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por
Camila Rehbein
Prefácio:
Eu não sei se é querer demais da minha parte, mas tudo o que eu queria era ter
um canto para pensar e uma cidade boa e gostosa pra viver com a minha família. Eu
nunca fui daquelas meninas que vivem pedindo novas bugigangas para os pais, com a
intenção de ser a mais popular ou a mais bonita da escola, convenhamos que em matéria
de beleza eu não seja aquela por quem todo o garoto se apaixona só de olhar uma única
vez. Magreza é o meu ponto forte - sabe aquelas modelos que ficam dias sem comer pra
conseguir o corpo perfeito para um desfile? Sem querer me gabar, eu tenho esse corpo
com a única diferença que eu me mato de tanto comer e não consigo nem uma graminha
a mais na balança - além dos cabelos castanhos e curtos desfiado para todos os lados
possíveis.
Algumas pessoas diriam que eu pareço uma emo, na real odeio que me rotulem
dessa forma, pois tenho, absolutamente, um estilo próprio: Gwen Lancullver. Acho
patético as pessoas te rotularem pelas peças de roupa que você tem no guarda-roupa,
adoro pensar que os humanos em geral são rotulados pela sua forma de pensar e agir e
não pelo que estão vestindo. Mas excluindo os meus pensamentos sobre o mundo, vou
continuar o que estava falando bem no começinho. Eu sempre morei na mesma cidade
desde que eu tinha uns... Ah... Desde que eu era um bebê; tenho amigos nessa mesma
cidade e familiares também e esse pequeno pedaço de terra abençoada por Deus se
chama Lynn e com certeza é o meu refúgio.
Vamos dizer que ela tem sido o meu abrigo, quando quero pensar sobre a minha
vida e refazer os planos que, pleno menos, tentei traçar para ela vou ao High Rock Park
relaxar e tentar ver as coisas de um outro ponto de vista. Só que agora o meu mundo
desmoronou com a conversa que meu pai teve conosco na noite passada; ele veio com
uma história que precisava expandir na sua profissão, criar novas experiências (detalhe:
mesmo que fosse no lugar mais longínquo do universo) , e aceitou um emprego novo
numa cidade que eu nunca ouvi falar e numa língua que eu não faço a menor idéia de
como se pronuncia.
Fiquei absolutamente apavorada: - Como assim? Você está querendo dizer que nós
vamos nos mudar pra onde Judas perdeu as botas? Quando vai ser isso? Aposto que lá
as pessoas devem ser alienígenas que quando vieram para Terra não sabiam aonde se
esconder e foram para lá!!?Aposto - falei com um ar interrogativo e totalmente
desesperado.
-Pare de drama Gwenever – pois é esse é o meu nome, não sei o que meus pais tinham
na cabeça quando resolveram colocar esse nome estranhíssimo em mim; pelo menos ia
combinar com a cidade perdida no mapa em que eu ia morar - a cidade é pequena e fica
num lugar meio esquecidinho, mas não é motivo para esterias – ele tava querendo me
consolar, só podia ser... Esquecidinho era pouco para o que aquela cidade, do outro lado
do Atlântico, representava pra mim.
Outro detalhe que estava quase esquecendo de mencionar é que eu moro só com
o meu pai, um irmão mais velho e um pitbull chamado Hunter, ou seja, moro apenas
com criaturas do sexo masculino, então imagina como deve ser a minha vida. Minha
mãe foi embora quando eu tinha um ano e depois, com o tempo, eu fui esquecendo de
sua fisionomia. Meu pai prefere não falar muito sobre o assunto, acho que ainda não
superou esse aspecto de sua vida (ele ainda tem algumas fotos dela bem guardadas na
gaveta de sua escrivaninha, que fica trancada quase todo tempo para eu não ir lá fuçar),
mas ele é um bom homem e tenta dar conta do recado.
Depois da conversa básica que tivemos na sala fiquei paralisada, sentada no sofá
pensando em como eu ia me virar naquele fim de mundo. Ewan, numa calma e quase
que uma irritante conformidade se levantou e foi até a cozinha beber alguma coisa,
Hunter continuava na mesma, brincava com um ursinho marrom que antigamente tinha
sido meu. Meu pai, Marc, vendo meu ar reflexivo deu uma risadinha amarela e veio
calmamente, com aquele andar decidido como se a cada passo ele pensasse seriamente
para colocar o pé no local exato, sentou do meu lado e me deu um empurrãozinho:
-Vamos lá Gwen! Pense pelo lado positivo – e tinha algum lado positivo? – lá você vai
poder fazer novos amigos, conhecer todo mundo e vai poder ter mais liberdade pra
andar por aí. Eu já estou adiantando os papéis e pretendo matricular você e seu irmão no
colégio da cidade, vai ser legal! Uma nova experiência na sua vida! – ele falou num tom
quase que encorajador, pelo jeito ele acreditava mesmo na possibilidade de expandir sua
profissão naquele lugar.
- Ta bom pai... Juro que vou fazer uma cara de feliz quando for me despedir da vovó e
do vovô e também juro que vou tentar fazer as coisas parecerem normais quando for me
despedir dos meus amigos, afinal quantas pessoas se mudam para uma terra alienígena e
são felizes, né? – caraca, eu já estava começando a mentir para mim mesma e com
certeza nem eu consegui acreditar no que disse.
Subi as escadas deixando meu pai sentado, me olhando com uma cara de quem
não podia fazer nada para o meu sofrimento passar, abri a porta do meu quarto e
comecei a reparar em cada detalhe. Ele não tinha móveis novos e muito menos era
planejado por uma loja, mas tinha o que eu precisava. Num canto estavam os meus
ursinhos, que eu tinha ganhado desde que eu fiz meus primeiros aninhos, no meio
estava a minha cama de solteiro que não parecia muito de “solteiro” porque era um
pouco maior do que a convencional que se encontram no mercado hoje, na janela estava
a minha escrivaninha onde eu estudava durante horas para as provas e fazia meus
trabalhos num notebook usado que meu pai tinha e me deu. Na parede que ficava do
lado direito da minha cama, estava o meu velho e pesado guarda-roupa que tinha
pertencido a minha mãe - pelo menos uma coisa que restou dela aqui em casa - e do
lado dos meus ursinhos estava o meu piano, a grande paixão da minha vida e meu
companheiro nos momentos de deprê.
Nem acreditava que aquilo estava acontecendo, seria uma mudança muito
drástica na vida de qualquer um ainda mais para uma garota de 17 anos como eu! Tentei
racionalizar e percebi que ainda teria tempo para me despedir e curtir uns poucos
momentos dessa cidade que me acolhera tão bem. Já era tarde e eu precisava dormir,
Ewan veio me dar boa noite e vendo que eu derramava algumas lágrimas me deu um
abraço e disse com aquela calma característica: - Vai ficar tudo bem, não precisa
chorar!- convenhamos que nesse quesito o meu irmão fosse um fofo, com apenas 18
anos e preocupado com a irmã... Quem sabe ele tinha razão, talvez tudo ficasse bem e
eu estava chorando a toa, como sempre.
