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Associação portuguesa de geólogos Geonovas nº 18, pp.

93 a 97, 2004

Linhas gerais do desenvolvimento de um projecto de


trabalho no âmbito da musealização de um
espaço mineiro abandonado1
José M. Brandão2
1
Texto guia de apresentação nos “Encontros Museológicos – Pesquisa em Museologia e
seus diferentes vetores acadêmicos” do CEMAE, Universidade de S. Paulo, 2003.
2
Museu Geológico - INETI.

Palavras chave: Património mineiro; identidade; cidadania; desenvolvimento local; museu mineiro
...As antigas minas permitem ao público visualizar (....), uma actividade humana iniciada em tempos pré-históricos e que contribui para a
riqueza industrial (....). Elas são também a imagem de um corpo de trabalho, o dos mineiros, e o estudo das minas do passado permite analisar a
história desta profissão através dos tempos e o impacto económico, social e cultural da actividade mineira nas comunidades envolvidas...
Jean Féraud (1996)

1. Pontos de partida
Vivemos num período marcado por contradições culturais com forte base espacio-temporal e são capazes de pro-
entre valores e lógicas de desenvolvimento, no- mover identificações (....) Os museus são espaços de resistência,
meadamente no que respeita à memória colectiva uma vez que podem operar como identidades locais (em devir)
e à preservação do património. Se por um lado é frente à tentativa de massificação cultural (p. 18).
necessário investir na melhoria ou construção de
Esta perspectiva, consonante com a de M. Célia
equipamentos de uso colectivo de forma a pos-
Santos (1999:3) para quem o objectivo social da Muse-
sibilitar a todos as mesmas oportunidades, ten-
ologia é a compreensão e valorização da nossa identidade cultural
do em vista a (lenta) correcção das assimetrias na
através do património, permite-nos encarar o processo
repartição dos recursos, por outro, pode dizer-
de musealização como vector fundamental no re-
-se que tal tem sido feito, tantas vezes, à custa da
forço da auto-estima e identidade locais, permi-
descaracterização dos valores tradicionais - fre-
tindo a aproximação dos cidadãos aos seus “bens
quentemente encarados como símbolos de atra-
so -, mercê da sub-reptícia globalização que vai culturais” (democratização da cultura) e contri-
fazendo perder quadros de referências a troco de buindo para o reforço do exercício do direito de
um certo “progresso” tecnocrata. cidadania, mediante o aumento da capacidade do
cidadão de participar no processo de inventário e
Enquanto modo de apreender e representar a realidade decisão sobre a sua herança patrimonial.
natural e humana geradora de cultura (Stránski 1993:17),
a museologia apresenta-se como estratégia de Estas reflexões espelham, de certa forma, as
mudança de comunicação entre a sociedade e os profundas mudanças vividas pelos museus nas
produtos da sua actividade, apontando desta for- últimas décadas, que P. Van Mensch (1987:50)
ma aos museus um novo rumo como instituições ao sintetiza nos seguintes tópicos principais:
serviço da comunidade, tendo como missão participar na · Ampliação do conceito de objecto museológico.
formação da consciência da comunidade que servem, de forma a
· Tendência para a preservação in situ.
que esta apreenda através de um quadro histórico os problemas
do homem enquanto indivíduo e enquanto ser social3. · Deslocação da centralização no objecto para
centralização na comunidade.
Nestes tempos de globalização – novo nome para o velho impe-
rialismo - escreve Mário Chagas (2000), os museus Tendo presentes estes princípios orientadores,
têm um papel importante. Eles operam com documentos/bens partilhamos da ideia de museus ao serviço do de-
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senvolvimento local e/ou regional, contribuindo cultural, consequência da crescente democratiza-


