vamos para a próxima etapa! Por favor, Vossa Majestade, coloque
sua real mão direta bem onde eu pinguei o sangue. É aí que o coração do seu duplo irá logo,
logo pulsar...
E O REI MARVIN ASSIM FEZ...
Imediatamente, uma grossa luz verde começou a escorrer de sua mão real, como se
fosse líquido espesso, deslizando por toda a superfície do corpo de barro.
O Rei Marvin levou um susto assim que o seu duplo começou a se mexer.
-- Por favor, Vossa Majestade, mantenha sua mão real aí!
A luz verde foi sendo absorvida pelo corpo de barro que deixou de ser de barro para
se tornar carne, ossos, sangue, artérias, músculos, cartilagens, ácidos, aminoácidos...
-- Isso é tudo??? – perguntou o rei eufórico e ao mesmo tempo abismado com a
experiência mágica.
-- Bem, agora vem a parte mais importante, Vossa Majestade! Para que o seu duplo
realmente seja seu duplo, ele precisa receber toda a sua memória. E isso vai levar alguns
dias...
-- Mas e eu? Como fico eu sem a minha?
-- Não, Vossa Majestade, a sua memória vai permanecer intacta. Apenas uma cópia
dela irá para o cérebro de seu duplo. A coisa funciona mais ou menos como um arquivo de
computador. Você transfere as informações para outro, mas o original continua mantendo
todas as informações também.
-- Claro, Claro! Burrice a minha! Ou melhor, receio...
-- Por favor, Vossa Majestade, beba esta poção à base de tingue-lingue com
mandrágora.
-- Primeiro eu quero saber pra que isso?
-- Vossa Majestade dormirá alguns dias. Apenas os dias necessários. E nesse tempo
o seu duplo irá receber todo o imenso arquivo de sua memória. Desde o seu nascimento até
agora...
O Rei Marvin fez uma cara de que não queria ficar assim tanto tempo “distante” de
seu Reino. Alian Thor percebeu...
-- Não se preocupe, Vossa majestade! A Marvinlândia será muito bem cuidada
durante os próximos dias.
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Atraído pelo feixe-caminho de luz azul, esse “diabinho” acabou indo parar dentro
do ouvido do duplo de Marvin. E DE LÁ PARA O CÉREBRO...
TREMENDO AZAR DE MARVIN. TREMENDO AZAR DE MARVIN.
No filme “A Mosca” aconteceu algo ligeiramente parecido... Um cientista inventou
um teletransportador e, quando entrou dentro da máquina, não viu que uma mosca fizera o
mesmo. Depois de realizada a experiência “com sucesso”, o seu corpo começou a adquirir
características do inseto.
No caso do duplo de Marvin, este não ficou parecido com o “diablo loco”. A sua
aparência manteve toda a semelhança do menino de cabelo verde e de orelhas de abano.
ENTRETANTO...
Assim que as cento e quarenta e quatro horas se gastaram feito o pavio de uma
muito longa vela de penitências e promessas, o duplo de Marvin foi o primeiro a acordar.
Arrancou as roupas do rei sonolento e já sentou em seu trono.
-- Guardas! Guardas! Guardas! – gritou ele.
E, em seguida, alguns guardas-reais apareceram marchando com suas barulhentas
armaduras.
-- Prendam esse farsante no calabouço mais frio, sujo, fedorento e escuro que
existir! Antes, porém, cortem sua língua! AH! E já aproveitem e enforquem esse mago
incompetente! Vejam só, ele teve a audácia de dormir diante de mim, o Rei. Isto é algo
intolerável, vocês não acham?
Todos os guardas fizeram um SIM com a cabeça, apesar de não estarem entendendo
nada. Afinal o Rei Marvin sempre fora tão bom... E agora, de um momento para outro, se
apresentava assim, feito o diabólico Imperador Calígula...
CAPÍTULO 3
A MISTERIOSA CRIATURA
DA CAIXA PRETA
“Muitas coisas que parecem concretas hoje
desfazem-se em pó com o passar do tempo.”
(Do Livro “Conversando com os
humanos” – autora Fada Iô-Iô)
também... Ah! Já mandei fazer um bolo digno de um rei feito eu. Dez metros de altura.
Muito chantily, cerejas ao marasquino, pêssegos em calda, fios de ovos, suspiros...”
.......................................................................................................................................
“Tá vendo como eu não sou tão ruim assim. Aqui está um pedaço delicioso do bolo
do meu aniversário. Pena que você não pôde participar da festa. Mas certamente ouviu os
fogos de artifício, não?”
Durante seu longo martírio de prisioneiro culpado por ser inocente, os cabelos
verdes do Marvin cresceram espantosos oitenta centímetros... E cresceram verdes como se
verde fosse a cor original deles desde o seu nascimento.
CABELOS CRESCEM... LÍNGUAS NÃO.
Felizmente a magia é capaz de romper com muitas lógicas. E assim, mesmo
enfraquecidos pelas MALDADES de seu Duplo, os cabelos verdes e mágicos de Marvin
fizeram aos poucos sua língua ir surgindo-crescendo novamente.
CABELOS VERDES TÊM PODER. Um poder ainda tímido e escondido. Por
enquanto, não o suficiente para tirá-lo da masmorra. Por enquanto, não o suficiente para
conseguir avisar um de seus amigos.
“Etecétera! O dragão Elvis! Bem que um deles podia aparecer pra me tirar deste
inferno! E Lenora? Pobre Lenora! Eu que queria tanto salvá-la acabei aqui tão prisioneiro
quanto ela!”
A MALDADE TORNARA “O REINO DE MARVIN” PRATICAMENTE
IMPENETRÁVEL AOS POSSÍVEIS RAROS VISITANTES... SÓ ELA MESMO É
ASSIM, CAPAZ DE CRIAR UM ESCUDO TÃO DURO E CORTANTE QUANTO O
DIAMANTE.
Nesse tempo todo de prisão, Marvin pensou até em se matar... Porém toda vez que a
sua esperança queria mergulhar em um abismo fatal, vinha algo lá do fundo de sua alma lhe
dando asas e dizendo: “Não! Calma! Agüente firme! Você ainda tem toda uma longa e
maravilhosa vida pela frente! Muito em breve você vai sair daí! Acredite!”
E MARVIN IA MAIS OU MENOS ACREDITANDO... Vestido com os farrapos de
um esqueleto (companheiro e amigo de masmorra)...
-- Desculpe-me, mas eu agora preciso mais dessas roupas do que você!
40
“BRUMPT!!!”
Marvin se arrebentou no asfalto. Era feriado. Na avenida quase deserta, bem sobre
as faixas amarelas de segurança, Marvin estava morto...
De vez em quando, carros “modernéticos” passavam ao seu lado... Ninguém parava,
afinal na cabeça das pessoas, tudo aquilo podia muito bem ser encenação: um assaltante-
aranha com uma nova tática-teia para pegar motoristas-moscas.
Marvin ficou ali morto até o final da tarde.
Então, espantosamente, o seu braço direito se mexeu. Depois foi a vez da perna
esquerda e a cabeça...
Marvin estava vivo outra vez. Possivelmente os seus longos e mágicos cabelos
verdes tivessem alguma coisa a ver com isso.
Agora, sem o seu duplo, ele se sentia mais forte outra vez...
AVENIDA LEWIS CARROL, NÚMERO 13.
Marvin estava bem em frente de sua ex-casa. No lugar, um enorme prédio de
cinqüenta andares. E no lugar das casas dos vizinhos outros e outros prédios...
Nada lembrava mais o seu antigo bairro. Dava a impressão que, no mínimo, uns
vinte anos haviam se passado sem a permissão de Marvin.
COMO PODIA SER?????????????????????????
Marvin ficara confuso.
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Além das muitas interrogações cutucando seu cérebro, uma lembrança doída (que as
tantas aventuras tentaram sepultar) retornou para incomodá-lo: todos os vizinhos, em um
raio de dois quilômetros, haviam desaparecido devido a fatídica poção mágica de sua avó
bruxa. Isso quando o bairro ainda era feito de casas e de ruas de paralelepípedos.
Tanta coisa a fazer. E tudo agora parecia mais difícil e confuso.
Marvin sentia muita saudade do amigo papagaio Etecétera e do médico dragão Elvis
Presley. E de Lenora. E de Tonhão E até de Vovó Pangaré.
“Coitada de minha avó! Como vou salvar ela agora? Não tenho mais a mochila com
asas e minha avó-areia estava dentro dela. E Lenora? Será que ainda está presa naquela
jaula pra gorilas?”
Marvin perambulou pelos pensamentos da rua-avenida...
Do número 13 foi até o 5589. Quase uma hora de caminhada.
ALÉM DE FAZER BEM A SAÚDE, CAMINHAR AJUDA A
DESEMBARALHAR AS IDÉIAS.
No caso de Marvin, seu pensamento continuou embaralhado... Não conseguia
entender o que tinha acontecido. Para ele, alguns meses nos Mundos Mágicos não poderiam
ter se transformado em possíveis décadas no Mundo Humano.
Mas seu bairro estava mesmo muito diferente... Se não fosse uma e outra construção
preservada, nem daria para reconhecê-lo... A escola permanecia lá ainda. Quase igual. Já a
praça das peladas com os colegas não existia mais...
Algumas coçadas nos longos cabelos verdes não lhe trouxeram nenhuma explicação
lógica para aquele NOVO ENIGMA. Apenas um dor de cabeça que seria interrompida por
um cutucão nas costas. Era o duende amarelo Pirralho que aproveitou uma das paradas
pensativas de Marvin para interceptá-lo.
-- Oi! Lembra que eu te fiz um favor daquela vez?!
-- Sim! Pirralho???
-- Não me chamo mais Pirralho, por favor! Agora o meu nome é Safadinho.
Marvin já sabia da mania do duende amarelo cintilante em ficar mudando de nome
como quem muda de roupa. O problema era o seu gosto estragado que geralmente escolhia
adjetivos para nomes próprios.
-- Então? Eu vim cobrar!
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-- Cobrar???
-- Sim?! As moedinhas de ouro, lembra? Aquelas que eu te emprestei!!
-- Mas eu não tenho moedinhas pra te pagar.
-- Não! Você não entendeu! Eu não quero as moedinhas de ouro de volta.
-- E como é que eu vou te pagar então?
-- AH! Esses seus longos cabelos verdes são tão bonitos!!!
Marvin distraiu-se com a passagem de um carro COYOTE 2035 e acabou não
percebendo a “indireta” de Pirralho, ou melhor, de Safadinho.
-- Então???
-- Então o quê?
-- Você me dá o teu cabelo verde e nós ficamos quites.
-- Só isso?!
-- Só!!
-- Mas afinal por que você quer o meu cabelo?
-- Se eu dissesse que vou fazer uma peruca pra mim, você acreditaria?
Pirralho, ou melhor Safadinho, retirou então o gorro cinza encardido e uma careca
gorda, ensebada, cheia de calombos e fios ralos e raros se revelou pela primeira vez aos
olhos de Marvin...
MONSTRUOSA.
-- Sim, acredito!!!
-- Então?
-- Tá bom!!! Esse meu cabelo já está ridículo demais mesmo. E se eu não cortei ele
ainda é porque não encontrei nenhuma barbearia aberta.
-- Então, eu vou acabar te fazendo outro favor!!!
-- Acho que sim!
-- Humm!!! Mas um favor tem seu preço!
-- Não me diga que você vai me cobrar!
-- Humm!! Humm!!
PIRRALHO, OU MELHOR SAFADINHO, COÇOU O QUEIXO
LIGEIRAMENTE PELUDO:
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-- Bem, não sei se você sabe, mas não estou acostumado a fazer favores que não
serão pagos... Entretanto neste nosso caso, posso abrir uma exceção, afinal o pagamento do
favor que eu te fiz acabou virando um outro favor... e ao mesmo tempo, servirá também
para eu pagar outros favores que devo a alguns gnomos insuportáveis...
Dito isto, Pirralho, ou melhor Safadinho, retirou uma enferrujada tesoura-de-podar-
certas-coisas de seu sobretudo carcomido por traças... Ela devia ter uns cinqüenta
centímetros, enquanto que o duende já estava com um metro e vinte de altura (da primeira
vez que falou com Marvin, ele tinha mais ou menos noventa centímetros. Uma poção à
base de certas ervas misteriosas do Vale dos Mistérios Mortais havia lhe dado os trinta
centímetros sobressalentes). Marvin distraído nem notou a diferença que realmente não era
tão grande assim.
PIRRALHO, OU MELHOR SAFADINHO, PRETENDE AINDA CHEGAR A
PELO MENOS DOIS METROS DE ALTURA E ASSIM DEIXAR DE SER CHAMADO
DE TAMPINHA POR ALGUNS DE SEUS AMIGOS GIGANTES.
Assim que veio ABRUPTAMENTE desajeitado para cima de Marvin com a tesoura
em mãos, este instintivamente caiu assustado para trás.
-- Calma!! Eu não vou te machucar! Não tenha receios... Apenas me diga, como
você quer que eu corte o seu cabelo?
-- Curto!!! -- disse Marvin ainda meio desconfiado.
-- Tipo militar?
-- Não! Curto simplesmente! Você consegue fazer isso com essa tesoura
enferrujada????
-- BLINDLISPMIM OKTUBUS RARARATUM!!!
As palavras de Pirralho, ou melhor Safadinho, cuspiram milhões de perdigotos no
AR...
NENHUMA MÁGICA ACONTECEU. E ele já foi se justificando:
-- Às vezes é assim mesmo. Certas falas mágicas demoram pra pegar. Algumas são
como carro velho, outras como mulas voadoras... Vou tentar novamente:
-- BLINDLISPMIM OKTUBUS RARARATUM!!!
A fala cada vez mais possante de Pirralho, ou melhor de Safadinho, acabou não
surtindo efeito aparente algum.
-- Calma! Calma! Agora vai dar certo! -- BLINDLISPMIM OKTUBUS
RARARATUM “ATCHIN”!!!
O “ATCHIN” não fazia parte da fala mágica, mas veio junto inevitavelmente e
acabou fazendo as palavras “pegarem no tranco”.
-- Veja, Marvin!! Está funcionando! Está funcionando!
Nem era preciso dizer, Marvin estava vendo...
Vendo a tesoura enferrujada flutuar bem na altura de seus olhos...
Vendo-a dançar-amolecer feito borracha quente até ficar duríssima outra vez...
E vendo-a agora brilhante como nova.
-- Xii! Esqueci um coisa!
-- O quê??
-- O pente! Só a tesoura sozinha não faz um bom corte de cabelo...
-- “Com certeza!” – pensou Marvin.
-- TROVIN ESPRERUNFTUM NAGDASPRI RETROV!!!
Desta vez não foi preciso “pegar no tranco” e sem entremeios um pente prateado
apareceu também flutuando, ao lado de sua “partner”.
-- Já que você consegue fazer mágicas, não seria melhor diminuir um pouco o
tamanho da tesoura?!
-- AH! Me desculpe... Cabeça essa a minha!!! É que estou acostumado a cortar
cabelo de gigante e nem me dei conta de que você é bem menos cabeçudo... DIMINUTU
RANTUM PRATICIS ANELIDIUS CRAVENTUS!!!
Bem ditas as palavras, pente e tesoura animaram-se como se estivessem sendo
manipulados por hábeis mãos invisíveis...
Pirralho, ou melhor Safadinho, foi catando animado todo o cabelo verde que caía no
chão. Boa parte dele nem conseguia chegar até a calçada daquela barbearia improvisada ali
mesmo em frente à marquise de uma das duzentas e vinte lojas “Centauro de Jade”.
JADE: PEDRA SEMIPRECIOSA, GERALMENTE DA COR ESVERDEADA
UTILIZADA EM ALGUMAS MALDIÇÕES POR VÁRIOS MUNDÕES AFORA.
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A habilidade do “barbeiro invisível” não levou nem cinco minutos para fazer o
corte. Bem do jeito que Marvin queria e pôde constatar no vidro-espelho da loja.
Pirralho, ou melhor Safadinho, havia ganho o dia e também muitos outros dias pela
frente...
“A criatura da caixa preta vai ficar muito feliz comigo!” -- Pensou o duende,
segurando-apalpando o saco de filó cheio de cabelo verde.
-- Bem, Marvin, É melhor você agora ir ver se eu estou na esquina!!!
-- O que? Como? Não entendi!!!
-- Vá!! Faça isso que eu te disse! Vá ver se eu estou na esquina!!!
-- Por que essa brincadeira sem graça, agora???
-- Não é brincadeira sem graça, não. É que no meu mundo é falta de educação as
criaturas se despedirem depois de uma conversa amigável.
-- Então foi por isso que você desapareceu da última vez sem dizer nada?!
-- Sim! Nós temos esse costume... Cada mundo com os seus. Bons ou maus.
Inteligentes ou idiotas.
-- Tudo bem então, apesar de você não estar agora em seu mundo.
-- É mesmo! Não tinha pensado nisso.
-- Aqui se você não se despedir de mim estará sim mostrando falta de educação.
-- É incrível como um mundo é tão diferente de outro. Costumes, roupas, idéias,
tantas coisas... Mas como eu faço então pra me despedir de você? Esta vai ser a minha
primeira vez. Espero que ninguém fique sabendo disso lá onde eu moro.
-- Nós geralmente usamos a palavra tchau ou até logo ou então adeus.
-- Tchau!!! Gostei! Lembra até uma palavra mágica que eu uso para... Esqueça. O
importante agora é eu me despedir de você para não passar novamente a idéia de que sou
um sujeito mal educado.
-- Ao invés da gente se despedir, bem que eu podia ir com você... Não quero ficar
sozinho neste mundo estranho!
-- Mundo estranho??? Mas afinal esse não é o seu mundo?
-- É!!! Mas não do jeito que eu conhecia antes!
-- Bem que eu gostaria, mas aí eu estaria fazendo um outro favor a você e favores
são muito caros... Além do mais, estou muito apressado!
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Aparentemente o elevador era “doido varrido” mesmo. Não tinha botões e se
deslocava para todos os lados de acordo com as orientações de quem entrasse nele, após é
lógico, se dizer a senha do dia.
CAPÍTULO 4
COMPOTAS E CONSERVAS
“A magia pode ser a congruência
de todas as congruências
ou a completa falta delas.”
(O mago Obtuso)
Esta era a terceira vez que Marvin entrava no “Castelo Invisível”... Após passar pela
grande porta, agora de ouro, o que o aguardava lá dentro era também, pela terceira vez,
diferente e inusitado.
Um salão imenso aparentemente vazio foi a primeira visão de Marvin. Tudo bem
que nisso não havia nada de diferente e inusitado. Mas aguarde. Em muitos Mundos
Mágicos as coisas nunca permanecem as mesmas por muito tempo. Ainda mais em um
Castelo que vivia se modificando como se tivesse personalidade própria.
CASTELOS VIVOS. Existem muitas histórias sinistras sobre eles. No livro
“Construções Ameaçadoras e Suas Vítimas” (1300 páginas, Editora Não Leia), o escritor-
fantasma Gaspar de La Fontain apresenta centenas de descrições e depoimentos de quem já
passou por apuros e até coisas piores em Castelos e Casas Pulsantes.
AS VÍTIMAS FATAIS INFELIZMENTE NÃO TIVERAM COMO SE
MANIFESTAR.
Por falar em histórias sinistras, o que aconteceu, em seguida, com Marvin
certamente ainda será registrado no livro “Construções Ameaçadoras e Suas Vítimas –
Parte Dois” .
Marvin não teria ficado naquele salão mais do que o tempo necessário para
atravessá-lo e sair por uma de suas portas. O problema é que não havia nenhuma de suas
portas (nem janelas). Ou melhor dizendo, a única porta era a grandalhona da entrada e esta
certamente não interessava.
51
Os olhos podiam descansar tranqüilos naquele lugar tão grande e vazio de tudo. Não
havia nada para se ver-distrair além do amplo piso xadrez, das paredes aparentemente
brancas e do teto com vários lustres de velas.
Já os ouvidos de Marvin deixaram de descansar assim que o silêncio começou a ser
riscado por algo que vinha do chão...
ABAIXO DO CHÃO...
Pareciam unhas de aço raspando o mármore... E então já não pareciam mais...
Agora era o barulho de marretas e mais marretas ecoando pelo salão.
O som duro e seco deixava o vazio mais vazio ainda.
HOMENS TRABALHANDO EMBAIXO DO CHÃO???
O piso então começou a trincar por todo o salão... Fendas se abriram... Fendas
correram como longas pinceladas tortas de tinta preta.
O MEDO ESCREVE TORTO EM SUPERFÍCIES PLANAS.
Marvin correu até a porta de saída. Não queria sair. Mas se as coisas ficassem muito
perigosas de acordo com os seus pressentimentos mais íntimos, certamente aquela saída
seria a única saída...
O perigo arrebentou o chão... Arrebentou uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete,
oito, nove, dez, onze, doze, treze, quatorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito, dezenove,
vinte, vinte e uma, vinte e duas, vinte e três, vinte e quatro, vinte e cinco, vinte e seis, vinte
e sete, vinte e oito, vinte e nove, trinta, trinta e uma, trinta e duas, trinta e três, trinta e
quatro, trinta e cinco, trinta e seis, trinta e sete, trinta e oito, trinta e nove, quarenta,
quarenta e uma, quarenta e duas, quarenta e três, quarenta e quatro, quarenta e cinco,
quarenta e seis, quarenta e sete, quarenta e oito, quarenta e nove, cinqüenta, cinqüenta e
uma, cinqüenta e duas, cinqüenta e três, cinqüenta e quatro, cinqüenta e cinco, cinqüenta e
seis, cinqüenta e sete, cinqüenta e oito, cinqüenta e nove vezes... Uma após outra.
CINQÜENTA NOVE LÁPIDES E TÚMULOS SALTARAM DO CHÃO COMO
SE ESTIVESSEM NASCENDO DO INFERNO.
Marvin petrificou-se. Queria se mexer e não podia. Queria gritar e não podia.
Queria... e não podia... E assim ficou: querendo... e não podendo... Até que o último túmulo
nascesse...
Agora já havia outras portas no salão-cemitério. Elas também tinham nascido...
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Marvin já podia escolher-fugir-correr por uma delas. Queria... mas não podia...
As pernas trêmulas ainda não deixavam. O peito apertado ainda não deixava. O
tênis “grudado” no chão ainda não deixava...
Passado o pior do terror, ficou aquele outro terror: silencioso e poeirento.
O MEDO-NEVE NA BARRIGA aos poucos foi derretendo...
Então já era possível dar os primeiros passos. Passos de quem começa a andar
depois de ter ficado paraplégico por um bom tempo...
PASSOS PESADOS E LENTOS.
PASSOS DESCONFIADOS E CURIOSOS...
...À medida que Marvin passava pelos túmulos, seus olhos iam insistentemente
lendo os epitáfios de bruxos, magos, fadas, duendes, vampiros, lobisomens e outras
criaturas...
Mortícia Visceral
Primeira morte: 1539
Segunda morte: 1954
Descanse no tormento mais tormentoso
Até voltar do inferno para atormentar novamente.
Vampirela
Primeira morte: 1734
Segunda morte: 1860
Terceira morte: 1995
Bom descanso e breve retorno
Aos braços de seus entes queridos.
Charles, o canibal
Primeira morte: 1980
Daqui a cem anos, abriremos
Juntos um restaurante.
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Fada Melindrosa
Primeira morte: 1243
Segunda morte: 1549
Terceira morte: 1780
Quarta morte: 2002
Boa estada nas Trevas Sólidas!
Joe, o peludo
Primeira morte: 1830
Segunda morte: 1999
Carinho daqueles que te amam
E que sempre te amarão!
Até muito breve!
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Fada Barbarela
Primeira morte: 359
Segunda morte: 876
Terceira morte: 1200
Quarta morte: 1450
Quinta morte: 1590
Sexta morte: 1700
Sétima morte: 1976
Mui cheirosos são os cheiros
Que vem só de ti.
Ó flor de meus campos elísios!
Franktrevas
Primeira morte: 1786
Segunda morte: 1923
Cara, você foi mau, muito mau mesmo!
E é isso que nos faz grandes amigos.
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Marvin Nivram
Primeira morte: 20...
Seja bem vindo ao
Mundo das Trevas Sólidas!
Nessa confusão toda de viagens pelos Mundos Mágicos, Marvin não tinha mais a
mínima idéia de como o tempo estava se comportando... No Mundo Humano os anos
haviam aparentemente disparado para o futuro... Entretanto seu corpo ainda era de um
menino, agora com 13 anos.
TEMPO. TEMPO. TEMPO. AS PESSOAS SE PREOCUPAM TANTO COM ELE
E NÃO ADIANTA NADA. NO FINAL É ELE QUE NOS DEVORA A TODOS, SEM
MISERICÓRDIA ALGUMA...
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A cena que veio em seguida não podia deixar Marvin mais paralisado, trêmulo e
pálido do que ele já estava... E por isso ela acabou mesmo funcionando como um terrível
despertar...
Um balde de água gelada que faz qualquer um pular da cama quentinha.
Marvin pulou... pulou para trás e...
PERNAS PRA QUEM TE QUERO...
...Saiu correndo o mais que pôde... Desviando lápides e lápides até chegar a uma das
portas e passar por ela...
Em seu encalço o monstro de mármore.
O MONSTRO DE MÁRMORE NÃO TINHA CARA DE MONSTRO.
Marvin correu por um longo corredor de portas e armaduras (que se encaravam de
par em par, parecendo cochichar segredos). De vez em quando, a cada dez segundos, ele
olhava para trás... Felizmente nada, nada, nada, nada... Nada do monstro de mármore.
TALVEZ TIVESSE DESISTIDO DE SEGUIR UM MENINO TÃO RÁPIDO NO
DESESPERO.
