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atuar sobre INTERFACES COMPLEXAS

A
s interfaces complexas vão se caracterizar como setores da
cidade ou região onde articulam-se de maneira “colisiva”
grandes infra-estruturas, equipamentos e instituições,
mesclando escalas de apropriação e um rol diversificado na
estruturação das cidades. Esta justaposição permite caracterizar áreas
que apresentam uma configuração diferenciada no tecido urbano,
adaptadas a um leque amplo de funções, e geradoras de imagem e
estrutura, consideravelmente resistente às abordagens normativas.

São espaços de interface que se mostram preferenciais à ação


projetual, capazes de alavancar mudanças importantes na estrutura
urbana/regional e de definir pautas com capacidade de resposta aos
conflitos eventualmente detectados, convocantes em relação aos atores
sociais. Atuar sobre interfaces complexas define, pois, um marco para
ação projetual que oportuniza reencaminhar a reflexão sobre as relações
sistêmicas entre arquitetura, cidade e território.

Conforme já examinado no capítulo II, tratam-se de espaços


urbanos que, seja por sua importância simbólica e social, seja por sua
localização territorial particular, pelas funções que exercem na
estruturação da cidade, ou ainda, pelos conflitos que geram para a
estabilidade do sistema urbano/regional, vão demandar estratégias
particularizadas de gestão e desenho.

De um modo geral, essas estratégias devem trabalhar em um


jogo amplo de escalas espaciais (macro, meso e micro escalas) e
temporais (longo, médio e curto prazos), encadeando uma variada gama
de respostas projetuais no sentido da sustentabilidade ambiental do
sistema.

Os conceitos-chaves para a compreensão da temática projetual


foram examinados preliminarmente nos capítulos anteriores. A reflexão
sobre as noções de centralidade, acessibilidade e periferia deve agora
ser retomada e aprofundada, como fundamentação teórica e
metodológica, na perspectiva da construção da investigação-ação.

Este capítulo procura ampliar a discussão a respeito desses


conceitos básicos para a abordagem urbanística, enfocando sua
problemática específica, e fazendo referências às pautas de gestão e
desenho ambiental para cada caso assinalado. Neste sentido, ao modo
de roteiros projetuais, as pautas previamente alinhavadas no capítulo I,
são aqui desenvolvidas em relação a três situações que a prática do
ateliê tem mostrado como típicas, em sua recorrência nas cidades
estudadas:

1. Atuar sobre as interfaces de centralidade urbana;


2. Atuar sobre as interfaces de acessibilidade urbana;
3. Atuar sobre os crescimentos e bordos do sistema urbano.
Atuar sobre Interfaces Complexas 2

ATUAR SOBRE AS
INTERFACES DE
CENTRALIDADE URBANA

Atuar sobre a centralidade urbana significa explorar alternativas de configuração


espacial para um conjunto complexo de interfaces que definem, a grosso modo, os
espaços que a cidade oferece para a interação entre indivíduos e grupos sociais. Ou
seja, é o momento, dentro do processo de projetação, onde se procurará dar
respostas às questões mais imediatamente vinculadas à vida - social, política,
econômica - da cidade, em termos das possibilidades que seus moradores tem de ter
acesso às diferentes “facilidades” urbanas.

As pessoas moram em cidades, entre outros motivos, por que é no “espaço” da


cidade onde “as coisas acontecem”. Na cidade, é mais fácil encontrar outras pessoas
com os mesmos interesses que nós; existem mais opções para fazer compras; pode-
se, com maiores possibilidades de escolha, assistir a um bom espetáculo no cinema
ou no teatro, etc. Este é, portanto, o pano de fundo sobre o qual um projeto de
(re)desenho das interfaces de centralidade vai atuar: é preciso dar respostas no
sentido de qualificar a vida urbana, objetivando tornar o mais próximo possível de
todos os cidadãos as vantagens de viver na cidade.

Evidentemente, cada cidade - sua história social, econômica e cultural - apresenta


características que diferenciam, através da percepção e apropriação do espaço
urbano pelo moradores, como a centralidade acontece, dentro do contexto específico
de abordagem. Entre outras razões, por isso buscou-se imiscuir-se na cultura
subjetiva e na percepção ambiental dos moradores: para poder entender, com
razoável grau de aproximação da realidade, as demandas efetivas e legítimas das
pessoas (que, afinal, são os verdadeiros agentes da centralidade).

Retome-se por um instante, no entanto, a cidade imaginária de Ecleta, onde,


1
conforme examinou-se no capítulo IV, identifica-se uma estruturação multifocal que
2
relaciona as interfaces de centralidade urbana na forma de uma semigrelha .

Ecleta: estrutura de centralidade,


destacando uma estruturação multifocal
na forma de uma semigrelha

Recapitulando a análise feita para Ecleta, verificou-se uma estruturação de centros


que denotava:

i) Uma certa hierarquia entre diferentes polarizações, destacando-se um


grande centro urbano principal (nível 1 - distrito central de negócios);
ii) A existência de centros de bairro (nível 2) e centros com tendência à
especialização (nível 3, junto à Universidade);
iii) A pertinência de se reforçar algumas centralidades latentes ou potenciais
(nível 4) através de ações de projeto e;
iv) A íntima relações entre a distribuição multifocal e a acessibilidade urbana.

1
Retomando os atributos da cidade sustentável, referidos por Pesci (1995)
2
Referindo, uma vez mais, a noção desenvolvida por Christopher Alexander em A cIty is Not a Tree (1988).

2
Atuar sobre Interfaces Complexas 3

Refletindo ao mesmo tempo sobre Ecleta e o caso de estudo em ateliê, pode-se


retomar, com um pouco mais de minúcia, a pauta básica previamente agendada para
3
o tema .

Articular e
Como ponto de partida, é preciso “aprender” da estrutura de centralidade existente ou
hierarquizar potencial da cidade que se está investigando, reconhecendo as tendências de
o sistema de concentração de determinadas atividades e suas relações em termos de maior ou
multifocalidade menor conveniência locacional, bem como sua interatividade com outros usos e seu
e suas conexões
potencial de atratividade urbana.

Reforçar um centro urbano principal (geralmente referido à história da cidade, e onde


quase sempre encontram-se mais ou menos concentradas as principais instituições
públicas e atividades comerciais mais competitivas) ajuda a definir o espaço de
4
máxima centralidade social, em nível urbano: o “lugar” que é reconhecido pela
maioria dos cidadãos como o “mais importante da cidade”; um “cartão postal” na
percepção dos moradores e visitantes; a “zona” da cidade onde existem maiores
possibilidades de encontros e trocas sociais.

Por outro lado, outras centralidades devem ser levadas em conta. A idéia de bairro,
5
como “parte” da cidade com razoável autonomia e imagem coletiva reconhecível ,
pressupõe a existência de um espaço central, equipado pelo menos para as
facilidades cotidianas e que funcione, perceptivamente, como “sala de visitas”: o lugar
onde se chega no bairro, onde se encontra as pessoas, e a partir do qual os visitantes
se orientam e os moradores controlam o que acontece em seu território.

Ainda vale destacar o papel das conexões entre as distintas centralidades, no sentido
de estabelecer efetivamente uma estrutura multifocal baseada em pólos de interesse
diferenciados em termos de hierarquia e função (portanto com diferentes centros
ofertando interfaces com capacidade distinta de atração), reforçando a idéia da
cidade como semigrelha, cujos nós estão interrelacionados.

(Re)definir As interfaces institucionais e equipamentos de uso coletivo são importantes


interfaces elementos a determinar a capacidade de atração exercida por certos lugares da
institucionais cidade. A oferta de serviços e atividades urbanas, avaliada quantitativa e
e equipamentos
qualitativamente, é o critério mais claro para se definir centralidade.
públicos

Cabe ao projetista ser capaz de responder quanto a adequação funcional, a relação


entre oferta e demanda, a diversidade e sustentabilidade do rol de atividades, a
“qualidade ambiental” do espaço urbano (o que só tem sentido quando se reconhece
critérios legítimos - culturalmente sensíveis - para esta avaliação), as lacunas em
termos das necessidades da população, etc.

A literatura do Planejamento Urbano é farta em compêndios e manuais que auxiliam o


6
dimensionamento dos equipamentos e atividades urbanas . Isso pode ser útil como
informação de referência ao projeto, desde que se esteja atento quanto as excessivas
generalizações e eventuais distorções geradas por “medições” pouco criteriosas.
Mais importante, certamente, é compreender o contexto sobre o qual está atuando,
no sentido de dar respostas efetivas às demandas reais e fugir dos “modismos
urbanísticos” que podem ser excelentes peças de marketing para as administrações
locais, mas que não necessariamente representam as legítimas demandas e
aspirações do conjunto dos cidadãos.

(Re)definir
Daos mesma forma, pensar a centralidade urbana em termos de rede de espaços abertos ajuda
principais
espaços abertos
a compreender as formas de apropriação social do espaço para que se possa atuar,
e suas relações através de projetos específicos, na qualificação das interfaces de interação aberta,
gratuita e não formalizada: ruas, praças, jardins públicos, parques, áreas de praia,
campos de jogos, etc.

3
Ver capítulo I.
4
Fundación CEPA (1987:8), conforme o citado no capítulo II
5
Como em Lynch (1982:78). Ver também Andrade (1993a:92-111).
6
Vale citar, a título de exemplo, entre outros Prinz (1984), Lynch (1972 ), Ferrari (1982), etc.

3
Atuar sobre Interfaces Complexas 4

O uso que as pessoas fazem dos espaços abertos de utilização pública vincula-se
estreitamente com a forma através da qual elas percebem o ambiente e com as
práticas culturalmente arraigadas à vida cotidiana. Por isso mesmo, generalizações
em termos de, por exemplo, cotas de área verde por habitante, nem sempre
significam qualidade ambiental. O que é aspirado pelos cidadãos de uma certa
cidade, não é necessariamente o mesmo desejado pelos moradores de outra. Para
os habitantes de uma área com altas densidades residenciais, vivendo em
apartamentos e com poucas opções públicas de lazer, a importância dada à praça do
bairro certamente será diferente daquela percebida pelos moradores de um setor
residencial espraiado, com casas unifamiliares e vastos quintais.

O desenho urbano deve ser capaz de responder satisfatoriamente a estas questões de


contexto, garantindo diversidade de escolha e a adequação dos espaços aos usos
sociais legitimados por cada comunidade. Grande parte da crítica ao Urbanismo
Moderno recai, justamente, sobre a perda de significação coletiva do espaço público
7
a partir da implementação de projetos de caráter funcionalista.
(Re)definir
Umum outro elemento importante em relação a estrutura de centralidade remete à morfologia
envelope
morfológico dos espaços centrais, ou seja, as relações entre os distintos elementos constitutivos
básico do espaço urbano: as formas edificadas, as ruas, praças, quarteirões, etc.,
de controle dialeticamente imbricados entre os domínios público e privado, e pressupondo
urbanístico mediações que organizam, em certa medida, sua configuração.

Krafta (1986) menciona que, genericamente, os dispositivos de regulamentação da morfologia


urbana podem ser enquadrados em duas categorias básicas:

i. O desenho-projeto, resultante da ação projetual na qual o espaço é totalmente


definido. e construído em uma grande operação de intervenção urbanística
(geralmente levada a cabo pelo poder público ou grandes empresas
incorporadoras) em que “…a configuração final e o projeto inicial estão próximas
no tempo e guardam uma relação direta” (Krafta,1986:21).

ii. O desenho-controle, que pressupõe uma ação coordenada sobre o espaço


urbano, contemplando as múltiplas intervenções individuais privadas através de
mecanismos que regulam as relações entre edificações e espaços abertos. Neste
sentido, sua implementação é processual, acontecendo ao longo de um tempo
amplo, e permitindo eventuais correções nos dispositivos de controle.

Tomando esta perspectiva, a discussão recai mais especificamente sobre quais são os
8
instrumentos de regulamentação urbanística capazes de potencializar a construção
de um ambiente urbano sobre o qual incidem diferentes interesses e formas de atuar
(o poder público e as ações institucionais, os grandes agentes imobiliários, os
incrementos individuais ou de pequenos grupos, etc.), no sentido de garantir uma
determinada configuração urbana tecnicamente adequada. e social e culturalmente
reconhecida.

Enquanto o desenho-projeto presta-se melhor às ações de inovação urbanística, ou seja, a


inserção de novos elementos na paisagem da cidade, o desenho-projeto permite um
manejo mais amplo no sentido de uma estratégia de conservação e regeneração
processual do tecido urbano. Não são, neste sentido, táticas mutuamente excludentes
no projeto da cidade, mas capazes de combinar-se, em diferentes medidas, na
concertação de interesses e valores urbanos.

