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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.


Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacao.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
DOUTRINA
BIBLIA ;
MORAL
HISTORIA DO CRISTIANISMO

JÓ XllN* 109
SAGRADA ESCBITÜEA

' da.imíítóde'.onífe-'ofl'' áíscfpuíos de


89

por, que o Papa atada tisa a'sedia ges-


basüica de
ta^rxaViiúándo-.comparece na baaüica de sao
Sao rearo.
Pedro. •
^}ÑM0&a¿$md^iBpre88áo de soberanía nao condizente com

a homo época)"-,!rit^V;• • :;....• • • -^y

4S

u
« PERGUNTE E RESPONDEREMOS »
Ano X — N» 109 — Janeiro da 1969

I. FILOSOFÍA E RELIGIÁO

1) «Qué se entende por 'seculariza$&o' ou 'dessacraliza-


$So' do Cristianismo?»

Resumo da resposta: As palavras «secularizado» e «dessacrali-


zacao» sao ambiguas.
Podem significar a emancipacao da mentalidade moderna em re-
lacao a crendices e falsas atitudes religiosas — o que é salütar.
Podem também designar algo de discutivel, que é explanado neste
artigo.
O mundo de hoje perdeu o senso de Deus, levado a isto pelo fas-
cinio da técnica e do progresso material. Verificando o fato, certos
grupos de cristaos julgam que, para possibilitar a sobrevivencia do
Evangelho neste mundo nao-religioso, é preciso tornar o Cristianismo
n&o-religioso. Isto nao quer dizer que os cristaos devam negar a exis
tencia de Deus, mas, que deyám silenciar o nome de Senhor e re
nunciar as suas manifestacOes religiosas, a fim de se voltar tínica
•e totalmente para o homem com seus problemas sociais, económicos,
psicológicos... O Cristianismo assim deixaria de ser própriamente
urna religiáo para se tornar um humanismo.
Diante de tal tese observarse o seguinte: pode-se reconhecer que
os cristaos. em épocas passadas, nao se interessaram suficientemente
pelo homem e seus interésses temporais; para certos fiéis a religiáo
podia consistir quase exclusivamente em praticas exteriores ou rituais.
Compreende-se entáo que hoje em dia se incjuta com énfase a res-v
ponsabilidade dos católicos frente ás tarefas da sociedade e do mundo
contemporáneo. Todavia essa énfase nunca poderá levar o crlstáo a
negar o primado de Deus; este há de ser sempre explícitamente re-
conhecido e professado. É sómente quando ama a Deus e coloca o
■Criador no seu devido lugar que o homem ama genulnamente ao
próximo. Jesús sintetizou toda a vida arista em dois preceitos, dos
quais o primeiro é o do amor a Deus. Urna sociedade sem culto a
Deus nao é sómente anticristá, mas também anti-humana, pois a re-
lacáo com Deus é dimensao tao essencial ao ser humano quanto a
relacáo com os demais homens.

Resposta: Nos últimos anos, os cristaos (católicos e pro


testantes) tém procurado tornar o Cristianismo mais expres-

— 1
2 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969. qu. 1

sivo e aceitáyel ap homem do sáculo XX. A tarefa é realmente


oportuna e nécessária, pois aos poucos se foi abrindo crescente
distancia entre certas instituigóes do Cristianismo e a vida do
homem de nossos dias. '
É neste quadro geral da historia que se fala, com insis
tencia, de «secularizagáo» e «dessacralizagáo». Todavía quem
lé a bibliografía ooncernente a éste assunto, verifica que os
termos «secularizagáo» e «dessacralizagáo» sao empregados em
acepgóes varias, que é muito importante distinguir nítidamente
entre si:
a) Por vézes, «secularizagáo» significa o fato de que as
ciencias, as artes e a vida do homem contemporáneo em geral
mais e mais se emancipam de crendices e de inoportunas in
terferencias de um espirito religioso infantil. O homem mo
derno está em condigóes de dispensar explicagóes religiosas
mal arquitetadas, explicagóes, porém, que outrora pareciam
adequadas, porque a ciencia e a técnica nao estavam sufici
entemente evoluídas. É neste sentido que nao raro se fala de
urna secularizagáo ou dessacralizagáo da sociedade e do pen-
samento. Tal sentido é aceitável por parte do cristáo, pois
significa um valor: o homem moderno se libertou de falsas
atitudes religiosas.

b) Acontece, porém, que «secularizagáo» toma, por vézes,


sentido discutível. Diz-se nao apenas que a vida moderna, está
secularizada (no sentido ácima), mas também que o próprio
Cristianismo se deve secularizar ou dessacralizar. Ora é esta
segunda acepgáo do termo «secularizagáo» que interessa o pre
sente artigo.
Veremos o que ela significa, considerando sucessivamente
a secularizagáo da mensagem e a secularizagáo da vida, ao que
se seguirá urna reflexáo sobre o assunto.

1. A secularízaselo da mensagem

Os homens de hoje, em grande parte, perderam o senso


de Deus e dos bens transcendentais; consciente ou inconscien
temente, quase só se interessam por valores materiais. As prin
cipáis causas déste fenómeno sao

o cientificismo ou a mentalldade racionalista, que o progresso das


ciencias vai gerando no mundo de hoje. Muitos homens julgam utópi
camente que a ciencia lhes fornecerá a explicacáo dos grandes mis-

2
SECULARIZADO 3

térios da vida. Dedicando-se as ciencias ditas «exatas», perdem a


capacidade de intuir valores transcendentais, como sao. os valores
religiosos;
as ideologías de capitalismo e do comunismo, que materializan!
feotemente o cidadáo moderno.

Ao verificar tal situagáo, há cristáos que assim racio-


cinam:
«A Religiáo já teve sua época; vivemos numa civilizacáo
'pós-religiosa' ou civilizacáo que superou a Religiáo. A Religiáo
é um fato meramente cultural, preso a mentalidade já ultra-
passada. Que acontecerá entáo ao Cristianismo neste mundo,
que nao aceita mais os valores sagrados ?

— O Cristianismo, para sobreviver, se tornará, também


náo-religioso. Jeanson, em seu livro 'La foi d'un incroyant',
afirma que o Cristianismo ainda tem esperangas de futuro na
térra, caso consiga desembaracar-se de Deus; um Cristianismo
sem Deus já nao provocaría dificuldade nem objegáo da parte
de quem quer que fósse».

