Sei sulla pagina 1di 21

Tal como o refere Jaime Cortesão os franciscanos encontram-se inegavelmente ligados

ao processo de reconhecimento, ocupação ou conquista do novo mundo atlântico. Eles


acompanharam as gentes peninsulares na tarefa desbravadora do oceano, foram os
primeiros a levar a palavra de Deus a estas terras recônditas e aí rezaram a primeira
missa. Daqui deverá resultar a grande importância assumida pela ordem seráfica nas
ilhas. A mais antiga presença da igreja nas ilhas data de 1344, altura em que o papa,
Clemente VI, concedeu a D. Luís de la Cerda o principado da Fortuna.

Nas ilhas portuguesas passou-se algo diferente. Aqui o rei concedeu o direito de
padroado à Ordem de Cristo. Primeiro em 1433 o arquipélago da Madeira alargado,
depois, em 1454, a todos os territórios descobertos, situação confirmada por bula papal
de 17 de Março de 1456. O governo espiritual ficou entregue ao vigário de Tomar, sede
da Ordem de Cristo e na condição de nullius dicocese, enquanto ao administrador da
ordem competia a construção dos templos, a nomear os ministros e pagar o seu
vencimento. Á parte isso, todas as ilhas, estabeleceram-se ouvidorias com o objectivo
de organizar e exercer o governo eclesiástico. A situação mudou em 1514 com a criação
do bispado do Funchal e, depois em 30 de Dezembro de 1551 com o regresso à coroa do
padroado.

Esta situação, posterior ao início do povoamento da Madeira, desagradou aos


franciscanos, que haviam acompanhado os primeiros povoadores. Alguns
desentendimentos com o vigário de Tomar levaram em 1459 a abandonar a Madeira,
fixando-se em Xabregas. A saída poderá ser considerada como uma forma de represália
por parte do infante D. Henrique em face da sua subordinação ao vigário-geral ilhas
Canárias, como postulava uma letra do papa Nicolau V de 1450. Para colmatar a sua
ausência o papa Pio II concedeu em 1462 licença aos frades da regra de S. Jerónimo
para fundar um mosteiro na Madeira, o que não surtiu efeito. Entretanto os franciscanos
regressaram em 1474 ao seu cenóbio de S. João da Ribeira e acabaram por adquirir uma
posição relevante na ilha. Mais tarde, em 1485, retirou-se para a ilha Frei Pedro da
Guarda, criando o pequeno eremitério de São Bernardino em Câmara de Lobos. Este
franciscano, conhecido como o santo servo de Deus, ficou célebre na ilha pelas suas
virtudes e milagres, o que motivou um culto arreigado às populações de Câmara de
Lobos, que se manteve até 1835, ano em que foi proibido.

A ordem seráfica firmou-se na vida religiosa madeirense criando conventos no Funchal,


Câmara de Lobos, Santa Cruz, Ribeira Brava, Calheta e Machico. Neste contexto
relevam-se os conventos de S. Francisco do Funchal e o de Santa Clara. O primeiro para
albergar os frades foi construído a partir de 1474, enquanto o segundo, de freiras, foi
erguido por iniciativa de João Gonçalves Câmara, segundo capitão do Funchal, no
espaço onde o seu pai havia edificado a sua capela da Conceição de Cima ( em oposição
à da Conceição de Baixo, construída junto ao mar), que teve o padroado do mesmo por
bula (1476) de Sixto IV e por breve (1496) de Alexandre VI ficou estabelecida a sua
regular observância e o início da clausura, sendo abadessa D. Isabel de Noronha, filha
do capitão, que se encontrava no Convento da Conceição de Beja. Por fim registe-se o
Convento de Nossa Senhora da Piedade, fundado por legado estabelecido no testamento
(1518) de Urbano Lomelino numa granja, situada no local onde hoje se ergue o
aeroporto do Funchal. Idêntico ideal moveu o cónego Henrique Calaça de Viveiros, que
em 1650 ergueu um convento de Nossa Senhora da Encarnação em honra da restauração
da independência. Este foi mais um convento feminino da regra franciscana de Santa
Clara.

A dois de Julho de 1420 desembarcou João Gonçalves Zarco no vale de Machico e, de


imediato, procedeu à posse da terra em nome do rei e à sua sagração com a primeira
missa, rezada pelos franciscanos que o acompanharam na viagem. O texto de Francisco
Alcoforado é muito claro: "(...) determinou sair em terra e levar consigo dois padres que
trazia, saindo em terra deu graça a Deus mandou benzer agua e aspargela pelo ar (...)
mandou dizer missa (...) Foi a primeira missa que se disse (...) "

Em Maio do ano imediato, João Gonçalves Zarco regressou à ilha com três navios e a
disposição de proceder ao seu povoamento. De novo o desembarque em Machico e "a
primeira coisa que fez foi traçar uma igreja de invocação de Cristo...". Depois, foi o
novo reconhecimento da costa, com o assentamento de colonos. Todos os actos eram
precedidos pela construção de uma igreja ou ermida. No Funchal foram as capelas de
Santa Catarina e a de Nossa Senhora do Calhau, sendo a última considerada pelo autor
"a primeira casa de igreja que se fez na ilha". Mais além em Câmara de Lobos a do
espírito Santo, na Quinta Grande a de Vera Cruz, nos Canhas a de Santiago, na Estrela
(Calheta) a de Nossa Senhora da Estrela. E conclui o cronista: "...começou a por em
obra a edificação das igrejas e lavrança da terra". O templo religioso é o ponto de
divergência do processo de povoamento e foi em torno dele que surgiram as primeiras
habitações de madeira para dar abrigo aos colonos. Daqui resultou a importância
fundamental da igreja em todo o processo.

De acordo com a doação régia de 26 de Setembro 1433 o infante, como mestre da


Ordem de Cristo, recebeu também a capacidade de intervenção na espiritualidade do
novo espaço. O Vigário de Tomar, local sede da ordem, era quem, em nome do infante,
estabelecia a estrutura religiosa, provendo os ministros. Apenas a arrecadação dos
dízimos eclesiásticos permanecia a cargo do almoxarife do infante. O governo espiritual
ficou entregue ao vigário de Tomar, sede da Ordem de Cristo e na condição de nullius
diocese, enquanto ao administrador da ordem competia a construção dos templos,
nomear os ministros e pagar o seu vencimento. A parte isso, todas as ilhas,
estabeleceram-se ouvidorias com o objectivo de organizar e exercer o governo
eclesiástico. A situação mudou em 1514 com a criação do bispado do Funchal e, depois
em 30 de Dezembro de 1551 com o regresso à coroa do padroado.

Para cada capitania foi nomeado um vigário, que dependia directamente do de Tomar,
tendo como função administrar a espiritualidade no recinto da sua jurisdição. Destes
apenas se conhece o nome dos de Machico e Funchal, respectivamente Frei João Garcia
e João Gonçalves. Parece que esta situação perdurou por todo o governo do infante D.
Henrique, uma vez que em 1461 uma das exigências dos moradores do Funchal era o
aumento do clero, de modo que fosse assegurado o serviço religioso aos moradores de
Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta de Sol e Arco da Calheta. O próprio infante
preocupou-se com a administração religiosa do arquipélago, ordenando a construção de
igrejas e capelas, conforme se deduz do seu testamento de 1460.

CONVENTOS. Não agradou ao infante a pretensão dos franciscanos das Canárias de


quererem introduzir-se na ilha, ficando subordinados ao vigário dessas, tal como o
estabelecia a letra "dum ad prellara" do papa Nicolau V em 10 de Dezembro de 1450.
Estes havião-se fixado no arquipélago vizinho desde 1436, mediante autorização do
Papa Eugénio IV. Tal situação era entendida como uma ingerência nos direitos
adquiridos pela Ordem de Cristo e uma afronta, tendo em conta o empenho do infante
na conquista de algumas dessas ilhas. Mesmo assim a ordem seráfica firmou-se na vida
religiosa madeirense criando conventos no Funchal, Câmara de Lobos, Santa Cruz
(1476), Ribeira Brava, Calheta (1670) e Machico. Neste contexto relevam-se os
conventos de S. Francisco do Funchal e o de Santa Clara. O primeiro, para albergar os
frades, foi construído a partir de 1474, enquanto o segundo, de freiras, foi erguido por
iniciativa de João Gonçalves Câmara, segundo capitão do Funchal, no espaço onde o
seu pai havia edificado a sua capela da Conceição de Cima (em oposição à da
Conceição de Baixo, construída junto ao mar). Antes disto tivemos os primeiros
cenóbios de S. João da Ribeira (Funchal) e S. Bernardino de Sena (Câmara de Lobos).

idêntico ideal moveu o cónego Henrique Calaça de Viveiros, que em 1650 ergueu um
convento de Nossa Senhora da encarnação em honra da restauração da independência.
Este foi o segundo convento feminino da regra franciscana de Santa Clara. Mais tarde,
em 1654, Gaspar Berenguer de Andrade fundou o convento das mercês.

Os conventos são uma presença assídua na História da Madeira, persistindo, ainda hoje
alguns de pé. A sua pujança testemunha-se, quer através da dimensão económica das
quintas, resultantes de dotes e legados, quer pela adesão das principais famílias
madeirenses, onde foram recrutados muitos dos noviços e noviças.