Uma vez mais, o projeto ambiental deverá buscar “aprender” do contexto, com o objetivo de identificar
a arquitetura do território (Castello,1986): os aspectos culturais da forma urbana, as
tecnologias usuais e economicamente adequadas, as soluções arquitetônicas típicas

7
A crítica ao espaço público moderno é bastante recorrente e já foi apontada no capítulo II. No entanto vale conhecer com
mais detalhe o pensamento de Jane Jacobs (1992), que com o livro The Death and Life of Great American Cities (publicado
originalmente em 1961) tornou-se talvez a primeira e mais lúcida voz a se levantar sobre a questão.
8
A questão específica dos instrumentos de controle e regulamentação urbanística será abordada com maior profundidade no
capítulo VI.

4
Atuar sobre Interfaces Complexas 5

e consagradas, as mediações entre o espaço público e o privado (retomando a noção


de intervalo de Hertzberger, 1996), etc.

Entre outros
Promover a aspectos relevantes na abordagem de Castello, vale refletir sobre o sentido da
9
valorização expressão patrimônio cultural . Evidentemente, ao se raciocinar em função de uma
do cultura urbana local, o contexto da investigação-ação será o principal determinante
patrimônio para que se possa identificar o que a população destaca, através da sua percepção e
cultural
da sua relação cotidiana com o espaço da cidade, como elementos patrimonialmente
significativos.

Deve-se ter em mente que não apenas edifícios excepcionais, monumentos ou praças significam a
cultura e a história do lugar. O ambiente (e os valores que as pessoas atribuem ao
seu ambiente) é bem mais que uma coleção estática de construções. Neste sentido, é
importante não perder de vista as múltiplas relações mediadas pela percepção,
fruição e apropriação social do espaço. A continuidade de volumes e alinhamentos, a
repetição de determinados motivos ornamentais, as relações entre o lote, o edifício e
a rua, são, por exemplo, alguns aspectos a considerar quando se procura identificar o
que é patrimônio cultural tangível em um dado contexto urbano.

Por outro lado, nem tudo o que é patrimônio se revela através do espaço construído. Existe, e está
arraigado na cultura subjetiva da população, um patrimônio cultural intangível que
remete às origens, ao desenvolvimento e à história social da cidade: os costumes
ancestrais, os hábitos sociais e familiares, os episódios memoráveis, as festas
populares, as expressões da língua, as receitas da culinária caseira, etc. são parte de
um universo cultural próprio que deve-se buscar preservar e desenvolver.
Garantir Um último ponto relacionado à pauta básica que se quer discutir nesta seção, diz
acessibilidade
ao uso dos respeito à relação fundamental entre centralidade e acessibilidade urbana. Não se
espaços pode pensar em uma dinâmica de centralidade se a estrutura sócio-espacial urbana
e equipamentos não garante um acesso franco à apropriação dos espaços e atividades ofertadas pela
centrais maneira de viver na cidade.

Em outras palavras, o desenho da cidade, seus espaços públicos e privados, deve


refletir os modos através dos quais as pessoas costumam interagir socialmente. É
preciso que as pessoas, ao circularem pela cidade, sintam-se à vontade para fazer
uso dos serviços e atividades ofertadas. As interfaces de centralidade, neste sentido,
devem ser convidativas aos encontros e trocas sociais. A escala dos espaços abertos
e construídos, a presença de elementos simbólicos reconhecíveis, o conforto dos
meios de locomoção (os transportes públicos, os espaços de estacionamento), a
facilidade de orientação, o tempo empregado nos deslocamentos, a segurança
pública e as formas de controle social, são alguns fatores a serem levados em conta
10
em um desenho ambiental urbano indutor de centralidade .

Por fim, de forma resumida, os quadros da página seguinte procuram relacionar


11
atividades e equipamentos urbanos mais comuns , em função de alguns aspectos
objetivos como escala, agentes promotores, critérios básicos de localização e
compatibilidade entre distintos usos.

Quadro Matriz de
EQUIPAMENTOS URBANOS COMPATIBILIDADES
Escalas de apropriação Articulação prioritária Interação Cotidiano C
produção agente público complementaridade entre as urbano U
desejável
produção agente privado compatibilidade possível escalas metropolitan R
o
situações espaciais indiferente
incompatibilidade

9
Sobre a definição de patrimônio cultural e suas diferentes manifestações tangíveis e intangíveis, ver Fundación CEPA (1989).
Para uma abordagem metodológica contextualizada e articulada a técnicas de percepção ambiental ver Castello et Al (1995).
10
Neste sentido, cabe retomar a abordagem de Kevin Lynch, no que se refere aos elemento da estrutura visual da cidade e as
categorias de rendimento da forma urbana extremamente útil para a definição de critérios de projeto de espaços centrais. Ver
Lynch (1982,1985), respectivamente, e as referências feitas no Documento II.
11
Carlos Nelson dos Santos (1985), em A Cidade como um Jogo de Cartas, apresenta uma série de recomendações quanto
ao projeto de equipamentos e serviços urbanos. Ver especialmente o capítulo “equipamentos urbanos”, pp. 157-162.

5
Atuar sobre Interfaces Complexas 6

EQUIPAMENTOS URBANOS: Escalas de Apropriação, Agentes Promotores e Localizações


Preferenciais
Escala de Apropriação Agente Critério de
equipam ento urbano tipo de interface Cotidiano Urbano Regional Público Privado Localização Preferencial
CRECHE institucional cultural vizinhança
PRÉ-ESCOLA institucional cultural vizinhança
ESCOLA I GRAU institucional cultural vizinhança
ESCOLA II GRAU institucional cultural linhas de transporte público
FACULDADE institucional cultural llinhas de transporte público
CENTRO COMUNITÁRIO institucional cultural vizinhança
CLUBES E ASSOCIAÇÕES institucional cultural variável cf. atividade específica
EQUIPAMEMTOS CULTURAIS institucional cultural centro urban/ lugares fácil acesso
POSTO DE SAÚDE institucional cívica vizinhança
PRONTO-SOCORRO institucional cívica eixos de alta acessibilidade
HOSPITAL GERAL institucional cívica eixos de alta acessibilidade
PRAÇAS E JARDINS PUB. não formal centro urbano/centro bairro
PARQUE não formal/cultural conforme o contexto ambiental
MERCADO PÚBLICO produtiva urbana/cultural centro urbano
SHOPPING CENTER produtiva urbana/cultural eixos de alta acessibilidade
LOJAS produtivas urbanas centro urbano/centro bairro
ESCRITÓRIOS/CONSULT. produtivas urbanas centro urbano/centro bairro
BANCOS produtivas urbanas centro urbano.centro.bairro
REPARTIÇÕES PÚBLICAS institucional cívica centro administrativo/centro urbano
POSTO POLICIAL institucional cívica centro urbano/centro bairro
ESTAÇÃO DE BOMBEIROS institucional cívica distribuição racional no tecido
POSTO TELEFÔNICO institucional cívica centro urbano/centro bairro
CORREIOS E TELÉGRAFOS institucional cívica centro urbano/centro bairro
TERMINAIS TRANSPORTE física construída/produtiva eixos de alta acessibilidade
IGREJAS, TEMPLOS, ETC. institucional cultural distribuidos pelo tecido
CEMITÉRIOS física costruída/cívica local. periférica/fácil acesso
EQUIP INFRAESTRUTURA física construída se possível fora perímetro urbano.
USOS RESIDENCIAIS intervalo privado/cotidiano áreas com infraestrutura instalada

Quadro geral de equipamentos urbanos baseado em IBAM (1982)


adaptado, revisto e ampliado pelo autor

Interfaces de Centralidade Urbana


MATRIZ DE COMPATIBILIDADE ENTRE ESPAÇOS E EQUIPAMENTOS URBANOS

INTERFACE SOCIAL esc CR PE E I E II FC CC CA CL SS PS HG PJ PQ MP SC LJ EC BK RP PP EB PT CT TT IT CE EI UR


CRECHE CR C
PRÉ-ESCOLA PE C
ESCOLA I GRAU EI C
ESCOLA II GRAU E II C/U
FACULDADES FC U/R
CENTRO COMUNITÁRIO CC C
CLUBES E ASSOCIAÇÕES CA cur
EQUIPAMENTOS CULTURAIS CL cur
POSTO DE SAÚDE SS C/U
PRONTO-SOCORRO PS U/R
HOSPITAL GERAL HG U/R
PRAÇAS E JARDINS PUB. PJ C/U
PARQUES PQ U/R
MERCADO PÚBLICO MP U/R
SHOPPING CENTER SC U/R
LOJAS LJ cur
ESCRITÓRIOS/CONSULT. EC U/R
BANCOS BK U/R
REPARTIÇÕES PÚBLICAS RP U/R
POSTO POLICIAL PP U
ESTAÇÃO DE BOMBEIROS EB U
POSTO TELEFÔNICO PT C/U
CORREIOS E TELÉGRAFOS CT C/U
TERMINAIS TRANSPORTE TT cur
IGREJAS, TEMPLOS, ETC. IT C/U
CEMITÉRIOS CE U/R
EQUIP. INFRAESTRUTURA EI esp
USOS RESIDENCIAIS UR C

Matriz de compatibilidade entre equipamentos urbanos, baseada em IBAM (1982)


adaptada, revista e ampliada pelo autor

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Atuar sobre Interfaces Complexas 7

ATUAR SOBRE INTERFACES DE


ACESSIBILIDADE INTRA-URBANA
E DE CONEXÃO REGIONAL

Atuar sobre o sistema de acessibilidades intra-urbanas e as relações cidade-contexto


regional significa intervir através de ações de projeto ou regulamentação sobre o
arcabouço espacial que serve de suporte aos fluxos de matéria, energia e
12
informação . Trata-se pois aqui, de interferir em um nível de interfaces complexas
que configuram o hardware e a arquitetura das circulações urbanas.

Para compreender o alcance das ações projetuais sobre este sistema, o projetista
ambiental deve levar em conta que ”(…) uma das chaves do funcionamento da
sociedade complexa é a circulação das pessoas e, principalmente, do que produzem,
seja no interior da uma mesma cidade, seja de uma cidade para outra, seja do meio
rural para as cidades” (IBAM,1982:7). Compreender como funciona o sistema
circulatório da cidade é, portanto, fundamental no processo de projetação, pois se
está atuando em um âmbito decisor do qual depende o funcionamento e a articulação
de todo o sistema urbano.

Neste sentido, cabe revisar a configuração espacial da estrutura viária de Ecleta:

Ecleta: estrutura viária principal

O esquema da estrutura principal de circulação da cidade mostra claramente um


sistema hierárquico nas relações entre os distintos componentes viários. Em termos
13
técnicos mais precisos , pode-se dizer que o sistema se compõe de:

i. Vias arteriais, interurbanas, que estabelecem as conexões em nível regional;


ii. Vias urbanas principais, sobre as quais incidem os fluxos mais importantes e
que conectam os elementos urbanos destacados e os diferentes bairros;
iii. Vias secundárias ou coletoras, que distribuem os fluxos desde as vias
principais até o interior dos diferentes bairros;
iv. Vias locais, cuja função é servir de conexão mais imediata no interior das
várias áreas residenciais, comerciais ou industriais, completando a
distribuição dos fluxos urbanos.

Além disso, se pode completar o sistema com vias especiais para uso exclusivo, por
exemplo, de ônibus, caminhões, pedestres, bicicletas, etc.; pontos de transbordo,
paradas e terminais de transporte público e estações multimodais (que articulam
diferentes modos de transportes: rodoviário, ferroviário, hidroviário, por exemplo),
áreas de estacionamento para veículos de diferentes tipos, etc., que são
equipamentos de suporte ao sistema de fluxos urbanos.

12
Fundación CEPA (1987:8)
13
Baseando-se na publicação “O que é preciso saber sobre Sistema Viário” (IBAM,1982), e complementando com a análise de
Ecleta, elaborada no Documento III.

