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A ECOMONIA DA MADEIRA

E A EVOLUÇÃO DO QUADRO NATURAL

Nos primeiros momentos de ocupação do solo, o vinho, o trigo, e, depois, o açúcar, surgem como
elementos aglutinadores desta peculiar vivência com inevitáveis implicações políticas e
urbanísticas. Os primeiros materializaram a necessária garantia das condições de subsistência e
do ritual cristão, enquanto o ultimo encerrou a ambição e voracidade mercantil da nova
burguesia europeia que fez da Madeira o principal pilar para afirmação na economia atlântica e
mundial. O processo é irreversível de modo que, em consonância com os movimentos
económicos sucede-se uma catadupa de produtos, com valor utilitário para a sociedade insular,
ou com capacidade adequada para activarem as trocas com o mercado externo. Se na primeira
fase o domínio pertenceu à economia agrícola, no segundo, que se aproxima da nossa vivência,
ele reparte-se em serviços, industrias artesanais (vimes e bordado) e de novo produtos agrícolas.

O enquadramento e afirmação económica não é pacífico, sendo feito de embates permanentes


entre essa necessária manutenção de subsistência e da animação comercial externa. Desse
afrontamento resultou a afirmação, num ou noutro momento, do produto que adquire maior
pujança e numero de defensores nessa dinâmica. É nesta luta permanente de produtos de uma
subsistência familiar, local e insular com os impostos pela permanente solicitação externa que se
alicerçou a economia da ilha até ao limiar do século XIX. Deste modo esses produtos serão os
pilares mais destacados para a compreensão da realidade socio-economica madeirense, ao longo
destes quinhentos anos, com reflexos inevitáveis na actualidade. Por isso proponho uma breve
reflexão sobre a sua importância no devir e quotidiano madeirense.

UMA ECONOMIA DE EQUILIBRIO ENTRE A SUBSISTÊNCIA E O MERCADO. A


tradição mediterranio-atlantica, que define a realidade peninsular, repercute-se, inevitavelmente
na estrutura agraria do Novo Mundo e por consequência no impacto ecológico que acompanha a
expansão atlântica. Da Europa saíram as sementes, utensílios e homens que lançaram as bases da
nova vivência insular e atlântico., mas também aí se situavam as principais solicitações e
orientações. A par disso o confronto com as novas realidades civilizacionais americanas e indicas
contribuiu para um paulatino desencravamento planetário da ecologia e cardápio dos séculos
XVI e XVII, com inevitáveis repercussões na economia e hábitos alimentares do europeu.

A Europa contribuiu com os cereais (centeio, cevada e trigo), as videiras e as socas de cana,
enquanto da América e Índia aportaram ao velho continente o milho, a batata, o inhame. o arroz
e uma variada gama de ávores de fruto. Nesse contexto as ilhas atlânticas, pela sua posição
charneira no relacionamento entre esses mundos, surgem como viveiros da aclimatação desses
produtos às novas condições eco-sistémicas que se acolhem. A Madeira deteve uma posição
importante, afirmando-se no século XV como o viveiro experimental das culturas que a Europa
pretendia implantar no Novo Mundo - os cereais, o pastel, a vinha e a cana de açúcar.

A expansão europeia, que desde o século XV veio revolucionar o cardápio europeu, enriqueceu-
se, aumentando a gama de produtos e condimentos. A tradição culinária europeia foi destronada
pelo exotismo das novas sensações gustativas que acabaram por afeiçoar o paladar. Mas ate que
isso se generalizasse tornava-se necessário conduzir aos locais mais recônditos o cereal e o
vinho. Assim, as embarcações que sulcavam o oceano levavam nos seus porões, para alem das
manufacturas e bugigangas aliciadoras das populações autóctones, inúmeras pipas de vinho e
barris de farinha ou biscoito.

Se o cereal poderá encontrar similar, como o milho e a mandioca, o mesmo não acontecia com o
vinho que era desconhecido e incapaz de se adaptar as novas condições mesologicas oferecidas
pela colónias europeias. Desta forma o vinho foi conduzido da Europa ou das ilhas, onde ele se
afirma com essa finalidade aos mais recônditos espaços em que se fixou o europeu. Este era o
inseparável companheiro dos mareantes, expedicionários, bandeirantes e colonizadores. Aos
primeiros servia de antídoto ao escorbuto, aos segundos saciava a sede, enquanto aos últimos
servia como recordação ou devaneio hilariante da terra-mãe. 0 vinho é assim um dos principais
traços de união das gentes europeias na gesta de expansão além-Atlântico.

No imaginário e devir histórico madeirense paira sempre essa visão tripartida da faina agrícola: o
vinho e o cereal que a tradição impõe como necessários ao quotidiano espiritual e alimentar, o
açúcar que se afirma como provento excedentario capaz de atrair a atenção dos mercados
europeus e de trazer a ilha as manufacturas que necessita. Esta harmónica trifuncionalidade
produtiva pela extrema dependência as dinâmicas e directrizes europeias esteve sujeita a diversos
sobressaltos que contribuirão para uma desmesurada desarticulação do quotidiano e economia
madeirenses. Assim, a concorrência do aguçar americano lança o pânico na ilha e obriga a uma
necessária afirmação da cultura da vinha, cujo derivado, o vinho, se afirmou como a moeda de
troca, substitutiva do açúcar.

A precariedade da economia madeirense não deriva apenas da posição dependente em relação ao


velho continente, mas também radica-se nas diminutas possibilidades de usufruto dos 741 Km2
de superfície da ilha. O lançamento e afirmação de uma sociedade em moldes europeus depende
sempre das possibilidades de afirmação simultânea deste conjunto de produtos; motores da
expansão atlântica e da europeização do espaço insular. E todos os autores coevos são unânimes
em afirmar a apetência da ilha para satisfazer as expectativas dos primeiros povoadores. Assim o
enuncia Gaspar Frutuoso que "a terra foi mostrando seus frutos e dando a fama deles no regno, e
enobrecendo-se com moradores ricos"1. Esta inaudita riqueza foi o motor do sucesso do
povoamento da ilha, tal como nos elucida o mesmo autor: "crescendo e multiplicando seus
frutos, assim iam crescendo as povoações e moradores com a fama de sua fertilidade."2

Neste processo de labuta, mais do que uma revolução ecológica, assiste-se a uma humana e
técnica. Se as condições eco-sistemicas favoreceram a transplantação das primeiras sementes, ao
homem estava reservada a mais espinhosa e hábil tarefa. Primeiro ergueram os socalcos (poios),
depois adaptaram as técnicas e as alfaias agrícolas aos condicionalismos do novo espaço
cultivado. A testemunhar tudo isso perduram os poios, ladeados de levadas, que bem podem ser
considerados entre as principais realizações do homem sobre a terra. Esta homenagem deverá ser
concedida ao cabouqueiro, colono que recebe das principais gentes da ilha o encargo de valorizar
economicamente as parcelas que estas receberam como benesse. O investimento da sua
capacidade de trabalho terá justificação jurídica nas chamadas benfeitorias, que englobavam

1
. Livro segundo das Saudades da Terra, P. Delgada, 1979, p.96.
2
. Ibidem, p.97
paredes, casas de habitação, lagares ou lagariças, arvores de fruto, latadas, etc. é, assim, o colono
que lança as bases dessa revolução tecnico-agricola e um dos principais obreiros dessa
harmoniosa paisagem rural os proprietários preferiam os bulício ribeirinhos da cidade ou do
burgo que tentam erguer, fazendo com que a arquitectura e viver quotidiano se adaptassem a
medida volume dos reditos acumulados com o comércio do açúcar e vinho; estava-lhes reservado
o usufruto da vida no espaço urbano, empenhados nas lides administrativas ou entretenidos nos
jogos de pela e canas.

