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segunda-feira, 17 de Abril de 2006

O Povo faz 5 anos hoje. No dia 17 de Abril de 2001 foi enviada a primeira
Uma inconveniência não passa de uma aventura mensagem de correio electrónico para 56 pessoas que desde esse dia passaram a
incorrectamente considerada. ser membros do Povo.
Uma aventura é uma inconveniência correctamente Este Jornal das Boas Notícias assinala estes primeiros cinco anos com um numero
especial que é constituído por uma selecção das mensagens enviadas nesse
encarada.
primeiro ano (de Abril de 2001 a Abril de 2002). De algum modo reflectem o
G. K. Chesterton
conjunto de critérios que presidem à selecção de notícias do Povo.
O Jornal das Boas Notícias

O Editorial de há 4 anos e o artigo “O Povo faz um ano hoje” contam a


Editorial d’O Jornal das Boas Notícias de 17 de Abril de 2001 .................... 1 história da origem do Povo.
Todos devem ter prémios?........................................................................................ 1 Também o artigo “Boas Notícias”, apesar de anterior ao Povo, explica a origem
"Um católico não pode viver a não ser com os olhos postos no céu"........... 2
Viva o trabalho............................................................................................................ 3 do Jornal das Boas Notícias que, ocasionalmente acompanha o Povo.
O Direito de Intervir.................................................................................................. 4 Ao longo destes 5 anos o Povo cresceu para mais de 2500 pessoas que o
Johnny e a Delinquência Juvenil: como a Educação Faz a Diferença ............ 5 recebem directamente. Fazem parte da história do Povo muitas boas notícias que
Tempo de mentira ...................................................................................................... 5 nascem da generosidade da resposta de todos quantos fazem o Povo.
E depois senhor?.......................................................................................................... 6 Esta aventura que tem sido o Povo faz hoje parte das minhas tarefas
Viagem ao coração gentil do inimigo .................................................................... 7
América.......................................................................................................................... 7 quotidianas, o mesmo é dizer, da minha vida. Agradeço a todos quantos me têm
O Lugar do Meu Deus .............................................................................................. 8 acompanhado desde a primeira hora ou desde ontem.
O Sino da Minha Aldeia........................................................................................... 9 Espantado, dou graças a Deus por tanta coisa boa que vejo acontecer e fico-Lhe
A segunda Páscoa........................................................................................................ 9 imensamente agradecido por, quando é da Sua vontade, usar o Povo como Seu
GABRIEL...................................................................................................................10 instrumento.
Aborto politicamente correcto...............................................................................10
Sobre a mensagem “Sexo complicado”................................................................10
Parabéns ao Povo
O Povo faz um ano hoje .........................................................................................11 Pedro Aguiar Pinto
Boas notícias...............................................................................................................11
Cinco anos depois.....................................................................................................12 causa do Povo. Sem verdadeiramente ter procurado e
sem me aperceber realmente do que foi acontecendo,
o Povo une “amigos” desde o Canadá, a Timor,
Editorial d’O Jornal das Boas Notícias de 17 de Abril passando pelo Cairo. Exemplificativa desta
cumplicidade nascente é ahistória-testemunho de uma
de 2001 amiga que é publicada na página 13.(foi publicada no
Pedro Aguiar Pinto Jornal das Boas Notícias, 12)
O Jornal das Boas Notícias, 12, 020417 Agradeço a todos a fidelidade de permanecerem e peço
Hoje, faz um ano que a mailing list Povo, começou a compreensão e ajuda para uma tarefa que foi
residir nos grupos Yahoo. No artigo “O Povo faz um ano acontecendo; sem linha editorial, mas olhando em
hoje” conto como tudo começou esperando que este direcção ao ideal de humanidade que responde à
seja um esclarecimento capaz para muitos leitores que exigência de significado que habita em cada um de
se colocam esta pergunta. nós.
Ao longo deste ano tentei um equilíbrio difícil entre
manter o Povo desperto para aquilo que se passa à
nossa volta e evitar ser aborrecido pelo volume de Todos devem ter prémios?
João Carlos Espada
mensagens enviadas. In: Expresso 010427
Sobretudo, a quem aborreci, peço desculpa. NA EDIÇÃO da semana passada, a revista britânica «The
Para mim, este ano foi uma experiência cheia de Economist» dedicou a crónica norte-americana
humanidade, por mais paradoxal que possa parecer, Lexington ao nosso amigo Harvey C. Mansfield,
sob a forma de mensagens electrónicas aparentemente professor em Harvard desde 1962 e membro do
impessoais. Aquilo que começou como um grupo de Conselho Editorial da revista luso-brasileira «Nova
amigos (identificáveis e conhecidos) foi-se alargando Cidadania». O facto é interessante a mais do que um
para amigos de amigos, de amigos... título.
O que há de comum entre os membros deste grupo? Em Harvard, Mansfield é conhecido pela alcunha de
Espero que, em maior ou menor grau, um interesse, «Harvey C-minus Mansfield» - uma referência ao seu
uma curiosidade, uma interrogação que nos leva a rigor na avaliação dos alunos, em época de inflação das
olhar, aconsiderar, a preocupar-nos com aquilo que notas. Numa escala crescente de D a A, metade dos
acontece à nossa volta mas não merece a atenção dos estudantes obtém notas iguais ou superiores a «A
meios de comunicação social mais “usados”, ou então, menos», e apenas 6% obtêm notas iguais ou inferiores a
fica soterrado no meio daquilo que é considerado com «C mais».
interesse de “notícia”. Esta preocupação individual de Mansfield cansou-se de contrariar esta tendência
juízo justo sobre o que se passa à nossa volta, inflacionista e, temendo estar a prejudicar os alunos,
resistindo à tendência geral de criação de uma anunciou que passará a dar duas notas: uma, irónica,
mentalidade dominante, sendo construtora da acompanhará a inflação e irá para os registos oficiais;
individualidade pessoal é, aomesmo tempo e outra, realista e exigente, será privadamente
paradoxalmente, constitutiva de um Povo. comunicada ao aluno para que este possa usufruir de
Por isso, o nome do grupo. uma avaliação séria - sem, no entanto, ficar
Escolhido, com a casualidade de uma escolha prejudicado por comparação com os outros.
individual, tem-se vindo a revelar quase profético. Sou A decisão de Mansfield provocou os habituais protestos
testemunha comovida de cumplicidades e verdadeiras dos círculos politicamente correctos. «The Economist»
amizades que, neste ano, se foram solidificando por veio apoiar Mansfield e condenar as (pós-)modernas

5 anos
2001-2006
teorias educativas que, em nome do culto da chamada emprego, é um estilo de vida, uma vocação que tem de
auto-estima, estão a transformar o sistema educativo ser vivida por dentro. Não é uma coisa que eu também
numa monumental operação de terapia. Em vez de faço - é aquilo que eu sou.
ensinar, estas teorias visam que os alunos «se sintam E a que é que se deve esse fascínio pela profissão?
bem» («feeling good»). O resultado é a dramática Ser professor universitário é uma tarefa extraordinária.
quebra de padrões, que começa a ameaçar mesmo as Entendo a Universidade como um jardim do
melhores universidades. conhecimento, criado pela sociedade para que
A resistência de Harvey C. Mansfield ao abaixamento contivesse tudo o que de melhor ela foi produzindo ao
de padrões não é facto isolado ou puramente longo dos séculos. Ora, ser o jardineiro desse jardim -
idiossincrático. Tal como outros grandes intelectuais que é isso o que um professor universitário é - é um
americanos curiosamente citados noutro artigo da privilégio extraordinário. Não o trocaria por nada e
mesma edição de «The Economist» - Leon Kass, de digo muitas vezes que gostaria de dar a minha última
Chicago, Bill Galston, de Maryland, e o jovem Adam aula no dia em que morresse.
Wolfson, da revista «The Public Interest» - Mansfield Os alunos gostam de si?
vem há muito tempo denunciando a deriva de padrões Varia muito. A relação entre o professor e o aluno é
em toda a atmosfera cultural que nos rodeia. muito difícil. A tarefa do professor é particularmente
Essa deriva é resultado de uma subtil mas dramática complicada, porque é a de um actor que está sozinho
transformação no entendimento dos alicerces em palco e que tem de representar um número para
espirituais da tradição liberal democrática. No lugar uma audiência que é hostil. Ela sabe que vai ser
antes ocupado pelo mérito ou merecimento do avaliada, não está com muita vontade de estar ali,
desempenho individual, independentemente do berço, porque não pagou o bilhete para assistir ao
instalou-se hoje a igualdade de resultados. Em vez de espectáculo, e sabe que, no final, com frequência o
mais oportunidades leais para todos, instalou-se o resultado é desagradável. Uma aula é uma das
dogma dos prémios para todos - se possível, prémios situações mais estranhas em que as pessoas podem ser
iguais para todos. A consequência é óbvia: se todos encontradas. Mas em geral tenho uma boa relação com
devem ter prémios, o valor do prémio desaparece. os meus alunos.
Este igualitarismo foi reforçado por um individualismo Suponho que seja um professor que dê o número de
sem entrave. Antes, a liberdade do indivíduo era casa.
entendida como condição da busca do bem e da Exactamente. Há muito anos que dou o número de
verdade. Estava, por isso, indissociavelmente ligada à telefone de casa aos meus alunos.
existência de erro, e de responsabilidade perante o Tem fama de ser muito disciplinado. Diz-se que Kant
erro. Mas as teorias pós-modernas decretaram o fim até tinha horas certas para os seus tempos de lazer.
das ideias de bem, de verdade e de erro. A liberdade Também é assim?
passou a ser entendida apenas como condição da Não, não. Não sou um fanático da disciplina. Tenho
«auto-expressão» das inclinações de cada indivíduo - apenas uma enorme dificuldade em não fazer aquilo
todas elas legítimas, desde que sejam «autênticas». por que estou apaixonado e estou apaixonado por
Há mais de 200 anos, Edmund Burke (um dos autores aquilo que estou a fazer. É verdade que ganhei uma
em que Harvey C. Mansfield é uma autoridade) tinha rotina de trabalho, que montei e considero um valor
previsto o resultado destas ideias: a generalização da muito importante, e grande parte da minha
grosseria e o fim da «gentlemanship». Alexis de produtividade tem a ver com essa forma de organizar o
Tocqueville - cuja «Democracia na América» acaba de tempo. Mas a dedicação é apenas fruto da paixão. Não
ser novamente traduzida para inglês, precisamente por há, do meu ponto de vista, nenhuma atitude kantiana,
Harvey C. Mansfield, sob o aplauso unânime da crítica - porque desse ponto de vista sou muito diferente de
observou exactamente o mesmo. Mas acrescentou uma Kant.
nota optimista que certamente não passou Lá em casa não se queixam que trabalha demais?
despercebida a Mansfield: A minha mulher não deixa. Tenho a sensação de que,
«A alma tem necessidades que precisam de ser se a minha mulher não fosse muito exigente nas horas
satisfeitas, e, por muito que tentemos distraí-la de si de chegar a casa e não resmungasse quando chego um
mesma, ela depressa acaba por se aborrecer, pouco mais tarde, poderia ser complicado. Mas ela aí
inquietando-se e agitando-se no meio dos prazeres dos tem sido muito clara e eu chego normalmente a casa às
sentidos (...). Tudo o que eleva, enobrece e expande a sete e meia, oito da noite. Começo cedo a trabalhar e
alma torna-a mais capaz de triunfar até nos em geral nunca trabalho depois do jantar. Sempre que
empreendimentos que nada têm a ver com ela». posso deito-me às nove e tal, dez horas e levanto-me
às seis da manhã.
"Um católico não pode viver a não ser com os olhos Lá se vai a televisão pela noite dentro...
Essa é precisamente uma das razões por que quase
postos no céu" nunca vejo televisão. Se há 20, 30 anos me dissessem
João Miguel Tavares que não iria ver televisão acharia impossível, porque
DN010429 era fanático quando era miúdo. Mas agora dou por mim
Mesmo durante os quatro anos em que foi assessor a passarem-se semanas sem olhar para a televisão, o
económico de Cavaco Silva, no início da década de que tem consequências sociais terríveis, porque toda a
90, nunca deixou de dar aulas na Católica. Privilegia gente vê e toda a gente sabe dos assuntos que eu não
a profissão de professor acima de todas as coisas? sei.
Manter-me a dar aulas foi uma das condições que Uma das suas actividades mais notórias são os artigos
combinei, desde logo, com o professor Cavaco Silva. Na no DN, onde expõe opiniões muito musculadas,
altura, lembro-me de lhe ter dito: "Não vai ter um digamos assim, que frequentemente são alvo de
assessor que dá aulas, vai ter um professor que é seu comentários noutros lugares. Mas nunca entra em
assessor". Fiz outras coisas na vida, mas aquilo que eu polémica.
sou é professor. O meu avô dizia-me isto muitas vezes: Não entro em polémica porque sempre achei que o
há muitas profissões no mundo mas há apenas três artigo de jornal acha-se mais importante do que é.
vocações: padre, médico e professor. Foi sempre assim Acho graça escrever sobre a realidade, mas não sobre
que vi esta minha tarefa. Ser professor não é um