Marvin lembrava até o personagem “maratonista” Forrest Gump, no filme de
mesmo nome.
A última porta do “corredor das armaduras-casais” estava meio aberta e foi por onde
Marvin entrou...
“PRUMPTRUM!!!”
E ela se fechou-trancou assim... Talvez querendo ajudar o Marvin.
PORTAS DE “CASTELOS INVISÍVEIS” ÀS VEZES GOSTAM DE
“SOCORRER” CERTAS CRIATURAS...
Na frente de Marvin e dos lados também, recipientes e mais recipientes de vidro.
Uns sobre os outros até a altura de dez metros. Dentro deles, em líquido transparente,
corpos e mais corpos humanos.
Chegando mais perto (os vidros circulavam toda a sala oval), Marvin passou a
identificar alguns tétricos rostos familiares.
Estavam ali os seus vizinhos que haviam misteriosamente desaparecido “em um raio
de dois quilômetros”.
57
PROMTRUPROCK!!!
PROMTRUPROCK!!!
Pelo jeito, se quisesse, o monstro derrubava-arrebentava a porta em segundos. Não
se sabe por que não o fez. Talvez alguma lei do “Castelo Invisível”:
É PROIBIDO DERRUBAR PORTAS.
É PROIBIDO ARREBENTAR PORTAS.
Marvin precisava encontrar uma saída.
Aparentemente não havia nenhuma (além da entrada).
PROMTRUPROCK!!!
Empurrar-puxar os recipientes de vidros, nem pensar. Seria um verdadeiro desastre
de grandes...
PROMTRUPROCK!!!
...proporções.
O chão parecia maciço demais.
PROMTRUPROCK!!!
O teto inalcançável para quem já não tinha mais uma mochila com asas.
PROMTRUPROCK!!!
SAÍDA. Mesmo sem ela, em ocasiões críticas, Marvin já se livrara de “poucas e
boas” e também de “muitas e ruins”.
PROMTRUPROCK!!!
QUANDO TUDO ESTÁ PERDIDO É SINAL DE QUE TUDO PODE ESTAR
PERDIDO MESMO.
“Talvez o melhor seja esperar o monstro se cansar, desistir e ir embora.”
Após cento e oitenta e três PROMTRUPROCKs, um longo silêncio fez Marvin
adormecer ali mesmo no chão gelado.
Algumas-não-se-sabe-quantas-horas-ao-certo-depois, ele acordou sendo “encarado”
pelos tantos vizinhos em calda ou no vinagre...
Mão direita na fechadura de ouro. Um suave-leve toque para... creeeeecckkkk.
“Que saco!! Por que será que não usam óleo nessas portas falantes?”
MAL SABIA MARVIN QUE RANGER ERA PARTE DA PERSONALIDADE
DE TODA BOA PORTA DO “CASTELO INVISÍVEL.”
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-- LENORA!!!
A voz conhecida do pai carrasco gritando acima dos decibéis permitidos deixou
Marvin confuso e perturbado. Afinal não teria sido ele mesmo o responsável pela morte da
própria filha???
PROMTRUPROCK!!!
PROMTRUPROCK!!!
PROMTRUPROCK!!!
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PROMTRUPROCK!!!
E novamente o monstro de mármore... Só que desta vez disposto a derrubar a porta,
esquecendo qualquer possível LEI PARA NÃO SE DERRUBAR PORTAS.
PROMTRUPROCK!!!
E finalmente a dita veio abaixo.
Marvin permaneceu junto ao caixão, enquanto o pesado monstro de mármore vinha
leve-flutuando em sua direção.
Marvin tentou ao máximo vencer o medo. Lutou internamente contra ele. Deu
alguns socos de direita e de esquerda, levou outros tantos... E aí no décimo round foi
nocauteado.
Qualquer um seria... E muito, muito antes...
POUCOS SÃO CAPAZES DE FICAR ENCARANDO O SEU PRÓPRIO
MONSTRO DE MÁRMORE.
A maioria já morre do coração no início do primeiro round.
Marvin resistiu bravamente até que não pôde mais...
A tática do monstro de mármore foi muito simples. Ele apenas abriu a tampa de seu
“corpo mármore” e...
MARVIN pulou para trás... caiu... levantou... tropeçou... levantou rapidamente,
CORREU!!!!!!!!!!
Qualquer um faria o mesmo diante de seu próprio túmulo aberto, principalmente
ao se enxergar-ver-olhar-abismar pálido-roxo-e-verde, olhos mortos, lábios murchos,
algodão no nariz, faixa na cabeça, terno de enterro impecável, mãos... naquela posição de
defunto pedinte... ou implorando mesmo pela salvação da alma...(outras possíveis
interpretações não foram aqui conjeturadas por falta de tempo e/ou inspiração...)
-- HUMM!!! De vez em quanto uma boa sopa com os olhos da cara vai muito bem!
62
CAPÍTULO 5
A CONFRARIA DOS DRAGÕES-ANÕES
“É leve e limpa a fumaça de uma alma amiga.
Almas-fumaça não precisam de chaminé.”
( Astor Borricante, dragão-anão, poeta
e filósofo quase sempre bêbado)
Estranhamente Napoleão Bonaparte não estava desta vez junto com os seus
companheiros fantasmas.
UM METRO E CINQÜENTA CENTÍMETROS DO CHÃO. Outra vez em transe,
Marvin ficou todo iluminado, flutuando de bruços feito uma lâmpada de 200 watts...
Os fantasmas vasculharam MAIS UMA VEZ todos os seus órgãos internos: rins,
fígado, pulmões, intestinos, coração, cérebro... E MAIS UMA VEZ não encontraram nada
daquilo que procuravam...
E portanto MAIS UMA VEZ partiram decepcionados...
Cinco minutos depois, Marvin acordou do estado de transe... E seu corpo-flutuante
foi ganhando velocidade: 5... 8... 10... 20... 30... 40... 50...60.. 70... quilômetros por hora.
Nesta sua terceira “viagem” através do Corredor Sem Fim, ele também sentiu
aquele friozinho na barriga que então foi tomando conta do corpo inteiro.
O FRIOZINHO SE TRANSFORMOU EM FRIOZÃO.
70...60..50..40..30...20...10 quilômetros por hora...
Durante parte do “passeio” forçado, Marvin teve que suportar (DE NOVO!!!)
zumbis, vampiros, lobisomens, bruxas, duendes, criaturas gosmentas, homens verdes e
azuis, esqueletos transparentes e a vaca malhada de capacete com chifres de fora passando-
flutuando por ele... Sorte que desta vez não houve nenhuma freada brusca.
10...20...30...40 quilômetros por hora...
... Depois de curvas, curvas e mais curvas, o Corredor Sem Fim voltou a ser
novamente uma reta, um túnel e...
MARVIN CAIU...
Não mais no pequeno córrego-esgoto que ficava perto de sua casa... Desta vez no
mundo dos Dragões-Anões, onde uma surpresa o aguardava....
DRAGÕES-ANÕES TÊM GERALMENTE DE UM E OITENTA A DOIS
METROS DE ALTURA. ISSO SEM CONTAR AS ASAS E O RABO. NESTE CASO A
MEDIDA VAI DOS PÉS-PATAS ATÉ A CABEÇA OU CHIFRE.
Mas retornando ao Marvin, ele caiu. E caiu sobre uma carroça de feno, talvez
propositalmente colocada para amenizar sua queda.
Puxada por dois esbeltos porcos azuis que funcionavam como cavalos, a carroça de
feno foi ganhando velocidade...
64
“Suma! Escafeda-se!
assinado: dragão Mexerico.”
Através do vidro de uma das janelas da taberna, Marvin passou a observar o que
acontecia lá dentro. Pelos risos e gargalhadas, a “reunião” devia ser das boas...
Marvin contou 12 dragões-anões: dois azuis, três verdes, quatro amarelos e dois
vermelhos e um roxo... Cada um deles segurava uma caneca de bebida e na outra mão-pata,
um charuto apagado.
DE REPENTE, UM CUTUCÃO INESPERADO o fez bater-cair sobre um par de
asas. Era o médico dragão Elvis Presley. Mas nem parecia muito assim. Se não fosse aquele
rosto inconfundível. Aquele topete. Aquelas costeletas.
Agora estava várias vezes menor que o de costume. Diminuto para um dragão feito
ele. Não passava de um metro e noventa centímetros.
-- Marvin, eu andei te procurando por vários mundos e nada de te achar. Por onde
você esteve?
Ainda no “chão-asas”, Marvin coçava a cabeça que batera na parede. Seu olhar
tinha um brilho interrogativo.
-- Você não pode ser o...
-- Claro que sou. E você sabe disso. O fato de eu ter diminuído não significa que eu
deixei de ser eu mesmo. Você também já mudou de tamanho uma vez e depois retornou ao
que sempre foi... Eu continuo sendo um poderoso dragão verde em toda a sua imensidão.
Ainda me sinto assim... Mas agora quero apenas me divertir na Confraria dos dragões-
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anões. E você há de convir que eu jamais caberia nela com aquele meu tamanho todo. E
nem seria aceito se eu não fosse um deles.
Claro que Marvin sabia que aquele era o médico dragão verde Elvis Presley. Havia
dito “você não pode ser o...” talvez pelo susto-surpresa inicial.
-- Vamos, venha comigo! Você vai se divertir e quem sabe ainda fazer novos
amigos!
Marvin ficou quieto e O SEU QUIETO foi estrategicamente interpretado como
SIM.
-- Vamos! Pegue esta pílula de se virar dragão-anão e em alguns segundos você
também será um, assim feito eu.
PÍLULA PARA SE VIRAR DRAGÃO-ANÃO. A ÚLTIMA CRIAÇÃO DO
MÉDICO ELVIS PRESLEY LEMBRAVA UMA BOLINHA DE VIDRO QUE NÃO ERA
VIDRO, COM UM VERME QUE ERA VERME DENTRO. E SE MEXENDO.
Marvin ficou naquela de “pego ou não pego”, “engulo ou não engulo”.
-- Vamos, Marvin! Uma festa daquelas nos espera!
Reunião. Festa. Ali pelo jeito tudo era a mesma coisa.
Marvin resolveu então... E sem “pensar” muito, colocou o verme na boca, digo, a
pílula... engolindo sem água mesmo.
Imediatamente, dezenas de bolhas azuis foram surgindo pelo seu corpo todo. Bolhas
duras por fora e estofadas por dentro. Um rabo afiado rasgou sua calça e cresceu, cresceu,
cresceu até atingir mais de um metro gordo de comprimento. Suas mãos viraram mãos-
patas. E os pés: pés-patas, é claro. Nessas alturas o seu tênis já tinha ido “pro Beleléu”. As
suas roupas aguardavam o mesmo destino.
IR PRO BELELÉU; segundo quase todos os dicionários, significa morrer, sumir,
desaparecer. Aqui no nosso caso, soa melhor no sentido de arrebentar, estourar, rasgar...
Segundo algumas histórias contadas por bruxas e bruxos, Beleléu é um dos lugares para
onde vão as coisas que desaparecem misteriosamente.
Em seguida, duas asas de morcego gigante azul nasceram de suas costas até ficarem
com três metros de envergadura. As mandíbulas encompridaram-se... Os olhos
esbugalharam-se... Dois chifres apontaram na testa e todo o seu cabelo verde desintegrou-
se... Uma volumosa barriga-barrica completou a metamorfose.
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-- A senha... Deixe-me ver. A senha era tão fácil. Puxa, como pude me esquecer
assim?
-- A senha, por favor! (repetiu o dragão vermelho, agora já mostrando sinais de
impaciência em sua voz mais dura e espinhenta)
-- Não adianta! Sob pressão eu não consigo me lembrar. Preciso tomar uma das
minhas pílulas memorificantes.
Elvis, que desta vez por motivos óbvios não estava com a maleta de primeiro,
segundo e terceiros socorros, recorreu a um saquinho de pano pendurado feito talismã em
seu pescoço.
Eram tantas as pílulas e de tantas cores e formas que ele também já havia esquecido
qual delas era MEMORIFICANTE.
-- E agora, o que que eu faço? (pensou ele)
Marvin sentiu a aflição do amigo e resolveu ajudar.
-- Eu acho que é aquela dali.
MUITAS VEZES, “EU ACHO...” NÃO AJUDA EM NADA E SÓ PIORA AS
COISAS.
Entretanto, neste caso, não é que ajudou!
-- A senha é: “Boca fedorenta de dragão antipático”
Dito isto, a porta se abriu.
Lá dentro, havia bem mais dragões do que Marvin tinha inicialmente contado.
Dois barmen, dragões é claro, serviam atrás do balcão. Acima deles um quadro com
a frase: SÓ É REALMENTE BOM, O DRAGÃO QUE CONSEGUE SE LIBERTAR DE
SUAS ASAS.
-- Hora de acender os charutos, companheiros! (disse um dragão verde)
E então todos acenderam.
Elvis pegou também o seu. Marvin ficou só olhando.
-- Hora de todos acenderem os seus charutos! (insistiu o mesmo dragão verde da
fala anterior)
Marvin não tinha charuto algum. Elvis deu um dos seus para ele, enquanto os outros
dragões encaravam os dois recém-chegados...
Todos fumaram.
69
Todos os dragões beberam suas canecas de rum exotérico, em um golão só, e depois
as jogaram contra as paredes.
É ASSIM QUE SE BRINDA NA CONFRARIA DOS DRAGÕES ANÕES.
Elvis e Marvin estavam sem as canecas e por isso não brindaram nada.
-- Novamente, outro aviso importante. Quem não sabe beber e quer continuar
fazendo parte da Confraria dos Dragões Anões deverá fazer um Curso Técnico Bebedor
Mor, o mais urgente possível.
Elvis e Marvin ficaram sem graça, olhando um para o outro, meio cabisbaixos, na
mira dos olhares dos outros dragões.
Alguns cochichavam nos ouvidos dos colegas ao lado.
Rizinhos e até gargalhadas se faziam ouvir.
-- Silêncio! Silêncio, companheiros! Como é de praxe, em todos os nossos
encontros, vamos relatar algumas histórias interessantes que aconteceram desde a última
reunião. Desta vez eu mesmo começo.
-- Mas, chefe. Hoje não era pra ser a vez do Barrabás começar? – observou um
dragão roxo.
-- Eu já disse pra você não me chamar de chefe! (“sibilou” o chefe para, então,
continuar a fala). Mas como eu estava dizendo, um fato muito interessante, eu diria até
peculiar, aconteceu comigo...
Marvin imaginou que só podia ser algo muito e muito chato, já que o dragão falante
parecia ser daqueles que, quando começa, não deixa mais ninguém abrir a boca...
-- ...Estava eu, voando e depois andando, voando e depois andando, lá pros lados da
Vila Querubim, quando ouvi um barulho estranho, muito estranho. Em seguida já avistei
um companheiro moribundo deitado atrás de uma pedra.
DRAGÃO GERALMENTE NÃO CHAMA OUTRO DRAGÃO DE DRAGÃO.
-- Aproximei-me dele. Ele gemia uma mistura de uivo de lobo com grito de
golfinho, coaxar de sapo e mugir de vaca... Ao seu lado, uma garrafa. Não era de rum
exotérico, não... Tinha um cheiro jamais cheirado por este meu super faro... O cheiro, na
verdade, era um fedor que se cheirado, ou melhor fedorado, por muito tempo, comeria
minhas narinas por dentro... Ácido. Ácido misturado com algo terrivelmente fedido... E aí
uma questão encasquetou no meu cérebro: O que aquele companheiro estava fazendo com
71
tal substância deveras desagradável? Será que tentara o suicídio? Mas por quê? AH! Amor
não correspondido. Só pode ser isso, pensei eu em seguida... Repentinamente, ele abriu os
olhos e me pediu: “Me vê aí um charuto! Preciso agora afogar minhas mágoas na fumaça
de um cubano”. Eu, que sempre estou muito bem prevenido em matéria de charutos, atendi
o seu pedido... Na terceira ou quarta baforada, ele já parecia novo em folha. Levantou sua
carcaça e me agradeceu: “Obrigado, eu estava mesmo precisando de um desses!” Aí ele
resolveu me contar uma história. “Você vai gostar de ouvi-la”, disse ele. “E será também a
forma de eu lhe pagar o charuto”, completou. Como eu não tinha nada de importante pra
fazer mesmo, fiquei ali ouvindo, não uma, mas várias histórias. A que eu vou contar hoje
funciona mais como uma charada e diz justamente respeito ao nosso grande e inseparável
amigo:
-- O CHARUTO!!! – Todos, menos Marvin e Elvis, gritaram uníssono.
-- ...Não vou citar aqueles que estiveram envolvidos em tal narrativa, mas apenas a
charada em si. Ela diz respeito a fumaça do charuto. E aí eu lhes pergunto: Como é que se
pesa a fumaça de um bom charuto cubano?
Todos os dragões fizeram um grande silêncio interrogativo.
Marvin sabia a resposta. Afinal ela havia sido dada no filme “Cortina de Fumaça”,
que ele achou “legalzinho”.
“Será que esse dragão assistiu também o filme?” – pensou Marvin, não acreditando
muito naquela enrolação toda dita pelo “dragão chefe”.
O SILÊNCIO INTERROGATIVO PERMANECEU NO AR MISTURADO COM
A FUMAÇA DOS CHARUTOS.
Marvin ficou se segurando para não responder.
-- Pelo jeito, ninguém sabe, não é? Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três...
Ninguém mesmo? A resposta é muito simples, companheiros!
O SILÊNCIO INTERROGATIVO PERMANECEU NO AR MISTURADO COM
A FUMAÇA DOS CHARUTOS.
-- Primeiro, pesa-se o charuto que será fumado. Durante o ato de fumar, reserve a
cinza. Não deixe cair nada no chão. O peso da fumaça será a diferença entre o peso do
charuto e o peso da cinza. Entenderam?
72
Mexerico, justamente o dragão que mais abominava qualquer coisa que envolvesse
números e contas, protestou:
-- Essa conta é muito difícil de se fazer!!!
Para ele qualquer conta que envolvesse algo cuja soma fosse superior a 8 era
considerada difícil-impossível.
-- Necessitamos de uma balança de precisão. – observou Super Lord.
Com charutos, fumaça e o rum exotérico correndo soltos na Confraria, muitas outras
histórias foram sendo contadas... Marvin se interessou por cinco delas. Algumas lhe deram
bocejo e sono e, por isso, Elvis resolveu sair bem mais cedo do que esperava.
Já com as respectivas asas colocadas (as únicas sem etiquetas), os dois partiram-
voando...
ENQUANTO ISSO NA CAVERNA DA MISTERIOSA CRIATURA DA CAIXA
PRETA:
-- Tchau, eu não vou te pagar tudo o que combinamos por essas coisinhas
titiquinhas de nada.
-- Trato é trato, meu caro!
-- Mas não foi bem isso que a gente negociou.
-- Claro que foi! Eu não tenho culpa se os ditos seres humanos têm só isso. Eu
prometi vinte e tá tudo aí.
-- Vinte, mas desse tamanhico? Minha poção não vai funcionar assim.
-- Então, eu te trago mais vinte.
-- Mais vinte não vai ser o suficiente também.
-- Sessenta então?
-- Quem sabe!
-- Trago oitenta pra garantir.
-- Combinado então. Mas sem cobrança adicional.
-- Não, isso eu não posso garantir.
-- Um favor pelo menos!
-- Desculpe, mas eu não posso fazer favores. Vai contra a minha ideologia
existencial.
-- Não sei como ainda fico fazendo negócios com você, Tchau.
73
-- Você sabe sim. E sabe muito bem. Afinal eu sou o melhor em tudo.
-- E quanto vai sair a dolorosa?
-- Vou pensar... vou pensar...
-- Mas não pense muito, tá?
-- Oitenta almas de seres humanos, deixe-me ver... Hum! Hummm! Tudo bem, eu te
darei um desconto de trinta por cento. E você me paga tudo com o próximo pedido.
74
CAPÍTULO 6
O LIVRO DE CARNE
“A esperança é um pássaro
empoleirado na alma.”
(Ammie Dickson – ex-poeta, atualmente bruxa)
Somente um vôo e uma chuva gelada para despertar alguém do sono à vista...
ASAS DE DRAGÃO SÃO IMPERMEÁVEIS, ASSIM COMO PÁRA-QUEDAS,
CAPAS E COISAS DO GÊNERO...
-- Elvis, pra onde estamos indo afinal?
-- Calma, Calma! Me siga apenas.
-- Mas, mas? Por que a gente não toma uma pílula de se ir a algum lugar?
-- Você não está gostando desse nosso vôo? Veja só o meu rasante.
-- Não. Não é isso! – gritou Marvin -- Eu estou gostando muito de voar. Mas...
Mas... Mas...
Elvis desceu a mais de cem e vinte quilômetros por hora na noite estrelada. Após
piruetas e piruetas e piruetas, ele retornou até Marvin para continuar o diálogo:
-- Mas, mas, mas... o que você está querendo dizer com tantos mas, Marvin??
-- Me deu uma aflição no coração. Uma coisa... Eu aqui com você me divertindo e
tantas coisas pendentes em minha vida. É por isso que eu me sinto culpado.
OS MUNDOS MÁGICOS MUITAS VEZES NOS FAZEM ESQUECER
TEMPORARIAMENTE ATÉ DOS NOSSOS PROBLEMAS MAIS TERRÍVEIS.
-- Calma! Calma! Tudo tem seu tempo.
-- Lenora está morta! Vovó Pangaré virou areia! Etecétera sumiu! E o meu amigo
Tonhão...
-- Calma! Calma! Existe mágica pra tudo.
-- Até para a morte?
-- Sim e não. Sua amiga Lenora ficará pelo menos cem anos nas Trevas Sólidas e
depois retornará...
-- Cem anos nas Trevas Sólidas?
75
Marvin começou a chorar gordas lágrimas de dragão-anão. Uma das maiores caiu
mortalmente lá embaixo sobre vinte formigas que carregavam um besouro azul.
FORMIGAS EXISTEM EM TODOS OS MUNDOS.
-- Calma! Calma! Não se desespere! Vamos! Tome esta pílula de se parar de chorar!
-- Eu não... quero... parar... de chorar... Eu... só quero... Lenora... viva!
-- Marvin, veja as coisas pelo lado bom!
Nessas alturas, Elvis e Marvin já não estavam mais nas alturas: haviam pousado
sobre uma grande pedra, a maior entre várias outras vizinhas que enfeitavam o Pântano da
Saudade.
-- Lado bom?! Onde pode haver... lado bom... nessa desgraça toda?
Um silêncio-vento suave tomou conta dos dois amigos. E eles ficaram assim
olhando a manhã de dois sóis surgindo...
“Dois sóis? Por que dois sóis?” – Marvin perguntou para si mesmo. E continuou em
silêncio.
Assim que o silêncio cansou, Marvin sentenciou:
-- Elvis, você vai ter que me ajudar a salvar Lenora! Deve ter um jeito! E se não
tiver, você vai inventar um! Afinal você não é o famoso médico, cantor e inventor Elvis
Presley?
-- Elvis, já que você inventa pílula para tantas coisas, invente uma para ressuscitar
Lenora!
-- Isso eu não posso fazer!!!
-- Não pode, por quê???
-- Mesmo que eu pudesse, as conseqüências seriam terríveis. Eu estaria quebrando a
ordem natural das coisas nos Mundos Mágicos.
-- Quebrando a ordem natural das coisas? Pelos lugares onde eu passei, a ordem
natural das coisas estava sendo quebrada a todo momento.
-- Isso no seu modo de ver. No nosso não. Fazer magia não é quebrar a ordem
natural. Agora ressuscitar alguém sim. Cada morte deve vir seguida de pelo menos cem
anos nas Trevas Sólidas. E isso não é regra, é Lei.
LEIS DOS MUNDOS MÁGICOS: AO TODO SÃO DUZENTAS E CINCO, POR
ENQUANTO.
-- Uma desobediência até é possível. Mas acho que você não vai querer ver a sua
amiga transformada em uma morta-viva... Ou vai??
Dito isso, vieram à mente de Marvin as terríveis imagens do filme “Cemitério
Maldito”, baseado no livro de Stephen King: Gato zumbi, menino zumbi, mulher zumbi.
Todos meio podres e diabólicos. Certamente Marvin não queria isso para Lenora.
-- Talvez exista uma alternativa! – indagou Elvis – O livro de carne deve ter a
resposta.
-- Livro de carne???
-- O problema vai ser conseguir um exemplar lá na Biblioteca Infinita.
77
-- Biblioteca Infinita??
Foi aí que Elvis, meio contra gosto, acabou se tornando professor de História:
-- Segundo a versão oficial, A biblioteca infinita teria surgido após a destruição
completa da Biblioteca de Alexandria no ano de 646 da era cristã. Felizmente, antes que os
árabes aniquilassem todos os “livros”, um mago conseguiu transportá-los a um dos mundos
mágicos. E assim nasceu a Biblioteca Infinita. Hoje ela contém todos os livros escritos.
Inclusive aqueles que teriam sido queimados por todas as “Santas Inquisições”. Há
também uma parte da biblioteca dedicada aos livros apenas pensados por seus autores...
Ah! E sobre o livro de carne...
Inconscientemente, Marvin abanou o rabo de dragão-anão, como se fosse um
cachorro esperando alguma recompensa.
-- Pelo que eu sei, existem dez exemplares apenas... Os livros de carne, além de
muito procurados pelos bruxos, também são temperamentais.
-- Temperamentais??
-- Nem te conto!!! Nem te conto!!! E afinal dos contos e das contas, já-já você vai
ver tudo com os seus próprios olhos... Tome esta pílula!
PÍLULA EM FORMA DE MINI LIVRO.
-- É pra deixar a gente mais inteligente???
-- Marvin, você é muito engraçado, muito engraçado mesmo... Às vezes, você fica
quieto, não fala quase nada. Não pergunta. Não responde. Mas quando resolve abrir a boca.