Um dos aspectos mais salientes das ilhas é estamos perante espaços limitados, que condicionam
e são influenciados de forma evidente pela presença humana. Aqui o processo económico
quando assume uma posição de sucesso mercê da sua inserção no mercado mundial provoca
obrigatoriamente uma forma de exploração intensiva que acabe inevitavelmente por provocar o
desequilíbrio entre aquilo que possibilita o quadro natural e o que o Homem exige dele.

A exploração económica faz-se de forma intensiva e de acordo com as solicitações de um


mercado exterior, agravando o afrontamento com o quadro natural e arrastando este para uma
situação de total degradação. Um breve relance pelos testemunhos historiográficos dos séculos
XV e XVI reforça esta realidade. O primeiro testemunho desta deterioração dos solos frutos de
um cultivo intensivo, surgem já em meados do século XV com Cadamosto: "As suas terras
costumavam dar a princípio, sessenta por um, o que presentemente está reduzido a trinta e
quarenta, porque se vão deteriorando dia a dia "3. A situação resultou da solicitação do cereal
para abastecer as cidades do reino e praças africanas.

Rapidamente o cereal cedeu lugar aos canaviais que em pouco tempo dominaram todo o espaço
agrícola. A indústria que se promoveu na rectaguarda para o fabrico do açúcar exigiu muito do
quadro natural, lançando a ilha para um processo de deflorestação de consequências
imprevisíveis. Esta situação arrastou o solo agrícola da ilha para a quase total exaustão. Em 1689
John Ovington testemunha de forma lapidar a realidade: "A fertilidade da ilha decaiu muito
relativamente ao período das primeiras culturas. A cultura sem descanso dos terrenos tornou os
fracos espaços em muitos lugares e de tal modo que os abandonam periodicamente, tendo de
ficar de poisio três ou quatro anos. Depois desse tempo, se não crescer nenhuma giesta como
sinal de fertilidade futura, abandonam-nos, com estéreis. A actual aridez de muitas das suas
terras atribuem-na simploriamente ao aumento dos seus pecados"4.

A vinha e o vinho assumem particular destaque na caracterização do processo histórico


madeirense ao longo destes quase seiscentos anos de labuta. Desde os primórdios da ocupação da
ilha até a actualidade este produto manteve a mesma vivacidade na vida agrícola e comercio da
ilha. Dos mais não houve capacidade suficiente para resistir a concorrência desenfreada de novos
e potenciais mercados Fornecedores de aquém e além-mar. Os cereais tiveram saque fácil nos
Açores, Canárias, Europa e, depois América, sofrendo, mais tarde, a concorrência do abundante
fornecedor americano. Apenas o vinho resistiu a concorrência do dos Açores, Canárias, Europa e
Cabo da Boa Esperança, mantendo o tradicional grupo de apreciadores no velho e novo Mundo.

3
A. Aragão, A Madeira vista por Estrangeiros, pp.36-37
4
Ibidem, p.201.
AS DOMINANTES DA ECONOMIA AGRÍCOLA. No principio da ocupação da ilha as
necessidades do cardápio e ritual cristão comandaram a selecção das sementes que
acompanharam os primeiros povoadores. As do precioso cereal acompanharam os primeiros
cavalos de cepas peninsulares nesse processo de transmigração vegetativa. A fertilidade do solo,
resultante do seu estado virgem e das cinzas fertilizadoras das queimadas, fizeram elevar a
produção a níveis inatingíveis, criando excedentes que supriram as necessidades de mercados
carentes, como foi o caso de Lisboa e praças do norte de África.

Até a década de setenta a Madeira firma a sua posição de celeiro atlântico, perdendo-a, depois
em favor dos Açores que emergem desde então, com uma posição dominante na política e
economia frumentaria do Atlântico. Na Madeira inverte-se a situação; a ilha de área excedentaria
passa a uma posição de dependência em relação ao celeiro açoriano, canário e europeu. O
estabelecimento de uma rota obrigatória, a partir do fornecimento de cereal açoriano à Madeira,
criará as condições necessárias à afirmação da cultura da cana sacarina, produto tão
insistentemente solicitado no mercado europeu. O empenho do senhorio e coroa na cultura deste
novo produto conduziu a afirmação preferencial de uma nova vertente da economia atlantico-
insular. A partir de então os interesses mercantis dominam a dinâmica agraria madeirense. Na
ilha as searas deram lugar aos canaviais, enquanto as vinhas mantém-se de modo insistente numa
posição de destaque.

Se o cereal pouco contribuía para aumentar os reditos dos seus intervenientes o mesmo não se
poderá dizer em relação ao açúcar e vinho que, a seu tempo contribuíram para o enriquecimento
das gentes da ilha. A própria coroa e senhorio fizeram depender grande parte das suas despesas
ordinárias desta fonte de receita. A par disso o enobrecimento da vila, mais tarde, cidade do
Funchal fez-se à custa desses dinheiros. O Funchal avançou para poente e adquiriu fama de
novos e potenciais mercados. Todavia esta opulência foi de vida efémera. Desde a terceira
década do século XVI o açúcar madeirense é destronado da posição cimeira no mercado
europeu, perdendo a preferencia em favor do canário ou brasileiro, de menor qualidade, mas que
ai aparecem com preços mais baratos.

A persistência de alguns lavradores, a celebridade da superior qualidade e a solicitação pela


doçaria e casquinha madeirenses fizeram com que a cultura dos canaviais se mantivesse por
largos anos atingindo, em momentos de crise nos mercados americanos, alguma pujança. Mas,
irremediavelmente condenada a sua cultura, o madeirense foi forçado a canalizar todas as suas
atenções nas vinhas, fazendo-as assumir o espaço abandonado pelas socas de cana. Desta forma
os canaviais deram lugar às latadas, enquanto os engenhos dão lugar aos lagares e armazéns.