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outras opiniões e sobre outros artigos de jornais. No não ser praticante. Agora, não menosprezo a fé latente
entanto, gosto muito de ouvir as opiniões dos outros, e que certas pessoas têm.
gosto muito que pessoas por quem tenho respeito Nunca teve dúvidas de fé?
digam bem de mim e pessoas por quem não tenho Nunca tive dúvidas paralisantes de fé. Mas há um
respeito digam mal de mim. São dois sinais que prezo crescimento na fé que é feito de altos e baixos.
muito. Nisto uso a regra de Confúcio: o importante é Pertence à Opus Dei?
que as pessoas boas digam bem de ti e que as pessoas Não. Tenho muito respeito pela Opus Dei e procuro
más digam mal de ti. Enquanto funcionar assim, eu não colaborar com todos os movimentos da Igreja, mas não
estou preocupado. pertenço. Não calhou ir por aí.
Considera-se um provocador? Estuda regularmente teologia?
Isso considero. E acho que a razão por que sou O facto de ter a Bíblia e a Suma Teológica [de S. Tomás
provocador tem a ver com as minhas aulas. Costumo de Aquino] aqui na minha secretária é capaz de ser um
dizer que o meu teste de fogo foi dar aulas aos sinal disso.
caloiros, porque eles são a audiência mais difícil do Essa "Suma Teológica" é em latim. Lê latim?
mundo. A sua atenção precisa de ser constantemente Tive de estudar latim por causa dela. Há seis anos
provocada, nunca pode ser dada como garantida. Esse descobri a personagem de S. Tomás de Aquino, que é
meu tique manifesta-se em todo o lado. Realmente, um homem absolutamente extraordinário. Comecei a
sou um provocador nato, por construção gosto sempre ler a Suma Teológica e só a larguei daí a quatro anos.
de ver aquele lado que as pessoas não viram, Foi um momento de revelação. Fiquei fascinado com a
apresentar as coisas num estilo rebarbativo. Às vezes clareza de espírito, com a ordenação das ideias, com a
causo alguma irritação, é verdade, e peço desculpa. forma de olhar para o mundo. Não sou um especialista
Mas a causa é esta: ser provocador é uma outra em mais nada mas tento estudar S. Tomás de Aquino
definição de professor. sempre que posso. Não sei muito de latim, tive de
Quando escreve que a irmã Lúcia é "uma das nossas aprender sozinho e hoje tento ler uma hora de latim
figuras intelectuais mais influentes" está a provocar? por dia. Neste momento até publico textos científicos
Eu acho que é verdade, acho que a irmã Lúcia é, em em revistas internacionais de economia sobre o
Portugal, uma das figuras intelectuais mais influentes. pensamento económico de S. Tomás de Aquino.
Não é uma das figuras intelectuais mais influentes no Encontrei lá motivos de investigação na minha própria
meio intelectual que se considera com o monopólio da área. Fiquei com o tique doentio de citar S. Tomás de
intelectualidade portuguesa. Aí não só não é influente Aquino em todos os textos que escrevo e tenho de
como nem sequer é conhecida. Mas quando a poeira fazer um esforço para me conter.
assentar e todos os génios que encontramos na nossa
vida intelectual forem esquecidos, ainda se irá falar da Viva o trabalho
irmã Lúcia. Em termos objectivos, e não facciosos. Paulo Teixeira Pinto
A provocação não está em defender a influência da In: Portugal Diário, 010501
irmã Lúcia, está na utilização do adjectivo I. O trabalho é a forma maior que o homem tem de se
"intelectual". elevar. Leia-se, de se encontrar consigo mesmo. Quer
Mas a provocação da irmã Lúcia é intelectual. Não é dizer, não há vocação humana alguma que possa
económica, política, material. A sua intervenção é no escapar ao trabalho.
mundo das ideias. O facto de alguns dos intelectuais É por isso mesmo que se torna imperioso atribuir ao
portugueses, com uma enorme falta de dignidade trabalho a sua verdadeira dignidade, pois que sem ele
científica, terem desprezado as opiniões da irmã Lúcia nenhum homem se pode realizar. Nesta medida, o
como não intelectuais é um erro desses senhores. O trabalho há-de então ser mais do que um direito, posto
problema é que alguns intelectuais consideram como que se prova como um verdadeiro destino. Aquele que
vida intelectual aquela suprema ociosidade em que se constrói quando um homem opera a sua marca única
eles elucubram asneiras. Isso não é intelectualidade, e irrepetível, mesmo que aparentemente insignificante
isso é o lixo intelectual que rapidamente desaparece ou invisível, na História da Humanidade. Seja o
da História. trabalho de partir pedra ou o de meditar, o de pintar
Acredita em Fátima, portanto. ou o de regar a terra, o de escrever a alegria ou o de
Acredito em Fátima. Só há duas hipóteses: ou é curar a dor. Com cada um o mundo fica diferente para
verdade ou é uma palhaçada. E eu digo que é muito todo o sempre. Percebam-no ou não os seus fazedores.
mais difícil sustentar que Fátima é falso do que é Sejam eles carpinteiros ou filósofos.
verdadeiro. No mínimo, é uma coincidência II. Nada há de mais puro e radical do que o fruto do
extraordinária que a perestroika se tenha iniciado verdadeiro trabalho humano. Simetricamente, poucas
poucos meses depois da Consagração do Mundo pelo coisas há nesta vida que do mesmo modo comparar se
Papa, em 1984, nas condições que a irmã Lúcia havia possam, pela sua gravidade, à falta de respeito pela
definido nos anos 40. Ainda hoje é um dos mistérios da condição de um trabalhador, significando esta palavra
História. o que ela quer mesmo dizer, isto é, aquele que
Reza o terço todos os dias? trabalha. Deve ser por isso que raras são também as
Exactamente. coisas que de imediato merecem censura tamanha
A figura do católico não praticante faz para si algum como aquela reservada aos dislates do género “se
sentido? trabalhar faz bem que trabalhem os doentes”. Aliás,
Tenho dificuldade em compreendê-lo. Repare: a aqui a ofensa até é dupla, pois que também o
religião é um projecto de vida. Uma pessoa que é sofrimento pode traduzir uma superior prestação de
católica não pode viver a não ser com os olhos postos verdadeiro trabalho. Conheço apenas uma excepção
no céu, porque é para aí que está a ir. Se a pessoa vai aceitável à regra que interdita brincar com a essência
passar a maior parte da sua vida no céu e neste do trabalho. Trata-se do episódio daquele analista que,
momento está só na sala de espera, durante uns anitos, na sua procura dos elementos essenciais à
esse é um facto de tal maneira importante que não nos determinação do valor de certa empresa, perguntou a
podemos lembrar dele só de vez em quando. Por isso, certa altura quantas pessoas nela trabalhavam. Como
não ser praticante é difícil, como é difícil ser casado e resposta ouviu: “cerca de metade”. Esta sentença,