Nossa!!! Não é fácil ficar te respondendo tantas coisas. Que tal deixá-las simplesmente
acontecer? O inesperado é muito mais saboroso. Tem um tempero! Humm!!!
E assim Marvin “amarrou o burro”, calando-se pelos segundos seguintes que vieram
e que também foram embora rapidinho.
Conforme o sugerido, ele engoliu a pílula retangular. E não é que esta desceu fácil,
fácil pela garganta, e sem nenhum líquido para empurrar. Elvis estava ficando bom inventor
de pílulas que deslizam com facilidade.
PÍLULA PARA SE VISITAR A BIBLIOTECA INFINITA. Elvis fez o mesmo e,
em CLICKS SEGUNDOS, os dois já estavam voando na mais fantástica biblioteca jamais
imaginada por alguém. Um lugar que de dentro não tinha fora. Nem de dentro nem de fora.
Ou melhor, o dentro era o fora que era o dentro também. Confuso? Não tanto.
78
Elvis e Marvin voavam no meio de livros flutuantes por todos os lados. Não havia
estantes, feito nas bibliotecas convencionais.
-- Elvis, os livros ficam assim flutuando o tempo todo?
-- Flutuar é o eterno e nobre destino deles.
-- Em ordem alfabética???
-- O certo seria dizer, em desordem analfabética, Marvin.
E havia livros de todos os tamanhos. Desde os microscópicos, para serem
encontrados e lidos com ajuda de microscópios especiais, até alguns com três, quatro,
cinco... seis metros de altura ou mais...
Entre os livros: bruxos, fadas, magos, fantasmas, vampiros, duendes com asas e
outras diversas espécies de criaturas voavam à “procura do saber infinito”. Ou mesmo de
um saber básico para alguma artimanha ou feitiçaria ou maldição.
INFINITO É SABER QUE CADA VEZ QUE MAIS SE APRENDE, MENOS SE
SABE.
-- Livros de fórmulas e mais fórmulas. Livros de poções para isso, poções para
aquilo, poções para... A maioria das criaturas só quer saber de coisas desse tipo. E também
de fofocas. Muitas fofocas. Revistas e mais revistas de fofocas bruxísticas. Alguns até que
se interessam por turismo através dos milhares e milhares de mundos... Agora, algo mais
elevado, filosófico, poético, é raro... Muito raro encontrar uma alma, mesmo que penada,
interessada em assuntos menos superficiais.
Tal fala ranzinza vinha de um velho dentadura, “rato-gato-cachorro-lobo-de-
biblioteca”. No mínimo ele devia ter cem anos em cada dedo, isso contando os doze das
mãos e os vinte dos pés.
Marvin sentia-se ADMIRADAMENTE perdido entre todos aqueles livros
flutuantes. Para onde ele olhasse, era o que mais se via até a vista se perder no infinito.
Para cima, para baixo, para a direita, para a esquerda, para todos os lados. LESTE,
OESTE, NORTE, SUL: livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros,
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livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros,
livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros,
livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros,
79
livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros, livros,
livros, livros...
UM MAR.
UM OCEANO DE LIVROS FLUTUANTES.
-- Não sei não, mas acho que nunca vamos encontrar um livro de carne neste
infinito bagunçado.
-- Nunca diga nunca, Marvin! Dificilmente seria a palavra mais apropriada.
Dificilmente se...
-- Já sei! Você tem um plano infalível ou uma pílula para resolver isso tudo!
-- Eu não diria plano, mas sim estratégia... Conheço um pouco a personalidade dos
livros de carne. E sei que alguns deles gostam muito de... Só espero que estejam aqui na
biblioteca. Se foram emprestado, aí não vai ter jeito, pelo menos por enquanto.
-- Eles gostam muito do que mesmo? Você acabou não dizendo...
ANTES QUE ELVIS DISSESSE...
Ao todo, cinco insistentes-irritantes assobios... até Elvis desistir (já que em todas as
vezes o tal do Torresmo aparecia rapidinho).
Então o ex-enorme-dragão-verde se lembrou que agora ele não era mais o
DRAGAOZÃO de sempre e, portanto, o seu assobio também não tinha mais a mesma
potência de antes:
“Sim, só pode ser isso, só pode ser isso mesmo. A não ser que o Torresmo tenha
sido emprestado...” – pensou ele.
-- E agora, Elvis?
Elvis coçou o queixo e Marvin fez o mesmo.
Antes que alguém ache a frase anterior ambígua, talvez seja melhor completar
dizendo cada um deles coçou o seu.
-- Eureka Pankeka!!! – gritou Elvis
81
-- “Eureka Panqueca??? Esse Elvis! É incrível como ele gosta de ficar inventando e
até reinventando o que já foi inventado há muito tempo” – Marvin filosofou só para os seus
neurônios.
E então Elvis engoliu uma pílula verde e instantaneamente foi CRESCENDO,
CRESCENDO, CRESCENDO...
Em vinte segundos, ele voltou a ser o dragão verde de quase sempre.
-- Já estava com saudade da minha barriga-pança. – observou Elvis, enquanto
acariciava sua enorme protuberância escamosa que além das banhas abundantes
apresentava um umbigo maior que pizza.
Agora ia ser fácil chamar o Torresmo. E foi isso mesmo que Elvis fez duas vezes
apenas:
ZZZRRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMM!
ZZZRRRRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMM!
O ASSOBIO MUITO MAIS POTENTE TROUXE TORRESMO RAPIDINHO.
Torresmo era um livro de carne fora do tamanho padrão editorial de 14cm x 21cm
fechado. Na verdade, editora alguma o havia publicado. Assim como os outros livros de
carne, Torresmo nasceu das mãos e da mente de um mago: milenar e poderoso, conhecedor
de muitos segredos do UNIVERSO.
Mais ou menos parecidos no conteúdo, mas diferentes na personalidade, todos os
raros livros de carne tinham 18 por 27 centímetros.
Torresmo trazia a capa de couro chamuscada em alguns pedaços. Daí o apelido.
Suas duas asas ficavam ruflando o tempo todo. Tão rápidas quanto as de um beija-flor.
SESSENTA VEZES POR SEGUNDO.
-- Cuidado ao me folhar! Eu tenho cócegas! – observou Torresmo, antes que Elvis e
Marvin, um dos dois, muito mais o segundo, resolvesse abri-lo.
Tchau sangrava muito. Sangue amarelo de duende amarelo. Seu rosto estava quase
desfigurado por uma patada-garra violenta.
Não era de urso. Não era de leão. Não era de pantera. Nem de nenhum animal do
mundo humano. Um estrago daqueles só podia ser mesmo coisa de...
-- Não sei como... consegui... fugir... daquela... coisa. Eu até... tentei... negociar...
uma trégua... mas...
-- Tchau, você está pingando sangue no meu tapete persa!
-- Desculpe a distração, Caixa!... Pronto, agora já... estou fora dele.
-- É, mas agora você está pingando sangue no meu piso encerado.
-- Nada que... um desconto... no seu pedido... não possa resolver... não é mesmo,
Caixa?
-- Se é você quem está dizendo isso. Um desconto é sempre bem vindo!
-- Um desconto... digamos de.... dez por cento.
-- Vinte me deixaria muito mais feliz.
-- Quinze... e não se fala... mais nisso.
-- Tá combinado, Tchau.
-- Então tá! Quinze por cento... de desconto... nos oitenta por cento de acréscimo-
multa... devido a este acidente violento... horroroso e dolorido.... pelo qual passei... e você
pôde e pode ainda... muito bem comprovar visualmente.
-- Oitenta por cento??? Oitenta por cento??? Você deve ter ficado louco, só pode ser
isso!!!
-- Oitenta por cento menos quinze de desconto. E tudo fica em apenas sessenta e
cinco por cento!!!
-- Eu não pago, não pago, não pago!!!
-- Olha o Sindicato!!!
-- Que Sindicato???
-- Ora bolas, o nosso sindicato!!! O Sindicato dos Duentes Amarelos!!! Se eu
sozinho já sou poderoso e perigoso... imagine só nove mil duendes amarelinhos feito eu...
Você não ia gostar de ver... Muito menos de...
Dito isso, a Misteriosa Criatura da Caixa Preta se calou e já foi se dirigindo até o
cofre (à prova de feitiços e bruxarias) que ficava incrustado na parede de pedra.
83
CAPÍTULO 7
O REMORSO DE ELVIS
“Não conheço as cores do arco-íris,
nem o cheiro das ondas batendo nas pedras,
muito menos o gosto dos beijos dos amantes.”
(Urutum Bretoboscus, a mais horrenda
criatura do Vale das Urtigas)
-- Não é fácil tirar alguns diamantes a mais daquele sovina do Caixa. Mas é claro
que eu não faço só pelos diamantes. Eles contam apenas cinqüenta e cinco por cento. Os
outros quarenta e cinco fazem parte de um prazer quase inenarrável. Um prazer que vem
quando você tapeia-engana alguém que se acha todo poderoso. Nossa, como é bom!!! Dez
mil vezes melhor que comer bolo de “tingue-lingue” com recheio de amores gigantes e
cobertura de doce de leite de Mamute.
-- Pirralho, você é mesmo muito esperto!
-- Pirralho!? Nunca mais, seu idiota! Meu nome agora é Tchau. Eu já te disse isso
umas cinco mil vezes.
-- Desculpe! É que eu te conheci como Pirralho e agora fica difícil te chamar
diferente...
-- Pelo jeito vão ser necessários alguns bons meses, quem sabe até anos, para você
gravar o meu novo nome: Tchau, Tchau, Tchau, Tchau, Tchau, Tchau... REPITA!!!
-- Tchau, Tchau... Tauch, Tauch, Tauch, Tauch!!!
-- Deixa pra lá! Um outro dia a gente tenta de novo.
ENTRE UMA FALA E OUTRA, O LOBODÁTILO (CABEÇA DE LOBO E
CORPO DE PTERODÁTILO) LAMBIA AS MARCAS PROFUNDAS DEIXADAS POR
ELE MESMO NO ROSTO E EM PARTES DO CORPO DO DUENDE TCHAU.
-- Acho que te machuquei demais desta vez!!!
-- Que nada!!! Tudo funcionou melhor do que o esperado... Para enganar certas
criaturas, nada como o realismo sanguinolento que convence até os olhos mais incrédulos.
85
Marvin ia folheando Torresmo com todo o cuidado necessário para não fazer as
cócegas que irritavam o livro...
“Agora tá bom! Isso mesmo! Você aprendeu rápido a manusear alguém sensível
feito eu!”
-- Marvin! Precisamos sair daqui imediatamente!
-- Mas, mas e o Torresmo??
-- O certo seria irmos até a seção de empréstimos... Mas não temos tempo pra isso.
Então a solução será roubar o Torresmo por algum tempo.
-- SOCORRO! SOCORRO! SOCORRO!!! ESTÃO QUERENDO ME ROUBAR!!!
ESTÃO QUERENDO ME ROUBAR!!!
-- Marvin, tape a boca desse livro e vamos dar no pé, ou melhor, nas asas!!!
-- SOCORRO! SOCORRO!— Torresmo continuou gritando, afinal para ele e todos
os livros o certo era ser emprestado de acordo com a burocracia exigida pela Biblioteca
Infinita. Se deixar roubar ia contra tudo o que ele havia aprendido e contra tudo o que ele
acreditava ser correto.
-- AI!!! Este livro morde!!! – exclamou Marvin, soltando Torresmo que saiu voando
em carreira desembestada.
-- Deixe que eu pego esse danado!!! – E assim Elvis foi no encalço do livro de
carne... atropelando algumas criaturas pelo caminho... em ziguezagues desviando alguns
livros, indo de encontro a outros.
A BIBLIOTECA INFINITA NUNCA MAIS SERÁ A MESMA DEPOIS DESTE E
DO EPISÓDIO QUE SE SEGUIRÁ...
Após mais ou menos um minuto de perseguição estilo “Guerra nas Estrelas”:
-- Te peguei! Agora você não vai fugir mais de mim e nem de meu amigo Marvin.
Elvis encarou Torresmo com seus olhos de dragão verde. Não foi necessário dizer
mais nada. Torresmo entendeu muito bem a mensagem e não abriu mais a boca, nem para
falar nem para morder...
Quando Elvis retornou até Marvin, Marvin não estava mais ali.
EPISÓDIO SEGUINTE:
A medonha tragédia voava-corria atrás de Marvin. O sexto sentido de Elvis não se
enganara. Dava até pena ver milhares e milhares de livros sendo destruídos pela maior
87
ENTRETANTO toda criatura, por mais poderosa que possa ser, tem também o seu
calcanhar de Aquiles. Marvin, o dragão-anão, tinha três. E como os marimbondos da
Biblioteca Invisível não eram bobos nem nada, atacaram justamente nesses seus pontos
fracos: buracos do nariz, pálpebras e focinhão.
Elvis só apareceu depois que Marvin já havia levado pelo menos umas cem picadas
de marimbondos:
-- Puxa vida, Marvin, você não me parece nada bem!
E NÃO ERA PARA MENOS:
O nariz virou um narigãozão vermelho.
As pálpebras inchadas pareciam almofadas.
O focinhão dobrou de tamanho.
E COMO TUDO DOÍA!...
Doía e latejava, latejava e doía, doía e latejava, latejava e doía...
Marvin até chorou algumas lágrimas de dragão-anão. Cinco ao todo, já que não era
tão fácil para um dragão chorar com a abundância que choram os humanos.
-- Tome, Marvin! Esta pílula vai resolver o problema quase instantaneamente.
Marvin tomou a pílula no formato cor e tamanho de pimenta vermelha.
A queimação na boca e na garganta comprovou que aquela pílula não era pílula
coisíssima nenhuma. Era pimenta mesmo. E das brabíssimas.
“Por que Elvis está fazendo isso comigo? Brincadeira e piada numa hora destas?!” -
- pensou Marvin.
Em alguns segundos veio a resposta: as dores das picadas de marimbondos haviam
desaparecido. Os inchaços vermelhos também.
-- Agora tome está pílula para tirar a queimação da pimenta.
Marvin tomou. E o seu corpo foi murchando, murchando, murchando...
Depois que murchou, boa parte do líquido-baba-de-dragão acabou caindo-
lambuzando alguns livros na imensidão dos “abismos” da Biblioteca Infinita.
Então foi a vez de Marvin sair daquela carcaça de dragão que ainda ruflava as duas
asas. MARVIN NASCEU DE NOVO... Nasceu de novo o menino que até pouco tempo ele
sempre havia sido.
89
Outros sulcos. Outras letras. Marvin pôde identificá-las pulando por elas, unindo
umas as outras até o gigantesco título do livro gigante se formar em sua mente:
E.
Em poucos segundos, Marvin já estava todo vestido: de tênis, calça jeans, camiseta
branca e ESPANTOSAMENTE de mochila com asas.
-- Puxa vida!!! Como você fez isso, Elvis???
-- Isso, o quê?
-- A mochila com asas?
-- AH! Isso!!! Foi fácil. Só aprimorei um pouco a pílula de se vestir... Eu sabia que
você ia gostar.
Então veio em Marvin uma nova saudade. Uma nova saudade do passado. Tudo
bem que isso é redundância, já que saudade só pode ser do passado. Mas mesmo assim eu
precisava dizer. Saudade do passado. Saudade do passado. Saudade do passado.
Saudade de Lenora. Saudade dos colegas do colégio. Saudade dos amigos de tantas
e tantas brincadeiras.
Saudade da casa que não existia mais na Rua Lewis Carrol nº. 13. Saudade dos pais
e até dos vizinhos chatos que agora eram conservas e compotas.
92
E nessa saudade toda, Marvin pensou-delirou: “Uma pílula dessas faria o maior
sucesso lá no meu mundo. Imaginem só. As pessoas ganhando mochilas com asas... E
voando, voando, voando para todos os lados e lugares. O céu cheio de pessoas-pássaros.
Talvez até o mundo ficasse melhor. Não sei, talvez por alguns momentos ou para sempre.
Quem sabe?”
E O PENSAMENTO-DELÍRIO ASSIM CONTINUOU:
“... Pessoas jogando futebol. Futebol voador com uma bola flutuante, é claro.
Futebol voador a 50 metros de altura. O gol entre dois prédios de 40 andares. Ia ser pra lá
de emocionante! ”
E O PENSAMENTO-DELÍRIO ASSIM CONTINUOU:
“... Pessoas brigando nas alturas. Asas sendo arrancadas. Pessoas caindo e se
espatifando no asfalto, nas calçadas, sobre os carros. Pessoas caindo sobre outras
pessoas...”
E O PENSAMENTO ASSIM CONTINUOU:
“ Muitas vezes me perguntei, por que nós humanos não fomos feitos para voar como
os pássaros? A resposta talvez seja simplesmente porque não merecemos. Infelizmente o
ser humano não consegue...”
Bem na palavra “consegue”, o pensamento de Marvin foi interrompido por gemidos
ora agudos, ora graves:
-- Elvis! Elvis! O que está acontecendo? Você está ficando cor-de-rosa!!!
Primeiro cor-de-rosa, depois amarelo, azul, marrom e, finalmente, preto.
Elvis agora era um dragão preto voando-vomitando sobre os livros da Biblioteca
Infinita e voando-vomitando até no Marvin também.
-- Urght!!! Que nojo!! Que fedor de azedo!!
Ainda bem que Marvin ainda estava sobre o imenso “Livro das Desinvenções” com
suas letras-rios para se lavar de tanta sujeira.
Quando cessou o vômito que ia para todos os lados em grossos jatos coloridamente
crocantes, uma a uma, cinco bolas de basquete passaram a sair da boca de Elvis.
Alguém deve estar se perguntando neste momento: “Como bolas de basquete
poderiam sair da boca de um dragão com a cabeça de Elvis Presley?”
93
CAPÍTULO 8
MERLIN NOSTRADAMUS
“Você não precisa comer aranhas
para ser e tecer feito elas.”
(Merlin Nostradamus)
Antes que Elvis pudesse pegar uma das bolas-remorsos, elas fugiram em carreira
desembestada... Cada qual em uma direção diferente. E Elvis desesperado só podia ir atrás
de uma delas por vez. Sabia ele que sua vida dependia disso: recuperar todas as bolas de
carniça, antes que elas caíssem em mãos ambiciosas ou ganhassem um poder só controlável
pelos MAGOS DA TÁVOLA REDONDA MÍSTICA e...
Melhor não esperar por isso, já que os Magos só interfeririam em casos de extrema
gravidade.
Sem tempo a perder, Elvis voou-sumiu, deixando Marvin sozinho na Biblioteca
Infinita. Sozinho voando sobre os infinitos livros, voando sobre criaturas aparentemente
indiferentes a sua presença, atravessando “Ai que frio!!!” fantasmas leitores. Às vezes
trombando contra livros invisíveis.
“E agora como eu faço para sair daqui???”
Se não fosse Torresmo, Marvin ficaria ali na Biblioteca Infinita por um longo e
longo e longo tempo, feito uma mosca trancada numa sala de vidro.
Mas afinal, onde estava Torresmo???
O safado se escondera dentro da mochila com asas. No aconchego tirou uma boa
soneca. E só acordou quando Marvin trombou contra o primeiro livro invisível. Mesmo
assim Torresmo resolveu ficar lá escondidinho. Só saiu mesmo depois que Marvin trombou
contra o décimo livro invisível. Aí já era demais. Torresmo ficara cansado daquelas
“trombações”. E ao deixar abruptamente a mochila, já foi soltando o verbo:
-- Marvin, eu vou te ajudar a sair daqui, porque senão... Me abra na página
38RT56WS!
-- O quê???
Me abra na página 38RT56WS!!!
95
-- O quê???
Meio abismado, Marvin não estava ainda captando “as boas intenções” de
Torresmo.
Primeiro o livro havia surgido muito de supetão e então já exigia que ele o abrisse
na página 38RT56WS.
-- ??????????????????????????????
Assim que percebeu as interrogações nos olhos, no nariz, na boca e nas orelhas de
abano de Marvin, Torresmo foi logo se desculpando do seu jeito que não lembrava muito
uma desculpa:
-- Deixa pra lá então! Deixa que eu mesmo me abro.
DITO E FEITO.
Torresmo se abriu na página 38RT56WS.
-- Pronto, agora você pode me ler!
Marvin se aproximou mais de Torresmo e ao pegar no livro, este gritou:
-- AI! UI! Cuidado com as minhas asas! Você está querendo que eu fique um
desvoado?
DESVOADO??? ESSA ERA BOA!
Marvin se desculpou e quando pôde então olhar para a tal página 38RT56WS viu
apenas um amarelo borrado cor de pele-couro.
-- Você está brincando comigo?
-- Claro que não. Me olhe com mais cuidado. Me olhe com mais atenção.
E MARVIN ASSIM FEZ.
Aos poucos o amarelo foi ganhando riscos de veias. E formas. E letras. E palavras.
E até imagens em movimento. Torresmo lembrava as páginas da Internet.
MESMO NÃO PARECENDO, TORRESMO, ASSIM COMO A INTERNET, ERA
UM LIVRO INFINITO.
“Depois de ficar preso por mais de 500 mil horas de 90 minutos cada, na Cidade
da Redoma de Vidro, Etecétera foi libertado... Assim que tivermos maiores informações
sobre o caso, daremos a notícia em primeira mão. Aliás como sempre.”
“Etecétera! Meu amigo! Como pude me esquecer de você! Como pude me esquecer!
Não sei, alguma coisa está acontecendo com a minha cabeça! Não consigo mais me lembrar
de muita coisa importante! Sei ainda que tenho que salvar alguém, mas já não me lembro
mais quem. Minha cabeça está doendo! Meus neurônios estão entrando em curto.”
97
“Neste momento Etecétera está descansando em lugar ignorado. A única dica que
temos é que se trata de um verdadeiro paraíso, isso na concepção de Etecétera, já que os
paraísos são muito relativos. Cada criatura tem o seu. A horrenda bruxa Moura Torta, por
exemplo, adora passar suas férias de maldade dentro de um vulcão, cheio de lava fervente.
‘Faz bem pra pele, isso sim é que é paraíso!’, diz ela.”
Foi a mochila que direcionou Marvin até um livro portal que servia como saída da
Biblioteca (cada página tinha o tamanho de uma porta tamanho família, isso quer dizer que
toda “uma família” poderia entrar ao mesmo tempo). Era só abrir o livro e escolher entre
mais de quinhentos mundos mágicos:
-Mundo dos Vampiros da Décima Dimensão;
- Mundo dos Minotauros Mancos;
- Mundo de Almíscar;
- Ilha dos Mutantes;
- Reino do Não-Sei;
- Avalon;
- Cochinchina;
- Cidade da Redoma de Vidro;
- Saskatchuó;
- Reino dos Duendes Alados;
- Reino das Aranhas Mágicas;
- Mundo das Criaturas Invisíveis;
- Cidade Flutuante;
- Mundo dos Zumbis Supersônicos;
- MALdagargar;
- Planeta dos Vermes Gigantes;
- Arquipélago dos Anões Canibais;
- Reino dos Diabinhos Prateados;
- SPA das Múmias;
- Reino das Mini-Fadas;
- Reino dos Vampiros Seguidores do Conde Drácula;
- Mundo das Ervas Venenosas;
- Pântano Azul;
- Reino dos Dragões-Anões;
- Reino das Criaturas do Vulcão Macabro;
- Mundo das Bolhas Gosmentas;
- Cidade dos Esqueletos Assassinos;
99
Marvin ficou frente a frente com páginas-imagens virando-se sozinhas, mas seus
olhos agora pareciam distantes. Distantes em lugar nenhum. Ele olhava, mas não via. E
sendo assim, foi a própria mochila com asas que resolveu tomar providência, escolhendo
um dos mundos.
“Vamos nesse mesmo!”, pensou ela.
E lá foram os dois “GLUBT” (este era o som ao se passar pelo portal) rumo ao reino
de...
“REINO DOS QUE NÃO MAIS ADIVINHAM” .
Poucos segundos depois, um novo “GLUBT” seguiu Marvin...
“O Reino dos que não mais adivinham” era o lugar ideal para criaturas que
resolveram se aposentar de suas atividades. Principalmente aquelas que “ganhavam a vida e
a morte” fazendo previsões sobre o futuro de outras criaturas.
Muitas coisas chamavam atenção daqueles que ali pela primeira vez chegavam: o
céu era sempre escuro, cheio de estrelas que não paravam no mesmo lugar. Vez por outra
um meteoro rasgava as alturas com seu rabo de fogo. Os lagos se iluminavam com os
peixes-vaga-lumes. E até as árvores tinham luz própria.
AH! E os castelos medievais do reino: todos fluorescentes, pintados com tinta
mágica feita de luz colorida.
100
chegavam celebridades para conversar com ele. Em meados de 1566, sofreu um ataque de
hidropisia (acúmulo de líquido nos tecidos). No dia 1º de julho chamou um criado e pediu-
lhe para arrumar o quarto, “pois não estaria mais vivo ao alvorecer do dia seguinte”. E
assim foi. Nostradamus morreu em 02 de julho de 1566, sendo sepultado de pé (para que
ninguém pisasse em seus ossos) numa das paredes da igreja dos Cordeliers, em Salon.
Alguns anos antes ele fizera uma profecia que tocava de forma particular a sua própria
morte. Foi enterrado rigorosamente de acordo com os preparativos que ele próprio
organizou. Junto a seu corpo pediu que fosse colocada secretamente uma placa de metal
com um determinada data. Uma das lendas sobre Nostradamus dizia que todo aquele que
bebesse utilizando o crânio de Nostradamus como se fosse um copo conquistaria a
capacidade de também predizer o futuro. Porém essa mesma lenda dizia que tal conquista
duraria poucos segundos, pois seu autor, em seguida, tombaria fulminado pela morte.