Quanto aos diversos templos religiosos, que foram erguendo os povoadores em toda a
ilha, não existe consenso entre os diversos historiadores nem dados que abonem com
segurança a data exacta de construção. I de salientar que a tradição veiculada por Álvaro
Rodrigues de Azevedo e o Pe. Fernando Augusto da Silva apresenta algumas paróquias
criadas em 1430, 1440 e 1450. Não sabemos em que se fundamenta tal ideia, uma vez
que nas reclamações dos moradores do Funchal em 1461, documento já citado, refere-se
a existência de um só capelão que dizia missa no Funchal.

Extinto o senhorio, a Ordem de Cristo através do vigário de Tomar continuou a


superintender o governo eclesiástico das ilhas até que em 12 de Junho de 1514, pela
bula "Pro excellenti", foi criado o bispado do Funchal com jurisdição sobre toda a área
ocupada pelos portugueses no Atlântico e Indico. Até esta data todo o serviço episcopal
era feito por bispos titulares aí enviados pelo vigário de Tomar, sendo de referir as
visitas a Angra em 1487 e aos arquipélagos da Madeira e açores (entenda-se Funchal,
Angra e Ponta Delgada) em 1507 e 1508. Mas o progresso económico e social deste
vasto espaço levou à criação em 1534 de novas dioceses, cujas áreas foram desanexadas
do Funchal: as de Goa, Angra, Santiago e S. Tomé. Entretanto em 31 de Janeiro de
1533 a diocese do Funchal foi elevada B categoria de metropolitana e primaz, englo-
bando "a Madeira e Porto Santo, as ilhas Desertas e Selvagens, aquela parte continental
de África, que entesta com a diocese de Safi [m] e bem assim as terras do Brasil, tanto
as já descobertas, como as que se vierem a descobrir". Esta foi uma situação passageira.
além disso a bula papal não foi expedida do Vaticano, por a coroa a não ter pago, o que
coloca a dúvida da existência real do arcebispado do Funchal. Em 1551 o papa Júlio III
revogou passando o Funchal para simples bispado sufragâneo de Lisboa, que passará a
assumir a função de primaz das terras atlânticas, enquanto a de Goa preencherá
idênticas funções para as terras orientais.
O povoamento da Madeira, em termos de organização eclesiástica, parece ter sido
concretizado de acordo com um plano definido. Jerónimo Dias Leite refere que o
objectivo dos primeiros madeirenses era " por em obra a edificação das igrejas e das
vilas e lugares e lavrança de terras". Tais princípios nortearam não só o caso da
Madeira, mas também os dos outros arquipélagos atlânticos onde os portugueses
chegaram.

No período de 1433 a 1499 as administrações civis e religiosa estavam a cargo do


mestre da Ordem de Cristo, que no caso da alçada religiosa determinara a
superintendência pelo vigário da vila de Tomar. De acordo com a bula de 1456 as novas
áreas atlânticas eram consideradas "nullius diocesis", estando dependente daquele
vigário. Era ele quem determinava a construção das primeiras igrejas e nomeava os
prelados para o serviço religioso.

As sedes das capitanias, em data que desconhecemos tiveram o primeiro vigário que,
depois, o progresso e a consequente pressão do movimento demográfico conduziram ao
aparecimento de novas igrejas e paróquias. O templo religioso é o ponto de divergência
do processo de povoamento e foi em torno dele que surgiram as primeiras habitações de
madeira para dar abrigo aos colonos. Daqui resultou a importância adquirida pela igreja
em todo o processo.

De acordo com a doação régia de 26 de Setembro 1433 o infante, como mestre da


Ordem de Cristo, recebeu também a capacidade de intervenção na espiritualidade do
novo espaço. O Vigário de Tomar, local sede da ordem, era quem, em nome do infante,
estabelecia a estrutura religiosa, provendo os ministros. Apenas a arrecadação dos
dízimos eclesiásticos permanecia a cargo do almoxarife do infante. Para cada capitania
foi nomeado um vigário, que dependia directamente do de Tomar, tendo como função
administrar a espiritualidade no recinto da sua jurisdição. Destes apenas se conhece o
nome dos de Machico e Funchal, respectivamente Frei João Garcia e João Gonçalves.

Parece que a situação perdurou por todo o governo do infante D. Henrique, uma vez que
em 1461 uma das exigências dos moradores do Funchal era o aumento do clero, de
modo que fosse assegurado o serviço religioso aos moradores de Câmara de Lobos,
Ribeira Brava, Ponta de Sol e Arco da Calheta. Deste modo não entendemos que certa
tradição teime em afirmar a criação de novas freguesias antes desta data. Aliás a muitas
destas paróquias a data que lhes é atribuída no Elucidário Madeirense não corresponde
sempre é verdade, uma vez que o autor se baseou em muitos casos nas indicações do
tombo da Provedoria da Fazenda. O próprio infante preocupou-se com a administração
religiosa do arquipélago, ordenando a construção de igrejas e capelas, conforme se
deduz do seu testamento de 1460: "Item estabeleci e ordenei a principal igreja de Sta
Maria da ilha da Madeira e deshi em diante as outras que si ordenaram, e item estabeleci
hi da ilha do Porto Santo e Igreja de Ilha Deserta (...)".

Quanto aos diversos templos religiosos, erguidos pelos povoadores em toda a ilha, neste
período, não existe consenso entre os diversos historiadores nem dados que abonem
com segurança a data exacta de construção. É de salientar que a tradição veiculada por
Álvaro Rodrigues de Azevedo e Pe. Fernando Augusto da Silva apresenta algumas
paróquias criadas em 1430, 1440 e 1450. Não sabemos em que se fundamenta tal ideia,
uma vez que nas reclamações dos moradores do Funchal em 1461 refere-se a existência
de um só capelão que dizia missa no Funchal1. Note-se que esta ideia continua a ser
perseguida na actualidade. Perante estas reclamações dos moradores do Funchal somos
levados a afirmar que as diversas paróquias, que secundaram as primeiras na sede de
cada capitania, são posteriores a essa data. A importância adquirida pelos canaviais
conduz ao aparecimento de novas paróquias na vertente sul.

O BISPADO. Extinto o senhorio, a Ordem de Cristo através do vigário de Tomar


continuou a superintender o governo eclesiástico das ilhas até que em 12 de Junho de
1514, pela bula "Pro excellenti", foi criado o bispado do Funchal com jurisdição sobre
toda a área ocupada pelos portugueses no Atlântico e Indico. Até este momento todo o
serviço episcopal era feito por bispos titulares aí enviados pelo vigário de Tomar, sendo
de referir as visitas a Angra em 1487 e aos arquipélagos da Madeira e Açores (entenda-
se Funchal, Angra e Ponta Delgada) em 1507 e 1508. Mas o progresso económico e
social deste vasto espaço levou à criação em 1534 de novas dioceses, cujas áreas foram
desanexadas do Funchal: as de Goa, Angra, Santiago e S. Tomé.

Entretanto em 31 de Janeiro de 1533 a diocese do Funchal foi elevada à categoria de


metropolitana e primaz, englobando "a Madeira e Porto Santo, as ilhas Desertas e
Selvagens, aquela parte continental de África, que entesta com a diocese de Safi[m] e
bem assim as terras do Brasil, tanto as já descobertas, como as que se vierem a
descobrir". Mas esta foi uma situação passageira. Além disso a bula papal não foi
expedida do Vaticano, por a coroa a não ter pago, o que coloca a dúvida da existência
real do arcebispado do Funchal. Em 1551 o papa Júlio III revoga esta situação passando
o Funchal para simples bispado sufragâneo de Lisboa, que passará a assumir a função
de primaz das terras atlânticas, enquanto a de Goa preencherá idênticas funções para as
terras orientais..

A construção do templo que lhe serviu de sede à nova diocese não foi rápida: o duque
ordenou-o em 1485 mas as obras só se iniciaram em 1493, e ainda continuavam em
1515, sendo sagrado no ano imediato. Note-se que as riquezas geradas pelo comércio do
açúcar propiciaram à coroa e vizinhos os necessários dinheiros para erguer tão sumptuo-
so templo e rechea-lo de preciosas pinturas flamengas e alfaias religiosas em ouro e
prata. Aliás, a riqueza da arte sacra madeirense e a monumentalidade da arquitectura
religiosa está em relação directa com esta realidade.

O CLERO E A IGREJA: O relacionamento dos prelados com as autoridades civis foi


muito mais pacífico, não obstante alguns conflitos pontuais. O século XVI é definido
em termos de estrutura religiosa da Cristandade ocidental como um momento de activo
protagonismo. Para isso contribuíram a tentativa de reforma levada a cabo por Lutero e
Calvino e a pronta resposta do papado por meio do Concílio de Trento. A Companhia
de Jesus emerge neste contexto como o bastião da resposta papal, cujo movimento ficou
conhecido como "contra reforma".