7
Atuar sobre Interfaces Complexas 8

Em seu conjunto, os elementos viários e os equipamentos de suporte são


fundamentais para a organização do território urbano e regional. Em grande medida,
eles estruturam o espaço e a vida das pessoas na cidade. Neste sentido, antes de
avançar sobre a pauta específica referente as interfaces complexas de acessibilidade,
é importante aclarar algumas questões sobre estrutura:
A estrutura Muito se tem utilizado a expressão estrutura urbana para descrever a associação e a
urbana A
e a forma de interdependência dos elementos constituintes da cidade. Diferentes disciplinas, como
seus elementos ae sociologia, a economia, a geografia e, é claro, a arquitetura e o urbanismo referem-
s à estrutura espacial das cidades como conceito e categoria de análise urbana
se
t
submetida as suas próprias especificidades disciplinares. Assim, o termo assume
r
distintos
u sentidos, dependendo do contexto da abordagem em que é empregado.
t
u Diccionario de Urbanismo de Petroni e Kenigsberg (1966), por exemplo,
O
r
obviamente sintonizado com a prática do planejamento urbano no particular momento
a
histórico em que foi escrito, define estrutura urbana como:
u
r Expressão física da interdependência dinâmica em que se encontram as
b distintas partes de uma cidade ou região. (…) O conceito de estrutura não é
a
n estático; não basta somente a presença e a localização relativa de edifícios,
a ruas e espaços livres, senão que devem manifestar-se as influências
e recíprocas derivadas das atividades humanas que neles se desenvolvem.
14
(Petroni, Kenigsberg,1966:69)
a

f destacar ruas, edifícios e espaços livres como as partes de uma cidade ou região,
Ao
o autores estão fazendo a opção em abordar o conceito de estrutura desde a forma
os
r
dos elementos urbanos que constituem - que dão materialidade - a cidade tangível.
m
a mesmo tempo, destacam a relação entre as atividades humanas e seus reflexos
Ao
sobre o espaço, como um processo essencialmente dinâmico.
d
e
Lynch e Rodwin (1990; publicado originalmente em 1958), a sua vez, trabalham
pioneiramente
s esta relação dinâmica em termos do ambiente físico configurado a
partir
e do sistema de fluxos e da distribuição de espaços adaptados, no sentido da
15
descrição
u da forma da cidade .
s
Estrutura De
e uma maneira geral, os estudos que debruçam-se sobre a forma das cidades, ou
e morfologia seja,
l sobre sua estrutura morfológica, apoiam-se em uma catalogação de partes que
urbana
vão
e do lote e do edifício (e sua agregação em quarteirões) até a cidade como um
m
todo, passando por distintas escalas de articulação e interdependência sistêmica
e
(Lamas,1993;
n Santos,1985, por exemplo). No caso específico do estudo de interfaces
de
t acessibilidade, a rua se define como um elemento articulador à escala
intermediária
o entre o espaço de apropriação privada que acontece no interior dos
s
quarteirões e dos edifícios e a rede de espaços abertos de apropriação público.

Sistema viário Assim, o sistema viário - entendido como a parte da estrutura urbana a qual estão
como subordinados os deslocamentos e a circulação de pessoas e bens - passa a ter uma
componente da importância protagônica para a compreensão dos fluxos urbanos e a configuração de
estrutura
interfaces em distintas escalas.

A rua como Neste sentido, a experiência de viver na cidade ensina, a cada indivíduo, quais os
espaço público: múltiplos papéis que as ruas assumem como locus da vida cotidiana. Todos sabem
diversidade que, além de permitir deslocar-se ou circular pela cidade, nas ruas acontecem
funcional,
morfológica e
encontros e trocas entre pessoas e grupos, e que o “desenho” das ruas de uma
perceptiva cidade afeta, em grande medida, a orientação espacial e o sentido próprio de cada
lugar. A rua é pois, mais do que canal, espaço público que se adapta aos diferentes
usos e aos significados particulares que as práticas sócio-espaciais (e também o
planejamento urbano) lhes conferem, variando de escala e configuração, para
suportar estes variados papéis (Lynch,1985; Certeau,1985; Krier,1985, por exemplo).

14
Tradução livre do autor, a partir do original em espanhol. As demais citações, no caso de publicação em língua estrangeira,
seguem o mesmo procedimento.
15
Curiosamente, para construir esta pioneira abordagem sobre sistemas urbanas, a maneira de Ecleta, Lynch e Rodwin se
valem de um “assentamento imaginário”, que os autores chamam de Pone (1990:363-365).

8
Atuar sobre Interfaces Complexas 9

Na ruela que conecta o espaço exterior ao interior semi-privado de um quarteirão


comercial, tomando, por exemplo, a forma de galeria; na escadaria que ajuda a
vencer uma grande diferença de nível entre dois pontos da cidade; na rua que é
principal porque se configura pelas principais instituições públicas e pela diversidade
de atividades comerciais; na rua que se alarga, formando avenida que, por sua vez,
se formaliza em boulevard; na alameda ou no passeio público agradável que
acompanha um trecho de praia; no repentino abrir-se em um largo ou no
entranhamento capilar das vielas em uma favela, até terminar em beco; a diversidade
de formas e funções estabelece padrões de espaço, comportamento e percepção,
influenciando nos usos e, ao longo do tempo, resignificando os espaços da cidade em
16
uma imagem coletiva .

O que fica claro afinal (e que é algo tão óbvio que termina quase sempre passando
desapercebido), é que a rua - as distintas formas que esta assume na cidade - não é
um elemento bidimensional traçado sobre um mapa ou que se restringe
funcionalmente a atender as circulações urbanas, mas que se configura
tridimensionalmente, através de formas e volumes variados, de reentrâncias,
alargamentos, planos de fachada alinhados ou não, alturas constantes ou
diferenciadas das edificações que a compõem, detalhes e ritmos arquitetônicos,
abrigando toda a sorte de práticas sociais, como espaço público por excelência, do
comércio ou dos encontros entre as pessoas, à celebração, festa ou protesto, como
manifestações coletivas da sociedade.

O projeto da rua: Quando Stephen Carr (1978) divertidamente refere-se ao fato de que “…sabemos
esboço de um todos muito bem que os planejadores são seres humanos mas acontece também,
método que todos os seres humanos são planejadores” (Carr,1978:19), talvez se possa
pensar que, nesta imensa diversidade que, em larga medida, torna única cada
cidade, talvez resida boa parte de uma qualidade ambiental que se traduz na relação
entre o espaço urbano e a experiência humana. E que aprender das ruas, avenidas,
alamedas e becos, constitui-se em método para o projeto ambiental da cidade.

Neste sentido, abaixo se reproduz um roteiro que pretende ser descritivo e


interpretativo ao se percorrer as ruas de uma cidade e, ao mesmo tempo, um guia
17
auxiliar ao desenho urbano .

Implantação no lote edificação no alinhamento relação rua/lote


recuo ajardinado vegetação, pavimentos, etc.
recuos laterais em um só lado
em ambos os lados
Características
lote de esquina dominância de uma ou outra fachada
morfológicas
permeabilidade e acesso quantidade de acessos
da edificação
localização em relação à rua
que influem
acesso para pedestres
na configuração
acesso para veículos
da rua
Geometria das relação entre cheios e vazios predominância de cheios
fachadas
predominância de vazios
simetrias sim ou não; elementar; composta,
etc.
permeabilidade e composição tipos de aberturas na primeira planta
janelas, balcões e sacadas
composição básica horizontalidade
do plano de fachada verticalidade
Volumetria da composição prismática prisma puro
edificação
prisma recortado
prisma composto
volumes no plano de fachada volumes salientes

16
Esta interpretação é tomada de uma série de notas de aula do professor arquiteto Carlos Eduardo Comas, durante o I Curso
de Especialização em Desenho Urbano, promovido pelo PROPUR/UFRGS e PROPAR/UFRGS, em 1984/1985. Para Comas a
rua é “uma coleção de lugares que formam um caminho”.
17
Adaptado de ANDRADE, L. M. V. (1987). Roteiro sobre Ruas, paper elaborado para discussão no II Taller Latinoamericano
de Diseño Ambiental, não publicado; ANDRADE, L. M. V. (1988). A Cidade como Manuscrito Inacabado, paper elaborado para
a disciplina Estrutura Urbana (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional - PROPUR-UFRGS), posteriormente adaptado ao
uso didático da disciplina ARQ 02.213 - Morfologia e Infra-estrutura Urbana (Depto de Urbanismo, FAU-UFRGS).

9
Atuar sobre Interfaces Complexas 10

volumes escavados

Tecnologia tipos de estrutura


elementos de vedação
materiais de revestimento
número de pavimentos
etc.
Ornamentação avançados
e elementos visuais sobrepostos
pintados
em relevo
esculpidos
luminosos
etc.
Elementos de intervalo jardim
entre edifício e rua muro
cerca
arcadas
marquises
áreas de estacionamento
etc.

Implantação das edificações continuidade de alinhamento


descontinuidade de alinhamento
recuos constantes
Altura das edificações número de pavimentos constante
Características variável
morfológicas
pouca variação quanto ao número de pavimentos
do conjunto
grande variação quanto ao número de pavimentos
de edificações
que influem na Tecnologia Estrutura mesma técnica se repete
configuração diferentes técnicas
da rua: Revestimentos predominância de um único material
uso de diferentes materiais e texturas
Elementos de intervalo entre continuidade e repetição
edificações e espaço público descontinuidade e variação
Tipologias edilícias constância de uma tipologia básica
variedade tipológica
edificações atípicas inseridas em contexto homogêneo
coerência da linguagem arquitetônica
verticalidade ou horizontalidade do conjunto
Relações básicas entre os guardam ou não relações (e quais são elas)
conjuntos edificados de ambos os quando analisados vis-a-vis aos critérios listados acima
lados da rua

Aspectos funcionais tipicamente residencial


tipicamente comercial
tipicamente industrial
usos mistos
Características primeira planta comercial; demais plantas residência
das ruas concentração monofuncional
quanto ao uso concentração de atividades complementares
e apropriação diversidade
do espaço
incompatibilidade entre públicos e/ou privados
usos
industriais e/ou comerciais e/ou
residenciais
Aspectos sócio espaciais circulatórios via urbana para veículos
via de pedestres
ciclovia
ferrovia
conector regional
etc.
fruitivos/perceptivos atividades estendem-se pelas calçadas
conecta marcos referenciais importantes
termina em praça ou marco referencial
termina em outra rua
sentido de homogeneidade
sentido de variedade e/ou dispersão
facilidade de orientação na trama urbana
permeabilidade física e/ou visual do
conjunto de fachadas conformadoras
identificam-se grupos sociais, étnicos,
etários, religiosos, etc. que se apropriam
preferencialmente do espaço da rua

10
Atuar sobre Interfaces Complexas 11

Interferências ambientais contaminação atmosférica perceptível


contaminação hídrica perceptível
poluição visual
ruído excessivo
congestionamento de pedestres
congestionamento de veículos
conflito entre pedestres e veículos
tráfego pesado de cargas
áreas de estacionamento
deficiência de insolação
deficiência de ventilação
outros aspectos bioclimáticos
adequação da infra-estrutura instalada

Relação rua x tecido tecido urbano consolidado


urbano
tecido urbano em transformação
tecido urbano provisório
Características tecido suburbano
da rua tecido urbano deprimido
enquanto tecido urbano artificial
composição Relação rua elemento de destaque na estrutura urbana
urbana x estrutura urbana características diferenciadas em relação ao entorno
características de homogeneidade em relação ao entorno
bordo ou limite entre distintas zonas urbanas físico
perceptual
normativo
canal conector entre distintas zonas urbanas
referências históricas e/ou simbólicas toda a extensão
partes
inserida no bairro
importância como referência perceptiva para moradores
para consumidores
para trabalhadores
para visitantes
Formas sócio-históricas desenho-projeto
de produção desenho-controle
produção espontânea
implantada na totalidade
implantada por partes
implantada processualmente
agentes públicos
agentes privados
referência sócio-histórica
tendência de renovação
aspectos tecnológicos adequação de componentes arborização pública e/ou privada
e de regulamentação pavimentos
urbanística mobiliário
sinalização
iluminação pública
declividades
etc.
adequação normativa usos do solo
ocupação do solo
densidade construtiva
densidade atividade predominante
circulação urbana
roteiro-guia sobre ruas - adaptado de Andrade (1987,1988).

O roteiro acima procura interpretar a rua, partindo da sua totalidade e examinando-a


até o componente detalhado da arquitetura, no sentido de evidenciar suas distintas
características e as relações morfológicas entre seus diversos componentes. De
modo inverso, busca também reconstruí-la como elemento urbano, associando-a
como parte de elementos mais complexos, funcional, morfológica e simbolicamente (o
tecido imediatamente articulado, o bairro, a cidade).

A abordagem do roteiro trata a rua no âmbito da composição urbana, desde seus


elementos estruturais articulados como tecido-trama. Tomando este ponto de vista, o
conjunto de elementos circulatórios, adaptados (como arquitetura) às distintas

11
Atuar sobre Interfaces Complexas 12

funções e atividades urbanas, organiza o território da cidade, fornecendo pautas para


sua consolidação e continuidade histórica.