Em maio de 1791, durante a Revolução francesa, o túmulo de Nostradamus foi
aberto por soldados bêbados que ficaram espantados diante de uma placa onde se lia “maio
de 1791”. Um dos soldados desafiou a lenda e bebeu vinho no crânio de Nostradamus,
morrendo em seguida, ao ser atingido por uma bala perdida.
Os restos mortais de Nostradamus foram então enterrados em outra igreja de Salon.
E lá permaneceram até...
107
CAPÍTULO 9
A ESPADA EXCALIBUR
“Muitas vezes os outros caminham por nós.”
(Duende Ernesto, o presbítero)
Até pensou em tentar despertá-lo com uma puxada de barba, mas aí refletiu melhor
e resolveu não incomodar o mago. Afinal as aranhas poderiam despertar e aí...
Pelo ronco de Nostradamus, este não acordaria tão cedo. O melhor mesmo era
seguir em frente... para cima... para os lados... para baixo... dependendo das circunstâncias
mágicas...
E assim Marvin fez...
“Até já tinha me esquecido como é bom voar, voar, voar, voar...” -- Pensou ele
“TRIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIMMMMMMMMMMMMMPPPPP”
A paz do vôo foi interrompida pelo som desagradável de um relógio despertador...
Pelo menos era o que parecia ser a princípio.
O “relógio” se chamava Torresmo, debatendo-se dentro da mochila com asas.
Forçando um pouco mais ele acabou saindo e...
Bem na frente de Marvin, o livro de carne se abriu todo na página 2835364RRLPT.
E lá estava (morta e a cores) a doce menina loira, jazendo em seu caixão de vidro.
-- Lenora!! -- Suspirou Marvin.
Antes que Marvin pudesse olhar melhor a foto que já começava a se modificar,
Torresmo abriu-se em outra página:
78546TPRS
-- Pare de mudar de página, Torresmo!
-- Mas, mas, não sou eu! Eu juro!
Marvin duvidou no olhar.
-- Não sou eu! Eu juro! Eu juro por tudo o que é mágico!
Marvin continuou duvidando.
-- Eu juro! Sinto que alguma força poderosa está fazendo isso comigo.
Na página 78546TPRS, uma lesma gigante, com imensos olhos de luz vermelha e
mandíbulas sanguinolentas encavava Marvin. A imagem parecia tão real que até uma gota
de baba respingou em sua camiseta branca.
Em seguida, um mosquitoranha pousou na gota e ficou mortalmente grudado. Sem
perceber, Marvin “ganhara” um minúsculo broche.
Torresmo continuou jurando:
-- Eu juro! Eu juro! Eu juro!
109
Quando a última sílaba da última palavra foi dita, Marvin viu diante de si, flutuando
na vertical, a famosa espada Excalibur que ele já conhecia à distância, lá do Rodeio de
Dragões.
MARVIN FICOU COM MEDO.
Quase todo mundo em todos os mundos sabe um pouco sobre Excalibur. São tantas
as histórias reais e inventadas que muitos se confundem, trocando umas pelas outras.
Entrando um pouco nas histórias e lendas que rodeiam a mais famosa de todas as
espadas de todos os tempos e de todos os mundos, Excalibur teria sido criada nos reinos
mais distantes e místicos de Arcádia, pela feiticeira conhecida no Mundo Humano como
Viviane ou Dama do Lago.
O nome verdadeiro da espada Excalibur era Kaledfwich.
Excalibur pertencia a Uther Pendragon, rei dos Bretões que foi emboscado e
mortalmente ferido em combate. Antes de morrer, ele cravou a espada em uma pedra para
evitar que seus inimigos a tomassem (alguns dizem que Uther cravou a espada em uma
bigorna).
111
O Mago Merlin Taliesin fez um feitiço sobre a espada que impedia que ela fosse
retirada por qualquer um que não Arthur Pendragon, filho de Uther. Uma outra versão diz
que a espada poderia ser retirada da pedra por alguém valoroso o suficiente para merecê-la.
Muitos guerreiros tentaram, mas o único que conseguiu realizar tal façanha foi um rapaz
franzino: era Arthur, ainda adolescente.
A espada mágica ajudou Arthur a vencer seus inimigos. Em uma dessas vezes, ao
fazer uso dos grandes poderes de Excalibur para derrotar um poderoso guerreiro superior
em técnica, o rei Arthur acabou quebrando-a. Amargurado por ter usado o poder da espada
para derrotar um oponente mais forte, ele a jogou em um lago que possuía ligação com
Arcádia.
A Dama do Lago consertou então a espada e a devolveu para Arthur.
O destino final de Excalibur também é incerto.
Dizem alguns, inclusive a página WEWRRDR645569797 do livro de carne, que
pouco antes de morrer, Arthur entregou a espada à Dama do Lago...
MAS as informações sobre Excalibur não param por aí. Em alguns Mundos
Mágicos, “caindo” das mãos calejadas de um duende para a pata de um dragão, passando
dos tentáculos de um bruxo marítimo para as asas de um homem-falcão... a espada
participou de muitas aventuras e matanças de segunda, terceira, quarta e até quinta mortes.
Mas aí já seriam outras histórias, por isso retornemos a nossa:
Quando Torresmo não sabia alguma coisa, ele começava a enrolar. Não gostava que
pensassem que ele desconhecia algo... Afinal ele era um Livro Infinito. Um livro de
“infinitas páginas” que viviam se alterando-alterando...
Nem todos os livros juntos têm todas as respostas. Torresmo sabia disso, mas
algumas pitadas de orgulho colocadas nele não lhe permitiam total sinceridade.
Tanto no Mundo Humano quanto nos Mundos Mágicos existem muito mais
perguntas do que respostas.
AS PERGUNTAS SÃO RÁPIDAS, LIGEIRAS, PULAM, SASSARICAM NAS
CABEÇAS PENSANTES. AS RESPOSTAS SÃO LENTAS, TARTARUGAS. MUITAS
VEZES SE ESCONDEM E DEMORAM ATÉ SÉCULOS PARA SE DEIXAR
REVELAR...
Já atingindo uns três metros de altura, Excalibur passou a refletir com mais
intensidade os raios cortantes do sol, em sua lâmina magicamente afiada.
Torresmo resolveu não ficar ali para ver o que acontecia... Rapidinho, “feito
avestruz”, ele se escondeu dentro da mochila com asas...
Excalibur passou então a cortar o ar como se ele fosse sólido:
CRASSSSH... CRASSSH... CRASSSH... CRASSSSH... CRASSSH... CRASSSH...
UM GROSSO AR DE MAIS OU MENOS 50 CENTÍMETROS DE ESPESSURA.
Excalibur cortou o ar na forma de uma porta.
“BRUMPT”
O ar invisível caiu pesado no chão duro feito chumbo.
A abertura dava passagem para o azul.
MUNDO AZUL.
Excalibur foi então diminuindo até o seu tamanho original e atravessou a abertura.
Marvin já não tinha mais medo e foi seguindo a espada...
Com certeza Excalibur ainda estava enfeitiçada. Só que agora por alguém do Bem,
querendo anonimamente ajudar Marvin.
No Mundo Azul, como o próprio nome já está dizendo, tudo era azul. Tudo, ou
melhor dizendo, quase tudo.
SÃO TANTOS OS AZUIS. ALGUMAS CRIATURAS CONSEGUEM
DISTINGUIR MAIS DE DUZENTAS TONALIDADES. BONS OLHOS ESSES.
113
Árvores azuis, grama azul, pedras azuis, montanhas azuis, sol azul...
Florestas azuis: Cheiro de lúpulo vindo das folhas úmidas fermentando no chão.
Céu azul se misturando com nuvens mais azuis ainda: cheiro do frescor de uma
natureza aparentemente ainda intacta.
Todas as tardes caía uma chuva azul.
GOTAS AZUIS DE CHUVA.
E já estava bem na hora da chuva azul. Sempre pontualmente no mesmo horário.
Deixando tudo mais azul ainda.
GOTAS DE ÁGUA AZUL.
Milhões de gotas.
Bilhões de gotas.
Trilhões de gotas...
Azul azulando ainda mais os animais azuis: elefantes azuis, coelhos azuis, cavalos
azuis, pássaros azuis, tartarugas gigantes azuis, dromedários azuis, raposas azuis, gatos
azuis, porcos azuis, borboletas-arraias azuis, lobisomens azuis de olhos vermelhos...
Azul azulando o rosto, os cabelos, os braços, os olhos, o tênis, a camiseta de
Marvin...
MARVIN AZUL NO MUNDO AZUL.
Após cinco minutos de sessenta segundos cada, as nuvens azuis abriram passagem
para o sol azul voltar a brilhar intensamente.
-- Não fique zangadinho! Agora já decorei o seu nome e nunca mais vou chamá-lo
daquele outro. Como era mesmo o seu nome, Tipo Assim??
-- Estou gostando de ver. E acho que agora você é que vai gostar mais ainda.
-- Não me diga, mas me diga diga diga que você conseguiu...
-- Todas as cinco bolas de remorso?! Todas as cinco bolas de carniça?!
-- Sim! Sim! Sim!
--Não!
-- Não???? Mas você me deixou todo eufórico...
-- Não consegui as cinco, mas consegui quatro delas.
-- Quatro??? Bem é melhor do que uma, duas ou três.
-- Com quatro bolas de carniça, você já pode fazer alguns feitiços poderosos.
-- Poderosos sim, mas não aquele que eu realmente quero...
-- Se você soubesse como foi difícil conseguir as quatro bolas de remorso... E olha
que nem vou lhe cobrar mais pelo meu esforço extra.
-- Esforço extra?
-- Eu tive que perseguir monstros do ar, do mar e das profundezas da terra. Quase
caí dentro de um vulcão. Visitei mais de trinta Mundos. Perdi um dente cariado na luta
contra um Minotauro. Quase fui parar nas Trevas Sólidas. E fiz tudo isso por você...
-- Por mim e pelos meus diamantes.
-- Isso são detalhes, detalhes.
A porcentagem de mentira na fala de Tchau, ou melhor, na fala de Tipo Assim, só
poderia ser medida com uma pílula da verdade, inventada também pelo Médico Dragão
Verde Elvis Presley.
-- Mas, mas, mas... Onde você escondeu todas as quatro bolas de carne. Não estou
vendo nenhuma com você, Tipo Assim.
-- Calma! Calma! Elas estão bem aqui comigo.
-- Bem aqui, onde?
-- Eu as engoli!
-- Engoliu? Como?
-- Ah! Meu amigo! Apesar do meu tamanho, eu sempre tive um grande estômago.
-- Urgt! E haja estômago pra se engolir bolas de carniça.
116
CAPÍTULO 10
O CARACOL DO TEMPO
“Cada cor tem um sentido, uma mágica,
um mandamento, uma verdade e uma mentira.”
(Kuramanchu, o mago das mãos dos dedos de cobras)
Excalibur se deslocava a mais ou menos mil metros por minuto (ou melhor,
sessenta quilômetros por hora). E lá ia Marvin voando em seu encalço... Abaixo dele a
Floresta Azul, cheia de ervas mágicas, árvores falantes, cogumelos telepáticos, pedras
fluorescentes, poderosos anões truculentos, gigantes escravos e criaturas inimagináveis até
para as mentes mais criativas.
Vez por outra se via alguma clareira circular no meio da mata fechada. Nada a ver
com discos voadores, como primeiramente alguém poderia pensar (principalmente depois
de se ter assistido ao filme “Sinais” com o ator Mel Gibson).
Tudo culpa dos anões truculentos que, em quinze mil anos de existência e evolução
para pior, devastaram mais de dez por cento da Floresta Azul (cinco vezes maior que a
Floresta Amazônica).
O MUNDO AZUL JÁ NÃO É TÃO AZUL COMO OUTRORA.
Árvores falantes são vendidas como animais de estimação, digo, como árvores de
estimação para muitos Mundos Mágicos. Ervas e cogumelos, nem se fala então... O Mundo
Azul é um dos maiores fornecedores de substâncias mágicas.
ZUMPT... Nem dez segundos depois e Marvin ainda assustado viu Lenora passar
por ele outra vez.
-- Lenora!!! Lenora!!!
Marvin gritou o nome da amiga loira.
Ela parecia tão real. Tirando o azul, é claro.
NO MUNDO AZUL ALGUNS PENSAMENTOS GANHAM FORMA, ALGUNS
DESEJOS TAMBÉM.
“Feche os olhos, Marvin! No Mundo Azul, os pensamentos não gostam do escuro!
Feche os olhos, Marvin! No Mundo Azul, só se sonha acordado e de olhos bem abertos!
Feche os olhos! Pensar e sonhar demais pode fazer mal ao corpo e ao espírito!”
Marviu ouviu o conselho sussurrado bem lá dentro de seu cérebro e se deixou levar
pela mochila com asas. O conselho sussurrador era na verdade um vento sussurrador. Não o
vento azul que batia em seu rosto devido a velocidade, mas um vento que se formava
dentro de sua própria cabeça. Um vento voando através de seus neurônios, um vento
desbravador de segredos. Um vento “conta a gota”. Um vento sábio. Talvez mais sábio que
o Livro de Carne.
Besteira! Que comparação mais besta! Quem disse que livros são sábios? Livros
não são sábios coisa nenhuma. Eles podem conter informações, leis, dogmas, receitas,
preceitos e preconceitos, histórias, experiências, bruxarias, verdades, mentiras, maldades...
A sabedoria não está nos livros. A sabedoria está na vida. Ou na morte. Ou na pós morte,
ou até na pós-pós-pós-pós morte.
A SABEDORIA ESTÁ NA ALQUIMIA DE SE PROVAR AS COISAS DO
MUNDO E SABER ESCOLHER E SABER APRENDER.
A SABEDORIA NÃO É PETULANTE. A SABEDORIA NÃO É NARIZ
EMPINADO. A SABEDORIA NÃO É PORCO ESPINHO. A SABEDORIA NÃO É
“MOURA TORTA”. A SABEDORIA NÃO É DESONESTA. A SABEDORIA NÃO É
INTRIGUEIRA. A SABEDORIA NÃO PODE SER MÁ.
A sabedoria é sempre sincera. A sabedoria é solidária e amiga. A sabedoria tem
mãos de fada, tem tudo das fadas. A sabedoria tem as cores do arco-íris. A sabedoria tem
sempre um pote de ouro no final...
119
Por um instante, Marvin raivoso pensou até em jogar Torresmo fora. Mas foi só um
instante. Afinal aquele livro não era qualquer um. Torresmo, apesar dos pesares, era um
livro mágico um tanto raro e, portanto, cobiçado por muitos, principalmente por aqueles
que sabiam usá-lo bem.
Marvin se contorceu novamente para guardar o “imprestável” Torresmo na mochila.
Restava agora somente a ele encontrar a espada Excalibur. Afinal fora ela que o trouxera
ali.
“Mas como???? Ali só havia cavernas olhudas. Possivelmente nada amigáveis...”
Marvin não estava disposto a entrar em nenhuma delas. Só no último do último dos
casos... Pressentia algo ruim. Muito ruim.
“E se Excalibur já tivesse fugido para outra dimensão qualquer?”
NOS MUNDOS MÁGICOS, CERTAS COISAS E CRIATURAS SOMEM COM A
MAIOR FACILIDADE.
Nessas horas de apuro, Marvin sempre se lembrava do amigo dragão verde Elvis
Presley. Outro que vinha a sua mente era o também amigo Etecétera.
“Puxa! Faz tanto tempo que não vejo o Etecétera. Onde será que ele se encontra
agora? Por que não vem até mim? Afinal eu continuo sendo o seu dono. Com Etecétera
aqui seria tudo mais fácil... Será? Bem que ele poderia se transformar em...”
ENQUANTO MARVIN PENSAVA, A MOCHILA QUE TAMBÉM PENSAVA,
MAS NO MOMENTO NÃO PENSAVA NADA, PERMANECIA VOANDO-
PLANANDO, VOANDO-PLANANDO PELA IMENSA CAVERNA AZUL.
“... um imenso dragão que lança fogo... Primeiro nós dois entraríamos na caverna da
criatura gosmenta e se ela resolvesse se fazer de engraçadinha... Fogo! Fogo! Mas espera
aí! Essa criatura tem alguma coisa a ver com a possibilidade de se salvar minha amiga
Lenora. Não sei ainda o quê, mas tem, pelo menos foi isso que Torresmo havia me dito. E
acho que é por isso que estou aqui. Certamente! Claro! Com certeza! Só pode ser isso
mesmo. Espero que tudo dê certo. Pobre Lenora!... E se não podemos destruir a criatura,
temos que conquistá-la de algum modo... Se ao menos nós soubéssemos o que temos que
fazer... Puxa, que coisa mais boba! Eu aqui falando como se fosse nós. Eu aqui falando no
plural e me sentindo mais sozinho e singular do que nunca...”
124
CAXUMBA PELUDA
ECLÂMPSIA NOTURNA
ELEFANTÍASE FANTASMAGÓRICA
EPILEPSIA DANÇARINA
FEBRE DA INVISIBILIDADE
FLATULÊNCIA SUPERSÔNICA
FURÚNCULOS PNEUMÁTICOS
HIPERTENSÃO ALADA
LARINGITE RONCADORA
MENINGITE EXOTÉRICA
PNEUMONIA VOADORA
REUMATISMO CRACK-CRECK-CRICK
VERRUGAS FALANTES
SARAMPO ESCORREGADIO
CORAÇÃO MURCHO
CORAÇÃO BALÃO
DOENÇA DO REMORSO.
-- Em nome de nossa amizade, Marvin, siga o seu destino! Eu não caibo nele por
enquanto... Eu preciso me salvar sozinho.
MARVIN FICOU EM SILÊNCIO. JÁ NÃO SABIA O QUE DIZER.
-- Não precisa dizer nada... O que você precisa agora é compreender.. ou melhor...
aceitar... A espada Excalibur vai lhe ajudar... Consegui tirar dela toda a essência do mal que
assassinou o Gigante Gurumã. Agora ela é só do bem, uma espada abre caminhos.
Excalibur ajudará você a salvar Lenora das terríveis Trevas Sólidas...
-- Então foi você???
-- Jamais poderia deixar um amigo sem a minha proteção. Principalmente porque a
mochila com asas ainda não é completamente confiável. Mas não se preocupe, ela está
ainda na garantia.
“E só agora ele me diz isso.” – pensou Marvin.
-- Espero que ela não tenha feito nada de grave contra você. Mas pelo seu ótimo
estado, acho que não... Estou tentando aprimorar a pílula, mas ultimamente minha doença
não tem permitido...
OS AMIGOS FORAM FEITOS PARA SE AJUDAREM. UM AMIGO
VERDADEIRO NÃO SE ACHA TODOS OS DIAS. UM AMIGO DE VERDADE FAZ O
SOL BRILHAR NA TROVOADA. EXAGEROS À PARTE, ELVIS ACREDITAVA
PIAMENTE QUE UMA AMIZADE SINCERA PODIA MUDAR TUDO PARA
MELHOR.
-- Elvis, pelo menos uma coisa boa aconteceu com essa sua doença!
-- Marvin, nem me lembre dela, por favor!
-- Mas, mas... veja pelo lado bom!
-- E esse lado bom existe?
-- Claro! Agora nós podemos falar praticamente olho no olho. E antes, você quase
sempre com aquele tamanhão todo, era meio difícil... Ah! E agora também temos mais uma
coisa em comum. Ambos estamos lambuzados do azul do mundo azul.
ELVIS RIU UM RISO PEQUENO E “COMENTOU” PENSATIVO:
-- É verdade, Marvin! É verdade!
UM SILÊNCIO QUE DUROU O TEMPO DE UMA BALEIA BRANCA
ATRAVESSAR O CÉU AZUL INTERROMPEU O DIÁLOGO ENTRE OS DOIS.
127
“Baleia branca!? No céu azul?!” – admirou-se Marvin. E como ele nunca havia
ouvido falar em Gaudalidar, ficou achando que era simplesmente uma baleia branca voando
no céu azul.
GAUDALIDAR GOSTA DE VIAJAR PELOS MUNDOS MÁGICOS E
FELIZMENTE NÃO PRECISA DE “PASSAPORTES” OU DE PORTAIS PARA ISSO.
GAUDALIDAR É TAMBÉM IMUNE AO AZUL DO MUNDO AZUL.
Em seguida o diálogo retornou, com as dúvidas de Marvin:
-- Elvis, onde está Excalibur agora? Você disse que ela irá me ajudar...
-- Tudo no seu momento certo. Tudo no seu momento certo...
Marvin sentia que muitas vezes a fala de Elvis significava só enrolação, assim como
Etecétera costumava fazer. No caso da doença, Marvin não sentiu isso. Sentiu verdade e
dor naquilo tudo.
NINGUÉM PODE FINGIR UMA GRANDE DOR.
-- Ufa! Essa doença tem deixado até as minhas asas mais fracas. Perco o fôlego com
freqüência... Preciso descansar minhas asas! Vamos descer em chão firme!
-- NÃO!!! – gritou Marvin... E o seu “não” ecoou novamente pela imensa caverna.
NÃO! NÃO! NÃO! NÃO! NÃO! NÃO!... Um “não” feito bolinha de ping-pong.
Batendo em uma parede e em outra e no chão e em outra e no chão e em outra parede... Um
“não” se transformando em centenas de pequenos “nãos” que entraram nas centenas de
“cavernas dos olhos vermelhos”.
-- Não! Por quê?
-- O chão está cheio de gosma gosmenta que não desgruda mais. Até parece cola
superbonder!
-- Gosma gosmenta que não se desgruda mais... Obrigado pelo lembrete... Já havia
até me esquecido dela, mas vim preparado para isso...
Elvis tirou então duas pílulas de sua nova “pochete” feita de couro de lobisomem
azul.
“POCHETE” DE COURO DE LOBISOMEM AZUL, ÚLTIMO LANÇAMENTO
DA GRIFE DO FAMOSO BRUXO ESTILISTA HUDGAR BRANTROVISCK.
INFELIZMENTE ELVIS ESCOLHERA UM PÉSSIMO LOCAL PARA EXIBIR SUA
MAIS NOVA AQUISIÇÃO DE MODA ESPECÍFICA PARA DRAGÕES.
128
-- No momento certo!
-- No momento certo!? Você e essa mania de “momento certo”!
-- O momento certo virá daqui a pouco... A lesma monstruosa conhecida por nós
como SASKANHANEM, ou simplesmente Caracol do Tempo, já acordou e já sentiu a
nossa presença.
SASKANHANEM PERCEBE VISITAS PELO SEU PAR DE GORDAS
ANTENAS DE LESMA E TAMBÉM PELO CONTATO DE SUAS “VISÍTIMAS” COM
A GOSMA SUPERBONDER.
-- Caracol do tempo???
-- Calma, Marvin! Primeiro precisamos...
A fala de Elvis foi então interrompida pelos uivos das criaturas donas dos olhos
vermelhos.
-- Marvin, antes que Saskanhanem apareça, você terá de derrotar esses uivos!
Vamos, tome está pílula minimini-tornado! E Marvin engoliu, ou melhor, foi a própria
pílula que veio voando até sua boca para ser engolida...
PÍLULA MINIMINI-TORNADO. MARVIN ENGOLIU SEM SABER O SEU
EFEITO. MAS VINDO DE ELVIS SÓ PODIA SER ALGO BOM.
-- Elvis!! Você... Elvis???
Nisso Elvis já havia desaparecido mais do que ligeiro, sem dar maiores ou menores
explicações.
Os uivos continuavam...
De repente um par de olhos vermelhos saltou de uma das cavernas. Saltou bem em
frente de Marvin.
Em seguida, outros pares de olhos vermelhos fizeram o mesmo.
Marvin se viu cercado por dezenas, centenas deles.
AH! CADA PAR DE OLHOS VERMELHOS VINHA ACOMPANHADO DE UM
CORPO PELUDO NO FORMATO DE LOBISOMEM AZUL. CADA QUAL TINHA
MAIS OU MENOS O TAMANHO DE MARVIN.
Os uivos cessaram...
Marvin desejou a espada Excalibur. Desejou, desejou sua presença ali em suas
mãos. Desejou intensamente. Tão intensamente que desejar mais seria impossível... E assim
130
NÃO SE PODE SER BOM COM AQUELES QUE NÃO NOS QUEREM BEM.
SASKAHANEM é o líder dos Caracóis Gigantes. Apesar de poderem se comunicar
por telepatia, de vez em quanto, eles se reúnem para trocar experiências vividas.
Os ovos dos Caracóis Gigantes chegam a pesar uma tonelada. Cada caracol bota
apenas um ovo a cada cem anos. São as únicas criaturas que podem viver mais de dez mil
anos. Mas apenas Saskahanem, o líder e mais velho de todos os caracóis, pode viajar no
tempo através de todos os mundos.
Mesmo poderoso e muito mal, Saskahanem, o caracol do tempo, conta com seus
guardas, os lobisomens azuis. Eles estão ali para protegê-los de quem tentar importuná-lo.
Assim como algumas outras criaturas, os Caracóis Gigantes quando morrem não
vão para as Trevas Sólidas. Eles apenas se desmancham para nunca mais. Nunca mais
mesmo.
“Então é isso! Então é assim que eu vou conseguir salvar minha amiga Lenora.”-
pensou Marvin, ansioso com sua “descoberta”.
Marvin continuou lendo o texto que subia na página, como sobe nos computadores.
Precisava de mais informações.
Nvbbcbbbbbbbbbbbbdhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhfgetttttttttttttttttttt
ttttttttrttttttttttttttutytuttttttttttttttttttttttttttttttttttttttttttttttttttttttttttttttttttt
ttttttttttttttgjjjjffftttttttttttttttttttttrooooooooooooooooooooooooooooooooo
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133
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gkgjgjerteuor.........