Esta mudança na estrutura produtiva provocou alterações na dinâmica económica da ilha. O


açúcar definia apenas um complexo industrial, o engenho, onde decorria a respectiva safra. O
vinho necessitara de dois espaços distintos. O lagar onde as uvas dão lugar ao saboroso mosto e
os armazéns da cidade onde este fermenta e é preparado para atingir o necessário aroma e
bouquet. Deste modo o agricultor, colono ou não, detém apenas o controle da viticultura, ficando
reservado ao mercador o moroso processo de vinificação. Por mais de dois séculos a vinha e o
vinho surgem como os principais aglutinadores das actividades económicas da ilha; dando ao
meio rural e urbano desusada animação; o Funchal cresce em monumentalidade e as principais
famílias reforçam a sua posição económica.
A conjuntura da primeira metade de oitocentos. demarcada pelos conflitos europeus, guerra de
independência das colónias, associada aos factores de origem botânica (oidio-1852, filoxera-
1872) conduziram ao paulatino degenerescimento da pujança económica do vinho. Como
corolário, desse inevitável processo, sucedem-se as fomes, nos anos quarenta, e a sangria
emigratória nas décadas de 50 e 80, para o continente americano, onde o madeirense vai
substituir o escravo nas plantações. Por um período de mais de setenta anos a confusão
institucional e económica alarga-se ao domínio social e alimentar. Assim sucedem-se novos
produtos de importação do Novo Mundo que ganham uma posição de relevo na culinária
madeirense. Destes destacam-se o inhame e a batata. A par disso definem-se políticas de
reconversão e ensaios de novos produtos com valor comercial (tabaco, chá,...).

A emigração oitocentista e no período post-segunda Guerra Mundial foi responsável pela por um
acentuado processo de desertificação do interior da ilha, o que arrastou muitas terras para o
abandono. Era o início de um pousio necessário para as terras já de si esgotadas com a
exploração intensiva das culturas de subsistência e exportação. As políticas de reflorestação em
ambos os momentos irão permitir o fácil aumento da mancha florestal, sem conflito com a
actividade agrícola.

Em pleno apogeu da indústria vinhateira tivemos a paulatina afirmação de um novo sector de


serviços. Na segunda metade do século XVIII a ilha assumiu um outro papel. Alguém terá dito
que os iniciais promotores do turismo insular foram os gregos, mas os primeiros turistas foram, sem
dúvida, ingleses. Os gregos celebraram, na sua prolixa criação literária, as delícias das ilhas situadas
além das colunas de Hércules. Os arquipélagos da Madeira e Canárias, são mitologicamente
considerados a mansão dos deuses, o seu jardim das delícias, onde eles convivem com os heróis da
mitologia. Todavia foram os ingleses, ainda que muito mais tarde, a desfrutar desta ambiência
paradisíaca, reservada aos deuses e heróis, escolhendo-as como rincão de permanência, breve ou
prolongada. Diz-se até que a primeira viagem de núpcias, embora ocasional, terá sido protagonizada
por um casal inglês. Mais uma vez a lenda que ficou conhecida como de Machim. Na verdade, foi
esta visão mítica, perpetuada nos relatos antigos ou reavivada nos testemunhos coevos, que motivou
o desusado interesse do inglês pelas belezas aprazíveis da Madeira. A Europa oferecia ao aristocrata
britânico demasiados motivos para o "grand tour" cultural.

O ilhéu, autêntico cabouqueiro e jardineiro deste rincão, estava por demais embrenhado na árdua
tarefa de erguer paredes e arrotear os poios, e por isso mantinha-se alheio às suas delícias. Para ele a
beleza agreste dos declives não passava de mais um entrave na luta contra a natureza. Enquanto o
madeirense cavava e traçava os poios o inglês entretinha-se nos passeios a cavalo ou em rede pelos
mais recônditos locais da ilha. A verdadeira descoberta da Madeira foi obra dos ingleses. Mas foi o
português descobriu apenas o caminho para cá chegar.

AS ROTAS DE MIGRAÇÃO DE HOMENS, PLANTAS E MERCADORIAS. A valorização


do Atlântico nos séculos XV e XVI conduziu a um intrincado traçado de rotas de navegação e
comércio que ligavam o Velho Continente ao litoral atlântico. Esta multiplicidade de rotas
resultou das complementaridades económicas e de formas de exploração adoptadas. Se é certo
que estes vectores geraram as referidas rotas, não é menos certo que as condições mesológicas do
oceano, dominadas pelas correntes, ventos e tempestades, delinearam o seu rumo. As mais
importantes e duradouras de todas as traçadas neste mar foram sem dúvida a da Índia e a das
Índias que galvanizaram as atenções dos monarcas, da população europeia e insular, dos piratas e
corsários. A par disso a Madeira surge, nos alvores do século XV, como a primeira experiência
de ocupação em que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais. Tudo isto foi,
depois, utilizado, em larga escala, noutras ilhas e no litoral africano e americano. O arquipélago
foi, assim, o centro de divergência dos sustentáculos da nova sociedade e economia do mundo
atlântico: primeiro os Açores, depois os demais arquipélagos e regiões costeiras onde os
portugueses aportaram.

No traçado das rotas oceânicas situava-se o Mediterrâneo Atlântico com uma actuação
primordial na manutenção e apoio à navegação atlântica. As ilhas da Madeira e das Canárias
surgem nos séculos XV e XVI como entreposto para o comércio no litoral africano, americano e
asiático. Os portos principais da ilha da Madeira, Gran Canaria, La Gomera, Hierro, Tenerife e
Lanzarote animavam-se de forma diversa com o apoio a esta navegação e comércio nas rotas da
ida, enquanto nos Açores, com as ilhas de Flores, Corvo, Terceira, e S. Miguel, surgem como a
escala necessária e fundamental da rota de retorno.

A posição demarcada do Mediterrâneo Atlântico no comércio e na navegação atlântica fez com


que as coroas peninsulares investissem aí todas as tarefas de apoio, defesa e controle do trato
comercial. As ilhas eram os bastiões avançados, suportes e símbolos da hegemonia peninsular no
Atlântico. A disputa pela riqueza em movimento neste oceano será feita na área definida por
elas, pois para aí incidiam piratas e corsários ingleses, franceses e holandeses, ávidos das
riquezas em circulação nas rotas americanas e indicas. Uma das maiores preocupações das
coroas peninsulares terá sido a defesa das embarcações que sulcavam o Atlântico em relação às
investidas dos corsários europeus. A área definida pela Península Ibérica, Canárias e Açores era
o foco principal de intervenção do corso europeu sobre os navios que transportavam açúcar ou
pastel ao velho continente.

O papel da Madeira resulta muito do facto de ter sido o início da presença portuguesa no
Atlântico, e o primeiro e mais proveitoso resultado desta aventura. Gaspar Frutuoso5 testemunha
esse papel de âncora atlântico quando afirma "... que Deus põs no mar oceano ocidental para
escala, refúgio, colheita e remédio dos navegantes..."

Vários são os factores que se conjugaram para este protagonismo. A inexistência de população,
em consonância com a extrema necessidade de valorização para o avanço das navegações ao
longo da costa africana, favoreceram a rápida ocupação e crescimento económico da Madeira.
Por isso, a afirmação do arquipélago madeirense, nos primeiros anos dos descobrimentos, foi
evidente: porto de escala ou apoio para as precárias embarcações quatrocentistas, que sulcavam o
oceano; importante área económica, fornecedora de cereais, vinho e açúcar; modelo económico,
social e político para as demais intervenções portuguesas no Atlântico6.