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meio cínica e meio irónica, revela bem, contudo, a VII. É por tudo isto que hoje, primeiro dia de Maio, não
distância que vai entre emprego e trabalho. é o dia dos empregados, nem dos sindicatos, nem dos
III. Na verdade, muitos são aqueles que ganham o pão partidos, nem sequer de nenhum ideal. É só o dia do
de cada dia em nome de um posto de trabalho mas que trabalhor. Do trabalhador, repare-se bem outra vez –
realmente não trabalham. Limitam-se a ter um no singular, e não dos trabalhadores no plural. Porque
emprego. Ou seja, gozam do posto enquanto gozam nesta vida cada um deve procurar a pedra que existe
com o trabalho. Falta grave. Em todo o caso, sempre para que ele, e só ele, a transforme no seu pão. Este é
menor do que a daqueles empregadores que por vezes o dia. Um grande dia, sem dúvida. Mas como poderia
se fazem passar por empresários e que não pagam a não o ser se é o dia de S. José Operário?
quem trabalha, ou que pagam menos do que seria
justo. Num caso e noutro do que se trata é de O Direito de Intervir
exploração. É pena. Mas é bom que se saiba que é Por JOSÉ MANUEL FERNANDES
também mais do que um comportamento lamentável. In: Público, Quinta-feira, 3 de Maio de 2001
Pelo que seria bom e oportuno que hoje, precisamente A recente Nota Pastoral da Conferência Episcopal
hoje, a Igreja pudesse lembrar a todos, e não só aos Portuguesa tem levantado um onda de contestação e
católicos, que não pagar o que é devido ao trabalho é suscitado ataques que, verdadeiramente, pouco têm a
teologicamente considerado um “pecado que brada aos ver com o que nela vem escrito. Chega-se mesmo a ter
céus”. Noto que a terminologia não é minha. E sublinho a sensação que se condena o facto de os bispos terem
também que outros pecados com a mesma qualificação tomado a palavra, dizendo o que pensam sobre o
capital são a opressão dos pobres, das crianças e viúvas momento que o país vive.
ou o homicídio voluntário. Escândalo? Talvez. Mas é Na verdade, o que se deveria estranhar não era a
mesmo assim. Afinal, bem medidas todas as coisas, o Igreja portuguesa tomar posição sobre alguns temas
que há de mais escandaloso do que a verdade? que têm ocupado o debate público, mas sim o seu
IV. Explorar aquele que trabalha é, portanto, tão grave silêncio.
como matar. Dói ouvi-lo? Então é repeti-lo, se faz Fazendo parte da sociedade civil, espera-se que
favor, junto de alguns espécimes dessa nova raça de intervenha e diga o que tiver a dizer, por muito que
modernos esclavagistas que usam cartões de visita isso agrade a uns e desagrade a outros. Tem o direito
aparentemente respeitáveis, nos quais às vezes de o fazer, como todo e qualquer organismo da
aparece escrito que os seus portadores pertecem à sociedade civil. Mais: tem o dever de o fazer com
classe dos empresários ditos de sucesso. Porém, há clareza, na praça pública, enumerando os seus
mesmo um porém. Os pobres coitados ainda não sabem argumentos e evitando os jogos de influência e de
da desgraça a que se condenaram com tais práticas bastidores.
infelizes. Avisá-los disso é muito mais urgente do que Uma boa parte da discussão da Nota Pastoral tem-se
apenas útil. E é mais no seu próprio interesse do que centrado na sua oportunidade - sugere-se que é um
no daqueles que são suas vítimas, pois aqui os algozes ataque ao Governo, quando apenas se escreve que "é
é que são os últimos dos condenados. E, já agora, um preciso que nos convençamos que o futuro de Portugal
pedido mais para quem os puder alertar: que o aviso depende de todos nós e não apenas dos governos" - e
também advirta da sua aplicação a todos os na alegação de que a Igreja não suportaria ser
trabalhadores e não só aos portugueses que laboram contraditada - quando os bispos apenas constatam que
em Portugal. Porque vale tanto para nós como para os parte das iniciativas legislativas que contestam tiveram
imigrantes, legais ou clandestinos, cabo-verdianos ou como motivação confessa dos seus promotores
ucranianos. Se calhar não o sabem, mas nem estes têm contraditar as posições da Igreja.
menos direitos nem aqueles seus empregadores gozam Esta forma de discutir o documento episcopal não é a
de menos deveres. mais interessante: serve para despertar reflexos
V. O dia de hoje só poderia ser um dia revolucionário anticlericais, mas não serve para discutir o que de
se todos os homens avaliassem o verdadeiro valor do essencial se diz no documento. E o que de essencial se
trabalho. Que deve ser em regra superior por aquilo diz é que algumas medidas legislativas – pílula do dia
que se dá do que por aquilo que se recebe. Por isso, é seguinte, uniões de facto, "salas de chuto" - "deixaram
profundamente lamentável que muitos não queiram de se inspirar em padrões éticos de valores",
trabalhar mas apenas ter um emprego. Ou que deixem decorrendo "ao sabor de critérios imediatistas e
de trabalhar assim que consideram que podem pragmáticos". O documento critica em especial opções
sobreviver sem o fazer. Direi mesmo que é quase tão que inculcam "um exercício da liberdade sem limites,
lamentável como impedir alguém de trabalhar. Uns e não percebendo que a dignidade desta reside na
outros parece ignorarem que a natureza do tabalho não responsabilidade".
é a de meio de subsistência mas a de modo de Ou seja, os bispos repetem o que já antes fora dito -
vivência. Dito por outras palavras: o trabalho não é um nomeadamente nesta coluna.
mero fim para sobreviver mas um real princípio para Retomam a questão, central, da relação entre
viver. liberdade e responsabilidade - "há, na nossa sociedade,
VI. Assim, o trabalho existe para o homem e não o manifestações da defesa do exercício da liberdade sem
homem para o trabalho. Mas nenhum homem está dele exigência da respectiva responsabilidade" - e
dispensado. Nunca. Sob pena de ter vivido em vão. No acrescentam que "uma das consequências do
outro extremo da vida lembro-me agora de um homem pragmatismo imediatista na busca de soluções é o
- por acaso aquele que mais admiro de entre todos os acentuar de atitudes de individualismo, por vezes
seres vivos - que, já alquebrado pela doença e pela egoísta, de pessoas e de grupos, toldando a perspectiva
idade, insiste em ficar de pé. Sempre a gritar para não do bem comum".
termos medo da Esperança. Enquanto murmura para si Pode-se discutir a pertinência da análise sobre a crise
próprio que não pode parar porque terá toda a de valores que vivemos - já que poucos contestarão
eternidade para descansar. O seu exemplo traduz toda que existe uma crise de valores... -, pode-se criticar
uma lição de laboriosidade. Que poderá ser assim algumas passagens da Nota Episcopal - como as
resumida: todo o trabalho tem a mesma dignidade se e infelizes referências a "ideologias importadas"
enquanto for ordenado ao bem. - ou debater as diferenças entre "civilização" e