Eis como pensam certos cristáos, visando «salvar» o


Cristianismo de se extinguir por, falta de eco e receptividade
no mundo de boje.

Nos Estados Unidos da América, existe um movimento intitulado


«O Cristianismo náo-religioso» ou «A Teología da morte de Deus»,
tendo como principáis representantes os pensadores protestantes Ha-
mitton, van Burén e Altizer, a proclamar tais-idéias. Um compendio
de Cristianismo secularizado ou dessacralizado é o livro de Robinson
«Um Deus diferente» (Honest to God, Dleu sans Dien), analisaddem
«P.R.» 99/168. pág. 101-110.

Mais precisamente: que seria o «Cristianismo sem Deus»,


na mente de seus arautos?

— Seria um humanismo, isto é, urna moral do amor ao


próximo, da filantropía, a expressáo da fraternidade que deve
unir todos os homens entre si. De resto — argumentam —
Cristo tiáo disse que os seus. discípulos seriam reconhecidos
pelo amor que tivessem uns aos outros? O amor ao próximo
nao representa a metade da mensagem crista, segundo as pa-
lavras de Jesús: «O segundo mandamento é semelhante ao
primeiro: 'Amarás ao próximo como a ti mesmo'» (Mt 22,39) ?
Se, portante, apregoamos o amor ao próximo, nao estamos
fazendo algo de essencial ao Cristianismo, embora silenciemos
o nome de Deus? Para que incutir o primeiro mandamento
(«Amar a Deus») quando sabemos que nao encontrará eco?
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969. qu. 1

, ft Sao tais idéias que sugerem o movimento dito de «secu-


áaidzaeáo» ou «dessacralizagáo» do Cristianismo. Muitos dos
discípulos de Cristo, em nossos dias, querem cancelar da sua
■inenkágem qualquer nota própriamente religiosa, qualquer
símbolo sagrado; em suma, desejam paradoxalmente urna Re
ligiáo sem Religiáo, um Cristianismo sem Deus e somente oom
o

.■..r.Estas teses tém encontrado penetragáo, ora mais ousada,


oficiáis, tímida, em certos setores do Catolicismo. Verdade é
'que ,üm fieí católico nao pode proferir tais conceitos sem cair
em..coñtradicáo consigo mesmo; mas notam-se atitudes práticas
dé' católicos que refletem ora mais discreta, ora mais aberta-
mente tal modo de pensar: «O que realmente importa, é amar
aó-.;homem, pois Deus nao precisa de que O amemos; o pro
blema é 6 homem; basta que nos voltemos para ele, certos de
que-encontramos a Deus dentro de cada homem». — Estas
idéias; por mais belas que parecam, sao, em parte, erróneas,
em. parte ambiguas.

2. A secularízaselo da vida

Cristianismo sem Deus e com o homem apenas, um


•Cristianismo dessacralizado ou secularizado vém a ser um
Pjistíanismo que nao tem afirmagóes características na vida
da'sociedade e que cada um vive apenas no seu foro particular.
I.!'' ck: :
Em conseqüéncia, muitos apregoam que se extingam as
manifestagóes religiosas da vida pública; esta também há de
ser'dessacralizada. O Estado nao somente nao deve estar vin
culado á Religiáo (como na Idade Media acontecía), mas nem
deve. reconhecer ou patrocinar as manifestagóes religiosas.
w:. hDéixem os cristáos de construir igrejas, pois estas conso-
memi!o dinheiro que se poderia dar aos homens indigentes,
©etls nao precisa de templos; o culto pode ser celebrado por
quem o queira, na simplicidade das casas de familia, sem ceri-
monial litúrgico. Nem promovam os cristáos seus programas
de Tádio, televisáo, cinema, imprensa escrita, pois Deus e a
Réiigiáo sao temas de foro interno ou de consciéncia, que nao
•ínteressam ao público como tal. A éste só se deve falar do
Servigo ao próximo.

■,,. n Tais idéias exigem urna reflexáo por parte do leitor.

_ 4 —
SECULARIZACAO - ■'&

3. Que dizer ? ., ^
v.Y.;Ví 'i
1) A secularizajáo da mensagem o vcn..q
•y, ,;:;.1
O «novo Cristianismo» pretende dar énfase maiorrou
mesmo total e exclusiva ao segundo mandamento de Cristíí,
deixando de lado o primeiro (referente a Deus). .•■'•'1
V'/íl
Esta atitude explica-se, de certo modo, como reacáo" con
tra a atitude um tanto oposta adotada por círculos crjs,táos
do século passado. Com efeito, pode-se dizer que em muitQS
fiéis do séc. XDC prevalecía mais ou menos inconscientemente
a tendencia a conceber a Religiáo quase exclusivamente como
urna serie de deveres para com Deus. ;i
•./.••l':U.-:t)
O P. Jeán Daniélou observa o seguinte : ■ _.- ní

«Um homem piedoso podia acusar-se de nao ter ido á. MJssi'no


domingo e de ter comido carne ha sexta-feira. Quando, porém, a padre
lhe perguntava se nao tinha pecado contra .a caridade, respondía:
'Padre, por quem me toma Vossa Reverencia ?' Com tal resppsta,
entendía insinuar que ao sacerdote (e a Religiáo) dizem respeito,,a
Missa e o peixe; o resto, porém, está fora de sua aleada» («II. com-
plesso di Antitrionfaüsmo», em «LiOsservatore Romano», 22/11/68,
pág. 3). • ■•••-''
••■•■;-j oh
Era e é, sem dúvida, muito importante despertar os;crisL
táos para o sentido das responsabilidades sociais que o Evan-
gelho impóe. Por conseguinte, quando em nossos diás se
observa que o mundo cristáo vai tomando mais profunda
consciéncia de seus deveres sociais, um observador imp^ára¿&
só pode registrar com satisfacáo éste valor positivo dórGátó=-
licismo contemporáneo. Todavía verifica-se o perigo do'éxí-
ñéro oposto ao do século passado. Com efeito, a Religiáo é nao
raro concebida como o sistema que leva o homem a pro<?ur|r
o homem e a servir-lhe, ficando Deus em plano apagadó^Da?-
niélou caracteriza do seguinte modo o fenómeno: ""'!'*!
«Os jovens se acusam de culpas contra a caridade. Se perguntais
a algum déles: 'Fóste á Missa?'. responde: 'Esqueci-me de par.rlcip^r
déla talvez cinco ou seis vézes'. E isto lhe parece de somenos impor
tancia» (ib.). . ''.'.o

