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93 a 97, 2004
Palavras chave: Património mineiro; identidade; cidadania; desenvolvimento local; museu mineiro
...As antigas minas permitem ao público visualizar (....), uma actividade humana iniciada em tempos pré-históricos e que contribui para a
riqueza industrial (....). Elas são também a imagem de um corpo de trabalho, o dos mineiros, e o estudo das minas do passado permite analisar a
história desta profissão através dos tempos e o impacto económico, social e cultural da actividade mineira nas comunidades envolvidas...
Jean Féraud (1996)
1. Pontos de partida
Vivemos num período marcado por contradições culturais com forte base espacio-temporal e são capazes de pro-
entre valores e lógicas de desenvolvimento, no- mover identificações (....) Os museus são espaços de resistência,
meadamente no que respeita à memória colectiva uma vez que podem operar como identidades locais (em devir)
e à preservação do património. Se por um lado é frente à tentativa de massificação cultural (p. 18).
necessário investir na melhoria ou construção de
Esta perspectiva, consonante com a de M. Célia
equipamentos de uso colectivo de forma a pos-
Santos (1999:3) para quem o objectivo social da Muse-
sibilitar a todos as mesmas oportunidades, ten-
ologia é a compreensão e valorização da nossa identidade cultural
do em vista a (lenta) correcção das assimetrias na
através do património, permite-nos encarar o processo
repartição dos recursos, por outro, pode dizer-
de musealização como vector fundamental no re-
-se que tal tem sido feito, tantas vezes, à custa da
forço da auto-estima e identidade locais, permi-
descaracterização dos valores tradicionais - fre-
tindo a aproximação dos cidadãos aos seus “bens
quentemente encarados como símbolos de atra-
so -, mercê da sub-reptícia globalização que vai culturais” (democratização da cultura) e contri-
fazendo perder quadros de referências a troco de buindo para o reforço do exercício do direito de
um certo “progresso” tecnocrata. cidadania, mediante o aumento da capacidade do
cidadão de participar no processo de inventário e
Enquanto modo de apreender e representar a realidade decisão sobre a sua herança patrimonial.
natural e humana geradora de cultura (Stránski 1993:17),
a museologia apresenta-se como estratégia de Estas reflexões espelham, de certa forma, as
mudança de comunicação entre a sociedade e os profundas mudanças vividas pelos museus nas
produtos da sua actividade, apontando desta for- últimas décadas, que P. Van Mensch (1987:50)
ma aos museus um novo rumo como instituições ao sintetiza nos seguintes tópicos principais:
serviço da comunidade, tendo como missão participar na · Ampliação do conceito de objecto museológico.
formação da consciência da comunidade que servem, de forma a
· Tendência para a preservação in situ.
que esta apreenda através de um quadro histórico os problemas
do homem enquanto indivíduo e enquanto ser social3. · Deslocação da centralização no objecto para
centralização na comunidade.
Nestes tempos de globalização – novo nome para o velho impe-
rialismo - escreve Mário Chagas (2000), os museus Tendo presentes estes princípios orientadores,
têm um papel importante. Eles operam com documentos/bens partilhamos da ideia de museus ao serviço do de-
94 José M. Brandão
tenciando os recursos endógenos da comunida- valorização da sua herança patrimonial mineira visando a me-
de e os exemplos de sucesso conhecidos no âmbi- lhoria da qualidade de vida da população”.
to da preservação e (re)utilização de património Embora a proposta de programa museológico que
industrial, apontam de forma inequívoca para a apresentámos considere como objectos da musea-
possibilidade recuperar e valorizar o antigo com- lização os três elementos fundamentais território,
plexo mineiro constituindo um museu ancorado população e património, o mais tangível e sensí-
numa ampla participação da população local, si- vel destes elementos é, sem dúvida, o conjunto dos
multaneamente actriz6 e principal destinatária testemunhos materiais ligados ao antigo comple-
do projecto. xo mineiro, designadamente o poço mestre e as
É consensual a ideia de que os museus mineiros galerias, os anexos mineiros (onde ainda se con-
servam parte dos equipamentos existentes duran-
têm por missão fundamental a preservação da memória
te a lavra), as escombreiras e o bairro operário.