A juntar a tudo isso temos que o rápido progresso social, resultado do porvir económico,
condicionou o aparecimento de uma aristocracia-terratenente que, imbuída do ideal
cavalheiresco e do espírito de aventura, se embrenhou na defesa das praças marroquinas, na

5
Livro primeiro das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.98.
6
Esta ultima ideia ficou expressa no nosso estudo sobre "A Madeira na rota dos descobrimentos e expansão
atlântica", in Revista da Universidade de Coimbra, vol. XXXIV, 1988, pp. 571-580.
disputa pela posse das Canárias e viagens de exploração e comércio ao longo da costa africana e,
até mesmo, para Ocidente.

A proximidade da Madeira ao vizinho arquipélago das Canárias, em conjugação com o rápido


surto do povoamento e valorização sócio-económica do solo, orientaram as atenções do
madeirense para as ilhas. Assim, decorridos apenas vinte e seis anos sob a ocupação, os
moradores da Madeira empenharam-se na disputa pela posse das Canárias, ao serviço do infante
D. Henrique. Em 1446 João Gonçalves Zarco, foi enviado a Lanzarote, como plenipotenciário
para afirmar o contrato de compra da ilha. Acompanham-no as caravelas de Tristão Vaz, capitão
do donatário em Machico e de Garcia Homem de Sousa, genro de Zarco7. Mais tarde em 1451, o
infante enviou nova armada, em que participaram gentes de Lagos, Lisboa e Madeira, sendo de
salientar, no último caso, Rui Gonçalves filho do capitão do donatário do Funchal8.

A presença de gentes da Madeira continuará por todo o século XV em três frentes: Marrocos9,
litoral africano além do Bojador e terras Ocidentais. Na primeira e última a presença dos
madeirenses foi fundamental. A tradição refere que o primeiro homem a lançar-se à aventura do
descobrimento das terras Ocidentais foi Diogo de Teive, que em 1451 terá saído do Faial à
procura da ilha das Sete Cidades, mas que no regresso apenas descobriu as ilhas de Flores e
Corvo10. Seguiram o seu exemplo outros madeirenses que gastaram muito de sua fazenda para
abrir o caminho, mais tarde, trilhado por Colombo.

Mesmo assim a valorização da Madeira no contexto da expansão europeia tem sido diversa. A
historiografia nacional considera-a um simples episódio de todo o processo e, em face da posição
geográfica, hesita no seu enquadramento, sendo levada, por vezes ao esquecimento. A
historiografia europeia, ao invés, não duvida em realçar a singularidade do seu processo neste
contexto. A Madeira afirma-se no processo da expansão europeia pela singularidade do seu
protagonismo. Vários são os factores que o propiciaram, no momento de abertura do mundo
atlântico, e que fizeram com que ela fosse, no século XV, uma das peças-chave para a afirmação
da hegemonia portuguesa no Novo Mundo. O Funchal foi uma encruzilhada de opções e meios
que iam ao encontro da Europa em expansão. além disso ela é considerada a primeira pedra do
projecto, que lançou Portugal para os anais da História do oceano que abraça o seu litoral
abrupto. A fundamentação de tudo isto está patente no real protagonismo da ilha e das suas
gentes.

À função de porta-estandarte do Atlântico, a Madeira associou outras, como "farol" Atlântico, o


guia orientador e apoio para as delongas incursões oceânicas. Por isso nos séculos que nos
antecederam, ela foi um espaço privilegiado de comunicações, tendo a seu favor as vias traçadas
no oceano que a circunda e as condições económicas internas, propiciadas pelas culturas da cana
sacarina e vinha. Uma e outra condiçes contribuíram para que o isolamento definido pelo oceano

7
José PEREZ VIDAL, "Aportación portuguesa a la población de Canarias. Datos", in Anuario de Estudios
Atlânticos, nº 14, 1968; A. SARMENTO, "Madeira & Canárias", in Fasquias e Ripas da Madeira, Funchal, 1931,
13-14.
8
Monumenta Henricina, Vol. XI, 172-179.
9
Veja-se a resenha de feitos em Alberto Artur SARMENTO, A Madeira e as praças de África, Funchal, 1932;
João José de Abreu e SOUSA, "emigração madeirense nos séculos XV a XVII", in Atlântico, nº.1, Funchal, 1985,
pp. 46-52.
10
Sobre esta figura veja-se o que diz Ernesto GONÇALVES, Portugal e a ilha, Funchal, 1992, pp.85-118.
fosse quebrado e se mantivesse um permanente contacto com o velho continente europeu e o
Novo Mundo.

Como corolário desta ambiência a Madeira firmou uma posição de relevo nas navegações e
descobrimentos no Atlântico. O rápido desenvolvimento da economia de mercado, em uníssono
com o empenhamento dos principais povoadores em dar continuidade à gesta de reconhecimento
do Atlântico, reforçaram a posição da Ilha e fizeram avolumar os serviços prestados pelos
madeirenses. Aqui surgiu uma nova aristocracia dos descobrimentos, cumulada de títulos e
benesses pelos serviços prestados no reconhecimento da costa africana, defesa das praças
marroquinas, ou nas campanhas brasileiras e Indicas11.

A par disso a Madeira surge, nos alvores do século XV, como a primeira experiência de
ocupação em que se ensaiaram produtos, técnicas e estruturas institucionais. Tudo isto foi,
depois, utilizado, em larga escala, noutras ilhas e no litoral africano e americano. O arquipélago
foi, assim, o centro de divergência dos sustentáculos da nova sociedade e economia do mundo
atlântico: primeiro os Açores, depois os demais arquipélagos e regiões costeiras onde os
portugueses aportaram. João de Melo da Câmara, irmão do capitão da ilha de S. Miguel, resumia
em 153212 de uma forma perspicaz o protagonismo madeirense no espaço atlântico. Segundo ele
a sua família era portadora de uma longa e vasta experiência "porque a ilha da Madeira meu
bisavô a povoou, e meu avô a de São Miguel, e meu tio a de São Tomé, e com muito trabalho, e
todas do feito que vê...". Isso dava-lhe o alento necessário e abri-lhe perspectivas para uma sua
iniciativa no Brasil. Ele reclamava o protagonismo do seu ancestral Rui Gonçalves da Câmara
que em 1474 comprara a ilha de S. Miguel, dando início ao seu verdadeiro povoamento. A
mesma percepção surge em Gilberto Freire que em 1952 não hesita em afirmar o seguinte: A
irmã mais velha do Brasil é o que foi verdadeiramente a Madeira. E irmã que se estremou em
termos de mãe para com a terra bárbara que as artes dos seus homens,... concorreram para
transformar rápida e solidamente em nova Lusitânia"13. Na verdade tudo o concretizado em
termos do mundo atlântico português teve por matriz o sucedido na Madeira. A Madeira foi ao
nível social, político e económico, o ponto de partida para o "mundo que o português criou..."
nos trópicos. Neste contexto é sumamente importante o conhecimento do sucedido na Madeira
quando pretendemos estudar e compreender as outras situações.

