A Dinâmica Municipal no Atlântico Insular

(Madeira, Canárias e Açores) Séculos XV a

XVII

ALBEKTO VIEIKA

Centro de Esrudos de Hi.~ttóndo Atlântico (Funçhal-Madeira)

O estudo da dinâmica institucional insular assenta nas suas principais

componentes administrativas que deram consistência estrutura societal lanqa-
da pelos povos ibéricos no Atklntiço. Nesse contexto o século XV surge cnino
o momento mais importante para a sua afirmação alkm-Atliintlco. Ai a Madci-
ra e as Canarias detiveram uma importância primordial nu lançamento o u ex-
pansão desha nova estrutura instituçional. Tadavia condicionunies de varia or-
dem definiram uma diversa formulação das instiiuições L formas de governo; a
Madeira porque desocupada não estava sujeita a qualquer enirave à nova forma
de governo liisiada, enquanto nas Canhrias a existência de uma população indí-
gena dificultou essa tarefa e permitiu a subsistência dos laços tardo-medievais
no tipo de governo experimentado.
A conjuntura envolvente da conquista e oçupaçãu das Canásias conduliu
a uma bifurcação institucional que deu origem as duas forma5 de governo ma-
terializadas, na designação de ilhas realengas e senhoriais, con forme vingou a
iniciativa rtgia au particular. A par disso a necessidade de combater os guanches
deu azo h afirrnaçiio neste arquiptlago de uma instituiqao castelhana rardo-me-
dieval, o adelaatado que depois se expande, pelos mesmos mtiiivciç, ao territb-
rio americano.
Ao invts, nas ilhas portuguesas estarnos perante uma iniciativa regia, que
cativa o ernpcnhci de algumas casas senhoriais do reino, enquadrada numa no-
va visão de realidade institucional resultante do precesso de reconquista do Sul
de Portugal. Altm disso o senhorio poriugues de 1: 433, surge como resultado de
uma doação de D.Duarte aci infante D.Henrique como recompensa h sua inter-
vençâo na gesta expansionista, enquanto nas CanArias 6 seu inicial conquista-
dor quem solicita B coroa a posse com um acto de pleito e homenagem (1403-
1412). Não cihstante, se excluirmos o direirci de cunhar moeda estabelecido pa-
 ARQUEOtOG1A DO ESTADO
A DINAMICA MUNICIPAL NO A T ~ N T ~ CINSUIAR
O

mistas dos senhores ou capitães; i5 uma tentativa dç adequar estas instituições g