para a melhoria da qualidade de vida das comu- ção do ensino e do alargamento da escolarização.
nidades a que se encontram ligados, mediante a Esta conjunção de interesses tem vindo a permitir
criação de interacções que se projectem na eleva- a salvaguarda do património histórico-industrial
ção do seu nível cultural e económico. que, no caso em apreço, se expressou pela con-
versão de algumas áreas mineiras abandonadas,
2. A situação problema
económica e socialmente degradadas em pólos
Em Portugal, mercê de uma diversificada histó- de atracção e de desenvolvimento cultural e eco-
ria geológica, ocorre um vasto lote de substâncias nómico. Só na Europa, segundo O. Puche e M.
minerais com interesse económico que, pontual- Mazadiego (1998:1), são mais de 500 as antigas
mente, deram origem, desde os tempos pré-his- minas convertidas em museus mineiros históri-
tóricos, a largas centenas de explorações, que a, cos, minas-museu, museus de território, ecomu-
como sublinha J. Menezes (1988) a maioria das vezes seus ou parques recreativos, visitados anualmente
constituiu a principal ou única actividade existente em muitas por muitos milhares de pessoas 4.
zonas do interior do país (p. 332).
É, pois, neste contexto, que surge a possibilida-
Salvo raras excepções, não se conhecem, porém, de de recuperação e reaproveitamento turístico-
jazigos de grandes dimensões o que determinou cultural do património geomineiro nacional, ca-
a formação de um subsector extractivo baseado racterizado nas últimas décadas, como refere A.
em pequenas empresas de fraca capacidade tec- Leite (2000), por um abandono generalizado em virtude
nológica e produtiva. Tal facto, aliado ao baixo do encerramento das inúmeras unidades que fizeram história em
nível de remunerações e à dureza das condições muitas localidades do país (p. 5).
de trabalho, acabou por determinar o prematuro
encerramento de muitas minas, o que ficou pro- 3. Um caso exemplar
fundamente marcado na economia e estrutura Conhecendo há longos anos a mina de Argozelo
social das diversas áreas que tinham nessas minas (Vimioso, Trás-os-Montes) e o respectivo con-
a principal fonte de sustento. texto, de região deprimida, onde avultam (ainda)
A evolução dos mercados internacionais e o como alternativas a debandada para as capitais de
esgotamento de muitos jazigos determinaram, distrito e a emigração, não temos dúvida em re-
também, nas últimas décadas, o encerramento e conhecer o rude golpe imposto ao tecido social e
abandono da maior parte das minas, com a con- económico pelo encerramento forçado da mina
sequente degradação, alienação e perda do res- em 1986.
pectivo património e memória colectiva. A este Argozelo nunca foi o que se poderia chamar uma
fenómeno acresce ainda, em geral, a existência “grande mina” do ponto de vista da produção, no
de um considerável passivo ambiental (herdado entanto, ocupou o terceiro lugar no “ranking”
dos tempos em que as preocupações ambientais se das minas portuguesas de volfrâmio e estanho,
limitavam aos casos em que pudessem constituir com uma história de exploração de cerca de cem
obstáculos ao ritmo da produção), que tende a anos (Brandão 1999, 2002 b, d). Assim se en-
agravar-se consideravelmente ao longo do tempo, tende que, embora abandonada há mais de
nas minas abandonadas. dez anos, esta mina continue a ser um lugar chave
Todavia, com a recente e progressiva afirmação na história da mineração do volfrâmio e consti-
da arqueologia industrial nas suas diferentes va- tua, quer pelo património que ainda lhe está as-
lências, o interesse pelo estudo e preservação do sociado, quer pelo seu entrosamento na comuni-
património mineiro ampliou-se muito para além dade, um caso exemplar5.
dos vestígios da mineração na antiguidade, po- A necessidade de melhorar a qualidade de vida
tenciado pelo aumento da apetência pelo turismo dos habitantes desta antiga aldeia mineira po-
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tenciando os recursos endógenos da comunida- valorização da sua herança patrimonial mineira visando a me-
de e os exemplos de sucesso conhecidos no âmbi- lhoria da qualidade de vida da população”.
to da preservação e (re)utilização de património Embora a proposta de programa museológico que
industrial, apontam de forma inequívoca para a apresentámos considere como objectos da musea-
possibilidade recuperar e valorizar o antigo com- lização os três elementos fundamentais território,
plexo mineiro constituindo um museu ancorado população e património, o mais tangível e sensí-
numa ampla participação da população local, si- vel destes elementos é, sem dúvida, o conjunto dos
multaneamente actriz6 e principal destinatária testemunhos materiais ligados ao antigo comple-
do projecto. xo mineiro, designadamente o poço mestre e as
É consensual a ideia de que os museus mineiros galerias, os anexos mineiros (onde ainda se con-
servam parte dos equipamentos existentes duran-
têm por missão fundamental a preservação da memória
te a lavra), as escombreiras e o bairro operário.
e do património mineiro móvel e construído, propiciando o co-
São também parte integrante do património me-
nhecimento dos recursos geológicos, dos métodos e técnicas utili-
morial das minas os bens móveis de carácter mais
zados na sua prospecção e extracção e favorecendo o conhecimen- pessoal como por exemplo os equipamentos de
to da história local, social e económica7 (Brandão 1998:7). protecção individual e de iluminação, fotografias
A preservação dos traços fundamentais da paisa- e documentos escritos, os quais se encontram na
gem industrial é, também, uma razão de peso, na posse de vários dos antigos trabalhadores, passí-
medida em que a instalação das minas ocasiona
modificações mais ou menos importantes da pai-
sagem pré-existente, decorrentes da introdução
de elementos técnicos (cavaletes, lavaria, parques
de minério e rejeitados, etc.), como também da
instalação das necessárias infra-estruturas sociais
e de comunicação.
Nesta óptica, o Museu das Minas de Argozelo deveria
assegurar, pelo menos, os seguintes dois pilares
essenciais da acção museológica:
· a preservação / conservação in situ do conjunto de bens
móveis e imóveis da mina, conhecidas que são as
ameaças de destruição e total desaparecimento
deste património, e a
· produção de uma mostra / encenação, pela qual se
faça, como diz M. Olímpia Campagnolo (1991) a
propósito dos museus locais, “a restituição sob a forma
de apresentação permanente ou temporária de bens identificados
e documentados à população a que estes «pertencem» directa ou
indirectamente” (p. 60).
A missão deste museu tal como já oportunamen-
te tínhamos tido oportunidade de formular su-
mariamente (Brandão 2002a:704; 2002b:169),
poderia então ter a seguinte expressão:
Aprofundar os sentimentos de auto-estima e identidade da co- Fig. 1 – O cavalete metálico e algumas das vagonetas de transpor-
munidade de Argozelo pelo conhecimento, estudo, recuperação e te do minério. Foto J.Brandão 2001.
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elevação da qualidade de vida das comunidades