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"cultura", mas dificilmente se poderá negar que, como Quando tinha nove anos, a mãe levou-o ao teatro. O
aí se escreve, "dirigir um país não pode ser só empregado da bilheteira dizia que já não havia
administrar as crises, tem de assentar num projecto de bilhetes, mas a mãe com mais cinco dólares resolveu a
valores a promover e a defender". situação. "Não há problema miúdo", disse a mãe. "Toda
Os bispos abriram a discussão sobre quais devem ser a gente faz o mesmo".
esses valores. Era bom que fosse esse o terreno da Aos doze anos, partiu os óculos quando ia para a
discussão. escola. A tia convenceu a companhia de seguros de que
eles foram roubados e receberam 75 dólares. "Não há
Johnny e a Delinquência Juvenil: como a Educação problema miúdo", disse a tia. "Toda a gente faz o
mesmo".
Faz a Diferença Aos quinze anos, jogava futebol na equipa do liceu, o
Por JOSÉ M. TELES SAMPAIO
In: Público:Sábado, 16 de Junho de 2001 treinador ensinou-o a pressionar o adversário,
Diz a sabedoria popular que "quem nasce torto, tarde agarrando-o pela camisola sem que ninguém visse. "Não
ou nunca se endireita". Embora reconheça o valor e a há problema miúdo", disse o treinador. "Toda a gente
importância desta sabedoria, em determinados faz o mesmo".
contextos, sou particularmente crítico quando se Aos dezasseis anos foi trabalhar durante o Verão num
fazem generalizações, susceptíveis de influenciarem e supermercado. Foi avisado pelo gerente que tinha que
serem aplicadas a todo um universo social. Para nós, o pôr os morangos demasiado maduros no fundo das
problema da delinquência juvenil é um problema social caixas e os melhores em cima, bem à vista. "Não há
que só pode ser resolvido no plano social, com problema miúdo", disse o gerente. "Toda a gente faz o
instrumentos sociais, tudo o mais é típico de quem mesmo".
perfilha e partilha estereótipos negativos, alimentados Aos dezanove anos foi abordado por um aluno mais
por sinais de intolerância, expressos em palavras e adiantado que lhe ofereceu as respostas a um exame
discursos. por cinquenta dólares. "Não há problema miúdo", disse-
Pensamos e defendemos que toda a situação de lhe o jovem colega. "Toda a gente faz o mesmo".
delinquência é reversível, nomeadamente quando da Johnny foi apanhado e expulso. "Como pudeste fazer
existência de articulação da função educativa com a uma coisa destas a mim e à tua mãe e à família?"
envolvente social num desejo de redução dos níveis de Gritou o pai. "Cá em casa não te ensinamos essas
delinquência. Só neste contexto podemos falar de coisas."
reinserção social com visibilidade e antídoto para os O problema do Johnny é um problema de ausência de
"modos de vida" dos grupos mais vulneráveis que a um modelo educativo, da falta de um código moral
própria sociedade criou. comum, que nem a família, nem a sociedade
Vicente Genovés, uma das maiores autoridades cumpriram plenamente. Esta ausência de
mundiais sobre delinquência juvenil, referiu em responsabilidade é a semente da delinquência,
conferência recente (ISCTE) que alguns jovens criados tendendo a desenvolver-se e a constituir uma situação
em meios propícios à delinquência conseguem escapar duradoura, quando se concentram e reciprocamente se
a estes comportamentos. Segundo o autor "o que faz a reforçam desvantagens materiais e culturais,
diferença é a existência, ou não, de um bom software acompanhadas de sentimentos de intolerância,
social, ou seja, de um pensamento pró-social, aberto desprezo e discriminação ao nível familiar. A
ao exterior", capaz de combater preconceitos e delinquência e os delinquentes são da responsabilidade
xenofobia, preparar os jovens para "aprender a viver de todos, pelo que torna-se importante que cada um
em conjunto", apetrechando-os com os instrumentos ajude o círculo a romper-se.
indispensáveis ao seu desenvolvimento pessoal, à Temos que reconhecer que há um longo caminho a
inserção social e à participação activa no mundo. percorrer no processo educativo para a formação cívica
Para concretizar esta preocupação, necessário se torna que pretendemos, nomeadamente dos mais jovens.
que a sociedade (família, comunicação social, Para tanto há que mudar atitudes e procurar
escola...) assuma a responsabilidade social de traçar estratégias que visem uma educação para o exercício
metas e medidas operacionais que valorizem os valores da tolerância. A nosso ver tudo isso passa pela
morais e humanos, que não fique indiferente à mudança estrutural dos sentimentos, comportamentos
programação de conteúdos televisivos que exaltam a e sensibilidades que todos devemos assumir, pois é a
violência, o individualismo, a indiferença e a partir daqui que surgirá o bom senso, principal norma
insensibilidade para "modos de vida" onde a de conduta da nossa actuação a todos os níveis,
delinquência se manifesta e se reproduz. Não sendo a nomeadamente na escola, promovendo ambientes
educação uma varinha mágica para resolver todos os propícios ao desenvolvimento global do indivíduo.
Professor em Estabelecimento Prisional
problemas da sociedade, proporciona sem dúvida o
software de que fala Vicente Genovés. Segundo ele,
"cerca de 50 por cento dos jovens dependem da nossa Tempo de mentira
ajuda para ultrapassar esses comportamentos". João César das Neves
DN010702
Por isso, a propósito de preparação de jovens para a
Existem hoje meios suficientes para acabar com a fome
vida em comum, deixo aqui uma interessante história,
e a pobreza no mundo e montámos mecanismos
de Jack Griffin, publicada na revista Dirigir (nº69):
sofisticados para promover a justiça, a saúde, a
"Aos seis anos de idade, Johnny ia de carro com o pai
cultura. Mas a velha miséria continua e os que estão na
quando este foi apanhado em excesso de velocidade. O
abundância vivem novas formas de infelicidade. As
pai meteu uma nota de vinte dólares dentro da carta
pessoas são mais ricas que nunca, mas não se sentem
de condução que entregou ao polícia. "Não há
mais felizes. Somos hoje a prova viva da velha frase "o
problema miúdo", disse o pai. "Toda a gente faz o
dinheiro não dá felicidade". Porquê?
mesmo".
A razão da nossa infelicidade no meio da prosperidade
Quando tinha oito anos, assistiu a uma reunião familiar
vem, fundamentalmente, de um subtil desequilíbrio. O
em que se estudava o modo mais eficaz de aldrabar a
ser humano é muito mais simples do que se pensa. No
declaração de IRS. "Não há problema miúdo", disse o
meio da variedade de personalidades, existe uma
tio. "Toda a gente faz o mesmo".
permanência comum: o objectivo de todas as acções

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humanas, o propósito de tudo o que fazemos, é sempre Há muitas verdades, variáveis, contingentes,
a felicidade. discutíveis. Por isso, não há verdade nenhuma. Não
E a felicidade, que parece ser um tema tão excelso e existe um verdadeiro absoluto, permanente, com o
difícil, é fundamentalmente o resultado de dois qual se possa confrontar o meu ser relativo e mutável.
elementos básicos, a liberdade e a verdade. Os O pior do nosso tempo de mentira é a suprema mentira
progressos dos últimos séculos foram, naturalmente, da ausência da verdade.
todos aplicados na busca da felicidade. Mas apenas Vivemos mergulhados num mundo de engano. Pior,
através do primeiro dos seus elementos, a liberdade. sentimo-lo como natural. Num tempo que tem muito
Vivemos o tempo da liberdade. O desenvolvimento mais que alguma vez pensou ter, e que se dedica
social afirmou a luta contra a escravatura, a injustiça e intensamente a lutar pela liberdade, vive-se a mais
a tirania e conseguiu vitórias marcantes contra velhas triste desorientação.
prisões da humanidade, as doenças, sujidade, É a falta da verdade que destrói a liberdade e a
isolamento, analfabetismo, etc. Muito falta ainda felicidade. No meio da prosperidade, esquecemos o
fazer, mas é extraordinário o que se conseguiu. Só que que disse o Homem mais feliz de sempre: "a verdade
o esforço de libertação perdeu de vista a outra vos libertará" (Jo 8, 32).
condição da felicidade, a verdade.
O nosso tempo de liberdade é também o tempo da E depois senhor?
ilusão, da fama, da mentira. Nunca como hoje o ser 010713
humano viveu tão mergulhado na falsidade patente e Um homem de negócios americano, no ancoradouro de
óbvia. À nossa volta, todo o dia, multiplicam-se as uma aldeia da costa mexicana, observou um pequeno
mentiras descaradas, assumidas, institucionais. São de barco de pesca que atracava naquele momento
tal forma correntes que nos habituámos a elas e trazendo um único pescador.
damos-lhes o desconto. Vivemos adaptados ao No barco, vários grandes atuns de barbatana amarela.
embuste. O americano deu os parabéns ao pescador pela
As maiores mentiras registam-se nos campos onde mais qualidade dos peixes e perguntou-lhe quanto tempo
cresceu a liberdade. O sistema político alimenta-se, levara para os pescar.
mais que nunca, de manipulação, demagogia, - Pouco tempo, respondeu o mexicano.
hipocrisia e utopia. Todos os envolvidos, sobretudo os Em seguida, o americano perguntou por que é que o
eleitores, têm a sensação de participar numa vasta pescador não permanecia no mar mais tempo, o que
encenação, em que a imagem da vida pública pouco lhe permitiria uma pesca mais abundante.
tem a ver com a realidade dos propósitos, obstáculos e O mexicano respondeu que tinha o bastante para
equilíbrios de forças. Não admira o infame desprestígio atender às necessidades imediatas da sua família.
das autoridades, que já roça o paroxismo alarmante. O americano voltou à carga:
Na vida corrente, a falsidade tem um lugar central. A - Mas o que é que você fazcom o resto do seu tempo?
publicidade não esconde o seu propósito de criar O mexicano respondeu:
expectativas, controlar emoções, suscitar desejos. - Durmo até tarde, pesco um pouco, brinco com os
Tudo isto são eufemismos para aquilo a que todos meus filhos, faço uma sesta com a minha mulher,
chamamos "enganar". As notícias, alegadamente Maria, vou todas as noites à aldeia, bebo um pouco de
imparciais, são realmente interpretações pessoais que, vinho e toco violão com os meus amigos. Levo uma vida
mesmo quando não tentam aldrabar, distorcem pela cheia e ocupada, senhor.
aparência de rigor. O americano assumiu um ar de pouco caso e disse:
Os nossos lazeres passam-se no mundo da fantasia. - Eu sou formado em administração em Harvard e
Filmes, novelas, revistas, livros, jogos de computador poderia ajudá-lo. Você deveria passar mais tempo a
criam um ambiente de ficção em que mergulhamos pescar e, com o lucro, comprar um barco maior.
grande parte da nossa vida. Agora suportamos o Com os ganhos produzidos pelo novo barco, poderia
irrealismo dos reality shows. comprar vários outros. No fim, teria uma frota de
Saboreamos voluntariamente os mitos do sucesso fácil, barcos de pesca. Em vez de vender pescado a um
do mal menor, da cultura sem tabus, do intermediário, venderia directamente a uma indústria
emagrecimento sem custo, do parto sem dor, do processadora e, no fim,poderia ter sua própria
almoço grátis, da vida cientificamente ordenada. Até o indústria. Poderia controlar o produto, o
negro pessimismo, em que tantos caem pela desilusão, processamento e a distribuição. Precisaria de deixar
é falso. A droga não passa de um superlativo da esta pequena aldeia costeira de pescadores e mudar-se
alienação da vida comum. A maior perversão é para a Cidade do México, em seguida, para Los Angeles
acreditarmos piamente na inevitabilidade da vida e, finalmente, para Nova York, de onde dirigiria a sua
hedonista, consumista, superficial. empresa em expansão.
Pior, a falsidade atingiu o elemento mais sagrado da - Mas, senhor, quanto tempo isso levaria? - perguntou o
natureza humana, a amizade. Tudo contribui para que pescador.
as relações pessoais sejam postiças, volúveis, falsas. A - Quinze ou vinte anos - respondeu o americano.
aberração dos vizinhos ignorados, o fascínio dos - E depois, senhor?
encontros ocasionais, a fragilidade dos amigos de O americano riu e disse que essa seria a melhor parte.
discoteca, a infidelidade da parceria de interesse, a - Quando chegar a ocasião certa, você poderá abrir o
mentira da cumplicidade de partido e, sobretudo, a capital da sua empresa ao público e ficar muito rico.
falsidade das juras de amor. Ganharia milhões.
Das juras de amor egoístas e efémeras, mas também - Milhões, senhor? E depois?
das juras de amor sinceras. Das juras sinceras que são - Depois - explicou o americano - você aposentar-se-ia.
falsas porque nascem de um amor que é condicional ao Mudar-se-ia para uma pequena aldeia costeira, onde
prazer, de uma felicidade que não está aberta ao dormiria até tarde, pescaria um pouco, brincaria com
sofrimento. os netos, tiraria a siesta com a esposa, iria à aldeia
Mas o mais definitivo domínio da mentira na nossa vida todas as noites, onde poderia beber vinho e tocar
é a perda do Absoluto. A maioria das pessoas hoje violão com os amigos...
pensa que não existe uma verdade, apenas opiniões.