Note-se que, enquanto o homem mais e mais valoriza os


bens terrestres, menos e menos tem ele a capacidade de apreciar
Deus e os grandes valores que se relacionam diretamenteQpna
Deus: a oracao, a adoracáo, o encontró silencioso e recolhido
com o Divino Amigo, o culto sagrado. A crise do senso de Deus

— 5 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 1

que, de maneira geral, pesa sobre toda a humanidade (porque


toda a humanidade está sendo contaminada pelo racionalismo e
o materialismo), ameaga gravemente o Cristianismo. Todavía é
preciso afirmar com a máxima clareza: um Cristianismo des
tituido da sua dimensáo divina, um «Cristianismo sem Deus»
é mera caricatura ou, melhor, deixa de ser simplesmente
Cristianismo. O segundo mandamento é justamente <o segundo,
porque Jesús primeiramente disse (retomando, alias, urna fa
mosa norma da antiga Lei judaica):

«Amarás o Senhor teu Deus do todo o teu coracáo. de toda a tua


alma e de toda a tua mente. Éste é o primeiro e o maior dos manda-
menrtos» (Mt 22, 37s).

Nao se julgue que o cristáo cumpre éste primeiro man


damento simplesmente pelo fato de servir ao próximo. Nao;
trata-se de dois preceitos formulados distintamente, a exigir
duas respostas distintas: além de (ou, melhor, antes de) se
entregar ao próximo, o cristáo deve entregar-se a Deus na
oragáo, explicitando suas virtudes teologais (fé, esperanca e
caridade). Em caso contrario, nao se iluda o cristáo; ele nao
professa senáo urna caricatura do Evangelho. Jesús foi certa-
mente o Modelo da dedicagáo aos irmáos (o «Homem para os
outros» por excelencia, como diz a «nova teología»), mas, antes
de tudo, Ele foi o «Servo de Javé», que fez de t6da a sua vida
um holocausto ao Pai (cf. Hebr 10, 5-10).

Um Cristianismo que se reduzisse a filantropía ou a urna


escola de Moral, perdería o essencial do seu interésse. Com
efeito, mestres de Moral, sempre os houve no decorrer da
historia; já antes de Cristo, os estoicos (Epicteto, Séneca, Dió-
genes...) tornaram-se famosos como doutóres de ética. To-
davia nenhum désses mestres trouxe salvagáo aos homens; Sao
Paulo mesmo lembra aos Romanos (7,7-13) que os mestres
de Moral, tentando ensinar aos homens o que é a virtude, só
contribuem para tornar o discípulo mais pecador, pois éste por
si só é impotente para cumprir todo o bem e evitar todo o
mal. Era preciso que o próprio Deus, além de dar aos homens
sua Lei, Ihes comunicasse também o auxilio para se libertarem
do pecado, ou seja, a graga da Bedencao. Na verdade, é de um
Salvador que os homens precisam, e éste é o Cristo Jesús.

Se o Cristianismo fdsse apenas urna escola de Moral, poderia


alguém ter boas razfies para seguir a moral marxista de preferencia
a moral crista; sim, a moral marxista, matando e violentando, resolve
mais rápidamente certos problemas temporais do que o Cristianismo
com a sua lei do respeito á personalidade. Para um observador impar-

— 6 —
SECULARIZACAO '

cial, nao se trata de saber qual será o meUior humanismo:..', o hu


manismo cristáo ou o humanismo marxista. O Cristianismo (na me
dida em que é humanismo) é humanismo específicamente diverso do
marxismo pelo fato de considerar o problema do homem com toda a
profundidade, tocando o abismo da miseria humana e dando a esta
remedio ou salvacao; Cristo, Deus e homem. salva da morte corporal
e da miseria espiritual; e sómente Ele o faz. Se Ele nao ó fizesse,
nao seria senáo um sabio entre os varios sabios que apareceram no
decurso da historia, de tal sorte que, considerando sabedoria por sa-
bedoria, eu poderla nao encontrar razáo peremptória para preferir
Jesús Cristo a Buda, Lao-tsé, Sócrates ou Maomé.

É claro que tais verdades só podem ser aceitas por quem


tem fé. Mas o cristáo é precisamente um homem de fé (cf. Rom
1, 17); por isto é que nunca poderá admitir um Cristianismo
«náo-religioso» ou «dessacralizado» sem deixar «ipso facto» de
ser cristáo.

2) A dessacralizaféio da vida

Nao há dúvida, em nossos tempos o homem, com muita


razáo, aspira á liberdade religiosa. Esta consiste, entre outras
coisas, em que o Estado nao constranja seus súditos nem a
abracar determinada Religiáo nem a renegar alguma. Isto,
porém, nao quer dizer que o Estado nao deva reconhecer a
Religiáo que seus súditos venham a professar; também nao
significa que a vida pública seja despojada de seus sinais sa
grados (igrejas e manifestagóes religiosas).
Na verdade, a Religiáo é um dos elementos de que se
compóe o humanismo integral táo apregoado pela encíclica
«Populorum Progressio». Ora o Estado tem a obrigagáo de
criar as condicóes oportunas para que se realize o desenvolvi-
mento integral de seus súditos; disto se segué que a todo go-
vérno civil cabe o dever de favorecer a vida religiosa- dos
cidadáos. Por conseguinte, numa sociedade devidamente confi
gurada haverá templos sagrados e pronunciamentos religiosos
públicos; a presenca da Religiáo se fará sentir na imprensa
escrita' e falada. Os cristáos estáo em consciéncia obligados a
salvaguardar e promover essas expressóes religiosas na socie
dade. Nao basta que o Estado nao proiba o exercício privado
do culto sagrado; é preciso também que ele reconhega as sa-
dias manifestagóes públicas do elemento sacral ou religioso
que deve existir em todo homem integralmente desenvolvido.
Em outros termos: para que um govérno civil merega
plenamente o seu nome, nao é suficiente que lute contra as
miserias dbrporais do povo, mas requer-se outrossim que ajude

. ■'' — 7 —
8 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969. qu. 1

a debelar as miserias do espirito. A dimensáo religiosa deve


marcar a sociedade e a civilizagáo. A Religiáo e a fé mais
tém a recear da parte de urna ordem civil secularizada ou
dessacralizada do que da parte das objegóes de certos inte-
lectuais ateus; aquela ameaga e corroi muito mais profunda
mente do que estas.

