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Elogio da Matemática

Porque «o binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo»

1. Éramos jovens e queríamos saber a verdade do universo e a sua beleza. Por isso, à
medida que se iam publicando os heterónimos de Pessoa, Álvaro de Campos tornava-
se nosso profeta e nosso guia. Ficou-nos na memória essa perfeita equivalência entre
a ciência e a arte - aporia pura, destituída de artifícios. Sabíamos que havia «pouca
gente para dar por isso». Passaram os anos. E não é que hoje parece haver cada vez
menos gente para dar por isso?! Pois como explicar de outro modo que, ao saber-se
que em cada dez alunos do 12.° ano sete têm nota negativa a Matemática, não nas-
ça um grande clamor? Estarão a descer os «valores» na «bolsa do espírito»? E nin-
guém se assusta com esta «recessão»? Como dizer o paradoxo do país que se consi-
dera parte da «sociedade de informação» e em que 70% dos que querem seguir um
curso superior não sabem Matemática ao nível mais elementar? Há quem faça estra-
das e estádios, quem pactue com a construção maciça, assassina da paisagem, para
um número de habitantes que nunca existirá. Mas quem revelará às novas gerações o
que Eugénio Lisboa diz no seu poema Pitágoras: «Do número, tudo nascia:/ outros
números, a verdade,/ a curva que o astro seguia,/ a beleza, a vida, a cidade». Quem?
Quem?

Razão tem a Ordem dos Engenheiros ao não aceitar conferir a possibilidade de exer-
cer a profissão aos diplomados por «escolas de Engenharia» que aceitam estudantes
com nota negativa a Matemática, no 12° ano.

2. O que parece meter medo na Matemática é o seu grau de abstracção, necessário,


no entanto, até nas afirmações mais simples. Por exemplo, contar é uma tentativa
para reduzirmos a complexidade de qualquer conjunto. Se dizemos que Portugal tem
10 milhões de habitantes, estamos a reduzir a uma abstracção o facto de que cada um
desses habitantes é único e perfeitamente identificável. Sem a Matemática não há
hoje nenhum domínio do pensamento que possa ser entendido. Na base da Física, da
Biologia, da Sociologia, da Música, da Pintura. das Ciências da Linguagem, a Mate-
mática circula como princípio ordenador das formas. No mundo do caos como ciên-
cia (realidade não predestinada, sempre a auto-organizar-se e a ser construída), surge
a Matemática a clarificar, a tornar inteligível a desordem dos processos naturais e so-
ciais. Só pela Matemática se torna possível ordenar o caos.

3. Fala-se de rigor de exactidão. Onde encontrar essas condições da qualidade do tra-


balho se a estrutura matemática do pensamento for inexistente ou precária? Mais: co-
mo o entenderam os clássicos, as virtudes não se forjam fora da exigência de rigor da
lógica. Antes de serem valores morais, as virtudes são um ordenamento do ser em
equilíbrio consigo próprio e com o universo que o rodeia. Por isso, o rigor tanto se
exprime nas tecnologias contemporâneas como na evolução da música ou na pin-
tura de Picasso ou de Vieira da Silva. Hoje, usam-se cada vez mais conceitos forne-
cidos pela Matemática enquanto disciplina autónoma e enquanto suporte de todas as
disciplinas. Mas tais conceitos requerem constantemente uma afinação do seu próprio
significado. A Matemática, quando entendida no significado das suas representações
não é um universo fechado. É certo que, utilizada na Estatística ou na Física ou até
num dos seus códigos mais acessíveis, a Economia, a Matemática parece constituir
um mundo incompreensível no seu aparente hermetismo. A sua aprendizagem re-
quer disciplina, esforço, imaginação. É preciso revelar a verdade simples escondida
em cada expressão matemática complexa. Um grande físico, o prof. António da Sil-
veira, pedia-nos que demonstrássemos uma teoria física. Eram muitas vezes difíceis
essas demonstrações. Quando julgávamos ter chegado ao fim, ele mandava apagar o
quadro e, secamente, perguntava: «Isso tudo que acaba de demonstrar o que quer
dizer?» Era a qualidade para além da quantidade, era o fenómeno para além da
fórmula, era o significado para além do significante.

4. A Matemátíca é uma linguagem que tem a plasticidade necessária para entrar em


todas as situações. Aprender Matemática é compreender que todos os dados são
contextuais, é exercitar a capacidade de pôr os problemas em equação, é afastar as
solu-ções binárias forçosamente redutoras e maniqueístas, é abraçar o que é com-
plexo onde se abre a claridade do que é infinitamente plural. É olhar para Euclides,
um ou-tro poema de Lisboa: «Um percurso exacto./ Um discurso claro./ O rigor em
acto./ O escuro raro». Um programa de educação? Também. Mas sobretudo um pro-
grama de vida pessoal. E - porque não? - um programa político.

Visão 9 de Agosto de 2001

Maria de Lurdes Pintasilgo

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