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Viagem ao coração gentil do inimigo «melhor rezarem».
José Eduardo Águalusa Não creio que as lições do diplomata português tenham
In: Portugal diário, 010704 servido de muito. Antes da procissão ofereceram-me
Escrevi numa crónica anterior sobre uma recente visita um caderno com algumas destas famosas orações. Já
que realizei a Timor Lorosae a convite do Centro não é em português que os crentes de Larantuka
Nacional de Cultura de Lisboa. Prometi então falar da rezam, não é pelo menos em português corrente, será
restante parte da viagem - uma rápida peregrinação antes, como observou o próprio António Pinto da
pelas ilhas indonésias de Flores, Bali e Java. É o que França, num português corrompido - embora não tão
vou fazer agora. corrompido que se possa chamar a isto um crioulo, um
Quando me desloquei à Embaixada da Indonésia em idioma novo. Seja como for impressiona, quando se
Berlim, onde actualmente resido, para pedir um visto, segue junto com a multidão, distinguir entre a
o funcionário que me atendeu alertou os colegas num suavíssima corrente de vozes palavras conhecidas:
alvoroço infantil. «Este tipo quer um visto!». Mostrou o Santa Maria... Santíssima... Mãe Santíssima.
meu passaporte português enquanto ria às gargalhadas. Aconteceu com a língua portuguesa, na Ilha das Flores,
Esperei que se acalmasse e entreguei-lhe outro o mesmo que ao ioruba nigeriano nos candomblés de
passaporte, angolano: «E este, serve?». Ele aborreceu- Salvador - transformou-se em língua sacra, ou seja,
se: «Angolano? Angolanos, portugueses, é tudo a num idioma mágico, e por isso sobreviveu. As pessoas
mesma raça. Vocês não podem entrar na Indonésia, rezam em português, ou em ioruba no caso dos
ponto final, vocês não são bem vindos ao nosso grande terreiros de candomblé, sem compreender o sentido
país». Expliquei-lhe que isso era antigamente, durante das palavras. Fazem-no porque acreditam nas virtudes
o regime de Suharto, mas ele mostrou-se inflexível. mágicas dessas palavras.
Pareceu-me que nem sabia que Suharto já fora Os portugueses, como todos os povos, têm excelentes
derrubado e havia na Indonésia uma democracia. Fui motivos para se orgulharem da sua História, e
forçado a enviar o passaporte para Lisboa e assim excelentes motivos para se envergonharem dela. Muito
obtive o visto. do que aconteceu na sequência da aventura dos
Receei testemunhar, na sequência deste incidente, descobrimentos - a escravatura, a humilhação e
algum tipo de manifestação de desagrado durante a genocídio das populações indígenas, a extinção de
viagem do grupo pela Indonésia. Isso, porém, não línguas e culturas, a brutal exploração de recursos,
aconteceu. Fomos recebidos em toda a parte com etc. -, deve ser lembrado sempre, e em particular
extraordinária gentileza. A mobilização portuguesa a durante manifestações de fácil exaltação nacionalista,
favor da causa timorense, que atingiu não poucas vezes ao menos como medida profilática contra o
um clima de histeria, faz com que ainda hoje muita ressurgimento de uma tristíssima nostalgia colonial.
gente confunda o extinto regime de Suharto, Mas há coisas que constituem motivo de orgulho para
imensamente corrupto e despótico, com a vontade e o toda a vasta comunidade de pessoas que falam
sentimento de toda a população indonésia. português. Isto, por exemplo, de uma língua se
Para a maioria dos muitos, e muito diferentes, povos transformar em encantamento - e de ser a nossa
que habitam o vasto arquipélago da Indonésia, Portugal língua.
não significa rigorosamente nada. Uns tantos, no
entanto, sentem-se ligados aos portugueses por uma
história comum que os distingue das etnias em redor. E
América
Comunhão e Libertação, 010918
há até aqueles, como acontece na Ilha das Flores, ou
O atentado terrorista contra os Estados Unidos
na localidade de Tugu, próximo a Jakarta, que se
constitui, antes de mais, uma surpresa terrível. Os
orgulham inclusive da sua ascendência lusitana. A estes
símbolos do poder no mundo foram abatidos,
remotos primos asiáticos Portugal deveria prestar mais
arrastando consigo milhares de mortos. Como se o
atenção.
poder, a ostentação máxima da construção humana,
(o português enquanto encantamento)
nada pudessem diante de uma outra capacidade
No cemitério de Larantuka, nas Flores, encontramos os
humana, a de destruir, de aniquilar o esforço da
primeiros sinais destes laços de sangue entre
civilização. Assim, os ocidentais, distraídos e
portugueses e indonésios. Foi ao fim da tarde de uma
esquecidos da sua fragilidade, do mal e do pecado que
sexta-feira de cinzas. O clima era de festa. Famílias
trazem dentro, ficaram aterrorizados em frente da
inteiras limpavam e embelezavam as campas,
televisão, que mostrava, como num cenário de ficção
acendiam velas, rezavam em conjunto. Meninas com
científica, a realização da intenção malvada dos
vestidinhos de folhos cor de rosa, irrompiam
"outros". Com efeito, tudo aquilo que é humano está
sorridentes de um outro tempo (como se fosse de
em gravíssimo risco, que nenhum escudo de guerra das
contos de fadas). Vi muitas lápides com nomes
estrelas pode eliminar. Não por razões técnicas, mas
portugueses: Rosa da Silva, Pedro da Cunha, Caetano
por aquele veneno a que os cristãos chamam "pecado
Gomes. Havia magnólias debruçadas sobre as campas e
original": a inveja que o homem traz dentro de si
um cheiro intenso a flores e a velas.
contra o bem e contra si próprio.
Nem este primeiro contacto, contudo, nos preparou
É difícil combater quem não tem medo de morrer,
para o que veio a seguir - a procissão. António Pinto da
quem pelo contrário faz da morte, da autodestruição,
França, nas breves memórias que escreveu sobre a sua
a estratégia absurda para se afirmar a si próprio.
passagem pela Indonésia, Influência Portuguesa na
Normalmente faz-se a guerra pela paz. Mas como é que
Indonésia (Centro de Estudos Históricos Ultramarinos,
isto é possível com quem já não tem personalidade,
Lisboa, 1971), fala das orações em português que se
com quem, vivo, caminha voluntariamente como um
continuam a rezar em Larantuka, especialmente
morto, tendo queimado o sabor da existência e da
durante a Semana Santa. Conta que uma irmandade de
liberdade na alienação total a um desígnio alheio? Este,
velhas senhoras, as Mamãs da Música, o convidaram
seja ele dedicado ao seu deus, ou, pior ainda, a outros
certo dia para rezar com elas: Rezaram uma ladainha
homens, é como se já não existisse: reduziu-se a si
comigo mas ficaram muito desapontadas porque o meu
próprio, fazendo-se um nada cheio de explosivos que
português lhes soou diferente. Pediram para lhes
reduz a nada aquilo que encontra. Aqueles que o
escrever algumas orações em português correcto para
celebram compartilham e assumem a mesma carga