envolvidas.
Na nossa óptica, o projecto de preservação e va-
lorização do património cultural de Argozelo,
alicerçado na criação de um museu mineiro,
deverá, também, constituir-se num importante
veículo de requalificação ambiental e económica
local, pela requalificação dos espaços e minimi-
zação do impacte decorrente da antiga exploração
e pela criação de novas actividades/oportunidades
ligadas ao turismo cultural.
Fig. 2 – A galeria de Litarães aberta em flanco de encosta ao
Ao lançarmos as bases de reflexão sobre a criação
nível do 6º piso, encontra-se ainda praticável, conduzindo di-
do Museu das Minas de Argozelo à luz dos princí-
rectamente a uma das zonas mineralizadas mais interessantes.
Foto J.Brandão 2001. pios orientadores da museologia de intervenção,
tivemos em mente não apenas a prossecução de
veis de serem negociados entre os seus legítimos um projecto de preservação e salvaguarda dos
proprietários e a equipa projectista do museu. monumentos técnicos da mina, agora arredado
das suas funções produtivas originais e constituí-
O conjunto destes elementos constituirá o supor- dos em objectos-memória, mas também a criação
te material do programa expositivo, organizado de um espaço que combine de forma pedagógica e
segundo um percurso de descoberta polinuclea- lúdica o espírito do lugar com a função de símbo-
do, com eixo na cadeia operatória das actividades lo de identidade e desenvolvimento comunitário
ligadas à extracção e ao processamento dos miné- desta pequena região transmontana.
rios (Brandão 2002 a, b, c).
Referências
No que respeita à (re)utilização dos espaços in-
Brandão, J.M. (1998) – Património Mineiro
dustriais da mina para as (novas) finalidades mu-
Português: um filão a explorar. Actas do
seológicas, a proposta formulada teve em conta
Seminário Arqueologia e Museologia Mineiras,
não apenas as funções gerais e as actividades pre- Publ. do Museu do IGM pp. 5-9.
vistas no esboço de projecto cultural, como tam-
bém o inter-relacionamento das diferentes áreas, — (1999) – Museu das Minas de Argozelo: con-
tribuição para o estabelecimento do necessário
tendo em vista a harmonização da circulação dos
programa museológico. Actas do Simp. Sobre
visitantes, do pessoal técnico e dos materiais, fac-
Patrimonio Geológico y Minero, Tomo II, pp.
tores determinantes no plano de acessibilidades 167-178. Esc. Sup. Politécnica de Belméz, Univ.
do museu. de Córdova.
4. Nota final — (2002a) – O Projecto de musealização das Mi-
nas de Argozelo (Vimioso). Actas do Congresso
Se bem que a preservação da memória através da Internacional Sobre Património Geológico e
selecção dos seus testemunhos materiais e imate- Mineiro. Pub. do Museu do IGM. Lisboa, pp.
riais seja, na sociedade actual, um exercício de 697-705
modernidade e cidadania, tal não pode, porém,
ser alheado de todo um contexto social e eco- — (2002b) – A Problemática da musealização de
nómico local e/ou regional, a fim de que possa espaços mineiros. Um caso exemplar: proposta de
constituir-se em verdadeiro acto cultural, isto é, instalação do Museu das Minas de Argozelo. Tese
numa fonte de conhecimento e experiências in- de Mestrado Universidade Lusófona de Humani-
dades e Tecnologias., Lisboa. 266 p. + anexos.
ter-geracionais e inter-populacionais. Estas ac-
ções deverão ter uma finalidade eminentemen- — (2002c) – Núcleos de interesse do projecto
te social, delas resultando benefícios directos na de instalação do Museu das Minas de Argozelo
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(Trás-os-Montes, Portugal). In: Patrimonio ge- Menezes, J. (1988) – Perspectivas de desenvol-