1
Em 1466 continua a referir-se s\ um vig<rio (RGCMF,
I, fls. 216-219v , publ. AHM, XV, pp. 36-40). Veja-se
Fernando Jasmins PEREIRA, "Bens eclesi<sticos. Diocese do
Funchal", in Estudos sobre Hist\ria da Madeira, Funchal,
1991, 323-350.
Habitualmente a religiosidade popular afirma-se em oposição à oficial, sendo entendida
como uma forma híbrida, isto é, formas inadequadas de entender e praticar a religião
oficial. Por outro lado, se tivermos em conta que a Religião é um corpus de crenças e
conjunto de praticas, podemos definir a religiosidade popular como um conjunto de
superstições e gestos mágicos oriundos do paganismo.
A grande preocupação da igreja em travar esta forma de religiosidade. A contra-
reforma, a inquisição e, mais perto de nós, o Vaticano II, tentaram apagar sem sucesso
estas crenças populares. Por isso, a solução foi tentar impor critérios e praticas de
acomodação. Esta realidade à muito evidente entre nós, como se poderá verificar do
confronto da religiosidade popular da oficial. Neste contexto à de destacar as
constituições sinodais funchalenses do século XVI que consideram a superstição como
sinónimo de feitiçaria, sortilégios, agoiros, benzedura, idolatria e pacto com o demónio.
A religiosidade popular expressa-se de diversas formas, sendo de realçar as festas
populares, manifestações colectivas e as crenças e ritos de devoção particular. No
primeiro caso temos as festividades populares, com ou sem relação com o ritual oficial.
Natal, Carnaval, S. João, S. Pedro. Note-se que estas festas populares têm origem em
cultos naturalísticos e que a quase todas estas manifestações estão associadas
manifestações particulares, por vezes, com carácter mágico.
A atitude da igreja não é igual em todas as situações, pois, ora aceita estas
manifestações assimilhando-as ao culto oficial, ora as condena, perseguindo os seus
autores. Nas constituições sinodais dos séculos XVI e XVII é manifesta essa atitude de
oposição, sendo condenadas quaisquer manifestações de sortilégio, agoiro, benzedura.
Note-se que em 1618 o inquisidor de visita à ilha viu-se confrontado com a generalizada
pratica supersticiosa, tendo condenado 13 mulheres por feitiçaria. O facto mais evidente
é que todos tinham consciência que estas praticas eram proibidas.
Para o conhecimento desta realidade, mais do que as constituições sinodais, temos as
visitas paroquiais e as consequentes recomendações dos prelados. Nestas pode-se
acompanhar, a par e passo, a forma de expressão da religiosidade popular e a
intervenção do bispo no sentido da sua erradicação.
Do que atrás ficou expresso poderá afirmar-se que ainda hoje persiste na vivência
religiosa popular traços evidentes dessa realidade desviante às normas da religião
oficial, por vezes, escondidas sob a expressão de devoção particular. Descobri-la não é
tarefa fácil, pois passa por uma perspicaz e bem fundamentada destrinça daquilo que é
oficial e público.

A igreja e os seus membros haviam entrado na vida fácil, deixando-se corromper pelas
solicitações materiais. O estado em que se encontrava a Igreja era deveras gritante. A
vida conventual estava em degradação, dominando aí a indisciplina e alguma
imoralidade. O clero secular alheara-se do serviço nas paróquias apegando-se aos vícios
da sociedade.

O absentismo atingia também a alta hierarquia da igreja católica. Os bispos eleitos


recusavam-se a assumir o governo do episcopado, preferindo a vida mundana da corte.
Os primeiros bispos nomeados para as dioceses insulares nunca pisaram o solo das suas
dioceses e daqueles que aí se fixaram foram poucos os que procederam à indispensável
visita às paróquias. Este absentismo aumentou, de acordo com as dificuldades de
fixação e a distância em relação ao reino. Na Madeira o primeiro bispo a pisar o solo da
diocese foi D. Ambrósio, em nome do arcebispo D. Martinho de Portugal, que aí esteve
em 1538 acompanhado de dois visitadores (Jordão Jorge e Álvaro Dias). Foi a partir daí
que se reorganizaram as paróquias, estabelecendo-se normas rigorosas para a sua
preservação nas igrejas, através dos livros de registo. Depois da sua morte, em 1544, a
Sé permaneceu vaga até 1551.

Neste período esteve no Funchal o bispo D. Sarello, das Canárias, que deu "ordens a
muitas pessoas e correu a ilha toda crismando comummente a todos os que disso tinham
necessidade". E, em 1552, foi provido D. Frei Gaspar do Casal, que não residiu na ilha,
sendo o facto mais saliente ter participado no Concílio de Trento. O sucessor, D. Jorge
de Lemos, nomeado em 1556 foi quem na verdade deu forma à aplicação das ordens do
concílio, sendo seguido depois por D. Jerónimo Barreto (1574-85) e D. Luís de
Figueiredo de Lemos (1586-1608) considerados os verdadeiros obreiros desta reforma
na Madeira.

A reorganização das instituições religiosas e do ritual religioso, iniciados em 1578 por


D. Jerónimo Barreto tiveram continuidade com D. Luís Figueiredo de Lemos (1597,
1602), Frei Lourenço de Távora (1615), D. Fernando Jerónimo (1622, 1629, 1634), D.
Frei António da Silva Teles e D. Frei José de Santa Maria (1610). Todos os prelados
realizaram um sínodo onde foram aprovadas diversas constituições, mas apenas se
publicaram as de 1578 e 1597 e conhecem-se as de outro manuscritas, tendo-se perdido
as restantes. Estas medidas corresponde ao apelo da própria estrutura da igreja e
também dos leigos que em 1546, através da câmara, fizeram ouvir a sua voz de
descontentamento junto da coroa.

No Funchal alguns bispos acumularam em simultâneo as funções de prelado e


governador, o que comprova uma mais ampla intervenção na vida das dioceses. No caso
da Madeira tivemos três bispos: D. Frei. Lourenço de Távora (1610-1614), D. Frei
Jerónimo Fernando (1624-30) e D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (1758 e 1777). No
Funchal a reorganização das instituições religiosas e do ritual religioso iniciados por D.
Jerónimo Barreto em 1578 tiveram continuidade com D. Luís Figueiredo de Lemos
(1597, 1602), Frei Lourenço de Távora (1615), D. Fernando Jerónimo (1622, 1629,
1634), D. Frei António da Silva Teles e D. Frei José de Santa Maria (1610). Todos os
prelados realizaram um sínodo onde aprovaram diversas constituições. De todas elas só
se publicaram as de dois (1578 e 1597) e conhecem-se as de outro manuscritas, tendo-se
perdido as restantes.

SÍNODOS, CONCÍLIOS E CONSTITUIÇÕES SINODAIS. O Concílio de Trento


(1545-1563) definiu uma nova realidade para a teologia e prática institucional da
hierarquia religiosa. Por meio de um novo modelo de catecismo pretendia-se
uniformizar do ritual religioso e combater o absentismo do clero e leigos. Um dos meios
mais adequados para a aplicação destas ordens foi o dos concílios diocesanos. De
acordo com as normas estabelecidas nas diversas sessões do Concílio foram elaboradas
as normas capazes de atender aos novos desejos da prática religiosa.

A obrigatoriedade de reunião assídua dos sínodos episcopais e o consequente


estabelecimento de constituições resultam da reforma tridentina. Até então estas normas
estavam já estabelecidas, mas nunca se cumpriam. No Funchal as primeiras
constituições publicadas são posteriores ao concílio de Trento. Note-se ainda que esta
foi das poucas dioceses onde se cumpriram as ordens sobre a periodicidade dos sínodos,
tendo-se realizado, até finais do século XVII, nove reuniões, de que resultaram igual
número de textos. Perante isto é legítimo concluir que a igreja se deparou com a natural
inércia da estrutura eclesiástica e dos prelados, tornando-se difícil combater o
absentismo, como o determinavam as orientações tridentinas: a ausência dos prelados, a
dispersão geográfica das paróquias foram os motivos disso.

Em Trento insistiu-se numa maior presença do clero na vida das paróquias,


combatendo-se o absentismo e os desvios morais, e procurou-se dignificar a sua
actividade, por meio de uma melhor formação religiosa e meios materiais. Disto
resultou, na prática, o aparecimento dos seminários, a assiduidade das visitas paroquiais
e a melhoria substancial dos meios de sobrevivência do clero com o aumento das
côngruas.

A formação do clero através dos seminários era também indispensável para esta
mudança. A medida, já reclamada nos concílios de Nicea e Toledo, só agora tem plena
concretização. Na Madeira o Seminário surgiu em 1566 por iniciativa de D. Jerónimo
Barreto, enquanto para S. Tomé criou-se um, primeiro em Coimbra (1585), depois
transferido para a ilha em 1597. A presença do Colégio dos Jesuítas foi importante, uma
vez que a ordem, considerada o principal bastião da Contra-Reforma, terá contribuído
para esta mudança.

Uma das recomendações mais relevantes recomendações saídas do concílio tridentino


foi a necessidade das visitas pastorais, de dois em dois anos. Mas elas nem sempre se
concretizavam com o necessário rigor. Das actas disponíveis é possível avaliar o nível
de religiosidade popular e o maior ou menor impacto das ordens do papa e dos sínodos
diocesanos. Apenas nos arquipélagos da Madeira e dos Açores foram já divulgados
alguns livros das visitas que nos dão conta de uma comum religiosidade popular.

As consequências do concílio de Trento são evidentes na estrutura religiosa das ilhas.


Quanto ao património do clero criaram-se as condições necessárias ao seu magistério
com o acrescentamento das côngruas e ordinárias. na Madeira tivemos os de 1572 e
15982. Tendo em conta a importância das constituições sinodais para a definição da
religiosidade apresentaremos uma breve análise das existentes, apenas para as dioceses
de Angra (1559) e Funchal (1578, 1602).