ra as Candrias, o senhorio em ambos os arquipt2lagos detem identicos poderes. nova realidade de centralizaçáo e afirmaçâo dci pcider real.
Ao nível da afirmação plena deste regime institucional salientam-se al-
O s condicionalismos decorrentes da neccssãria cent rri1ização régia, leva-
gumas cambiantes que os definem e diferenciam. Na Madeira e Aqores o Sen-
da a cabo por D. Manuel (1497), conduziram ao paulatino degcnere~cimenr~
hor, distribui as ilhas ou parcelas destas aos seu:, apaniguados, como forma J c
desta estrutura arcaica e à afitrnaqão dc uma nova din6mica institucional ade-
recompensa pelos serviços prestados na gesta em causa ou simples acto de re- quada ao progresso socio-econbmico das ilhas portuguesas. Nas Canasias a ma-
conhecimento da sua linhagem; surgem assim os capitães do donatariri que rep-
nutençio da senhorio, durante quatro séculos, resultath certamente da relativa
resentarão o senhorio na Area jurisdicional que lhe 6 acometida. Estes exerciam
import5ncia econbmica das ilhas senhoriais e do paulatino reforço da autoridade
e rn 'Justiça e dereyfo",a jurisdição do civel e crime, procediam a nrimear;ão dos
regia nessas com a quebra, bhvia, da jurisdiçào do senhorio. Assim a criaçáo da
funciondsios do rnunicipio, organizaçáo da defesa e disiribuiçãa de Ferras. Nas
AudiEncia (1526) e do cargo de capitão-general de Canarias (1589) associadas
Candrias existe situaçáo semelhante com teniente, governador geral ou al-
8s sucessivas polémicas sobre a sucessão da senhorio coniribuirarn para o r8pi-
calde mayor, nomeadamente pelo senhorio, que exerciam e m seu nome a jus-
do descrCdito desta estrutura de mando e reforço do poder real. Desta forma o
tiça e nomeavam os funcionArios do cabildo. Todavia aqui eram da excluhiva
senhorio canario scrã confrontado com a mesma posição dci capitão madeirense,
nomeação do senhorio, enquanto na Madeira deveriam 5er rectificadcis pelo mo-
a partir do stculo XVI, ambos perdem prerrogativas jurisdicionais e a sua im-
narca, o que dB conta d e seu carhcter precArio. A par disso na5 ilhas de Gsan Ca-
porthcia resume-se mais aos réditos económicas que h sua capacidade de in-
naria e Tencrife e figura do governador, de nomeação regia, assernelhai~a-seem
tervençáo na administração da sua hrea; de senhores ou administradores pleni-
muito ao capitão madeirense; o que os difcrençia é a pessoa que representam e
potenci6rios passam a meros geslores dos seus proventos econbmicos assentes
a precaridade ou não da jurisdiçáo que lbes é conferida.
em bens fundiérios e rendas de tipo senhorial, como a redizima ou o quinto.
A conjuntura institucional de finais de sécuIo X V condicionou o fim do
Partindo do principio que a Madeira e as Canhrias materializaram a pri-
senhoria portugu&sno Ailfintico (3497) mantendo-sc, nu cntanio, as capiranias
meira experiência de ocupaçio das coroas peninsulares no Novo Mundo AtlAn-
a t t ao s€culo XVII1,Nas CanArias esse sistema manteve-sc atC as curtes de Ch-
tico teremos que essas se tornaram importantes para posteriores iniciativas de
diz ( I S l l ) , não obstantc o cerçeamenko de poderes esrabclecidu no século XVI,
ocupaç50 nos continentes e ilhas. Assim a Madeira t definida como o modele
m e r d da necessaria centralizaçbo real estabelecida pelos reis católicos, por mcio
institucional e de valorização sbcio-econbmica do Ar lâniico poriuguEs, enquan-
da nomeaçáo de funcionhios ou pelo aparecimento dc novas ins1iruic;óes rtgias,
ta as CanBrias cumprem igual missão no que concerne ati imperio espanhol nas
como a AudiEncia (1526) e o cargo de capitão general (1 589).
Amtricas; as capitanias madeirenses expandem-se nas mais ilhas portuguesas
O senhorio canario era muito mais !imitado, em !esmos jurisdicionais, que
(Açores, Cabo Verde, S. Tome) e Brasil, enquanto o sistema de adelantado tem
o aqoriano-madeireuse. Este último assentava, não s6 n o domínio ecnnómico-
expressão plena na America espanhola.
social e institucional, mas tambem no espiritual; os administ radorcs da Ordem
Nesse contexto a Madeira detkm uma posição ímpar pois para alkm de
de Cristo, atravks do vicariato de Tornar, usufruiam dci direito de administrar
modelo institucional ierh servido de campo de ensalo para as novas culturas e
espiritual e religiosamente o novo espaço ocupado no Atlántico. Ao i n v b nas
ti'cnicas que cativaram o interesse do mercador europeu - cereais, vinho, açtl-
CanBrias o monarca nunca delegou esse direito de patranato, a~rihuícioem 1486
pelo Papa Inocencio VTII, mantendo-se como seu privilkgio.
car e pastel que, depois se expandiram a todo o espaço portugu2s e, mesmo hs
CanArias sob a mão hábil do madeirense.
As particularidades do senhorio canario e madeircose náo derivam ape-
nas da dimensão que o feudalismo adquiriu em ambas as cortias peninsulares, E m síntese, a Madeira e as Can8rias são pontos de referência obrigatb-
mas acima de tudo da conjuntura diversa que serviu de base h conquista ou ocu- rios no estudo da expansão peninsular no Atldntica sem os quais não se poder8
paçio destas ilhas. A articulação do modelo institucional foi condicionada peta compreender o processo global da mesma; dai a necessidade do seu estudo e va-
lorização no contexto da investigação e historiografia dos Descobrimenios.
situação diversa destas ilhas. E nebte caso, o facto de as CanBrias serem jd ocu-
padas e de na sua conquista de destacar o empeahamento e acçio dos particu-
2. Esta omnipresenqa do Senhor e seus representantes (capitães, ouvi-
lares conduziram a uma peculiar formulaç50 das estrutliras de mando. O maior
dores, tenieates) foi-se paulatinamente esvanecendo em face da consolidação
ou menor empenhamento da coroa deu origem a uma divisáo das ilhas e m rea-
do poder real com a extensho de algumas instituiçóes regias peninsulares ou com
lengas e senhoriais. Todavia nos dois arquipélagos conjuga-se a intervençiio da
a afirmação de uma nova realidade institucional c o a o aparecimenrti dos mu-
coroa, na sdculo XVI, no reforço da sua posição e m face das ientaiivas autono-
 A DINAMICA MUNICIPAL NO ATLÂNTICOINSULAR
nic(pios/~abildos;estes serão mais um parceiro na adminisiraqãti e justiça a li-
gurar ao lado do capirâotsenhorio ou governador -corno zcprescniantes da pu-