“Epa!? Mas o que é isso????”, perguntou Marvin para si mesmo, já imaginando que
havia dado piripaque em Torresmo.
PIRIPAQUE, segundo o Dicionário dos Magos Especialistas em Dicionários, é uma
poção mágica que quando bebida quente, deixa as criaturas “doidinhas da silva”,
“doidinhas de pedra”.
Sem saber o que fazer, mas já fazendo, Marvin deu uma sacudida em Torresmo e
assim o livro de carne voltou ao normal. O “piripaque” era apenas um falha técnica que
acontecia sempre depois de um sono não sonhado o suficiente... e parava de um momento
para outro:
Os Caracóis Gigantes ou Lesmas Gigantes ou Lesmas Carnívoras Gigantes,
diferentemente de seus minúsculos parentes de jardim, são muito rápidos. Podem andar a
mais de cem quilômetros por hora, quando querem. Geralmente não fazem isso, por terem
muita preguiça.
A comida preferida dos Caracóis Gigantes é uma vaca, um elefante, um
rinoceronte, ou até mesmo um dragão assado. Para acompanhar: farofa de enxofre e
laranjas gigantes. Para beber, vinho de abutre. Sim, isso mesmo: VINHO DE ABUTRE.
Segundo todos aqueles que experimentaram, é uma delícia indescritível..
-- Torresmo! Quanta informação inútil você está me passando agora!!!
-- Calma! Calma!
-- Mas eu estou calmo! Ou melhor dizendo, não estou calmo coisa nenhuma.
Portanto, caro livro, faça o seu trabalho!
Torresmo continuou sua tarefa, enquanto Excalibur ficava ali de guardiã, cuidando
de Marvin.
Cuidado com a gosma dos Caracóis Gigantes. Você pode ficar preso nela para
sempre. Já aconteceram casos em que amantes, prometendo juras eternas, usaram a gosma
para nunca mais se separarem. O pior veio algum tempo depois: um arrependimento atroz,
principalmente para aqueles que tinham se grudado à sogra também.
-- Torresmo! Chega! Não quero mais ficar lendo tanta besteira!
134
-- Mas, mas, a culpa não é minha. Não sou eu que escrevo os textos. Eles vêm a
mim, assim, sem eu pedir, sem eu querer... Estou carregado de ciência, política, magia,
piadas, poções, labirintos, segredos, mapas, desenhos, fotos, imagens em movimento...
Estou carregado de verdades e de mentiras também. Cabe aos meus leitores separá-las,
escolhê-las, modificá-las, usá-las ou não... E afinal de contas, os outros livros não são assim
também???
Diante da pergunta que, na verdade, não era lá uma pergunta (pois havia sido feita
para não ser respondida), Marvin se calou.
Atento ao livro de carne, ele quase se esquecera do caracol que devia estar em
algum lugar ali dentro daquela imensidão cavernosa, cheia de silêncio e escuridão.
SASKANHANEM tem trezentos filhos, quatrocentos netos, mil bisnetos e novecentos
tataranetos. Aí já dá para se ter uma idéia da sua idade. Ligeiramente...
-- Chega! Torresmo! Chega!
-- Mas, mas, mas...
-- Não diga mais nada, apenas deixe essa sua luz de televisão ligada.
E assim Torresmo passou a iluminar silenciosamente o caminho pensativo de
Marvin que ia ao encontro da criatura gosmenta, mesmo sem saber o que fazer quando
chegasse junto dela. O seu medo era aquele bafo quente...
A espada Excalibur foi seguindo os dois, já imaginando que teria muito trabalho
pela frente...
Apenas o silêncio respondeu e Tipo Assim ficou “charuto”, ou seja, ficou todo sem
graça... Decepcionado talvez seja a melhor palavra para a feição que sua cara amarela
adquiriu ao descobrir que Caixa não estava mais ali...
Para completar sua decepção, já em seguida, todos os móveis e utensílios da
Misteriosa Criatura da Caixa Preta “Brimpt!!!” desapareceram também ... Bem diante
do nariz chato de Tipo Assim.
Não restava mais dúvida. Caixa havia se mudado sem dar satisfações, sem deixar ao
menos um bilhete de despedida. Tipo Assim sentiu-se então traído. “Enganado e mal pago”.
Justamente ele que enganava os outros. Justamente ele que era “expert” na arte de passar as
criaturas para trás.
136
CAPÍTULO 11
A DIMENSÃO DAS TREVAS SÓLIDAS
“ Nenhuma morte me pegará,
só eu tenho todo o tempo do mundo.”
(Altropolicanto – criatura do Pântano Nevoento que possui
cinqüenta dedos em cada uma das dez patas
e uma imensa boca crocodilante e linguaruda.)
-- Marvin! Marvin!
-- Quem está aí?
-- Sou eu!
-- Eu quem??
-- O seu amigo Elvis Presley!
-- Elvis? É você? Mas a sua voz...
Nisso Elvis saiu da escuridão e Marvin pôde conferir com um susto...
Não esperava ver o amigo daquele jeito. Do dragão imenso e poderoso, Elvis
mantinha apenas a cor e a forma. Estava agora com no máximo 10 centímetros de
“tamanho”.
-- Marvin, infelizmente, as minhas pílulas não estão mais fazendo efeito. Não para
mim... Tentei também alguns chás e mandingas. E nada. Até comi duas terríveis pimentas
gigantes enfeitiçadas... Só não tenho muito tempo. Preciso recuperar com urgência as
minhas cinco bolas de remorso...
-- Elvis, você ficou assim por causa delas???
-- Isso mesmo, Marvin! Só não tenho tempo para lhe explicar tudo...
-- Mas pelo menos deixe eu ajudar!!
-- Sem “pelo menos”, Marvin! Infelizmente ninguém pode me ajudar... E não se
esqueça que você precisa salvar Lenora antes que seja tarde demais.
-- Mas, mas, Elvis...
-- Nada de “mas”. Eu trouxe aqui algumas mini-pílulas para a sua viagem.
-- Viagem?
-- Sim! Viagem à terrível Dimensão das Trevas Sólidas.
137
Antes que terminasse a explicação, Elvis foi desaparecendo como se estivesse indo
embora para sempre: Talvez também para a Dimensão das Trevas Sólidas.
PORÉM COM CERTEZA, NÃO DE LIVRE E ESPONTÂNEA VONTADE.
-- Elvis!!!???
Assim que Elvis sumiu, Marvin começou a sentir uma forte dor que o fez cair no
chão (mas de mão bem fechada para não perder as mini-pílulas): era Excalibur, agora mini-
espada, entrando fumegante em seu peito “manteiga” para descansar e aguardar até o
momento de...
Desta vez, Marvin não gemeu, não gritou, não urrou, não lacrimejou, não
desmaiou... Agüentou a dor... E a dor que doeu já não doeu tanto quanto da primeira vez.
ESTRATÉGIA DA ESPADA EXCALIBUR.
Alguns minutos depois, Marvin já se sentia mais vivo do que antes.
NADA COMO UMA “BOA DOR” PARA NOS MOSTRAR QUE ESTAMOS
REALMENTE VIVOS.
Marvin que já havia gravado a seqüência das mini-pílulas tentava mesmo assim
reforçar sua memória. Nada podia dar errado, sabia ele. Qualquer erro poderia significar a
maldição de cem anos nas Trevas Sólidas para Lenora e para ele também.
UMA DAS TÁTICAS MAIS USADAS PARA SE RETER UMA INFORMAÇÃO
É A REPETIÇÃO EXAGERADA.
Marvin certamente não precisava mais disso. Depois daquele tratamento anti-
estresse mágico do Mago Merlin Nostradamus, sua memória já estava boa novamente...
Melhor do que nunca... Mesmo assim ele resolveu se garantir pelo excesso:
“Deixe-me ver... pílula transparente, pílula amarela, pílula verde, pílula vermelha,
pílula branca... Essa é a ordem. Transparente, amarela, verde, vermelha, branca.
Transparente, amarela, verde, vermelha, branca... Transparente, amarela, verde, vermelha,
branca... Transparente, amarela, verde, vermelha, branca... Transparente, amarela, verde,
vermelha, branca...”
Antes de guardar “Torresmo-lanterna” dentro da mochila, Marvin engoliu a mini-
pílula transparente e ficou esperando a reação que demorou 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11,
12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35,
36, 37, 38 segundos para começar.
139
Primeiro Marvin sumiu dali, mas todos os seus pertences teimaram em ficar: a
mochila com o livro de carne, as mini-pílulas e sua “roupa” ensebadamente azul que já nem
podia ser chamada assim.
COIN COIN: Marvin caiu pelado nas Cataratas de Foz do Iguaçu e assim começou
o seu banho-pesadelo de quinze segundos.
BANHO-PESADELO É AQUELE QUE ATÉ PODE MATAR.
Os quinze segundos mais longos da vida de Marvin: nesse tempo todo ele tentou
nadar para vencer as águas que eram muito mais poderosas do que ele e sua vontade.
O som ensurdecedor da Foz gritava nos ouvidos de Marvin: “Nós vamos te engolir!
Nós vamos te engolir!”
Enquanto as águas diziam que iriam engolir Marvin, era Marvin quem engolia as
águas. Mas mesmo no desespero, ele sabia que iria se salvar. Sabia também que aquilo ali
era apenas algum tipo de “problema técnico” da mini-pílula-transparente. Elvis estava
doente e pelo jeito também a sua doença havia colocado algo de ruim e defeitoso em suas
últimas “invenções de se engolir”.
MARVIN SÓ ESPERAVA AGORA QUE AS OUTRAS PÍLULAS NÃO
TROUXESSEM SURPRESAS TÃO OU MUITO DESAGRADÁVEIS.
Passados os longos quinnnnnnnnnnnnnnnnze segundos: COIN COIN: totalmente
limpo e já de cabelos verdes, Marvin caiu pelado pingando em uma imensa LOJA DE
DEPARTAMENTOS.
COIN COIN QUE MAIS PARECE PORCO FALANDO E NA VERDADE O
SOM QUE SE FAZIA QUANDO MARVIN “PASSAVA” DE UM LUGAR PARA
OUTRO.
Meio tonto ainda, ele vomitou três copos d’água (sem os copos é claro).
APESAR DE NÃO SER NADA AGRADÁVEL, VOMITAR FAZ BEM DE VEZ
EM QUANDO. QUE DIGA ISSO A BRUXA MARICOTA URTIGONA. AO
CONTRÁRIO DE MUITAS CRIATURAS QUE SÃO OBRIGADAS A ENGOLIR
SAPOS, ELA OS VOMITA, DE VEZ EM SEMPRE, TRÊS VEZES AO DIA.
Assim que abriu bem os olhos para realmente ver as coisas, Marvin se surpreendeu
com o gigantismo daquilo que parecia ser realmente uma imensa loja de vestuários.
Mais tarde, ele descobriria se tratar de uma loja de departamentos...
140
Até o teto e inclusive no próprio teto, havia roupas, roupas, roupas, roupas, roupas e
mais roupas... montanhas e montanhas de roupas sufocadas umas sobre as outras.
Marvin foi caminhando nu entre elas, junto com a estranha sensação de que estava
sendo observado o tempo todo.
Vez por outra, pequenos risos e gargalhadas mínimas faziam-no procurar com os
olhos, ali, lá, acolá, por alguma criaturinha que pudesse estar “brincando de se esconder”.
De repente “VUMPT” um susto: uma calça preta passou voando bem na frente de
Marvin, quase acertando o seu nariz... Já em seguida, uma toalha bem felpuda veio
freneticamente enxugar-lhe “VAPT VUPT” o seu cabelo.
O que se viu na seqüência foi um DEU A LOUCA NAS ROUPAS.
Meias, cuecas, luvas, calças, vestidos, capas, sobretudos, suéters, camisetas,
calcinhas, ternos, calções, macacões... passaram a voar divertidamente diante de Marvin.
Algumas calças e vestidos chegaram inclusive a dançar valsa no ar, mesmo sem
música alguma.
A festa das roupas foi atraindo cada vez mais peças, mas Marvin resolveu sair de
fininho daquele tumulto animado.
Mais a sua frente, um corredor de roupas pretas.
SILENCIOSAS E DESANIMADAS.
Marvin sentiu um calafrio. Eram todas capas de vampiros. Todas em seus
respectivos cabides que iam até o teto que ficava mais ou menos nove metros do chão.
Um cheiro de mofo e naftalina tomava conta do ar...
Marvin apressou os passos pelados.
Antes que chegasse ao fim do corredor, uma capa preta voadora o envolveu como se
ela fosse um morcego gigante e Marvin a sua vítima indefesa.
Não havia como gritar.
Não havia como escapar.
Marvin ficou se debatendo... lutando dentro da capa.
Ficaria assim até perder suas energias.
Ficaria assim até não conseguir mais respirar.
Só depois de perder forças e fôlego é que Marvin se lembrou de Excalibur.
FINALMENTE. E assim se concentrou em um pensamento suplicante:
141
A Loja Bloominwitch nunca fica mais de uma lua na mesma localidade. Vive
viajando, a esmo, pelos Mundos Mágicos. Azar dela. Desta vez acabou indo parar
justamente onde era feriado.
FERIADO DE UM DIA OU DE UMA SEMANA???
Marvin continuou andando por mais e mais corredores...
O silêncio foi então interrompido por um conjunto de conversas e gargalhadas.
VOZES DE CRIANÇAS???????????????????????????
Por um instante, Marvin ligou as vozes a um passado que já parecia distante: aos
colegas da escola, às brincadeiras na hora do recreio, às peladas na praça...
Que nada! Assim que virou o corredor e viu quem eram as criaturas falantes, ficou
boquiaberto. E olha que Marvin não ficava boquiaberto há um bom tempo.
As criaturas falantes não eram criaturas falantes, e sim, pasmem, sapatos. Sapatos
falantes. Sapatos contadores de piadas:
-- Você conhece aquela piada da sandália com hemorróidas?
-- Não!
144
-- Nem eu!
E assim-assim um par de mocassinos caía no riso rasgado.
Outros sapatos conversavam assuntos e besteiras diversas... E riam, como riam...
Marvin continuou andando. Dava para pegar um pedaço de fala aqui que se
misturava com outro pedaço de conversa ali e outro lá e outro acolá e outro e outro e
outro...
OS SAPATOS NAS PRATELEIRAS QUE TAMBÉM IAM ATÉ O TETO ALTO
LEMBRAVAM, MESMO QUE VAGAMENTE, ARQUIBANCADAS FALANTES.
No final do corredor, Marvin ouviu alguns sapatos anônimos se dirigirem a ele.
-- Já vai, gostosão?!
-- Ah! Fique mais!!!
-- HUUUUUUUUUUUUUUUUUUU!!!!!!!!!
Sem dar bola, Marvin continuou seguindo em frente...
E mais à frente já estava na Seção das Vacas Empalhadas. Centenas delas: vacas
azuis, vacas amarelas, vacas verdes, vacas vermelhas, vacas laranjas, vacas arco-íris, vacas
cor-de-rosa, vacas cor-de-vaca... Vacas empalhadas para enfeitar jardins de ervas
venenosas.
EM MUITOS MUNDOS MÁGICOS, AS VACAS EMPALHADAS
SUBSTITUEM OS ANÕES DE JARDIM.
A Loja Bloominwitch parecia também não ter fim... Marvin já estava ficando
cansado daquilo tudo, afinal a sua missão era salvar Lenora e não ficar caminhado, feito
bobo, em uma loja de departamentos.
O TEMPO URGIA E O LEÃO RUGIA...
“Mas como? Como eu saio daqui??” – era a pergunta-pensamento que não queria
calar.
MARVIN VIAJOU COM OS OLHOS PELAS VACAS COLORIDAS DE OLHOS
DE VIDRO BRILHANTE.
“Mas como? Como eu saio daqui??” – era a pergunta-pensamento que não queria
calar.
145
Para chegar até a próxima seção de alguma coisa, Marvin caminhou entre as vacas
coloridas e uma delas lhe chamou atenção. Não pela cor ou por sua cara de vaca. O que
intrigou Marvin foi um monte de bosta amarela no chão.
“Vacas empalhadas não fazem isso!” – pensou ele – “Ou será que aqui fazem?”
Marvin cutucou a vaca e ela continuou desanimadamente empalhada...
NO FINAL DA SEÇÃO, UMA MÁQUINA DE REFRIGERANTES.
Depois de muito tempo sem sede, Marvin sentiu sede.
Auto-sugestão???
Nu sem a mão no bolso, Marvin não tinha moedas.
Quando chegou bem próximo da máquina, o aviso:
COLOQUE AQUI UM DENTE.
Marvin não tinha dentes. Pelo menos nenhum disponível.
Por sorte no chão havia dois. Dois dentes cariados e sujos de sangue seco.
Marvin pegou um deles e colocou no orifício “BRIMPTRIMPT” da máquina.
Próxima etapa: escolher um dos oito tipos de refrigerantes: Coca Urtiga. Soda
Picante. Bloody Cola. Black Sprite. Fanta Mórbida. Cactus Cola. Cola Ardida. Cola Arroto.
ENTRE TANTAS OPÇÕES, PRATICAMENTE NÃO HAVIA OPÇÕES.
As marcas e os rótulos afugentariam muitas sedes humanas. Não a de Marvin que já
estava atiçada... E assim ele escolheu e apertou um dos botões.
“TRUUUUUUUUUUUMPT-BLOPT”
E lá veio a latinha.
Marvin bebeu tudo de uma vez só.
Ah! O gosto no final era suave e refrescante: uma mistura de abacaxi com menta e
mais vinte e sete ingredientes secretos.
“GRRRRRRRRRRRROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!”
Marvin havia escolhido a Coca Arroto.
COCA ARROTO, VOCÊ BEBE UMA VEZ E ARROTA POR UM MÊS.
Mais à frente, Marvin ficaria sabendo disso.
Por enquanto, pelo menos a sede estava mortinha da silva.
PARA QUEM NÃO SABE AINDA, “MORTINHA DA SILVA” SIGNIFICA
COMPLETAMENTE MORTA. TÃO MORTA QUE ATÉ SOBRENOME TEM.
146
Mais uma informação: Mortinha da Silva é também o nome de uma bruxa que mora
lá no Mundo de Almíscar.
Mas retornando ao Marvin, ele continuou andando pela loja. A próxima seção era a
de Cabeças Decepadas. Última moda entre muitos bruxos que só se preocupam com coisas
da moda: enfeitar a casa com cabeças humanas decepadas.
CABEÇAS HUMANAS DECEPADAS, MAIS UM PRODUTO EXCLUSIVO DA
LOJA BLOOMINWITCH.
Muitas eram personalidades famosas no Mundo Humano.
DEZ MIL CABEÇAS MORTINHAS DA SILVA.
“Ei você aí!!!”
“????”
“É, você mesmo que está escrevendo essa história. Peço-lhe o favor de não ficar
usando o meu nome em vão! Se isso continuar acontecendo, eu vou me zangar, e você não
vai querer sentir as terríveis conseqüências!”
....................................................................................................................................
POR MOTIVOS DE FORÇA MAIOR, A EXPRESSÃO “MORTINHA DA
SILVA” NÃO SERÁ MAIS USADA A PARTIR DE AGORA.
....................................................................................................................................
Marvin conseguiu identificar as cabeças mais próximas de seu ângulo de visão. Não
estava a fim de continuar andando entre tantas: morbidamente humanas, conhecidas ou não.
Não era medo, mas dava uma sensação desagradável no peito.
George W. Bush ironicamente aparecia pendurado entre Sadan Hussen e Bin Laden.
Michael Jackson mais ao lado, junto de Tony Blair. Algumas cantoras famosas: Madona,
Britney Spears, Enya, Barbra Streisand, Lisa Mineli estavam próximas... O jogador de
basquete Michael Jordan vinha ao lado de Pelé, Ronaldinho, Guga, Maradona e Michael
Schumacher...
CABEÇAS DECEPADAS COM CERTIFICADO DE GARANTIA E
PROCEDÊNCIA.
Marvin identificou ainda as cabeças das atrizes Cameron Dias, Sandra Bulock, Julia
Roberts... e as cabeças dos atores, Jim Carrey, Eddie Murphy, Jack Chan, Steve Martin,
Silvester Stalone e Jean Claude Van Damme.
147
--GRRRRRRRRRRRROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!
UMA QUESTÃO PARA FICAR NO AR ATÉ QUE ALGUM DIA, QUEM SABE,
CAIA NO CHÃO: SERÁ QUE AS PESSOAS FAMOSAS PERDEM A CABEÇA MAIS
FACILMENTE QUE AQUELAS NÃO FAMOSAS???
já virou um leopardo que já virou um pingüim que já virou um lêmure que já virou um
rinoceronte que já virou um ornitorrinco que já virou um chipanzé...
--GRRRRRRRRRRRROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!,
Desculpe-me, Etecétera!
Aqui no contexto de Marvin, a frase “não estou nem acreditando que é você” não
significava realmente “não estou nem acreditando que é você”. Indicava muito mais uma
mistura de surpresa com alegria em reencontrar um amigo de muitas aventuras mágicas.
Etecétera não entendera a sutileza.
-- Marvin, será que ainda sou seu presente, seu amigo de estimação?
-- Claro, claro que sim! Mas vem cá e me dá um abraço!
Etecétera já foi se aproveitando da situação e pulou-se-agarrou no ombro de Marvin.
COISAS DE CHIMPANZÉ!
-- Puxa, Etecétera! Você é um chimpanzé bem dos pesados.
-- Posso virar outro bicho se você quiser. Que tal um amigo crocodilo?
-- Não! Não! Você de amigo chimpanzé está muito bem! Muito bem mesmo!
E RIRAM OS DOIS...
--GRRRRRRRRRRROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!,
Desculpe-me de novo, Etecétera! Mas não consigo controlar.
-- Marvin, você não precisa ficar se desculpando por isso. Aliás, em quase todos os
mundos mágicos arrotar nunca foi falta de educação. Muito pelo contrário. É saudável.
Gostoso. Existem até concursos de arroto em vários mundos. Só não vale arroto artificial.
-- Arroto artificial????
-- Tipo o seu assim. Arroto da Coca Arroto não vale nos Concursos de Arroto.
--GRRRRRRRRRRRROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!,
Então não vou mais pedir desculpas, Ok?!
Já que Marvin não perguntou, alguém possivelmente deve estar se perguntando, o
que Etecétera fazia dentro da boca de George W. Bush... A resposta é simples, deveras
simples. Muitos seres mágicos ao se transportarem de um mundo a outro podem acabar
caindo nos lugares mais inesperados, estranhos e esdrúxulos.
Cheio de aventuras novinhas em folha, Etecétera estava ansioso para começar a
narrá-las em seus pormenores.
149
-- Marvin, tenho tantas coisas para te dizer. A minha vida, nesses últimos tempos,
esteve recheada de acontecimentos...
-- Etecétera, eu quero muito ouvir suas histórias, mas agora não posso. Preciso
salvar Lenora, já nem sei mais se ainda há tempo para isso. Preciso das mini-pílulas do
Elvis, da minha mochila com asas, do livro de carne... E tudo ficou lá no Mundo Azul, mais
precisamente na Caverna do Caracol do Tempo. GRRRRRRRRRRRROOOOOOOOOOO
OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!
-- Caverna do Caracol do Tempo! Infelizmente já ouvi falar. Mas não sei se posso ir
lá, Marvin. Você é meu amigo, mas esse caracol, a lesma carnívora monstruosa e
sanguinolenta, os lobisomens azuis... É demais para mim. Vou ser sincero, já estou quase
morrendo de medo.
“Quase morrendo” era um exagero, mas que Etecétera estava tremendo, isso estava.
Tremendo da cabeça de chimpanzé até os pés de pato.
PÉS DE PATO???
Isso mesmo. O medo era tão grande que havia tornado Etecétera um ser quase
híbrido: um quase CHIPATO.
-- Etecétera, só você pode me ajudar agora.... E não se preocupe, o caracol do tempo
já não está mais lá na caverna. E os lobisomens azuis foram destruídos pela espada
Excalibur.
-- Por que você não me disse isso antes??? Se é assim, se a pressa é tanta, eu já vou
e já volto antes que você conte até seis.
“CLICK” (foi o som que se fez assim que Etecétera sumiu)
UM, DOIS, TRÊS, QUATRO, CINCO, SEIS, SETE, OITO, NOVE, DEZ, ONZE,
DOZE, TREZE, QUATORZE, QUINZE, DEZESSEIS, DEZESSETE, DEZOITO,
DEZENOVE, VINTE, VINTE E UM, VINTE E DOIS...
“CLOCK” (foi o som que se fez assim que Etecétera apareceu)
-- Tá vendo?! Já estou de volta!
-- É, mas eu contei até vinte e dois! – brincou Marvin, mas Etecétera também não
entendeu a sutileza da brincadeira.
-- Este é o seu problema. Você conta rápido demais. E além de tudo, não pense que
é fácil assim achar coisas em uma caverna escura. Mas aqui estão elas.
150
Marvin pegou primeiro a mochila com asas (com o Torresmo dormindo dentro) e já
foi colocando-a nas costas. Em seguida, Etecétera lhe passou as quatro mini-pílulas.
-- Marvin, tenho uma reclamação a fazer sobre a sua mochila com asas. Ela não
estava querendo vir comigo e eu tive que dar-lhe uns bons safanões. Aí ela se acalmou. Não
sei se ela já tem nome, mas se não tiver... que tal você chamá-la de Avoada? Avoada é um
bom nome, não? Penso eu que todas as coisas deveriam ter nome próprio, pelo menos
aquelas que nos são mais íntimas, mais especiais. Avoada deve ser especial pra você.
Apesar de eu não ir muito com a cara dela e ela também não ir muito com a minha... Uma
pedra especial não é apenas uma pedra. Uma árvore especial não é simplesmente uma
árvore especial. Uma roupa especial não pode ser apenas uma roupa especial. Todas essas
coisas precisam de nome, de um nome especial também...
