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Entendendo o Tempo Presente


Ricardo Wesley M. Borges

Esse é um dom e um ministério a ser resgatado em nosso tempo.


Examinar e perscrutar a realidade presente. Entender seus pressupostos
e formas de pensar e agir. Identificar as novas tendências, percebendo
"Cada época tem suas grandezas e suas loucuras, suas que algumas não são tão novas assim. Sugerir alguns caminhos para
possibilidades e suas tentações. Mas essas sempre são diferentes questionamento e anúncio das verdades divinas. Esse é o propósito
desse breve texto, que procura chamar a atenção para alguns "ismos"
de época para época. Para aproveitar as oportunidades e evitar as (pluralismo, relativismo, racionalismo, individualismo e misticismo), e
ciladas, os cristãos deveriam estar num processo contínuo de tenta resumir, com o risco da generalização indevida, algumas de suas
características e desafios que impõem à nossa missão, principalmente no
'entender o tempo presente'(Rom. 13:11)”. que se refere ao anúncio do Evangelho de Jesus Cristo em nossa
Gene Edward Veith, Jr. geração. Não é uma tarefa fácil. Apenas aponto pistas que surgiram, em
grande parte, nos momentos de reflexão e edificação mútua no contexto
do ministério da ABU. O desejo de respondermos às questões do nosso
Introdução tempo veio nas oficinas de capacitação, nos desafios que a prática da
evangelização na Universidade nos colocava e, principalmente, naqueles
encontros de quinta-feira na Casa do Estudante da ABU - Céu & Cia, em
Uma das características dos profetas na Bíblia é que sabiam ler os Ribeirão Preto. A eles dedico esse trabalho, orando a fim de que ele seja
"sinais dos tempos". Isso incluía anunciar eventos futuros. Mas, mais do útil para estimular a reflexão sobre a nossa época e a nossa missão.
que isso, sabiam ler a sua realidade presente. Possuíam um dom Também orando para que, talvez como aquele teólogo que nos
divino especial de discernir o que estava por trás encorajava a segurar a Bíblia em uma mão e o jornal na outra, sejamos
das atitudes e posturas do povo, dos líderes fiéis ao nosso Senhor e à nossa geração.
religiosos e dos governantes de sua época. Sua
missão consistia em denúncia e anúncio. Iam além
1. Viva as opções (Pluralismo)
das aparências e denunciavam as motivações
erradas, traziam à luz os pecados escondidos,
anunciavam as conseqüências de permanecerem em seus maus a. Um panorama
caminhos e a possibilidade de reconciliação e restauração caso
houvesse a conversão para o Deus vivo. O profeta olha para passado e Vivemos num mundo pluralista. Entendemos isso como "uma
para o futuro prevendo as consequências das tendências atuais, dos característica da sociedade na qual não há nenhum padrão oficialmente
sinais dos tempos da era presente. Adverte, então, baseado na aprovado de crença ou conduta"1. Por pluralização então, entende-se,
revelação de Deus em sua Palavra. nas palavras de Os Guiness, "o processo pelo qual o número de opções
na esfera privada da sociedade moderna se multiplica em todos os
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níveis, especialmente no nível das visões de mundo, fés e ideologias"2. Torna-se difícil perceber como "natural", "bom" ou mesmo "aceitável"
A TV a cabo e a Internet dão uma boa idéia da globalização e da para determinada cultura, qualquer que seja, situações como o
possibilidade de escolha. Escolher entre produtos diferentes que são canibalismo, a prostituição infantil ou a corrupção.
oferecidos, mas não só isso. Também se pode escolher entre as mais Quanto ao pluralismo religioso, tem se dado por certo que as
variadas maneiras de se ver o mundo, as chamadas cosmovisões, cada diferenças entre as religiões não são assunto de verdade e falsidade,
vez mais próximas e familiares a nós. mas de diferentes percepções de uma mesma verdade. Não importa,
Essa pluralidade é aprovada e desejada no mundo contemporâneo. então, o conteúdo que uma determinada fé sustenta, mas a sinceridade
E, de fato, possui aspectos extremamente positivos. O intercâmbio com que se crê. De acordo com essa mentalidade, tudo que aparenta ser
entre povos distantes, na geografia e na cultura, carrega consigo as dogmático deve ser questionado. A verdade nunca pode ser alcançada.
sementes de uma melhor compreensão mútua, empatia respeitosa e Exalta-se a dúvida6.
convivência pacífica. Isso também enriquece e embeleza a vida, amplia A seguinte resposta a qualquer pergunta: "não sei", é admirada como
a visão e coopera para evitar a estreiteza e o preconceito cultural. sinal de maturidade e intelectualidade. Ainda que a verdade seja maior
Mas também há outros aspectos desse pluralismo. Aqui vamos fazer do que o que nos é revelado e permitido compreender, a pessoa
uma distinção entre pluralismo cultural e religioso3. No âmbito cultural pluralista estima o que é incerto, obscuro, afirmando que a verdade nada
há aspectos positivos, como os expostos acima. Ainda assim, mesmo mais é do que uma questão de percepção pessoal. Assim, opiniões
entre os apreciadores da diversidade cultural há aqueles que diferentes, mesmo divergentes, são verdadeiras para aqueles que assim
reconhecem que as culturas não são moralmente neutras4. Mas as percebem e crêem. O que se busca é o caminho das "neblinas e
também há aqueles que defendem que cada cultura se basta por si só, nuvens", que são "generosas em suas sombras". Prefere-se a "luz
não devendo ser julgada por uma outra. Esses afirmam, talvez com difusa", que "sugere mistério". Quanto à verdade, essa "mora na
certa ingenuidade, que não se pode efetuar juízos de valor, que não se escuridão", sendo "essencialmente um segredo"7.
pode dizer que tais elementos de determinada cultura são bons ou Dando seguimento a uma observação mais cuidadosa dessa
maus. Ingenuidade porque reconhecem, às vezes inconscientemente, cosmovisão, percebe-se que o princípio do pluralismo não é
certos valores universais que perpassam as culturas. Posso dar um universalmente aceito. Newbigin sugere que nós fazemos uma clara
exemplo. Numa certa ocasião, uma colega minha da Universidade, que distinção entre um mundo que nós chamamos "valores" e um mundo que
pensava dessa maneira pluralista e relativista, veio ao meu encontro nós chamamos "fatos"8. No primeiro mundo nós somos pluralistas;
chorando. A causa era uma briga no Centro Acadêmico da Faculdade, valores são uma matéria de escolha pessoal. No último nós não somos;
onde ela tinha sido alvo de agressões verbais e quase físicas. No meio fatos são fatos, quer você goste deles ou não. Uma pergunta acerca de
do choro e da indignação, ela disse "não é justo, isso não está certo…", problemas matemáticos, ou relativa à astronomia, geografia ou mesmo
interrompeu para dizer "se bem que não existe esse negócio de certo e história requer uma resposta objetiva e correta.