Arrumei minhas coisas e fui deitar, na esperança de acordar no outro dia e
descobrir que tudo isso era um pesadelo e que eu ficaria em Lynn pro resto da minha
vida.
- Vamos acordando sua preguiçosa, já são sete horas e você ainda está ai na cama de
pijama – ah! Não acredito que já está na hora de acordar... - vamos menina acorda a
escola não vai parar pra esperar você chegar e, além disso, a senhora Donahann já
avisou o papai que mais um atraso seu e você estará suspensa!
Com um ar meio sonolento vesti meus chinelos e me dirigi ao banheiro da casa, lavei
meu rosto calmamente e depois de enxugá-lo prestei muita atenção nos detalhes que
estavam estampados nele; nossa como meus olhos estavam inchados! Aonde será que eu
coloquei os meus óculos de sol? Voltando ao espelho me dei conta de que tudo aquilo
que tinha vivido ontem era real e que agora que a vida me impunha mudanças eu tinha
que aceita-las de cabeça erguida e tentar amadurecer com as novas experiências. A
quem eu estava enganando, eu parecia mais um patinho amedrontado do que um leão
em busca de caça e ainda por cima os meus olhos estavam mostrando bem isso.
- Gwen?! Você está bem? Saia logo desse banheiro e vá comer alguma coisa, você sabe
o que senhor Marc odeia atrasos!- disse meu irmão enquanto esmurrava a porta.
- Ta já vou sair, não se preocupe se eu morrer não vou precisar ir pra bem longe e vocês
poderão me deixar aqui mesmo, enterrada em Lynn!!!- nossa que coisa horrível de se
dizer, mas pensando bem se eu morresse ficaria aqui e não precisaria ir pra uma cidade
onde com certeza eu ia parecer um ET.
Me arrumei rapidamente e engoli o resto das panquecas que estavam em cima da
mesa me esperando. Sai correndo para o carro do meu pai que já estava quase partindo e
fiquei pensando em qual assunto eu deveria falar: mudança ou mudança, eu precisava
perguntar, afinal ontem fiquei tão chocada que nem tive forças para saber dos detalhes
então criei coragem e fui em frente: - Quando é a mudança?- perguntei num tom tão
baixo que meu pai olhou para mim com uma cara de interrogação e eu tive que refazer
aquela pergunta que me custava tanto - Quando é a mudança?
- Bom, eu já andei conversando com a empresa e já comecei a arrumar as papeladas
para matricular você e seu irmão na High School Villach e, além disso, já liguei para a
transportadora e o caminhão vai passar lá em casa para pegar as coisas na próxima
segunda-feira, então já vá arrumando suas coisas nas caixas que estão no quartinho!
Partimos no dia seguinte com destino ao nosso novo lar em Klagenfurt.
- Nossa que animador! Eu nem consigo pronunciar o nome da cidade e muito menos o
nome do novo colégio, mas só uma última pergunta: eles falam a minha língua lá? Tipo
rola um bate-papo em inglês por aquelas bandas?
- Querida, nosso idioma é falado em todo o mundo e provavelmente você não é a única
americana que vai para lá! – hahaha, nunca se sabe! Vai que todo mundo lá fala uma
língua nativa e extinta a mais de 2000 anos? Só quero ver, eu falo somente inglês e mal
e porcamente o espanhol e agora meu pai está querendo me inserir num mundo onde
todos falam complicado? Isso não vai prestar!
- Boa aula querida! E não esqueça de começar arrumar as suas coisas! Ouviu?- nessas
horas eu já estava meio afastada e meu pai gritava tentando fazer com que eu ouvisse
seus pedidos a uma longa distância.
Como todos os dias, eu me dirigi ao meu armário para descarregar as coisas e
pegar os livros correspondentes às primeiras aulas da manhã, eu tentava me concentrar
para não chorar e acabar demonstrando a minha situação diante dos meus amigos.
Peguei os livros e fui para a sala esperando que ninguém viesse falar comigo, estava
completamente arrasada e com certeza não estava com o menor animo de contar o que
estava acontecendo comigo e de como a minha vida iria mudar nas próximas semanas.
- Oi amiga!- vixe; espera Gwen, controla o choro e imagina que você vai ficar com eles
pra sempre – disse a minha amiga com tanta euforia que eu tive que dar risada.
- E aê guria, como você ta?- nossa, consegui me controlar, mas acho que meus olhos já
denunciaram que eu não estou bem.
- Eu estou ótima, mas estou vendo que tem algo errado com você?!
- Sério? Está tão evidente?
- Claro amiga, seus olhos não deixam você me enganar! Pode me contar o que está
acontecendo.
Sinceramente eu não queria contar, mas de uma forma ou de outra ela teria que saber,
pois no final das contas eu teria que me despedir para sempre.
- Vou me mudar para a Austria... - fui curta e grossa na esperança do choque ser menor.
- O quê? – disse Marylin com um ar de assustada misturado com total incredulidade -
Gwen, como assim? Você vai se mudar? Como foi que isso aconteceu? Quando você vai
embora? Como você está se sentindo? – perguntas e mais perguntas, típico dessa
criatura.
- Olha, ainda está muito recente, meu pai nos comunicou ontem depois do jantar e hoje
eu consegui criar forças para perguntar os detalhes e são estes: segunda-feira o
caminhão vem pegar as nossas coisas para levar para a transportadora, meu pai já
agilizou para que na mesma semana comecemos a estudar na High School Villach e eu
vou embora daqui uma semana! Viu que coisa mais legal?!
- Não acho!- adorava Marylin, mas ela nunca entendia o meu tom de ironia e como
todas às vezes, tive que explicar.
- Guria... Se liga, eu estou odiando tudo isso...
- Ah bom!
- Fica quieta que o senhor Peterson vai começar a aula.
Aquela aula passou mais rápido do que de costume, ainda mais porque a matéria dele
não me agrava muito: Física – meu martírio estudantil. O sinal bateu avisando que a
aula tinha acabado e assim eu sai correndo para conversar com Adam, meu melhor
amigo e a pessoa que eu mais confiava para desabafar.
- Vem aqui que eu preciso falar com você urgentemente – vai saindo sua bisca porque a
prioridade é minha. Odeio quando essas assanhadas vêm pra cima do Adam, ainda mais
porque esse bocozão de mala dá moral pra essas pangarés.
- Poxa Gwen eu tava quase conseguindo o telefone dela!- ele ainda tem a capacidade de
me dizer isso, ai se eu pudesse colocar um cérebro mais inteligente nesse garoto pode
apostar que eu colocaria.
- Não se preocupe gostosão, você vai ter o resto do ano letivo para isso e pode crer que
eu não vou estar aqui para presenciar a sua decadência.
- Como assim você não vai estar aqui?