É por tais motivos que um genuino cristáo jamáis poderá


pactuar com a «sedutora» idéia de urna civilizagáo que, em-
bora nao combata o Cristianismo, se despoje intencionalmente
de todas as insignias e expressóes públicas de fé. Tal civilizagáo
seria a negagáo do Cristianismo e geraria populagóes simples-
mente atéias.
Muito a propósito vém as seguintes consideragóes do
P. Jean Daniélou :

«É perfeitamente verdade que o amor ao próximo é a pedra de


toque do auténtico amor a Deus. Santo Agostinho rífelo repete muitas
vézes. Mas é também verdade que o amor ao próximo nao dispensa
de maneira alguma do amor de Deus. Mais aínda, entre os dois man-
damentos, é o amor de Deus que ocupa sem dúvida o primeiro lugar.
O Cristianismo, antes de ser urna moral, é urna religiáo. A idéia de
• que um homem pode ser cristáo sem ser religioso, é urna aberracáo
do espirito moderno, urna especie de laicizacáo do Cristianismo, que o
esvazia da sua esséncia.

Com efeito, a esséncia do Cristianismo, enquanto é antes do mais


urna religiáo, é o reconhecimento pelo homem da sua dependencia
em relacao a Deus. Toda atitude que faz do homem valor supremo, é
radicalmente anticristá. E nao me digam que o íato de alguém se
ocupar dos outros basta para fazer déste homem um cristao. Pode-se
dizer que a idolatría moderna consiste precisamente na afirmagáo de
que o homem nao tem necessidade de Deus para amar os seus irmáos.
Claudel disse-o admirávelmente: «A tentacáo do homem moderno é
mostrar que Deus nao é necessário para fazer o bem». Somos obri-
gados assim a ultrapassar a fácil equacáo: egoísmo = anticristianismo,
altruismo .= cristianismo. Jean Lacroix disse-o muito bem: o novo
fato com que nos deparamos, é o de um altruismo nao cristao — e por
vézes conscientemente anticristáo.

Deve-se até ir mais longe: esta acepcao de um Cristianismo em


que Deus é substituido pelo homem nao é só anticristá como é asnti-
-humana. A relacáo do homem com Deus é táo constitutiva do ser
humano como a relacao do homem com os outros homens. Um homem
que nao .reza, nao é um homem. Falta-lhe algo de essencial. Acha-se
mutilado de urna parte de si mesmo. É sempre, de resto, já o afir-
mava Beaudelaire a marca de urna certa mediocridade de alma o
fato de nao ser acessível á ordem eminente de grandeza que sao as
grandezas divinas. A adoracáo, que consiste precisamente na aptidáo
a compreénder essas grandezas, é sempre a marca da qualidade da
alma. Eis por que, ao defender inexorayelmente os valores religiosos,
os cristáos defendem o homem moderno da asfixia que o ameaca.
E eis por que é inaceitável que um cristao possa pensar que um

— 8 —
O CRISTAO FRENTE AO ATEÍSMO

homem que nao eré possa ser um cristao» («Evangelho e Mundo Mo


derno»,. Lisboa 1967, pág.- 67-G9). ,

$) «Que atitude compete a um cristao diante do ateísmo


contemporáneo?»

Resumo da resposta: Aos cristáos compete entrar em dialogo


com os ateus, evitando a inoompreensáo e o fechamento de espirito.
Ésse diálogo porém, nao deverá redundar em concessSes e concilla-
ciíes equivocas; deverá ser sincero e leal, evitando semi-verdades e
compromissos doutrinários; é na base da verdade e da sinceridade que
os cristáos se háo de encontrar com seus irmáos incrédulos.
Além disto, aos cristáos toca
estudar e conhecer melhor a sua fé, a fim de a propor e defender
devidamente,
viver mais coeresntemente com o que professam, a fim de dar um
testemunho lucido e total,
procurar colaborar com todos os homens na instaurado de urna
sociedade bem ordenada.

Resposta: Explanaremos abaixo duas atitudes erróneas;


após o que será proposta a resposta á questáo ácima.

1. Diálogo : Sim ou Nao ?

É preciso evitar em relagáo ao ateísmo: 1) incompreensáo


e recusa; 2) conciliagáo equivocante.
1) Incompreensáo1 e recusa sao a posigáo de pessoas que,
profundamente impressionadas com o ateísmo, julgam que todo
contato com os ateus é inútil ou mesmo nocivo. Recusam-se
mesmo a considerar os porqués da indiferenga ou da pregagáo
religiosa de seus irmáos.
Tal atitude é simplona e errónea. Embora nao possa
aceitar o ateísmo, o cristao deve olhar de frente para o pro
blema, ... problema n' 1 da Igreja, procurando averiguar suas
causas e responder ás questóes ou aos desafios que ele coloca.
2) Conciliacao equivocante. Há cristáos desejosos de com-
preender o ateísmo a ponto de quase o assimilar á sua visáo
crista do mundo e do homem. Tais sao os ditos «teólogos da
morte de Deus», para os quais é preciso renunciar a falar de
Deus no mundo moderno secularizado; o Cristianismo dora-
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 2

