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Museus: políticas de representação e zonas de contacto, Boletim Rede Portuguesa de Museus,

RPM, Dez. 2006. ISSN 1645-2186, pags.3-6, 2006.

Museus: políticas de representação e zonas de contacto


Alice Semedo (alicesemedo@mail.telepac.pt)

O Museu dos Transportes e Comunicações do Porto organizou em Maio último uma


conferência que tinha como tema A metamorfose de um lugar. Reuniram-se algumas
pessoas para pensar estas temáticas que se relacionam com a memória, o lugar e a
sua metamorfose; da minha parte, concentrei-me, sobretudo, na metamorfose que o
conceito de museu vive actualmente, compreendendo o museu como locus cultural
fundamental da nossa modernidade. São algumas dessas ideias que aqui gostaria de
partilhar.

Este conceito de metamorfose do lugar suscita-me, antes de mais, diferentes


reflexões (e se quiserem até alguns devaneios e perplexidades…). Se, por um lado, a
cultura contemporânea demonstra uma obsessão permanente com a memória que se
materializa nos seus monumentos, nos seus museus e mesmo na sua arquitectura
cada vez mais interessada na memória do sítio e em inscrever dimensões temporais
em estruturas espaciais; por outro, essa obsessão tende a apresentar versões
monolíticas, monodimensionais dos lugares e da identidade (e estes lugares, estas
memórias relacionam-se profundamente com as questões de identidade, ou não?).
Ora, sendo assim, esta identidade proclamada dos lugares pode bem actuar como
instrumento privilegiado de delimitação de espaços. Que exclusões / que
marginalizações / que fronteiras desenham então estas nossas memórias / estas
nossas metamorfoses? E que codificações positivas desenham também?

Uma das respostas a estas questões tem sido proposta pelo trabalho desenvolvido no
âmbito do que poderíamos apelidar de contra-memória ou ainda de memória-
alternativa e que tem aberto caminho a inesperadas formas de narrativas criativas.
Numa abordagem decididamente mais provocadora, a marginalidade de versões e de
lugares tornados-invisíveis tem suscitado verdadeiras guerrilhas urbanas de
intervenção por parte, nomeadamente, de artistas contemporâneos e historiadores;
guerrilhas que nos remetem para questões que se relacionam com os conceitos de

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apropriação, representação e identidade, conceitos tão caros à museologia
contemporânea e que vale a pena aqui referir.

Estas interrogações que se referem às políticas de representação têm, aliás, sido


materializadas em projectos de artistas que utilizam as colecções e as re-organizam
de forma a explorarem narrativas alternativas do próprio museu, endereçando as
questões assinaladas. A exposição mais conhecida é talvez a de Fred Wilson, Mining
the Museum, de1992, onde expôs e re-legendou objectos da colecção da Sociedade
Histórica de Maryland, em Baltimore. Esta exposição pretendia não só desvendar
histórias de minorias nativas e africanas até então suprimidas pelo museu, mas
também demonstrar como certas delimitações / codificações positivas reforçavam
valores institucionalizados. Pretendia ainda evidenciar de que forma estas atitudes
afectam as decisões dos museus acerca das suas políticas de aquisição e exposição.
Outros projectos seminais chamaram a atenção para a irracionalidade do museu e
para a relação das suas práticas de coleccionar e documentar com práticas de
consumo de uma classe dominante. Na exposição Raid the Icebox, de 1969, na Escola
de Design de Rhode Island, em Nova Iorque, para grande irritação dos conservadores,
Andy Warhol aí convidado a organizar uma exposição, insistiu em expor colecções de
objectos na sua totalidade tal como estavam organizados nas reservas. Numa atitude
de desafio do próprio conceito de classificação e ordenamento museológico, Warhol
catalogou todos os objectos tão completamente quanto possível. Neste caso, a
colecção do museu não foi utilizada para contar outras histórias ou construir
memórias alternativas mas antes para desafiar toda a noção de museu como um
ordenamento de coisas, organizado, objectivo ou sistemático. Warhol expôs a própria
arbitrariedade do museu.

Mais recentemente, muitos artistas têm interrogado, criticado, mimetizado e exposto


o museu ele mesmo. A lista é muito longa mas podemos incluir artistas
contemporâneos como Hans Haacke, Marcel Broodthaers, Thomas Struth, Christian
Boltanski, Jimmie Durham e Sandra Gamarra, entre muitos outros.