ológico y minero y desarrollo regional, pp. 505- vimento da actividade mineira em Portugal. Bol.
514. IGME, Madrid 2003. Minas, 25 (4), pp. 331-341. Lisboa.
— (2002d) – Descoberta e exploração das minas Mensch, P.V. (1987) – Museus em movimento:
de Sn-W de Argozelo (Trás-os-Montes, Portu- Uma estimulante visão dinâmica sobre a inter-re-
gal). In: Patrimonio geológico y minero y de- lação museologia-museus. Texto elaborado para o
sarrollo regional, pp. 177-186. IGME, Madrid Simpósio sobre Museologia e Museus, Helsinki.
2003. Cadernos do ICOFOM, 12, pp.49-54.
Chagas, M. (2000) – Museu, literatura e emoção Puche, O. & Mazadiego, L. (1998)
de lidar. Curso de Mestrado em Museologia. – La conservación del patrimonio minero
ULHT. Texto polic. 21 p. metalurgico europeu : inventario, actuaciones de
conservación, archivos y museos. Bol. Inst. Tec.
Campagnolo, M.O. (1991) - Museus locais,
Geom. España, 109 (1-2), pp. 77- 90. Madrid.
museus centrais, instâncias intermédias;
aspectos do relacionamento museu-antropólogo. Santos, M.C. (1999) – Estratégias Museais e
Cadernos de Património e Museus Locais, 4, pp. Patrimoniais Contribuindo para a Qualidade
59-69, Lisboa. de Vida dos Cidadãos. Curso de Mestrado em
Museologia ULHT, Lisboa. 20 p.
Leite, A. (2001) – Memórias Mineiras: o passado
identificado no presente e como referência para o Stránski, Z. (1993) – Museologie. Introduction
futuro. Dep. Engª. de Minas, FEUP. 8 p. + foto à l´étude destinée aux étudiants de l’EIEM. Univ.
+ 1 mapa. Masarik, Brno. 64 p.

3
V. Declaração de Santiago do Chile, 1972
4
A maior parte destes museus situa-se na Alemanha, Bélgica e Reino Unido, conhecendo-se, no entanto, muitas experiências tanto
nos restantes países da Europa Central, como no leste europeu.
5
Embora tenhamos tido conhecimento da recente e total destruição dos diversos edifícios do antigo complexo mineiro de Argozelo
e que, em consequência, por perda de contexto e circunstância esteja comprometida a implementação do projecto museológico tal
como fora oportunamente elaborado, é nossa convicção que o presente texto mantém intacta a sua pertinência, pelas propostas me-
todológicas e de intervenção social, passíveis de serem aplicadas noutros lugares com problemáticas idênticas.
6
Antigos operários e mineiros, autoridades locais, professores, pároco, médico, associações, comunidade em geral.
7
Os museus de mina são também lugares de excelência para o encontro, estudo e divulgação da história local, nomeadamente nas
suas vertentes social e económica, tantas vezes marcada pela agitação política e pelas greves, pelo desemprego, pela morte violenta
e pelas doenças profissionais, e para o estudo da organização do espaço social e laboral, definido segundo padrões estabelecidos a
partir das relações hierárquicas entre a comunidade de trabalhadores e das próprias relações funcionais das instalações. A vertente
paisagística é também uma componente de peso na medida em que a instalação destas unidades industriais se traduz em modificações
mais ou menos importantes, marcadas não apenas pela introdução dos novos elementos tecnológicos como também pela instalação
das infra-estruturas sociais e de comunicação.

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