- Simples como fazer aviãozinho de papel... Eu vou me mudar daqui uma semana para
Austria e não tem absolutamente nada que eu possa fazer para reverter essa situação,
tipo, é o emprego do meu pai! Ele veio com essa história de que precisava expandir os
negócios, criar novas experiências nos seu campo de trabalho e a empresa resolveu
manda-lo para onde Judas perdeu as botas... Ah Adam você não imagina como eu estou
desesperada e triste... - nesse instante acabei derramando algumas lágrimas e numa
atitude de amizade ele me abraçou forte e não disse uma palavra sequer, apenas ficamos
ali durante alguns minutos enquanto todos ao nosso redor iam em direção a suas salas.
Depois daquele momento me senti mais calma, tinha conversado com alguém
que realmente me entendia e que, mesmo não dizendo nada, sabia falar o que eu
precisava ouvir. Assisti às aulas com meu pensamento bem longe, imaginava como seria
ter que encaixotar todas as minhas coisas e arrumar pela ultima vez meu quarto e a
minha casa. Por fim as aulas terminaram e eu fui me despedir dos meus amigos para
poder encarar essa nova fase de uma forma positiva; enquanto caminhava para minha
casa observei cada detalhe das ruas que antes passavam despercebidos pelos meus olhos
e tentei conter aquele balde de lágrimas que estavam jorrando dos meus olhos. Ao
chegar em casa Ewan já tinha tirado as caixas do quartinho e sorrindo me disse:
- Vai magrela, pegue suas caixas e comece a encaixotar seu quarto. Ah, não esqueça de
lavar a louça e tente guardar o maior número de coisas da cozinha nessas caixas aqui!
Vamos Gwen, o papai precisa da nossa cooperação nesse momento!
Cooperação, a última coisa que eu pretendia era cooperar, mas eu entendia os motivos
do Marc e queria ser solícita por mais que isso me custasse muito. Peguei aquele
punhado de caixas e as arrastei para o meu quarto. Comecei encaixotando os meus
ursinhos e as bugiganguinhas que eu tinha espalhado pelos cantos - nossa como tenho
tranqueiras, acho que vou doar boa parte delas para quem quer que seja só para dar uma
desocupada nas caixas - depois disso comecei a colocar nas minhas malas as roupas que
mais usava e que levaria obviamente na viajem, depois comecei a colocar o resto das
minhas roupas nas caixas e com grande pesar fui lacrando cada uma delas.
Ainda deixei algumas coisas de fora, pois eu ainda não iria embora nessa semana e
precisaria continuar usando algumas coisas que para mim eram essenciais. Depois que
quase tudo estava arrumado, fui preparar o jantar e qual não foi a minha surpresa
quando vi que Ewan já estava lá cortando as cebolas.
- Nossa! O que deu em você?- falei tão assustada que ele teve que dar uma risadinha.
- Ué?! Maninha o garotão aqui sabe se virar muito bem na cozinha e, além disso, você
estava tão compenetrada que não queria te atrapalhar!
-Ah, mas agora eu já adiantei muita coisa e posso te ajudar – a cozinha era o meu point
e não gostava muito quando alguém vinha se intrometer ali, mas tinha que dar a mão a
palmatória, Ewan cozinha muito bem.
- Pode vir, aproveite e coloque a água para ferver enquanto eu corto essas cebolas para
fazer o molho. Pegue tomates frescos na geladeira e um pouco de manteiga, vi hoje num
programa uma nova forma de fazer molho de tomate, parecia bem gostoso! – nossa,
meu irmão estava mesmo compenetrado nessa história de Mestre Cuca, mas assistir a
programas de culinária já era meio demais!
Enquanto ele prepara o seu “novo” molho de tomate eu fui colocando as batatas para
cozinhar, se o macarrão do meu irmão falhasse pelo menos teríamos um purê delicioso
para substituí-lo.
- Não sabia que agora você assistia a programas de culinária? – eu tinha que fazer essa
pergunta, era mais forte do que eu – Você nunca ligou muito pra cozinha e só aparecia
por aqui quando eu não estava em casa – detalhe básico: meu pai não sabe fazer nada
além de ovos fritos e isso quando ele não dá de queimá-los, então para sorte desse
pessoal aos poucos fui aprendendo a tomar conta desses marmanjos e desenvolvi ótimas
técnicas culinárias, pelo menos eles nunca reclamaram do que servia para eles no jantar.
- Ah Gwen, eu só estava passando pelo canal! – hahaha essa resposta não me
convenceu, meu irmão estava me escondendo alguma coisa e por esse mesmo motivo
insisti.
-Vamos lá Ewan Lancullver, pode ir me contando essa história de Mestre Cuca!- agora
ele não me escapava.
- Ta bom senhorita – sabia que ele ia ceder- eu ando me interessando sim por culinária,
mas só para saber o que fazer quando você não estiver por perto! – hum, vamos dizer
que isso quase me convenceu, mas decidi não encher mais o saco dele e tirei as batatas
do fogo para fazer o purê que era uma das minhas especialidades. Enquanto isso o
Mestre Cuca ia preparando o macarrão que estava com um cheiro maravilhoso;
enquanto isso eu descascava com muita cautela as batatas para que não virasse uma
pasta antes de eu começar a prepará-las. Por fim tudo ficou pronto e com um cheiro
incrível.
- Nossa que cheiro bom - era meu pai que acabara de chegar e vendo que o jantar já
estava pronto foi lavar as mãos.
- Gostou do cheiro? – perguntei animadamente - Foi o Ewan que preparou o macarrão e
eu fiz o purê! – meu pai olhou para Ewan com uma cara de incrédulo enquanto ele dava
uma risadinha desconcertada e saía para pegar os pratos e os copos. Tínhamos o
costume de jantar assistindo ao noticiário da noite e dessa vez não foi diferente. Meu pai
encheu o prato de uma forma “bem generosa” e foi seguido por Ewan e por mim,
sentamos na frente da TV e começamos a comer.
- E aí pai, ta bom?- Ewan olhava fixamente para Marc na esperança de uma resposta
positiva.
- Bom filho, já comi melhores! – a cara de desapontamento foi evidente e Ewan abaixou
a cabeça triste por ter falhado – Claro que está bom rapaz, imagina se eu não ia gostar!
Mas o molho está diferente do habitual, o que você aprontou dessa vez? – meu irmão
levantou a cabeça e esboçou um sorriso de orelha a orelha.
- É está meio diferente sim... Vi uma receita nova num programa e quis testá-lo e pelo
que me parece deu certo!
- Que bom filho! – os dois se viraram e começaram a prestar atenção nos noticiários,
uma coisa que eu estava tentando fazer a um bom tempo, mas como o assunto sobre
macarrão tomou conta daquela sala, não consegui me concentrar direito.