Numa análise de conteúdo verificam-se inúmeras semelhanças, o que prova haver uma
origem comum. Na realidade os textos baseavam-se num formulário comum: as de
Lisboa, aprovadas no sínodo de 25 de Agosto de 1536. Facto peculiar sucede com o
vicariato de Tomar, que após a criação da diocese do Funchal se manteve como "nullius
diocesis", mas regendo-se por um texto próprio aprovado no sínodo de 18 a 22 de Junho
de 1554. No preâmbulo é referido, a exemplo das constituições de Angra de 1559, a
origem num texto anterior do Funchal. Deste modo poder-se-á afirmar que as de D.
Jerónimo Barreto (1578) não foram as primeiras estabelecidas para o bispado, havendo
umas anteriores que se perderam. Fernando Augusto da Silva3 refere-nos, a propósito,

2
. Arquivo dos Açores, vol. IV, 184-192; Álvaro Rodrigues de Azevedo, "Anotações", in Saudades da Terra, Funchal, 1873, 536-
566.

3
. Subsídios para a História da diocese do Funchal, Funchal, 1946, 98.
que o arcebispo D. Martinho de Portugal fez umas que serviram de regra ao governo do
bispado do Funchal. Para António de Vasconcelos4 elas foram estabelecidas por D.
Diogo Pinheiro, que serviu simultaneamente de bispo do Funchal e vigário de Tomar.
Confrontadas as sinodais de Angra (1559) com as do Funchal (1578) verifica-se que a
intervenção das normativas tridentinas foi pouco significativa, incidindo apenas nos
aspectos doutrinários, mas com pouco valor para o seu articulado. Facto evidente de que
nas ilhas a prática cultual do clero e leigo, ainda que a nível teórico, não estava fora do
bom caminho.

A doutrina expressa nas constituições pode ser dividida em cinco domínios: os


sacramentos, o ritual religioso, o clero, a administração do património e da justiça,
pecados e desvios. Enquanto os dois primeiros se manteve quase sem mudança, de
acordo com as contingências da conjuntura e das novas dúvidas que ela gera, os demais
adaptaram-se a novas conjunturas. E a fundamental mudança teve lugar após o Concílio
de Trento, como forma de o adequar às referidas normativas.

O concílio intervinha no sentido de manter uma certa uniformidade no ritual religioso,


quer ao nível da Santa Missa, quer da administração dos sacramentos. Antes reinava a
indisciplina o que gerava por vezes escândalos, particularmente no caso do casamento:
eram inúmeros os casamentos clandestinos e consanguíneos. Os aspectos doutrinários
incidem, preferencialmente, sobre o baptismo, a confissão, a comunhão e o matrimónio.

As normativas tridentinas estabeleciam a necessidade de uniformizar do ritual dos


sacramentos e por isso encontramos as mesmas ordens nas constituições, ainda que
expressas de forma diferente. Mas aqui e acolá subsistem algumas peculiaridades. Por
exemplo: nos Açores insiste-se no ensino da doutrina e no baptismo e casamento dos
infiéis vindos da Guiné, Índias e Brasil, enquanto na Madeira, D. Luís Figueiredo de
Lemos estabelecia um capítulo especial sobre os escravos. Isto demonstra o empenho da
Igreja na evangelização dos infiéis e a importância assumida pela população escrava em
ambos os arquipélagos.

Estabelecidas estas normas para a administração dos sacramentos o empenho passou


para o clero, procurando definir-se condutas de vida "honesta" e exemplar.
Confrontadas as constituições post-tridentinas com as anteriores nota-se uma maior
incidência nas primeiras quanto ao sacramento da ordem. Aqui recomendava-se a maior
formação do clero, que derivou na necessidade de criar os seminários.

A par disso as constituições e o próprio concílio insistem na vida regrada do clero, de


modo a evitarem-se escândalos. Para isso recomendavam-se certos preceitos no modo
de vestir e normas de sociabilidade, coibindo-os de actividades indecorosas e do
convívio e coabitação com concubinas. O último foi também motivo de alguns capítulos
das ordenações régias. Mesmo assim a vida desregrada de algum clero continuou a ser
manifesta, pelo que em 1608 o papa Paulo IV ordenou uma maior intervenção do Santo
Ofício junto dos prevaricadores. Uma consequência disto foi a prisão em 1618 do padre
Bento de Lira, vigário de S. Vicente (Madeira).

4
. "Nota Cronolígoco-bibliographica das constituições diocesanas portuguesas até hoje impressas", in O instituto, Coimbra, Vol. 58,
1911, 494.
Nas visitas feitas por inquisidores do Tribunal do Santo Ofício de Lisboa à Madeira e
Açores surgem outros membros da igreja, condenados por solicitação, blasfémias,
desobediência, sodomia e crítica dos dogmas do catolicismo.

O combate ao absentismo do clero foi outra preocupação: o pároco e cura passaram a


residir obrigatoriamente na sede da paróquia e a cumprir as obrigações. Estas surgem
apenas nas sinodais post-tridentinas : Funchal (1585, 1597). Mas para que isso
acontecesse era necessário garantir ao clero meios de subsistência adequados e capazes
de o manter afastado das tarefas mundanas e residente nas paróquias.

As múltiplas recomendações quanto ao ritual religioso revelavam-se idênticas nos


diversos bispados a partir do Concílio de Trento. Desde então ficou determinada a
existência de um único missal, breviário e catecismo. A par disso definiram-se regras
sobre aspectos formais das missas, ofícios, horas e procissões. Quanto às últimas
estabelecia-se, no caso da Madeira, a obrigatoriedade do Corpus Christi, Visitação de
Nossa Senhora, Ladainhas, Sexta-Feira Santa e Santiago Menor, padroeiro da cidade;
nos Açores mantinham-se as duas primeiras e adicionava-se a do Anjo Custódio.

Ao nível da estrutura institucional sobressaem os oficiais de justiça eclesiástica


(promotor, notário, ouvidor e chanceler) com as respectivas competências. O encargo
fora cometido ao ouvidor, exigindo nos Açores um para cada ilha, exceptuando-se a
Terceira com dois, uma para cada capitania, enquanto na Madeira era de quatro, sendo
um para Arguim, outro para o Porto Santo e os restantes para a Madeira, um em cada
capitania.

A sobrevivência do clero dependia dos dízimos arrecadados, dos benefícios e da


administração dos bens que pertenciam à igreja e que, de um modo geral, lhe havia sido
dados por disposições testamentárias. Em todas as constituições existem normas sobre
isso.

A arrecadação dos dízimos eclesiásticos estava tutelada pelas instituições régias. Pela
mesma sabe-se também que o dízimo dava para pagar todas as despesas das ordinárias
do clero e fábricas das diversas paróquias.

A justiça eclesiástica era um domínio importante na vida da diocese. Ela tem lugar de
relevo na vida do bispado e paróquias dele dependentes. Para isso a igreja criou uma
estrutura judiciária, definindo a alçada do ouvidor eclesiástico, do bispo e do papa. O
clero, o visitador em serviço faziam parte da estrutura, estando todos obrigados a
declarar os pecados públicos e a clamar por justiça.

A igreja dispunha de estrutura judiciária própria em cada bispado . Não obstante tal
alçada abranger alguns domínios da sociedade era junto do clero que se definia com
maior rigor a sua intervenção, uma vez que a imunidade eclesiástica não permitia a
presença nos tribunais seculares.

Não foi fácil delimitar a área jurisdicional da justiça ao nível secular e religioso, pois
inúmeras normas estatuídas pela igreja repetem-se no articulado das leis e ordenações
régias, confrontando-se uma alçada comum. O "código das Siete Partidas", um dos
principais fundamentos das leis peninsulares, define logo na primeira partida isto ao
dedica-la por inteiro ao estado "eclesiástico". Aí ficaram lavradas inúmeras regras que
depois passaram para as ordenações régias portuguesas e constituições sinodais. Na
compilação das leis, feita no reinado D. Afonso V, um capítulo do livro segundo é sobre
o "trautar das leix, que falam acerca das igrejas, e mosteiros e clérigos sagraes, e
religiosos", foram nele incorporadas todas as determinações acordadas entre a Santa Sé
e os monarcas antecedentes.

Todos os que incorriam em "pecados" graves, a pena mais severa, que lhes podia ser
aplicada, era a excomunhão. A respectiva carta era passada pelo bispo, havendo no
entanto penas que só poderiam ser atribuídas pelo papa, conforme o estabelecido no
final. A excomunhão foi a arma mais poderosa da justiça eclesiástica, sendo definida
nas constituições como "a maior que há na igreja de Deus", privando os réus "da
participação dos sacramentos, dos sufrágios dela, e da comunicação dos fiéis christäos".
Deste modo a Igreja apostou nas consequências disso para fazer cumprir as normas de
conduta estabelecidas e reprimir os refractários.

A excomunhão em si representava apenas a exclusão do réu do convívio dos cristãos na


igreja e do acesso aos actos litúrgicos. Mas na realidade as suas consequências sociais
eram muito mais funestas, pois conduziam a uma coacção social violenta e era nisso que
a igreja apostava, divulgando publicamente todos os excomungados por meio de editais
à porta da igreja. As penas mais brandas eram estabelecidas em dinheiro ou em
penitências.

A História da diocese do Funchal refere a realização de vários sínodos(1578,


1597,1622,1626, 1680, 1695) de que resultaram constituições, tendo-se apenas
conhecimento de duas impressas(1579 e 1601) e outra manuscrita(1695). Para o século
dezanove apostou-se nas pastorais, muitas delas com cariz político. Tenha-se em conta
as de D. Francisco José Rodrigues e Andrade e Manuel Agostinho Barreto.