Enquanto Etecétera falava e falava, Marvin já foi engolindo a mini-pílula amarela e
ficou aguardando os seus efeitos:
PRIMEIRO EFEITO DA PÍLULA AMARELA: em dezoito segundos Marvin
desapareceu, deixando Etecétera falando para as paredes, ou melhor dizendo, deixando
Etecétera falando para as cabeças decepadas.
“Já que fiquei aqui sozinho, acho que vou aproveitar para fazer umas comprinhas.”
(para Etecétera não existia loja “fechada” e o que ele queria ele levava mesmo, sem
nenhuma cerimônia)
SEGUNDO EFEITO DA PÍLULA AMARELA: Marvin entrou pelo cano. Não por
um cano comum, mas por um imenso tubão de plástico.
Um verdadeiro tubão escorregador cujo destino final não era uma piscina
refrescante, cheia de gente brincando....
Marvin foi escorregando, escorregando, até despencar num abismo de nada. Lá
embaixo, acabou caindo em uma cápsula transparente que aos poucos foi se aderindo a seu
corpo.
TERCEIRO EFEITO DA PÍLULA AMARELA: completamente desconfortável,
Marvin virou o menino cápsula. Com foguete na ponta dos pés.
Talvez parecesse mais um menino-foguete. Mas isso é apenas questão de
terminologia. E como o foguete parecia mais uma cápsula do que um foguete e já que uma
cápsula pode ser também um foguete, vamos ficar com ela.
151
Sem condições para movimentar: nem mãos nem braços nem pernas nem pés nem
nariz nem orelhas... NEM QUASE NADA... Marvin só ficou aguardando o próximo efeito
da pílula amarela.
Apesar de todo “capsulado”, Marvin conseguia respirar normalmente. Coisas da
magia. COISAS DA MAGIA.
QUARTO EFEITO DA PÍLULA AMARELA:
Diante de seus olhos, apareceram palavras vermelhamente luminosas, indicando o
que ele então devia fazer... Estava ali o dito “Manual de Instruções” mencionado por Elvis:
-- Pisque bem forte os dois olhos para dar a partida;
--Pisque três vezes os dois olhos para chamar-receber a mini-pílula verde;
-- Pisque uma vez o olho direito para ir para a direita;
-- Pisque uma vez o olho esquerdo para ir para a esquerda;
-- Pisque duas vezes o olho direito para ir para cima;
-- Pisque duas vezes o olho esquerdo para ir para baixo;
-- Pisque três vezes o olho direito e duas vezes o olho esquerdo para fazer um
“parafuso”;
-- Morda uma vez língua bem forte para ganhar mais e mais velocidade;
-- Morda a língua duas vezes ou mais para desacelerar;
-- Pisque quatro vezes os dois olhos para chamar-receber a mini-pílula vermelha
antes de:
-- Piscar cinco vezes o olho esquerdo para inicializar a “descapsulação”;
-- Pisque seis vezes os dois olhos para chamar-receber a mini-pílula branca.
de comprimento abriu sua bocarra, engolindo tudo, ou melhor todos, num raio de cem
metros...
ENQUANTO ISSO, na Loja Bloominwitch, Etecétera se deliciava com um sorvete
de máquina, sabor: chocolate azul com rum exotérico.
ENQUANTO ISSO, Tipo Assim viajava de mundo em mundo à procura da
Misteriosa Criatura da Caixa Preta: “Esse cara me passou pra trás... Esse desgraçado me
passou pra trás... Mas ele ainda me paga, mesmo que seja a última coisa que eu faça...”
ENQUANTO ISSO, o agora mais minúsculo ainda dragão Elvis Presley também
viajava pelos mundos mágicos atrás de suas bolas de carniça.
ENQUANTO ISSO no Mundo de Almíscar, os seus habitantes liam “Entrevista
com o Vampiro”.
ENQUANTO ISSO...
Chega de tanto “enquanto isso”... e voltemos a... onde nós estávamos mesmo?
Ah! Sim! O Zumbi gigantesco.
Zumbis gigantescos só existem no Espaço Mórbido. Zumbis gigantescos são
também gigantescos cemitérios ambulantes.
E Marvin estava agora totalmente adormecido dentro de um deles, bem mal
acompanhado de milhares e milhares de cadáveres.
MAIS PODRE QUE UM ZUMBI POR FORA, SÓ MESMO UM ZUMBI POR
DENTRO.
Marvin continuou dormindo por horas a fio. Parecia não estar “disposto” a acordar
tão cedo. Talvez tivesse contraído alguma DOENÇA DO SONO MÁGICO.
DOENÇAS DO SONO MÁGICO SÃO MUITÍSSIMO MAIS DURADOURAS
QUE AS DOENÇAS DO SONO CONVENCIONAL. ALGUMAS PODEM DEMORAR
A ETERNIDADE DE MIL ANOS.
Excalibur precisava fazer alguma coisa. E fez: a única coisa não perigosa que estava
a seu alcance...
E assim uma forte queimação no peito acordou Marvin.
Dentro do zumbi gigantesco alguns pedaços de carne podre caíam vez por outra do
“teto”. Ao longe, cinco criaturas monstruosas reuniam-se junto a uma fogueira, assando o
que parecia ser uma perna humana.
155
Na Dimensão das Trevas Sólidas, para todo lado que se olhasse, havia lápides e
mais lápides e mais lápides... Com escritas conhecidas e símbolos estranhos.
O céu era sempre negro devido às nuvens pretas feito breu. Vez por outra, elas se
dissipavam e aí milhões de urubus e corvos vindos delas tomavam conta do ar, da terra, de
tudo.
Havia também nuvens de moscas varejeiras. Super-moscas ferozes, do tamanho de
pardais. Super-moscas famintas e tão ou até mais barulhentas que as aves pretas.
Infelizmente Marvin havia chegado em má hora (se é que se pode dizer isso em um
lugar onde só existiam horas más).
HORA DA TEMPESTADE DE URUBUS-CORVOS-E-SUPER-MOSCAS.
No começo dava a impressão que o céu estava escorrendo feito uma pintura.
O céu pingava milhões de pingos pretos.
E os pingos iam crescendo à medida que se aproximavam... E os pingos se
“transformavam” em urubus, corvos e super-moscas.
157
Agora já dava para sair da “tumba” e enfrentar os novos perigos que certamente
viriam pela frente...
Em poucos segundos, Marvin já estava voando com sua mochila à procura de
Lenora e do Caracol do Tempo.
Entre tantas lápides, não ia ser nada fácil encontrar a menina loira...
Em compensação, um caracol gigante não conseguiria se esconder tão fácil.
NAS TREVAS SÓLIDAS, AS COISAS NUNCA PERMANECEM MUITO
TEMPO COMO SE APRESENTAM...
Marvin voou quilômetros acima das lápides... E depois acima de túmulos e
Mausoléus...
De repente, esqueletos de luz passaram a surgir do nada: três, quatro, cinco, seis,
sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, quatorze, quinze, dezesseis, dezessete, dezoito...
Marvin parou no ar como fazem os beija-flores.
...Vinte esqueletos luminosos. Vinte esqueletos ‘humanos” e não-humanos.
Todos juntos formaram um círculo de luz.
Talvez estivessem fazendo algum tipo de reunião.
ALGUM TIPO DE MAGIA PARA ESCAPAREM DAS TREVAS
SÓLIDAS?????????
Ledo engano.
Todos juntos os esqueletos foram se aproximando do centro do círculo... E então
uns “engoliram” os outros até restar apenas um.
UM IMENSO ESQUELETO DE LUZ.
Marvin sentiu medo.
A mini-pílula branca estava desempenhando bem o seu papel. E por enquanto sem
efeitos colaterais.
E AGORA????
Agora sim era hora da espada Excalibur dar o ar de sua graça, ou melhor dizendo
ainda, DAR O AR DE SUA DESGRAÇA para os inimigos de Marvin.
E assim foi: Excalibur despertou rapidinho, logo que sentiu o coração do menino
verde batendo rápido e aflito de medo...
159
Agora a espada já saía por si própria sem esperar pelo “pedido oficial” de Marvin.
Afinal depois de “conviver” intimamente com o menino, ela já sabia o que ele sentia,
quando, como e porquê...
Em poucos segundos, Excalibur atravessou o peito de Marvin para crescer, crescer,
crescer, mais do que nunca... Desta vez ele não sentiu dor alguma.
Já a visão da super espada Excalibur, maior que uma cruz em tamanho natural, fez
com que o super esqueleto de luz repensasse suas estratégias de ataque: ao invés de lançar
jatos de luz fedorenta, ele resolveu emitir pela boca cadavéricas bolas de fogo piolhento.
FOGO PIOLHENTO. NÃO EXISTE NADA PIOR DO QUE ISSO. PELO MENOS
É O QUE DIZEM AQUELES QUE JÁ O EXPERIMENTARAM E CONSEGUIRAM
SAIR “VIVOS”, OU MELHOR, UM POUCO “MENOS VIVOS” DA HISTÓRIA.
Excalibur cortou todas as bolas no ar.
Insistente, o super esqueleto de luz lançou uma rajada delas. Ele até parecia
trããrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãr
ãrãrãrãrãrããrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrãrã uma boca metralhadora.
Excalibur, muito mais veloz ainda, conseguiu estraçalhar todas as bolas de luz que
se desintegraram no ar sem deixar vestígios piolhentos. Enquanto isso Marvin só
observava, mantendo uma distância de mais ou menos cinqüenta metros.
Agora era a vez de Excalibur atacar.
Antes que o super esqueleto tentasse outra estratégia, se é que tinha ainda alguma, a
espada mergulhou velozzzzzzzzzzzmente em sua direção... Não deu tempo de pensar nada.
“TROMPTRUM!!!”
E Excalubur explodiu o super esqueleto de luz. Seus ossos caíram apagados sobre
lápides, túmulos e no chão negro da morte. Mas não ficariam assim por muito tempo. Na
verdade, não ficaram assim por tempo algum.
A FACE OCULTA DO SUPER ESQUELETO DE LUZ ESTAVA PARA SER
REVELADA.
Feito lagartixas, os ossos começaram a andar-se-arrastar pelo chão, todos
“caminhando” na mesma direção.
160
Aos poucos uma grande montanha ossuda foi se formando... E assim que o último
osso do esqueleto se uniu aos seus “colegas”, todos eles começaram a derreter, dando
origem a uma enorme poça de líquido branco viscoso e espumante.
Mas a poça gosmenta não ficou quieta não. Começou a crescer e crescer e crescer
como se tivesse muito fermento em sua composição. De poça virou bolha...
Uma bolha gigante que foi se moldando na forma de um caracol.
Isso mesmo. O super esqueleto de luz era na verdade o Caracol do Tempo
disfarçado. Só que agora com a lesma sanguinolenta morta.
Finalmente Marvin podia salvar a amiga Lenora.
MAS COMO?
Por enquanto ele ainda não tinha a menor idéia.
Era como ter uma máquina do tempo nas mãos e não saber usá-la.
INSTINTIVAMENTE, DEPOIS DE MUITO TEMPO, MARVIN COÇOU OUTRA
VEZ A CABELEIRA VERDE.
E nada aconteceu. Nenhuma idéia. Nem maior nem menor. Nem mesmo a sombra
de alguma coisa que pudesse ajudá-lo.
SOMBRAS GOSTAM DE FREQÜENTAR CÉREBROS. MUITAS VEZES SÃO
A ORIGEM DE GRANDES INVENÇÕES, DE NOVOS FEITIÇOS, DE MÁGICAS
INÉDITAS E PODEROSAS.
Excalibur que, por enquanto, já havia feito o seu trabalho diminuiu-se e retornou ao
peito de Marvin.
AH! E a roupa de Elvis. Marvin já não estava mais se sentindo bem com ela (na
verdade nunca realmente estivera). Ainda mais com aquele buraco queimado que
atravessava o colete e a camisa branca. Com certeza, referiria sua velha camiseta e sua
calça jeans. Tênis comuns também iam bem.
NOVAMENTE , MARVIN COÇOU A CABELEIRA VERDE.
E novamente nada aparente aconteceu.
Marvin pousou então no imenso Caracol Gigante, enquanto lá embaixo a cabeça da
Lesma Carnívora ia aos poucos se derretendo como se tivessem jogado sal sobre ela.
Tudo se manteve em silêncio sepulcral por alguns minutos.
161
A velha peluda era mais de noventa e cinco por cento peluda: mãos peludas, dedos
peludos, unhas peludas, corpo todo peludo. SÓ A CARA DA VELHA NÃO ERA
PELUDA... E pelo menos os seus longos cabelos brancos estavam penteados para trás.
A velha peluda podia ficar tranquilamente pelada em qualquer lugar. No máximo
iam achar que ela era irmã de algum Pé Grande.
A cabeça da velha peluda parecia ter sido batida no liquidificador. Sua pélvis facial,
se é que aquilo podia ser chamado de pélvis, lembrava uma massa de carne molengona, ou
melhor dizendo, “molenguenta”... Algum feitiço mal feito colou as coisas nos lugares
errados. A boca da velha era no lugar olho esquerdo e o olho esquerdo no lugar do nariz e o
nariz no lugar da boca e no queixo ficava a orelha direita e no lugar da orelha direita não
ficava nada.
164
CAPÍTULO 12
A TÃO ESPERADA VIAGEM
“Que cada um procure as verdades
que moram em seu coração
e além das montanhas azuis.”
(Frurbal Gruinhorth, poeta saskatchuano)
-- A senhora me chamou?
-- Chamei sim! Preciso muito, muito mesmo de seus préstimos.
-- Préstimos, o quê?
-- De seus favores!
-- Favores eu faço, mas não faço de graça.
-- Disso eu já sei. Mas não se preocupe. Eu tenho aquilo de que você mais gosta:
diamantes. Muitos diamantes. Enormes diamantes.
-- Aí já é outra história, Madame!
-- Madame? Esta é a primeira vez que alguém me chama de madame. Madame....
Madame.. Gostei. Pode me chamar a partir de agora sempre assim: Madame, Madame.
-- Pois não, Madame-Madame?! Mas em que eu posso servi-la?
-- Tenho alguns planos e preciso de você para me ajudar.
-- Então a Madame-Madame chamou o sujeito certo.
-- Um amigo meu me falou muito bem de você. Disse que não há em todos os
mundos duende mais esperto, rápido e competente.
-- Bem, já que a senhora está aqui na Caverna do Caixa, então deduzo que esse seu
amigo só pode ser ele mesmo, o Caixa.
-- Sim! Eu e o Ma... quero dizer, eu e o Caixa já somos amigos há um bom tempo.
-- Safado! Ele sumiu sem se despedir e sem pagar parte do que me devia. Onde está
ele agora?
-- AH! Isso não posso dizer! (na verdade Madame-Madame não sabia) Jurei que não
contaria para ninguém nem o seu verdadeiro nome e nem o seu paradeiro.
165
-- Para... o quê?
-- Paradeiro!
-- Nossa que palavra bonita! Paradeiro! Paradeiro! Paradeiro!
-- Significa apenas lugar onde alguém se encontra.
-- Paradeiro! Gostei! Amei! A partir de agora a Madame-Madame pode me chamar
de Paradeiro.
-- Tem certeza?
-- Mais certeza do que nunca.
TATU-PELUDO
FILO: Chordata
CLASSE: Mammalia
ORDEM: Carnívora
FAMÍLIA: Edentata
NOME CIENTÍFICO: Euphractus villosus
167
CARACTERÍSTICAS:
Comprimento; até 40 cm, mais 30 cm, para a cauda.
Peso: até 8 Kg
Dentes cilíndricos, sem raízes
Sem perceber, Marvin voltara a ser o que era fisicamente, talvez para não causar
algum tipo de estranhamento estressante na menina loira.
COISAS DA LÓGICA NEM SEMPRE TÀO LÓGICA DA MAGIA QUE, NA
VERDADE, NÃO PRECISA DE LÓGICA ALGUMA.
Por dentro, entretanto, Marvin já havia deixado de ser quem era há muito tempo.
Todas as aventuras mágicas em que se metera foram responsáveis pelo seu
amadurecimento. Marvin não era mais um menino de 12 anos. E muito menos um menino
de apenas 13 anos como determinava a sua biologia...
Tudo igualzinho como da primeira vez em que se conheceram. Lenora tocava piano.
Tudo igualzinho. Ou quase...
VER UM FILME PELA SEGUNDA VEZ NÃO É A MESMA COISA QUE VÊ-
LO PELA PRIMEIRA. AINDA MAIS NO CASO DE MARVIN. ELE NÃO ESTAVA
APENAS REVENDO UM FILME, ELE ESTAVA VIVENDO NOVAMENTE O QUE JÁ
HAVIA VIVIDO...
Como da primeira vez, Lenora, a menina de longos cabelos loiros, vestia o uniforme
de Marvin e a “velha” mochila que havia roubado dele...
Marvin tinha tantas coisas para dizer. E esse era o problema.
MUITAS VEZES QUANDO SE TÊM MUITAS COISAS PARA SE DIZER
ACABA ACONTECENDO UM BLOQUEIO DESMÁGICO E NADA SE DIZ.
Começar como? Afinal aquele era um momento especial. O momento em que os
dois se conheceram. Ou melhor dizendo, o momento em que a menina loira e o menino dos
cabelos castanhos passaram a se conhecer através das palavras e dos olhares...
Antes que dissesse qualquer coisa, as coisas se disseram:
-- Oi, tudo bem? Meu nome é Marvin e o seu?
Palavras automáticas foram saindo de sua boca sem ele poder controlá-las.
As mesmas palavras “daquela primeira vez”.
ATÉ PARECIA QUE MARVIN ESTAVA CONDENADO A SE REPETIR. E
NÃO EXISTE NADA MAIS CRUEL DO QUE SE REPETIR PELA ETERNIDADE DOS
DIAS E DAS NOITES.
173
COMO DA PRIMEIRA VEZ, Lenora virou-se para Marvin... Mas desta vez ele não
se assustou ao ver a menina loira com os lábios costurados.
COMO DA PRIMEIRA VEZ, em um bloco de notas sobre o piano, ela começou a
escrever o início de uma grande amizade.
COMO DA PRIMEIRA VEZ, Lenora escrevia rápido. RAPIDÍSSIMO:
“Marvin, peço desculpas por pegar o seu uniforme e a sua mochila. Estive
sorrateiramente em sua casa e não resisti. Sempre quis ganhar coisas assim tão bonitas.
Meu mundo é muito diferente do seu. Nunca tive amigos, escola, professores...
Papai acabou descobrindo minha fuga, e por isso, estou agora pagando por isso.
Meu castigo termina daqui a dois dias. Já tive piores; uma semana com os pés pregados no
chão.
Marvin, sinto em seus olhos um brilho molhado de dó. Não se preocupe assim
comigo. A dor aqui no nosso mundo dói bem menos que no seu.
Ah! Distração a minha! Meu nome é Lenora e gostaria muito, se você me perdoar,
de ser sua amiga.”
COMO DA PRIMEIRA VEZ, Marvin leu o bilhete...
E novamente vieram as insuportáveis palavras automáticas:
-- Por fa-vor, fi-que com o uni-forme e a mo-chila.
COMO DA PRIMEIRA VEZ, Lenora agradeceu com um leve baixar de cabeça.
Não demorou quase nada e:
-- LENOOOOORAA!!!
COMO DA PRIMEIRA VEZ, a voz horripilante do pai da menina loira fez com que
ela fosse rapidamente desvestindo a mochila e o uniforme de Marvin. E como do nada,
novamente, um majestoso vestido de sede bordado com motivos dourados foi aparecendo
sobre o seu corpo.
COMO DA PRIMEIRA VEZ, a mão trêmula de Lenora acariciou a cabeça de
Marvin que, naquele mágico e fugaz instante, teve seus cabelos pretos mudando para verde.
COMO DA PRIMEIRA VEZ, Lenora se despediu com um olhar azul, porém antes
que sumisse junto à parede aparentemente sólida, DIFERENTE DA PRIMEIRA VEZ, algo
surpreendente aconteceu.
174
Antes de Lenora desaparecer junto à parede sólida, seu corpo ficou paralisado feito
estátua. Até aqui nada de tão surpreendente assim.
Mas aguarde, o SURPREENDENTEINESPERADOESTRANHOFENOMENAL já
já está por vir...
Marvin ficou imaginando o que poderia ter acontecido.
“Etecétera?! Élvis?! Não! Eles jamais fariam tal coisa. Se fosse para ajudar,
apareceriam logo e...”
Marvin ficaria ainda pensando em outras possibilidades para aquele fato, caso seu
corpo não começasse a sentir fortes dores...
Primeiro foram dores estomacais que o fizeram se contorcer no chão, segurando a
barriga... Depois começou a dor no peito e depois na cabeça e depois no corpo todo ao
mesmo tempo... Marvin passou a sentir as dores do mundo. Só não se sabe bem ao certo de
que mundo.
-- LENOOOOORAA!!!
FELIZMENTE ELE NÃO ERA MAIS APENAS UM MENINO. ESTAVA
AGORA CARREGADO DE ENERGIA MÁGICA. CARREGADO DAS
EXPERIÊNCIAS QUE JAMAIS OUTRO MENINO PROVOU OU PROVARIA.
Em três minutos as dores cessaram. Mas aqueles três minutos pareceram uma
eternidade. Marvin ficou todo suado.
-- LENOOOOORAA!!!
A primeira coisa que fez em seguida foi olhar para Lenora-estátua. E lá continuava
ela: completamente linda.
Nisso tudo, uma questão ficou no ar, no chão e nas paredes do castelo.
175
-- LENOOOOORAA!!!
Sua boca foi aumentando, aumentando, aumentando, aumentando, aumentando,
aumentando, aumentando, aumentando, aumentando, aumentando, aumentando,
aumentando, aumentando, aumentando, aumentando ...
-- LENOOOOORAA!!!
Como uma cobra Marvin ficou deglutindo “aquela refeição” que duraria exatos
NOVE dias.
NESSE MEIO-TEMPO E TEMPO-INTEIRO MUITAS COISAS
ACONTECERAM:
Um porco azul voador, “fossador” oficial do castelo, surgiu de uma das janelas para
comer as roupas rasgadas de Marvin...
Bem quando o terrível pai de Lenora já estava para entrar no quarto da filha a fim de
castigá-la, um golfinho também voador apareceu (todo “fashion” com seus óculos de sol e
lua, surrupiados da Loja Bloominwitch). Era Etecétera que adquirira tal forma
recentemente, um pouco antes de se apaixonar por uma golfinha também voadora...
Um truque básico, mas poderoso, selou a porta do quarto de Lenora até o pai dela
“desistir” momentaneamente de tentar entrar lá.
176
“Acho melhor eu ficar por aqui vigiando! Nunca se sabe o que pode acontecer num
lugar destes! Talvez fosse melhor levar o Marvin para uma outra parada... Se o Elvis não
tivesse sumido sem deixar pistas mágicas... Afinal não quero usar a sua toca sem
permissão... Acho isso abominável... Mas num caso de emergência como este, acho que ele
não se importaria... Não! Melhor não... E afinal existem tantos outros lugares por esses
mundões...”
ATÉ NOS PENSAMENTOS, ETECÉTERA CONTINUAVA NÃO SENDO LÁ
MUITO SINCERO CONSIGO MESMO...
O barulho do relinchar de cavalos e ruflar de asas fez com que ele parasse sua
“reflexão” e voasse curioso até uma das janelas...
CAVALEIROS AZUIS EM SEUS AZUIS CAVALOS ALADOS JOGAVAM
PÓLO AO LUAR.
Etecétera ficou com vontade de jogar pólo também. Mas ele não tinha cavalo alado
e nem era cavaleiro azul.
Detalhes. Detalhes. Meros detalhes. Nada que não pudesse ser resolvido num passe
de mágica... Afinal graças a seus poderes extras conseguidos recentemente, Etecétera podia
agora até se transformar em humano, apesar dos Cavaleiros Azuis serem apenas imagens
sem essência, corpos sem alma.
DEVIDO A SEUS PRÉSTIMOS, NA ÚLTIMA REUNIÃO DOS MERLINS DA
TÁVOLA REDONDA MÍSTICA, ETECÉTERA FORA PRESENTEADO COM O DOM
DE FAZER UMA DÚZIA DE MÁGICAS PODEROSAS.
“Não! Não devo pensar só em mim. Não seria justo com Marvin. Ele ali todo
deformado, deglutindo Lenora, e eu me divertindo... Epa! Pensando melhor, que diferença
poderia fazer... Ele vai ter que ficar assim um bom tempo e eu aqui só pajeando... É, mas os
Merlins da Távola Redonda Mística foram bem específicos... Até agora estou com aquela
frase insuportável em meu ouvido sensível: Não tire os olhos de Marvin! Não tire os olhos
de Marvin! Ok, não vou tirar os olhos dele então... AHÁ ! Mas tive uma idéia!”
E assim a idéia se fez realidade...
Etecétera retornou voando até Marvin e então cuspiu sobre ele dois olhos de águia.
Cada um tinha, coincidentemente, o tamanho da bola de pólo.
DOIS OLHOS FLUTUANTES SEMPRE ATENTOS.
177
“Aí estão! Os olhos que tudo vêem! E eu vejo Marvin através deles e ainda me
divirto. ” – pensou Etecétera, já se dirigindo à janela e de lá para o jogo.
Todos os jogadores azuis tinham a face risonha do personagem Charada, mas não
riam em momento algum. Eram apenas marionetes, robôs, criaturas... sem a essência
original da vida e de seu livre arbítrio...
Etecétera resolveu entrar no jogo com a cara de golfinho mesmo e os óculos de sol e
lua. O corpo ele adaptou àquela circunstância, já que seria um pouco complicado um
golfinho andar a cavalo.