Depois que terminamos, fui lavar a louça enquanto meu pai secava tudo e ia
organizando em cima da mesa. Algumas caixas estavam do lado da geladeira velha, que
tínhamos desde a época de mamãe nessa casa, e eu sabia muito bem aonde todos
aqueles utensílios deviam parar e como deviam ser colocados naquelas caixas. Comecei
a enrolar jornais em volta de cada prato e nos copos também até tudo estar devidamente
encapado, meu pai já tinha colocado as bolinhas de isopor nas caixas, tudo devia estar
bem ajeitado para que não quebrasse com a mudança o que eu, indiscutivelmente,
achava impossível.
Dei um beijo no meu pai e fui me deitar, estava destruída e só queria dormir e tentar
enfrentar aquela semana de um jeito mais animado e amistoso; minha última semana em
Lynn e minha última semana naquela casa. Coloquei as cobertas sobre o meu corpo e
fechei os olhos, na esperança de conseguir dormir tranquilamente liguei meu iPod e
coloquei na música mais calma que tinha. A vida nem sempre é do jeito que queremos,
mas sábios são aqueles que mesmo na tormenta conseguem tirar as lições necessárias
para sobreviver. Com esse pensamento senti que o sono estava chegando e adormeci
lentamente.
A semana passou mais rápida do que eu imaginei, meus amigos me encheram de
presentinhos e fotos para que eu nunca me esquecesse deles. Por mais que eu dissesse
que poderíamos mandar e-mails para não perdermos o contato eles não se
conformavam, na realidade nem eu estava satisfeita com essa desculpa fajuta que estava
tentando passar adiante, assim como eles eu sabia que a amizade esfriaria com o tempo,
a distância tem esse efeito; mais cedo ou mais tarde. A galera lá em casa já tinha
encaixotado todas as nossas coisas, desde ferramentas até o meu piano que agora se
limitava a pedaços de madeira desmontados. Meu final de semana foi o mais perfeito,
pois além daqueles pangarés tentarem me animar fomos pela última vez ao meu local
preferido, High Rock Park, agora ele parecia mais melancólico, acho que era a saudade
batendo.
Como Marc havia dito, o caminhão passou lá em casa para pegar nossas coisas para
levar para a transportadora, que de lá iria para a “querida Austria”. Eu não podia me
mudar para um lugar mais próximo? Sei lá... New York seria uma boa sugestão, grande,
cheia de pessoas que falavam o mesmo idioma que eu e, além disso, a apenas algumas
horas da minha cidadezinha. Mas não, a empresa resolveu expandir seus negócios
naquele fim de mundo e escolheu justamente o excelentíssimo senhor Marc Lancullver
para abrir os caminhos da exploração alienígena no local. Ele odiava que eu falasse
assim da pobre cidadezinha, mas o que eu podia fazer? Eu estava apenas sendo sincera.
Amanhã minha vida vai mudar da água para o vinho em questão de horas e tento certeza
de que não vou estar preparada para essa mudança drástica no estilo de vida, o único
animadinho parece o papai e o Ewan, está mais para conformado do que para receptivo.
Que surpresas a vida me reserva? Adormeci mais rápido do que o dia anterior... Acho
que estava cansada demais para não querer fechar os olhos.
2. Despedidas para um novo começo
Meu dia começou cedo, a luz do sol não me deixou dormir mais e para variar
aqueles colchonetes velhos não eram nem um pouco confortáveis. Olhei ao redor
tentando me desvencilhar de tudo aquilo que tinha feito parte da minha vida até então e
percebi que a conformidade com a situação já tinha batido na porta dos meus
sentimentos.
Levantei rapidamente para preparar o café para os marmanjos que ainda
roncavam na sala vazia, ainda tínhamos deixado alguns suprimentos para nossa última
manhã em Lynn e com uma habilidade sensacional fui preparando pães grelhados com
queijo cheddar, suco de laranja e peguei algumas bolachinhas que ainda sobraram de
ontem. Coloquei tudo numa bandeja e fui indo em direção à sala, que agora estava vazia
mesmo.
- Ei! Quem quiser comer o café já está na “mesa”!- minha voz meio rouca de sono.
Escutei os tropés característicos de Ewan na escada e logo em seguida os passos
calculados de Marc atrás de mim dizendo: - Querida, que banquete!
- Pai, é o nosso último café da manhã aqui em Lynn, não podia deixar por menos! –
falei com um tom amargo, tentando realmente aceitar essa idéia maluca de ir morar
naquele lugarzinho no meio do nada.
- Gwen – chamou meu irmão enquanto eu girava a cabeça lentamente em sua direção -
vamos sair às 10 horas daqui para o aeroporto, arrume todas as suas coisas e esteja em
casa as 9h30, não quero sair por aí pra te procurar caso você resolva se esconder pela
cidade.
- Pode deixar queridinho, estarei em casa nesse horário só que antes vou dar uma
passadinha na biblioteca para dar um alô na Reiven e dizer adeus para a galera – falei
num mal-humor súbito que foi perceptível para Marc.
- Querida, eu sei que para você é difícil ter que deixar tudo para trás e ter que refazer
sua vida novamente, mas sei que no final você vai gostar de lá – percebi uma tentativa
de animação em sua voz, mas mesmo assim era impossível eu ser feliz em Klagenfurt.
Para começo de conversa eu nunca tinha ouvido falar dessa cidade e era por esse mesmo
motivo que iria encontrar com Reiven na biblioteca, ela tinha feito uma pesquisa básica
sobre a cidade a meu pedido, afinal, queria saber como era aquele lugarzinho no meio
do nada.
Depois que todos terminaram, joguei tudo fora e me arrumei para sair. Estava quente lá
fora e acabei colocando minha bermuda jeans e uma camisa azul com branca, quem
sabe essa roupa me desse sorte. Cheguei à biblioteca e Reiven me esperava ansiosa.
- Pensei que não viesse – ela me abordou num sobressalto e percebi logo que em suas
mãos estavam alguns papéis.
- Desculpe pela demora, mas tive que arrumar minhas coisas para a viajem e colocar
tudo em ordem. Não temos mais carro. Meu pai o vendeu, pois não tínhamos como
levá-lo também, a empresa ficou de comprar um para nós lá mesmo! – falei com um
sorriso cansado no rosto – mas esses são os papéis da pesquisa? – perguntei enquanto
arrancava - os furtivamente da mão de Reiven.
- Ah sim, eu tentei pesquisar o máximo que deu, mas alguns sites estavam em austríaco
outros em alemão e por mais que tentasse traduzi-los no Google não consegui entender
muita coisa! – ela falou com um olhar semi-cerrado, tentando aceitar que não tinha
conseguido fazer uma pesquisa mais abrangente para mim.
-Não importa amiga, o pouco que der pra saber desse treco já está bom - respondi com
um ar de desdém enquanto folheava em busca de algo assustador sobre a cidade, como,
por exemplo, ataques alienígenas, raptos que nunca foram explicados, assassinatos em
massa, fantasmas e toda e qualquer bobeira que servisse para eu me armar.
- Gwen, Klagengurt...
- É Klagenfurt Rê... Klagenfurt... – corrigi seu erro enquanto tentava ler algumas
informações e algumas me chamaram a atenção...