e do património mineiro móvel e construído, propiciando o co-
São também parte integrante do património me-
nhecimento dos recursos geológicos, dos métodos e técnicas utili-
morial das minas os bens móveis de carácter mais
zados na sua prospecção e extracção e favorecendo o conhecimen- pessoal como por exemplo os equipamentos de
to da história local, social e económica7 (Brandão 1998:7). protecção individual e de iluminação, fotografias
A preservação dos traços fundamentais da paisa- e documentos escritos, os quais se encontram na
gem industrial é, também, uma razão de peso, na posse de vários dos antigos trabalhadores, passí-
medida em que a instalação das minas ocasiona
modificações mais ou menos importantes da pai-
sagem pré-existente, decorrentes da introdução
de elementos técnicos (cavaletes, lavaria, parques
de minério e rejeitados, etc.), como também da
instalação das necessárias infra-estruturas sociais
e de comunicação.
Nesta óptica, o Museu das Minas de Argozelo deveria
assegurar, pelo menos, os seguintes dois pilares
essenciais da acção museológica:
· a preservação / conservação in situ do conjunto de bens
móveis e imóveis da mina, conhecidas que são as
ameaças de destruição e total desaparecimento
deste património, e a
· produção de uma mostra / encenação, pela qual se
faça, como diz M. Olímpia Campagnolo (1991) a
propósito dos museus locais, “a restituição sob a forma
de apresentação permanente ou temporária de bens identificados
e documentados à população a que estes «pertencem» directa ou
indirectamente” (p. 60).
A missão deste museu tal como já oportunamen-
te tínhamos tido oportunidade de formular su-
mariamente (Brandão 2002a:704; 2002b:169),
poderia então ter a seguinte expressão:
Aprofundar os sentimentos de auto-estima e identidade da co- Fig. 1 – O cavalete metálico e algumas das vagonetas de transpor-
munidade de Argozelo pelo conhecimento, estudo, recuperação e te do minério. Foto J.Brandão 2001.
96 José M. Brandão
3
V. Declaração de Santiago do Chile, 1972
4
A maior parte destes museus situa-se na Alemanha, Bélgica e Reino Unido, conhecendo-se, no entanto, muitas experiências tanto
nos restantes países da Europa Central, como no leste europeu.
5
Embora tenhamos tido conhecimento da recente e total destruição dos diversos edifícios do antigo complexo mineiro de Argozelo
e que, em consequência, por perda de contexto e circunstância esteja comprometida a implementação do projecto museológico tal
como fora oportunamente elaborado, é nossa convicção que o presente texto mantém intacta a sua pertinência, pelas propostas me-
todológicas e de intervenção social, passíveis de serem aplicadas noutros lugares com problemáticas idênticas.
6
Antigos operários e mineiros, autoridades locais, professores, pároco, médico, associações, comunidade em geral.
7
Os museus de mina são também lugares de excelência para o encontro, estudo e divulgação da história local, nomeadamente nas
suas vertentes social e económica, tantas vezes marcada pela agitação política e pelas greves, pelo desemprego, pela morte violenta
e pelas doenças profissionais, e para o estudo da organização do espaço social e laboral, definido segundo padrões estabelecidos a
partir das relações hierárquicas entre a comunidade de trabalhadores e das próprias relações funcionais das instalações. A vertente
paisagística é também uma componente de peso na medida em que a instalação destas unidades industriais se traduz em modificações
mais ou menos importantes, marcadas não apenas pela introdução dos novos elementos tecnológicos como também pela instalação
das infra-estruturas sociais e de comunicação.