errado", e depois de alguns instantes, ainda chorando, repetiu "mas
Nenhum professor se satisfará com uma resposta baseada apenas na
isso não é justo!". O que essa história ressalta é a verdade com a qual
subjetividade do aluno. Mesmo no campo da história, sujeito a leituras e
temos que lidar, de que em cada cultura há bons e maus elementos5.
interpretações diferentes, se busca ao máximo a veracidade dos fatos
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estudados. A Segunda Guerra Mundial é um fato, incontestável. Sobre


a extensão de suas causas e conseqüências pode haver divergências. * Há o pluralismo cultural e o pluralismo religioso. O primeiro é
Mas quanto aos fatos, por exemplo, o holocausto dos judeus, mesmo interessante apesar de ingênuo, quando desconsidera a existência de
que haja versões diferentes (semitas e anti-semitas), elas não podem bons e maus elementos em cada cultura. O segundo diz que não há
ser aceitas ao mesmo tempo. O pluralismo aqui não é bem visto. A diferenças essenciais entre as religiões, sendo cada uma parte de uma
verdade do que realmente aconteceu é buscada e, através das verdade maior.
evidências, atestada. No caso, o holocausto, infelizmente, realmente
aconteceu. Mesmo que um dos grupos, os anti-semitas, continuem a
acreditar em sua versão, ela não passará disso, uma versão e nunca * O que qualquer religião diz é colocado no mundo dos "valores". Ela
um fato. não pode falar acerca de fatos e de verdades e, assim, não pode querer
"empurrar" suas convicções sobre outros que já possuem as suas
Por outro lado, a religião é colocada no mundo dos "valores". Aqui o
próprias.
pluralismo é claramente aceito e pregado. Uma religião, qualquer que
seja, não pode requerer falar mais do que simplesmente valores ou
percepções pessoais e limitadas. Nenhuma pode reclamar o direito de b. Um certo elefante
falar a respeito de fatos e verdades. Já que são valores e não fatos, Há uma famosa estória agnóstica sobre um certo elefante, homens
nenhuma religião pode se dar o direito de evangelizar e atrair para suas vendados, servos e um rei, que pode nos ajudar a compreender a
fileiras adeptos de alguma outra religião. Evangelismo torna-se mentalidade pluralista. Resumindo, um rei, certo dia, mostrou aos seus
sinônimo de proselitismo preconceituoso, racista e mesmo imperialista. servos um elefante agarrado por diversos homens que possuíam uma
Obviamente, ao longo da história, a Igreja Cristã praticou e ainda venda cobrindo seus olhos. Cada um representava uma religião mundial.
incorre nesses erros. Porém, a questão aqui não é de generalizações e Segurando a tromba estava um hindu, em uma perna estava um budista,
sim de examinar a postura da mente atrás da afirmação de que não em outra um muçulmano e agarrado na parte traseira um cristão. "Quem
devemos evangelizar, mas sim dialogar. Importa descobrir que está com a verdade?", perguntou o rei. E respondeu, "A verdade, de fato,
estrutura de pensamento sustenta a advertência segundo a qual não é o elefante; cada um 'segura' parte da verdade, mas não conseguem
devemos tentar empurrar nossa religião sobre outros que já possuem abarcar a realidade inteira, a verdade toda, e por isso não entendem o
suas próprias convicções. Nesse ponto, a estória de um certo elefante que esta seja e nem se entendem entre si”.Qual é o verdadeiro ponto
irá nos ajudar. dessa estória? Como interpretá-la? Um agnóstico diria que cada religião
Para lembrar: é arrogante ao afirmar que possui a verdade absoluta e que a verdade é
bem maior do que cada um pode compreender. Porém, prestando um
pouco mais de atenção, poderia se perceber que mais arrogante é aquele
* Por pluralismo entendemos as múltiplas opções em todas as
que diz conhecer a verdade inteira, o rei, apontando do alto de um
esferas da vida humana. Isso tem sido algo estimado e desejado em
pedestal para a parcialidade de todas as outras religiões. Essa é uma
nossos dias.
afirmação pedante, uma crença mais absoluta e abrangente do que a de
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qualquer outra religião. Imagine se o rei e os servos também isso não quer dizer que elas não existam. E a variedade de respostas
estivessem vendados. Como poderiam chegar às suas conclusões? não implica necessariamente em dúvida e incerteza insolúveis. Em
"A idéia de que haja, ou poderia haver, uma instância de onde nós alguns casos, onde encontramos respostas contraditórias e excludentes,
poderíamos amostrar e avaliar as religiões mundiais, identificando os uma e somente uma deve estar certa. E essa deve ser almejada e
bons e maus elementos em cada de um ponto de vista que seria buscada. Mas o caminho de certezas não é um caminho popular. A via
neutro, imparcial, e acima das particularidades de qualquer umas” 9, da dúvida é a preferida do nosso tempo. Como foi que chegamos a isso?
pode ser uma idéia atraente, mas irreal. Todo pensamento, cosmovisão Para lembrar:
ou ideologia são culturalmente condicionados. Eles não são, por assim * Não há uma instância imparcial onde alguém possa se colocar para
dizer, neutros ou imparciais. Eles possuem seus pressupostos e analisar as religiões mundiais.
premissas particulares. Vamos tratar melhor disso mais adiante. Por
* A simples pluralidade de opiniões e de idéias a respeito de alguma
enquanto, vale ressaltar que não há uma instância imparcial de juízo e
coisa não significa que todas estejam certas. Em certas matérias, uma e
avaliação das religiões mundiais. Alguém que busca esse ponto de
apenas uma deve estar certa.
vista neutro ou diz bobagem, ou acaba por criar uma nova religião
sincrética universal, ou as duas coisas juntas. * Se há alguma verdade, esta deve ser almejada e buscada.