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destrutiva, a qual se não for aplicada a si, será verdade, nenhum crente católico o poderia aceitar sem
aplicada aos outros. Como parar uma degenerescência contradição pessoal insanável. Mas não é. A verdade é
que na violência, mesmo na suportada, encontra a que não existe essa contradição.
possibilidade de se multiplicar ao infinito? A autonomia das realidades temporais é um ponto da
A desorientação e a dor de quanto sucedeu não podem fé dos cristãos. Logo, não é contraditória com essa fé.
ser aplacadas, ou ainda menos resolvidas, nem pela Está escrito no Génesis que Deus disse ao homem e à
indiferença que tende a reduzi-las a emoções de um mulher (ao par): ide, sede fecundos; transformai a
filme, nem pela vingança que pode só transformá-las terra e dominai o mundo. Desde então, para os
no sabor amargo de uma vitória devastadora e crentes, o mundo está à conta dos homens por
provisória. É preciso procurar a justiça, com todos os determinação de Deus. A chamada autonomia das
meios dos homens, não segundo a presunção dos realidades terrestres é uma ideia assente desde os
homens, mas segundo a vontade de Deus, daquele Deus princípios do cristianismo. Desde os alvores das
que o Papa invocou, seguido de tantos que se primeiras comunidades cristãs, S. Paulo recomendava
ajoelharam em oração: «Mesmo que a força das trevas estritamente aos seus discípulos para respeitarem a
pareça prevalecer, o crente sabe que o mal e a morte autoridade estabelecida e pagarem honestamente os
não têm a última palavra. Fortes pela fé que sempre seus impostos (Rm 13,1-7). A autoridade civil era logo
guiou os nossos pais, dirigimo-nos ao Deus de Abraão, então pensada como não tendo necessidade de ser
de Isaac e de Jacob, salvação do seu povo, e com cristã ou religiosa. Os cristãos integravam-se como
confiança de filhos, suplicamos-Lhe que venha em cidadãos iguais aos outros na sociedade civil e política;
nosso socorro nestes dias de luto e de dor inocente». respeitavam essa sociedade e cooperavam nela,
Precisamos de nos encontrar de novo a nós próprios, pagando os seus impostos, que são a base da
isto é, Àquele que nos fez conhecer o bem, o gosto da organização social e política. Do Concílio Vaticano II, a
vida, o gosto do próprio eu como factor indispensável Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo
ao mundo. Precisamos de O encontrar de novo, para o contemporâneo diz (entre muitas outras afirmações
comunicar a todos: não só através do cintilar das luzes, que seriam úteis para aqui), que «aumenta cada dia
mas sobretudo através do testemunho de uma entrega mais no mundo inteiro o sentido da autonomia e da
à verdade. É um caminho longo e nada fácil, mas responsabilidade, o qual é da máxima importância para
provavelmente o único. a maturidade espiritual e moral do género humano»
(GS 55).
O Lugar do Meu Deus Portanto, aceitando embora que historicamente houve
Por MÁRIO PINTO
desvios e instrumentalizações, não há, para os cristãos,
In: Público,Segunda-feira, 22 de Outubro de 2001 nenhum lugar de Deus que retire à sociedade civil a sua
1 - No Público do dia 20, Helena Matos escreveu um autonomia. É aliás sabido que Jesus Cristo recusou
artigo focando o lugar de Deus e o lugar dos homens sempre qualquer compromisso com a política e a
numa civilização da concórdia universal. O artigo construção humana da sociedade civil e política. Este é
respira uma visão alternativa entre Deus e os homens; um dos factos mais extraordinários da vida de Jesus.
entre o lugar de Deus e o lugar dos homens. Nele se Talvez tenha sido por isso que Judas o traíu.
nota que Deus tem um lugar, o lugar «da consciência e Sendo assim, a tese da exclusão da fé de milhões de
da fé» de cada um dos crentes. Mas que «a vida dos crentes, ou a da incompatibidade subordinada da
homens no mundo, essa, depende dos homens». E se doutrina de todas as igrejas, relativamente à
conclui que «por amor dos homens - e porque não de civilização ocidental, só poderia ser afirmada com a
Deus? - convém que jamais confundamos uma coisa demonstração da contradição dos respectivos
com a outra». conteúdos. O que não se pode dar como provado.
Li esta reflexão e estou de acordo com a ideia da 3- Gostaria ainda de esclarecer um outro aspecto
autonomia das realidades terrenas. Contudo, debaixo acerca do lugar de Deus, no cristianismo. É que o Deus
desta formulação a Autora parece defender uma dos cristãos está sem dúvida nas consciências e na fé
convicção acerca do lugar de Deus que não é a minha. dos crentes. Mas, para cada crente, o lugar de Deus é,
O Deus da minha fé está excluído da sua pressuposição. antes de mais, nas pessoas dos outros. O Evangelho não
Vale então a pena que eu exponha algumas reflexões, a cessa de o dizer. Mateus relata o ensinamento de
este propósito. Jesus, que disse: «portanto, se estiveres para fazer a
2 - Helena Matos considera que, com «colocar Deus no tua oferta no altar e te lembrares de que o teu irmão
seu devido lugar», «um dos mais importantes exercícios tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta ali
da civilização ocidental», «foi resolvido por milhões de diante do altar e vai reconciliar-te primeiro com teu
crentes, nomeadamente católicos que, irmão» (Mt 5, 23-24). E S. Paulo catequisou: «ninguém
independentemente da sua fé, determinaram colocar procure satisfazer os seus próprios interesses, mas os
outros valores acima dos ditames das suas Igrejas». É do próximo» (1Cor 10,24). Ao longo do Novo
nesta base que a Autora explica como «os cidadãos Testamento, Deus identifica-se sempre com o outro,
dessa mesma civilização (ocidental), sobretudo o pequenino, como se vê na descrição
independentemente de serem crentes ou não, devem dramática do juízo final no Evangelho de Mateus (Mt
muito da sua paz, da sua tolerância e da sua qualidade 25, 31-46), em que Cristo pronuncia estas palavras: «de
de vida precisamente ao facto de agirem "como se o cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais
futuro do mundo dependesse apenas do homem e do pequeninos, foi a mim que o fizestes». Eis portanto aí o
seu poder"». lugar de Deus que é proposto como decisivo para toda
Estas afirmações podem levar a pensar que só por fora a vida do crente.
e por cima das igrejas foi possível a modernidade. É Não conheço, nem concebo, melhor base para a paz, a
uma ideia pós-modernista da modernidade: a de que as tolerância e a qualidade de vida da civilização
concepções substantivas da verdade e do bem (como as universal. Devo portanto insistir: os católicos não
das religiões) são todas exteriores à polis e à precisam de colocar outros «valores acima dos ditames
civilização; e até lhes são prejudiciais. O que da sua Igreja» para contribuirem para essa civilização;
implicaria uma contradição das igrejas, e também das não precisam de considerar que «a vida dos homens no
cristãs, com o espaço público. Ora isto, se fosse mundo, essa, depende dos homens», mas que a sua fé

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é «outra questão». Não é outra questão. O problema que nós queremos, no enredo neurótico das nossas
está noutro lado. Lê-se na Constituição conciliar já vidas, é esconder a cabeça debaixo das almofadas e
citada, que afirma a autonomia das actividades não ouvir absolutamente nada - em vez de sentirmos a
temporais: «no entanto, muitos dos nossos felicidade dos sons que atravessam a noite: cães que
contemporâneos parecem temer que a íntima ligação ladram de casa em casa, sinos que tocam devagarinho
entre a actividade humana e a religião constitua um por dentro das pálpebras.
obstáculo para a autonomia dos homens, das Como escreveu Joaquim Manuel Magalhães, nesse
sociedades ou das ciências» (GS 36). extraordinário livro que é "Alta Noite em Alta Fraga",
Todos teremos presente o exemplo dos talibans. Mas "ninguém acerta o relógio por um sino". E Fernando
esse, como os demais exemplos históricos de desvios Pessoa, ao explicar que o sino da sua aldeia era o sino
autoritários ou totalitaristas ligados a doutrinas que tocava na sua igreja do centro de Lisboa, mostrou
religiosas (como até ao cristianismo), não são nenhuma como cada uma das suas badaladas soa, não na rua,
prova de que os valores civilizacionais, fraternais e não no ar, nem sequer no céu, mas, sempre repetida,
universais estão por cima das religiões e contra elas. sempre a primeira que repete outra anterior que desde
Até porque também há totalitarismos não ligados a sempre existiu, "dentro da minha alma".
religiões e anti-religiosos. Esses valores estão portanto Se hoje já não somos capazes de ouvir as lentas
apenas acima dos autoritarismos e dos totalitarismos, badaladas das campânulas longínquas, é porque
tout court. Pessoalmente, quero valorizar essa perdemos a capacidade de sentir esse espaço interior
afirmação substantiva de valores humanistas da do mundo a que os poetas chamam "alma". E a alma
civilização ocidental. Que as religiões elevadas não é mais do que isso: o lugar onde os sinos tocam.
iluminam e fundamentam, mais e melhor do que
qualquer outra fonte de pensamento ou convicção. A segunda Páscoa
João César das Neves
O Sino da Minha Aldeia In: DN020211
Impressiona-me neste artigo a verificação de que a Cristo foi morto no século XIX. A certidão de óbito é de
verdade do significado das coisas (como o ritmo do 1882, na célebre declaração de Friedrich Nietzsche:
tempo marcado pelo sino da igreja que sacraliza o Deus morreu (A Gaia Ciência, III, 108), mas a certeza
tempo, isto é, que reconhece a sua origem no Senhor vinha já num crescendo ao longo da época dos
de todas as coisas) é verdadeira para todos, sobretudo iluministas e dos revolucionários. Na altura, ninguém
para aqueles que vivem de foma mais emenhada a sua tinha dúvida que, comprovado o falecimento do
humanidade, mesmo que a percebam superficial ou Nazareno em 800, o século seguinte seria o da morte
confusamente. da Igreja de Cristo. Quando a 14 de Abril de 1911 o
Fico contente por isso. ministro Afonso Costa anunciou publicamente que o
PedroAguiar Pinto catolicismo acabaria em Portugal em duas ou três
Por EDUARDO PRADO COELHO gerações, estava a dizer algo que pertencia ao senso
In: Público,Quarta-feira, 14 de Novembro de 2001
comum, mesmo dos fiéis. Faz hoje precisamente 20
Dizem os jornais que a Direcção-Geral do Ambiente
anos que foi oficialmente reconhecida por Roma a
solicitou à Igreja Católica o cumprimento da lei do
Fraternidade Comunhão e Libertação (CL), fundada por
ruído. Ao que parece, há pessoas que não conseguem
monsenhor Luigi Giussani (1922-...) em Itália em 1954.
dormir porque os sinos lhes interrompem o sono.
Neste curto período, este movimento de Igreja
Sobretudo (e neste ponto não se pode deixar de lhes
espalhou-se por todo o mundo, com centenas de
dar razão) quando os sinos por campânulas são
milhares de membros, colaboradores e simpatizantes,
substituídos por mecânicos sistemas de amplificação
em actividades culturais de evangelização, acção social
sonora.
e apoio ao desenvolvimento. O seu sucesso é apenas o
Propõe-se assim que, sobretudo entre as 22 horas e as
mais recente de muitos outros. Este ano passam
7 horas da manhã, os sinos deixem de tocar - para que
também os 40 anos da aprovação papal do Movimento
cada um possa ter o merecido repouso, obtido muitas
Focolares fundado em 1943 por Chiara Lubich (1920-
vezes à custa de um "stress" acumulado e do apoio de
...). Há poucos dias, a 9 de Janeiro, foi celebrado o
soporíferos. Parece que na lei do ruído a Igreja é a
centenário do nascimento de Josemaria Escrivá (1902-
principal prejudicada: não apenas está em causa o
1975), fundador do Opus Dei em 1928 e beatificado em
toque dos sinos, como as normas para a sua
1992. Tudo isto poucos meses depois da comemoração
intensidade, que têm de ter em conta o que a
dos 80 anos da fundação da Legião de Maria por Frank
legislação prescreve relativamente à proximidade de
Duff (1889-1980).
escolas, zonas habitacionais e espaços de recreio e
Estas múltiplas celebrações no início do novo século
lazer. E basta uma queixa para que a Igreja seja
são mais do que uma alegria para estes grandes
multada.
movimentos da Igreja católica. 120 anos após a
Acreditamos que as pessoas sofrem mesmo com estas
sentença de Nietzsche e 91 anos depois da de Afonso
formas de poluição sonora que são os sinos. O que isso
Costa, elas têm grande significado. Ninguém duvida
significa é que algo na vida delas se empobreceu - e
que nas décadas após as sentenças os fiéis foram
sobretudo que algo se perdeu na qualidade de vida de
desacreditados e ridicularizados por cientistas e
todos nós. Porque o toque dos sinos - que deveria ser
pensadores, desprezados e massacrados por jacobinos,
tão pouco incomodativo como para o antigo moleiro o
fascistas, marxistas, nazis, maoístas em números até
ruído da roda do moinho, que apenas o acordava
então inatingíveis. Nunca houve um ataque tão
quando deixava de rodar - foi sempre um sinal de paz,
poderoso e profundo contra a Igreja como o montado
de serenidade e de aceitação deslumbrada da
pelo positivismo e hedonismo. Após a revolução
evidência das coisas.
industrial e as revoluções políticas, o mundo pôs a sua
Se os sinos nos incomodam, é porque nós perdemos
confiança na ciência e no comércio, no poder e nas
algo de fundamental: deixámos de ser capazes de ouvir
armas, no prazer e no sexo. Minerva e Mercúrio,
o silêncio. Porque o silêncio não é o não ouvir coisa
Júpiter e Marte, Baco e Vénus, deuses de hoje como de
nenhuma: é o sentimento dessa respiração nocturna
antigamente, voltaram para vencer o Judeu
donde os sons vêm e para onde os sons regressam. E o
crucificado. Mas o século XX manifestou aquilo que o

