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EDUCAÇÂO
Patrícia Corsino1
Não são as coisas que saltam das páginas em direção à criança que as
contempla- a própria criança penetra-as no momento da contemplação, como
nuvem que se sacia com o esplendor colorido desse mundo pictórico. Frente
ao seu livro ilustrado a criança coloca em prática a arte dos taoístas
consumados: vence a parede ilusória da superfície e, esgueirando-se entre
tapetes e bastidores coloridos, penetra num palco onde o conto de fada vive(...)
Neste mundo permeável, adornado de cores, onde a cada passo as coisas
mudam de lugar, a criança é recebida como companheira. Fantasiada com
todas as cores que capta lendo e vendo, a criança entra no meio de uma
mascarada e também participa dela (Benjamin, 1984, p.55).
Introdução
Entre ensaios e fragmentos, teorias, reflexões, imagens e alegorias, histórias e
rememorações, as palavras de Benjamin guardam a magia de a cada leitura nos cobrir
pela neve do lido2. Este filósofo alemão guardou nos seus escritos a força da
clarividência3, indo além do seu tempo. Para ele, o texto é um palco de idéias onde
forma e conteúdo são indissociáveis e é nos pequenos objetos, nas sobras do
banquete, no lixo da história, nos fragmentos, no micro, que ele busca o macro, o
múltiplo, as várias possibilidades de leitura de uma realidade que também é múltipla.
Leitura inspirada na mística da cabala judaica, com amplas possibilidades,
comprometida com a realidade, com a mudança e com o futuro - redentor do passado
pelas vozes dos vencidos- portanto, revolucionária.
Para Benjamin o conceito é um mediador entre as idéias abstratas e os
fenômenos empíricos: as idéias se relacionam com as coisas como as constelações
com as estrelas e cada idéia é um sol com outros sóis, comenta Konder (1989,p.90),
Nesta perspectiva, as idéias são autárquicas: são mônadas. A mônada é uma unidade
indivisível constituída de todos os elementos existentes, uma forma independente que
contém a imagem de todas as outras formas. Toda mônada, por sua vez, embora
tenha em si elementos do mundo e das idéias é diferente da outra, pois não existe
dois seres ou situações perfeitamente iguais.
Para Benjamin as idéias possuem um “recinto” próprio: a linguagem4.A
linguagem é a “casa” das idéias, é na e pela palavra que as idéias podem ser
1
Doutora em Educação pela PUC-Rio, professora da Faculdade de Educação da UFRJ.
2
BENJAMIN, W. Rua de Mão Única. In Obras Escolhidas vol. II. São Paulo: Brasiliense, 1993 b, p.37.
3
BENJAMIN,W. Doutrina das Semelhanças. In Obras Escolhidas vol. I. São Paulo: Brasiliense, 1993a,
p.112.
4
BENJAMIN, W. Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana. In Sobre Arte, Técnica
Linguagem e Política. Lisboa: Antropos, 1992, p.177
2
5
BENJAMIN, W apud. KONDER, L. Ideologia na Linguagem: a reflexão de Benjamim. In Revista
Palavra 2, Rio de Janeiro: Departamento de Letras, PUC- Rio, 1994,p.19.
3
A linguagem adâmica
6
BENJAMIN, W. Sobre a linguagem em geral e sobre a linguagem humana. In Sobre Arte, Técnica
Linguagem e Política. Lisboa: Antropos, 1992, p177-196.
7
Idem p.177-178
8
Idem p.194
5
diferentes daquele.
9
Segundo a nota do tradutor do texto, Blumeshof significa literalmente pátio das flores em alemão.
Seriam as avós também as flores daquela rua?
6
linguagem das coisas - sentinelas com a senha secreta capaz de abrir caminhos para
o extra-sensível?
10
Vygotsky também baseou seus estudos nas teorias de Marr.
11
Baseado nesta proposição, Benjamin confirma sua tese de que o domínio do uso de instrumentos
precederia ao da linguagem. É interessante ressaltar que para Vygotsky a invenção e o uso de signos
como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comprar coisas, relatar,
escolher etc) é análogo à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo
age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no
trabalho(VYGOTSKY, L Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes 1991, p.59).