pulação em geral. A sua criação anuncia-se como o despontar dr: uma nova era
para a Histhria e vida das populaçóes e m causa. Destes os mais antigos sãci o i
rnadeirenses pois a tradição aponta a data de 1150 com a do seu inkiri na sede
das, capitanias do Funchal, Machice e Portr~Santa. Todavia as primeiras dtca-
das, de vida não permitiram a expressáo plena destas instituiqõcs pois a afirma-
qão hegemOnica dos capitàes do drinatária impediram csse processo. E sh zrn
1463 em face da reclamação dos rnciradores do Funchal, a infante D. Fernando
como Senhor da ilha, permite essa plena afirmaqáo do munici~ioretirando-o da
alçada do capitão.
Nos Açores a insli~uiçãomunicipal desponta apenas nas i r & ultima de-
cadas do stculo XV. altura em que este arquiptlago stiírc i) niicewíiriii arranque
sacio-econbmico. Tal como na Madeira a ç r iaqao desta nova in\tiiuiqãci faz-se
de acordo com o progrehso social e econbmico das ilhas c lugares; primeiro sur-
gem 0 5 municipios ctlm uma jurisdição ahrangentc do cspaqo da capitania, fun-
cionando no lugar-sede da mesma, depois a vatorizaçào dos diversos assenta-
mentos populacianais conduriu a criação de novos nunicípios dzniro dcsia ju-
risdiçáo, desmemhsandu assim essa unicidade. O grande arranque da insiituiçáu
municipal nos Açores &-se na primeira metadz do siculo XVI crim o apareci-
mento de ncivos rnunicfpios abrangendii a (otalidade d t i arquip6llrgu. Aqui dcs-
tacn-se a ilha de S.Miguel que, de um município e sede em Vilri Franca, se IL-
vantaram outros cinco - Ribeira Grande( l,507), Nordeb!r ( 15 14). Agua dc Pau
(l515), Lagoa (15223, Ponta Delgada (1%). Drste rnrido a ilha dc S. Vigucl
materialira em pleno essa realidade municipal pcir ter sido dc todas que mais
usufruiu dessa necessiria descentralitaqãu do poder Iiical.
Noie-se que nem a Madeira permitiu cssa ncccsshria desrnultiplicaçào
institucional, pois a tendencia hegembnica dos capitães de ambas as capitanias
apenas permitiu uma brecha em Machico com a criaçio do municipici de Santa
Cruz e m 1515 e duas n o Funçhal com os da Ponia de Sul ( 150t ) I:Calhe~a( I 502);
nova subdivisão sh surgirá tardiamente e m Machico, ciim ac.ti1.d rcsistEncia dah
gentes da vila-sede, aguando da criaqgii em 1744 da vila Jr. S. Viçznie.
Nas CanArias a instituição municipal assumira iiutra dirnensáii, pois a ca-
da ilha correspondera apenas um cahildo, sediado no lugar-sede dn inicial e mais
importanle assentamento. Essa diferente pcrspectivat;ão da realidade municipal
conduziu a uma mais fdcil çcnrrali7açáo desse pcidçr nos principais povoadores
- governadores, senhorio - e tarnhtrn condicionou c i nrceshrici e rápido progres-
so desta forma de descentra1iiar;âti do pode r. A par, disw o factii dc estas ilhas
se encontrarem habitadas aquando da chegada dcis pcninsularri, ciindu7iu a uma
diversa forma de ocupa~ãodas sete ilhas que se expressar6 numa continuidade
das iasrituiçóes de fronteira e m uso no processo de recrinquista peninsular; ri ini-
AROUEOLOGIA DO ESTADO 59
ciativa de pariiculares, logo nos alvurcs do skculo XY, 56 drrntiveram O em-
penho da Coroa nas tr&s Jkcadas finais desse stculo, altura em que sc trirniiu
prissivel a pacifiçaqão do\ ahririgencs e que permitiu a posse plrna diis rnrsmah.
As periptcias que demarcaram esse dcmoradri proccsw de conquista rni
ccinsonbncia com o inicial empenharncnio de particulares definiram para eqas
ilhas uma forma diversa de afirmaçáo da realidade insriiucionul, adequada u es-
sa realidade; ai, ao ctinirArio do que sucedeu nas ilhas PiirtnRucsas. t i compro-
metimento da coroa com esse priicessti 6 tardio ii quc pcrrniiiu dii particuIarc5
que o iniciaram conseguirem uma posiçáci de privilepii) c uhufruto da jurisdic;áii
de algumas ilhas. Tal siluíqàci çunduziu h nrcessiriu alirmac;ái\ de duai turma5
de dornfnio jurisdicional: ci realengo c o senhorial. Ao primeirti ficaram as\o-
ciadas as ilhas de (iran Canaria, Tençrifc e La Piiirna. snquantci ao seyunciii r e i -
iaram as ilhas dr Lan/arrite, Fuerieveotura, La (Jiimrrd c. Hirrrii.
A cnntinuidsde desse prucessli Jr ctinquistli nds illias C ' a n i r i ~ i i,i\siici,t-
da ao inicial envcilvimento d z pariicularri definiram para c\tas ilha\ a rc'afirnia-
çãv das instituiçhcs tardil-rncdicvaih da pznín\ulu - r i içnhi~riiir 11 adcliinrdii
Deste modo t opinião assentc da historiugrafia que o rcpimc juridicii desias il-
has não 6 específico mas apenas uma çxtenhaii do rnt*dcli>1ci;iniinii t. , i n d a l u ~
(1). Tamhtrn aqui a exemplo dci que sucedeu com a liadeir&LI direitii Iilcal c5-
tá aparentado com a regiáo que lhe serviu de refcrinciii t. dr dpoio a cshr: intcn-
to de conquista no stculo X V - Andaluzia. A estas ilhai chegaram 01, fueríis de
Baza ou Niebla, as mais recentes crimpilaqóes dc dirriiu Iciclil aqwndii da arir-
maçio plena da soberania castelhana nestas parapen\; enquanto ti primciru l;iz
concedido a Gran Canaria (20 De7 1494) içndo influenciado o regime dds ilha>
de Tenerife e La Palma, o segundo foi dado apenas a Furrtevent ura. Tudavia
em Ciran Canaria estamos perante um fenómeno particular pois ai, rnqtianrciii
regime instituciunal, nomeadamenie o municipal, é defindo pzliis fuerus dr Ba-
za (1494) e Granada (1497) a fiscalidade adequar-se-i ao csiahcl<c.idii pard Iie-
vilha com o Suero d e 15 11 (2).
Nute-se que em similar circunstância a Macicira tsvc um fora1 prcípsiii,
primeiro concedidu pelo infantç D. Henriquc, quc s r pcrdru, a quc \r: sçpi!iu sm
1472 outro pelo monarca D.Afonso V, seguindo-se e m 144') niwii ftiral lilira $3
alrnoxiirifado e rrn 1 1 5 para 0% municípios du Funchal, Piinra de isid c C'alht
ta (3). Estes regimrntus e forais friram por sua v e l trcsladadcis para o s Aqiirt
(Terceira, S. Miguel) onde foram adaptados à condiçiirs clu weiii (4).E\zc pai
ticular revela que a preocupação dominante das autoridade3 portuguesas que ru -
telavam a Madeira no século X V terem procurado desdi: ri inícici inlnar ah ins-
tituições, adequando-as hs crindiçks das nrwas Areas e nunca transplantar li-
niarmente o sistema comum do rcinu. Deste modo Madeira. porque foi -a pri-
meira a merecer uma plena ocupaçào efectiva. demarca-ie climci a mairir quc
serviu de rnodelri h dinhmica in~tiiucionallanqada pctiis piirtugueseh ni) espaqu