O protagonismo das ilhas não se fica só pelos séculos XV e XVI, pois as navegações e
explorações oceânicas nos séculos XVIII e XIX levam-nas a assumir uma nova função para os
Europeus. De primeiras terras descobertas passam a campos de experimentação e a escalas
retemperadoras da navegação na rota de ida e regresso. Finalmente, no século XVIII desvendou-
se uma nova vocação: as ilhas como campo de ensaio das técnicas de experimentação e
observação directa, que comandam a ciência das "luzes", e escala das constantes expedições
científicas dos europeus. O enciclopedismo e as classificações de Linneo(1735) têm nas ilhas um
bom campo de experimentação.

11
Confronte-se João José Abreu de SOUSA, "Emigração madeirense nos Séculos XV a XVII", in Atlântico, nº.1,
Funchal, 1985, pp. 46-52.
12
História da colonização Portuguesa do Brasil, vol. III, p.90; cf Vera Jane GILBERT, "Os primeiros
engenhos de açúcar"in Sacharum, nº.3, São Paulo, 1978, pp. 5-12.
13
Aventura e Rotina, 2ªed., pp 440-446, 448-449
O homem do século XVIII perdeu o medo ao mundo circundante e passou a olhá-lo com maior
curiosidade, deste modo como dono da criação estava-lhe atribuída a missão de perscrutar os
seus segredos. É esse impulso que justifica todo o afã científico que explode nesta centúria. A
insaciável procura e descoberta da natureza circundante cativou toda a Europa, mas foram os
ingleses quem entre nós marcaram presença, sendo menor a de franceses e alemães14. Aqui são
protagonistas as Canárias e a Madeira. Tudo isto é resultado da função das mesmas como escala
à navegação e comércio no Atlântico e para fora deste. Foi também aqui que a Inglaterra
estabeleceu a sua base para a guerra de corso no Atlântico. Se as embarcações de comércio, as
expedições militares cá tinham escala obrigatória, mais razões assistem às científicas para esta
paragem obrigatória. As ilhas pelo seu endemismo, própria história geo-botânica, levavam
obrigatoriamente a esse primeiro ensaio das técnicas de pesquisa a seguir noutras longínquas
paragens. Também as ilhas foram um meio revelador dessa incessante busca do conhecimento da
geologia e botânica. Instituições seculares, como o British Museum, Linean Society, e Kew
Gardens, chegam a enviar especialistas a proceder à recolha das espécies. Os estudos no domínio
da geologia, botânica e flora são resultado deste presença fortuita ou intencional dos cientistas
europeus.

Esta foi uma moda, no decurso do século XVIII, que levou a que algumas instituições científicas
europeias ficassem depositárias de algumas dessas Colecções: o Museu Britânico, a
Universidade de Kiel, Universidade de Cambridge, Museu de História Natural de Paris. E, por
cá, passaram destacados especialistas da época, sendo de destacar John Byron, James Cook,
Humbolt, John Forster. A lista é infindável, contando-se, entre 1751 e 1900, quase uma centena
de cientista. Está aqui uma riqueza historial que ainda não foi devidamente explorada. James
Cook escalou a Madeira por duas vezes(1768 e 2772), numa réplica da viagem de circum-
navegação, mas desta feita apenas com interesse científico. Os cientistas que o acompanharam
intrometeram-se no interior da ilha à busca das raridades botânicas para a sua classificação e
depois revelação à comunidade científica.

A tudo isto é de referenciar a função de hospital para a cura da tísica pulmonar ou de quarentena
na passagem do calor tórrido das colónias para os dias frios e nebulosos da vetusta cidade de
Londres. Esta função catapultou a ilha para um evidente protagonismo. O debate das
potencialidades terapêuticas da climatologia propiciou um numeroso grupo de estudos e criou
uma escala de estudiosos, dentro e fora da ilha. Mais do que estes é de salientar os demais que
correspondem, ao seu apelo. As filas intermináveis de aristocratas, escritores, cientistas
desembarca no calhau e vão encosta fora à procura do ar benfazejo da ilha. Vem daqui muito do
espólio hoje disponível na Casa Museu Frederico de Freitas e Biblioteca Municipal.

A Madeira recriava os mitos antigos e reserva-lhe um ambiente paradisíaco e calmo para o


descanso, ou, como sucede no século dezoito, o laboratório ideal para os estudos científicos; o
endemismo insular propiciava esta última situação. De acordo com isso as ilhas tornaram-se no
principal alvo de atenção de botânicos, ictiólogos, geólogos, o que levou Alfredo Herrera Piqué a
considera-las "a escala científica do Atlântico". Por isso foram os ingleses os primeiros a descobrir
as infindáveis qualidades de clima e paisagem e a divulga-las junto dos seus compatriotas.

14
Cf. "Algumas das Figuras Ilustres Estrangeiras que Visitaram a Madeira", in Revista Portuguesa, 72, 1953; A.
Lopes de Oliveira, Arquipélago da Madeira. Epopeia Humana, Braga, 1969, pp. 132-134.
É esta quase esquecida dimensão da ilha como motivo despertador da ciência e cultura europeia
desde o século XVIII que importa realçar. Ela partiu de campo experimental dos descobrimentos
a sua afirmação, com a filosofia das luzes, como novo campo experimental de nova ciência que
desabrocha, mercê da sua nova função de escala das expedições científicas. Mais uma vez fica
demonstrado o activo protagonismo da Madeira no devir histórico ocidental. A sua acção não se
resume apenas aos planos político-económico e social, pois se alarga ao científico, como
acabamos de constatar.

Para os navegadores do século XV aquilo que mais os emocionou foi o denso arvoredo, já para
os cientistas, escritores e demais visitantes da ilha a partir do século XVIII aquilo que mais
chama à atenção é, sem duvida, o aspecto exótico dos jardins e quintas que povoam a cidade. O
Funchal se transformou assim num verdadeiro jardim botânico. Na Europa desde o século XVI
que começaram a surgir os jardins botânicos. Em 1545 temos o de Pádua, seguindo-se o de
Oxford em 1621. Em 1635 o de Paris preludia a arte de Versailles em 1662. Em todos é patente a
intenção de fazer recuar o paraíso15. As ilhas não tinham necessidade disso pois já o eram.

Diferente é a atitude do homem do século XVIII. Aliás, desde a segunda metade do século XVII
que a atitude do homem perante as plantas mudou. Em 1669 Robert Morison publica Praeludia
Botanica, considerada como o principio do sistema de classificação das plantas, que tem em Carl
Von Linné (Linnaeus) (1707-1778) o seu principal protagonista. A partir daqui a visão do mundo
das plantas nunca será a mesma. Contemporâneo dele é o Comte de Buffon que publica entre
1749 e 1804 a "Histoire Naturelle, générale et particuliére" em 44 volumes. Os jardins botânicos
do século XVIII deixam de ser uma recriação do paraíso e passam a espaços de investigação
botânica. O Kew gardens em 1759 é a verdadeira expressão disso. Note-se que Hans
Sloane(1660-1753), presidente do Royal college of physicians, da Royal Society of London e
fundador do British Museum, esteve na Madeira no decurso das expedições que o levaram às
Antilhas inglesas16.