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Império Romano já sabia: esses deuses materialistas da sua permanente disponibilidade, da sua
levam à morte e à miséria. Agora, com os novos meios capacidade ao serviço dos outros. Mas foi preciso que
mais poderosos, isso significou a desgraça de duas morresse para ter consciência de que Gabriel Martins
guerras mundiais, da grande depressão, da conhecia pessoalmente todos os doentes e necessitados
colectivização soviética, da revolução cultural chinesa, da freguesia de Santos, a quem visitva e levava a ajuda
do aborto, da droga, do divórcio, etc. possível. Só agora soube que convidava gente da rua
A Igreja, ao longo dos séculos defrontou perigos e para almoçar em sua casa. Só depois de ele partir
desafios monumentais. Ao lado dos esforços da percebi como nele se reuniam as qualidades das duas
hierarquia e fiéis, apareceram sempre novos irmãs de que nos fala o Evangelho: tinha o sentido
movimentos eclesiais que traziam ao seu tempo a contemplativo de Maria e o espírito prático de Marta.
radicalidade do Evangelho. O império romano motivou Não pensava salvar o mundo; bastava-lhe cuidar do
os eremitas e os padres do deserto; as invasões próximo.
bárbaras chocaram contra os mosteiros beneditinos; as Os meios de comunicação falam facilmente de gente
nações europeias nascidas dos godos apoiaram-se nas que rouba, assassina, desencadeia guerras, comete
ordens militares de cavalaria; o aparecimento das atentados...
cidades na Baixa Idade Média suscitou os franciscanos e Desculparão os leitores este parêntese de hoje, ao
dominicanos mendicantes; a expansão ocidental nos recordar apenas esta raridade de um homem que não
Descobrimentos fez nascer os jesuítas. caberá por certo na História- porque tinha a ousadia de
Perante as soberbas ameaças do consumismo e do ser verdadeiramente bom.
comunismo no século XX, a Igreja lançou mão, não de
uma ou duas ordens religiosas, mas de uma miríade de Aborto politicamente correcto
movimentos eclesiais, com uma enorme variedade de
José António Saraiva
estilos, atitudes, organizações e proveniências. Nascida
In: Expresso, 020326
da acção de um professor do liceu como o CL ou de um O «Diário de Notícias» de ontem titulava em manchete
grupo de raparigas como os focolares, usando a forma «Aborto afecta uma em cada 200 jovens».
rígida de uma legião romana de Maria ou de equipas de Ao ler este título, qualquer coisa me soou estranha.
Nossa Senhora, ou até sem forma bem definida como os «Aborto afecta»?
carismáticos, seguindo a inspiração de um papa como a Será o aborto comparável a uma artrose ou a uma
Acção Católica ou de simples sacerdotes como Opus Dei sinusite?
e o Movimento de Schoenstatt, nunca como hoje se Se dissermos «Artrose afecta 5 em cada 100
sentiu tanto a riqueza transbordante e caleidoscópica portugueses» está correcto.
do Evangelho. A artrose (como a sinusite ou outra doença qualquer)
Estes movimentos são também um sinal de atinge uma pessoa independentemente da sua vontade.
contradição. O simples facto de um artigo de jornal O aborto, não: depende da vontade da pessoa que o
falar do CL ou Opus Dei chega para levantar irritações pratica.
em vários quadrantes, mesmo dentro da Igreja. São E está relacionado com um conjunto de actos que
muitos os que não escondem a sua fúria para com estas dependem em grande parte de opções dessa pessoa.
organizações com ponderosas razões. Curiosamente, Por isso, escrever «aborto afecta» só é explicável pela
são fúrias e razões muito semelhantes às que moda do politicamente correcto que tomou conta da
antigamente atacaram os cristãos das catacumbas, os maior parte dos comentadores e da maior parte dos
templários, os franciscanos, os jesuítas e todos os jornais.
movimentos que em cada tempo corporizaram a Ao escrever «aborto afecta», o jornalista que fez o
renovação da Igreja. Estas acusações acabam por ser, título pretendeu desresponsabilizar as jovens que
afinal, um sinal da vitalidade evangélica. praticam aborto.
Nunca como no século XX foram feitos tantos esforços Mas, ao fazê-lo, induziu os leitores em erro.
para erradicar os cristãos. O resultado foi o O título certo, o título adequado à notícia, seria: «Uma
florescimento de uma Igreja nova e multifacetada. A em cada 200 jovens já fez aborto».
falta de sucesso dos ataques era, de facto, previsível. Mas foi exactamente a esse titulo que o jornalista quis
Também já no século I houve quem achasse que tinha fugir.
morto Deus, para depois notar que Ele tem uma Porque pretendeu passar a ideia de que o aborto é
teimosa tendência para ressuscitar. qualquer coisa que cai em cima das jovens,
independentemente da sua vontade e das suas opções.
GABRIEL Sinais dos tempos... ou daquilo a que eu já chamei
Appio Sootomayor uma «cultura da irresponsabilidade».
In: A Capital, 020324
O Gabriel morreu num dia da semana passada. Saiu de Sobre a mensagem “Sexo complicado”
casa de manhã, para o trabalho, e já não voltou. O seu
Pedro Aguiar Pinto
coração, mesmo sendo do tamanho do mundo, falhou
020411
irremediavelmente. Caros amigos:
Directo e discreto, como sempre, sem querer Inadvertidamente enviei para o Povo uma reportagem
incomodar, limitando-se, quando se sentiu mal, a pedir do Portugal Diário sobre um dos temas em debate no
“uma cadeirinha”, que já nem chegou a utilizar. simpósio «Aquém e Além do Cérebro», organizado pela
Quem era o Gabriel? - perguntarão. Fundação Bial, em que o Prof. Rodrigo Saraiva,
Apenas um cidadão anónimo, um sujeito modesto, uma professor de Etologia e Psicologia da Motivação
daquelas vidas a que as pessoas de grande e notória Humana da Universidade de Lisboa, desmontou as
actividade costumam chamar de “apagadas”. Nunca, diferenças entre os animais e a espécie humana em
que eu saiba, o seu nome veio nos jornais. matéria de atracção e acasalamento.
Nunca, que me lembre, foi glorificado. Fora do seu A minha intenção era, apenas, enviá-la para uma
círculo restrito, entre família e a Madragoa, não serão jovem estudante universitária de Psicologia de cujo
muitos aqueles que o recordem. curriculum consta a disciplina de Psicologia da
E, no entanto, que vazio deixa este homem! Já sabia

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Motivação Humana, mas devo ter-me enganado ao semana os artigos dos semanários onde escrevem
seleccionar o endereço. alguns jornalistas e comentadores com opiniões que
Por isto, devo a todos esta explicação e um pedido de resistem ao niilismo dominante. (João Carlos Espada,
desculpas. António Pinto Leite, António Barreto, Henrique
Contudo, uma vez enviada esta mensagem precisa de Monteiro, António José Saraiva), a que se juntam
um comentário que tente de algum modo, recuperar ocasionalmente outros que ajudam a formar um juízo
algo de positivo no erro cometido. sério e empenhado sobre o que se passa à nossa volta.
A tese apresentada é que os seres humanos e os Manter uma lista de e-mail actualizada é uma tarefa
animais têm basicamente as mesmas motivações, complexa e sempre inacabada.
correspondendo a estratégias que visam optimizar a Por isso, a 17 de Abril de 2001, o Povo passou a residir
performance da espécie. Porém, os homens e as num grupo de e-mail que pode ser acedido de qualquer
mulheres complicam tudo porque “teorizam”. computador com ligação à Internet, o que significa que
Nesta “complicação teoricista” nunca é considerada a a lista de endereços reside num único servidor,
dimensão da sexualidade que mais nos separa dos continua a ser confidencial e a sua actualização é da
animais. responsabilidade individual de cada membro. Os
Partindo de uma análise racional, chegamos a uma elementos do grupo podem a qualquer momento deixar
conclusão irracional: o comportamento sexual do ser de o ser e quem quiser pode submeter a sua inscrição à
humano é mais complicado do que o dos restantes aprovação do moderador do grupo.
mamíferos, não porque use a razão – que o distingue O grupo mantem uma lista das mensagens enviadas em:
dos animais - , mas porque complica aquilo que é http://groups.yahoo.com/group/Povo_ , bem como um
simples. arquivo dos textos mais importantes e que podem ser
Não cabe na análise descrita na peça, a possibilidade acedidos por todos os elementos que se inscrevam
de o homem e a mulher usarem a razão e a capacidade como membros, seguindo um procedimento de
de afeição com que foram dotados para, no exercício inscrição relativamente simples.
da sua liberdade, procurarem o seu destino de O que começou como uma iniciativa descomprometida
felicidade. É que, sendo o homem aquele nível da e esporádica tem sido até hoje uma actividade
Natureza, em que a Natureza tem consciência de si, relativamente regular e já chega a 1500 pessoas.
não pode deixar de se interrogar sobre o nexo da sua O pedido de inscrição pode ser feito no endereço web
existência. É esta consciência que, em última análise, do grupo que é:
dá um significado diferente e cheio de dignidade e http://groups.yahoo.com/group/Povo_/join
beleza ao amor conjugal que não tem nada de teórico Pedro Aguiar Pinto