atlintico; daqui salram os necessãricis ensinamcntcis para a ctin3tituic;ãci dos ali-
cerces institucionais dos Açores, Cabo Vçrdz, S. TomC c Brasil.
Todavia o regime municipal imp!antaclu naa ilhas por portugueses e ciis-
telhanos apresenta-se, n o início como uma çbpia Fiel d o sistrma peninsular; as-
sim enquanto e m Canárias esse regime cstabclcce-sc de acordo com 0 fuero de
Baza, o qual estipulava a forma de eleição dos diversos ufiçiais - alcaldes, regi-
dores, personero, alguaçil, mayordomo - bem comti o modo do 5t.u tuncirinii-
rnento (51, para a Madeira essa mesma estrurura dependera da dc Lisboa, donde
se fez o treslado cio necessdrio regimento, mas apcnas e m 15118 (6).
E m síntese poder-se-&afirmar que a estrutura municipal lançada ali lon-
go do século XV pelos peninsulares nas ilhas atlâ;n!icas prcfigura o rntidzlo pe-
ninsular sendo poucas uu quase nulas as inovaqhes; ptir partc du europeu apc-
nas houve necessidade de montar localrncnte esta estrutura institucional caben-
do aos insulares, ao !cinge do skculo XVl, a missão cie incivar, airav6s de su-
gest6es e reclamaçóes apresentadas B coroa e que mereceram aprovaçáo. Dai
que as peculiaridades do sistema institucionnal insular se situam apcnas na in-
sthcia de governo intermtdio, que assumiu e m cada um dos arquipélagos uma
forma diversa; foram o senhorio e as capitanias de Madeira e Aqorcs que apre-
sentaram os traços mais inovadores, pois o adelankado ou senhorio canários e m
nada inovaram em relação a idèntiça situação peninsular.
3. Se 6 certo que na sua origem ambas as estruturas dc poder loca! im-
plantadas nas ilhas de Castela e Portugal apontam para a tradição peninsular,
tambern não t menos certo que a sua forma de implantação se expressou de for-
ma diversa; da sua transplantaçáo liminar passa-se h necessária adaptaçãri As
condições socio-econbrnjcas do novo meio. Assim em Candrias notar-se-áo di-
ferenças significativas entre o cabildo das ilhas realengas e senhoriais, situação
muito semelhante h que sucedeu na Madeira no período de afirmação de Sen-
horio (1434-1497), nomeadamente no governo do infante D. Henrique (1433-
1460).
De uma forma gcnkrica t patente a diferenqa entre o cahildo de CanArias
e o municipio da Madeira e Açores, pois enquanto no primeiro arquiptlago a
cada ilha corresponde um cabildo, nos dois últimos essa unicidade não se veri-
fica, n5o obstante no inicio da sua ocupação persistir essa tendência ao nivel das
capitanias e, havendo ai ilhas com duas capitanias (Madeira, Terceira), essa cor-
respondencia não se tornou posstvel. Apenas na capitania de Machico essa po-
litica centralizadora teve eco na aristocracia local que semprc se manifestou
contra a criaçno de novos munidpios; expresso e m face da primeira solicitaçio
por paric de Santa Cruz (1515) e na reclamação da nova estrutura para a ver-
tente norte com sede em S Vicente (1744).
Todavia se em termos de Area jutlsdicionat essa comparação não se tor-
ARQUEOLOGIA DO ESTADO
nargpissfvel o mesmti jh não se dever8 dizer a o nfvel de estrutura, alçada e evo-
lução dessa iostit uição no coniexto das dinhmicas polftico-instir ucionais das co-
roas peninsulares.
A situação anteriormcntr aludida revela pelo lado porluguh o empenho
da coroa e m avanqar com uma adequada poliiiça de dcsccntrali~at;áo &$tas ins-
tituições de puder local; em qualquer momento o monarca deferiti a prctcnsáti
dos vizinhos dos lugares que reclamavam esse estatuto, s6 se vergando aos mo-
tivos irnponderáveis das auioridades locais como succdeu com S. Vicentc: nri rk-
çulo XY111.
Ao invks, em Canbrias somos confrontados com uma iendencia centrali-
adora desias instiiuiçóes que cundr17iu, inevitavelmenic a uma mais arnpia ex-
pressão da estrutura municipal e dci número de intewznicnics na piivernaçiiu,
nomeadamente regideres, conhecidos como "Jielrs ejjt.r*~rt~re.i", que eram elei-
tos por dois meses; na ilha de Teneriiz havia rrgidorrs crn L a Laguna. tu O r o -
lava, Içod r Ciarachico (7).Estc regidor diputado crn C'aniiria5 a~srmrlhava-
se ao nosso juir pedáneii iiu dii lugar. Tudiivia aqui e\ia tiirma Jc descenrrali-
ração governativa era mais expressiva pois ao j u í ~pcd;inro sc luntíivam c) nl-
caide e os locais ou bairros du hurgo surgiam os quadrilhr iros riu ~ i n t a n ~ i r o s .
No Funchal do século XV deparamo-nos com joízeh do lupar no Ciiniçu, Ribzi-
ra Brava, Câmara de Liihris, Ponta do Sol e Calheta e numa rase postrritir us
quadrilheiros distribuiarn-se pelos lugares sob a hua alqacla (C'ârnara de Lutios,
Ribeira Brava, S. Roque, S. Martinho, S. Anionio), bairros (Cabo dii Calhau.
Bairro das Moinhos) e ruas (Ferreiros, Canavial, Caminhu do hflinrc) da cidade
18). Situação identicrr sucede nos Açores onde, pcir exemplo, t i pequcno muni-
cipio das Velas havia juií.es para os lugarcs de Manadas ( 1559), Norte ( 15'11 ),
Urzelina (1649), Rosais (1700) (9).
Num e noutro sistema insiiruciunal o rnunicípiii'cdtiildii 6 cornpoito dc
um conjuniii variado de funcion$rios com competèncias especificas:
t . Oficiais de nrimeaçéii regia
2. Oficiais eleitos por sulr8gio indirecto, pelos v i i n hos. pcner nadcircs iiu
regedrires
3. Funcitinários administrativos de pruvimentu régici.
Todavia nas, ilhas portuguesas o principio da subcrania aberta iinhd ex-
pressão mais evidente no segundo grupo, pois a maioria dehtei eram r.1eit.n~pe-
los e de entre ris homens-bons do concelho, enquanto nas C'anAri.r 0 1 vilinhrts
elegiam apenas o procurador do comum e, em algumas ithas. (i sindico persci-
nero, ficando os principais FuncionArios dependentes dii arhitriii dus regcdoreh
que eram tarnbtm nomeados pelo governador e desde I5t7 pela coroa. Nas il-
has de Senhorio, a exemplo d o que sucedeu nti Madcira ate 1497, rbsa intenlen-
ção estava a cargrii do Senhorici o u do seu representante - lenicnte - que detinha
p i e r e h para nomear cis oficiais e funcifinhrios que adquiriam aqui um cardcter