A aplicação dos códigos civil e religioso e a punição dos infractores fazia-se de forma
diferente. Enquanto a jurisdição secular estava expressa na actividade dos funcionários
régios (corregedor, alcaide, juiz de fora e ordinário) e das instituições entretanto criadas,
no domínio eclesiástico desmultiplica-se pelos funcionários (ouvidor e visitador) e
tribunal do Santo Ofício. Ele foi criado com um objectivo específico, mas depois teve a
alçada alargada a outros domínios.

FORMAS DE DEVOÇÃO E PIEDADE. Tal como refere Henrique Henriques de


Noronha as imagens "afervoram a devoção dos moradores", sendo por isso neste
domínio que se encontram aspectos particulares da religiosidade madeirense. Neste caso
estão as chamadas imagens milagrosas que acolhem à sua volta inúmeros devotos e são
sempre motivo de súplica em momentos de aflição. Nossa Senhora do Monte assume
aqui um lugar cimeiro. A par disso insiste-se numa devoção institucionalizada pelo
município, resultante da peste que assolou a ilha no primeiro quartel do século XVI. A
devoção a S. Sebastião, S. Roque e S. Tiago Menor é fruto disso, mantendo-se a última
até à actualidade.

As romagens completam esta exteriorização da religiosidade popular, ganhando


protagonismos diversos ao longo dos séculos. A mais antiga é a de Nossa Senhora do
Faial ou da Natividade, a 8 de Setembro, que se perdeu no tempo. Ainda, de vetusta
tradição são as romagens do Bom Jesus da Ponta Delgada e de Nossa Senhora do
Monte, a que se deverá associar o culto a Nossa Senhora do Rosário, do Loreto e dos
Milagres. O sacro e o profano aliavam.se na definição de um calendário ritual em toda a
ilha.

A contra-reforma, a inquisição e, mais perto de nós, o Vaticano II, tentaram apagar sem
sucesso muitas das crenças populares. Por isso, a solução foi tentar impor critérios e
praticas de acomodação. Neste contexto é de destacar as constituições sinodais
funchalenses do século XVI que consideram a superstição como sinónimo de feitiçaria,
sortilégios, agoiros, benzedura, idolatria e pacto com o demónio. Nas constituições
sinodais dos séculos XVI e XVII é manifesta essa atitude de oposição, sendo
condenadas quaisquer manifestações de sortilégio, agoiro, benzedura. Em 1618 o
inquisidor de visita à ilha viu-se confrontado com a generalizada pratica supersticiosa,
tendo condenado 13 mulheres por feitiçaria. O facto mais evidente é que todos tinham
consciência que estas praticas eram proibidas. O conhecimento desta realidade passa
mais pelas visitas paroquiais e as consequentes recomendações dos prelados do que
pelas orientações definidas pelas Constituições Sinodais. Nestas é possível rastrear a
forma de expressão da religiosidade popular e a intervenção do bispo no sentido da sua
erradicação. Estamos perante um campo em aberto que aguarda por uma pesquisa
aturadas nos arquivos paroquiais.

Acabar com esta situação só seria possível através do ensino da doutrina. Neste caso é
de salientar as recomendações ao ensino aos gentios, expressa na intervenção face aos
negros acolhidos na ilha. A primeira recomendação neste sentido foi expressa em 1592
pelo bispo D. Luís de Figueiredo de Lemos, aquando da visita à paróquia da Fajã da
Ovelha. Aí refere-se a presença no bispado de inúmeros escravos gentios que, por isso
mesmo, deveriam merecer a atenção dos vigários. Deste modo as recomendações aos
curas e párocos são no sentido de um maior cuidado, fazendo com que os escravos
saibam "a doutrina christam e ao menos a oração Pater Noster e Ave Maria, os artigos
de fé e os mandamentos da Lei de Deus(...)". O facto de alguns manifestarem o desejo
de professar a religião Cristão era o indicativo seguro dos cuidados a ter e dos frutos da
sua doutrinação. Aos fregueses eram também atribuídas responsabilidades neste âmbito,
ordenando-se que aos escravos de mais de sete anos "lhes fação com muita diligência
ensinar a doutrina". Por outro lado recomendava-se aos párocos que se informassem
sobre os escravos da freguesia "e achando que não sabem o Pater Noster e Avé Maria,
os artigos de fé e mandamentos de lei de deus proceda(m) contra seus senhores pera que
ensinem ou fação ensinar a dita doutrina, e os mandem a igreja aprendella ao tempo que
a ensinarem(...)".

Esta insistência da Igreja na doutrinação e prática religiosa dos escravos esbarrava com
inúmeras resistências da parte dos proprietários como dos próprios escravos, que se
mantinham arreigados aos rituais africanos, ou islamizados. Mesmo assim na Madeira
foi reduzido o número de refractários ao catolicismo, tal como nos testemunham as
poucas denunciações feitas, aquando das visitas do Santo Ofício à Madeira, em 1591 e
1618.

Os mais evidentes aferidores da religiosidade dos madeirenses são, sem dúvida, os


testemunhos exarados, primeiro nos diversos livros das visitações e depois nos
processos perante o Santo Ofício. A inquisição exercia a actividade através do tribunal
de Lisboa, a quem pertencia todo o espaço atlântico. A acção do tribunal nestas
paragens não era permanente e fazia-se através de visitadores aí enviados. Na Madeira e
nos Açores realizaram-se apenas duas visitas: em 1591-93 por Jerónimo Teixeira Cabral
e em 1618-19 por Francisco Cardoso Tornéo. Entretanto, no intervalo de tempo entre as
visitas, o tribunal fazia-se representar pelo bispo, clero, reitores do Colégio dos Jesuítas,
"familiares" e comissários do Santo Ofício.

Nas ilhas é manifesta a conivência das autoridades com a presença da comunidade


judaica, o que poderá resultar das facilidades iniciais à sua fixação. Deste modo o
tribunal interveio apenas nas primeiras ilhas levando a tribunal alguns judeus, mas
poucos, a avaliar pela comunidade aí existentes e insistente permanência. Em finais do
século dezasseis foram arrolados 94 cristãos novos, todavia as prisões por judaísmo
entre 1591 a 1601 foram apenas 37, e em 1618 o seu número não passou de 5, quando
sabemos que em 1620 eram 58 os judeus que pagava a taxa.

A presença da comunidade judaica era evidente. Os judeus, maioritariamente


comerciantes, estavam ligados, desde o início, ao sistema de trocas nas ilhas, sendo os
principais animadores do relacionamento e comércio a longa distância. A criação do
tribunal do Santo Ofício em Lisboa conduziu a que avançassem no Atlântico: primeiro
nas ilhas e depois no Brasil. Tal diáspora fez-se de acordo com os vectores da economia
atlântica pelo que deixavam atrás um rasto evidente na sua rede de negócios. O açúcar
foi sem dúvida um dos principais móbeis da sua actividade, quer nas ilhas, quer no
Brasil. A par disso, o relacionamento destes espaços com os portos nórdicos conduziu a
uma maior permeabilidade às ideias protestantes, o que gerou inúmeras cuidados por
parte do clero e do Santo Ofício.

Analisadas as denúncias e confissões de madeirenses e açorianos perante os


inquisidores conclui-se por uma incapaz intervenção do clero no ensino da doutrina aos
leigos. A maioria dos réus é resultado da ignorância dos cânones católicos. A mesma
ideia é-nos transmitida através das visitas paroquiais, disponíveis e já divulgadas. Deste
modo poder-se-á afirmar que as orientações tridentinas tardaram em chegar às ilhas e
que a inércia e o fraco nível cultural do clero terão sido os principais responsáveis disso.

Em 1689 é a vez de um protestante britânico, John Ovington, de visita à Madeira


apontar o estado de formação e comportamento social do clero e leigos. Acerca do
primeiro refere que os jesuítas "apenas um em três com quem conversei compreendia o
latim", enquanto os cónegos da Sé "são hábeis na sua capacidade de inventar razões
para defenderem a sua indolência" e "todos fingem um grande ardor na sua fé".

A presença da comunidade britânica era evidente, mas nunca foi alvo de qualquer
perseguição por questões religiosas, a excepção acontece em 1846 com o Dr. Roberto
Kalley, contando sempre com a complacência e discrição de todos. O bispo
funchalense, D. Frei Lourenço de Távora, no sínodo realizado em 15 de Junho de 1615
chamou a atenção para a presença de estrangeiros "de partes infeccionadas na fé",
apelando para a necessidade de se cumprir o estabelecido em 1608 pelo prelado anterior
que determinara "que os tais estrangeiros cismáticos e hereges não podem tratar nem
disputar com a gente da terra sobre a fé, nem fazer coisa, que dece escândalo".Todavia,
é reduzido o número de anglicanos denunciados, sendo apenas 4 em 1618.

OS JUDEUS E A INQUISIÇÄO. Os aferidores mais importantes da religiosidade dos


leigos e clero são sem dúvida os testemunhos exarados, primeiro nos diversos livros das
visitações e depois nos processos perante o Santo Ofício. Ele exercia a sua actividade
através do tribunal de Lisboa, a quem pertencia todo o espaço atlântico.

A acção do tribunal nestas paragens não era permanente e fazia-se através de visitadores
aí enviados. Na Madeira e nos Açores realizaram-se três visitas: em 1575 por Marcos
Teixeira, em 1591-93 por Jerónimo Teixeira Cabral e em 1618-19 por Francisco
Cardoso Tornéo. Para Cabo Verde e S. Tomé estabeleceu-se idêntica missão em 1591,
1618 e 1626 mas os visitadores nunca pisaram as ilhas, detendo-se apenas no Brasil ou
em Angola.