Estas são algumas das experiências de verdadeira guerrilha que têm também
acontecido no seio do museu e que muito têm contribuído para um intensivo trabalho
de reflexão e re-posicionamento da instituição. Se é verdade que estas provocações
partiram, na maior parte das vezes, de campos adjacentes, hoje fazem parte dos
novos paradigmas museológicos. Através do trabalho inovador destes artistas e de

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muitos museólogos, os museus têm reflectido abertamente sobre as suas próprias
práticas de representação e de preservação. A relação histórica dos museus com o
colonialismo, com determinadas classes sociais, a sua cumplicidade na reprodução de
ideologias de raça e género, a sua dependência em relação a determinadas práticas
de coleccionar consideradas hoje invasivas, a arbitrariedade das políticas de
aquisição e as formas através das quais as histórias podem ser construídas e
reconstruídas através das colecções, têm sido exploradas através de novas
abordagens e práticas de expor. Estas são questões que se inscrevem num novo
paradigma museológico e que, se por um lado, se relacionam com uma cultura
profissional profundamente reflexiva, por outro, fazem parte da poética do próprio
museu contemporâneo. Explorarei, seguidamente, alguns dos aspectos desta
metamorfose que julgo afectarem a sua configuração.

1. O primeiro destes aspectos diz respeito às próprias poéticas e políticas de


representação do museu e relaciona-se com os debates não só de objectividade e
heterogeneidade mas também acerca dos próprios discursos que, como vimos, têm
percorrido o mundo dos museus e que promovem a reconstrução fundamental da sua
identidade. A desvalorização pósmoderna das metanarrativas autorizou diversas
histórias, des-legitimando versões eurocêntricas, masculinas, etc., promovendo a
exploração de narrativas múltiplas. As ortodoxias museológicas são agora
constantemente afrontadas por grupos anteriormente ignorados ou marginalizados
por museus. Por outro lado, esta consciência do museu como artefacto social e
sistema de representação tem conduzido a diferentes aberturas e políticas de
exposição e aquisição (de representação). Disso são exemplo os People’s Show
organizados por museus ingleses e muitas das exposições realizadas, por exemplo,
sobre o tema do colonialismo ou sobre outros temas fracturantes. O sucesso de
associações dentro dos próprios museus que participam activamente na curadoria de
exposições e organização de programas de acordo com as suas próprias leituras e
interesses, é, ainda, demonstrativo desta flexibilidade na gestão de interpretações e
apropriações que o museu pretende agora promover. Estes assaltos / guerras
fronteiriças podem, desta forma, ser mais democraticamente re-negociados. Claro
que estes são lugares-museus que se assumem de confronto, de colisão e de re-
negociação cultural. Claro que aqui o museu compreende que o alargamento e
envolvimento com outros públicos exige reciprocidade, interacção com comunidades
específicas ao longo das suas fronteiras: em vez de simplesmente educar ou

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informar, os museus começam então a operar – conscientemente e por vezes
criticamente – em histórias de contacto.

2. Ainda relacionada com este aspecto de heterogeneidade e multiplicidade, há uma


outra tendência em museus e na cultura contemporânea que penso fazer parte deste
contexto e que podemos descrever como de redescoberta da curiosidade. Sharon
MacDonald tem sido uma das investigadoras que melhor tem explorado este conceito,
sublinhando, porém, que esta redescoberta não é um retorno ao universo hierárquico
do tempo original da curiosidade mas sim uma mudança em direcção a uma
pluralidade de perspectivas de narrativas. É uma forma de materialização da
intertextualidade e relaciona-se com mudanças na própria compreensão das relações
do museu com os seus visitantes. Encontramos também esta intertextualidade e
procura de relações de correspondências em exposições que assumem esta mudança
de paradigma nas abordagens que utilizam para explorar e re-produzir o
conhecimento e endereçar os visitantes. A Tate Modern, por exemplo, substituiu o
paradigma evolucionista introduzido em 1930, por uma organização de
correspondências e relações. O desafio era o de organizar as colecções de forma a
ampliar o leque de possíveis interpretações e abandonar uma narrativa histórica
singular por uma multiplicidade de histórias. Optou por temas derivados das
classificações tradicionais do género da pintura, agora re-inventados para acomodar
as preocupações da arte do nosso tempo1.

3. Em terceiro lugar, esta flexibilidade e intertextualidade relaciona-se com a


própria hibridização do museu, que cada vez mais assume que a melhor forma para
competir num mercado global de lazer é explorar a plasticidade da ideia de museu,
combinando colecções com arquitectura espectacular e com lugares onde se pode
passear, comer, ver exposições… Os museus contemporâneos são cada vez mais
espaços híbridos, incorporando lojas, centros de informação, restaurantes,

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Apesar desta organização expositiva poder ser vivida pelos visitantes como mais flexível e aberta que o modelo
clássico evolucionista que ainda domina a maior parte dos museus, esta flexibilidade de interpretação não é sempre
experimentada como algo libertador. Na verdade, em alguns casos, pode mesmo ser considerada como um
elemento de desorientação. Se o conhecimento necessário para compreender os antigos lay-outs pode ser
compreendido como uma forma de capital cultural, no sentido de Bourdieu de um sistema de distinção estável e
mantido institucionalmente, a abertura de novas possibilidades de interpretação através de novas formas de expor
pode funcionar quer como um desafio deste sistema estável de distinção, quer como uma outra forma de distinção
na qual a posição social é mantida através da capacidade de se manter a par das últimas tendências culturais.