12
Para Vygotsky este ponto é exatamente o momento em que o pensamento torna-se verbal e a linguagem
racional, transformando o biológico do homem em sócio histórico.
13
Vygotsky cit in Benjamin, 1992, p.223.
7
15
BENJAMIN,W. Obras escolhidas vol. I :magia e ténica , arte e política. São Paulo: Brasiliense,1993a
p.108-113.
16
BENJAMIN,W. A obra de Arte na era da reprodutividade técnica. In Obras escolhidas vol. I :magia e
ténica , arte e política. São Paulo: Brasiliense,1993 a, p. 165-196.
17
Cit in RODARI, Gianni. Gramática da Fantasia. São Paulo: Summus Editorial, 1982,p.64-65.
9
Pois nem as forças miméticas nem as coisas miméticas, seu objeto, permaneceram as
mesmas no curso do tempo; que com a passagem dos séculos a energia mimética,
abandonou certos espaços, talvez ocupando outros.(...)Pois o universo do homem
moderno parece conter aquelas correspondências mágicas em muito menor
quantidade que o dos povos antigos ou primitivos. A questão é se se trata de uma
extinção da faculdade mimética ou de sua transformação(Benjamin, 1993 a, p. 109)
conseguir se deixar tomar pela leitura. Este tempo que não é apenas cronológico e
linear, mas intenso, psicológico e fragmentado, portanto subjetivo18. Tempo próprio da
infância, que se transforma no curso da vida de cada um, tempo também reflexo do
nosso tempo sócio, histórico e cultural.
Partilhar como o menino Walter de uma leitura mágica vencendo a parede
ilusória da superfície para penetrar no palco da história e depois sair dela com o corpo
todo tomado, é o próprio objetivo do ato de ler. Mas é lido o que é tomado pelo
ouvinte/leitor/artista/criança desordeira como texto. Neste sentido, observa-se que se
por um lado, as crianças vão construindo seus signos a partir de sua experiência com
o mundo objetivo e do contato com as formas culturalmente determinadas de
organização da realidade, no mundo permeável das suas brincadeiras e histórias,
adornado de cores, onde a cada passo as coisas mudam de lugar, a criança é
recebida como companheira. Fantasiada com todas as cores que capta lendo e
vendo, a criança entra no meio de uma mascarada e também participa dela
No trato com as crianças algumas questões se impõem: como elas organizam
a realidade?O que suas produções revelam? Como re-elaboram e recriam os
elementos da cultura? Que cores captam de suas leituras? Que fantasias vestem e
para onde vão com elas?
A linguagem e a Modernidade
18
Hohan (2004,p.54) chama atenção para as diferentes palavras usadas pelos gregos para designar o
tempo: (i) chrónos que seria o número de movimentos segundo o antes e o depois- o que foi e não é mais
e o que ainda não foi e será ,(ii) o Kairós que significa medida, proporção e que em relação com o
tempo, momento crítico, temporada, oportunidade e (iii)Aión- que designa a intensidade do tempo na
vida humana, um destino, uma duração, uma temporalidade não numerável nem sucessiva, intensiva.
19
Os três ensaios foram publicados em BENJAMIN,W. Obras escolhidas vol. I :magia e ténica , arte e
política. São Paulo: Brasiliense,1993 a
11
20
BENJAMIN, W. Experiência e Pobreza. In Obras escolhidas vol. I :magia e ténica , arte e política. São
Paulo: Brasiliense,1993 a, p.117.
21
Idem, p.118.
22
Benjamin cita as aventuras do camundongo Mickey.
12
contava. O homem de hoje não cultiva o que não pode ser abreviado. Com efeito, o
homem conseguiu abreviar até a narrativa23.