Nas ilhas é manifesta uma certa conivência das autoridades com a presença da
comunidade judaica, o que poderá resultar das facilidades iniciais à sua fixação.
Lembremo-nos que o povoamento de S. Tomé se fez com crianças de origem hebraica.
Deste modo o tribunal interveio apenas nas primeiras ilhas levando a tribunal alguns
judeus, mas poucos, a avaliar pela comunidade aí existentes e pela sua permanência. No
primeiro quartel do século dezassete do rol de judeus fintados temos 58 na Madeira e 61
nos Açores. Entretanto no intervalo de tempo entre as visitas o tribunal fazia-se
representar pelo bispo, clero, reitores do Colégio dos Jesuítas, "familiares" e
comissários do Santo Ofício.

Nos quatro arquipélagos a presença da comunidade judaica era evidente. Os judeus,


maioritariamente comerciantes, estavam ligados, desde o início, ao sistema de trocas nas
ilhas, sendo eles os principais animadores do relacionamento e comércio a longa
distância: na Madeira e Açores foi a via da Europa do Norte, enquanto em Cabo Verde e
S. Tomé a América.

A criação do tribunal do Santo Ofício em Lisboa conduziu a que avançassem no


Atlântico: primeiro nas ilhas e depois no Brasil. Tal diáspora fez-se de acordo com os
vectores da economia atlântica pelo que deixavam atrás um rasto evidente na sua rede
de negócios. O açúcar foi sem dúvida um dos principais móbeis da sua actividade, quer
nas ilhas, quer no Brasil.

A par disso o relacionamento destes espaços com os portos nórdicos conduziu a uma
maior permeabilidade às ideias protestantes, o que gerou inúmeras cuidados por parte
do clero e do Santo Ofício. A incidência do comércio dos Açores e da Madeira no
açúcar, pastel e vinho conduziu ao estabelecimento de contactos assíduos com os portos
da Flandres e Inglaterra, que não era bem visto pelo tribunal. Isto deverá ter favorecido
a presença de uma importante comunidade nos dois arquipélagos, o que veio a avolumar
as preocupações dos inquisidores. Todavia a intervenção do tribunal foi reduzida, pois
só se conhece a prisão de alguns anglicanos nos Açores nas visitas de 1575 e 1618.

Na Madeira a presença da comunidade britânica era evidente mas manteve-se ilesa. O


bispo funchalense, D. Frei Lourenço de Távora, no sínodo realizado em 15 de Junho de
1615 chamou a atenção para a presença de estrangeiros "de partes infeccionadas na fé",
apelando para a necessidade de se cumprir o estabelecido em 1608 pelo prelado anterior
que determinara "que os tais estrangeiros cismáticos e hereges não podem tratar nem
disputar com a gente da terra sobre a fé, nem fazer coisa, que dece escândalo". Isto
derivava certamente da assídua frequência de mercadores ingleses à cidade do Funchal,
que assumiam uma posição dominante nas trocas externas. Todavia é reduzido o
número de anglicanos denunciados. Apenas 4 em 1618.
Analisadas as denúncias e confissões de madeirenses e açorianos perante os
inquisidores conclui-se por uma incapaz intervenção do clero no ensino da doutrina aos
leigos. A maioria dos réus é resultado da ignorância dos cânones católicos. A mesma
ideia é-nos transmitida através das visitas paroquiais da Madeira e Açores, disponíveis e
já divulgadas. Deste modo poder-se-á afirmar que as orientações tridentinas tardaram
em chegar às ilhas e que a inércia e o fraco nível cultural do clero insular terão sido os
principais responsáveis disso.

Em 1648 D. João IV admoestava o clero açoriano, apontando o escândalo que


provocavam os seus pecados públicos: "nessas ilhas, segundo por vezes fui informado,
se vão com tanto excesso, e pouco temor de Deus cometendo os pecados públicos, que
se poderia nelas recear viesse sobre seus moradores e grande castigo do céu; e o que
mais é para estranhar o mau exemplo como os eclesiásticos vivem, porque devendo dá-
lo bom aos seculares, há neles mais vícios que repreender".

Em 1689 é a vez de um protestante britânico, John Ovington, de visita à Madeira


apontar o estado de formação e comportamento social do clero e leigos. acerca do
primeiro refere que os jesuítas "apenas um em três com quem conversei compreendia o
latim", enquanto os cónegos da Sé "são hábeis na sua capacidade de inventar razões
para defenderem a sua indolência" e "todos fingem um grande ardor na sua fé". Dos
leigos católicos refere a sua propensão para o crime de homicídio tendo como resguardo
o recurso à comunidade eclesiástica, concluindo da seguinte forma: "Estes cristãos são
tão desregrados na prática deste crime como indulgentes nos castigos merecidos por tais
acções".

Eis um breve e incisivo retrato do catolicismo dos madeirenses que, não obstante ser
traçado por um protestante, molestado com o tratamento feito para com os seus
compatrícios, não estava longe da pratica e quotidiano religioso da Madeira e demais
ilhas.

OS JUDEUS E A INQUISIÇÃO. Os aferidores mais importantes da religiosidade dos


madeirenses são, sem dúvida, os testemunhos exarados, primeiro nos diversos livros das
visitações e depois nos processos perante o Santo ofício. A inquisição exercia a
actividade através do tribunal de Lisboa, a quem pertencia todo o espaço atlântico. A
acção do tribunal nestas paragens não era permanente e fazia-se através de visitadores aí
enviados. Na Madeira e nos açores realizaram-se três visitas: em 1575 por Marcos
Teixeira, em 1591-93 por Jerónimo Teixeira Cabral e em 1618-19 por Francisco
Cardoso Tornéo, mas só é conhecida a documentação das duas últimas.

Nas ilhas é manifesta a conivência das autoridades com a presença da comunidade


judaica, o que poderá resultar das facilidades iniciais à sua fixação. Deste modo o
tribunal interveio apenas nas primeiras ilhas levando a tribunal alguns judeus, mas
poucos, a avaliar pela comunidade aí existentes e insistente permanência. Em finais do
século dezasseis foram arrolados 94 cristãos novos, mas em 1618 o seu número não
passou de 5, quando sabemos que em 1620 eram 58 os judeus que pagava a taxa. Entre-
tanto no intervalo de tempo entre as visitas o tribunal fazia-se representar pelo bispo,
clero, reitores do colégio dos jesuítas, "familiares" e comissários do Santo oficio.
A presença da comunidade judaica era evidente. Os judeus, maioritariamente
comerciantes, estavam ligados, desde o inicio, ao sistema de trocas nas ilhas, sendo os
principais animadores do relacionamento e comércio a longa distância. A criação do
tribunal do Santo ofício em Lisboa conduziu a que avançassem no Atlântico: primeiro
nas ilhas e depois no Brasil. Tal diáspora fez-se de acordo com os vectores da economia
atlântica pelo que deixavam atrás um rasto evidente na sua rede de negócios. O açúcar
foi sem dúvida um dos principais móbeis da sua actividade, quer nas ilhas, quer no
Brasil. A par disso, o relacionamento destes espaços com os portos nórdicos conduziu a
uma maior permeabilidade às ideias protestantes, o que gerou inúmeras cuidados por
parte do clero e do Santo ofício. A incidência do comércio da Madeira no açúcar, pastel
e vinho conduziu ao estabelecimento de contactos assíduos com os portos da Flandres e
Inglaterra, que não era bem visto pelo tribunal. Isto deverá ter favorecido a presença de
uma importante comunidade, o que veio a avolumar as preocupações dos inquisidores.

Na Madeira, a presença da comunidade britânica era evidente mas manteve-se ilesa. O


bispo funchalense, D. Frei Lourenço de Távora, no sínodo realizado em 15 de Junho de
1615 chamou a atenção para a presença de estrangeiros "de partes infeccionadas na fé",
apelando para a necessidade de se cumprir o estabelecido em 1608 pelo prelado anterior
que determinara "que os tais estrangeiros cismáticos e hereges não podem tratar nem
disputar com a gente da terra sobre a fé, nem fazer coisa, que dece escândalo". Isto
derivava certamente da assídua frequência de mercadores ingleses à cidade do Funchal,
que assumiam uma posição dominante nas trocas externas. Todavia, é reduzido o
número de anglicanos denunciados, sendo apenas 4 em 1618.

Analisadas as denúncias e confissões de madeirenses e açorianos perante os


inquisidores conclui-se por uma incapaz intervenção do clero no ensino da doutrina aos
leigos. A maioria dos réus é resultado da ignorância dos cânones católicos. A mesma
ideia é-nos transmitida através das visitas paroquiais, disponíveis e já divulgadas. Deste
modo poder-se-á afirmar que as orientações tridentinas tardaram em chegar às ilhas e
que a inércia e o fraco nível cultural do clero terão sido os principais responsáveis disso.