Tipos edilícios Avançando na interpretação morfológica da cidade, da análise descritiva-


e suas relações interpretativa para subsidiar a instância projetual, Leslie Martin e Lionel Marsh
elementares
(1975), por exemplo, investigam exaustivamente as relações geométricas entre
diferentes tipos elementares de edificação, em termos de ocupação do solo,
densidade construtiva e rendimento infra-estrutural.

A perspectiva comparada entre os diferentes tipos de edifícios e sua forma básica de


associação permite perceber três relações elementares:

i. Edificações isoladas, do tipo torre ou pavilhão, e sua respectiva associação;


ii. edificações em barra ou fita e sua respectiva associação;
iii. edificações na forma de pátio ou anel e sua respectiva associação;

A proporção diferenciada da superfície ocupada de solo vis-à-vis com a variação da


altura dos edifícios permite infinitas situações de rendimento da forma construída. A
textura do tecido urbano, por outro lado, mostra-se subordinada à variação
geométrica dos tipos edilícios, suas possíveis associações e mesclas. Pode-se, por
exemplo, manter constante um certo índice de ocupação do solo, variando o número
de pavimentos dos edifícios, para perceber o comportamento das densidades
residenciais. Ou, de maneira inversa, manter a densidade constante, para
experimentar diferentes taxas de ocupação e/ou de altura. A figura abaixo mostra
esquematicamente os tipos básicos e os padrões resultantes de sua associação.

Torre ou pavilhão tecido urbano tramado


gerando a partir de blocos isolados

tecido urbano tramado


Barra ou fita
pela associação de
gerando
fitas edificadas e ruas-corredores

tecido urbano tramado


Pátio ou anel
pela justaposição de
gerando
edifícios-pátio

TIPOS BÁSICOS E SUA ASSOCIAÇÃO


baseado em Martin & Marsh (1975)

Trama como Assim, a trama de ruas e edificações pode ser compreendida, nas múltiplas formas
18
geradora que esta relação pode vir a assumir, como fator gerador da estrutura urbana.
da estrutura
urbana Levando-se a relação espaço privado construído x espaço público circulatório à
escala do bairro ou da cidade, o que se percebe é o traçado urbano caracterizado por
uma maior ou menor regularidade, conforme o caso.

Cidades que cresceram espontaneamente, por incrementos ao longo do tempo e sem


uma concertação urbanística clara, tendem a apresentar-se como um patchwork de
diferentes padrões, definidos pela agregação de partes (bairros, expansões, etc.) ao
longo da história.
18
Martin, L (1975: ). La Trama como Generador. In: Martin, L. e Marsh, L. La Estructura del Espacio urbano.

12
Atuar sobre Interfaces Complexas 13

Por outro lado, cidades projetadas ou planejadas desde a sua origem, geralmente
configuram padrões regulares (mais ou menos complexos, o que depende de muitos
fatores).

As cidades de colonização hispânica, por exemplo, geralmente assentam-se sobre


uma quadrícula muito regular, como um tabuleiro de xadrez, respondendo a um
código de postulações - a Lei das Índias, datada de 1573 - que definia de forma
preponderante, a estratégia de ocupação do território colonial e os requisitos
fundacionais para as novas cidades.

Da mesma forma, como exemplo de arquitetura moderna, Brasília (projetada em


1957, quase quatro séculos mais tarde), cidade emblemática do urbanismo
funcionalista, se define por um traçado hierárquico de geometria complexa que reflete
19
tanto a ideologia projetual que a gerou como o patamar tecnológico e a estrutura de
produção do espaços, necessários para sua execução.

De um modo geral, no entanto, dentro de um quadro de infinitas possibilidades de


variação, proporcionalidade e mescla, pode-se identificar três tipos básicos de
traçado que, agregados nas mais variadas maneiras, com diferentes “granulações” e
texturas, respondem a uma imensa diversidade em termos de estrutura urbana: os
traçados em grelha, as tramas rádioconcêntricas, e as formas lineares de crescimento
urbano.

O traçado em Os traçados em grelha acompanham a história das cidades


forma de grelha desde a antigüidade. Se pode lembrar, por exemplo, que o
traçado das cidades coloniais gregas e romanas definiam-se por
uma trama ortogonal. Ainda mais distante no tempo, vale citar
Kevin Lynch (1985: ), que demonstra a constituição em grelha
hierárquica, fundamentada em relações mágicas e de poder
imperial, presente na cidade antiga de origem chinesa. Sua
aplicação no projeto da cidade moderna incorpora,
evidentemente, critérios técnicos para responder as exigências
urbanas em relação a distintos aspectos, tais como a tecnologia de construção (que
define, em última instância, as escolhas tipológicas dos edifícios); a tecnologia de
movimento, ou seja, através de que meios se fazem os deslocamentos dentro da
cidade (a velocidade do pedestre, da carroça ou do automóvel implicam na variação
dimensional dos quarteirões, entre outros fatores); e a tecnologia de construção de
redes de infra-estrutura (um traçado ortogonal geralmente torna menos onerosa a
instalação e manutenção das redes).

Neste sentido, as grelhas facilitam o desenho do sistema viário e de redes de infra-


estrutura e a divisão fundiária (o tamanho dos lotes também incide sobre as
dimensões dos quarteirões). Por outro lado, a cidade traçada com uma trama
ortogonal facilita, na maneira como é percebida pelas pessoas, a orientação espacial
na cidade.

Pode-se argumentar que a grelha tradicional estabelece uma paisagem urbana


monótona e traz dificuldades em termos da adaptação à topografia. Um desenho
criterioso, no entanto, que fuja, por exemplo, de uma simples reprodução do xadrez
tradicional, pode produzir uma imagem visual bastante rica. Basta que o projetista
tenha em mente que a rua não é apenas um canal de circulação mas, incorporando
as mais variadas funções de interface social, configura-se como uma verdadeira
20
“…coleção de lugares que formam um caminho.”

Tramas direcionais, com alternância dos sentidos de tráfego, e a variação tipológica


das ruas (avenidas, bulevares, galerias, etc.) são recursos a serem levados em conta,
quando se acredita que atuar sobre interfaces de acessibilidade é bem mais do que
resolver os problemas do trânsito urbano.

19
Sobre ideologia projetual, ver Andrade (1993a).
20
Conforme a inspirada definição do prof. arquiteto Carlos Eduardo Comas. Notas de aula do autor, durante o I Curso de
Especialização em Desenho urbano (PRUPUR/UFRGS e PROPAR/UFRGS, 1984-85).

13
Atuar sobre Interfaces Complexas 14

A Barcelona de Ildefonso Cerdá, assumindo a tridimensionalidade da grelha


ortogonal, exemplifica de forma magnífica as possibilidades do modelo. E é da
Barcelona contemporânea que, nos dias de hoje, chegam algumas das mais
importantes atualizações quanto à morfologia urbana, no diálogo positivo entre
contexto e inovação arquitetônica.

A cidade projetada de La Plata, na Argentina, é sem dúvida um espetacular exemplo


da aplicabilidade do traçado regular ortogonal, revisitado à luz da modernidade. A
quadrícula de La Plata, incorporando eixos direcionais, bulevares e diagonais,
articulando trama viária à rede de espaços abertos e as ordenações morfológicas
quanto a ocupação dos quarteirões, segue sendo um exemplo válido de um
urbanismo que resolve dignamente a interface entre os domínios público e privado.

Já o segundo tipo elementar de trama viária - os traçados


As tramas
radioconcêntricos - podem considerar-se uma “invenção
radioconcêntricas
urbanística” relativamente recente. Sua origem histórica pode
ser remetida às cidades muradas da Idade Média. Na medida
em que a cidade crescia, surgia a necessidade de ampliar o
perímetro murado. A destruição dos antigos muros para a
construção dos novos perímetros de defesa, liberava um espaço
em forma de anel em torno do antigo casco urbano que
incorporavam-se ao traçado viário. Os rings vieneneses são um exemplo de como a
oportunidade histórica foi atualizada pelo urbanismo. É também, a sua vez, o modelo
icônico da cidade ideal renascentista. Mas é no período barroco que os traçados
radioconcêntricos ou derivados desta idéia se impõem. A utilização de eixos radiais
convergindo para um ponto central cria uma perspectiva monumental, ao mesmo
tempo em que emblematiza o poder institucionalizado.

Ao se refletir a respeito do conceito radial (embora não necessariamente na forma


ideal do conceito), observa-se que este tipo de traçado permite uma grande
adaptação à topografia, ao mesmo tempo em que, pela interação dos eixos radiais e
as vias perimetrais, possibilita percursos mais diretos entre dois pontos. Os
problemas principais recaem na execução técnica das vias e das redes de infra-
estrutura e na divisão fundiária.

A organização radioconcêntrica, quando bem aplicada, permite um satisfatório


rendimento do sistema viário através da articulação entre radiais e perimetrais,
facilitando, entre outros fatores, os deslocamentos e a integração dos meios de
transporte. Deve observar, no entanto, que, na medida em que a trama se expande a
partir do centro, fazem-se necessárias articulações internas, não necessariamente
radiais, ao tecido urbano que passa a comportar-se como uma grelha inserida dentro
de um sistema maior.

Por outro lado, mesmo que a concepção radioconcêntrica tenha se constituído em um


modelo viário para o projeto urbano, a trama radial nem sempre é resultante de ações
de planejamento e desenho. Fatores geográficos de localização de uma determinada
cidade, por exemplo, podem gerar espontaneamente uma situação similar. Em certa
medida, a trama estrutural de Porto Alegre, com sua origem em uma península que
avança sobre o Rio Guaíba, é um exemplo significativo.

Ainda que a idéia de cidade linear possa ser interpretada como


As tramas um modelo histórico de crescimento espontâneo cidades de ao
lineares longo de rotas regionais, apropriando-se da acessibilidade de
uma estrada, por exemplo, o modelo de trama linear é uma
invenção urbanística moderna, fundamentada em uma
perspectiva de urbanização global e no avanço tecnológico
resultante da revolução industrial.

La ciudad lienal de Soria y Mata (1982) propunha uma


urbanização contínua ao longo de linhas ferroviárias que conectariam as grandes
cidades européias. A tecnologia ferroviária, com velocidade e eficiência, definiria a

14
Atuar sobre Interfaces Complexas 15

alta acessibilidade do sistema linear, facilmente adaptável aos mais diferentes


relevos.
O modelo, esquemático na sua interpretação da complexidade da vida urbana, é
retomado pelos desurbanistas soviéticos, após a revolução de 1917. A proposta
central é a homogeneização do território produtivo através de um sistema eficaz de
transportes, articulando a produção rural, a industria e os setores residenciais,
através de conexões lineares. O esquematismo funcionalista e a ideologia disciplinar
sobre o espaço (a fragmentação das funções e dos grupos sociais, como instrumento
de controle e dominação) são as características de um modelo de ruptura em relação
à cidade tradicional.

O gênio de Le Corbusier, em diferentes projetos, incorpora o sentido de urbanização


linear, seja através da utilização de autopistas de alta velocidade, seja pela proposta
de grandes edifícios contínuos e polifuncionais, como em seu esboço para o Rio de
Janeiro (proposto em 1929, v. Harris,1987, por exemplo).

Em certa medida, Brasília (Lúcio Costa,1957) incorpora o conceito linear, o que pode
ser visualizado pela importância dos grandes eixos de acessibilidade - o eixo
monumental e o eixo rodoviário norte-sul.

Em muitas propostas mega-estruturais dos anos sessenta, a idéia de uma


continuidade linear (sempre fundamentada em alta e eficiente acessibilidade) é
retomada em muitos projetos. Uma vez mais, a ideologia projetual desvela-se em ima
imagem que rompe as relações com o espaço urbano tradicional, e o sistema
assenta-se sobre uma base de tecnologia avançada. O mais megalômano projeto
megaestrutural linear que, em à escala planetária, repete o modelo inaugural de
Sorya y Mata. é, sem dúvida, a cidade global de Mike Mitchell e Dave Boutwell
(1969), que pretendia construir uma megaestrutura linear que cruzasse os Estados
21
Unidos de costa à costa.

Mesmo que se considere, hoje, o esquema linear, como ingênuo em sua simplificação
das relações sócio-espaciais e sua fé cega nas novas tecnologias de transporte, o
modelo, adaptado às condições concretas de urbanização, sobrevive hibridizado nas
tramas regionais. E o grande mérito do modelo de trama linear talvez resida no fato
de propor a discussão da arquitetura em nível de território.