O que fazer da pluralidade de cosmovisões, fés e ideologias em
nosso mundo? Talvez essa pergunta ainda seja precoce. Então, o que 2. Nossas origens modernas (Racionalismo)
importa por hora é combater a idéia de que a simples existência da a. Como eu e você pensamos o que pensamos a partir de Descartes
pluralidade de opiniões (a respeito de qualquer coisa) significa que "Penso, logo existo". O que essa afirmação do séc. XVII tem a ver com
todas estejam corretas. Ou, que posso julgá-las sem envolvimento a minha fé ou com o mundo de hoje? Qual a sua importância? Grande,
pessoal e parcialidade. Uma citação do interessante romance da se constatarmos que foi o ponto de partida e fundamento da filosofia de
história da filosofia, "O Mundo de Sofia", pode nos ajudar aqui. O Descartes (considerado o pioneiro do movimento moderno de ceticismo
personagem Alberto, um misterioso professor de filosofia, formula sistemático). Ou seja, estamos diante do início do modo de pensar do
questões filosóficas à Sofia, sua jovem aluna. Quem é você? De onde mundo contemporâneo. Descartes afirmou que a verdade vem da
vem o mundo? Há vida depois da morte? Como devemos viver? demonstração intelectual. Todas as outras verdades estão, assim,
Ensina-lhe que essas perguntas têm sido feitas por pessoas de todas relacionadas à própria existência do ser que pensa. Qual o referencial
as épocas e de variadas culturas. Diz-lhe que "a história nos mostra último? O homem e sua mente.
diferentes respostas para cada uma dessas perguntas que estamos
fazendo. É mais fácil, portanto, fazer perguntas filosóficas do que O pensamento cartesiano se baseia na "crença na autonomia do
respondê-las". Continua afirmando que "mesmo que seja difícil pensamento, a idéia de que a razão, bem dirigida, basta para encontrar a
responder a uma pergunta, isto não significa que ela não tenha uma -e verdade, sem que precisemos confiar na tradição livresca e na autoridade
só uma- resposta certa. Ou há algum tipo de vida depois da morte, ou dos dogmas. O espírito humano tem em si os meios de alcançar a
não"10. Pode ser difícil encontrar respostas para muitas perguntas, mas verdade, se souber cultivar sua independência e conduzir-se com

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método” 1. A busca desse novo referencial, o intelecto humano, ocorreu evidência é totalmente contraditória ao conceito de fé. "A evidência,
numa época de crise de certezas. Alguns sugerem que invenções como aquilo que se vê, parece afastar-nos da relação de confiança e de
as do telescópio e do microscópio iniciaram o problema. Quando, fidelidade". O que importa, então, somos “crer sem demonstração e sem
usando esses novos instrumentos, as pessoas descobriram que as nada para ver, porque se estabelece a relação de confiança com aquele
coisas não eram exatamente o que pensavam ser, as pessoas que falou”5. O desafio é rejeitar a mentalidade de Tomé, descartar a
tornaram-se inseguras. Como poderiam garantir que não seriam mais necessidade absoluta da racionalidade e da constatação científica e
enganadas pelas aparências? Muitos passaram a rejeitar as tradições e engajar-se numa fé pessoal e relacional. É preciso desconfiar da dúvida.
os dogmas de uma Igreja que sustentava, por exemplo, o Mas o caminho oposto ao da dúvida não é o do dogma? Então, o que é
geocentrismo2, quando as evidências mostravam o contrário. dogma e quem é que está, no fim das contas, sendo dogmático?
A Idade Média foi um longo período em que todas as coisas eram Para lembrar:
vistas através de um prisma divino. As ciências naturais e a filosofia * O pensamento da modernidade tem como referencial último o ser
eram submetidas ao escrutínio da fé. "Durante toda a Idade Média, o humano e sua mente.
ponto de partida sempre fora Deus. Os humanistas do Renascimento,
* Ao dogmatismo da Idade Média sucedeu a ênfase dos tempos
ao contrário, têm como ponto de partida o próprio homem"3. Se, por um
modernos na liberdade e na razão.
lado, ter como ponto de partida os propósitos do Deus Criador para
uma humanidade criada é algo muito positivo, o dogmatismo e a * A dependência à evidência e à racionalidade destrói a possibilidade
intolerância da Igreja na Idade Média contribuíram decisivamente para de uma relação de fé e de confiança. A partir de então, todas as coisas
o surgimento da nova maneira de encarar a realidade. Tendo em vista passam a ser sujeitas à verificação, segundo o critério da razão.
esse quadro repressivo, fica mais fácil entender a reação dos novos b. O que é dogma e quem é dogmático?
humanistas em sua ênfase na liberdade de pensar, na autonomia do Será que o dogma é uma característica única da fé cristã? Ou algo
homem e em sua fé suprema na razão. Buscou-se, a partir de então, a que é encontrado apenas no âmbito religioso? Um ateu ou agnóstico
evidência, o visível, o palpável e o racional, tudo a partir de um "método também podem ser considerados dogmáticos? Quando uma verdade
previamente concebido". Este consistia basicamente na dúvida. estabelecida é criticada, de onde parte a crítica? Com certeza não parte
Estabeleceu-se que seria metodicamente necessário colocar tudo em do nada, não provêm de uma mente vazia. "Nenhum pensamento
dúvida4. coerente é possível sem ter algumas coisas como estabelecidas...
Jacques Ellul, um renomado teólogo desse século e crítico da Nenhum pensamento coerente é possível sem pressuposições"6. De
modernidade, rejeitou esse pressuposto da busca do visível e do fato, quais os parâmetros para criticar um dogma? O questionamento só
racional atacando a idolatria da evidência. "A evidência é o mal pode se construir a partir de outros pressupostos, de outras maneiras de
absoluto. É preciso nada aceitar da evidência, contrariamente ao que compreender o mundo, ou seja, de outras cosmovisões. O confronto
recomenda Descartes... Logo que nos deixamos invadir por esta entre essas cosmovisões mostra que na realidade o que acontece é,
preocupação de evidência, o discernimento da palavra se apaga, ironicamente, um conflito entre dogmas diferentes.
tornamo-nos insensíveis…". Ele afirmou também que a dependência da
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Para ficar mais claro, observemos a definição de dogma. Essa Com relação à essa exaltação da dúvida, Newbigin nos sugere que
palavra se refere a "aquilo que é dado com autoridade e recebido com devemos realizar a "crítica da dúvida"8. Nos apresenta o seguinte:
fé"7. Toda tradição, quer seja uma tradição religiosa ou mesmo a a. Eu só posso duvidar da verdade de uma afirmação baseado em
tradição científica possui pressupostos de fé, ou se preferir, dogmas. outras coisas - geralmente uma grande quantidade de outras coisas - as
Por exemplo, a Ciência trabalha com o pressuposto de que há uma quais eu acredito serem verdades. Ou seja, sou capaz de duvidar
ordem na natureza e de que essa ordem pode ser captada e somente por causa de coisas que acredito sem duvidar.