Por outro lado a aclimatação das plantas com valor económico, medicinal ou ornamental adquire
cada vez mais importância. Aliás, foi fundamentalmente o seu interesse medicinal que desde o
século XVII provocou o desusado empenho17. Assim em 1757 o inglês Ricardo Carlos Smith
funda no Funchal um desses jardins onde reúne várias espécies com valor comercial. Já em 1797
Domingos Vandelli (1735-1816) e João Francisco de Oliveira no estudo sobre a flora apresentam
no ano imediato um projecto para um viveiro de plantas. O viveiro foi criado no Monte e
manteve-se até 1828. O Naturalista francês, Jean Joseph d'Orquigny, que em 1789 se fixou no
Funchal foi o principal mentor da criação da Sociedade Patriótica, Económica, de Comércio,
Agricultura Ciências e Artes. Mas este foi um projecto efémero, uma vez que a sua condenação
como maçon em 1792 desfez todos os seus projectos. Aqui a ideia de progresso alia-se com o
conhecimento do meio natural que nos rodeia18.

15
. Richard Grove, Ecology, climate and Empire. Studies in colonial enviromental. History 1400-1940, Cambridge,
1997, p. 46; J. Prest, The Garden of Eden: The Botanic Garden and the Re-creation of Paradise, New Haven, 1981.
16
Raymond R. Stearns, Science in the British Colonies of America, Urban, 1970
17
K. Thomas, Man and the Natural World. Changing attitudes in England. 1500-1800, Oxford, 1983, p. 27, 65-67.
18
Francisco Contente Domingues, "Jean Joseph d'Orquigny e a Sociedade Patriótica do Funchal", in Actas do II
Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1990, pp.231-245
De acordo com Elizabeth B. Keeney19 na América do Norte a partir de 1820 a Botânica tornou-
se muito popular, fazendo surgir a figura do "botanizers", isto aqueles que por passatempo
dedicavam-se à colecção, identificação e preservação das espécies botânicas. Afirma-se até que a
História Natural é um bom exercício para a mente dos jovens20. Passados vinte anos o espectro
muda no sentido da especialização surgindo as associações especializadas como Smithsonian
Institution(1846) e American Association for the Advancement of Science(1848). Entretanto em
Londres havia surgido em 1838 a Botanical Society Club.

Em França, por iniciativa de G. Saint-Hilaire(1805-1861), foi criada em 1854 a Societé


Nationale de Protection de la Nature et D'acclimatation. Os franceses a partir da obra de Buffon
e Lamarckian foram os principais difusores da noção e prática de aclimatização. Tudo isto liga-
se directamente com o processo de colonização africana, no caso francês assinala-se o processo
em curso na Argélia21. Auguste Hardy é peremptório nesta aproximação: "it may be said that the
whole of colonization is a vast deed of acclimatization"22. Esta opção ganhou adeptos em toda a
Europa, merecendo o seguinte comentário de Michael Osborne23: "The proliferation of
accliatization societies and its empires at midcentury indicates that acclimatization studies were
tied to the pan-European phenomenon of settler colonies".

Em 1850 José Silvestre Ribeiro, então governador civil da Madeira, avançou com um plano de
criação do Gabinete de História Natural, a partir da exposição inaugurada a 4 de Abril no Palácio
de S. Lourenço. Mas foi tudo em vão, uma vez que à sua partida em 1852 tudo se desfez. Note-se
que nesse mesmo ano, a 23 de Setembro, surge a proposta de Frederico Welwistsch24 para a
criação de um jardim de aclimatação no Funchal e em Luanda25. A Madeira cumpriria o papel de
ligação das colónias aos jardins de Lisboa, Coimbra e Porto. Note-se que este botânico alemão
que fez alguns estudos em Portugal, passou em 1853 pelo Funchal com destino a Angola. A
presença na Madeira do Padre Ernesto João Schmitz, como professor do seminário diocesano,
levou à criação em 1882 um Museu de História Natural, que hoje se encontra integrado no actual
Jardim botânico.

Só passado um século o tema voltou a merecer a atenção dos especialistas. São várias as vozes
que se ergueram em favor da criação de um jardim botânico na Madeira. Em 1936 refere-se uma
tentativa frustrada de criação de um Jardim Zoológico e de Aclimatação nas Quintas Bianchi,
Pavão e Vigia, que contava com o apoio do Zoo de Hamburgo26. Em 1946 António de Sousa da
Câmara recomenda a criação de um jardim colonial. Apelo que se refere em António C. Teixeira
de Sousa e ganha grande alento em 1950 com a realização no Funchal da "I Conferência da liga
para a protecção da natureza"". O apelo de J. de Azevedo Pereira27 lançado neste evento teve
repercussão nas autoridades da Junta Geral que souberam criar em 1960 o tão desejado jardim
botânico.

19
The Botanizers-amateur scientits in nineteenth century America, Chapel Hill, 1992.
20
. Ibidem, p.45
21
Michael Osborne, Nature, the exotic, and the Science of French Colonialism, Bloomington, 1994
22
L'Algerie Agricole, Commerciale, Industrielle, Paris, 1860, p.7
23
Ibidem, p.176
24
Cf. Ebarhard Axel Wilhelm, "Visitantes de língua Alemã na Madeira(1815-1915)", in Islenha, 6, 1990, pp.48-67.
25
. "um Jardim de Aclimatação na ilha da Madeira", in Das Artes e da História da Madeira, nº. 2, 1950, pp.15-16
26
César A. Pestana, A Madeira Cultura e Paisagem, Funchal, 1985, p.65
27
. "Um jardim botânico na Madeira", in Das Artes e da História da Madeira, Vol. 2, n? 3, 1950, 24-26.
A criação do Jardim Botânico por deliberação da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal a
30 de Abril de 1960 é o corolário dessa defesa secular das condições da ilha para a sua criação e
a demonstração da sua importância científica revelada por destacados investigadores botânicos
que procederam a estudos28. Tenha-se em consideração que esta iniciativa só foi possível graças
à pertinaz acção de António Teixeira de Sousa como Presidente da Junta Geral. Assim em 1952
adquiriu-se a Quinta do Bom Sucesso onde ficaram os serviços da Estação Agrária, mas o
objectivo era a criação do Jardim Botânico.

Em qualquer dos momentos assinalados as ilhas cumprem de novo o papel de ponte e adaptação
da flora colonial. Os jardins de aclimatação são a moda do momento, que entre nós tem por palco
as amplas e paradisíacas quintas. O Marquez de Jácome Correia29 identifica as quintas do
Palheiro Ferreiro e Magnólia como jardins botânicos. Estas são viveiros de plantas, hospital para
acolher os doentes da tísica pulmonar e outros visitantes. O deslumbramento acompanha o
interesse científico e convivem lado a lado nas inúmeras publicações que o testemunham no
século XIX.