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cafetarias. São híbridos também, na sua utilização de técnicas e tipos de exposições,
eventos que oferecem, etc. Por outro lado, as especialidades disciplinares tendem,
em termos profissionais, a ser menos significativas e assistimos a transferências de
profissionais, por exemplo, de museus etnográficos para centros de ciência e de
museus locais para museus de arte. No entanto, se esta mobilidade parece traduzir
uma maior centralidade da missão de cada museu e uma maior diversidade em cada
museu também pode traduzir uma maior homogeneidade entre eles (ainda que,
logicamente, cada um enfatize e procure o seu carácter distinto!).

4. Outro aspecto que aqui gostaria de focar e que é quer condição quer efeito da
agenda anterior, diz respeito à transformação destes museus de oásis em zonas de
contacto e à sua afirmação como lugares cívicos e relevantes. Embora muitos museus
se revejam como lugares separados do mundo, lugares que são apreciados por
pessoas ”cultas e sofisticadas”, a metáfora do museu-oásis não é mais viável e –
como penso, aliás, ter sugerido – os museus nunca foram oásis: só aparentemente. Os
valores que pressupõem as práticas profissionais destes museus-oásis são
essencialmente os de preservação e conservação, investigação e exposição partindo
de meras abordagens estéticas de apresentação do conhecimento. Destes museus
espera-se que sejam autoritários, informativos e que sejam, eles próprios, os
melhores juízes, os melhores avaliadores, em relação ao que conta como prática
profissional adequada e ao papel que a instituição deve desempenhar. Apesar das
provocações e reflexões que têm levado a metamorfoses profundas do lugar museu,
este museu-oásis ainda é o museu mítico que existe na imaginação de muitos
profissionais. Esta orientação profissional tende a olhar exclusivamente para o
passado e para o seu interior, apoiando-se em atitudes, valores e percepções que se
desenvolveram em isolamento em relação a outras instituições culturais e sociais e
que partem do pressuposto de que as definições de civilização, cultura e
comunicação, que estes valores preservam, são valores absolutos e conferem uma
função social que justifica os museus por si.

Como tenho sugerido, esta é uma atitude que não faz parte dos novos paradigmas
museológicos. Os valores acima descritos já não são suficientes para justificar a
instituição. Hoje testemunhamos uma enorme mudança cultural. Metamorfoses em
estruturas sociais, alianças culturais e identidades pessoais aliam-se a mudanças na
natureza, controle e funções do conhecimento. Actualmente os museus estão sujeitos
a muitas exigências que lhes permitem desempenhar papéis válidos em novos

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mundos. Têm, para além disso, que demonstrar a sua visibilidade e argumentar o seu
valor em novos contextos onde valores anteriores não podem mais ser tidos como
garantidos.

Naturalmente, a procura de relevância como lugares de contacto exige uma mudança


em termos de centralidade. Esta relevância é procurada nos diversos níveis da esfera
pública: ou seja no macro-meso espaço e no micro-espaço público que é,
provavelmente, aquele que mais nos interessa neste momento particular pois é este
o nível, sobretudo, que envolve a coordenação de comunicação e de espaços de
participação cívica. Esta procura de relevância deve, sem dúvida alguma, associar-se
à construção de novas formas de diálogo público e participação cívica. Esta
abordagem exige não só reciprocidade mas também continuidade e é ao nível local
que estas parcerias com a comunidade melhor funcionam. Já não se trata agora de
fazer museus e comunidade só entre nós. Trata-se de criar relevância através da
constituição de redes de parcerias que funcionem como recursos críticos dos lugares
que queremos habitar, sendo corajosos e desenvolvendo formas inovadoras de
endereçar questões nem sempre fáceis. É de lugares performativos que aqui falo.
Lugares de acção comunicativa que, de alguma forma, materializam os valores da
utopia racionalizada de que fala Bourdieu.

O título deste pequeno artigo reflecte a minha convicção que estamos a participar
(não só a assistir a) numa revolução conceptual, uma revolução que questiona as
premissas fundamentais nas quais o museu (e o nosso trabalho) se alicerça e que se
relaciona com o seu valor intrínseco e indiscutível. Acredito que esta reinvenção tem
consequências significativas. Especialmente em relação ao distanciamento da
centralidade dos objectos em direcção a uma ênfase na promoção da experiência;
ênfase que revela novos horizontes éticos, epistemológicos e estéticos. A procura de
relevância fora dos seus contextos habituais é, sem qualquer dúvida, um dos eixos
desta metamorfose museológica.

Talvez este seja um tempo de construir não só comunidade entre museus mas
também entre os museus e outras instituições, um tempo de reorganizar recursos e
competências culturais.

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