62 A DIN~MICAM U N I C I P A LNO A T L ~ T I C O
INSUMR
vitalício e por veles heredithsio (10).
Com o decorrcr dos anos o rei reforçou a sua capacidade de intervenção
no cabitdo senhorial, tornando obrigatbria a rectificação dc alguns cargos, cu-
mo o d e alcalde magur que deveria ser confirmado pela A u d i c n c i a ou pelo re-
gedor que passou a ser de nomeação regia. Situaqão idèntica se passava na Ma-
deira do skculo XV onde o senhor da ilha detinha poderes plenipciienciAricn so-
bre o municipio. Mas a partir de 1460 com a morte dessc, ri infante D.Hcnri-
que, inaugura-se uma nova era na vida municipit! madeircnsc, puis u nuvo sen-
hor, o infante D.Sernando, em 1461, defere favoravelmente as rcclamaç6es dos
vizinhos da Funchal ( E 1). O município liberta-se assim das do capitão, repre-
sentante do Senhor na ilha, merct da eleiqáo dos juircs vcrcndi>rzs, procurador
e escrivão a que se juntaram o selu, bandeira, simbrilos dessa cii~tciniiniia;o par-
tir de entào O capitão ficari apenas com o direito de apreientitr iirnii Iista cir ires
nomes donde a vereaçiio fazia a escolha do alcaide e carczrciro.
Todavia os litígios entre a vereaçãu e o capitáu tiverani continuidade nas
centlirias seguintes, uma vez que esre nunca reconheceu essa restriqáo cle po-
deres. Esra situaçâo expressa-se dc forma evidente na ilha de L. hliguel onde o
capitão teima em manter os seus privilegias insliiucionais na goternac;ãii clc Vi-
Ea Franca do Campo, Ribeira Grande e Ponta Delgada (1 2).
0 s regedores e os vereadores eram os funcionários maih irnpclrtantes ao
serviço, respectivamente, do cahildo e município; a eles çornpc~iaa puvernaçáo
da Brea sob a sua jurisdiçãa por meio dos acordios c posturas apruvados nas
sessóes semanais. Alem dissn estava sob a sua alçada a nomeação, no primciro
caso dos fieles ejecutures, alcaIdes, alguacil, persrinero, muyurdumo e dipu-
tados d e mesa, enquanto, no segundo, essc poder abrangia 05 almtitacéis, gulir-
da-mores, qiiadriiheiros, julzes pedâneos, rneirinbos da serra e cidadt; al-
caides da cidade e dos Iiigares.
A presidencia do rnunicipio era atribuida ao Juíz mais velho dos eleizos e
só apenas no acto de eleiçáo irienal e na abertura anual dos pclouros essa prcsi-
dkncia era assumida pelo corregedor, ouvidor rtgiii, capitão do doaat8rio ou seu
ouvidor, Nas Canfirias essa variava de acordo ciim a condição de cada ilha; as-
sim nas senhoriais tal posição 6 atribuída ao alctilde miayur nomeado pelo ben-
hor, para as realengas mesma ficou atribuída atC 1535 aos adclantados e desdc
essa data aos governadiires letrados de nomeação rtgia.
O funcienamcnio desta estrutura de poder adequava-se As ordcnaqóes, re-
gimentos e fueros e As soiicitaçbes da grea que ela abrangia. Assim no caso por-
tugues a obrigatoriedade de duas sessões semanais do Senado da CAmara sb se
torna necessgria nos municfpioç mais importantes, como Funchal, Ponta Delga-
da, Angra, pois nos mais pequenos apenas a reuniáo semanal de saibado era su-
ficiente para atender As qucsrões que a vivencia municipal colocava; estão neste
Iiltimo caso os municfpios das VeIas (S. Jorge), Ponta de Sol e Calhcta.
ARQUEOLOGIA DO ESTADO
A par disso o pcrioda estival demarcado pelas colheitas de crreal c \.in-
ho, era dcfinido por uma pausa n e h u iisciduidude dos oficiaii c a m a r a r j ~ çgs
sessocs camaririas. A\sim, ertds pa%ianid reuiirus-\c quin/enajrncrilt. de modo
a que o s funcionhrius possam reali/dr a s s u : i ~c.tilhcitas. Aliás ii peririrlti dt: maicir
actividade da vereação situava-se nus ires primcirtis mese5 para as necessárias
deliberaçóes de ordem administrativa, relacionados com ti inicio du rnrind;ino.
Nas Canarias as sessõcs realiravain-se três veles pcjr \emana em Tcne-
rire, enquanio c m Fuerteientura rcalizaird-\c apzna+ uma \ c / par RICS (13), O
mesmo sucedendo em Lanzarote, tendo a scssào lugar na casa do gwcrnador
(14),. Mas aqui icirna-\c neccs\árici distinguir, nas illias rcalencas, ds sesiõcs rir-
dinhriaa, que apcnas uprcscniavarn ii finalidade atrás aniinciadit, e aa "gcn r r u l c l "
que se realizavam c m Janciru c 30 de Novembro p r a cliiiq'rio dos diversos car-
gcis, ou acidentais para debaic de q u c s l i í z s dt: grande intzres\c parri » vi/inh»s,
i
enquantci para a5 s e n h o r i u i ~sr. dilcrenciam as hzshòes cirdinhrias t. as abertas
e m prac;a publica para debate dc assunkus de iriteresse cr)rnum (15)
Nos t r è ~arquipklasiis 0 mandaiu iniciava-se em Janeiro, apenas nos
Açores, mais prciprianiente nos municípios de Vila Franca do Campu (1577) e
Ponta Delgada ( 1 6 0 ) , para mais eficácia da sua acqáo huuvc neccçsidade de
ajustar o ano administrativo ao calcndáriu agrícola, passando a vereação a ini-
ciar as sua actividade pelo dia de S. Juáo (16).
As compettncias do cabildo ou município eram esiabelccidas pelas orde-
naçóes e fueros concedidos pelas coroa5 peninsulares; ai estavam çxaradas náo
s6 as normas de funcionamento destas instituiçóes mas também a alçada que dc-
finia o seu espaço de manobra no contexto da dinâmica institucicinal de eniio.
Num e nout ru caso a jurisdiçáci ehiahelecida para estas instituições focais
era Identica, diferenciando-se apenas na sua forma de aplicação ou activa inter-
venção nos diversos aspcctos do d o burgo e área limitrofe abrangi-
da pela sua jurisdição. Tendo em considerat;áo que estas tinham como finali-
dade assegurar o bem-comum de acordo com as solicirii~iicsdos locais ondr: se
implantam, teremos uma activa intervenção no quotidiano das gentes, abrangtn-
do a moral, os usos e costumes, a sanidade, as actividades ecunlirnicas (produ-
tivas, transformadoras e comerciais (17). Esta acção que abrange o dorninio fis-
cal, econbmico, social, sanithrio. das obras públicas e de defesa, fazia-se
conforme o estipulado nas compet&nciasemanadas pelas orden;iim.cs do reino;
a expressão dessa realidade encontra-se lavrada nos acordáos do Senado c nas
posturas que, em separado, são as peças legislativas mais importantes do poder
local em que se expressam as especificidades de cada hrea com as necessAria5
adaptaçóes das norma gerais do reino (18).
A par disso a esta estrutura de poder local rambCm estava acometida ju-
risdição no dominio da jusriça que corria a cargo de alguns fiinciiin8rios indigi-
tados pelos vereadores, regidores ou governador/s¢nhor; para as ilhas pcirtugue-
64 A DINAMICA MUNICIPAL NO A T ~ N T I C O
INSWiAR
sas essa acçãu estava acometida ao alcaide apoiado pelo carcereiro, quadrilhei-
ro, meirinho da serra e cidade, guardas mores, enquanto nas Canarias essa tare-
fa estava atribuida ao alguacil mayor e tilcaldes ordjn8rios com íi apoio dos di-
putados de mesa. A o lado destes actuavam alguns funcioohrios que tinham ca-
mo missáo garantir e fiscalidar o cumprimente das posturas e ordcnaçóes regias;
680 os aimotacts que na Madeira e Açores eram eleitos trimestralmente da lis-
ta de homens-bons. Noutro Ambito o policiamento das ruas e lugares era asse-
gurado pelos quadrilheirosldiputados da mesa nomeados mensalnrcnte nos trks
arquipblagos.
4. A evolução da est ruiura municipal adequa-se ao progresso económico
e social das Areas onde se implanta e a intcrvenqáo da coroa. Deste modo num
e noutro caso, constata-se que o skculo X V é definido como o momento de am-
pla autonomia em relaçaio 6 coroa mas de excessiva vinçu1at;ão iintervenqáii
personalizada do capitão, senhorio ou governador. E m arnbas as situações a
usurpaçáo dos poderes por parte desrcs tornou inevitavel essa vinculaçiu do po-
der municipal As estruturas do poder régio; assim enquanto na Madeira desde a
dtcada de sessenta do seculo XV são cerceados os poderes discriciunários do
capitâo e a partir de I497 com o advento da nova realidade instirucional com o
fim do senhorio o rei coloca sob a sua alçada tais dominios. A par disso na st-
cala XVI, mais propriamente em 1503, emerge a figura do corregedor como
representante da coroa.
Situação idtatica sucedera! nas Canhsias onde nas ilhas realengas os gu-
vernadores, e nas senhoriais o senhor ou reprzsentanic, abusavam da delegação
regia de poderes pelo que o rei se viu forçado a inrervir. Assim o governador
que até 1512 tinha a faculdade de nomear os principais furiciondrios do cabildo
perde-a em favor da coroa, o mesmo sucedendo com a presidência do cabildo
que passar8 para os governadores letrados de nomeaçio regia. Tambem os re-
gedores serão desde 1544 nomeados pela coroa (19). Mas sem dúvida o golpe
mais forie contra essa autoridade çanAria foi a criaqáo em F 526 da real Audien-
cia de CenArias com sede em Las Palmas que, desde 1589, com a nomeação do
capltfio general de Canhrias ficou com a supcrinrcndencia militar e civil,
canseguinda assim a corria kdircir a ias isla~,e iiiia roia persona" (20). Deste
moda poderh dizer-se que o advento do çtculo XVI se apresentou, num e nou-
tro arquipdagu, como o infcio de uma nova era para a dinâmica instiruciunal
destas ilhas definida pela paulatina centralização do pader real com a conse-
quente quebra da autonomia das insiituições locais.
O momento de 1580 a 16;U) assume particular significado na compura-
çãri dessas mesmas estruturas pois o facin de eskarrnos ~ r i b alqacfa da mesma
coroa conduziu necessariamente a uma tentativa, ainda qite frustrada, de unifor-
mizar as ditas instituiçoes. Assim a cxemplti de CizinBrias surge em 1585 na Ma-
ARQUEOLOGIA 00 ESTADO
deira o 'jpmll e superentendenle das cousos dri girem", que se perpetua post
1640, com ampla jurisdiqão sobre e administração e provimento dos cargos (21).
Todavia nos Açores que encontramos mais semelhanças pois ai ao cargo de
governador, que surgue a partir de 1581, estava, ligadus o pcider militar e de su-
perintender a administração, A este sucedeu na Terceira em 1640 o governador
do Castelo de S. Filipe e das ilhas dos Açores como autoridade suprema (22).
Aqui este encontra-se ao mesmo uive1 do governador letrado (1535) das CanA-
rias, cargo que desde 1570 szrh preenchido militares, designados desde 1589 de
capitão-general de Ias isias (23).
5 . As posturas destacam-se neste domfnio da vida municipal como a mais
lidima expressio da sua actividade e capacidade dc intervenção. dai que a sua
referençia, aqui e agora, se torna oportuna.
Confxon~adasas posturas das ilhas portuguesas ccim as das Canarias sur-
gem algumas diferenqas pontuais neste domínio, pois u direitci municipal nau
se adequa à relativa autonomia dcfinida pelos alvaras e regimentos skgici.s. Aa-
sim na Madeira e nos Açores onde o poder local disfruia de amplos puderes e a
1
I
sua capacidade iegislativa cstSi entravada pela insisténcia das orrienaqfies rigias
e regimentos, o legislador açoriano-madeirense t Forçado a afirar pelo mesmo
diapasão peninsular, submetendo-se ao articulado das, posruras de Lisboa. Ao
invks nas GanArias os municipes disfrutam de ampla capacidade iegislativa, ela-
borando o cbdigo de posturas de acordo com as solicitaç0es da mundividzncia
do burgo: esse rasgo de originalidade acentua-se e m todos o3 municípios ape-
nas no domínio socio-econbmico. Deste modo o direito local canário poderá scr
definido como auibnomo e multiforme enquanto o madeirense e açoriano sur-
girão coma uniformes e arreigados as directrizes monopotizadoras e intewen-
cionisias da coroa portuguesa.
A diferente fundamentaçáo dos cbdigas de posturas insulares cunduziu a
uma diversa valorização e empenho do legislador local, Nos arquiptlagos da
Madeira e Açores essa permanente e excessiva intervenção da coroa conduziu
a um paulatino descrkdito e esvaziar da capacidade legislaiiva do município.
Deste modo, coarciada a possibilidade de intervenção plena dos municfpios na
rtgulamentaçáo da vivencia do burgo, o cbdigo de posturas i, em certa medida,
marginalizado. Dai o relativa menosprezo das autoridades municipais e a ten-
d&ncia para o carkter avulso desta legislaç50 que, segundo as ordenações do
reino, deveria ser compilada e divulgada junto dos municipes. Note-se que na
Madeira essa ordem sb Foi cumprida em 1572 e 1587, enquanto nos Açules as
primeiras compilações datam de 1655 (Angra) e 1670 (Ponta Delgada): Enrre-
tanto nas Canhrias, não nhstante a sua tardia pacificação o ocupaçio, as referi-
das compilações surgem em Ciran Canaria e Tenerife em princlpius de skcu10
XVI, maniendci-se uma permanente act ualização e cornpilat;ão nos seculos se-