Em 1689 é a vez de um protestante britânico, John Ovington, de visita à Madeira


apontar o estado de formação e comportamento social do clero e leigos. acerca do
primeiro refere que os jesuítas "apenas um em três com quem conversei compreendia o
latim", enquanto os cónegos da Sé "são hábeis na sua capacidade de inventar razões
para defenderem a sua indolência" e "todos fingem um grande ardor na sua fé". Dos
leigos católicos refere a sua propensão para o crime de homicídio tendo como resguardo
o recurso à comunidade eclesiástica, concluindo da seguinte forma: "Estes cristãos são
tão desregrados na prática deste crime como indulgentes nos castigos merecidos por tais
acções"5. Eis um breve e incisivo retrato do catolicismo madeirense que, não obstante
ser traçado por um protestante, molestado com o tratamento feito para com os seus
compatrícios, não estava longe de espelhar a pratica e quotidiano religioso da Madeira e
demais ilhas.

5
. John OVINGTON, "A voyage to Surrat in the year
1689", in Madeira vista por estrangeiros 1455-1700,
Funchal, 1981, 203-206.
ARTE RELIGIOSA. As riquezas geradas pelo comércio do açúcar propiciaram à
coroa e madeirenses os necessários dinheiros para erguer tão sumptuoso templo e
rechea-lo de ricas pinturas flamengas e alfaias religiosas em ouro e prata. Aliás, a
riqueza da arte sacra madeirense e a monumentalidade da arquitectura religiosa, nos
séculos XV e XVI, estão em relação directa com esta realidade, sendo testemunho disso
o recheio do Museu de Arte Sacra no Funchal.

DEVOÇÃO E CULTO. Note-se que, não obstante surgirem referências à fixação de


colonos nesta área a partir da segunda metade do século XV, somente na centúria
seguinte os primeiros núcleos populacionais adquirem alguma importância, como se
poderá verificar com o aparecimento das primeiras freguesias - S. Jorge (1517), P.
Delgada (1552), Seixal (1552) -. A de São Vicente deverá ser mais antiga. Álvaro
Rodrigues de Azevedo, por fundamento que desconhecemos, apresenta a data de 1440
como a da sua fundação. Os princípios do nosso século foram pautados por profundas
remodelações nas igrejas paroquiais do concelho. A primeira a ser alvo desta situação
foi a de Ponta Delgada mercê do típico incêndio que a atingiu em 1908. O facto de ser o
local de uma das mais importantes romarias da ilha levou a um movimento da sua
rápida recuperação com auxílio do Governo Central.

Nos anos quarenta o pároco de S. Vicente, o padre Alfredo Teodoro de Ponte Lira
aposta na renovação e ampliação das duas igrejas do concelho. Primeiro foi a
reconstrução da igreja matriz da Vila com o aumento de uma nova nave para o Centro
da Vila seguindo-se depois a ampliação da de Nossa Senhora do Rosário em 1947 com
duas naves laterais tendo a Câmara construído o largo e jardinagem do largo junto desta
Capela.

Facto significativo foi a iniciativa de construção da Capela de Nossa Senhora de Fátima


no Pico da Cova, que ocorreu na Vereação de 1946 como forma de regozijo pelo fim da
2ª Grande Guerra Mundial.

Com o bispo D. Frei David de Sousa a diocese do Funchal viu aumentar o número de
paróquias, sendo de salientar as três novas do concelho: Lameiros, Feiteiras e Fajã do
Penedo. Não obstante ter sido instalada a sua cripta em 1965 tardou alguns anos até que
estas dispusessem do seu próprio templo. A iniciativa da construção da Igreja das
Feiteiras bem como da casa paroquial do Rosário partiu do Padre Manuel de Sousa
Júnior.

Seguindo uma secular tradição o concelho de S. Vicente organizava todos os anos a


festa do Corpo de Deus que constava de um desfile nas ruas da Vila. Em 18736
estiveram presentes e desfilaram na procissão o pároco de Ponta Delgada acompanhado
da Confraria do Santíssimo Sacramento. As actividades do município marcavam
também a sua presença, indo o juiz ordinário e juízes eleitos, o administrador do
concelho acompanhados dos seus funcionários. O empenho da Vereação nesta
cerimónia é apenas manifesta neste ano e em 1869, não existindo outra qualquer
referência à sua concretização.

Hoje, quando se fala na devoção religiosa das gentes do norte vêm-nos à memória, no
imediato, as romarias do Senhor Bom Jesus (no primeiro domingo de Setembro) e de
6
. Vereação de 7 de Junho de 1873.
Nossa Senhora do Rosário (no primeiro Domingo de Outubro). Ontem como hoje estas
duas manifestações religiosas continuam a ser um dos momentos mais importantes da
vivência religiosa e folia. Ontem como hoje mantêm-se como festividades regionais que
fazem atrair milhares de romeiros ou forasteiros.

Santa Quitéria, São Vicente, Bom Jesus, são os padroeiros das igrejas matrizes das três
freguesias que formam o Concelho de São Vicente. O último sustentado por um dos
mais rijos arraiais de toda a ilha, o do Bom Jesus de Ponta Delgada, em Setembro, e
onde acorrem centenas de forasteiros, noutros tempos ostentando, presa na fita do
chapéu, estampa votiva do santo, impressa com a oração de indulgência
"Encomendação a Jesus"

O Senhor Bom Jesus e Nossa Senhora do Rosário firmaram-se desde muito cedo na
devoção das gentes do norte e também de toda a ilha. O Senhor Bom Jesus é a devoção
mais antiga e terá surgido na ilha desde 1466 com Manuel Afonso Sanha um colono
oriundo de Braga que fez transplantar para a sua sesmaria na Ponta Delgada o seu
patrono. Deste modo, a primeira ermida que também fez erguer foi em sua honra. Da
devoção privada passou-se à de todas as gentes do local, da encosta norte, e, depois, de
toda a ilha. Não sabemos como tudo se passou. Apenas podemos afirmar que já no
último quartel do século XVI a festa do Senhor Bom Jesus fazia atrair muitos romeiros
à encosta norte. No livro de visitações encontramos informações que apontam para um
aumento da devoção ao Senhor Bom Jesus e de afluência dos romeiros nos séculos
seguintes. Em 1657 e 1706 surgem queixas a propósito de o gado, no caso de caprino,
pastar nas serras, sobranceiras às veredas, o que fazia perigar os transeuntes que se
dirigiam à missa ou em romagem. E, no último ano, refere-se a morte de "muitas
pessoas das contínuas romarias". Na verdade, neste século XVIII o Senhor Bom Jesus,
não obstante estar colocado num local distante da encosta norte, era motivo de grande
devoção, fazendo aumentar a afluência de romeiros.

Desde finais do século XVI que está testemunhada a existência da confraria do Senhor
Bom Jesus que através do número de legados perpétuos oriundos de gentes de diversas
origens atesta que a devoção estava em crescente ascensão. A fama do Senhor Bom
Jesus como milagreiro alastrou a toda a ilha e fez com que o norte, mais propriamente
Ponta Delgada, se transformasse num dos principais centros de peregrinação. Desde o
século XVII são evidentes os testemunhos da dominância desta romaria na devoção
popular. Assim, para além dos legados em género ou dinheiro, temos as obrigações de
romaria ao Senhor Bom Jesus com missa e a presença do ente querido a quem foi
pedida a intersecção do Senhor Bom Jesus. A promessa, ontem como hoje, não se ficava
apenas pela ida em romaria a Ponta Delgada e entrega de uma esmola mas também pela
alegria dos cantares. O testemunho das assíduas romagens está no facto de em 1646
Afonso Gomes ter deixado à fábrica da igreja de Ponta Delgada uma casa para os
romeiros.

A tradição prolongou-se no tempo chegando até nós. E, neste curso de cinco séculos são
evidentes os testemunhos desta viva tradição. Em 1817 José Moniz de Câmara, vizinho
da Fajã de Areia, declarava ao Padre Francisco Borges seu testamenteiro para cumprir
os seus legados, entre os quais estava a obrigação de cumprir uma romaria ao Senhor
Bom Jesus de Ponta Delgada, entrando de joelhos desde a porta principal até ao altar-
mor seguido de uma missa. O culto está também patente na confraria com o mesmo
nome, que domina os legados perpétuos a partir de 1645. Esta devoção atingia as gentes
do lugar mas também as de São Vicente.

O facto desta devoção se afirmar a partir de meados do século XVII deverá estar
relacionado com a fama de milagreiro do Senhor Bom Jesus. Assim, em 1866 o
presidente da Câmara de S. Vicente dá conta de que a festa contou com a afluência de
muito povo, o que provocou uma desorganização junto da imagem, não intervindo o
regedor do lugar porque estava ocupado a vender círios. No ano imediato foi ainda
maior a presença de peregrinos: "no primeiro de Setembro teve lugar a grande romaria
de Ponta Delgada, a qual foi bastante concorrida, pois "é a opinião geral de que a
romaria deste ano excedia um terço dos anos anteriores". Tudo correu sem incidentes,
havendo apenas a lamentar a morte de um barqueiro da Ribeira Brava que caiu
embriagado nas fajãs de São Vicente.

É evidente que o facto de Ponta Delgada ser o principal porto de desembarque e


embarque no concelho favoreceu a presença de romeiros de diversas partes da ilha, que
aí acolhiam por via marítima, a exemplo do que sucedia noutras freguesias da ilha. O
fervor religioso justifica muitas vezes esse sacrifício e não impediu que em 1908, a
apenas dois meses do incêndio que vitimou a igreja a 12 de Julho, o arraial tivesse
lugar.