Os estudos recentes desenvolvidos pelo Ateliê 2209 na cidade de Portão (RS),


Uma estrutura
linear na descobriram a curiosa (e perversa, em sua emblemática estrutura espacial de
periferia exclusão social) Vila dos Trilhos. Trata-se de uma grande favela que se desenvolveu
ao longo do espaço ocioso resultante da desativação de um ramal ferroviário. Contida
em sua expansão pelas propriedades produtivas que acompanham o antigo traçado
da ferrovia, a favela, com a consentida inoperância do poder público local,
desenvolve-se ao longo de vários quilômetros. Curioso, sim, mas emblemática das
condições terríveis da vida humana/urbana nas interfaces periféricas metropolitanas.
E a espera de uma resposta projetual concreta, para além dos limites de simulação
de ateliê.

Por fim, vale citar os chamados traçados orgânicos ou irregulares, que remetem tanto
a uma adaptação naturalizada da urbanização ao ambiente natural, quanto ao
traçado espontâneo das cidades medievais. A organicidade referida diz respeito mais
imediatamente a uma relação dialética entre cidade e paisagem, e a recorrente
metáfora que interpreta a cidade como coisa vida (Lynch,1985, por exemplo).

Como realização urbanística, a idéia associa-se ao urbanismo culturalista


(Choay,1979) que, em grande medida, opõe-se à corrente racionalista da arquitetura
moderna (ou, na perspectiva de Choay, os chamados progressistas). Destaque-se o
traçado tipo Radburn (projeto de Clarence Stein e Henry Wright, 1929), tão importante
que Lewis Mumford considerará “a primeira inovação importante no urbanismo desde
22
Veneza” .

21
Sobre a fase megaestrutural da arquitetura moderna, inclusive a cidade global de Mitchell e Boutwell, ver Banham,1978, por
exemplo.
22
MUMFORD, L. (1982). A Cidade na História. São Paulo, Martins Fontes/Editora da UnB.

15
Atuar sobre Interfaces Complexas 16

a pauta projetual
Retomando a pauta projetual básica relativa à temática de interfaces complexas de
acessibilidade, conforme no definido no capítulo I, cabem alguns comentários
aplicativos quanto ao que foi exposto acima. De maneira genérica, a problemática de
acessibilidade urbana no projeto ambiental em andamento no ateliê objetiva
responder aos seguintes requisitos:

i. (Re)definição da rede principal de conexões intra-urbanas;


ii. (re)definição do sistema de transportes públicos;
iii. (re)definição dos elementos de suporte e orientação;
iv. (re)definição dos acessos à cidade, articuladamente aos conectores
regionais.

(Re)definição
Em relação a rede de canais de circulação que formam a estrutura principal de
da rede acessibilidade física urbana, o projetista deve ter claro que esta estrutura, muito mais
principal de do que garantir a mobilidade intra-urbana, representa o conjunto de espaços públicos
conexões intra- através dos quais as pessoas deslocam-se e, em função dos diferentes percursos
urbanas
que fazem na cidade, constróem e organizam sua percepção visual
(Lynch,1982,1990). Assim, cada cidadão encontra em seus percursos urbanos
usuais, elementos diversos que marcam, como imagem e memória, o seu sentido
próprio de lugar, através de orientação (no espaço) e controle (sobre o espaço e as
23
práticas sociais relacionadas ).

Pregnância A capacidade que os lugares da cidade tem de fixar-se na memória das pessoas -
sejam estes, ruas, praças, edificações ou “espaços naturais”) - define-se como
pregnância (Kohlsdorf,1996:211). Ora, é razoável pensar que uma cidade marcada
espacialmente por muitos lugares “memoráveis” social e culturalmente (uma cidade
com alto grau de pregnância, portanto) seja uma cidade de fácil orientação e controle,
por parte de seus cidadãos e, também para os visitantes. Ao se tomar tal aspecto
como uma qualidade espacial positiva, é da mesma forma razoável que se conclua
pela possibilidade de “desenhar” projetualmente esta qualidade, através do projeto de
espaços públicos intencionalmente marcantes, do ponto de vista visual, e sensíveis,
24
do ponto de vista cultural .

Nesta perspectiva, o próprio sistema de acessibilidade como um todo pode ser


pensado estrategicamente como uma “estrutura” capaz de situar-se
permanentemente na memória coletiva. Os canais de Veneza, por um lado, e a já
citada quadrícula com diagonais de La Plata, por outro, exemplificam os extremos
deste ponto de vista.

Veneza No primeiro caso, é a própria estrutura da cidade, assentada sobre uma laguna, que
define, junto com a excepcionalidade arquitetural de Veneza, a imagem indelével
guardada na memória de turistas de todas as partes do mundo.

La Plata No segundo, mais que na grelha ortogonal bidimensional que suporta a quadrícula,
são nos cruzamentos regularmente pontuados pelas praças de variadas formas e
tamanhos que a urbanidade encontra sua imagem mais vigorosa.

Brasília
Brasília, que Lúcio Costa remotamente definiu como união sensível entre “técnica
25
urbanística e técnica rodoviária” , não deixa de se apresentar como um contraponto
interessante. A cidade toda (não apenas o plano-piloto, mas também sua estrutura de
satélites) parece antecipar-se como materialização da visão “dromocrática” de Paul

23
Retomando a noção de Maurice Cerasi (1977), quanto aos espaços interrelacionados entre grupos sociais.
24
O que parece ser uma estratégia consciente nos projetos de Disneylândia, através da exploração sensível do imaginário
infantil e popular americano. Sobre o tema, ver por exemplo Moos (1996), The “Disney Sindrome”; Vercelloni (1996),
Heterotopias of Compensation: Disney theme parks and their hotel structures.
25
Ver Costa (1995). A coletânea de textos e projetos de Lúcio Costa traz a reprodução integral da Memória Descritiva do
Plano Piloto (1957).

16
Atuar sobre Interfaces Complexas 17

26
Virilio (1996) : a “estrutura”, no caso, só é percebida através da velocidade dos
fluxos urbanos. O memorável (enquanto espaço arquitetônico) está apartado deste
sistema, refugiando-se no contínuo espaço-parque da cidade moderna.

Um último exemplo que vale a pena visualizar refere-se a estrutura de strip e


Las Vegas
ramificação urbana de Las Vegas, apontada por Venturi, Scott-Brown e Izenour na
década de setenta (1982, ed. orig. 1972) e revisitada vinte e cinco anos depois pelos
dois primeiros.

Em um recente ensaio chamado Las Vegas After its Classic Age (Venturi e Scott-
Brown,1996), os autores verificam as transformações geradas pelo desenvolvimento
da cidade ao longo de duas décadas e meia:

O strip de Las Vegas foi oficialmente renomeado Las Vegas


Boulevard, Isto significa sua urbanização. (…) O strip já não é um
assentamento linear no deserto, é um boulevard em um entorno
urbano; sua ramificações urbanas transformaram-se em periferia.
...........................................................................................................
Há vinte e cinco anos, Las Vegas era formada pela Downtown, com
uma Rua Principal (Fremont Street), e o strip no deserto. Hoje
Downtown segue sendo bastante downtown, mas o strip - agora
boulevard - com seus elementos urbano-cenográficos, transformou-se
de algum modo no equivalente ao shopping center, que mantém o
pedestre em um entorno seguro e explicitamente artificial.
27
(Venturi e Scott-Brown,1996:10)

Como conclusão, os autores procuram demonstrar que uma “outra” imagem tomou o
lugar da cultura popular cotidiana dos setenta. Agora a cidade é do pedestre e o
deserto cedeu espaço para jardins de “bom gosto” e à arquitetura cenográfica,
configurando-se como espécie de gentrificação bizarra (“disneylandização”).

Por mais disparatado que possa parecer a comparação destas quatro cidades, únicas
em suas particulares configurações, a noção de pregnância parece ser uma eficiente
categoria explicativa. Em cada uma delas, a seu modo, a morfologia física, através da
percepção visual e da apropriação social do espaço, gerou uma memória coletiva que
poder-se-ia chamar de prototípica. Em todos os casos, no entanto, percepção e
memória dialogam através de suas estruturas de acessibilidade urbana.

Uma questão ainda relacionada à idéia de projetar o sistema de acessibilidades como


uma “estrutura pregnante” leva uma vez mais a refletir-se sobre os modelos árvore e
semigrelha, descritos por Alexander (1985).

De forma especulativa, deseja-se apontar que a árvore pode, efetivamente, produzir


imagens fortes e memoráveis, quando relacionadas a percursos usuais das pessoas.
Isso porque a intenção hierárquica do modelo estabelece percursos preferenciais,
quando não compulsórios, para os deslocamentos (que tem de ser repetidos
cotidianamente). A percepção visual da estrutura global, no entanto, é muito difícil, a
medida em que a distribuição dos fluxos urbanos é, ao menos no modelo teórico
deste tipo de estrutura, disciplinada através de uma forma de setorização.

Ao contrário, a semigrelha, como modelo teórico, pressupõe a diversidade de


percursos possíveis, garantindo aos cidadãos, ainda que em tese, um certo grau de
liberdade na composição das escolhas dos caminhos a percorrer. Assim, havendo
maior liberdade na seleção dos caminhos, também a memória - individual e coletiva -
se liberta de uma relação de dependência estrita dos deslocamentos, podendo
construir-se a partir de outros valores e julgamentos, não apenas utilitários ou
funcionais.

26
O neologismo criado por Paul Virilio - dromocracia - talvez possa ser apropriadamente traduzido como “mando da
velocidade”.
27
Traduzido de forma livre do original inglês pelo autor. In: Domus, No. 787, Milão, novembro de 1996.

17
Atuar sobre Interfaces Complexas 18

O diagrama da página seguinte procura demonstrar esquematicamente este


raciocínio, através das possibilidades de escolha para os deslocamentos da
residência (1) até o centro urbano principal (4):

Esquemas em árvore e semigrelha,


mostrando alguns lugares urbanos capazes
de serem fixados na memória (pregnância),
e as possibilidades de escolha de percursos.

Na perspectiva projetual do ateliê, a pergunta que resta é de como atuar sobre as


interfaces de acessibilidade, também no sentido de evocar significados culturais que
podem fixar-se positivamente na memória coletiva.

Além da proposição da estrutura viária como arquitetura do território - ou seja,


pensando-a como espaço público de apropriação social ampla e resolvendo ruas e
avenidas através dos componentes arquitetônicos da configuração urbana, e não
28
apenas como sistema componente da infra-estrutura de tráfego - o projetista,
tomando como referência o contexto social e histórico em que está atuando, pode
buscar, à micro-escala, identificar e avaliar qualidades espaciais sensíveis em relação
a apropriação e o uso social do espaço, legitimado pela compreensão da urbanidade,
ou seja, dos valores e práticas cotidianas imanentes ao lugar.

Um interessante esforço neste sentido foi realizado por Gordon Cullen (1974, ed.orig,
1971) que, com olhos de “colecionador de lugares”, escreveu um importante “tratado
29
de estética urbanística”, cunhando como título a palavra Townscape.

Um dos aspectos mais interessantes desenvolvidos por Cullen, diz respeito à noção
de visão serial, ou seja, a constatação de que a cidade revela-se ao observador que
percorre seus lugares, através de séries de imagens fragmentadas (p.9).

A teoria subjacente ao tratado estético é de que existe uma “arte de relação”,


diferente (ou complementar) da “arte da arquitetura”, que o desenhador urbano deve
aprender a “manipular” projetualmente. Assim, se conclui este ponto da pauta com as
atualíssimas palavras de Cullen, escritas a quase três décadas passadas:

Na realidade existe uma arte da relação, do mesmo modo que existe


uma arte da arquitetura. Sua finalidade não consiste em estudar
todos os elementos que constituem o conjunto: edifícios, árvores,
paisagem, água, tráfego, sinais, etc. e encaixá-los, entretecê-los de
forma tal que se desencadeie um drama. Para uma cidade, seu
ambiente, suas circunstâncias, constituem um autêntico
30
acontecimento dramático (Cullen, 1974:10)

(Re)definição do O ponto seguinte da pauta básica relativa às interfaces de acessibilidade objetiva


sistema de tratar das relações entre estrutura de circulação e transportes públicos,
transportes
compreendendo esta problemática como um atributo importante no que tange ao
públicos
acesso democrático às facilidades urbanas.

28
Reveja o roteiro sobre a configuração de ruas, reproduzido nas páginas anteriores deste capítulo.
29
Do inglês town (cidade) + landscape (paisagem): paisagem urbana.
30
Traduzido livremente pelo autor, a partir da edição em espanhol (Cullen,1974).