guintes.
A p a r desta ambiencia e cni ahonri dcis;t ditcrcniir 1iirniulrtc;áti do direitc>
insular portugufs e çastelhano tercmrii r i próprii) cíidipv ilc pirrt urii+ C ii \ C W u m -
po de intcrvsnçáo. E m Tenerifr: e Grun C'an'zrra t i Icgiil;ilior iiicaE rcguliimcniii
de modci rigoroso todos os ahpectos da vida du populaqari, definindo ocirrtiiis de
condura social e um apertado espaço dc intrrvrnç5o para us divcrstis rigcntes
econfimiccis. Desies ri mais rigoroso é u da ilha de Cir'in C'anária clut sc dcwn-
volve em 48h capitulas. Aqui icidos cis Jominiiis da vida eciiniímicd adcluirrm
uma posição relcrantc.
O atr6s referido exprc5sa cubalmente ii impiiriincia c ârnhito atribuído
nos três arquipklagos ao dirciio municipal. AlZm disw cvidcncia quc ri sua arir-
mação depende de múliiplii~factores e m que se d r i i a c a a 1t:ndénçia çiinçenira-
cionista da autoridade e inriizuiçõer regias e m ligação com a çiiniuniura puliti-
co-ecnbmica. Deste modo o cOdigo dc posturas p a r a a l i rn dc surb''Ir çoniii a cx-
pressjo dos ameios da quotidianeidade insular retlcctc. os veciorcs dominantes
da conjuntura em que emerge e da dinâmica institucional balizadora. Sendo as-
sim nas CanArias o cbdigo de posturas, corno u mais Iídimu expressâo dos vec-
~ c i s c sinstitucionais emergentes da eccinomia I: sociedade canária enquanto na
Madeira e nos Açores, para além dt: espzlharern essa tendéncili concentracio-
nisra da coroa, evidenciam a prcrnencia das orieniaçfies gcrais dci reino na re-
gulamenraçâo da quotidianeidade local, no sentido J c uma unifotrnizaçàu de to-
do o Império. Estas camhiantes dáo conta de uma oricntaçao diversa do direito
e das instituiçáes definidos pelas coroas peninsulares, de acordo com a s u a po-
lítica colonial, para o novo mundo atlântico.
A intervenqão destas insrituiçóes poderá ser sinteri~adaem quatro dcimí-
nios:
I. Regulação dos cargos municipais t: da adminisiração da farenda mu-
nicipal;
2. Regulamentação das actividades eçonbmicas de acordo com os sec-
tores d e actividade, os aspectos mais salientes da vivencia socio-econámica do
hurgo-rural, oficina1 e mercantil - em conjugação com o s iaciores propiciadores
dessa animação da urbe;
3. Institucionalização das normas de conduta e da sociabitidade mercê da
regular izaqão dos costumes e do comportamento dos grupos marginais-mere-
trizes, escravos, mancebos;
4. Medidas tendentes a criaçáo de uma ambiência de salubridade no hur-
go tendo e m conta o necçss5rio asseio e prevenqão profilhctica das rradicionais
epidemias da kpoca.
Destas destaca-se a intervençaõ ao nível das actividades econbmicas onde
se pode tomar contacto com o pulsar das gentes de então. AliAs este dornfnio foi
o que mais preocupou os munlcipes e catiildos insulares (24).
ARQUEOLOGIA 0 0 ESTADO 67
As normas reguladoras do mercado insular csiruiuravam-se da seguinte
forma:
1. CCIM~ R C E INTERNO,
O uma intewenqSo assente num apertada sir-
tema de vigilsncia incidindo w h r e u pcsrb do pão, prego de venda, de mais bens
alimentares 2 artefactos, fixado\ cm vereaqão;
2. C O M ~ R C I O EXTERNO,acruaçáo n o sentido de dclirnitar essa trocas
com o exterior aos excedentes ou aos produtor a isso destinados.
Todavia neste Ultimo dominiri a acçiio do município deiineiiva-se de acor-
do com o nivel de des~nvoh~imentci sciçio-econárnico de cada cidade. As çidadcs
de grande animtiçátr çorricrcial com r i exiericir, ctirno Angra, Funchal, Pcinta Drl-
gada e Las Palmas. neccssi~avamdc maior atenção e dc unia rcgulamrntaçáo
exautiva do nic.i~imentude entrada e haída, orientada de difcrcntc?, formas. A
defesa da produçãci interna implicava neçessasiarnente ccindiciunamcntos n o
rnovimentri de entrada. AU invés a cartncia, norneadarncnte LIc hens dlirnent;trcs.
conduz a o estiihclccimcnro dc medidas incentiladoras da sua entrada e Jc: u m
controlo rigoroso seu traniporte e arrnazcnamento. Eit~t,ultimas eslavam
apoiadas na limitação impoçta 5 sua saída ou reexporlaqiii. Estáo neste caso 0
cereal, vinho, areite, pcscitdo, gado, carne, biscoito, Iinhii c couro. Todavia a in-
tetvençao d o ~ municípios insulares é variAvcl, reflcxo de urna diversa siiuaqáo
socio-cconbmica.
Os cereais pela importância que dctêrn na vivcncia das pcipulaqõcç insu-
lares merecem redril~radaatenqàii nci código de pcisiuras. Ai ti seu ariiculado t2-
rh de adaptar-se iconiilntura czreafifera municipal E: insular o q u z c i i n d i i ~a u m a
permanente motiilidudc do çcu articulaclo. E ~ t a slios das poiic;ts posturiis qrie se
alteram com ~criodicidademensal ou anua1.A ilha Je São Lliguel 6 dis50
exemplo pois O seu código frumentário sufre cunsiante5 alteraqíies no sécillu
XVII, merce da conturbada conjuntura cerealíiera. O meamo sucede e m Fucr-
tevcntura onde O cahildo actualiza anualmente o poçituliido das sefcridas. norma5
adequando-se as novas condiçóes da conjuntura cttrealilera.
A fragilidade do sistema ecnnbmic~iinsular associada à sua extrenia dc-
pendEncia fio mercado europeu e atlsntico candicionsram o n í ~ c lde desenvtil-
vimentci do sistema de ttocas, marcado por mfiltiplas dificuldades nii seu abas-
tecimento.
Deste modo as autoridades municipais Farcm incidir a sua acqãci sobre o
sistema de trocas de modo a assegurar-se a suhsi5i&nçiada5 pripu1uc;fits insu-
lares. Dai o especial destaque atribuído à5 qursthcs de rihastecimento n:is ilha\,
onde o cereal era escasso ou, por uma conjuntura dc crihe. Esta Última
situa650 fundamenta o elevado niirnero de posturas na ilha de São Migiirl, comi-
dcrada, então, o principal çeltira du mundo insular. Safienie-se ainda que as
mesmas se situam nas de 30 e 40, pericido critico para o abastecimen-
to e comercio cerealffero micaelcnse.