Os jardins, através da harmonia do frondoso arvoredo e das garridas cores das flores têm nos
séculos XVII e XVIII um avanço evidente. Os bosques deixam de ser espaços de maldição e as
árvores entram no quotidiano das classes altas, alinhando-se em filas para dar acesso à casa de
moradia. Os jardins adquirem a dimensão de paraíso bíblico e como tal espaço espiritual. Eles
são a expressão do poder humano sobre a Natureza30. Na Inglaterra do século XIX os jardins e as
flores tornam-se muito populares31. Essa ambiência chegou à ilha através dos mesmos súbditos
de Sua Majestade. As ilhas exerceram assim um fascínio especial sobre todos os visitantes e
parece que nunca perderam a sua imortal característica de jardins à beira do oceano. Deste modo
poderemos afirmar, com propriedade, que estas foram as ilhas jardins e que os seus jardins
continuam a ser o encanto dos que a procuram, sejam eles turistas ou cientistas.

A História do Meio Ambiente e Ecológica veio fazer apelo de novo ao pioneirismo da Madeira,
naquilo que o devir mostra a gesta europeia destruidora do meio envolvente. O processo de
expansão europeia não se afirma apenas pela novidade de descoberta de novos mundos, mas
também pelos efeitos destrutivos da presença do europeu sobre a fauna e flora dos novos
espaços. Tudo isto foi conseguido por exigências das leis do mercado de então que definiu uma
estrutura de monoculturas e exploração intensiva do solo, através de culturas com elevado
rendimento económico, como foi o caso da cana de açúcar. Da leitura dos clássicos e da
produção bibliográfica recente releva-se uma situação particular que toca de novo o arquipélago
da Madeira. A Madeira não se posiciona apenas nos anais da História Universal como a primeira
área de ocupação atlântica, pioneira na cultura e divulgação do açúcar ao Novo Mundo, mas
também como o primeiro exemplo dos efeitos nefastos de uma exploração intensiva32.

28
Cf Boletim da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, Abril de 1960; Rui Vieira, "Sobre o 'Jardim
Botânico' da Madeira ", in Atlântico, 2, 1985, pp.101-109.
29
A Ilha da Madeira, Coimbra, 1927, p.173, 178
30
Peter j. Bowler, Fontana History of environmental Sciences. N. Y., 1993.,p.111.
31
. Cf. K. Thomas, ibidem, pp.207-209, 210-260
32
, Madeira. Pearl of Atlantic, London, 1959 Veja-se Richard GROVE, Green Imperialism, N York, 1995, pp. 5-29;
idem, Ecology, climate and empire, Cambridge, 1997, p. 45; John PERLIN, A forest journey, N. York, 1989.
A expansão europeia não se resume apenas ao encontro e desencontro de Culturas, mas também
marca o início de um processo de transformação ou degradação do meio. O europeu carrega
consigo a fauna e flora do seu convívio e com valor económico, que irão provocar profundas
mudanças nos novos ecossistemas. Com isto acontece que o espaço vivido e natureza se
universalizam. Nos séculos XV e XVI foram as viagens de descobrimento, enquanto no século
XVIII sucederam as de exploração e descoberta da natureza, comandadas por ingleses e
franceses.

A Madeira foi o viveiro de aclimatação nos dois sentidos. Da Europa propiciou a transmigração
da fauna e flora identificada com a cultura ocidental. No retorno foram as plantas do Novo
Mundo que tiveram de novo passagem obrigatória pela ilha. A riqueza botânica do Funchal
resulta disso. O processo de imposição da chamada biota portátil europeia, no dizer de Alfred
Crosby33, foi responsável por alguns dos primeiros e problemas ecológicos mais importantes.
Quem não se lembra da praga dos coelhos do Porto Santo34? Que dizer do incêndio que lavrou na
ilha durante sete anos ? Estas situações são assiduamente referenciadas pela actual historiografia
norte americana que se dedica ao estudo da História do meio ambiente, sendo o seu ponto de
partida e alento para esta incursão temática inovadora.

Outro facto também insistentemente referido é o da própria ilha da Madeira. O nome foi o
atributo para referenciar a abundância e aspecto luxuriante do seu bosque. Mas em pouco tempo,
as queimadas para abrir clareiras de cultura e habitação, o desbaste para fruição das lenhas e
madeiras, fizeram-na desmerecer tal epíteto. Da Madeira quase só ficou o nome…!

A tradição refere que os navegadores portugueses atearam um incêndio à floresta densa para
poder penetrar, mas este ganhou tais proporções que os atemorizou. Foram sete anos de chama
acesa, diz a tradição. Todavia, hoje ninguém acredita nesta versão divulgada por Francisco
Alcoforado e repetida em Cadamosto e outros autores da época. Hoje ninguém acredita nesta
História, que a ser verdade teria reduzido a ilha a carvão… Esta situação expressa uma realidade
que pautará a expansão europeia e que só nos últimos anos tem cativado a atenção do historiador.
Tudo isto tem origem num produto devorador que conquista a economia de mercado e que
pautou a evolução da economia atlântica a partir do século XV. O carrasco é o açúcar. A sua
disponibilidade só é possível com esse processo de degradação do meio que viu nascer os
canaviais.

A Europa parte no século XV à procura do Eden bíblico ou descrito na literatura clássica greco-
romana. Foi este um dos motivos do empenho de Colombo, mas também dos navegadores
portugueses. O seu reencontro era encarado como uma conciliação com Deus o apagar do pecado
original de Adão e Eva. Esta imagem persegue quase todos os navegadores quinhentistas e
deverá estar por detrás do empenho daquelas que aportaram à Madeira . Tenha-se em conta que
as duas primeiras crianças nascidas na ilha, filhas de Gonçalo Aires Ferreira tiveram nomes
bíblicos de Adão e Eva35. Era o retorno ao Eden, que aos poucos foi sendo perdido, tal como
sucedera aos primogénitos Adão e Eva. A recuperação desta imagem acontecerá mais tarde no
33
Imperialismo ecológico. A expansão biológica da Europa. 900-1900, S. Paulo, 1993.
34
Tenha-se em atenção que estes foram motivo de um estudo do botânico alemão Ernest Haeckel(1834-1919
publicado em 1868. Foi ele quem em 1866 em "Generalle Morphologie" usou a palavra Oecologie. Cf. Eberhard
Axel Wilhelm, "Visitantes de Língua Alemã na Madeira(1815-1915)", in Islenha, 6, 1990, 48-67.
35
Ernesto Gonçalves, "Adão e Eva", in Portugal e a ilha, Funchal, 1992, pp.13-18.
século XVIII em que a ilha é de novo o paraíso redescoberto para o viajante ou tísico ingleses,
recuperado e revelado ao cientista, seja ele inglês, alemão ou francês, através das recolhas ou da
recriação através dos jardins botânicos.

A cana de açúcar poderá ser considerada como a cultura agrícola mais importante da História da
Humanidade, pois provocou o maior fenómeno em termos de mobilidade humana, económica,
comercial e ecológica. A sua afirmação como cultura agrícola é milenar e abrange vários
quadrantes do planeta. É de todas as plantas domesticadas pelo Homem aquela que acarreta
maiores exigências. Ela quase que escraviza o homem, esgota o solo, devora a floresta e
dessedenta os cursos de água. A sua exploração intensiva desde o século XV gerou grandes
exigências em termos de mão-de-obra, sendo responsável pelo maior fenómeno migratório à
escala mundial que teve por palco o Atlântico: a escravatura de milhões de africanos. Ligado a
tudo isso está também um conjunto variado de manifestações culturais que vão desde a literatura
à música e à dança.