Suas duas únicas cidades... Não é possível, eu vou para um estado na Áustria que só tem
duas cidades? Como Marc tem a capacidade de fazer isso comigo?! Continuei lendo, na
esperança de ter notícias mais animadoras.
Villach e Klagenfurt são estatutárias, olhei aquela palavra com estranheza, o que será
que ela significava? Não prestava muita atenção nas aulas de geografia para recordar o
que isso representava, mas tinha cara de coisa importante então acho que devia ficar
orgulhosa, não é? Como eu era boba, nada era comparado a Lynn e só de recordar que
essa leitura faria parte do meu mundo e ainda por cima eu não tinha a menor idéia se um
dia eu iria voltar para casa; isso me gelou a espinha e folheei com mais rapidez tentando
ver se encontrava alguma imagem ou coisa parecida com o ‘calor’ que tinha lido
anteriormente. Nesse instante Reiven atendia alguns perdidos na biblioteca e fiquei
aliviada por ela estar ocupada o suficiente para não ver minha cara angustiada.
É... Até que a temperatura lá não é tão baixa – fiz uma cara de aprovação por ter
descoberto que o sol raiava com certa freqüência por lá, na minha cabeça aquela região
era fria, escura e completamente sombria – continuei folheando e descobri que ano
passado ela cediou a UEFA EURO 2008 e que a cidade ficava apenas 45 minutos de
carro da Itália, nossa isso era demais para mim, tipo, era só pegar o carro e correr até lá
– falei numa empolgação tão grande que Reiven olhou para mim com uma cara
esquisita, como se não entendesse o porquê da minha felicidade.
Continuei lendo e descobri que a cidade não era tão ruim quanto eu imaginava e
ali não morava nenhum alienígena. A cidade até que era bem festiva e até que tinha uma
história bacana. Foi incendiada na Idade Média e por conta de sua reconstrução está
com um ar italiano. Agora eu entendo porque a empresa em que meu pai trabalha
resolveu mandá0lo para lá. Quando dei por mim, já eram nove horas e eu ainda tinha
que me despedir da vovó e do vovô e estar em casa prontíssima para a viajem de não sei
quantas horas até Klagenfurt.
- Adeus Reiven, espero te reencontrar um dia – falei com a voz embargada; por mais
que tivesse gostado da idéia de morar bem pertinho da Itália ainda sabia que lá não era o
meu lugar, mas qual seria o meu lugar nesse mundo? – vou mandar e-mails para contar
como estão indo as coisas por lá e espero que você fique bem aqui sem mim!
- Pode deixar Gwen, vou tentar superar sua falta me atormentando porque os livros
estão danificados e é meu dever conserta-los – nesse instante uma lágrima escorreu de
seu rosto enquanto ela me abraçava fortemente, parecia que ela sabia que nunca mais
iria me ver, mas não... não tinha nada lá que me prendesse e que me fizesse pensar duas
vezes antes de voltar o mais rápido possível para Lynn.
Sai daquela biblioteca com o coração apertado e me dirigi para a casa dos meus
avós que ficava na quadra de baixo, a aproximadamente 100 m dali. Toquei a
campanhia e com um sorriso angustiado minha avó veio me recepcionar.
- Ó querida, como você está?
- Sobrevivendo vovó, sobrevivendo a todas essas mudanças repentinas que estão
acontecendo na minha vida – falei com a voz áspera – mas onde está o vovô, preciso me
despedir correndo e ir para casa, vamos sair às 10 horas para o Inferno de Dante.
- Está cuidando de suas bromélias – depois que meu avô se aposentou sua maior paixão
eram aquelas bromélias – vá lá, ele ficará feliz em vela!
-Tudo bem – pulei do sofá e fui em direção ao jardim, que ficava nos fundos da casa.
- Como estão suas bromélias? – perguntei enquanto dava um pulo para chamar sua
atenção.
- Olá Gwen, que bom vê-la por aqui! Esta dando adeus não é? – ele falou olhando
dentro dos meus olhos e senti um nó na garganta tão grande que ela começou a doer,
parecia incrível como ele conseguia ler meus pensamentos.
- Pois é senhor Lancullver, estamos indo embora daqui a meia hora – falei com a voz
embargada e minha garganta doía ainda mais. Tentava reprimir o choro para parecer
forte, mas meu avô me conhecia como ninguém e rompeu o silêncio que ficou quanto
terminei de pronunciar aquelas palavras pesarosas para mim.
- Não se preocupe Gwen, no Natal estaremos lá. – ele falou num tom que tentava me
animar.
- Tudo bem, não precisa se preocupar... Acho que vou ficar bem – falei tentando
convencer mais a mim mesma do que ao meu avô – mas agora tenho que ir, já são nove
e meia e Ewan falou que devia estar em casa nesse horário, pois ele não quer sair pela
cidade me procurando e todo aquele blábláblá de sempre.
- Tudo bem querida, ligue quando chegarem!
- Pode deixar!- respondi, enquanto saia correndo para pegar minhas folhas e dar um
beijo rápido em minha avó.
Sai correndo e cheguei em casa a tempo de ver Ewan saindo para ir me procurar.
- Onde você estava dona moça? – ele falou num tom autoritário e um pouco irritado.
- Estava me despedindo da vovó e do vovô – respondi, tentando restabelecer meu fôlego
e minha cor natural.
- Pegue suas malas e traga para baixo, daqui a pouco o táxi vai chegar e não podemos
nos atrasar – de novo aquele tom autoritário. Ewan me irritava quando queria bancar o
meu pai; com a ausência de Marc em alguns momentos da minha vida Ewan se
encarregava de cuidar de mim e por isso agia como se fosse meu pai em algumas
situações.
- Tudo bem general mais alguma coisa que possa fazer? – respondi rispidamente.
- Não.
Subi para o meu quarto e peguei as malas que estavam num canto, liguei meu
iPod e comecei a cantarolar minha música preferida: Alive, era incrível como essa
música me relaxava e assim pude prosseguir, com minhas malas nas costas e um pouco
nas mãos, para a entrada de casa, onde o táxi já estava a nossa espera. Ajudei meu irmão
a colocar tudo o que nos pertencia no porta-malas e entrei no carro fechando a porta
bruscamente. Pronto, agora não tinha mais o que fazer, meu destino estava selado para
ter um futuro triste e sombrio na Áustria. Marc e Ewan entraram logo em seguida e
partimos rumo ao aeroporto, sinceramente o último lugar onde eu queria estar; o resto
do caminho passei quieta devaneando entre meus pensamentos e escutando no último
volume minha cantora preferida.
No aeroporto Adam e Marylin estavam me esperando para dar suas despedidas.
Não esperava pela presença deles e foi um choque quando vi seus rostos tristes me
fitando.
- Olá pessoal – balbuciei
- Gwen – falou Adam – vamos sentir sua falta. Entre em contato assim que chegar para
contar como foi a viajem e descrever a sua ‘Terra Alienígena’ – não sei como mesmo
assim ele tinha coragem de fazer piadinhas; eu já tinha tomado a precaução de pesquisar
sobre o local que a partir de amanhã seria meu lar e não me pareceu um lugar tão ruim.