68 A DINÂMICA MUNICIPAL NO ATLÂNTICOINSULAR
o articulado das posturas frumentárias ia assim ao encontro da conjuntu­
ra particular de cada município e no geral do mundo insular. Aí definiam-se me­
didas compatíveis com as reservas de cereal existentes no!>granéis públicos e
privados, dando-se particular atenção ao preço, peso do pão e contingentes pa­
ra exportação.
O vinho faz parte desse grupo de culturas ou produtos atingidos por este
tipo de medidas proteccionistas, mercê da sua importãncia na dieta e sistema de
trocas insulares. As posturas estipulam medidas de protecção da cultura em face
da depredação do gado e frutos, bem como o modo de venda do vinho ataver­
nado. No primeiro caso proibia-se em Ponta Delgada, Funchal e Angra a ven­
da de uvas sem indicação ou licença do dono. Entretanto, no segundo caso, pro­
cura-se evitar os precessos fraudulentos da sua venda com a fuga ao pagamen­
to da imposição e à baleação de vinhos de diferentes qualidades. Assim cada ta­
berna só poderia dispor de duas pipas de vinho (branco e tinto), abertas por um
oficial concelhio após serem almotaçadas.
A carne e peixe, produtos cuja venda e manuseio exigiam especiais cui­
dados, ocupam lugar de destaque nas posturas insulare!>.Aí !>eestabelecem nor-
mas reguladoras de todo o processo de circulação e venda. Assim não era per­
mitida a sua venda fora da praça e mesmo aí deveria !>erfeita por agentes habi­
litados pela vereação. Deste modo aos proprietários de barcos, arrais ou pesca­
dores estava vedado o comércio de retalho. Ambos os produto!>deveriam ser al­
motaçados pelo almotacel ou diputados. A carne para além do seu corte obriga­
tório no açougue municipal pelo marchante era vigiada por oficial concelhio.
A venda por peso ou medida facilitava o dolo dos vendedores pouco ho­
nestos que falsificam os referidos meios de medição. Deste modo o município
era obrigado a redobrar a sua vigilância sobre o retalhista, sendo o seu alvo prin­
cipal as vendeiras. Daí o estipular-se o uso obrigatório de pesos e medidas afe­
ridos pelo padrão municipal, em todas as ilhas, sendo anual a respectiva confe­
rência que estava a cargo do almotacel ou fiel ejecutor.
6. Concluído este rastreio comparativo das instituições municipais dos ar­
quilélagos do Mediterrãneo Atlântico fica-nos a ideia de que afinal estas ilhas
mantiveram uma relativa proximidade das suas dinâmicas económico-social­
institucionais, resultado de semelhante resposta às comuns solicitações do quo­
tidiano. Daí as inevitáveis similitudes, que se tornam mais expressivas ao nível
das questões atendidas pelo Senado e legisladas sob a forma de posturas.
Ao nível da estrutura desta instituição e da sua evolução a identificação
de situações não deverá ser encarada como o resultado de uma política concer­
tada dos insulares e coroas peninsulares, mas apenas como uma coincidência de
conjunturas e respostas necessárias às questões que as mesmas colocavam. O
facto de na Madeira se ter iniciado muito mais cedo este processo de constitui-
- ,
ARQUEOLOGIA DO ESTADO 69
ção da estrutura institucional e as evidentes influências madeirenses na reali­
dade social e económica de Canárias levar-nas-iam a concluir, à partida, dessa
inevitável intervenção da Madeira nesse domínio, mas aqui, corno vimos, a pro­
cedência é outra, pois a coroa castelhana não abdicou das suas prerrogativas de­
finidoras dessa realidade institucional, que tal como nas ilhas portuguesas se ex­
pressou por uma adequada transplantação das instituições peninsulares. Deste
modo as semelhanças detectadas corresponderão necessariamente a uma idên­
tica necessidade de atacar as questões pela mesma via.
NOTAS
l)JesusLalindeAbadia, "EI derecho casre//anoem Canários",in Anuário de
Estudos Atlânticos , n!!16, 1979, 13-35.
2) Eduardo Aznar Valejo, La integración de las islas Canárias en la corona
deCastilla (1478-1526) ,La Laguna, 1983,47,61.
3)ManuelJ.Ferreira, O arquipélago da Madeira terra do Senhor Infante,
Funcha~ 1959,271,confronte-se Alvaro Rodrigues de Azevedo, "Nolas", in Saudades
. da Terra, Funchal, 1873,494.
4) Urbano de Mendonça Dias, Avida de nossos avós, vaI. llI, Vila Franca do
Campo, 1944, 11-56.
5)Antonio Malpica Cuello, "EI fuero 1IIleVOen el reino de Granada y el fuero
de Gran Canaria(noraspara el estudiodeIa adminslraciónmunicipal)", in lU Colo­
quio de Historia Canario-Americana (1979), Las Palmas, 1980,319-42.
6) Por alvará de 17 de Agosto de 1508, publicado por Alvaro R. de Azevedo,
ob. cit.,491-92;confronte-se '~. R. M.", C. M. F., n!!400, 401.
7)A.Cioranescu, Historia de Santa Cruz de Tenerife , vaI. I, 1977, 157.
8)AIberto Vieiraeoutros, "Omunicipio do Funchal (1550-1650J",in Coloquio
Internacional de História da Madeira, Funchal, 1988.
9)AntonioSantosPereira,A ilha de S. Jorge (Séculos XV-XVII),Ponta Del­
gada, 1987, 99.
10)Juan Ignacio Bermejo Girónes, Los Cabildos Insulares de Canárias, San- .
ta Cruz de Tenerife, 1952, 23-25.
11) A. R. M., C. M. F. - Registo Geral, t. I, fl. 202-209; veja-se ManuelJuve­
nalPitaFerreira, O arquipélago da Madeira Terra do Senhor Infante, Funchal, 1959,
301-303.
12)Veja-seVictorRodrigues "AAdminstraçáodo ConcelhodePomoDelga­
da... ", in Os Açores e o Atlântico séculos XIV.XVII ,1984; M. Margarida de Sá No­
gueira, "AdministraçlJo do Concelho de Vila Franca do Campo... ", in ibidem.
13) Acuerdos dei Cabildo de Fuerteventura, La Laguna, 1970, 15.
14)Juan Ignacio Bermejo Gironés, LosCabildos Insulares de Canárlas, San­
ta Cruz de Tenerife, 1952,23.
15) Ulpiano Perez Barrios Buenavista..., Santa Cruz de Tenerlfe, 1986,24;
Acuerdosdel cablldode Tenerlfe, t. 1,1949,XVI, 11LaLaguna, 1952,XXVI-XXVIII.