18
Atuar sobre Interfaces Complexas 19

⇒ - texto interrompido -

ATUAR SOBRE
OS CRESCIMENTOS E BORDOS
DO SISTEMA URBANO

Atuar sobre os crescimento e bordos do sistema urbano significa avançar a


investigação-ação no sentido de dar respostas: i) à consolidação do tecido urbano
existente ou para a definição de padrões sócio-espaciais de crescimento de novas
áreas da cidade, e; ii) estabelecer mecanismos de regulamentação sobre os limites
do território urbanizado, objetivando dar estabilidade e sustentabilidade à interface
cidade-campo, ao mesmo tempo qualificando as áreas urbanas de bordo e
conservando e desenvolvendo a área rural.

Recorrendo-se ao diagrama de crescimentos e bordos da imaginária Ecleta, pode-se


ter uma idéia da importância desta temática:

Ecleta: crescimentos e bordos

Retomando as denúncias de Pesci (1985), em relação aos profundos conflitos


31
ambientais que incidem sobre a cidade contemporânea , vale a pena recordar as
vicissitudes de Leonia, a cidade caracterizada pela avidez consumista, que deixa em
torno de si um cinturão de dejetos; de Zora, a cidade provocada artificialmente
32
através do projeto “em grandes doses” do urbanismo funcionalista, e; de
Pentesilea, a cidade in-urbana sem consolidação histórica e abandonada às franjas
da periferia metropolitana:

“(…) Das armadilhas estendidas subrepticiamente pelos decisores das atuais


metrópoles, mudam a própria essência (de um) modelo histórico. (…)
Conseqüência: marginalidade, dependência, mau uso do tempo,
desarraigamento, ruptura do núcleo familiar e de bairro, agora dispersos em
fragmentos emaranhados.” (Pesci,1985:28)

Leonia, Zora e Pentesilea, cada um dos cenários distópicos que Pesci evidencia na
cidade atual, estão presentes, em maior ou menor grau, na problemática que se pode
identificar em relação ao tema dos crescimentos e dos limites da cidade. A interface
periurbana (Fundación CEPA,1987:14) caracteriza-se pelo tecido urbano mal
consolidado e descontínuo, configurando áreas residenciais com sérios problemas de
infra-estrutura, falta de um referencial sócio-histórico coletivo e a baixa qualidade do
meio construído.

É deste quadro de periferia - que reúne, a uma só vez, as mais negativas faces do
fenômeno urbano - que esta reflexão se ocupa. Da pequena periferia, que se
33
procurará visualizar desde o olhar de seus moradores em suas práticas cotidianas
e, também da grande periferia, resultado de um crescimento aviltante da cidade e da

31
A este respeito, ver Documento II.
32
A noção de crescimento em “grandes e pequenas” doses é discutida por Christopher Alexander (1978).
33
Retomando a perspectiva de Certeau (1985), quanto às práticas de lugar.

19
Atuar sobre Interfaces Complexas 20

região, paradigmática enquanto expressão ideológica, definidora de uma margem


excludente da cidadania plena.
Pentesilea, Zora e Leonia revelam, antes de tudo, uma questão de poder que se
materializa através do crescimento urbano desigual (Campos Filho,1989).
34
O que se está denominando de questão de poder reflete eminentemente a ideologia
característica do urbano (Castells,1983:99), que “naturaliza” as contradições sociais e
“legitima” um clientelismo urbano de base (Campos Filho,1989:412-43).

Ao nível macro, ou seja, no processo de formação da condição que se está


chamando de grande periferia, a ideologia urbana dominante se perpetua como
mecanismo de poder através de distintos interesses imobiliários, em fatores
especulativos da terra urbana e na expulsão/exclusão dos extratos de renda mais
baixos, o que configura uma “periferização física e social (que) acaba por distanciar
ainda mais a família pobre do emprego, do comércio melhor e mais barato e dos
serviços públicos de melhor qualidade da educação, saúde e lazer…” (Campos
Filho,1989:54).

Nesta perspectiva, a interface periurbana faz reconhecer à Leonia, na medida em que


a terra se transforma em mercadoria, a qual se atribui um preço a ser pago. A
periferização física se define por viver cada vez mais longe do centro, cada vez mais
distante das facilidades que a cidade deveria oferecer. O projeto ideológico
dominante reserva a terra para o consumo próprio (desde a competição “ecológica”
pelas melhores localizações, ou, de outra forma, na definição de onde depositar o seu
lixo, por exemplo?) e especula sobre o valor a ser pago, quando for a hora (o que
explica a suburbia classe média: cenários holywood presentes no marketing
urbanístico e na aprazibilidade inventada dos novos loteamentos).

O consumo especulativo do solo urbano gera, ainda, a grave conseqüência de fazer


avançar a cidade sobre o campo, desestabilizando a interface produtiva rural, aos
poucos eliminando o cinturão de abastecimento que historicamente localizava-se em
torno do aglomerado urbano. Resultado: os gêneros alimentícios cada vez mais caros
(aumentando a periferização social) em função, entre outros fatores, dos custos de
transporte e da figura do atravessador, que é o elo entre o agora longínquo produtor e
o mercado de consumo.

Ainda no âmbito macro, desvela-se também Zora na artificialidade (e na perversidade


política) dos grandes conjuntos habitacionais populares construídos à margem das
grandes metrópoles. As chamadas cidades-dormitórios são antes de tudo resultantes
35
de um projeto de disciplinamento do espaço : cada coisa em seu lugar (e no caso, a
coisa são as classes de renda mais baixas), compartimentando a cidade quantas
vezes seja necessário para garantir a manutenção do status quo.

Por outro lado, no âmbito micro, ou seja, no espaço do cotidiano e das práticas de
lugar (Certeau,1985), a face urbana de Pentesilea se mostra como um projeto
ideológico que se confunde com um sistema de “categorias, valores e atividades” que
confere, aos espaços públicos onde acontece a apropriação cotidiana, um “significado
que os torna sociais.” (Santos e Vogel,1985:150).

Em outras palavras, na pequena periferia, a questão ideológica se encena no “palco


da rua” que é o espaço gregário das práticas cotidianas. Apropriar-se dos espaços
coletivos dos bairros periféricos representa, pois, o exercício do poder e do controle
local. Socializar a exclusão significa dominar os códigos e os valores particulares da
periferia e legitimar a ideologia urbana que o produziu.

Aos enfoques mencionados de Certeau e Santos e Vogel, recapitule-se a abordagem


de Velho (1978,1981) onde a questão da ideologia relaciona-se à categorização dos
36
padrões culturais e à tensão entre projetos individuais e coletivos . Vale afirmar que

34
Sobre ideologia ver Löwy (1989) e Geertz (1978), por exemplo.
35
A idéia de disciplina sobre o espaço remete à Foucault (1977,1982), no sentido de “dividir para controlar” as ações de
indivíduos e grupos, utilizando, neste sentido, o “espaço” como instrumento de opressão.
36
Sobre a abordagem de Velho (1978,1981), ver referências feitas no Documento III.

20
Atuar sobre Interfaces Complexas 21

a ausência de um processo mais significativo de arraigamento - a capacidade de


sentir-se pertencendo a um lugar - obstaculiza a construção de uma instância
participativa: os interesses tendem a estar pulverizados em cada indivíduo, em cada
família, em cada pequeno grupo de vizinhança que é, por sua vez, bastante instável.

Desde esta perspectiva, é difícil se pensar em responsabilidades compartilhadas,


sem o que é impossível estruturar-se um projeto coletivo capaz de produzir uma
transformação ambiental de resgate da urbanidade e da cidadania.

O quadro de carências estruturais que caracteriza a noção de interface periurbana,


neste sentido, não é outra coisa senão a dimensão material do projeto perverso
denunciado por Pesci.

A noção de periferia, vista como categoria sócio-histórica com capacidade


interpretativa do processo de construção do território urbano, define uma opção
teórica à abordagem contextualizada em relação ao projeto ambiental relacionado à
37
temática dos crescimentos e bordos . No sentido de melhor explicitar a problemática
38
relacionada ao tema, cabe revisitar a pauta básica identificada anteriormente.

Resolução da O primeiro ponto que se deseja analisar diz respeito, especificamente, aos bordos
interface externos do sistema e à interface cidade-campo (e as contradições implícitas nesta
urbano/rural relação). Neste sentido, o projeto ambiental urbano deve necessariamente levar em
conta a problemática dos limites da urbanização e os efeitos do crescimento não
controlado da cidade que, de forma bastante recorrente, incidem sobre o território
rural atingindo (e muitas vezes inviabilizando) sua função produtiva primária.

Pentesilea, a cidade in-urbana, é a constante ameaça que paira sobre os bordos da


cidade contemporânea. A ânsia consumista de Leonia, que com voracidade
transforma a terra em mercadoria, geralmente provoca um processo de crescimento
“aluvional” desmedido da cidade. Esta cresce incorporando áreas antes produtivas da
agricultura e da criação pecuária extensiva e de subsistência, através dos caminhos
mais favoráveis à especulação e ao lucro fácil de novos loteamentos irregulares ou
sem orientação urbanística.

Como resultado, resta um cinturão periférico de tecido urbano rarefeito, descontínuo,


improdutivo e com sérias lacunas na oferta de serviços e infra-estrutura urbana. A
dialética histórica entre campo e cidade transforma-se em contradição. O cinturão
periurbano não é nem uma coisa nem outra. É uma interface de transição
caracterizada pela falta de imagem e identidade.

Um dos processos predatórios que ajudam a conformar esta interface periurbana


negativa é o dos loteamentos extensivos. Não sendo considerados legalmente como
área urbana, estão livres dos condicionantes legais relativos à padrões de
parcelamento e à instalação de serviços e infra-estrutura. De um modo geral, o
padrão de lote destinado à, principalmente, chácaras de recreio, obedece uma lógica
de mercado voltada para as classes médias urbanas (que buscam um refúgio
campestre de fim-de-semana, como alternativa de lazer ou símbolo de status).

As dimensões destas parcelas são definidas, entre outros fatores, pelo poder
aquisitivo do consumidor alvo, podendo apresentar distintos tamanhos, mas,
invariavelmente, muito pequenos para a sustentação de atividades produtivas
primárias.

Em muitos casos, este tipo de ocupação da terra rural para o uso de lazer é apenas
um subterfúgio no sentido de iniciar um processo especulativo com vistas ao mercado
imobiliário urbano. Uma vez criada a necessária acessibilidade, parte dos lotes pode
permanecer como estoque para, no momento oportuno, sofrer novo parcelamento,
agora dentro de dimensões características de lote urbano. A conseqüência não
poderia ser outra: mais um loteamento periurbano, com graves problemas de infra-

37
Andrade (1994). Ideologia Urbana e Práticas de Lugar: um estudo etnográfico da periferia.
38
Ver Capítulo I.

21
Atuar sobre Interfaces Complexas 22

estrutura, de serviços urbanos, de abastecimento cotidiano e, não raro, com


irregularidades fundiárias.
Concomitantemente, este processo, ao assumir grandes dimensões, traz como
conseqüência a inviabilização da produção primária, particularmente em relação a
hortifrutigranjeiros, nas proximidades dos centros consumidores, o que evidentemente
acarreta aumento nos custos destes produtos.

O mecanismo tradicional de definição da área urbana e área rural do município é a lei


39
do perímetro urbano , que é afeta às atribuições do poder público local. Um dos
objetivos desta lei é definir o território tributável, em nível municipal, sobre o qual
incide a cobrança do Imposto Territorial e Predial Urbano (IPTU). Sobre a área para
além do perímetro urbano oficial, é cobrado, pela União, o Imposto Territorial Rural
(que, em tese, ajuda a financiar as políticas agrícolas nacionais e a reforma agrária).
Por outro lado, sobre a área urbana oficial é dever do poder público municipal garantir
a instalação das redes básicas de infra-estrutura e serviços urbanos.