A linguagem da modernidade, não é mais a narrativa que trazia a experiência
passada de pessoa para pessoa, mas sim a informação que traz a brevidade da
novidade, carregada de explicações - conforme o ensaísta, justamente a arte de narrar
está em evitar explicações, deixando o sujeito livre para interpretar a história como
quiser. Uma linguagem empobrecida, sem laços de coletividade, sem uma
comunidade de ouvintes. Portanto, uma linguagem que se tornou monológica, sem
troca, sem diálogo, sem marcas do e no outro.
A sede do novo da informação e o seu precoce envelhecimento fazem parte de
uma sociedade que desconsidera a tradição e a história, cujos processos produtivos,
aliena o homem do seu trabalho, roubando-lhe a autonomia do antigo trabalho
artesanal. Benjamin diz que a narrativa era acompanhada pelas mãos que teciam e
ela de certa forma também é uma comunicação artesanal. Não está interessada em
transmitir o “puro em si” da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela
mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se
imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso.24
Neste mergulho, retira-se dele a conservação do que foi narrado (memória) e
ensinamentos úteis para vida pela possibilidade de continuar a história (conselhos).
Portanto, na relação narrador e ouvinte criam-se laços afetivos, promove-se encontros
e diálogos, emergindo a dimensão expressiva da linguagem.
Todas estas transformações mudam a sensibilidade e a forma das pessoas
assimilarem o vivido, de se verem e de verem o outro. O que tem provocado no sujeito
a sucessão de choques típica vivência? A sociedade capitalista da modernidade
trouxe uma nova materialidade que tem interferido nas formas de apreensão da
realidade. E se existem coisas que podemos sentir, ver e fala, existem também coisas
que só a arte pode mostrar e revelar. Pois ela anuncia o devir e transforma o finito no
infinito. É a linguagem expressiva levada às últimas conseqüências. Sua concretude é
o próprio refletir e refratar da realidade.
Benjamin aponta as mudanças que ocorreram com a obra de arte na era da
sua reprodutividade técnica, mostrando as profundas transformações na sua forma de
recepção, agora pelas massas, e nas estruturas perceptivas do sujeito. Segundo o
ensaísta, quando a arte passa a ter novas técnicas para a sua reprodução como a
fotografia e o cinema, ela perde a sua aura, a ocorrência única, o seu aqui e agora e
também o seu testemunho histórico, mas se democratiza ao ganhar as massas:
23
BENJAMIN, W. O Narrador . In Obras escolhidas vol. I :magia e técnica , arte e política. São Paulo:
Brasiliense,1993 a, p.206.
24
Idem, p.205
13
A relação do sujeito com a obra de arte que era individual e direta, hoje é
coletiva. Com isso, a arte ganha uma função política e social que antes não tinha. O
seu antigo valor de culto, que exigia a contemplação e o recolhimento, migra para o
valor de exposição, para o olhar, levando à dispersão, à distração e também à
fragmentação. Libertada do seu âmbito ritual, aumentam as oportunidades de
exposição dos seus produtos.25
A reprodução desloca a obra do seu tempo e do seu espaço. O olho que
espreita por uma objetiva é capaz de conseguir focar um ângulo da obra e da própria
vida que não se conseguiria ver a olho nu, aproximando o que estava distante e
possibilitando novos olhares. Segundo Benjamin26, esta aproximação tornou-se hoje
imperiosa:
A aproximação das coisas pela imagem que o cinema possibilita, cria novas
relações do sujeito com a realidade, alterando o modo com que a sua percepção
sensorial se organiza. O cinema foi feito para distração das massas e os sucessivos
choques causados por sua seqüência de imagens têm um componente perceptivo tátil
que prevalece dentro do universo da ótica. As imagens cinematográficas, por sua vez,
ganham alto valor de exposição e acabam recriando o valor de culto que é re-
apropriado pelas massas sob a forma de consumo- o fetichismo da mercadoria. Esta
mudança de paradigma estético e sensorial traz novos elementos para a construção
da subjetividade.
Benjamin presenciou a utilização do cinema pelo nazismo que impôs a sua
ética e a sua estética através das imagens. Viu a estetização da política e a politização
da arte. Porém, são justamente estas imagens que possibilitam hoje olharmos para o
passado e, captando os sinais dos derrotados, pensarmos o presente para transformar
o futuro.