- Tudo bem Adam, vou sobreviver... sou...bem forte para situações inesperadas- essas
palavras saíram tão falsamente que Adam fez um ar de quem não botou fé.
Dei um abraço em todos e segui na direção do portão de embarque. Meu pai e
Ewan já estavam me esperando com as passagens e peguei meu passaporte, pensei em
todas as possibilidades para virar e sair correndo, mas não iria funcionar, Ewan com
certeza me alcançaria antes de chegar perto de Adam e Marylin novamente, então
respirei fundo e peguei minha passagem com meu pai; olhei para traz e vi meu querido
amigo acenando em despedida e Marylin aos prantos.
Encontrei minha poltrona e era do lado de um rapaz mais ou menos da minha
idade, seus cabelos eram pretos e sua pele era branca como a neve. Pedi licença para
guardar minhas coisas, mas parecia que ele estava distante e não me escutou, tentei falar
mais alto, mas, como antes, ele não mexeu nenhum músculo na minha direção. Mas que
cara chato, pensei quase que em voz alta, mas eu não era fácil de enrolar então tomei
uma medida drástica, dei um chute em sua perna para ver se desta vez ele me daria
licença.
- Uou – falou o estranho olhando para mim; uou digo eu, pensei num sobressalto, que
olhos eram aqueles, pareciam um rio cristalino numa noite de luar, uma mistura de um
azul muito claro com cinza escuro quase preto.
- Me desculpa – que falsidade – é que eu estou tentando colocar minha bagagem de mão
no compartimento.
- Ah sim – sua voz parecia despreocupada e distante.
Coloquei minha bagagem no compartimento e sentei, colocando no ouvido meus fones
e, literalmente, me esparramando no pequeno espaço que me cabia. Fechei os olhos e
me concentrei somente na música que estava alta e não permitia que eu escutasse mais
nada. De repente senti alguém me cutucar e abri os olhos calmamente quando percebi
que aqueles olhos estavam me olhando.
- Desculpe - me, mas seu som está muito alto.
- Como? – literalmente não estava escutando nada então tirei os fones e perguntei de
novo – como?
- É que sua música está incomodando a minha leitura – respondeu ele num tom
autoritário, como se quisesse de alguma forma, arrancar meus fones e joga-los o mais
longe possível.
- Olha – falei rispidamente – desculpa se estou te atrapalhando, mas não posso diminuir
o volume.
- Como assim? – ele ainda não tinha entendido... como um cara tão bonito podia ser tão
burro, sendo assim tentei falar num tom mais calmo.
- Olha...
- Deric – ele falou num tom mais calmo.
- Eu não consigo escutar música baixinha, então não vou poder abaixar – falei o mais
compassadamente possível para que ele entendesse. Mas por sua expressão evasiva
percebi que não havia gostado muito do que dissera, mas como não estava a fim de me
aborrecer com tipinho daqueles fechei os olhos novamente. Depois daquele incidente
com... Como era mesmo o nome dele... Ah sim, Deric, a viagem correu quase que
perfeitamente se não fosse por suas pernas ficarem o tempo todo empurrando as minhas,
numa atitude que me deixou incrivelmente irritada, mas como tenho um ótimo controle
sobre meu humor desconsiderei a existência daquele ser patético e repugnantemente
lindo que estava sentado do meu lado.
3. Klagenfurt
A viagem foi longa, fizemos várias escalas até chegar aquele ‘ pontinho no meio
do nada’ e pegamos um táxi em direção a minha nova em casa. Marc me falou que a
casa era grande então estava ansiosa para ver; como era bom estar em terra firme não
agüentava mais ficar voando para lá e para cá ainda mais porque aquela criatura pegava
os mesmos aviões que eu, sinceramente parecia até uma perseguição, mas graças a Deus
ele não ficou do meu lado a viagem toda.
Parei imediatamente de pensar naquele ser estrófulo quando saímos do aeroporto
e pude visualizar aquela pequena cidade, totalmente ensolarada e estonteantemente
fabulosa. Meu pai percebeu o leve sorriso de aprovação que surgiu do nada em minha
face enquanto olhava absurdamente encantada a cidade revelada diante dos meus olhos.
Parecia uma cidade saída dos contos de fada, com ar agradável e por incrível que pareça
com uma luminosidade fabulosa, isso tirou meu fôlego por alguns instantes e um
arrepio de excitação percorreu minha espinha.
- Pai, veja só a cara da Gwen! Parece que afinal ela cedeu – falou meu irmão com um
tom irônico e seus lábios tentavam segurar um sorriso incontido.
- Hmmm? – voltei de meu transe ao escutar meu nome.
- Gostou da cidade Gwen? – perguntou Marc esperando a confirmação em palavras do
que meu rosto já denunciava.
- É...bonita...muito bonita – respondi tentando conter minha cara de espanto ao ver que
a cidade era melhor do que esperava – o único defeito...
- Defeito? Gwen, você consegue achar defeito nessa cidade? – me cortou meu irmão,
que novidade.
- Pra ser bem franca essa cidade tem sim um defeito – falei num tom mais confiante do
que o normal, a exaltação foi tanta que o taxista até olhou para mim – eles falam alemão
e eu não sei falar nada, nem uma palavrinha sequer – falei mais desesperadamente e
abaixando meu tom de voz para que o pobre taxista, um homem de cabelos brancos,
magro, de pele vermelha e olhos azuis, não me achasse uma louca.
- Não se preocupe querida - falou meu pai num tom calmo e despreocupado – já tomei
providências para sua imersão nesse novo idioma, vai ser bom para você saber falar
mais de uma língua...para o futuro – ele me olhou com um ar misterioso e isso me fez
gelar.
- O que você aprontou dessa vez? – perguntei tentando detectar qualquer tipo de dica,
mas em vão. Nesse instante o táxi parou e pude ver a minha nova casa, caramba, como
era grande. Peguei minhas malas que estavam posicionadas na calçada junto com as
outras, observei atentamente meu novo lar e pude ver mais claramente seus detalhes:
tinha uma arquitetura antiga que parecia ter saído de um filme da Idade Média, suas
paredes eram claras e era cheia de janelas, tinha um jardim lindo na frente e minha
curiosidade aumentou quando Ewan saiu correndo para dentro da casa. Arrumei as
malas em minhas mãos e corri em direção a porta e nossa, ela era muito mais bonita por
dentro com suas paredes brancas. Logo na entrada era possível ver uma escada que dava
para o andar de cima, ela combinava com as paredes brancas e o assoalho de madeira, a
sala era enorme e dava acesso à sala de jantar que era um pouco menor que a própria
sala, a cozinha já estava completa e também tinha um ótimo espaço para eu cozinhar.