compreendida pelo homem. Essa racionalidade do universo não pode
b. O método crítico destrói ele mesmo. A afirmação que todo dogma
ser provada de maneira absoluta, mas é aceita como pressuposto e
precisa ser questionado é por si só um dogma que deve ser questionado.
impulso dos esforços científicos. Mesmo a idéia agnóstica de que tudo
Em que base o método se sustenta? O criticismo, como tudo que é
precisa ser provado é outra premissa, também dogmática. Ela presume
humano, é culturalmente condicionado.
que todas as coisas precisam passar por certos critérios de prova para
serem aceitas como reais e verdadeiras. Mas por que? Certamente, c. Aprendizado começa com um ato de fé. Fé no que os olhos vêem,
esses critérios são outros pensamentos previamente dados como no que os ouvidos ouvem, no que os professores nos ensinam, no que
certos. Vejamos se alguns exemplos nos ajudam. lemos nos livros. Depois se torna necessário revisar e questionar o que
primeiro aceitamos. Mas quando duvidamos, isso ocorre sempre por
Um aluno assiste uma aula de seu professor e lê um livro indicado
causa de outras coisas que aprendemos do mesmo modo, submetendo-
por ele. Esse estudante pode aceitar como certo o que o professor e o
nos a uma tradição. Acreditar, então, é sempre primário, enquanto que
livro lhe disseram. Ou pode não aceitar e duvidar. Mas, e esse ponto é
duvidar é secundário. A idéia de que a dúvida é mais honesta que a fé é
importante, ele apenas pode questionar baseado em outra informação
um preconceito irracional.
ou tradição que ele aprendeu de outra fonte. Ele apenas pode duvidar
se acreditar em alguma outra coisa que possui premissas diferentes. Aqui deixamos que a crítica final seja feita por um professor de
História da Filosofia quando expõe o pensamento de Descartes. Ele diz
Uma discussão sobre a existência de Deus também mostra algo
que "resta então à subjetividade uma espécie de estado nômade:
interessante. Um ateu convicto crê na sua não-existência. Necessita de
percorrer todas as certezas estabelecidas pelo homem mas sem
uma boa dose de fé, já que não pode provar isso. Por outro lado, não
estabelecer-se, por sua vez, em nenhuma delas. Não há um ponto de
se pode provar (no sentido preciso do termo) a sua existência. Muitas
apoio, não há um lugar de partida nem um objetivo a que se chegar. Esse
cristãos, ao longo da história, caíram em armadilhas filosóficas ou
percurso incessante caracteriza a supremacia da dúvida sobre a
racionalistas tentando fazê-lo. Então, um agnóstico, que não sabe se
certeza"9. A fragmentação e a instabilidade são as conseqüências desse
Deus existe ou não pois não se pode provar, estaria com a razão? Sim,
fundamento moderno.
se a prova racional e a evidência visível fossem critérios absolutos e
necessários. Mas não são. A sua necessidade e presença em nosso Para lembrar:
tempo apenas mostram como nossa mentalidade foi moldada a partir * Uma crítica nunca vem de uma mente vazia. Sempre é baseada em
da modernidade. outras crenças que a pessoa já possui.

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* A necessidade de que algo seja racional para ser aceito é uma modo de pensar secular, que exclui as religiões tradicionais (incluindo a
herança da modernidade. fé cristã) da centralidade da vida, torna-se a estrutura reinante.
* É um preconceito a idéia de que a dúvida é mais honesta do que a Uma das consequências da secularização tem a ver com a
fé. privatização. Por privatização entendemos "o processo pelo qual a
Cap. 3 - "Cada um na sua" (Individualismo) modernização produz uma separação entre a esfera pública e a privada e
se centra na esfera privada como área especial para a expressão da
liberdade e da realização do indivíduo"5. Você pode ser religioso, sem
a. A era do lenço de papel dúvida, desde que limite isso à sua vida particular. Valores religiosos
Apesar do relativamente recente ressurgimento do podem ser cultivados no âmbito individual, familiar e até mesmo
misticismo, a maior parte desse século foi marcada dominicalmente em sua comunidade cristã. Porém esses referenciais não
pela secularização. Por secularização entende-se "o podem ultrapassar a área privada. Propor mudanças à sociedade a partir
processo pelo qual, do centro para fora, sucessivos setores da de uma cosmovisão cristã e apresentar às pessoas e instituições
sociedade e da cultura se libertaram da influência decisiva das idéias e alternativas cristãs que apontam para um determinado procedimento e
instituições religiosas"1. Aceita-se então como plausível aquilo que é ação soa como arrogante e fora de propósito.
racional, de acordo com a razão moderna forjada pelo Iluminismo. Essas inibições na esfera social limitam a fé cristã. A promessa de
Quaisquer conceitos, instituições e movimentos que possam ser liberdade individual não se realiza. Você é livre, mas apenas na área
classificados como religiosos são colocados à margem, sem privada. Isso não é liberdade. Pelo contrário, trata-se de um tipo de
importância fundamental.. Esse foi um processo que ocorreu ao longo totalitarismo que limita. Apenas é levado em consideração aquilo que
do tempo. está de acordo com o pensamento racional moderno, ou seja, aquilo que
é "plausível" com a mentalidade consolidada nos últimos 300 anos. Trata-
Qual a importância de se definir a secularização como um processo se de outras premissas, uma outra cosmovisão, que te empurram à
e não como uma filosofia2? Uma filosofia possui suas fraquezas e margem.
também depende de convencimento intelectual, de um esforço aplicado Vivemos nesse mundo onde a religião é reduzida à esfera individual,
para arrebanhar adeptos. A argumentação no nível das idéias atinge um mundo secularizado e pluralista. Isso nos leva a uma imagem
uma pequena minoria. Quando, ao contrário, ocorre um processo ao utilizada por um autor para descrever o nosso tempo6. Ele pede que
longo do tempo, uma sociedade é transformada, surgindo uma nova imaginemos uma pessoa que possua um lenço de seda herdado de seus
"estrutura de plausibilidade". Esta é definida como sendo "o grupo ou antepassados. Essa pessoa tem orgulho do que possui. Ele é belo, não
comunidade que provê o apoio psicológico e social a uma crença"3. fazem mais como antigamente e, é claro, traz associações e sentimentos
Fica mais fácil crer naquilo que minha família, meus amigos ou mesmo especiais de pertencer a uma família e uma tradição. Se ela o perde, com
todo mundo crê. Por outro lado, "crer naquilo que não é crença de todos certeza isso a aborrece e provavelmente irá dispender um bom tempo
(como era o cristianismo na Idade Média) é ser 'herético', colocar-se procurando-o.
fora dos limites da 'estrutura plausível' do mundo moderno"4. Assim, o
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Aconteceria o mesmo se fosse um lenço de papel? Nessa situação, coisa fundamental: um sentido". Além disso, no Brasil, temos "a presença
gastar tempo procurando-o, caso o perdesse, seria mesmo absurdo. da herança afro-ameríndia"9.