e que misteriosamente equilibra a motivação instintiva


animal com a deliberação da vontade por amor ao Boas notícias
outro e em busca de um desejo e felicidade comum. In: DN, 2001.01.01
É esta complicação da Natureza que faz o Homem ser João César das Neves

aquilo que é e que desde sempre o faz interrogar-se: A primeira grande novidade do milénio foi o
“Que é o homem para que Te lembre dele? O Filho do aparecimento do GoodNews. O diário apresentou-se
homem para dele cuidardes” (Salmo 8). com o propósito de "dar apenas e sempre boas
notícias", declarando olhar a actualidade do ponto de
vista positivo e construtivo, sublinhando o virtuoso, o
O Povo faz um ano hoje amável, o heróico, o bom. "No panorama mediático
2002-04-17 actual", dizia o seu primeiro editorial (publicado noutro
O Povo começou como resposta a uma recomendação jornal, por tratar de más notícias), "domina o
do nosso pároco na missa de um Domingo de Fevereiro chocante, o trágico, o dramático, o mau. Quando algo
de 2000. corre bem deixa, por isso mesmo, de ser notícia. Só os
O papa ia iniciar a sua vista aos lugares santos e o desastres e guerras são referidos. A bondade e a paz
Padre João recomendou-nos que procurássemos apenas aparecem quando falham. Todos os jornais,
acompanhar a visita do papa com atenção. mesmo os mais clássicos, são dominados por esta visão
Como a cobertura que a nossa televisão e, mesmo os perversa. Em vez do provérbio no news is good news
jornais, dão sobre estas notícias é reduzida e muitas (se não há notícias é boa notícia), a prática passou a
vezes parcial, surgiu a ideia de fazer um pequeno ser good news is no news."
jornal que diariamente acompanhasse os passos do A nova linha editorial foi muito contestada pelos
Papa na Terra Santa. Este jornal começou com a carta intelectuais como "romântica, idealista, delicodoce".
2500 do papa sobre a Mas o jornal recusava ficções ou distorções
peregrinação aos imaginativas. Publicava a verdade e apenas a verdade.
lugares santos e, Só que a publicava com atenção ao positivo e não ao
2000 em cada dia, negativo. O facto ficou provado quando se deu a
Inscrições
Desistências juntava notícias derrocada do arranha-céus na cidade. As agências,
Membros de várias fontes jornais e televisões enchiam-se com sangue, lágrimas e
1500 de informação acusações. O GoodNews referia o surpreendente
nacionais e número de sobreviventes num desastre daquela
estrangeiras. dimensão e louvava o trabalho dos bombeiros e
1000 Quando a hospitais da zona. Notava a sorte de o prédio ter caído
peregrinação a meio da manhã, quando estava bastante vazio, e
terminou, o envio para as traseiras desertas, em vez de derrocar na
500 de artigos que avenida, em hora de ponta. E relatava o feito de um
pudessem ser de rapazinho, que saltara do segundo andar com a irmã
ajuda continuou: bebé ao colo, acto que ficara esquecido nos outros
0 às segundas- jornais. A sua circulação aumentou em flecha.
17-Abr- 16-Jun- 15-Ago- 14-Out- 13-Dez- 11-Fev- 12-Abr-
01 01 01 01 01 02 02
feiras, os artigos O sucesso fez crescer as críticas. Alguns afirmaram que
do João César das o GoodNews era uma nova versão dos tradicionais
-500
Neves e ao fim de "jornais da situação". De facto, o Governo louvou-o por

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"finalmente alguém dar atenção ao muito de bom que em vez de resmungarmos e de os denunciarmos,
há no país", enquanto a oposição o acusava de apresentamos bons exemplos de solução. Não nos
"simplismo, seguidismo e ingenuidade". Mas a pouco e indignamos hipocritamente, mas procuramos
pouco começou a notar-se que a actividade política compreender e ajudar.
estava quase ausente do periódico. Considerava a O mundo é um sítio extraordinário; e o mais
maior parte desse debate irrelevante e inconsequente, extraordinário é o ser humano. E o mais extraordinário
e muitas das alegadas "boas notícias" do Governo no ser humano é a capacidade de virar o mundo para o
mostravam-se promessas irrealistas e desinteressantes. bem. Vivemos tão pouco tempo aqui. Porque não
As que chegavam a ser publicadas, nunca o eram da passá-lo a ver e a fazer o bem ? Por todo o lado há
forma que o Executivo pretendia. O GoodNews pessoas a trabalhar para aumentar a felicidade. Nós,
mostrava, pelo contrário, uma evidente preferência com humildade, queremos relatar isso. Só o bem
por relatar a vida da sociedade, a forma humilde e existe. O mal é ausência. O bem é verdade. O mal é
imaginativa como as pessoas vão resolvendo as suas mentira."
dificuldades, mesmo as mais dramáticas. Em vez da
busca desenfreada dos "podres" e do culto do "anti- Cinco anos depois
herói", descreviam-se serenamente os bons exemplos. 060417
Recusava a pose pomposa de justiceiro mediático em Pedro Aguiar Pinto
busca de escândalos, que só aumenta a injustiça. 6000
Cinco anos
Preferia relatar a conduta virtuosa perante os 5500 depois, o
obstáculos. Na economia, acompanhava o 5000 Povo
desenvolvimento estrutural e iniciativas de mérito, 4500 continua a
desprezando o saltitar financeiro e o apelo permanente 4000
ser o que
à crise. era. Tem
De repente, o país tomou consciência da enorme
3500
hoje 2550
quantidade de iniciativas e instituições de 3000
membros,
solidariedade e dos seus grandes benefícios. Tornaram- 2500 crescendo a
se famosos nomes e caras de muitos "heróis do 2000 um ritmo
quotidiano", que insistiam em fazer o bem em 1500
médio de
condições difíceis. Como se dizia num dos artigos, "é 1000
Inscrições
Desistências e inactivações
mais um
impressionante quanto bem existe entre nós, e como Membros membro em
resiste ao mal, mesmo quando o mal é tão forte". 500
cada dia que
Na classe dos profissionais da informação, o GoodNews 0
Abr- Ago- Dez- Abr- Ago- Dez- Abr- Ago- Dez-
passa. Exige
Abr- Jul-04 Nov- Mar- Jul-05 Nov- Mar-

acendeu uma longa e acesa polémica. Alguns -500


01 01 01 02 02 02 03 03 03
algum
04 04 05 05 06

jornalistas influentes declararam-se a favor do -1000 trabalho de


periódico, mas a maioria foi muito crítica. "Trata-se de -1500
gestão de
uma publicação ideológica, que pretende inculcar uma endereços
-2000
visão doutrinal aos seus leitores", diziam muitos. Mas de e-mail
que visão era essa, não era consensual. Apelidado por -2500
porque há
muitos como "conservador", o GoodNews era atacado -3000 muita gente
pelas forças conservadoras por não denunciar o mal -3500 que muda de
deste mundo progressista. Uns chamavam-lhe endereço, pelo que o endereço antigo, a prazo é
"epicurista" e outros "cristão". Não faltavam, até, os desactivado e tem que ser retirado da lista. O ideal
que o apelidavam de "tentativa maçónica de restaurar seria que cada membro do Povo gerisse directamente o
o comunismo" ou de "neonazismo encapotado e seu endereço para o que tem que se inscrever como
populista". membro dos Yahoo Groups e associar ao seu nome de
O director do jornal, entrevistado na televisão, utilizador Yahoo o endereço que usa no Povo (conforme
respondeu a estas críticas de forma bonacheirona. "É descrito no artigo “O Povo faz um ano hoje”.
evidente que temos uma visão ideológica do mundo. Por várias vezes me têm perguntado porque é que o
Tão parcial como a de todos. Perante um facto, um Povo quase só noticia eventos que ocorrem em Lisboa.
acontecimento, uma realidade, o ser humano observa- A razão principal é que a maior parte dos Membros do
o selectivamente, raciocina criteriosamente e decide o Povo é de Lisboa e, por isso, as notícias que de eventos
que pensar sobre ele. Tudo isto é feito a partir dos que me chegam são também proporcionalmente mais.
princípios de análise, dos preconceitos de avaliação Encorajo por isso, todos os membros do Povo, de fora
que cada um de nós tem. A única publicação realmente de Lisboa e também de Lisboa, a darem-me a conhecer
neutra que conheço é a lista telefónica. Só aí não com devida antecedência, a ocorrência de eventos que
existe uma opinião para observar o mundo e decidir o possam ser de interesse para o Povo.
que dizer e como.
A nossa diferença não está aí. A comunicação social
moderna acredita, por vezes de forma inconsciente,
que só consegue agradar e atrair a atenção dos leitores
de forma bombástica ou sedutora. Os instrumentos que
todos usam, dos jornais aos politicos e anunciantes, é a
adrenalina e a líbido. A sua atitude é encarar o público
como um animal, que tem de ser agredido ou
assustado, surpreendido ou acariciado. Nós tratamo-lo
como uma pessoa civilizada, que olha o mundo de
forma serena, positiva e inteligente, que luta com
coragem e esperança contra aquilo que pode mudar e
se conforma sabiamente com o que tem de suportar. E
tenta sempre adaptar-se, fazendo o melhor possível.
Estamos conscientes dos erros e dos problemas, mas,

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