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Quem pergunta "por quê?" deseja uma resposta. Quer uma explicação.
Uma dor explicada é uma dor que dói menos. Mas há situações em que a
pergunta é feita sem esperança de resposta. Mesmo que a resposta fosse
dada, ela não valeria de nada. "Mas por que ele foi ultrapassar na curva,
sem visibilidade?" "Mas por que ele resolveu nos deixar assim, partindo
para o nunca mais?" "Mas por que o meu filho, criança ainda? Não
merecia". Todas as explicações serão inúteis. Na verdade, o "por quê?",
aqui, não é uma pergunta. Não se espera por uma resposta. O "por quê?" é
um grito de protesto dirigido aos céus, um urro que surge das vísceras, que
nenhuma resposta poderá explicar ou consolar. Grito que se grita diante da
dor sem consolo.
Nessa hora não há ateus. Se a cabeça diz que Deus não existe, o
coração lhes diz que tem de existir. Não é justo que os céus estejam vazios,
que não haja ninguém que responda. Não é justo que o meu grito não seja
ouvido até os mais distantes confins do universo! Que é uma galáxia diante
do tamanho da minha dor? Há de haver um responsável! Há de haver
alguém que eu possa odiar por causa dessa dor. Fernando Pessoa:
Por que Deus nos faz sofrer? A resposta mais comum é que a dor é um
castigo divino por nossa desobediência. Deus é como Papai Noel: dá
presentes para os meninos bonzinhos. Fosse verdadeira essa explicação os
maus deveriam viver em desertos tórridos e os bons, em oásis verdejantes.
E seria uma vantagem enorme fazer o que Deus manda: garantia de que o
nenezinho jamais nasceria com Síndrome de Down, nossos filhos pequenos
jamais teriam câncer, nossos filhos adolescentes jamais morreriam em
acidentes, os negócios sempre iriam bem, o casamento seria feliz, a velhice
seria tranqüila. E o sofrimento, além da dor, seria motivo de vergonha. Pois
somente são castigados os pecadores pelos seus pecados. E assim, o mundo
se dividiria entre os que não sofrem, evidência da sua inocência, e os que
sofrem, evidência da sua culpa. Pobres viúvas desamparadas, pobres
enfermos nos leitos de dor, pobres crianças famintas: todos sofrendo pelo
justo dedo de Deus que dá prêmios aos justos e castigos aos injustos. Pascal
fez uma curta anotação num dos seus cadernos: "Deus de Jesus Cristo, não
o Deus dos filósofos". Esse Deus que dá prêmios aos bons e castigos aos
maus é, com certeza, o Deus dos filósofos, nascido das exigências lógicas.
Deus de Jesus Cristo - é certo que ele não é. Pois ele, absurdamente, faz o
seu sol nascer sobre bons e maus, e a sua chuva descer sobre justos e
injustos. O Pai não soma créditos. O Pai não soma débitos. Está lá dito, na
parábola chamada O filho pródigo.
Por que Deus nos faz sofrer? Respondem outros que é por razões
pedagógicas. O sofrimento nos torna melhores. O sofrimento nos faz
evoluir. É a pedagogia da palmatória: as crianças aprendendo não pelo
amor ao saber mas pela dor. É a filosofia das penitenciárias: pelo
sofrimento os homens maus ficam bons. E assim poderíamos contemplar o
maravilhoso espetáculo: pela porta de entrada das prisões, entrando, os
criminosos de rosto duro e cruel. E muitos anos depois, após sofrimentos
sem medida, pela porta de saída, saindo, os rostos angelicais dos que
haviam entrado como criminosos, transformados pelo poder da dor.
Rubem Alves