O HOMEM-GOLFINHO OU O GOLFINHO-HOMEM TEVE QUE RETIRAR
UM DOS PARTICIPANTES PARA TOMAR O SEU LUGAR.
Nada que um toque sugador não desse conta do recado.
TOQUE SUGADOR????
Isso mesmo. Esse era um dos mais importantes poderes extras conseguidos por
Etecétera.
UM TOQUE SUGADOR FAZ COM QUE QUALQUER CRIATURA E ATÉ
ALGUNS OBJETOS POSSAM SER SUGADOS E TRANSPORTADOS
MAGICAMENTE PARA O MUNDO DAS COISAS PERDIDAS.
E assim Etecétera ficou jogando pólo durante toda a longa digestão de Marvin.
Através de vários estratagemas, o pai de Lenora bem que tentou mais algumas vezes
entrar no quarto da menina... Porém Etecétera “estava” lá e ali ao mesmo tempo, justamente
para não deixar que tal fato acontecesse.
Até agora, uma coisa deve estar intrigando muita gente: Marvin voltou no tempo e
pelo andar dos acontecimentos dá-se a impressão de que Etecétera também fez o mesmo
trajeto.
COM CERTEZA. Depois da Loja Bloominwitch, Etecétera esteve na Reunião dos
Merlins da Távola Redonda Mística... De lá já “recauchutado” com mais poderes, foi fácil-
fácil entrar na Dimensão das Trevas Sólidas, escondido atrás da orelha direta de Marvin...
Assim completamente incógnito, Etecétera viajou travestido de pulga dourada
saskatchuana...
E PULGAS DOURADAS SASKATCHUANAS NÃO SE IMPORTAM COM OS
MORTAIS CHEIROS FÉTIDOS DAS TREVAS SÓLIDAS.
178
Ser pulga é um pouco monótono. Ficar pulando de um lugar para outro não
despertava em Etecétera nenhum interesse. Ficar só cuidando de Marvin sem, por enquanto,
poder se manisfestar... sem poder aparecer realmente... sem poder dizer uma palavra
sequer, deixava as coisas mais enfadonhas ainda. Mas afinal eram ordens.
E ORDENS DOS MERLINS NÃO DEVERIAM SER DESCONSIDERADAS EM
HIPÓTESE ALGUMA. OU...
Mesmo assim, uma fugidinha só daria a Etecétera o tempero-sabor necessário para
continuar seu trabalho com muito mais presteza e afinco. E foi isso o que ele fez, afinal
precisava namorar um pouco. Já havia brigado com a leoa Jesebéu e agora procurava uma
outra parceira.
A VIDA PRECISA DE TEMPEROS E O AMOR É O MAIS IMPORTANTE
DELES.
De pulga para borboleta e então gaivota...
Sempre com seus óculos de sol e lua, surrupiados da Loja Bloominwitch.
ÓCULOS BONS ESTAVAM ALI: ELES SE ADAPTAVAM MAGICAMENTE
AO TAMANHO DA CRIATURA QUE OS USAVA.
No mar, vinte golfinhos com asas nadavam festeiros...
Etecétera ficou com vontade... E em pleno vôo ele se transformou em um golfinho
azul, também com asas.
Seu mergulho foi aplaudido por todos os outros.
Um deles lhe chamou a atenção do coração: era ela, uma linda golfinha, ainda
adolescente...
E aí o que aparentava ser uma grande e nova paixão começou...
UMA PAIXÃO MOLHADA, AQUÁTICA, MARÍTIMA, SALGADA, AÉREA
CHEIA DE ONDAS, SOL, ESTRELAS, LUA E MARESIA...
Do mar para cima...
Todos os golfinhos com asas resolveram nadar no ar.
Etecétera foi junto...
Quando se “apaixonava”, Etecétera geralmente esquecia as outras coisas
importantes que tinha por fazer... Não desta vez... Bem que ele queria... Seu coração dizia
isso. Mas sua razão estava ali também com ele, mais firme do que nunca.
179
E assim, após muitas brincadeiras coletivas e carinhos a dois, ele retornou as suas
obrigações.
MUITO DO QUE ACONTECEU DEPOIS DISSO JÁ FOI CONTADO. ENTÃO
VAMOS EM FRENTE...
Assim que Marvin despertou nu de seu longo sono digestivo, ele estava maior, mais
alimentado, mais forte... Havia crescido de tamanho... Não lembrava mais um menino de
apenas treze anos. Agora parecia ter vinte... E um corpo com músculos aparentes.
APENAS SUA VOZ CONTINUAVA A MESMA.
“O que aconteceu comigo? Acho que tive um pesadelo!? Não, acho que foi
alucinação mesmo!? Não! Não foi alucinação! Quem eu estou querendo enganar, afinal?
Foi real sim! Foi muito real! Terrivelmente real! Eu engoli Lenora! Eu...”
Antes que Marvin continuasse se condenando, Etecétera veio voando até ele, já
sabendo que não ia ser nada fácil acalmá-lo.
-- Marvin, há quanto tempo! Sou eu, seu amigo Etecétera!
-- Etecétera??? O que você está fazendo assim vestido de golfinho?
-- Uma longa história, Marvin! Uma longa história!
-- Etecétera, não sei como te dizer, mas uma coisa terrível aconteceu. Eu engoli
Lenora.
-- Eu sei disso!
-- Como?
-- Eu estou aqui com você o tempo todo. Passei um gel para você não sentir a minha
presença... Não podia aparecer no momento errado. E o momento certo é este agora...
-- Etecétera! Eu vou repetir uma coisa terrível: eu engoli Lenora! Eu engoli Lenora!
Você está me ouvindo??
-- Marvin! Não se preocupe! Você ganhou o dom de engolir criaturas! E isso é uma
coisa super super surpreendente!!!
-- Etecétera, estou ficando enjoa...
Antes de terminar a palavra, Marvin vomitou três jatos de uma baba azul...
Etecétera “providenciou” uma toalha para ele se limpar... E também algumas
roupas...
-- Etecétera, o que vai acontecer comigo? Por favor, me ajude!!!
180
-- Calma, Marvin! Eu estou aqui justamente para isso! Para te ajudar. Para que você
não enlouqueça com seus poderes.
-- Poderes???
-- Sim! Poderes!!! O primeiro deles já se manifestou. Você engoliu Lenora.
-- Na verdade, eu matei Lenora!
-- Muito pelo contrário. O dom mágico de engolir criaturas não é algo ruim como
parece. Lenora está agora dentro de você. Não se preocupe, ela vai sair no momento certo!
-- Sair??? Momento certo???? Que momento certo é esse???
-- Não sei exatamente, só sei que o momento certo existe e vai chegar quando você
menos espera.
AQUELA VEZ EM QUE ESTEVE NA TÁVOLA REDONDA MÍSTICA,
MARVIN RECEBEU DOS 13 MIL MERLINS INFORMAÇÕES IMPORTANTES QUE
FICARAM GUARDADAS EM SEU SUBCONSCIENTE... TAIS INFORMAÇÕES
GERMINARAM E CRESCERAM EM SOLO FÉRTIL... DENTRO DA MENTE DO
MENINO DOS CABELOS VERDES, ELAS SE TORNARAM PODERES
INCALCULÁVEIS, ADORMECIDOS POR UM TEMPO E QUE AGORA COMEÇAM
A SE REVELAR AOS POUCOS...
-- Etecétera, não estou me sentindo bem! Acho que vou vo...
Marvin vomitou mais três jatos de baba azul.
-- Tome outra toalha!
Desta vez Marvin viu Etecétera tirando o pano felpudo de sua boca de golfinho (este
era outro dos poderes adquiridos por ele: desengolir coisas de primeira e segunda
necessidades).
-- Não se preocupe, esta toalha está tão seca e limpinha quanto a outra.
-- Etecétera, eu engoli Lenora!
-- Eu sei. Você já disse isso um monte de vezes.
-- Eu engoli Lenora! Eu engoli Lenora! Ela está toda dentro de mim... Ela me fez
crescer de tamanho... Ela está no meu corpo e mais ainda em minha alma... Sinto Lenora
em minha pele... Sinto Lenora correndo em minhas veias... Sinto Lenora em meus
pulmões... Sinto Lenora em meu coração...
“As coisas estão ficando mais difíceis do que eu imaginava.” – pensou Etecétera.
181
“Ah! Se o doutor Elvis não tivesse sumido... Uma simples pílula anti-trauma já teria
resolvido esta situação desesperadora... Ironia do destino: eu já posso desengolir tantas
coisas, mas não posso desengolir pílulas e remédios mágicos ” -- lamentou Etecétera.
A VOLTA PARA O FUTURO ESTAVA FICANDO CADA VEZ MAIS
COMPLICADA.
Marvin caminhou então até uma das janelas como quem não queria nada com
nada... E antes que Etecétera pudesse perceber sua intenção, ele pulou lá de cima em
direção a um abismo mortal.
SUICÍDOS TAMBÉM ACONTECEM NOS MUNDOS MÁGICOS.
Etecétera voou correndo atrás...
No caminho vertical se transformou em um dragão anão azul e assim pôde ganhar
mais velocidade.
O ABISMO MORTAL PARECIA NÃO TER FIM.
Etecétera conseguiu agarrar Marvin através de suas garras de dragão.
-- Agora, você não me escapa mais!
Marvin ficou calado enquanto era trazido de volta ao Castelo.
A bola do futuro esperava por eles...
Etecétera tocou nela e os dois foram chupados...
...EM DIREÇÃO AO NEVOEIRO ESPESSO...
CAPÍTULO 13
O FIM DE ALGUNS MISTÉRIOS
E O COMEÇO DE OUTROS
“Aquele que combate monstros deve se cuidar
para que não acabe se tornando um.”
(Friedrich Nietzche, filósofo e bruxo,
atualmente morando em Avalon )
-- Acho melhor nós irmos andando... Não gostaria de trombar no ar com alguma
criatura voadora – observou Etecétera, segurando Marvin para que ele não pudesse fugir.
O nevoeiro continuou espesso durante mais de dez quilômetros de caminhada...
Nesse tempo todo, os dois mantiveram-se em silêncio.
Marvin ainda vomitou mais três vezes, três jatos de baba azul.
Quando o nevoeiro começou a se dissipar, um estreito caminho de pedras foi
ganhando sua comprida e ondulada forma, colina acima...
Mesmo ainda bem à distância... já dava para ver um suntuoso castelo se impondo na
paisagem permeada por árvores amarelas e um rio cheio de pedras brilhantes...
Etecétera pensou em voar... Ao perceber sua intenção, depois de tanto tempo de
silêncio, Marvin abriu a boca:
-- Eu prefiro ir andando mesmo!
Etecétera não queria contrariar o rapaz que estava ainda perturbado pelos últimos
acontecimentos. E então andando em silêncio eles continuaram...
ANDAR FAZ BEM, DISPERSA O PENSAMENTO DOLORIDO. ANDAR
DEIXA AS COISAS MAIS LEVES. ANDAR É UM MÁGICO REMÉDIO. ANDE DEZ
QUILÔMETROS POR DIA. ANDE CEM QUILÔMETROS QUANDO PERDER
ALGUÉM QUERIDO...
Já quase no castelo, mais especificamente duzentos metros antes, uma placa de ferro
fundido (dois metros por três) trazia em letras garrafais:
Hospício de Villaregum
184
substâncias que não só enchem o estômago, mas também revigoram a mente” -- primeira
teoria nutricionista de Simão Bacamarte
TRÊS BLOFTS AO DIA E TUDO É ALEGRIA.
De repente uma surpresa inesperada...
Epa! Surpresa inesperada?
Mas toda surpresa já é inesperada, do contrário não seria surpresa. Ou será que
alguém já viu alguma surpresa esperada?
Certamente não.
Em todo caso, vamos manter a surpresa inesperada, já que ela aqui parece querer
dizer muito mais do que apenas reforçar a ignorância de quem a usa.
Voltemos então ao DE REPENTE:
DE REPENTE UMA SURPRESA INESPERADA ARREBENTOU O TETO.
Fez um buracão e todos os loucos saíram correndo para seus aposentos...
A surpresa inesperada tinha a forma de uma imensa mão, igual ou até maior que a
do gorila King Kong... Era verde, mas sem nenhum parentesco com o incrível Hulk.
Além do tamanho monstruoso, o que também chamou atenção foi o fato de cada um
dos cinco dedões possuírem um olhão na ponta.
Etecétera até pensou em agir antes que tivesse que reagir diante de um possível
ataque. Pensou e já “despensou”, achando melhor aguardar... Talvez aquela mãozona ainda
despertasse Marvin de sua triste condição!
POR ALGUNS SEGUNDOS, A MÃOZONA ERA TODA OLHOS PARA ELES.
Assim que esses alguns segundos se gastaram, ela deu o bote, agarrando os dois em
um aperto só.
Etecétera, se quisesse, podia facilmente se livrar daquela situação “espremida” . Era
só se transformar em uma pulga ou formiga ou carrapato ou coisa e tal... Mas ele não quis.
“Vamos ver só onde tudo vai dar!”
Já o Marvin, pobre Marvin. Mesmo todo apertado, continuava apático e indiferente.
E a mãozona verde já ia saindo pelo buraco do teto...
ENQUANTO ISSO EM UMA DAS CELAS DE Villaregum... LÁ
PERMANECIAM OS PAIS DE MARVIN: MARMELADA E DOCE-DE-LEITE. DOIS
189
Bem seguro pela mãozona verde, três metros acima do chão, Etecétera tentou então
se transformar em um inseto.
Etecétera fez força e força... E nada.
-- AH! Esqueci de lhe dizer. Essa mãozona verde anula os poderes de quase todas as
naturezas mágicas.
Etecétera continuou fazendo força... e nada.
--Nossa! Vejo que o Marvin cresceu bastante deste a última vez que tivemos o
desprivilégio de estarmos juntos...
--... E olha que isso não faz tanto tempo assim! Mas como você sabe, falar sobre o
tempo é uma coisa muito relativa. Ainda mais em certos mundos. Então vamos deixar tais
lucubrações de lado... Será que o Marvin andou tomando algum tipo de anabolizante
mágico? Pena que agora ele não me pareça nada disposto. Pobre coitado! Nem se mexe!
Qualquer um ficaria com pena dele. Pena que eu não tenho pena alguma de meus
inimigos... Só me tira um pouco o prazer da vitória ter um moribundo desses para derrotar.
Nunca lutei contra mortos-vivos. Disseram-me inclusive que dá um azar imenso e por prazo
indeterminado... Porém eu não tenho medo do azar. Eu sou o próprio azar! Eu sou o azar
dos mundos!!!
-- Lute contra mim então... seu, seu...
-- Seu, seu o quê?
Etecétera já não conseguia respirar. Muito menos falar.
A mãozona estava apertando-o intensamente. E Marvin, é claro, sendo apertado
junto.
191
Etecétera continuava “tentando lutar” contra algo que parecia ser maior que ele.
Mas só parecia, por enquanto.
UM GRANDE PODER, ÀS VEZES, SÓ É GRANDE POR ALGUNS
MOMENTOS. ALGO IMPOSSÍVEL, ÀS VEZES, SÓ É IMPOSSÍVEL ATÉ
ENCONTRAMOS A CHAVE DAS POSSIBILIDADES.
-- Humm! Que coisa mais sem graça! Daqui a pouco meus inimigos serão apenas
laranja espremida... E eu?! Não! Não posso continuar com isso! Acabar com eles assim!
Acabar com o Marvin sem ele saber que sou eu quem o está derrotando. Não! Isso não! Ele
precisa saber! Ele precisa acordar!
E então a mãozona parou de apertar-espremer.
-- UUUFFA!!! – manifestou-se Etecétera enquanto Marvin não se manifestou coisa
alguma.
-- Acorde!!! Acorde, infeliz!!! Vamos, acorde!!!
Só com tais palavras gritadas, com certeza Marvin não “acordaria”... E não
“acordou”... A Misteriosa Criatura da Caixa Preta precisava fazer muito mais...
E fez, lançando um bafo quente e fedorento em cima do rapaz.
O bafo não resolveu nada. Pegou Etecétera de resvalo e Marvin continuou na
mesma indiferença.
“Se esse meu novo bafo não está surtindo efeito, preciso pensar em algo ainda mais
poderoso.”
E assim a Misteriosa Criatura da Caixa Preta fez, lançando seu também novo super
vômito-fumegante em Marvin...
O SUPER-VÔMITO-FUMEGANTE NÃO ERA TÃO TERRÍVEL QUANTO O
NOME FAZIA SUPOR. CONSISTIA DE MINÚSCULAS LARVAS
INCANDESCENTES QUE, NO MÁXIMO, PENETRAVAM PELA PELE DAS
CRIATURAS COM POUCO OU NENHUM PODER MÁGICO, DEIXANDO-AS
“ELÉTRICAS” POR UM BOM TEMPO. NÃO ERA O CASO DE ETECÉTERA E NEM
DE MARVIN.
-- Cara! Esses verminhos só me dão cócegas! – comentou Etecétera, enquanto
tentava assoprar algumas larvas incandescentes que haviam caído em seus ombros.
192
Marvin continuou apático... Mas seu “corpo fechado” não deixou que elas
entrassem...
SEM OUTRA ALTERNATIVA, TODAS SE LANÇARAM AO CHÃO, EM UM
SUICÍDIO COLETIVO.
“Eu preciso é me livrar desse dragão, de uma vez por todas!” – pensou Caixa já
arquitetando um novo ataque.
Então foi a vez GLUBT GLUBT GLUBT dele soltar algumas “bolas de sabão” pela
boca, só na direção de Etecétera...
A terceira acertou o dragão azul que simplesmente sumiu...
-- Ahá!!! Eu sabia que daria certo! Eu sabia... Agora o Marvin é todo meu!!!
Caixa precisava ainda acordá-lo. Restavam estratégias. Talvez a melhor fosse a mais
simples de todas. E foi essa justamente a que ele resolveu utilizar.
Suavemente a mãozona colocou o rapaz dos cabelos verdes no chão... Caixa então
estalou os dedos de sua outra mão e a mãozona “desapareceu”, ou melhor, retornou ao
tamanho original, junto com o braço quilométrico.
“Pronto! Agora já posso me apresentar.”
Fazendo um pouco de força, aquela típica de quem está no banheiro, Caixa
arrebentou sua caixa preta...
Feito uma explosão, centenas de pedaços foram lançados ao longe...
E então sua verdadeira identidade se revelou...
PASMEM!
Caixa era o Mago Dito Cujo!
Mago Dito Cujo Fechacadabra. Sim! Aquele mesmo que já infernizara terrivelmente
a vida de Marvin, chamando-o de ladrão e exigindo seus fósforos mágicos de volta...
Aquele mesmo baixinho e franzino. Magro feito uma tábua de passar roupa. Com o bigode
de Adolf Hitler. Aquele mesmo. Só não trazia mais a ridícula gaiola dourada enfiada na
cabeça...
“Finalmente encontrei uma mágica que impede os meus olhos de fugirem de mim.
Eu sei que eles ainda me odeiam e vão me odiar por toda a eternidade. Azar deles... As
outras partes do meu corpo também me odeiam. Mas digamos que com um pouco menos de
intensidade. Vez por outra costumavam também se rebelar contra mim. Agora não mais.
193
Elas estão novamente cem por cento sob meu controle. E como é bom a gente ser dono da
gente mesmo. Uma grande vitória começa assim.”
SIM, O MAGO DITO CUJO. Aquele mesmo, cabelos pretos grudados com gel de
lesma. Aquele mesmo com enormes e puxados olhos vermelhos. Aquele mesmo que
aparecia agora todo vestido de penas multicoloridas (retiradas do pobre e despenado
Pássaro da Juventude).
AQUELE MESMO QUE SE DESFEZ EM AREIA E PEDAÇOS DE ÓLEO
QUEIMADO, DEPOIS QUE MARVIN RISCOU UM FÓSFORO MÁGICO TRÊMULO...
NEM SEMPRE AQUILO QUE PARECE MORTO ESTÁ REALMENTE MORTO.
PRINCIPALMENTE QUANDO ESTAMOS FALANDO DOS MUNDOS MÁGICOS.
Nisso tudo uma questão permanece no ar... Uma questão toda feita de dúvida,
acompanhada de seu minúsculo-invertido “cabo de guarda-chuva”: como é que esse Mago
Areia conseguiu retornar a sua aparente insignificância “humana”? Sozinho seria
impossível.
NUNCA FOI FÁCIL PARA UM MAGO RECOMEÇAR DO NADA...
PRINCIPALMENTE DA AREIA... SORTE QUE DITO CUJO TINHA UM “AMIGO
PODEROSO” E MUITOS TESOUROS ESCONDIDOS PARA COMPRAR OUTRAS
ESPÉCIES DE “AMIGOS”...
Mesmo diante do inimigo, Marvin continuava apático. Mal conseguia ficar em pé.
Não estava bêbado, mas parecia... Não estava “doente”, mas parecia... Não estava nem isso
nem aquilo, mas parecia...
Dito Cujo chegou junto do rapaz e o chacoalhou várias vezes.
“Vamos! Desperte para o mundo! Vamos, seu desgraçado! Acorde! Vamos lutar
outra vez! Vamos! Desta vez eu vou vencer! Eu vou vencer! Eu preciso vencer.
E Marvin não despertava.
“Eu vou acordar esse sujeito, nem que seja a última coisa que eu faça!.. Talvez se
eu... ”
Dito Cujo começou então a puxar os cabelos verdes de Marvin... COISA MAIS
RIDÍCULA... E mesmo assim o rapaz não “despertou”.
“Agora bem que eu precisava daquele duende... Tipo Assim poderia me ajudar e
muito. Ele tem várias mutretas e artimanhas mágicas... Só ele é capaz de... Não, acho
194
melhor não. Afinal eu saí sem pagar o que devia e não tenho mais cara para chamá-lo...
Espera aí! A não ser que eu mude de voz, já que de cara, ou melhor sem a caixa preta, ele
nunca saberá quem eu realmente sou... Será que assim será? Será mesmo? Não! Acho
melhor não! Ele é muito esperto e se descobrir a minha farsa... Tipo Assim seria capaz até
de me vender ingredientes mágicos estragados e vencidos ou coisa pior como venenos no
lugar de.. Melhor não! Tipo Assim é pra lá de matreiro, muito mais do que todos os outros
duendes juntos.”
ESTRATÉGIA ABANDONADA, UMA NOVA PRECISAVA TOMAR O
LUGAR DA ANTERIOR.
Enquanto Dito Cujo pensava em “algo promissor”, Marvin já estava sentado no
“chão da indiferença”.
“Eu podia tentar chamar o... Não! Não! Não! Se outros tão poderosos quanto ele
descobrirem, eu estou frito, frito, frito em óleo de baleia voadora!... E se eu levasse Marvin
de volta pro Hospício... Sim! Por que não pensei nisso antes! Pode ser que dê certo.”
Dito Cujo que havia adquirido muitos “PLIPTS” em suas últimas empreitadas
mágicas (graças ao duende Tipo Assim, atualmente Paradeiro) tinha ainda uns trinta
“PLIPTS” para usar...
PARA QUEM NÃO SABE, “PLIPTS” SÃO ESTALOS DE DEDOS. ESTALOS
MÁGICOS QUE REALIZAM FEITIÇOS BÁSICOS. NADA DE MUITO PERIGOSO OU
FATAL. “PLIPTS” NÃO PODEM MATAR NEM FAZER GRANDE MAL A OUTRAS
CRIATURAS. DIGAMOS QUE ELES SÓ FAÇAM UM MAL “BÁSICO”... PARA SE
GANHAR “PLIPTS” É PRECISO FICAR COM AS DUAS MÃOS MERGULHADAS
EM UMA POÇÃO ESPECIAL POR MAIS DE UM DIA E UMA NOITE... E AQUI VAI
MAIS UMA OBSERVAÇÃO: SÓ AQUELES QUE TÊM MÃOS PODEM CONSEGUIR
“PLIPTS”.
A magia nunca esteve no sangue do Mago Dito Cujo. A magia não nasceu com ele e
portanto logicamente não faz parte de sua ancestralidade... Mesmo assim, ele se auto
proclama um dos maiores magos de todos os mundos e de todos os tempos, conseguindo
enganar seus escravos e outras criaturas fracas e ignorantes... Dito Cujo já pensou até em
abrir uma rede de igrejas no Mundo Humano... “AH! Se não existissem os terríveis
invisíveis delatores espiões, eu até que tentaria!”
195
“Mago Alpinista”, isto sim é o que ele é. Consegue quase tudo através do famoso
TOMA-LÁ-DÁ-CÁ. Trocas, favores, fraudes, roubos, maracutaias, corrupção, assassinatos
encomendados, contrabando de produtos mágicos proibidos... Poucos mundos estão livres
dele e de seus seguidores. E nisso Dito Cujo é muito bom. Talvez o melhor que já surgiu...
Mas voltemos aos “PLIPTS”, já que eles são os responsáveis pela continuação desta
narrativa.
Dito Cujo estalou, ou melhor “pliptou”, quatro vezes os dedos de uma das mãos.
Quatro “PLIPTS” foram gastos assim... Tudo para que aquela mãozona olhuda voltasse a
fazer parte do próprio mago.
Agora ele podia levar Marvin de volta ao Hospício Villaregum sem sair do lugar.
E assim ele fez.
Primeiro agarrou o rapaz com a mãozona. Daí o seu braço foi se encompridando
encompridando encompridando...
Já em Villaregum, a mãozona que podia entrar por uma das janelas do hospício
preferiu bater na porta... Nem era necessário, mas assim ela procedeu... E a porta se abriu
ruidosamente como se abriria mesmo sem ser avisada...
Então a mãozona passou pelo corredor branco das frases brancas e das pombas
brancas com seus cocôs brancos... Depois veio o imenso salão branco dos loucos brancos e
aí um outro corredor branco ainda inédito...