Quando Benjamin nos anos trinta nos revela esta cultura do vidro, reflexo da
vivência, pondo a nu a pobreza da linguagem e da experiência comunicável, a perda
da aura da obra de arte, a nova estética (e ética) da recepção das massas e o império
da imagem, antecipava um processo que tomou grandes proporções no mundo
contemporâneo. Jameson(1997) analisa no seu livro Pós-modernismo:a lógica cultural
do capitalismo tardio as características atuais: o achatamento; a superficialidade (ou
superfícies múltiplas); o esmaecimento do afeto e a frivolidade na cultura pós-
moderna; a fragmentação e o isolamento do sujeito; a sincronia no lugar da diacronia;
o pastiche da linguagem, trazendo o novo que se repete no sempre igual, a eterna
cópia que não distingue o original da reprodução (diferente da paródia que resgata o
25
Idem, p.86.
26
BENJAMIN, W. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Antropos, Relógio D’Água
Editores, 1992, p.81-82.
14
Com a concepção e o nascimento, os pais não deram somente a vida a seus filhos,
eles, ao mesmo tempo, introduziram-nos em um mundo. Educando-os, eles assumem
a responsabilidade da vida e do desenvolvimento da criança, mas também a da
continuidade do mundo. Estas duas responsabilidades não coincidem de modo algum e
podem mesmo entrar em conflito. (Hannah Arendt apud Fourquin, 1993 p.13)
Hannah Arendt deixa claro que a educação não pode prescindir do passado e
que o mundo precisa da ação educativa como conservação e preservação de si
próprio. Se hoje se anuncia a morte da narrativa tradicional pautada na reminiscência
e a conseqüente perda da historicidade, cabe à educação costurar os fragmentos com
os fios da linguagem. Tal como Teseu vencendo o minotauro e podendo se libertar do
labirinto com o fio dado por Ariadne, cabe a nós, educadores, segurar firme o fio, uma
frágil linha que pode romper a qualquer hora, para encontrar o caminho de volta e não
sucumbir no labirinto.
Compreender o processo em curso e buscar o caminho nos desvios, nas
imperfeições e nos nós, significa também entender que o que temos em mãos é frágil
e pouco, mas que pode ser o suficiente para se escovar a história a contrapelo.
A educação é inevitável porque o bebê humano nasce prematuro. Ela é ainda
responsável pelo mínimo de conservação de que o mundo necessita. Sendo assim,
15
A linguagem que nos constitui renasce em cada criança. Seus gestos impõem
seus desejos, sua fala egocêntrica acompanha o brincar, para ser ouvida chora, berra,
puxa pela mão, removendo o adulto da indiferença. É por isso que criança dá trabalho,
ela exige que o adulto se volte para ela. E neste voltar-se os olhos se encontram e a
relação se estabelece.
O mundo nunca foi tão completamente humano, a cultura se tornou uma
27
segunda natureza . E não há nada de mais humano que a própria linguagem. É
justamente pela retomada da linguagem expressiva, no tecer das histórias contadas
para a criança que a narrativa benjaminiana revive e se renova.
E se não morreram, vivem até hoje”, diz o conto de fadas. Ele é ainda hoje o primeiro
conselheiro das crianças porque foi o primeiro da humanidade, e sobrevive,
secretamente, na narrativa. O conto de fadas nos revela as primeiras medidas
tomadas pela humanidade para libertar-se do pesadelo mítico. O conto de fadas
ensinou há muitos séculos à humanidade, e continua ensinando hoje às crianças, que
o mais aconselhável é enfrentar as forças do mundo mítico com astúcia e
arrogância...O feitiço libertador do conto de fadas não põe em cena a natureza como
uma entidade mítica, mas indica a sua cumplicidade com o homem liberado.
(Benjamin,1993 a, p.215)
27
Jameson, opt. cit. p.13.
16
Referências bibliográficas