Ora, o lenço de papel é descartável. É feito para ser jogado fora. Outras possíveis causas têm a ver com o que a Ciência e o
"Compromisso e continuidade são inteiramente estranhos à noção de racionalismo não puderam evitar ou até mesmo provocaram em nosso
um lenço de papel". A maior parte das pessoas modernas baseiam século (além dos benefícios do avanço das técnicas e descobertas): duas
suas escolhas e decisões no modelo do lenço descartável. Chegamos a terríveis guerras mundiais, armamentos nucleares, a poluição e
um estágio onde nos tornamos "viciados em escolha e mudança". A fé degradação ambiental e o fracasso das promessas de igualdade e
cristã torna-se simplesmente mais uma opção no mundo dos valores. progresso para toda a humanidade10. Assim, "cristãos, membros de
Assim, "fatos da vida dissolvem-se em modas do momento". outras fés e secularistas, todos reconhecem que o conjunto inteiro da
Compromisso, continuidade e convicção são substituídos por vida não pode ser incluído em uma interpretação materialista ou
superficialidade, transitoriedade e consumo7. científica. O protesto contra o reducionismo é bem difundido"11.
Para lembrar: Quando se examina de perto essa "nova" religiosidade percebe-se
* Com a secularização, qualquer idéia considerada religiosa passou que ela obedece à uma lógica de mercado. Os novos religiosos, em sua
a ter importância secundária. maioria, consomem os objetos, as técnicas, as bençãos, as rezas, de
* Considera-se, então, que a religião tem seu lugar apenas na esfera acordo com seu interesse e conveniência. Não há o que podemos
particular e pessoal de cada indivíduo. chamar de valorização da fidelidade à uma religião ou crença. Tudo vale,
desde que eu possa tirar algum proveito. "O religioso alternativo brasileiro
* A fé cristã torna-se apenas mais uma opção. Além disso,
é também um andarilho... Nada mais coerente, portanto, que a
descartável.
inconstância e a volubilidade"12. Vivemos a era de Riobaldo Tatarana,
personagem do Grande Sertão:Veredas:
b. Misticismo de consumo. "Por isso é que se carece principalmente de religião: para se
O sagrado voltou! Ou talvez nunca tenha ido embora. O fato é que a desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é
razão entrou em crise nesse fim de século e de milênio. O subjetivo e o que é a salvação-da-alma... Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco
místico aparecem com força, mesmo na esfera científica, onde os ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio... Uma
guardiães da razão lutam contra os que advogam a supremacia da só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico,
intuição8. Com o que se parece essa religiosidade e por que ela embrenho a certo; e aceito as preces de compadre meu Quelemém,
ressurge nesse momento? doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubim,
Paul Freston relata algumas causas desse ressurgimento da onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê
religiosidade. Ele afirma que "o mundo criado pela secularização é alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles...
muito exigente". A coerência e fidelidade do ateísta à sua crença requer Olhe: tem uma preta, longe daqui não mora, as rezas dela afamam
uma força de vontade demasiado grande. Também "a religião não muita virtude de poder. Pois a ela pago, todo mês - encomenda de rezar
desaparece porque o mundo secularizado, para muitos, carece de uma
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por mim um terço, todo santo dia, e, nos domingos, um rosário. Vale, modificando seus conteúdos específicos e exclusivos, para criar uma
se vale."13 nova salada cósmica mundial. Se alguém pode fazer isso? É óbvio que
Além da mentalidade consumista, ou talvez como uma sim. Porém, que fique claro que o que está havendo é uma alteração nos
conseqüência desta, a religiosidade passa a possuir um caráter conteúdos básicos de uma fé particular e exclusiva em nome da
relativista e sincrético. Como um produto para consumo, essa tolerância e de uma "religião universal" que julga poder abarcar e reunir
espiritualidade pós-moderna se torna instável, transitória, superficial e todas as crenças em um único credo. Nesse novo tempo, parece não
limitada à esfera privada14. Alguém pode achar interessante e haver espaço para exclusividade e evangelização. Como fica, então, a
proveitosa essa sede do sagrado em nosso tempo. Uma abertura assim missão que a Igreja de Cristo é chamada a realizar?
facilitaria a proclamação da fé cristã. Porém, essa "vantagem" vem Para lembrar:
acompanhada de uma mudança de postura com relação à esfera * A religião volta com força devido à crise da razão.
religiosa. É preciso lembrar que "é verdade que a pós-modernidade é
* O consumismo e a volubilidade são características dessa nova
mais aberta às grandes narrativas religiosas do que foi a doutrina
religiosidade.
moderna, mas o preço de tal abertura demanda que essas grandes
narrativas abandonem suas requisições de verdade única * O relativismo e sincretismo descaracterizam qualquer crença que
e transcendente"15. requer ser particular e exclusiva.
A religião e o místico possuem, de fato, uma nova 4 - Sobre a Missão
força e fôlego nesse fim de milênio. Mas talvez essa força
não possua tanto fôlego e esse fôlego não tenha tanta
força assim. Acontece isso devido à sua inserção no a. A redescoberta da persuasão
mundo, restrita à esfera privada, e ao relativismo e
sincretismo, que pode descaracterizar por completo uma Parece que estamos chegando a uma encruzilhada no que diz
determinada religião, acabando por transformá-la em outra totalmente respeito à proclamação da mensagem do cristianismo em nosso tempo.
diferente. Vamos a um exemplo que um antropólogo relata: "talvez a A fé cristã enfrenta os desafios colocados pelo pluralismo, que a
maior conseqüência, para o cristianismo,…resida no fato de que transforma em apenas mais uma opção; pelo relativismo, que afirma que
começa a surgir um deslocamento da figura de Jesus Cristo, à medida ela fala somente de valores e não de fatos; pelo racionalismo, que não
que crescem as propostas de diálogo inter-religioso: o Cristo passa a aceita as suas declarações de fé que fogem ao domínio da razão; pelo
ser entendido como um princípio divino (como a natureza búdica, o individualismo, que limita a religiosidade à esfera estritamente pessoal e
Ishwara) e Jesus como uma encarnação, um avatar, uma manifestação pelo novo misticismo, que transforma o seu conteúdo em algo que possa
histórica da divindade, equivalente a Budha Shakya Muni, a Krishna, a ser consumível e mais universalmente aceito, mesmo que deturpado.