Como da vez anterior, Marvin foi ficando todo branco também... Só a mãozona
verde continuou verde.
No final do corredor branco inédito, várias celas brancas mantinham criaturas
coloridas, uma delas era aquela com os palhaços pais de Marvin.
Só com um dos dedos verdes, a mãozona puxou-arrebentou as grades para depois
colocar Marvin dentro da cela.
E ASSIM FINALMENTE a visão de Marmelada e Doce-de-leite despertou outra
vez o rapaz para os mundos e para um grande abraço a três.
-- Mas você cresceu, meu menino! Como o tempo passa! Está um belo de um
rapagão! Daqui a pouco você vai ficar tão alto quanto o seu pai e tão forte quanto eu aqui. –
disse Marmelada ainda dentro do abraço.
196
-- Até agora não sabemos como viemos parar neste lugar. A última coisa que a
gente se lembra é que estávamos dentro do Algodão Doce que havia parado por falta de
gasolina. – observou Doce-de-leite também ainda dentro do abraço.
-- Agora já chega de melodrama saskatchuano! – gritou Dito Cujo, observando tudo
na distância que não permitia ser ouvido.
QUALQUER SEMELHANÇA AQUI COM MELODRAMA MEXICANO NÃO É
MERA COINCIDÊNCIA.
E assim a mãozona agarrou Marvin, separando-o cruelmente dos pais:
-- Mãe!! Pai!!! Eu ainda vou tirar vocês daí! Eu ainda vou tirar vocês daí!
Não adiantava lutar contra a mãozona, ela era muito mais forte que um, dois, três,
quatro... dez... quinze... vinte Marvins juntos.
Sem saber disso, Marvin tentou...
Tentou e tentou se livrar dela durante todo o caminho de volta... Infelizmente para
ele e felizmente para Dito Cujo, os dedões verdes cheios de olhões eram “sólidos” mesmo,
até pareciam músculos de concreto...
Marvin deu um soco em um dos olhões, mas a única coisa que aconteceu foi o dito
sangrar algumas gotas de líquido verde... “Nessas alturas”, Marvin já havia deixado de ser
branco...
A alguns metros do baixinho cara de Hitler, a mãozona verde colocou o rapaz dos
cabelos verdes no chão... Então Dito Cujo estalou, ou melhor “pliptou”, quatro vezes os
dedos de sua mão “normal”. Outros quatro “PLIPTS” foram gastos assim... Tudo para que
aquela mãozona olhuda fosse diminuindo, diminuindo, diminuindo até voltar ao seu
tamanho mínimo, já sem os olhos e a cor de Hulk... Ao mesmo tempo o fino braço
quilométrico foi encurtando, encurtando, encurtando...
Marvin ficou todo acreditando-desacreditando-acreditando-desacreditando no
PESADELO que via diante de si.
--AH! Então aqui está novamente um dos meus inimigos favoritos!!! Há quanto
tempo a gente não tem uma conversa desamigável! Eu já estava com saudades!
-- Dito Cujo??!! Você??!! Mas... Mas você não tinha virado areia???!!!
-- Pois é! Veja como são as coisas! Virei areia e depois desvirei!
-- Não! Isso não é possível!
197
-- Voltemos à Lenora. O que você quis dizer com “ela não está mais nas Trevas
Sólidas”?
-- Isso mesmo! Ela não está mais nas Trevas Sólidas!
-- E como você, suponho que não sozinho, conseguiu tirá-la de lá?
-- Nem te conto! Afinal todos nós precisamos manter certos segredos! Não é
mesmo?
OS SEGREDOS EXISTEM EM TODOS OS MUNDOS... SEGREDOS
ALIMENTAM A MAGIA...
-- Segredos!!! Você está me deixando nervoso!
-- Desde a última vez que nos encontramos, muita coisa mudou...
-- As coisas sempre mudam, porém a essência delas permanece a mesma...
-- Lenora está comigo!
-- O quê? Como “está comigo”???
-- Se você é mesmo aquele que se auto-proclama o mago todo poderoso, descubra
por si próprio.
-- Marvin, você está ficando cada vez mais pedante e insuportável. Tenho até
saudades daquele menino que você era.
-- Acho que há muito tempo eu deixei de ser um menino... E mesmo que eu
estivesse agora naquele corpo de treze anos, minha mente não é mais a mesma... A magia
me transformou e sinto que agora ela faz parte de mim, sinto isso mais intensamente do que
nunca...
-- Chega de lero-lero e tro-lo-ló, como se diz no seu mundo... Vamos à luta! Eu vou
acabar com você e todos os seus segredos irão se revelar diante de mim, o Mago Dito Cujo.
Sim, aquele que se auto proclama, o todo poderoso mago Dito Cujo Fechacadabra.
Nisso Dito Cujo estalou cinco vezes os dedos das duas mãos. E assim ele acabou
gastando dez “PLIPTS”.
Dez “PLIPTS” aumentaram o mago muitas vezes...
E DITO CUJO VIROU UM SUPER HITLER “KING-KONG”.
King-Kong só no tamanho e força.
Marvin olhou para cima. Bem nos olhos vermelhos do mago.
199
“Não, não pode ser, mas pelo jeito a maioria dos “plipts” já veio com o prazo de
validade vencido... Sim, só pode ser isso!” – pensou, ou melhor, tentou se enganar o Mago
Dito Cujo, já que para ele seria muito difícil admitir que seus “novos poderes” eram
limitados diante de forças muito mais poderosas.
“Eu ainda acabo com aquele Tipo Assim de uma figa! Nunca vi duende mais
cretino! Tenho certeza que me vendeu coisas estragadas... ou até mesmo falsas... AH!
Quando eu pegar aquele sujeito amarelo, ele vai ver só com quantos ossos se faz um
esqueleto!”
-- Pelo que está parecendo, os seus poderes já não são tão poderosos assim... Acho
que entrou areia neles, não?
-- Só espere um pouco e você verá!
201
Dito Cujo possuía ainda alguns trunfos escondidos... Os mais importantes eram as
quatro bolas de carniça “turbinadas” pelo próprio mago, tudo de acordo com uma receita
secreta disponível no Livro Secreto das Receitas Secretas.
BOLAS DE CARNIÇA “TURBINADAS”? MAS O QUE AFINAL É ISSO?
Diante da provocação de Marvin, o mago que estava guardando-as para o momento-
clímax da “batalha” resolveu usá-las na seqüência...
-- Agora, você vai ver só o que é bom pra mim e péssimo pra você!
Dito Cujo abriu bem os olhos de Super Hitler e lançou sobre Marvin a primeira bola
“turbinada” de carniça, que estava escondida já há algum tempo dentro dele.
“TCHUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...” Este foi mais ou
menos o barulho que fez a bola ao sair do olho direto do mago.
MAS O QUE AFINAL É UMA BOLA TURBINADA DE CARNIÇA?
PARA MUITAS CRIATURAS, PRINCIPALMENTE DRAGÕES, GRANDES
REMORSOS PRODUZEM BOLAS DE CARNIÇA QUE DEPOIS DE VOMITADAS
FOGEM DE SEUS DONOS.
A bola aparecia agora toda incandescente... da mesma cor dos olhos vermelhos do
mago... e já bem maior que uma bola de basquete...
MAS O QUE AFINAL É UMA BOLA TURBINADA DE CARNIÇA?
“TRUBLUM!!!”
Raios e faíscas.
Marvin conseguiu facilmente acertar a bola com a espada, mas a bola não era assim
fácil de ser vencida. Afinal estava toda turbinada.
MAS O QUE AFINAL É UMA BOLA TURBINADA DE CARNIÇA?
E então ela retornou ao Mago Dito Cujo, parando-flutuando bem diante de sua cara
de Hitler, como se estivesse a trocar idéias estratégicas com ele.
Dito Cujo abriu a bocarra e engoliu aquela bola confidente.
MAS O QUE AFINAL É UMA BOLA TURBINADA DE CARNIÇA?
-- Marvin, você se acha muito esperto! Quero ver só a tua esperteza agora!
“TCHUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...”
“TCHUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...”
“TCHUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...”
202
“TCHUUUMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMMM...”
Dito Cujo então lançou as quatro bolas turbinadas de carniça sobre Marvin. Todas
quase ao mesmo tempo. Duas saíram pelos seus olhos e duas pela boca...
-- Agora é que a porca voadora vai torcer o rabo azul!!! – E riu o mago. Mas não foi
um riso verdadeiro. Foi muito mais um riso teatral.
Dito Cujo não sabia, mas Excalibur já havia vencido os terríveis lobisomens azuis lá
da Caverna do Caracol do Tempo. Então para a espada, aquelas quatro bolas “eram
fichinha” ou como se diz também por aí e lá e acolá: “sopa no melado”.
Desta vez as bolas turbinadas de carniça não vieram direto pra cima do Marvin.
Apenas se aproximaram e ficaram rodando ao seu redor... Rodando, rodando tão
intensamente até formar um redemoinho...
De redemoinho para mini-tornado foi um pulo, ou melhor dizendo, um rodar...
-- Agora vai ser a sua vez de virar areia, meu barato colega!
modo de preparo:
Primeiro lave bem o coração e meio e o coloque dentro da bola de carniça. Faça o
mesmo com o cabelo da futura vítima de seu plano diabólico.
Em uma vasilha, bata por meia hora os doze ovos e acrescente as cinco pitadas de
pó de osso de Dracolich.
Passe então a bola de carniça nesse líquido (que já deverá ter ficado mais espesso-
grudento).
Por último ferva a banha de assassinos de baleias e deixe a bola de carniça
fritando por, no mínino, três dias.
Assim que a bola de carniça esfriar (aí ela já vai estar de um tamanho bem
diminuto), você deverá engoli-la de uma vez só...
Em seguida, beba a taça de vinho de abutre.
Pegue então as 10 ou 20 almas fresquinhas (do seu saco especial de almas) e
engula-as também.
Por último, beba a segunda taça de vinho de abutre e repita as seguintes palavras
mágicas: “ghtoru fhgirot vnfirudt erdfrtd pouigj nhituf furoedb voitur yoiurt dhsfetro
hlyoirtdf viurtyg hassew oasjeudh vodian oierasgs eidkhgtiu ausyeo foriha oaisyqp
svetsgd truhnv skweaeru rjdkit wsutrodjt roeigj eorise dieurufheury qwtrsdgetdurif
oijlpnvsiwey wter xcsurydi itur iojkl”
204
E assim Dito Cujo olhou bem para o mini-tornado, lançando sobre ele um raio
vermelho de seu olho direito...
PELO CAMINHO DE PEDRAS, PAREDÕES, PRESCIPÍCIOS, O MINI-
TORNADO SAIU SE DEBATENDO EM CARREIRA DESEMBESTADA...
Conforme o que fora “telepaticamente” combinado, somente à noite, ele retornou ao
seu amo, dono e senhor...
“Agora eu tenho a certeza das certezas!”
E assim Dito Cujo lançou um raio de seu olho esquerdo e o mini-tornado virou um
redemoinho e depois parou por completo...
As quatro incandescentes bolas de carniça caíram exaustas no chão e se apagaram
definitivamente... Próximo a elas, lá estava o que o mago mais esperara durante tanto
tempo...
MUITO PLANEJAMENTO E GASTOS FINALMENTE HAVIAM SE
TRANSFORMADO EM...
...Um monte de areia branca com pedaços de metal???
Sim. Era isso mesmo o que Dito Cujo ambicionara e agora conseguia.
Marvin e a espada Excalibur eram um monte de areia branca com pedaços de metal.
Restavam ainda duas coisas desagradáveis para serem feitas. Mas tinham que ser
feitas. Dito Cujo sabia disso. Só assim sua vitória seria completa...
PRIMEIRA COISA DESAGRADÁVEL: ele precisava voltar ao seu insignificante
tamanho normal e já não havia mais “PLIPT” algum para ser “pliptado”.
FELIZMENTE NÃO SÓ DE “PLIPTS” VIVE UM MAGO METIDO A TODO
PODEROSO.
Dito Cujo tinha ainda algumas “cartas mágicas” escondidas nas mangas, ou melhor
dizendo, escondidas embaixo das penas.
UMA DESSAS “CARTAS” ERA UM BESOURO DOURADO.
Dito Cujo pegou o besouro e o colocou diante de seus olhos, como se estivesse
tentando conversar telepaticamente com o bicho...
E estava.
Em seguida, o mago direcionou o inseto até a “porta” aberta de sua bocarra de Hitler
e o besouro dourado lançou sobre sua língua um grosso líquido também dourado.
206
“Agora, conforme o nosso combinado, você pode ir!” – pensou Dito Cujo e o
besouro entendeu muito bem. Já não era mais prisioneiro de um feitiço do mago... Podia
voar novamente até o Mundo dos Desviradores de Besouros.
Em poucos segundos, o líquido dourado começou a fazer efeito e Dito Cujo foi
diminuindo, diminuindo, diminuindo até atingir o seu tamanho original.
Nisso tudo, uma pergunta pode ter ficado no ar: por que Dito Cujo precisava
diminuir de tamanho para comer o seu aclamado inimigo-areia? Simples. Muito simples. Só
em seu tamanho original, ele iria receber toda a força mágica de Marvin. E de “lambuja”, a
força de Excalibur também.
SEGUNDA COISA DESAGRADÁVEL: com uma colher de sopa, retirada de um
de seus bolsos de penas, Dito Cujo passou a comer a areia branca e a engolir os pedaços de
metal.
COMA SEU INIMIGO PARA FICAR TÃO FORTE QUANTO ELE. COMA SEU
INIMIGO PARA GANHAR TODA SUA FORÇA.
O monte de areia não era pequeno e pela cara do mago não ia ser nada fácil deglutir
toda aquela “refeição indigesta”.
A primeira colherada até que foi fácil... A segunda já nem tanto... A terceira lhe deu
um “nojo-calafrios”...
QUEM JÁ SENTIU UM NOJO-CALAFRIOS SABE MUITO BEM DO QUE
ESTAMOS FALANDO... UM NOJO-CALAFRIOS ACONTECE SEMPRE QUE SOMOS
FORÇADOS A COMER ALGO INSUPORTÁVEL E POR REPETIDAS VEZES
SEGUIDAS.
No mínimo o mago Dito Cujo ainda tinha umas duzentas colheradas pela frente, ou
melhor dizendo, pela boca.
“Se ao menos eu conseguisse transformar isso tudo em algo mais deglutível!”
BEM, NÃO CUSTAVA TENTAR... OU CUSTAVA???
E assim Dito Cujo retirou mais uma “carta mágica” escondida embaixo das penas.
A “carta mágica” era um ovo de galinha. Pelo menos assim parecia.
Dito Cujo quebrou o ovo e jogou sobre o monte de areia a gema verde.
Gema verde???
Isso Mesmo! Gema Verde!
207
Ovo de Galinha verde? Deve existir alguma pôr aí... Talvez várias... Talvez até o
Mundo das Galinhas Verdes.
A gema verde transformou a areia em uma gosma.
E Dito Cujo passou a comer aquela coisa.
MELHOR COMER GOSMA VERDE DO QUE AREIA...
Depois da décima quinta colherada:
“Não agüento mais essa nojeira! Se ao menos fosse marshmallow!”
Dito Cujo retirou então outra “carta mágica” das penas.
A outra “carta mágica” era outro “ovo de galinha”.
Pelo jeito o mago devia ser dono de alguma granja ou galinheiro.
Dito Cujo quebrou o ovo sobre a gosma verde.
A gema azul transformou a gosma verde em gosma azul.
Dito Cujo passou a comer aquela nova coisa gosmenta.
Mais trinta colheradas e:
“Não agüento mais essa nojeira! Se ao menos fosse marshmallow!”
CADA VEZ FICAVA MAIS NÍTIDO QUE NÃO É NADA FÁCIL COMER O
INIMIGO.
Se pelo menos, dito Cujo conseguisse transformar a gosma em marshmallow...
O QUE É FÁCIL PARA ALGUNS PODE SER MUITO DIFÍCIL PARA
OUTROS. O QUE É DIFÍCIL PARA OUTROS PODE SER MUITO FÁCIL PARA
ALGUNS.
DITO CUJO NUNCA CONSEGUIU FAZER MARSHMALLOW.
E já não havia mais “cartas mágicas” embaixo das penas.
Não restava outra alternativa a não ser engolir toda aquela gosma azul.
Dito Cujo retornou às colheradas: mais uma... mais uma... mais uma... mais uma...
mais uma... mais uma... m a i s u ma... m a i s u ma... m a i s...
“Não! Não agüento mais! Acho que vou vo...!
E Dito Cujo vomitou tudo o que tinha engolido em cima do monte de gosma azul.
“Maldito Marvin! Como posso roubar toda sua força mágica assim! Eu deveria tê-lo
cortado em pedacinhos, temperado bem e assado na grelha... Daria menos trabalho... E seria
muito mais saboroso...”
208
Bem que os Magos da Távola Redonda Mística podiam ter feito alguma coisa... E
alguma coisa aqui só podia ser trazer de volta o rapaz dos cabelos verdes e a espada
Excalibur... Pensando melhor: se não fizeram, era porque não havia necessidade imediata
para tal...
OS MAGOS DA TÁVOLA REDONDA MÍSTICA SÓ INTERVÊM NOS
URGENTÍSSIMOS ASSUNTOS MÁGICOS PROBLEMÁTICOS.
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poderosa, preciso ser também uma mulher atraente... Numa dessas ainda consigo algum
bruxo disponível por esses mundões afora...
-- Ótima idéia, Madame-Madame. Ótima idéia. – incentivou falsamente o duende
Eletrovildo.
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RETORNANDO AO MARVIN E AO ELVIS:
-- Elvis, o que você vai fazer agora?
-- Preciso correr-voar atrás das minhas quatro bolas... E você precisa ir até Avalon
para a Reunião Extraordinária dos Magos da Távola Redonda Mística.
-- Reunião Extraordinária dos Magos da Távola Redonda Mística?
-- Não há tempo a perder! A reunião já começou... Todos estão esperando por você.
-- Então vamos!... Mas vamos como?
-- Eu tenho comigo aqui um pouco de bruma... É através dela que você vai chegar
em Avalon.
SE MARVIN NÃO PODE IR ATÉ AS BRUMAS, AS BRUMAS VÊM ATÉ
MARVIN.
Nisso o minúsculo dragão Elvis soltou pela boca uma fumaça que até parecia de
cigarro, mas não era... Em poucos segundos todo o ambiente ao redor foi ficando nebuloso
e frio... Marvin deixou de sentir os pés sobre o chão... Mas não passou a tremer os dentes
nem ficou com os braços arrepiados...
RAPAZES MÁGICOS NÃO SENTEM FRIO (PELO MENOS NÃO QUALQUER
TIPO DE FRIO).
-- Elvis?! – gritou Marvin, já não enxergando Elvis algum.
-- Boa viagem, Marvin! E até breve! “Espero!”
Marvin flutuava entre as brumas e cada vez mais alto e mais alto ia seguindo o seu
destino solitário... (agora sem Excalibur que ficou para solucionar alguns assuntos
pendentes em outros mundos mágicos)
-- Excalibur!! – Marvin ainda gritou pela espada, mas a espada não quis mais ouvi-
lo. Isso significava que, por enquanto, ele não iria precisar dela...
QUANTO TEMPO TEM A DURAÇÃO DE UM “POR-ENQUANTO”?
As brumas densas já indicavam que Marvin estava no caminho para Avalon.
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“Não posso acreditar que o Elvis fez isso comigo! E por quê? Por que afinal ele
mentiu?” – inquietou-se Marvin.
ANDAR FAZ BEM À SAÚDE. ANDAR FAZ BEM TAMBÉM À CABEÇA
PREOCUPADA.
E assim Marvin resolveu continuar andando, andando, andando...
“Acompanhando” as árvores “circundantes”.
Marvin andou quilômetros e mais quilômetros...
Quando já estava realmente cansado... ele (mesmo assim) continuou caminhando até
o meio do círculo e lá sentou...
Alguma coisa ansiava por acontecer. O coração de Marvin batendo mais forte do
que sempre dizia isso...
Até as imensas árvores distantes, em movimentos estranhos, também aguardavam O
GRANDE ACONTECIMENTO.
E O GRANDE ACONTECIMENTO FOI CHEGANDO AOS POUCOS:
Primeiro o tapete de grama verde desapareceu sob os pés e diante-além dos olhos de
Marvin...
Em seguida, foi a vez do chão ganhar magicamente uma grossa camada de gelo de
trinta centímetros.
A bunda de Marvin gelou e por isso ele já ficou em pé...
Inscrições do mais puro ouro mágico foram então se escrevendo no imenso círculo
quilométrico: frases de filósofos, fórmulas e poções secretas e também não-tão-secretas-
assim.
Umas após outras, milhares e milhares de criaturas de várias espécies surgiram,
circundando a beirada da quilômetrica Távola Redonda Mística de gelo.
Milhares e milhares de MERLINS sentados-flutuando sobre almofadas com alta
concentração de nuvens.
Marvin sabia que estava agora diante de todo o poder mágico do universo... E só
todo esse poder mágico poderia ajudá-lo.
“Lenora! Lenora! Sinto que você vai estar comigo brevemente!” – pensou Marvin.
Marvin ficou ali no centro da Távola Redonda Mística, esperando pelo GRANDE
ACONTECIMENTO...
E O “GRANDE ACONTECIMENTO” começou caminhando miudamente até ele.
O “GRANDE ACONTECIMENTO” era um duende azul de roupas velhas e longas
orelhas que iam até o chão frio... De altura ele não tinha mais que cinqüenta centímetros.
O “GRANDE ACONTECIMENTO” trouxe o Cálice do Santo Graal.
-- Beba, meu filho! Beba tudo! Isto aqui vai lhe fazer bem!
Marvin deu o primeiro gole.
Era sangue, mas ele continuou bebendo... E bebeu tudo.
-- Muito bem, meu filho! Agora o que você mais esperava vai realmente acontecer!
– e então o duende azul foi miudamente caminhando de volta ao seu lugar, levando consigo
o Cálice do Santo Graal.
Não demorou quase nada e Marvin começou a chorar...
Não eram lágrimas e sim sangue.
Marvin chorou sangue...
Sangue e mais sangue.
NÃO ERA BEM ISSO QUE ELE ESTAVA ESPERANDO... MAS
AGUARDEMOS...
O sangue começou timidamente feito lágrimas e depois já jorrava de seus olhos..
Até o seu nariz e ouvidos passaram a chorar...
Até suas mãos choraram...
E Marvin foi diminuindo de tamanho...
UMA LAGOA DE SANGUE SE FORMOU AO SEU REDOR.
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Marvin ficou todo sujo de vermelho. Novamente com cara e corpo de menino com
trezes anos.
O GRANDE ACONTECIMENTO ESTAVA ACONTECENDO...
Assim que parou de “chorar”, algumas vozes de Merlins pediram para Marvin se
afastar da poça.
Marvin se afastou.
E a poça de sangue ganhou movimentos...
Gotas de sangue flutuaram....
Umas se uniram às outras...
E todas se uniram em uma coisa só: uma grande bola de sangue grosso...
Uma grande bola de sangue grosso se contorcendo no ar.
Uma grande bola de sangue grosso querendo deixar de ser bola para ser outra coisa.
Uma massa de sangue grosso sendo moldada por mãos invisíveis.
Uma massa de sangue grosso ganhando forma.
Uma massa de sangue grosso ganhando forma de um corpo
Um corpo humano de sangue.
Um corpo humano “desflutuando” no chão de gelo.
O GRANDE ACONTECIMENTO ESTAVA ACONTECENDO...
Marvin se aproximou...
O corpo tinha cabelos longos. Cabelos loiros sujos de sangue.
“Lenora!!!”
Marvin pegou no colo uma Lenora morta, raquítica e muda.
-- Não se preocupe, ela ainda vai viver!!! – disse um Merlin.
-- Não se preocupe, ela ainda vai crescer!!! – disse um segundo.
-- Não se preocupe, ela ainda vai falar!!! – disse um terceiro.
O GRANDE ACONTECIMENTO ESTAVA ACONTECENDO...
Marvin chorou então sobre a menina suas lágrimas de sal.
Dez lágrimas ao todo.
Dez lágrimas e a menina abriu os olhos.
Dez lágrimas e a menina mexeu os braços.
Dez lágrimas e a menina também chorou...
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-- Não precisa nem dizer... Eu sei que tenho que me concentrar mais nas coisas,
mas, com Lenora desse jeito, fica um pouco difícil.
-- Não se preocupe tanto, Marvin! Lenora vai ficar bem. E afinal das contas, esta
mágica ainda é sua e continua acontecendo... O seu subconsciente está fazendo este navio
voar... O seu subconsciente está fazendo muitas outras coisas também... Muitas outras
coisas que nós não sabemos ainda. Com certeza, ele está ajudando Lenora agora mesmo...
Só tenha calma! Nem tudo na magia pode ser feito de maneira apressada. O desespero
engole e destrói as possibilidades... Mas tentando responder a sua pergunta: de uma coisa
eu tenho certeza, este navio aparentemente decrépito não nos levará a um lugar ruim...
-- Etecétera, só gostaria que o meu subconsciente fosse mais consciente!
-- Não se preocupe! Isso ainda vai acontecer algum dia!
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O diálogo entre os dois continuou por mais algumas frases... Depois foi substituído
por um silêncio calmo e observador.
UM SILÊNCIO CANSADO, PORÉM CHEIO DE UMA PAZ QUE HÁ TEMPO
NEM MARVIN NEM ETECÉTERA EXPERIMENTAVAM.
Apenas um vento suave conduzia as velas rasgadas como se rasgadas elas não
estivessem... E sob o céu dourado de fim de tarde, o navio fantasma voador foi riscando o
seu novo destino...
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