Além de todas essas mordomias gigantescas tínhamos, ainda no andar de baixo, um
escritório para Marc. Os cômodos de cima eram ainda mais maravilhosos depois que
subi as escadas, segui por um corredor que possuía algumas portas que davam para os
quartos; Ewan já tinha se apossado de um quarto muito bom e fiquei imaginando se o
que me restara não era o quartinho da empregada, mas não, meu quarto tinha as mesmas
dimensões que o quarto que Ewan tinha escolhido e fiquei aliviada; joguei todas as
malas no chão e sai correndo pelo corredor para verificar aonde davam o resto das
portas. A primeira dava para o quarto de Marc, o maior de todos, diga-se de passagem, a
segunda dava para o quarto de Ewan, a terceira estava aberta e era o meu quarto e por
fim a última porta dava para o banheiro público, pois cada quarto tinha um banheiro
relativamente bom e quando eu digo bom é porque é bom.
- Pai! – gritei do pé da escada.
- Diga querida – respondeu Marc, mais rápido do que imaginei para ele.
- Quando nossos móveis vão chegar?
- A transportadora falou que eles já chegaram e que vão trazer hoje ainda! Por quê?
- Não, é que eu quero começar a arrumar tudo o mais rápido possível e me responda
mais uma coisa... Quando eu e Ewan vamos para o colégio? – perguntei para ver se não
teria mais nenhuma surpresa.
- Estou esperando os carros que comprei para você e para Ewan chegarem – pêra aí,
carro? Eu escutei bem? Eu e Ewan vamos ter um carro para cada um? Essa foi a melhor
notícia que meu pai me dava em anos e assim tive que retribuir a gentileza.
- Nossa pai...era o que eu mais queria – pulei em seu colo e lhe dei um beijo.
- Os carros não são novos, mas acho que vão servir bem para vocês – falou meu pai
enquanto tentava me segurar – e as aulas começam semana que vem para vocês. Vocês
vão estudar em Villach, por isso achei necessário comprar uma locomoção que
facilitasse nossas vidas. Vou trabalhar muito por aqui e não vou ter mais tempo para
levá-la ao colégio como fazia em Lynn.
- Não tem problema pai, eu já sei me virar sozinha – falei rejubilante.
Depois daquela novidade maravilhosa fiquei mais animada, meus planos para ir
a Itália poderiam ser realizados mais rápido do que imaginei ser possível. Subi
novamente as escadas em direção ao meu quarto e comecei a desfazer as malas, percebi
que meus pertences não encheriam aquele espaço espetacular, mas já tinha planejado
mentalmente onde tudo iria ficar: na janela minha escrivaninha iria caber como uma
luva, na parede leste ficaria minha cama e como meu quarto já tinha um guarda-roupa o
outro ficaria no canto oeste para que eu pudesse guardar minhas bugigangas. No meio
pretendia colocar um tapetão fofo e macio com umas almofadas, meu piano agora
ficaria na sala já que agora ela podia comportar um e assim fui guardando minhas
roupas que estavam na mala em meu guarda-roupa novo. Quando abri a porta do meio
do guarda-roupa descobri que o banheiro ficava ali... Nossa que casa bem
planejada...falei num sussurro.
Mais à tarde nossas coisas chegaram e fiquei entretida o suficiente para
conseguir organizar tudo em seus devidos lugares. As coisas mais pesadas Marc e Ewan
organizavam como colocar os sofás na sala, montar a estante, meu piano e trazer os
tapetes para seus devidos lugares. Enquanto eles se desgastavam em seus afazeres eu
tentava organizar todas as nossas coisas na cozinha e percebi que não tínhamos nada
para comer, então sorri ao ver que iria ter que me internar num supermercado para
suprir as necessidades daqueles leões famintos.
- Pai, não tem nada na dispensa e muito menos na geladeira então vai passando a grana
para que eu possa comprar alguma coisa descente para comermos – falei num tom
empolgado, mas infelizmente tinha esquecido que não estava em Lynn e sim em
Klagenfurt, então toda e qualquer possibilidade de comunicação estava fadada ao
fracasso e acabei me lembrando que não tinha a menor noção da onde ficava o
supermercado, desanimei na mesma rapidez com que tinha me animado para fazer o
pedido.
- Gwen, não se preocupe já pedi umas pizzas – incrível, o único que sabia falar alemão
nessa casa era meu pai e meu irmão arranhava um pouco, eu nunca tinha me empolgado
em aprender novas línguas, pois, antes, tinha absoluta certeza de que nunca iria sair de
Lynn e se saísse um dia, seria para algum lugar onde o inglês fosse dominante.
- Ah... Ótimo... – acabei voltando de meus pensamentos quando vi meu pai me olhando
com uma cara estranha.
Agora é que a ficha tinha caído, eu não sabia falar alemão e eu não sabia se
todos os lugares daqui iriam me entender... Amanhã pretendia dar uma olhada pela
cidade, ver se tem uma biblioteca, conhecer as praças e principalmente ver se eu morava
muito longe do lago Wörthersee. Queria avaliar muito bem o mundo aonde iria viver,
mas pelo que parecia iria precisar da ajuda de meu irmão até que pudesse aprender esse
idioma complicadinho.
O dia passou rápido e como estávamos em Maio às temperaturas eram altas e o
calor era agradável. Terminei de dar uma geral na cozinha e fui dar uma espiadinha no
trabalho dos meninos e com certeza eles foram bem rápidos, a sala estava quase pronta e
meu irmão já afinava o piano.
- Nossa vocês fizeram um bom trabalho por aqui!- falei na entonação mais animada que
consegui achar dentro de mim depois de tanto trabalho.
- Pois é o bruto já está feito - falou meu pai enquanto se atirava no sofá – só falta o seu
toque feminino para deixar tudo isso mais bonito!- Falou sarcasticamente.
- Pode deixar, mas amanhã eu faço isso! Se quiserem comer mais alguma coisa
sobraram alguns pedaços da pizza do almoço é só esquentar no microondas. Vou dormir
boa noite para os que ficam – falei enquanto bocejava.
Subi as escadas e fui em direção ao meu novo quarto. Estava cansada demais
para fazer qualquer tipo de atividade além de tomar uma ducha quente e ir para cama,
mas como Marc só tinha instalado minha cama há poucas horas, ela ainda precisava ser
arrumada antes que meu corpo tombasse sobre ela. Peguei as roupas de cama que
estavam guardadas em uma caixa e estiquei sobre o colchão – aquela casa iria me render
pelo menos uma semana de inteira dedicação – pensei comigo enquanto abria a porta do
Box ligava a ducha quente.
Tomei o banho mais demorado da minha vida esperando que a pressão da água
que caía sobre meu corpo relaxasse meus músculos doloridos, mas como estava quase
dormindo no banheiro desliguei o chuveiro e me sequei. Coloquei uma camisetão e um
shorts, que era com o que dormia, e me atirei na cama esperando que o sono viesse a
jato e ele veio.
Toc Toc Toc... Que barulho é esse? Pensei enquanto tentava abrir meus olhos que
estavam grudados um no outro.