Zoroastro, a Maomé, etc"16. Alguém pode pregar a integração religiosa
e um ecumenismo sem restrições. Mas, ao fazer isso, desfigura e A mensagem cristã corre o risco de sucumbir e se conformar com
acaba com uma determinada fé, no caso, o cristianismo, retirando ou este mundo e com o espírito desse século. Pode querer se defender

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usando as próprias ferramentas e mentalidade dessa época, Talvez seja um terceiro caminho, que passa pela redescoberta da
procurando apresentar Jesus como um produto, com estratégias de persuasão. Michael Green, expondo como era a pregação cristã no Novo
"marketing" voltadas para a satisfação total do consumidor. Assumir a Testamento, disse:
lógica do mercado, apresentar a Cristo como a "a melhor opção", “Estavam preparados para o debate, podiam sustentar sua posição
aquela que garante a solução de todos os problemas. Basta tanto em campo neutro como hostil. Davam testemunho, referiam-se
experimentar e, se não gostar, pode devolver a "mercadoria" em até 15 constantemente aos fatos do Evangelho e ao ensino do Velho
dias e terá seu dinheiro de volta. Dinheiro, aliás, é o que não faltará, Testamento (palavras como sunzetein e sumbibazein indicam essa séria
bençãos de todo o tipo irão rechear sua vida se fizer como repete procura das Escrituras). Algumas vezes isso levava um dia, ou mesmo
insistentemente o refrão de certa música, "venha pra Jesus e tudo vai uma semana. Algumas vezes voltavam a atacar seguidamente. Mas, do
dar certo". Todos concordamos que Jesus de fato é a solução. Mas, conteúdo intelectual da proclamação dos primeiros dias, não pode haver
essa ênfase apenas nas "bençãos", nos benefícios, em tudo que se nenhuma dúvida. Sem essa apologética, não teriam ido a parte alguma…
recebe e se alcança para si mesmo é um sintoma da mentalidade a verdade é tão simples que uma criança pode entender e, ao mesmo
mercadológica influenciando e deturpando a mensagem. Deturpa tempo, é tão profunda que nenhum intelectual jamais seria capaz de
porque elimina ou reduz ao mínimo elementos centrais da proclamação vasculhar suas profundezas. É, verdade, naturalmente, que nenhum
do evangelho, como o convite à fé e ao arrependimento, a necessidade raciocínio, por mais esclarecedor que seja, fará quem quer que seja
de renúncia, mudança de vida, compromisso e sacrifício. Como essa entrar no Reino de Deus. Fato é que muitas pessoas jamais encararão o
parte da mensagem não atrai muito as pessoas e a concorrência é desafio pessoal de Cristo sobre suas vidas enquanto: (1) não virem uma
grande ela é "esquecida" e relegada a um segundo plano. apresentação intelectual aceitável para que possam crer”. e, (2) não
Por outro lado, a Igreja cristã, com medo da incerteza e da tiverem suas rotas de fuga intelectual destruídas por uma apologética
relatividade dos valores de um mundo pluralista, pode também querer cristã paciente, eficaz e persuasiva."1
agir em outra direção. Voltar à era pré-moderna, da imposição daquilo Verbos como "dialogar", "pregar", "explicar", "discutir", "arrazoar" e
que crê ser verdade e da intolerância e perseguição aos diferentes. "procurar convencer" são freqüentes na narrativa da expansão da fé
Querer, através do poder do Estado e da Lei, disseminar e instaurar cristã no Novo Testamento. Obviamente não é simplesmente pelo
sua fé e seu credo. "Se chegarmos ao poder, se tivermos os meios raciocínio e pelo convencimento intelectual que as pessoas chegam à fé
certos(o Estado, as leis do país, a mídia, os recursos) em nossos mãos, e ao arrependimento. Somente o Espírito de Deus é quem traz
a nossa nação e o mundo serão do Senhor Jesus", é o que pregam. convencimento "do pecado, da justiça e do juízo"2. Ao mesmo tempo, os
Para o bem de todos, é claro. Porém, ao fazer isso discriminam, instrumentos para a pregação e expansão do Reino de Deus são aqueles
desrespeitam, usam recursos não tão lícitos assim e impõem aquilo que que Jesus incumbiu, os seus discípulos3. E a redescoberta da persuasão
deveria ser aceito e vivido pela fé. Como, então, deve ser a missão da apenas nos mostra algo sobre como deve ser essa evangelização.
Igreja, no que diz respeito à proclamação de sua fé? Combater a idéia largamente difundida de que "religião, futebol e política
não se discutem". Reaprender a conversar sobre os valores e os fatos
que nossas crenças reivindicam. Ser humilde para ouvir e respeitar a
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tradição de cada pessoa. Do mesmo modo ser honesto em comunicar culminando com os eventos relacionados à pessoa e obra de Jesus
aquilo que creio ser verdade. E por falar em verdade… Cristo.