vante só deveria ter expressóes humanas, ficando os valores


religiosos relegados para o foro particular de cada consciéncia.
Outros há que reconhecem certas criticas dirigidas pelos
ateus aos cristáos; exageram-nas, porém, de modo a afirmar
que «nao há verdadeira fé sem ateismo»; julgam que se po-
deria tranquilamente admitir que os cristáos percam a fé (fé
dita «infantil») para depois recuperá-la (como já «adulta»).
Quem assim pensa, está equivocado, pois na verdade a negacáo
da existencia de Deus nao pode ser caminho para Deus; a fé
nao pode ser purificada por sua própria destruigáo. Aquilo
de que os fiéis precisam para purificar sua religiáo, nao é o
ateismo, mas precisamente a fé bem conhecida e vivida. De
outro lado, sabe-se que o marxismo ateu nao visa simples-
mente remover as imperfeitas nogóes religiosas dos cristáos,
mas a própria Religiáo; nao se vé, pois, como o ateísmo possa
concorrer para beneficiar a fé crista.
Positivamente, deve-se desejar naja entre cristáos e ateus
um diálogo esclarecido e sincero. O cristáo procurará compre-
ender os pontos de vista de seu irmáo materialista; tentará
averiguar por que optou pelo ateísmo e quais as diñculdades
que encontra para crer. Feito isto, tratará de dialogar com seu
interlocutor a partir de tais premissas, atendendo exatamente
á problemática como ela se póe para o ateu.
No diálogo, é necessário evitar as semi-verdades, os
«arranjos» e «compromissos» doutrinários; cada qual dos dia
logantes (cristáo e ateu) aprésente lealmente a doutrina que
professa; é o sincero confronto de posigoes que póe em evi
dencia fainas e erros, possibilitando assim a aproximagáo
mutua dos-interlocutores em torno da verdade.
Mais ainda: o diálogo entre cristáos e ateus impóe aos
cristáos um programa que se podé resumir em tres ítens,
como se verá abaixo.

2. Um programa frente ao ateísmo

O Concilio do Vaticano II, em sua Constituigáo «Gaudium


et Spes», expóe nos seguintes termos a atitude que aos cristáos
compete tomar em relagáo ao ateismo contemporáneo:
«O remedio a ser levado «ao ateísmo deve-se esperar nao só de
urna adequada exposigao doutrinárla, mas também de urna vida inte
gra da Igreja e de seus membros. Compete, pois, á Igreja tornar
presente e como que vlslvel Deus Pai e seu Füho encarnado, reno-
vamdo-se e purlficando-se incessantemente, sob a direcáo do Espirito

— 10 —
O CRISTÁO FRENTE AO ATEÍSMO 11

Santo. Isto se obtém primeiramente pelo testemunho de urna fé viva


e adulta, formada de propósito para que possa perceber de modo
lúcido as dificuldades e supera-las. Inúmeros mártires derem e dio
um testemunho preclaro desta íé. Esta fé deve manifestar a sua
fecundidade, penetrando a vida integral dos fiéis, também a profana,
impulsionando-os á justica e ao amar, sobretudo para com os neces-
sitados. Para a manifestacáo da presenca de Deus, contribuí enfim
sobremaneira a caridade fraterna dos fiéis que em espirito unánimes
colaboram para a fé do Evangelho e se apresentam como sinal de
unidade» (n' 21).

Esta passagem se resume em tres grandes proposigóes,


a saber:
A incredulidade de táo numerosas pessoas hoje em día
deve tornar-se um estímulo para que os cristáos
1) estudem e conhegam melhor a sua fé,
2) vivam mais coerentemente com o que professam,
3) procurem colaborar com todos os homens na instau-
racáo de urna sociedade bem ordenada.
Eis o que cada um désses itens significa:

1) Urna boa formajáo religiosa ¡mpoe-se a dois títulos :

a) permite ao cristáo responder as objegoes propos


tas contra a fé e assim o imuniza contra as mesmas. A insu
ficiente formagáo religiosa é urna das causas pelas quais
muitos vacilam diante das teorías do materialismo. Éste ira-
pressiona por sua argumentagáo aparentemente «científica»;
sabe também explorar aspectos deficientes (marcados pela
fraqueza humana) da historia da Igreja ou da pregagáo crista.
Requer-se, por isto, que cada cristáo saiba exatamente o
alcance das proposigóes da sua fé, distinguindo fielmente o
essencial e o acidental na profissáo e na vida cristas; saiba
reconhecer as vicissitudes do Cristianismo (devidas ao fato de
que Cristo age pelos homens), mas nao permita sejam tais
vicissitudes identificadas com o próprio Cristianismo.
b) urna boa formagáo possibilita também testemu-
nhar devidamente a doutrina da fé. — Pode-se admitir que
muitos homens sejam ateus simplesmente por nunca ter ouvido
urna clara exposigáo das verdades da Revelagáo; talvez nunca
tenham tido a ocasiáo de conhecer auténticamente a mensa-
gem do Evangelho. Por isto o cristáo há de procurar apre-
sentar aos náo-cristáos a doutrina da fé com o máximo de.
fidelidade e lucidez possível. Irradie genuinamente a luz da
verdade revelada.

— 11 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 2

Eis como a propósito se manifesta o episcopado polonés


em recente Carta Pastoral:

«Desejamos principalmente colocar o acento sobre o dever de


conhecer a fundo o conjunto da doutrina católica. O Santo Padre n.-lo
lembra na sua exortacáo para o Ano da Fé. Urna formacáo religiosa
do nivel do catecismo e da escola primaria nao poderia bastar; é
apenas um ponto de partida para ulteriores escudos, cuja duracáo se
deve estender por toda a nossa vida. Com efeito. neste setor nunca
poderemos dizer: *É suficiente'. Deparamo-nos incessantemente com
argumentos e objecdes que visam as nossas conviccoes .religiosas.
Ora muitos de mossos católicos sao incapazes de os enfrentar. A sua
cultura religiosa é francamente insuficiente e manifesta graves la-
cunas. Assim arriscam tornar-se causa de escándalo, de dúvida, de
apostasia. Por conseguinte, o incessante aprofundamento da nossa
cultura religiosa e do nosso conhecimento de Deus, de Cristo e de
sua Igreja, torna-se para todos nos um estrito dever e deverá ser a
nossa ambicáo. ■& preciso explorar a fundo todas as responsabilidades
colocadas ao nosso alcance para aprofundar e completar a nossa for
macáo religiosa. Recomendamo-vos em primeiro lugar a leitura assí-
dua dos Livros Sagrados, principalmente do Ndvo Testamento, com
bons comentarlos de teólogos católicos assim como a leitura das
Constituicoes. e dos Decretos do Vaticano II. Aproveitai dos livros e
revistas católicos aptos para alargar vossos horizontes religiosos e
aprofundar o conhecimento das verdades de vossa fé» (texto publi
cado em «Documentatlon Catholique», n* 1512, 15/111/1968, col. 420s).