- Ewan, me passe os parafusos que estão bem do seu lado – pude escutar a voz de meu
pai. Nossa mas que horas era? Olhei para o relógio e ele mostrava 10h30, credo como
eu tinha dormido e num pulo liguei meu som e fui para o banheiro lavar meu rosto e me
arrumar para dar uma saidinha... Isso se meu irmão não estivesse muito ocupado. Olhei
pela janela e pude ver três carros estacionados na vaga em frente de casa: uma Hilux,
um New Beatle e um Volvo.
Desci correndo as escadas e já perguntei de cara ao descer: - Diz que o meu carro é
aquele New Beatle vermelho cereja que está lá fora?
- Claro que é Gwen – disse meu irmão – ou você acha que papai te deixaria dirigir a
Hilux?
- Não, é um carro muito grande para minhas feições miúdas eu ia acabar desaparecendo
lá dentro – fiz uma careta.
- Mas você gostou não é? Não é um modelo atual, mas como elas não mudam muito
achei que você ia gostar!- disse Marc enquanto me dirigia para tomar meu café.
- Não pai ele é ótimo, não se preocupe! – engoli um prato de cereais e tomei um gole de
suco que estava sobre a mesa e avisei – estava pensando em dar uma olhada na cidade e
gostaria de saber qual dos dois vai me guiar por aqui.
- Bom querida, ainda tenho que acertar alguns detalhes da mudança e não vou poder ir,
mas seu irmão vai com você!
- Só vou escovar meus dentes e já desço! Ewan já vá se arrumando, nem precisa tomar
banho porque se você ainda está de pijama é porque acabou de acordar.
- Sim senhorita Lancullver – disse meu irmão enquanto me colocava nas costa e subia
de dois em dois passos a escada.
Depois de alguns minutos já estávamos na Hilux de Ewan dando um giro pela
cidade, enquanto olhava pela janela pude ver as montanhas altas que cercavam alguns
pontos da cidade, elas eram cobertas por uma densa floresta e isso me fazia lembrar
cada vez mais de minha primeira impressão sobre a cidade.
- Nossa, como esse lugar é bacana – e olhei para a janela visualizando o que parecia
uma biblioteca – pare naquele lugar ali, acho que é uma biblioteca e quero conferir...
- Só você para querer ir para uma biblioteca à uma hora dessas! – disse meu irmão
enquanto estacionava o carro e dava uma risada.
- Pois é maninho, é mais forte do que eu! Pode dar uma volta por aí e a gente se
encontra daqui a umas duas horas nesse lugar!
- O que? Você vai ficar duas horas internada numa biblioteca? – ele me falou.
- Ewan você me conhece melhor do que ninguém para saber que quando entro em uma
biblioteca, e ainda mais do tamanho dessa, – virei para olhar aquele monumento atrás de
mim – não saio tão cedo!
- Tá bom, vou ver se temos alguma atração para passeios aqui... Volto daqui duas horas
– ele coçava a cabeça, não entendia como eu conseguia ficar num mesmo lugar por
tanto tempo. Entrei triunfante na biblioteca e fiquei feliz ao ver que podia reconhecer
minha língua em baixo outras palavras que, sinceramente, não fazia a menor noção de
como se pronunciava. Fui direto para a sessão de livros românticos e poesias e fiquei
maravilhada com a porção de títulos que eles possuíam; Shakespeare, é esse mesmo que
vou ler; peguei um livro em puro e legítimo alemão e também um dicionário
Inglês/Alemão, precisava começar a estudar se quisesse ir bem no colégio e também
para poder me comunicar decentemente.
As horas passaram muito rápido e quando me dei conta só faltavam cinco
minutos para que Ewan chegasse então me fui até o balcão para fazer minha carteirinha
e emprestar aqueles livros. Estava tão concentrada lendo Romeu e Julieta que nem
percebi que o balcão tinha chego e acabei por bater meu corpo nele, nesse instante uma
voz risonha me perguntou: - Está tudo bem com você? – tirei lentamente a cara do livro
que escondia minhas bochechas incrivelmente vermelhas e olhei para o rapaz que
tentava não rir do mico que eu acabara de pagar e qual não foi minha surpresa quando
reconheci aqueles olhos, não e não, não era possível que esse mundo fosse tão pequeno
e aquela criatura estivesse bem na minha frente e pior, com uma camisa com o nome da
biblioteca.
Quando percebi que ele me reconhecera seu risinho mudou para uma expressão
de surpresa. Eu também estava indignada com tanta coincidência e minha vergonha
agora estava em um estágio de pura raiva.
- Em que posso ajudar? – finalmente perguntou ele; sua voz era de desprezo e isso me
deixou com uma raiva maior ainda.
- Quero fazer minha carteirinha para emprestar esses livros aqui – eu disse tentando
ignorar o tom da voz dele e não pensar em diversas maneiras de pular aquele balcão e
esganar aquele pescoço, bem ali na minha frente.
- Tudo bem, vou precisar de seu nome, endereço e telefone – isso não tinha me ocorrido,
eu só sabia o meu nome e mais nada.
- Bom, é o seguinte eu acabei de me mudar para esse fim de mundo e ainda não tenho
telefone e muito menos decorei o meu endereço, que é impronunciável – o tom de raiva
e indignação era evidente na minha voz e aquele olhar estava me deixando cada vez
mais irritada.
- Então me desculpe, mas eu não posso te cadastrar... Você vai ter que me trazer todos os
dados que te pedi para só a partir daí começar a emprestar livros! – seu tom era
repugnante.
- Olha queridinho – minha vontade era a de voar em seu pescoço e sufoca-lo até a
morte- não dá para você anotar na fichinha aí no seu computador só o meu nome e
depois eu trago o resto, conforme eu for adquirindo as exigências, é obvio – meu tom
agora era quase de súplica, mas o tom de irritação ainda era perceptível.
- Não, não dá – ele falou ainda num tom sério e suas bochechas agora estavam mais
rosadas, acho que ele também queria me expulsar da sua frente, mas eu não era
derrotada tão facilmente e insisti.
- Olha... não... Dá pra você anotar aí Gwenever Lancullver, só para eu poder levar esses
livros?
- Gwenever Lancullver – achei por um instante que ele estava digitando meu nome no
sistema, mas não, ele ainda me fitava e enfim fui derrotada, mas não por muito tempo;
iria descobrir o meu endereço e pegar meu telefone e iria esfregar na cara dele, mas
sinceramente fiquei confusa por ele falar meu nome tão compenetradamente, era com se
ele já tivesse o escutado anteriormente, mas como nesse instante meu irmão me chamou
não tive como perguntar a ele.
- Toma esses livros então, fica com eles – joguei os livros educadamente no balcão e saí
bufando, como um menino podia ser tão repugnante e ao mesmo tempo lindo, esses
pensamentos ferviam meus miolos quando falei impaciente para Ewan: - Vamos para
casa!
5. Perguntas
6.