Para lembrar: Os cristãos não podem se considerar simplesmente os "donos da
* O cristianismo pode sucumbir a uma estratégia de mercado e verdade". Não podem afirmar que tudo o que provêm de outras fontes
assim deturpar o conteúdo de sua fé. além da tradição cristã é falso e demoníaco. Precisamos aprender a viver
sob a tensão de um mundo pluralista, examinando e respeitando as
* Também pode voltar à era pré-moderna e querer, pela intolerância
tradições religiosas e não-religiosas do mundo inteiro. Ao mesmo tempo,
e perseguição, impor sua fé.
devemos resgatar a necessidade de que sejamos todos, cristãos e não-
* Mas pode também redescobrir a importância do diálogo respeitoso cristãos, "perseguidores da verdade". Quanto à verdade, não a detenho
e da persuasão. de modo absoluto e fechado, mas, se ela existe, deve ser buscada e
b. Verdade, exclusividade e tolerância considerada 5. Nessa postura se encaixa a importância da
evangelização, da persuasão. Também a necessidade de enfatizar a
Uma nova linguagem, que procura falar além das toscas categorias singularidade e exclusividade do cristianismo. Nesse sentido, as
do bem e do mal, da verdade e da mentira, domina o nosso tempo. Já observações de Paul Freston irão nos ajudar:
citei o caso de uma colega da universidade que, ao ser agredida, dizia “A historicidade da religião bíblica está intimamente relacionada com
que não era certo o que fizeram com ela, "se bem que não existe esse a sua exclusividade…”.
negócio de certo e errado"! É bom lembrar que há aqueles que se O centro do Evangelho não são conceitos abstratos e verdades
consideram "donos absolutos da verdade", demonstrando em suas eternas que independem de qualquer acontecimento. São fatos
atitudes muito de preconceito, superioridade e arrogância. Por isso, é históricos - ou aconteceram, ou não. Se não, o cristianismo não é
natural a reação de quem proclama não haver absolutos em nenhuma verdadeiro. Mas se aconteceram de fato, então ocorreram num
esfera da vida. Esses defendem que não há algo a ser chamado de determinado tempo e determinado lugar (e não em qualquer outro),
bom, normal ou verdadeiro. Entram em contradição ou em crise quando dentro de uma determinada tradição religiosa (e não de qualquer outra),
advogam certos valores morais (rejeitam a violência, o estupro, a na história de um determinado povo (e não de qualquer outro), e foram
discriminação, a injustiça social). Isso nos leva ao ponto em que mesmo narrados num determinado livro sagrado (e não em qualquer outro)…
que tenhamos que rejeitar a intolerância do domínio absoluto de uma Daí a singularidade do cristianismo. Deus estava em Cristo,
verdade, reconhecemos que, se ela existe, deve ser buscada e reconciliando o mundo consigo, e ele fez essa obra de reconciliação
admirada. Chegamos no momento de admitir que "a verdadeira somente lá, e não em qualquer outro lugar e pessoa. Daí o
abertura acompanha o desejo de saber, ou seja, tem a consciência da exclusivismo. Daí a singularidade da Bíblia. Não que outras religiões
ignorância. Negar a possibilidade de conhecer o bem e o mal não tenham ideais nobres e verdades morais e algumas percepções
corresponde a suprimir a verdadeira abertura"4. Devo ser aberto às corretas a respeito de Deus. Mas a historicidade implica em limitação de
opções, inclusive àquela que afirma haver um propósito para a tempo e espaço, em singularidade. O cristianismo que se esqueceu de
humanidade revelado pelo Deus Criador na narrativa bíblica, sua singularidade perdeu a sua razão de ser".6
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Mas se eu afirmar a exclusividade e singularidade de uma fé não Nós falamos sobre o perigo de esvaziar o conteúdo da fé cristã,
haverá intolerância e desrespeito com relação a outras? Creio que conformando-a ao nosso século. Nesse sentido, ou talvez um pouco mais
essas duas palavras-chave, tolerância e respeito estão sendo mal além, há o risco de conformar a apresentação do Evangelho aos
compreendidas. É muito importante enfatizar que qualquer fé, de pressupostos do nosso tempo. Por exemplo, quando eu procuro basear
qualquer pessoa, precisa ser respeitada e tolerada, desde que não minha pregação somente na racionalidade da fé, nas evidências
faça mal às pessoas e à sociedade, por exemplo, sacrificando vidas históricas e nas "provas" da existência de Deus. Posso atrair a atenção
humanas em seus rituais (se bem que há uma boa dose de dúvida, nos de muitos intelectuais, deleitar-me em discussões profundas, usar
dias de hoje, sobre o que deve ou não ser tolerado). A tolerância é um sofismas e raciocínios complexos, mas também posso cair em uma
valor estimado, e deve ser assim. Mesmo os cristãos, que crêem num armadilha. E essa consiste na necessidade de apresentar cada vez mais
Deus que criou o ser humano com liberdade para seguir qualquer dados, provas e evidências, numa "necessidade" absurda que me leva a
caminho, devem assim tolerar aqueles que decidem tomar caminhos desvalorizar a fé. Afinal de contas, "é impossível deixar de acreditar em
diferentes do seu próprio. Ainda assim, a tolerância não deve ser Deus; não é um passo de fé que você precisa tomar, e sim reconhecer
levada a um extremo em que não se tolera mais qualquer religião que que foi convencido intelectualmente"! É claro que não posso deixar de
faz afirmações singulares e exclusivistas. Essas afirmações, como "eu lado o intelecto, nossa mente criada por Deus. Quando se dá um passo
sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai senão por de fé, esse deve ser feito como naquela velha estória do alpinista preso
mim"7, e "não há, debaixo do céu, outro nome dado aos homens pelo numa montanha nevada. Um guia, em algum lugar atrás da neblina grita
qual devamos ser salvos"8, devem ser examinadas honestamente por para que ele pule. Assim, cairá numa plataforma mais abaixo de onde
todas as pessoas. Não se pode proibir ou coibir sua pregação em nome terá oportunidade de deixar a montanha antes que morra congelado. Ele
da tolerância. Isso é confundir as coisas. É possível respeitar a crença tenta ver essa plataforma abaixo de si, mas a névoa densa não permite.
do outro e ao mesmo tempo ser coerente com as verdades em que eu Será um passo de fé pular no vazio, acreditando que assim salvará sua
acredito, comunicando-as e expondo-as à análise e possível aceitação vida. Mas não será um passo cego, pois há uma revelação, uma
da pessoa. Se não aceitarem o que eu digo, continuo amando-as e orientação de alguém que alegadamente possui autoridade para lhe dizer
defendendo seus direitos de pensarem de modo diferente. Mas devo o que fazer. Aqui as pistas e as evidências caminham de mãos dadas
assegurar meu direito de compartilhar o que creio com elas e de com a fé.
procurar convencê-las a respeito das verdades da fé cristã. Não se pode, então, ir em direção ao outro extremo. Esse seria aquele
Para lembrar: em que você resume toda a apresentação do Evangelho a comentários
* A verdade é algo a ser buscado e almejado. subjetivos, como "Jesus me dá muita paz", "é bom viver com Jesus no
coração", "minha vida não é mais a mesma depois que ele me
* A fé cristã é singular e exclusiva.