2) Vida coerente com a profissáo de fé

O cristáo que viva conseqüentemente de acordó com a


sua fé, pode tornar-se um sinal vivo que atraia os homens
para Deus.
O testemunho da vida convence eficazmente. É o que a
experiencia de todos os séculos ensina. É também o que a vida
moderna atesta com particular insistencia: os homens de hoje
muitas vézes nao créem em argumentos especulativos (nao sao
dados !á metafísica), mas deixam-se convencer pela lealdade
ou sinceridade da pessoa que argumenta; mesmo quando a
argumentacáo teórica é falsa, o testemunho da vida prátíca
persuade numerosos homens; dai o grande valor de urna vida
crista integralmente norteada pelos principios da fé e da moral
de Cristo.

Vém muito a propósito as palavras de um poeta anónimo:

xDeua tem necessidade de tí

Só Deus pode dar a fé,


mas depende de ti
SER UM SINAL para teu irmao.

— 12 —
O CRISTAO FRENTE AO ATEÍSMO 13

Só Deus pode dar a esperanza,


mas depende de ti
SER UM ALENTÓ para teu irmáo.
Só Deus pode dar o amor,
mas depende de ti
SER UM ATRATIVO para teu irmáo.
Só Deus pode dar a alegría,
mas depende de ti
SER UM SORRISO para teu irmáo.
Só Deus é o caminho,
mas depende de ti
SER UM GUIA para teu irmáo.
Só Deus é a, luz,
mas depende de ti
SER UM REFLEXO para teu irmáo».

A fim de ilustrar a importancia do testemunho da vida,v


seja aqui citada urna estatística.
A Associagáo de Educagáo Católica do Rio Grande do
Sul realizou tuna pesquisa entre 12.108 estudantes do Rio
Grande do Sul e de Santa Catarina a respeito da fé désses
jovens. Déles, 4.514 declararam ter serias dúvidas a respeito
da Religiáo. Interrogados sobre as causas de tais dúvidas, res-
ponderam os jovens apontando antes do mais

N* de
estudantes % a/ os 4.514

Falhas de sacerdotes 1.643 36,3


Impressáo de falta de realidade na
Religiáo 1.466 32,4
Falhas da Igreja 1.111 24,6
Vinham, a seguir, outras fontes de Inseguranca religiosa assim
catalogadas:
N« de
estudantes % s/ os 4.514

Observagoes maldosas sobre a religi&o


feitas por adultos 662 14,6
Dificuldades com a pureza 633 14,0
Proíessor 587 ■13,0
«Tedio e aborrecimento que me causa
a religiáo» , 466 10,3
Algum companheixo 464 10,2
Párente ou familiar 462 10,2
Déselo de independencia 446 9,8
Amigo 426 9,4
Namorado 237 5,2
Cinema 238 , 5,2
Livros 216 4,7
Jomáis 182 4,0

— 13 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 2

Estes dados de inquérito, por mais relativos que sejam,


contribuem para ilustrar a grande influencia que tem sobre a
fé o ambiente no qual vive cada individuo. As palavras e os
exemplos langados em materia de religiáo podem ser vida ou
morte para a crenga das pessoas atingidas.
Na mesma pesquisa, os 4.514 jovens que tinham dúvidas,
foram interrogados a respeito dos meios de sair da sua crise
religiosa. A esta pergunta responderam do seguinte modo:
«Acho que esta situacáo de dúvida ficará melhor e eu terei paz

eSegUranCa:' SIM UMPOUOO


1) Se chegar a esquecé-la á fórca
de diversSes, íestas, cinema, bailes, etc. 6,7% (266 est.) 12,4% (561)
2) Se alguém me explicar segura e
claramente os pontos duvidosos com
apoto de provas 80.1 % (3.617) 10,6 % (481)
3) Se eu chegar novamente a rezar
com a mesma simplicldade com que re-
zava quando era pequeño 41,7 % (1.874) 17,4 % (789)
4) Se eu chegar a fazer a confissáo
de faltas que me custa confessar» .... 21,1 % (954) 12,7 % (577)

O ítem n« 2 ácima interessa especialmente o tema deste artigo,


pois realca a importancia de que Jiaja católicos bem íormados em sua
religiáo e desejosos de auxiliar o próximo por meio de sua palavra
(e, acrescente-se,... de sua vida).

3) Colaborajáo

• Cristáos e ateus, por viverem neste mundo, tem obriga-


Cóes para com a realidade terrestre que os cerca; a todo
homem interessa haja ordem, paz, justiga e amor sobre a
térra. Por isto convém que cristáos e incrédulos colaborem
entre si em todos os setores de acáo social que nao impliquem
traigáo a respectiva ideología ou confusáo doutrinária. Pode-
ráo, portanto, unir seus esforgos para assegurar a paz, com-
bater a fome e o analfabetismo, profligar a prostituicáo, pro
mover a dignidade do homem... Em tais setores, as" diferentes
ideologías (do Cristianismo e do ateísmo) tém geralmente
pontos de vista idénticos, de sorte que a colaboragáo nao causa
detrimento á consciéncia dos diversos colaboradores. Pode
mesmo acontecer que, pelo contato de pessoa a pessoa, cristáos
e ateus se compreendam melhor uns aos outros, dissipando
equívocos s6bre a fé e a religiáo; é muitas vézes mediante o
intercambio humano e a uniáo de sentimentos e afetos que as
mentes se abrem para a verdade.

— 14 — '
«JUDAS TRAIDOR OU TRAÍDO ?» JS

Compreende-se, porém, que, ao realizar alguma das ta-


refas ácima mencionadas, os cristáos deveráo evitar qualquer
forma de cooperagáo que redunde em promocáo do materia
lismo ou do ateísmo; o cristáo nao pode servir, nem direta
nem indiretamente, de instrumento para a difusáo de urna
ordem social atéia.

II. SAGRADA ESCRITU

3) «Judas traidor ou traído? Antes traído do


Que dizer?»