Foi o Oriente quem descobriu a sua doçura, tendo a Papua Nova Guiné como Berço. Os árabes
fizeram-no chegar ao ocidente e foram os arautos principais da sua expansão. Genoveses e
venezianos encarregaram-se do seu comércio e Europa. Mas é nas ilhas que ela encontrou um
dos principais viveiros da sua afirmação e divulgação no Ocidente: Creta e Sicília no
Mediterrâneo, Madeira, Açores, Canárias, Cabo Verde e S. Tomé no Atlântico Oriental Puerto
Rico, Cuba, Jamaica, Demerara(…) nas Antilhas.

A realidade sócio-económica que serve de suporte ao açúcar diferencia-se no seu percurso do


Pacífico/Índico para o Mediterrâneo/Atlântico. Assim, no primeiro caso não assume a posição
dominante na economia, primando pelo carácter secundário, enquanto no segundo é patente o
seu efeito dominador na economia e sociedade/associação ao escravo, que começa no
Mediterrâneo e se reforça no Atlântico. As ilhas, pela limitação do seu espaço, são as primeiras a
ressentir-se desta realidade.

A consciência ecológica do homem hodierno serve de apelo a esta viragem regressiva à História
da Humanidade. O presente actua assim com expressão mediática para a descoberta desse
passado que pode ter algum efeito pragmático nas actuais políticas de defesa do meio-ambiente,
para que se alcance o limiar do século XIX com mais e melhor ambiente, preservando aquilo que
os nossos antepassados nos legaram.

O TURISMO E A DESCOBERTA DA NATUREZA.A partir da segunda metade do século


dezoito foi a revelação da Madeira como estância para o turismo terapêutico, mercê das então
consideradas qualidades profiláticas do seu clima na cura da tuberculose, o que cativou a atenção de
novos forasteiros. A tísica propiciou-nos, ao longo do século dezanove, o convívio com poetas,
escritores, políticos e aristocratas. Não obstante a polémica causada em torno das possibilidades
deste sistema de cura a ilha permaneceu por muito tempo como local de acolhimento destes doentes,
sendo considerada a primeira e principal estância de cura e convalescença do velho continente.

Foi a presença, cada vez mais assídua, deste doentes que provocou a necessidade de criação de
infra-estruturas de apoio: sanatórios, hospedagens e agentes, que serviam de intermediários entre
estes forasteiros e os proprietários de tais espaços de acolhimento. Este último é o prelúdio do actual
agente de viagens. Então o turismo, tal como hoje o entendemos, dava os seus primeiros passos. E
foi como corolário disso que se estabeleceram as primeiras infra-estruturas hoteleiras e que o
turismo passou a ser uma actividade organizada e com uma função relevante na economia da ilha. E
mais uma vez o inglês é o principal protagonista.

Tenha-se em conta que este momento de forte afluência de estrangeiros coincide com a época de
euforia da Ciência nas Academias e Universidades europeias. Desde finais do século XVII as
expedições científicas tornaram-se comuns e o Funchal foi um porto fundamental de escala, para
ingleses, franceses e alemãs. Esta função do Funchal como porto de escala das navegações
oceânicas e estância de turismo terapêutico contribuiu para este valorizar do papel da ilha e justifica
os inúmeros estudos científicos ou de viagem que se dedicam ou fazem referência à Madeira.

O Turismo caminhou lado a lado com o vinho e o aparecimento de novas actividades. A vinha
persistiu nas latadas e fez-se companheiros dos vimieiros e bordadeiras. Esta harmonia marchava a
favor da ilha e tornava possível a existência de várias formas de actividade que garantiam a
sobrevivência. A variedade foi a receita certa para manter de pé por algum tempo a frágil economia
insular. Na década de quarenta define-se o "comércio, a navegação o turismo, os grandes
propulsores do desenvolvimento insular". As actividades em torno da obra de vimes e bordados
tiveram nos estrangeiros, principalmente ingleses os seus principais promotores.

A primeira metade da presente centúria foi marcada por profundas mudanças na economia
madeirense. É para aqueles que a viveram um momento para esquecer. Primeiro as guerras
mundiais(1914-19 e 1939-45) e depois os problemas políticos e económicos marcaram este como
um momento negro da vida madeirense. A guerra evidenciou a fragilidade da economia da ilha e
evidenciou a sua extrema dependência do mercado externo. Os problemas económicos arrastam
convulsões sociais que se misturam com as políticas. Assim tivemos em Fevereiro de 1931 a
Revolta das Farinhas, a que se seguiu em 1936 a Revolta do Leite.

Para muitos madeirenses a solução foi a emigração para o Brasil, Venezuela, USA, Curaçau. O
Brasil continua a ser o nosso El Dourado. Assim só em 1939 dos 1259 emigrantes temos 2235 para
o Brasil. A emigração funciona em todos os tempos com válvula de escape para a miséria da
sociedade. As medidas do governo, com a Comissão de Aproveitamentos Hidraulicos e as suas
iniciativas atenuaram para algumas famílias os efeitos da crise. Começava aqui um plano de
fomento de infra estruturas consideradas primordiais para o progresso da ilha. A reorganização do
sistema de regadio, que através de novas levadas iria permitir um maior aproveitamento agrícola, o
delinear de um plano viário, que permitiu a aproximação das diversas localidades da ilha e a
possibilidade de um progresso harmonioso

No passado foram as condições do meio que fizeram da ilha um dos principais motivos de atracção
turística. Hoje o turista é outro e por isso também as exigências são diferentes. Assim aos motivos
ambientais aliam-se os culturais, passando os dois a andar de braço dado. No fundo é a simbiose do
"grand tour" europeu com o turismo terapêutico insular.

A ilha continua a fascinar cientistas e visitantes. O clima, o endemismo, as particularidades do


processo histórico, o protagonismo na História do Atlântico fazem dela, ontem como hoje, um
pólo chave para o conhecimento científico. Hoje a ilha é tema de debate nos diversos areópagos
científicos e cada vez mais se sentem o apelo da comunidade cientifica para o seu conhecimento
e divulgação.

Em certa medida esta próxima realidade vai ao encontro daquilo que foi a História do
arquipélago. Na verdade, o passado histórico da ilha, relevado quase sempre pelos aspectos
económicos e sociais, esquece uma componente fundamental da nossa aportação: a inovação e
divulgação tecnológica que transformou a rotina das tarefas económicas e revolucionou o
quotidiano dos nossos avoengos. Mais do que isso, o madeirense, além de exímio inventor - na
inevitável tarefa de encontrar solução para as questões e dificuldades do dia a dia -, foi também
um eficaz divulgador da sua tecnologia.

A Madeira foi a primeira terra revelada do novo mundo, escala para a navegação e expansão dos
produtos europeus no mundo atlântico. Com o século XVIII a ilha transforma-se em escala
obrigatória das expedições cientificas que fizeram saciar a curiosidade inata do Homem das
Luzes.

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