A afluência dos peregrinos ao local de romagem era grande e fazia-se através dos
caminhos que ligavam o local ao sul da ilha, por via de Boaventura ou de S. Vicente.
Deste modo na última semana de Agosto era desusado o número destes que
calcorreavam a pé as encostas íngremes. No século XX com a abertura das estradas de
ligação entre S. Vicente e a Ribeira Brava e Ponta Delgada o movimento transferiu-se
para a estrada. Não será de estranhar o facto de a romaria do Senhor Bom Jesus se
estender à Encumeada, Caramujo e Estanquinhos. Assim em 19367 o imposto sobre a
carne e barracas montada nestes locais nos dias 5 a 10 de Setembro era cobrado por
Joaquim Nunes Brazão Machado

A grande aposta em terrenos de devoção e diversão estava nos arraiais de Ponta Delgada
e do Rosário. A referência a estas manifestações é ocasional e prende-se com os
interesses e obrigações do próprio município. Em 1876 a Vereação nomeou dois fiscais
para as vendas ambulantes na festa de Ponta Delgada. Ainda de acordo com
determinação da comissão reguladora do comércio do distrito do Funchal sabemos que
em 1941 podiam ser abatidas até 80 cabeças de gado. Os contributos da Câmara para
estas festas são poucos resumindo-se a assegurar as despesas com o policiamento e
apenas em 1937 é declarado que o valor de 135$00 do imposto cobrado aos vendedores
ambulantes no arraial do Rosário ficaria para as despesas do mesmo.

A partir dos anos quarenta temos notícia de outro arraial em honra do orago do
concelho. Desde 1947 que temos referência à sua realização através do pedido de
licença para a colocação de mastros na rua da Vila. Entretanto em 25 de Outubro de
1962 a Vereação, sob proposta do seu presidente decidiu considerar o dia 22 de Janeiro
como feriado municipal, tendo em conta que era uma festa com grande tradição em
honra do padroeiro da Vila e do concelho.

7
Veração de 13 e 20 de Agosto de 1936
Em 1944 a Vereação decidiu comemorar outra efeméride evocativa da elevação do
lugar de S. Vicente à categoria de Vila e de criação do concelho. A 15 de Julho decidiu-
se celebrar os duzentos anos com uma festa, à qual compareceram as mais altas
individualidades da região. A vila tornou-se no centro da ilha durante algum tempo.
Fez-se uma exposição de gado, etnográfica. O acto foi aproveitado para uma
homenagem ao Governador Civil, Gustavo Teixeira Dias, e ao Presidente da Junta
Geral, Dr. João Abel de Freitas que foram agraciados com o título de cidadão honorário
do concelho.

É evidente nesta época uma preocupação pela história e tradições do concelho,


encarando a Vereação tal realidade. Em 1943 havia-se convidado o Dr. Augusto da
Silva Branco Camacho a fazer um estudo histórico sobre a vida do concelho, a data da
sua criação e evolução administrativa, o que nunca concretizou. Depois, coincidindo
com os 200 anos de criação da Vila foi aprovado pela comissão de heráldica a 28 de
Junho o selo e a bandeira, que não existiam8. Outra manifestação de carácter profano
ocorreu em 1953. Pela primeira vez temos referência à festa das vindimas que aqui teve
lugar no dia 13 de Setembro. Na verdade, o concelho de S. Vicente foi desde a década
de trinta um importante local de diversão. Para isso contribuiu a inauguração a 27 de
Setembro de 1931 do Teatro Gil Vicente, propriedade de Carlos França. Vários grupos
de excursionistas deslocavam-se do Funchal para representar e assistir às inúmeras
récitas que aí tiveram lugar.

INSTRUMENTOS DE TRABALHO: documentação referente à diocese do Funchal


encontra-se parcialmente no ANTT, núcleo do Cabido e Sé do Funchal e no Arquivo da
Diocese no Paço Episcopal do Funchal. Veja-se os inventários desta documentação em
Arquivos Insulares, Funchal, 1997, AHM, 1999.
BIBLIOGRAFIA a Igreja e religiosidade: CAEIRO, Maria Margarida, Concepções da
vida e da morte na Madeira entre 1580 e 1640. Alguns contributos para a História das
mentalidades do arquipélago, III CIHM, Funchal, 1993, 575-583, FERREIRA, Manuel
Juvenal Pita, A Ordem Seráfica da ilha da Madeira, in DAHM, Vol. VI, nº 32,1962.
PEREIRA, Eduardo C. N., Ilhas de Zargo, vol. II, Funchal, 1989, SANTOS, Eugénio
dos, A sociedade madeirense na Época moderna, alguns indicadores, I CIHM, Funchal,
1989,1212-1225, Constituições Sinodais do Bispado do Funchal. Feitas & ordenadas
por Dom Ieronimo Barreto Bispo do dito bispado, Lisboa, 1585, Constituições Sinodais
do bispado do Funchal com as extravagantes novamente impressas por mandado de
Dom Luís de Figueiredo de Lemos, Bispo do dito bispado, Lisboa, 1610, Memórias
sobre a creação e aumento do estado eclesiástico na Ilha da Madeira, in Heraldo da
Madeira, nºs 564-648, 1906, NORONHA, Henrique Henriques de, Memórias seculares
e eclesiásticas para a composição de História de Diocese do Funchal, (Ilha da
Madeira) ano 1722, Funchal, 1997. PEREIRA, Manuel Plácido, Nossa Senhora do
Monte, padroeira da Ilha da Madeira, Lisboa, 1913, SILVA, Fernando Augusto da,
Parochia de Santo António do Funchal, Funchal, 2 vols., 1915-1916, IDEM, Subsídios
para a História da Diocese do Funchal, 1425-1800, Funchal, 1946, IDEM, Diocese do
Funchal. Sinopse Cronológica, Funchal, 1945, IDEM, Colégio e Igreja de S. João
Evangelista do Funchal. Breve Monografia Histórica, Funchal, 1947. IDEM,
8
. Vereação de 29 de Julho de 1944.
Elucidário Madeirense, 2 vols. Funchal, 1965, IDEM, Vida do Apostólico varão Frei
Pedro da Guarda popularmente chamado o sancto servo de Deus, Funchal, 1867.
BRAGA, PAULO Drumond, "A actividade diocesana de D. Martinho de Portugal na
arquidiocese funchalense", in Actas. III Colóquio Internacional de História da Madeira,
Funchal, 1993, 557-562. BRÁSIO, António, "O padroado da Ordem de Cristo na
Madeira", in Arquivo Histórico da Madeira, XII, 1960-61, pp. 193-228. CARITA, Rui,
O Colégio dos Jesuítas do Funchal memória histórica, 2 vols, Funchal, 1987.
FERREIRA, Manuel Juvenal Pita, "A ordem seráfica na Madeira", in DAHM, VI, nº.32,
1962, A Sé do Funchal, Funchal, 1963. GOMES, Eduarda Maria de Sousa, O convento
da Encarnação do Funchal. Subsídio para a sua História. 1660-1777, Funchal, 1995.
GONÇALVES, Ernesto, "Nossa Senhora do Monte. séc. XV e XVI", in DAHM, vol.IV,
nº23, 1956. Miranda, Susana Munch, "Para a História da estrutura eclesiástica da ilha da
Madeira(segunda metade do século XVI). Congruas, paróquias e paroquianos", in III
CIHM, Funchal, 1993, pp. 541-556. Oliveira, João José Maria de, "Principais religiosos
madeirenses dos conventos da Madeira e Portugal", in A. H. M., vols. II-III, 1932-1933,
pp.118-128, 88-93, 35-38. PEREIRA, Fernando Jasmins, "Bens Eclesiásticos - Diocese
do Funchal" in Estudos sobre História da Madeira, Funchal, 1991, pp. 325-327.
Pereira, Joaquim Plácido, "Jóias franciscanas outorgadas à ilha da Madeira", in DAHM,
V, nº.30, 1960, VI, nº.31 e 34, 1961; Nossa Senhora do Monte, padroeira da Ilha da
Madeira, Lisboa, 1913. Sousa, João José Abreu e, o convento de Santa Clara do
Funchal, Funchal, 1991. VAZ, Fernando Carlos Azevedo, "S. Francisco do Funchal. A
igreja, o convento, os frades", in DAHM, 1948-49, IV, nº.23, 1956. VIEIRA, Alberto,
As constituições sinodais das dioceses de Angra, Funchal e Las Palmas nos séculos XV
e XVI", in Congresso Internacional. Missionação Portuguesa e encontro de Culturas.
Actas, Vol. I, Braga, 1993, pp.455-481. Bernardete Barros, A Festa Processional Corpu
Christi no Funchal(sécs. XV a XIX, Actas do I Colóquio Internacional de História da
Madeira, Funchal, 1989, vol. I, 344-359.
Sobre a Inquisição na Madeira: FARINHA, Maria do Carmo Dias, "A Madeira nos
arquivos da inquisição", in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira,
vol.I, Funchal, 1990, pp.689-742. OLIVAL, Fernanda, "Inquisição e a Madeira. visita
de 1618", in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira, vol. II,
Funchal, 1990, 764-818; IDEM,"A visita da Inquisição à Madeira em 1591-1592", in
Actas. III Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, 1993, 493-520.
Anita Novinsky, Inquisição e Heresias na Ilha da Madeira, Actas do I Colóquio
Internacional de História da Madeira, Funchal, 1989, vol. II, João Cabral do
Nascimento, Vestígios de Sangue Impuro ou Indiscrições dum Anotador mal
Humorado, AHM, vol.I, Funchal, 1931, 4-11.

Potrebbero piacerti anche