Resumo da resposta: Dani.Uo Nunes, em seu livro «Judas, traidor


ou traído?*, intenciona demonstrar que Judas nao foi desleal para
com Jesús, mas antes deve ser tido como um herói do patriotismo
Israelita. Terá aderido a Jesús por julgar que Jesús havia de libertar
o povo israelita do jugo romano. Aos poucos, porém, tomou consci-
éncia de que Jesús era partidario do «status quo» político ou urna
especie de colaboracionista com os romanos; na verdade, Jesús man-
dava dar a César o que era de César. A pregacáo de Jesús, em suma,
foi aparecendo a Judas contraria aos interésses da nacáo judaica;
por isto Judas tomou, frente ao Mestre. a atitude que as Escrituras
prescreviam frente aos falsos profetas (cf. Dt 13,3. 8s); foi, portante,
um homem zeloso da Lei de Deus e'das aspiracSes de Israel, em
oposicao a Jesús, que íoi antes um traidor de sua gente.
A tese de D. Nunes é acompanhada da negacao da- Divindade
de Cristo e da veracidade dos Evangelhos; apoia-se em apócrifos e
conjeturas arbitrarias do autor.
Em resposta, pode-se dizer que as afirmaedes de D. Nunes nao
tém o mínimo caráter científico; derivam-se da fantasía e de precon-
ceitos mais do que do serio estudo de documentos. Ora «o que gra
tuitamente se afirma, gratuitamente se nega».
No corpo déste artigo váo apontadas varias das teses totalmente
arbitrarias do autor. A guisa de espécimen, eis urna destas :
José, que era oficialmente o pai de Jesús, terá sido um zelota
(nacionalista extremado) que pereceu inuma revolucáo sectaria. Jesús
terá ocupado o lugar de seu pai em casa, junto a Maria e aos irmáos;
mas nutrlu sempre um sentimento de culpa por nao lutar como seu
pai pela redencáo de seu povo subjugado. Foi ésse sentimento que
levou Jesús a iniciar mais tarde a sua pregacáo na Palestina. Quando
Jesús chamava Javé de «Pai», nao fazia senSo procurar urna compen-
sacáo pela perda de seu pal (cí. pág.-236).
Pergunta-se: donde sabe D.N. que S. José foi zelota, vitimado
em guerra sectaria? Nem os apócrifos referem isto; apenas a ima-
ginacáo do autor o sugere. — Ora pode-se dizer que todo o livro de
D.N. pertence a ésse mesmo género literario: romance, que faz diva-
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 3

gar a fantasía, destratado, porém, valores que exigem o máximo de


seriedade.

Resposta; Danillo Nunes publicou recentemente um livro


em que intenciona mostrar um aspecto novo da figura de Judas,
; recorrendo a grande aparato de erudicáo. Abaixo considerare-
■iMflbs;o..conteúdo da obra; a seguir, proporemos algumas refle-
xóes & respeito.
■v*-

1. «Judas traído, é nao traidor!»

Eis a tese de Danillo Nunes:


No fim da era pré-cristá, o povo judeu, humilhado pelos
romanos, desejava ardentemente a vinda de um libertador,
que seria, ao mesmo .tempo, chefe político e religioso. Espera-
vam assim a vinda do Messias prometido pelas profecías do
Antigo Testamento (entendidas em sentido nacionalista).
Joáo Batista, pregador austero, que anunciava estar pró
ximo o día do juízo de Deus sobre os homens, pareceu a nao
poucos habitantes da Palestina ser o Messias aguardado. O
novo profeta adotara como rito de iniciagáo a cerimónia de
mergulho ñas aguas de um rio. Ao seu chamado acudiu, entre
outros muitos, Jesús de Nazaré, que recebeu o batismo de Joáo;
da mesma forma, André, Pedro, Tiago, Filipe e também...
Judas Iscariotes, homem de certa cultura e boa fama...
Todos espe.ravam que Joáo inaugurasse melhores dias para o
povo da Palestina; Jesús, durante certo tempo, pós-se á escola
de Joáo e assimilou muitas de suas idéias.
Deu-se, porém, um incidente entre Jesús e o Batista a
respeito de purificagáo (cf. Jo 3,25s). Em conseqüéncia, Jesús
separou-se de Joáo Batista, seu mestre, e decidiu proclamar
independentemente a mensagem que Joáo anunciara ao povo.
Nessa ocasiáo, deixaram o Batista para acompanhar Jesús, o
novo «Libertador», varios dos discípulos do Batista, tais como
Simáo, André, Joáo, Tiago e Judas. Enquanto Joáo era aus
tero e arredio no deserto, Jesús se mostrava profundamente
humano, convivendo com todos os seus semelhantes, justos e
pecadores, e peregrinando de aldeia em aldeia. Os discípulos
de Jesús esperavam, sem dúvida, urna libertacáo política, na
cional e, simultáneamente, religiosa. Ao contrario, Joáo Batista,
dado a práticas de rigorosa ascese no deserto, decepcionara
aqueles que aguardavam a redencáo no sentido poiitico.
ñ' .
— 16 —
«JUDAS TRAIDOR OU TRAÍDO ?» 17

Aconteceu, porém, que também Jésus aos poucos foi frus


trando as expectativas de seus seguidores. Embora apregoasse
normas de vida mais suaves do que as do Batista, parecia
«colaboracionista», ou seja, partidario do «status quo» político;
nao manifestava o intento de derrabar o jugo romano que
pesava sobre Israel; tomava mesmo atitudes de inimigo de
Israel.

Muito significativo, por exemplo, é o fato de que Jesús mandou


pagar a César a moeda do imposto (cf. Mt 22, 21); Jesús assim
reconheceu como legitimo o poder estrangeiro em Israel, mostrando
quao pouco amava a nacáo judaica.

A expulsáo dos vendilhóes do templo, realizada pelo Mes-


tre, desencadeou os acontecimentos. O Rabino, tendó Violen
tado os mercadores e exploradores que negociavam no lugar
sagrado, agitou os ánimos do povo simples e pobre contra os
ricos do país; esta gente humilde efetuou um motim com mor
ticinios em Jerusalém; ora isto, caso se repetisse, provocaría
duras represalias por parte das autoridades romanas; em con-
seqüéncia, Israel poderia sofrer ainda maiores humilhagóes.
Compreendendo isto, Judas, que era intrépido amigo de seu
povo e ardoroso patriota (do partido dos zelotas), resolveu
sem hesitagáo entregar o Mestre aos seus adversarios (ou aos
mentores do nacionalismo em Israel). Nao era a cupidez do
dinheiro nem algum baixo sentimento que moyia Judas a
tanto, mas únicamente a consciéncia de haver sido «traído»,
em suas expectativas nacionalistas, por Jesús: a sobrevivencia
déste rabino parecia-lhe fadada a acarretar graves males para
a nagáo judaica e o futuro da religiáo em Israel. Por isto Judas
tomou, frente ao seu Mestre, a atitude que as Escrituras Sa
gradas prescreviam a quem quer que se encontrasse diante de
um falso profeta.
Tenham-se em vista os dizeres de Dt 13,3.8s:

«Nao ouvirás as palavras désse profeta ou sonhador...