16)UrbanndeMendonçaDias, A vlda de NOSSOSAvhã, 111, VIIn f r a n t a do
Campo, 1944,M-57;~ r c b l v odo Agores. V1 I I, 164.
17) Leopoldo de La Rosa Oliveira, Acuerdos de! C'iibtldo de Tenrrlfe , I I;
1952, XIX-XXXV;EduarduA;cnar VaIlejii, Cn integriicihn de Ias isltis CtlnBrias en
I a çorona de Csstilla (1478-1526) , La Laguna, 1083, JH-40.
18)Veja-se AIherto Vieira, "lnirfrdicçdoao eshrdo do Dirriro Lncul Itzsrilur. ,.I1.
Posturasda Madeira, Açores e Canrfsias nos SPcirlrlsXWe XL'II", in VI1 d'oloquiu de
H t s t o r l a C a n a r l o - A m e r h a (1 986).
14)Leopldode La Rosa, "C)qunizocthrt drl C'uhilrio", in Acuerdoa de1 Cu bil-
do de Tenerife ,111,1965,XIX-XXIII.
20) Wlpiano Percr Barrios, Buenavis~a,Santa Cruz dr TrnrriFe, IOXh, 17-23.
21) Dami5uPcres,O Problema dos I;iwrrnudores Gerais da ilhu dii hlridel-
ra, Porto, 1925.
22) UrhanoMendon~aDia\ A rida de nossos a v k ,vel. Il t , 1944.
23) Leopoldode La Rosa Oliveira, Evuluclhn de1 Regirnrn Local en Ias isliis
Canhrlas , Madrid, 194.
24)Yeja-se Alhrstii Vizira,"A qrrstàu ctbrc.ul$eruiio~,-i\.on~i.
EI~iiit~ritusporu
O seu e s ~ i d o "Nt
, Arquipelago, n- 2,voI. VI], Ponta Delgada, Iti%J;AItir rtii Vieirac
Outros,"O hf~inicípiodo Fiitichul (l5lll)-1(5011~':já citado; Acucrdus de1 Cabildo d e
Tenerlfr: ,vols. I-V, Santa Cruz de Tcnerifri, 1949- 1986; Acuerdas de1 C'ubildo de
Fuertwroturmi , 3 vols., La Laguna, 1907- 1970; As Vrreaçôes de V e l ~ 3, Ponia Dcl-
@da, 198-i;AntoniuSanFiis Pereira, A II hri de S:Jrirge , Ponta Dclgda. 1(>H7,89-137:
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A DINAMICA MUNICIPAL NO ATIÂNTICO
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Estrutura admfnlstratlva dos Açores e da Madeira

Regidores
 76 A PINÃMICA MUNICIPAL NO A T ~ ~ ~ INSULAR
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Senhorial Rtdengo

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