É comum que a definição do perímetro abarque uma grande extensão de terra (muito
mais do que a verdadeiramente urbanizada), em uma perspectiva míope de que,
aumentando a área urbana, alarga-se a base tributária, fazendo com que o município
angarie mais recursos diretos. Não é difícil compreender que isso gera, também, uma
maior responsabilidade no atendimento das demandas de infra-estrutura e serviços,
ao mesmo tempo em que favorece um processo especulativo com o solo e a
expansão urbana sem controle. Isso acontece porque, dentro dos limites oficial do
perímetro, uma vez satisfeitas as exigências legais, qualquer área, por mais distante
que seja da região efetivamente urbanizada pode ser objeto de um novo loteamento.
Observe-se os esquemas abaixo:

fig. 1 fig. 2 fig. 3 fig. 4

esquema básico de uma cidade: perímetro urbano muito ampliado, perimetro urbano coincidente perímetro urbano adequado,
limites municipais gerando a possibilidade de com a área urbanizada, definindo uma folga aceitável
loteamentos bastante afastados gerando pressão imobiliária para o crescimento urbano
vias urbanas principais
da sede e favorecendo a sobre o crescimento, em áreas estabelecidas como
perímetro urbano
especulação. e elevando o valor dos prioritárias (p. e. onde já
estrada regional novos loteamentos terrenos. existe acessibilidade).
área de crescimento
área urbanizada área especulativa a
prioritário em função
espera de valorização
da acessibilidade
área produtiva rural
área urbana oficial existente

mapas esquemáticos mostrando diferentes relações entre área urbanizada e perímetro urbano.

• A figura 1. representa uma cidade hipotética: estão definidos i) o limite municipal,


ii) as vias urbanas principais, iii) uma estrada de ligação regional, iv) a área
efetivamente urbanizada e, a área rural produtiva;
• A figura 2. mostra o perímetro urbano muito ampliado. diminuindo sensivelmente a
área produtiva rural e oportunizando a implantação especulativa de loteamentos
distantes;
• A figura 3. mostra o perímetro urbano reduzido, coincidindo com a área
efetivamente urbanizada. Neste caso, a cidade está impedida, pelo menos
legalmente, de crescer em superfície, o que gera pressões internas de competição
pelos terrenos, aumentando os valores imobiliários;
• A figura 4. apresenta uma situação satisfatória: o perímetro urbano foi traçado
prevendo-se áreas de expansão prioritária ao longo dos eixos principais de

39
Sobre perímetro urbano, ver também Santos (1985:127-129).

22
Atuar sobre Interfaces Complexas 23

acessibilidade, facilitando a extensão das linhas de transporte e das redes de


infra-estrutura.
O projetista ambiental, a partir de uma compreensão sensível do contexto em que
está atuando, deverá ser capaz de propor um desenho de perímetro que satisfaça as
necessidades de crescimento urbano (que leva em conta, por exemplo, a projeção do
aumento da população ao longo do tempo), impedindo ao mesmo tempo que se criem
deseconomias pelo aumento exagerado da área urbana ou, ao contrário, pressões
imobiliárias que onerem o acesso dos cidadãos aos terrenos urbanizados e
regularizados do ponto de vista fundiário.

Evidentemente, a simples existência de uma lei municipal definidora do perímetro


urbano não é mecanismo suficiente para conter o crescimento descontrolado sobre
áreas impróprias à urbanização. A estratégia do projeto ambiental deve ir além, no
sentido de garantir a sustentabilidade do sistema, através de políticas efetivas de
conservação e desenvolvimento dos setores produtivos rurais, mantendo o
trabalhador rural em seu meio de origem, e qualificando sua relação dialética com a
cidade.

A inserção Um outro aspecto da problemática do crescimento, particularmente no caso de


metropolitana cidades pertencentes à regiões metropolitanas ou em situações de polarização e
interdependência entre distintas cidades (pode-se reavivar o exemplo imaginário de
Ecleta), trata da inserção regional da cidade, ou seja, o papel social, político,
econômico e cultural que a cidade assume em face à região, e a
interrelação/interdependência com as cidades vizinhas.

Um bom exemplo para refletir-se sobre a questão é o caso das chamadas cidades-
dormitório, ou seja “cidades” fortemente dependentes de um centro maior, em termos
econômicos, de tal sorte que funcionam basicamente como área residencial: seus
moradores deslocam-se cotidianamente para outras cidades, para trabalhar, estudar,
fazer compras, etc.

Uma vez mais, as denúncias de Rubén Pesci são emblemáticas. Cidades assim são,
na realidade, não-cidades, uma vez que não respondem à patamares mínimos de
urbanidade: apenas consomem e geram dejetos, sem nada produzir; não qualificam
as relações sociais pois praticamente toda a vida urbana acontece em outros lugares;
sua identidade se resume à morada (que quase sempre se reduz ao espaço privado
da habitação); em geral respondem às necessidades habitacionais das populações
com extrato de renda baixos (e se transformam em verdadeiros “depósitos” de
trabalhadores).

Outra situação recorrente diz respeito à cidades cuja economia seja fortemente
polarizada em uma determinada atividade produtiva, seja ela a produção de soja, a
indústria de calçados ou a atividade de mineração carbonífera, somente para citar
alguns exemplos. Uma crise no setor produtivo específico poderá paralisar a
economia municipal, provocando efeitos sociais negativos de toda a ordem.

O projetista deve perceber que cidades assim não são sustentáveis. E neste sentido,
procurar alternativas estratégicas para atrair investimentos públicos e privados que
gerem emprego, produção e consumo em diferentes setores, movimentando a vida
econômica e social do município, na busca de uma razoável autonomia, diversidade e
40
sustentabilidade . Assim, a cidade estará menos vulnerável às crises econômicas

40
Das cidades que foram objeto de estudo pelo ateliê 2209, verificam-se situações distintas em relação a esta problemática.
Guaíba durante um certo período de sua história caracterizou-se efetivamente como “dormitório” de Porto Alegre, o que a
implantação de grandes loteamentos e conjuntos habitacionais para população de renda baixa somente agravou. Aos poucos,
no entanto, a instalação de indústrias diversas equilibrou um pouco os deslocamentos da população. Ainda assim, permanece
fortemente dependente. Eldorado do Sul, município que se emancipou recentemente de Guaíba, é exemplar na questão de
cidade-dormitório: configura-se por alguns núcleos residenciais de baixa qualidade, cuja população busca emprego
principalmente em Porto Alegre, Canoas e Guaíba. A economia da cidade (que não é tão frágil) está voltada para outros
mercados e a qualificação da mão-de-obra exigida pelas indústrias ali instaladas atrai trabalhadores de fora da cidade. Portão,
a mais autônoma das três cidades estudadas (em função da sua localização geográfica, a meio caminho entre a RMPA e a
região serrana), ainda assim é economicamente polarizada pelo setor químico e coureiro, esquecendo-se da sua origem ligada
à agricultura. A recente e profunda crise no setor calçadista do Vale dos Sinos provocou uma drástica redução da oferta de
empregos, acarretando sérios problemas sociais ao município.

23
Atuar sobre Interfaces Complexas 24

setoriais (que geralmente tem causas externas ao município), podendo melhor


equilibrar suas demandas sociais e comunitárias.

É claro que não se pode pensar em autonomia ou sustentabilidade absoluta. Não faz
o menor sentido se projetar uma “cidade-estado” totalmente independente do resto do
41
mundo. Em tempos “dromocráticos” , para se utilizar uma expressão inventada por
Paul Virilio (1996), quando a velocidade telemática virtualiza o tempo e os
deslocamentos, isto soaria absurdamente anacrônico. O que o projeto ambiental deve
responder é quanto à construção de relações de interdependência socialmente justas,
onde o sistema urbano não pode ser pensado isoladamente, sem levar-se em conta
sua inserção regional e nacional (e mesmo planetária, na medida em que se fala em
globalização), mas que, ainda assim, reflete especificidades de contexto social e
cultural. Uma cidade é sustentável quando a urbanidade se completa em termos de
oportunidades políticas, sociais e culturais que caracterizam um quadro de cidadania
plena.

Tecido urbano Um dos fatores que melhor caracterizam a abordagem da interface periurbana diz
não respeito à falta de consolidação histórica e as descontinuidades do tecido urbano. Tal
consolidado e questão pode ser compreendida através da percepção intuitiva dos diferentes estados
descontinuidad
e urbana de configuração da cidade, através de um simples passeio por diferentes bairros,
desde que se tenha os olhos abertos para “enxergar” o óbvio: que a cidade está em
processo continuo de transformação sobre o qual incidem acréscimos de novos
elementos construídos e substituições de “partes” que se tornaram, por vários
possíveis motivos, obsoletas em relação à estrutura urbana.

Nesta perspectiva, existem áreas na cidade em que as coisas parecem mais


“completas”: os lotes estão todos ocupados por edificações, as ruas são
pavimentadas e limpas, existe iluminação pública, etc. Outras áreas, ao contrário,
parecem “inacabadas”: existem muitos lotes vazios, as ruas terminam em nada, a
sujeira se acumula. São situações diferenciadas que evidenciam distintos graus de
consolidação física da cidade (o que pressupõe, é claro, diferentes relações entre os
moradores e o meio urbano).

Krafta (1986:20-21) , por exemplo, aponta algumas distinções qualitativas para a


caracterização do tecido urbano:

i. O tecido consolidado, com desenho aparentemente completo e elementos


permanentes;
ii. o tecido em transformação, objeto de ações de substituição de elementos
construídos obsoletos;
iii. o tecido provisório, caracterizado pela ocupação rarefeita e extensiva, e;
iv. o tecido suburbano, cujo desenho se mostra incompleto e marcado pela
descontinuidade

A esta categorização, pode-se agregar dois outros tipos:

v. O tecido deprimido que se caracteriza pelo esvaziamento e obsolescência


funcional, que transforma-se em estoque imobiliário a espera de
operações de renovação urbana, e;
vi. o tecido artificial, resultante de grandes projetos urbanos, particularmente
no que tange a implantação de conjuntos habitacionais.

A descrição do tecido urbano através destas diferentes categorias ajuda a


compreender a configuração urbana em termos de padrões sócio-espaciais de
ocupação. No entanto, deve-se estar atento ao fato de que a classificação apontada
não reflete uma maior precisão. Na verdade, na maioria das vezes, as distintas
características coexistem em um mesmo setor urbano, o que significa, entre outros
aspectos, que a ação dos agentes do desenvolvimento urbano acontece de forma
desigual sobre o território da cidade.

41
A palavra é um neologismo criado por Virilio, a partir do grego dromos (significando corrida, marcha), para descrever um
mundo que é governado pela velocidade das comunicações.

24
Atuar sobre Interfaces Complexas 25

A problemática dos crescimentos urbanos se reflete, sem exceção, sobre todas as


categorias arroladas (mesmo sobre o tecido consolidado) e é tarefa do projetista
avaliar os padrões existentes, suas características morfológicas e funcionais, a
dinâmica urbana, a qualidade de ocupação, etc., no sentido de buscar uma avaliação
prospectiva de padrões desejáveis para o crescimento das diferentes áreas da
cidade.

À guisa de exercício, pode-se relacionar algumas medidas circunstancialmente


“desejáveis” a cada um dos tipos arrolados, no sentido de exemplificar o salto
projetual entre o existente e o desejável:

• Em relação ao tecido consolidado, pode-se pensar em um possível adensamento,


objetivando uma otimização em termos da utilização economicamente eficaz da
infra-estrutura instalada;
• em relação, ao tecido em transformação, pode-se, através de projetos, buscar
antecipar-se às mudanças, no sentido de melhor adequar a estrutura urbana aos
novos usos e atividades;
• em termos de tecido provisório, dada a ocupação extensiva (caracterizada por
lotes de grandes dimensões e baixa ocupação), pode-se pensar em um novo
padrão de parcelamento do solo para aumentar a densidade residencial, por
exemplo, o que tornaria os custos sociais da infra-estrutura distribuídos de
maneira mais justa;
• em relação ao tecido suburbano, investimentos públicos em infra-estrutura,
equipamentos e serviços ajudariam a qualificar o ambiente, ao mesmo tempo em
que medidas para o ocupação compulsória incidiriam sobre os vazios urbanos;
• no que tange ao tecido deprimido, uma estratégia de renovação urbana legitimada
por demandas legítimas de uso (por exemplo, quanto ao que se refere à função
social da propriedade urbana, prevista na Constituição Federal), poderia minimizar
os efeitos da especulação imobiliária e a “cartelização” do mercado da construção;
• no que se refere ao tecido artificial, o projetista ambiental poderia valer-se da
participação da comunidade para “desenhar” os crescimentos urbanos segundo
padrões culturalmente sensíveis aos seus moradores.

Manejo A cidade é resultante de um processo continuo de transformação do ambiente natural


ambiental e através de ações antrópicas. Em outras palavras, o homem atua sobre o ambiente -
preservação do informado e transformando sua própria cultura - no sentido de adequá-lo a suas
patrimônio
natural
demandas e necessidades.