transformou". Isso é importante, bonito e comove. Mas talvez não
* Devo tolerar outras crenças, ao mesmo tempo em que compartilho provoque mais do que isso, comoção. Quando um chamado à fé é feito
aquilo que creio ser verdade. apenas em argumentos pessoais, é um convite a que a pessoa duvide da
c. "Rumo ao noroeste" universalidade da sua eficácia e transformação, talvez respondendo

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assim: "acho legal o que aconteceu com você, é algo que admiro e que Quer persegui-la e se comprometer com ela. Quer mudar a sua vida,
me emociona, mas é apenas a sua experiência e eu preciso ter a minha busca sentido e propósito. Sabe que apenas com entrega e adesão pode
própria, do meu jeito e do meu modo". Ainda que o testemunho pessoal experimentar a vida nova que as Escrituras lhe prometem. Tem fé e
seja importante, ele sozinho não basta. Quando não há uma assume o risco.
apresentação objetiva da fé cristã, a pessoa pode se converter, mas Longa obediência num mesmo caminho, eis uma boa definição de
estará se convertendo a quê? Como René Padilla já disse, uma perseverança. Persistência que precisamos possuir se queremos
evangelização fajuta conduz a uma conversão fajuta. enfrentar os desafios que o tempo presente nos impõe. Perseverança e
Conciliar os elementos objetivos e subjetivos da fé cristã e persistência porque as respostas não são fáceis e diretas. Há névoa e
apresentá-los com clareza e honestidade é um desafio. Devemos evitar empecilhos no meio do caminho. Mas a virtude de prosseguir, reputando
a polarização entre a objetividade e a subjetividade. Essa discussão como de maior valor a fidelidade que o "sucesso", nos levará a
está criando um abismo de separação e incompreensão no mundo experimentar gozo na chegada, assim como em meio do caminho. Essas
acadêmico e científico hoje. O cristianismo não pode se aliar a um qualidades enriquecerão então o nosso currículo de vida, assim como
desses extremos. A história já mostrou consequências por demais enriqueceu o do explorador Henry Hudson10. Que elas nos inspirem em
negativas quando a Cristandade se aliou e se confundiu com sistemas nossa grande caminhada que temos pela frente:
filosóficos de certas épocas e contextos. Não se deve construir outra "Toda a sua vida Hudson havia ambicionado encontrar um estreito na
base que não seja a revelação de Deus nas Escrituras culminando com região setentrional da América, que uniria os oceanos Atlântico e
os eventos a respeito de Jesus Cristo. A historicidade do Pacífico. O casco de seu navio sulcava as águas da baía que leva seu
cristianismo(objetiva) deve ser proclamada juntamente com um nome, quando os marinheiros se amotinaram e, abandonando em seu
chamado ao compromisso pessoal(subjetivo), ao arrependimento e à pequeno bote a Hudson, ao filhinho deste e a um velho piloto, John King,
fé. que seguia fiel ao seu capitão, voltaram a proa em direção ao porto de
Juan Mackay fez uma preciosa distinção entre duas atitudes: a do saída. Achando-se assim, em situação desesperadora, abandonado e
observador e a do peregrino9. O observador, de sua sacada, de sua sem recursos, em meio da penúria, Hudson não se entregou; mas
poltrona, observa o mundo passar. Tem sede de conhecimento, porém dirigindo-se a King, que manejava o leme, lhe disse…
um conhecimento que não produz efeito concreto em sua vida, daquele ”rumo ao noroeste, manteremos a honra de um propósito constante,
tipo que pode conhecer coisas a respeito de Deus sem conhecer de em meio dos perigos de caminhos desconhecidos, rumo ao noroeste,
fato a Deus. Acomodado e temeroso dos compromissos fortes e das deixando a Deus a nossa sorte'."
decisões radicais, procura "colocar-se acima de todos os pontos de
vista parciais, e não descer jamais de sua torre de marfim para
Notas
comprometer-se irreparavelmente com qualquer verdade, causa ou
lema dos homens". O peregrino é diferente. Sabe que é no caminho
Cap. 1 - Viva as opções (Pluralismo e Relativismo)
que se pode conhecer a Deus. Sabe que a vida cristã é uma vida de
relações e decisões pessoais. Tem sede da verdade, mas não só isso.
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1 - Lesslie Newbigin, The Gospel in a Pluralist Society, Michigan, posição central e o torna um ser relativo, entre muitos outros", F.
Grand Rapids, 1989, p.1. Leopoldo e Silva, Op. Cit., p. 23.
2 - Os Guiness, The Gravedigger File, Downers Grove, IVP, 1983, p. 3 - J. Gaarder, Op. Cit., p. 218.
93 4 - F. Leopoldo e Silva, Op. Cit., pp.32-44.
3 - Ver L. Newbigin, Op. cit., cap. 1 e 3. 5 - Jacques Ellul, A Palavra Humilhada, São
4 - O próprio conceito de moral e as noções do que é certo e do
que é errado em cada cultura indicam o que é da natureza ou da
essência do homem, que é estabelecer limites, regras e juízos de valor.
As diferenças nesses conceitos entre uma cultura e outra e dentro de
uma mesma cultura ao longo do tempo não indicam necessariamente
que não haja valores universalmente válidos. Apenas mostra a
dinâmica da construção e evolução desses valores em cada cultura.
5 - Segundo Allan Bloom, O Declínio da Cultura Ocidental, São
Paulo, Best Seller, 1989, pg.48, "as diferenças de opinião parecem
mais levantar a questão quanto ao que é verdadeiro ou correto do que
eliminá-la. A reação natural consiste em tentar resolver a diferença,
examinando as reivindicações e as razões de cada opinião".
6 - L. Newbigin, Op. Cit., pp. 14 e ss.
7 - Rubem Alves, O Poeta, O Guerreiro, O Profeta, Petrópolis,
Vozes, 1991, pp. 27-31.
8 - L. Newbigin, Op. Cit., pp. 7-15.
9 - L. Newbigin, Truth to Tell, Michigan, Grand Rapids, 1991, p. 51.
10 - Jostein Gaarder, O Mundo de Sofia, São Paulo, Companhia das
Letras, 1995, p. 25.

Cap. 2 - Nossas origens modernas (Racionalismo)

1 - Franklin Leopoldo e Silva, Descartes, A Metafísica da


Modernidade, São Paulo, Moderna, 1993, p.19.
2 - "A contestação do geocentrismo inaugura uma crise na
concepção da posição do homem no universo, pois o retira de sua

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