A ação humana incidindo sobre o espaço natural gera desajustes ambientais que são
conhecidos por todos. O fantástico filme de Geofrei Reggio - Koaniskatsi (1982) -
mostra, em uma seqüência de imagens frenéticas emolduradas pela trilha sonora
minimalista de Phillip Glass, este “mundo louco”, marcado pela vida em desequilíbrio
que é resultante de transformações antrópicas sem critério. Uma vez mais Leonia,
Pentesilea e Zora se desvelam aos olhos do atônito espectador.

O processo de projetação ambiental deve estar atento aos impactos negativos pela
inserção e crescimento do meio urbano sobre o meio natural. O patrimônio que
representa a natureza, o bem maior legado à humanidade, deve ser objeto de uma
profunda reflexão no sentido de que a ação projetual aponte caminhos no sentido de
uma dialética efetiva entre conservação e desenvolvimento.

Nesta perspectiva, atuar sobre os crescimentos e bordos do sistema deve levar em


conta os valores patrimoniais sobre os quais a urbanização provoca mudanças. O
crescimento urbano aniquila áreas de campos, matas, florestas. A sociedade urbana,
como Leonia, produz dejetos que são lançados no solo, na águas e na atmosfera. A
contaminação do solo e dos recursos hídricos atinge proporções insustentáveis.
Espécies nativas de fauna e flora desaparecem. A um quadro destes, a tendência é
que o investigador desavisado assuma uma posição defensiva: a cidade passa a ser
vista como “inimiga” do ambiente; a “natureza” deve ser preservada a qualquer custo.

Na verdade, certos grupos ecologistas propõem exatamente isso: um congelamento


no estado de desenvolvimento da sociedade humana, no sentido de preservar e
recuperar o ambiente natural tão combalido pelas ações do homem. O paradigma do

25
Atuar sobre Interfaces Complexas 26

crescimento zero foi proposto, na década de setenta, pelos estudiosos do chamado


Clube de Roma, e significava que o mundo deveria paralisar seu crescimento
econômico, cujo impacto sobre os recursos naturais teria atingido um patamar crítico.

Não é preciso ser nem cientista nem político para perceber que a adoção de um
patamar de estagnação econômica com crescimento zero: i) condenaria a maior parte
da população mundial, nos chamados países de terceiro-mundo, entre os quais
obviamente o Brasil, a permanecer no seu atual estado de miséria, à margem dos
benefícios da tecnologia, da cultura, da educação, etc. e, ii) não significaria nenhuma
garantia de preservação ambiental. Ao contrário, perpetuaria formas arcaicas e
predatórias de exploração sobre este mesmo ambiente que ansiosamente se
pretende preservar.

Porque a cidade é a instituição material mais tangível da civilização (que nem o


desurbanismo proposto por alguns pioneiros da modernidade conseguiu destruir), e
porque homem, cultura e natureza, em uma visão holística, são parte de um ambiente
sistêmico e único, é que o projeto ambiental deve voltar-se não para a radicalidade
preservacionista, mas sim para uma perspectiva de desenvolvimento sustentável que
articula a conservação dos recursos naturais à processos tecnológicos e culturais
voltados para a recuperação de áreas deterioradas e para a utilização racional e
orientada dos necessários recursos naturais.

A questão do crescimento urbano está diretamente relacionada a esta problemática,


na medida em que, através de diretrizes de regulação do desenvolvimento urbano, é
possível encontrar alternativas saudáveis na relação homem-ambiente. Políticas
sócio-ambientais devem levar em conta a educação como ponto de alavanca
primordial para a construção de uma cidadania comprometida com as
responsabilidades sociais sobre o meio em que vivemos.

A legislação brasileira em vigor define parâmetros bastante precisos na preservação


do ambiente natural, podendo ser considerada uma das mais avançadas do mundo.
No entanto, não é demais comentar que a existência de um marco legal avançado
não traz, por si só, a garantia da sua aplicabilidade, ou mesmo de sua adequação e
flexibilidade em relação a determinados contextos particulares. Neste sentido, o
projetista ambiental deve, a partir da compreensão da problemática sobre o contexto
em que está atuando, procurar articular estratégias com capacidade de resposta ao
binômio conservação-desenvolvimento efetivamente vinculadas às práticas de lugar e
a cultura subjetiva da população, na exata medida em que isso não afete
predatoriamente os recursos naturais a preservar e desenvolver.

Em termos práticos, as estratégias a serem propostas devem ser sensíveis ao


contexto local. O projetista deve ser capaz de “enxergar mais longe”, e para além dos
limites disciplinares, os conflitos e potencialidades latentes ao meio. Programas se
educação ambiental centrados na concreta ação cidadã, de ecoturismo, de
manutenção da população no campo com introdução de técnicas de produção mais
adequadas, monitoramento dos recursos naturais, rígida fiscalização das atividades
eventualmente contaminantes, investimentos concretos em saneamento básico,
desenvolvimento de técnicas e materiais de construção renováveis e estratégias
racionais de demanda energética, etc., são diferentes temáticas a serem levadas em
conta.

Uma vez mais, a capacidade de aprender do contexto, da paisagem integral na qual


se insere a atuação do urbanista, significa encontrar as chaves para a interpretação
42
dos padrões de espaço e comportamento usuais, na perspectiva de um salto
projetual para a elaboração de padrões desejáveis em termos de conservação e
sustentabilidade. Pois, como coloca Venturi, “(…)aprender da paisagem existente, é a
maneira de ser um arquiteto revolucionário.” (Venturi, Izenour, Scott-Brown,1982:22)

Desenho de
Um outro aspecto importante deve retomar, levando em conta a pertinência e a
suportes e adequação de escala, tudo o que foi dito em relação à temática de centralidade
distribuição de
equipamentos
42
Sobre padrões espaciais e comportamentais ver, além de Alexander (1981,1982), Acatolli (1995) que sintetiza com bastante
acuidade diferentes abordagens do tema.

26
Atuar sobre Interfaces Complexas 27

urbana. O projeto de elementos de suporte (mobiliário urbano, arborização,


sinalização, etc.) e dos equipamentos de uso social deve ser articulado com as
demandas relacionadas à problemática do crescimento urbano.

Uma vez mais, as demandas comunitárias podem ser melhor avaliadas quando se
reconhece as práticas de caráter local e os diferentes usos consagrados do espaço
público. O desenho dos elementos de suporte deve ser funcional (cumprir sua
finalidade com durabilidade), agradável (aos olhos e à dignidade cidadã) e confortável
(ou seja, qualificando o ambiente e tornando-o mais “parte” da vida dos moradores).

Os equipamentos públicos, por sua vez, devem ser dimensionados não apenas para
a demanda atual, mas prevendo o crescimento da cidade, uma vez que consomem
significativa parcela dos recursos disponíveis. O critério na distribuição de
equipamentos e serviços deve buscar a máxima eqüidade no sentido de promover a
justiça social. Critérios técnica e socialmente adequados precisam ter prevalência
sobre atitudes políticas paternalistas. E, neste embate, ao projetista cabe a tarefa de
comunicar com clareza os seus argumentos na definição de critérios que envolvam a
distribuição de recursos públicos, e, ao mesmo tempo, participar na formação de
opinião sobre o que é (para um certo contexto) qualidade ambiental urbana.

Viabilidade A questão da sustentabilidade do sistema urbano não deve restringir-se à dimensão


econômica dos econômica da cidade, ainda que esta seja fortemente determinante nas relações
investimentos
públicos e
sócio-espaciais urbanas. A cidade, como já foi dito, deve sustentar-se pela
das atividades urbanidade que se reflete em um exercício pleno de cidadania, no qual as
urbanas oportunidades sociais, políticas, econômicas e culturais sejam o mais equanimemente
privadas ofertadas.

Evidentemente, no contexto da economia capitalista, a instalação das atividades


econômicas baseia-se em decisões técnicas e políticas que se fundamentam na
viabilidade dos investimentos. Em uma perspectiva empresarial, não faz sentido
imobilizar capital em uma atividade que não represente lucro. O que significa uma
relação de mercado entre a oferta (de bens ou serviços) e a demanda (a procura que
estes bens e serviços gerarão). Por outro lado, uma vez que a oferta visa o lucro, esta
estará dirigida para um mercado consumidor, formado pela parcela da indivíduos,
grupos, outras empresas ou o próprio governo, que possa pagar pelos produtos
oferecidos.

Em situações de interface periurbana, onde recorrentemente acontece uma ocupação


rarefeita e/ou por famílias de renda baixa, a questão assume uma importância
fundamental em termos da sustentabilidade - ou não - do sistema.

Sem dificuldade, pode-se imaginar, por exemplo, situações em que a demanda para a
utilização de transportes urbanos, em determinada zona da periferia da cidade, não
seja suficiente para cobrir os custos e o lucro para viabilizar a instalação de uma linha
de ônibus que atenda esta área. Outro exemplo poderia ser a instalação de um
supermercado: se a demanda de consumo ou os patamares de renda forem muito
baixos, a empresa não terá qualquer interesse em investir na área.

No primeiro caso, alguma forma de subsídio público pode ser oferecido, no sentido de
equilibrar os custos operacionais da linha. Uma outra alternativa é a adoção de uma
tarifa social, que distribuir os custos homogeneamente, independente da demanda e
da distância percorrida (este, por exemplo, é o mecanismo adotado em Porto Alegre).
Em teoria, usuários com menor poder aquisitivo, ou que utilizam linhas mais longas,
estão pagando menos pelo transporte público, num mecanismo indireto de
distribuição de renda.

No segundo caso, tanto o poder público como a iniciativa privada poderão buscar
alternativas para aproximar e incorporar os extratos de renda mais baixos ao mercado
de consumo. Feiras livres, onde o produtor vende diretamente ao consumidor final, é
uma alternativa histórica altamente positiva, pois além de garantir a oferta a preços
mais baixos, termina ocasionando um fato social: as pessoas aproveitam o dia de
feira para se encontrar, colocar a conversa em dia, namorar, etc. Em Portão, na já

27
Atuar sobre Interfaces Complexas 28

citada Vila dos Trilhos, a iniciativa privada adotou uma solução original, a quitanda
móvel, que nada mais é que um velho ônibus transformado em mercado ambulante.

Hortas e pomares públicos podem também ser alternativas sustentáveis, colaborando


não apenas em relação ao abastecimento, mas também na educação sobre o
ambiente e a cidadania. Podem também significar oferta de emprego para uma
população originária da área rural, com poucas oportunidades de trabalho na indústria
ou no setor de comércio e serviços.

O projeto ambiental, tanto em sua dimensão técnica quanto em relação aos seus
mecanismos políticos, deve contemplar alternativas para qualificar o ambiente
urbano, particularmente no caso de interfaces negativas de carência infra-estrutural e
baixa qualidade do meio construído, através de um exame criterioso das
possibilidades criativas para os investimentos em infra-estrutura, serviços e
equipamentos de uso público.

Não se pode esquecer que cidades muito dispersas e com baixas densidades
tornam-se muito caras, no sentido de implantação e instalação de redes de infra-
estrutura e serviços urbanos. Mas é função do poder público garantir o saneamento e
os serviços básicos em toda a área urbana que é definida por lei.

Neste sentido, uma estratégia de crescimento urbano deve levar em conta que o
adensamento, dentro de certos limites técnicos e sociais, significa economia e
qualidade ambiental para a cidade. Critérios para a aprovação de novos projetos de
loteamento e a fiscalização da sua implantação devem ser previstos. A Legislação
Federal (particularmente a Lei Federal 6766/79) determina patamares mínimos para o
parcelamento urbano e a preservação ambiental. Mas, em um quadro de imensas
distorções, muitas vezes o que se vê é falta de vontade política de fazer cumprir as
leis.

Em uma outra perspectiva, a participação das comunidades periféricas pode ser um


instrumento importante em termos da construção do sentido de pertencer ao lugar
onde se vive e, ao mesmo tempo, gerar alternativas criativas e menos onerosas em
termos do aparelhamento público das áreas de baixa renda.

A problemática específica em termos de investimentos para qualificar a interface


periurbana é inesgotável nos limites desta breve reflexão. Ainda assim vale relembrar
o papel social do urbanista, muito além do simples desenhador de soluções técnicas,
mas também um mediador político entre os distintos interesses dos agentes do
desenvolvimento urbano. E, neste sentido, recordar o pensamento de Maurice Cerasi,
para quem “…a verdadeira história da cidade contemporânea é a história da
43
periferia” , o que significa que os desafios ao projetista ambiental são volumosos e
tendem a avançar para situações críticas. E que é preciso enfrentá-los, desde a
perspectiva “inconformista” na qual se arraiga Rubén Pesci, com convicção ética
quanto aos destinos do ambiente.

43
Conforme citado no prólogo de Cittá e Periferia (segundo Pesci,1985:28).

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