Nao concordarás oom ele, nem o ouvirás; naoi o ocharás com
piedade. Nao o pouparás, nem o esconderás, mas certamente o ma
tarás. A tua mao será a primeira contra ele para o matar, e depois
a mao de todo o povo».

Era, portante, um dever de. consciéncia para Judas elimi


nar quanto antes Jesús de Nazaré, auténtico impostor. Em
conseqüéncia, nao se pode dizer que Judas tenha sido um
traidor; foi, antes, traído, enquanto Jesús de Nazaré fez o
papel de traidor de seus discípulos e de sua gente.

— 17 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 3

Eis as palavras com que Danillo Nunes encerra o seu


livro:

«O inesperado e inútil motim, por ele (Jesús) provocado no atrio


dos Gentíos e do qual resultara um massacre popular, trouxera pro
fundo descrédito á causa nacionalista. E, quando, logo a seguir, ouviu
as abomináveis heresias que foram as ameagas pronunciadas por
Jesús contra o Templo, prometendo destrui-lo e, em seu lugar, cons
truir outro em tres dias, convenceu-se de que o Rabino era um .louco,
ou perigoso elemento subversivo. Mas o reconhecimento expresso por
Jesús de que os romanos tinham o direito de cobrar impostos, mos
trando inequívocamente compromisso com a ocupacáo de seu pais,
inercia quanto á intolerável opressáo existente e indiferenca em rela-
cáo a sangría que seu povo vinha sofrendo através dos sáculos, reve-
laram-no um traidor.
... O Nazareno nao era para Judas apenas um impostor que se
apresentava como profeta, se insinuava como o Messias, incendiava
a alma popular com suas promessas. levando-a a inúteis desatinos
para depois abandoná-la á própria sorte. Além de revelar-se um louco
blasfemo que nao cumpria os preceitos da Lei e quería derrubar o
Templo, Morada de Deus, agia como um traidor. E éste veredicto a
que chegou um ardente zelota depois de terrivel luta de consciéncia,
foi o mesmo do criminalista Isorni, católico, que, examinando fría
mente os acontecimentos concluiu: 'Jesús n'est pas un patrióte. II est
un sans-patrie de race juive*.
O gesto de Judas foi consciente. Ele quis, realmente, nao só punir
Jesús por julgá-lo culpado de impostura e traicáo, mas também eli-
miná-lo, porque o considerava altamente prejudicial á causa naciona
lista. Por isso, denunciou-o, auxiliou sua captura, e, se o Nazareno
nao tivesse sido condenado, Judas, a exemplo do que faziam os sica
rios, possivelmente o mataría.
Estava, pois, convencido da moralidade e justiga de seu ato»
(ob. cit., 1» ed., pág. 247s).

Á tese de Danillo Nunes, assim exposta em suas grandes


linhas, implica urna serie de outras afirmagóes do autor, que
podem ser resumidas nos seguintes termos:
Jesús vem a ser mero homem, que tenta fazer as vézes de
profeta ou libertador de Israel. Está longe de ser o verdadeiro
Deus (ou o Verbo do Pai) feito homem, como o professam
os cristáos (D. Nunes fala do «mito da Divindade de Jesús»,
que se cristalizou entre os anos de 65 e 120; cf. pág. 97).
Jesús evoluiu aos poucos em suas concepcóes religiosas; apren-
deu tanto na escola de Joáo Batista como através do desen
rolar dos acontecimentos cotidianos; ignorava o desfecho de
§eu §mpreendlmento,
Nao se diga que Cristo ressuscitou dos mortos; na verdade,
foi apenas a fé em Jesús que ressuscitou no coragáo dos discí
pulos (cf. pág. 102).

— 18 —
«JUDAS TRAIDOR OU TRAÍDO ?» 19

María Santíssima era máe de sete filhos... Entre, os dis


cípulos de Jesús, havia o grupo dos irmáos (Judas, Tiago, José,
Simáo) e o grupo dos apostólos (Pedro, Judas, Tiago, Joáo.,'.).
Os primeiros formavam a facgáo dinástica (a facgáo dos fa
miliares de Jesús, com direito a suceder ao Mestre na chefia
do movimento), enquanto os outros constituiam a facgáo apos
tólica. Estas duas facgóes disputaram entre si a lideranca da
obra de Cristo, sendo que os dinásticos ou familiares (con.
Tiago á frente) comegaram por prevalecer; posteriormente a
primaria tocou aos Apostólos, representados por Pedro.
Para afirmar suas teses, o autor do livro é freqüentemente
obrigado a negar a veracidade de passagens dos Evangelhos;
alias, estes, conforme D. Nunes, foram redigidos em época
tardia, de modo que referem a maneira de pensar (a fé) dos
cristáos, e nao a realidade histórica concernente a Jesús de
Nazaré.
Estas noticias sao suficientes para que passemos a

2. Reflexóes sobre o livro

Examinemos os principáis pontos afirmados por Danillo


Nunes:

1) A figura de Judas e a tese do livro

1. Os quatro Evangelhos canónicos e a literatura apó


crifa sao assaz sobrios no tocante á figura e á agáo de Judas
Iscariotes; os poucos dados que fornecem ao leitor, sempre
foram interpretados no sentido de que Judas exerceu o papel
de traidor em relagáo a Jesús.
Para estabelecer a tese de que Judas é que foi traído,
Danillo Nunes recorre a urna serie de suposigóes arbitrarias ;
apela para textos apócrifos; tece verdadeiros romances em
torno da familia de Jesús e do próprio Jesús.
Ora os dizeres de D. Nunes sao táo pouco fundamentados,
táo eivados de arbitrariedades e preconceitos, que nao podem
ser analisados em plano científico; dir-se-ia mesmo:... nao
podem ser levados a serio por quem queira usar da razáo e
do bom senso. «O que gratuitamente se afirma, gratuitamente
se nega» (quod gratis asseritur, gratis negatur). O autor de-
veria apresentar provas em favor de suas afirmagóes, saindo
assim do terreno das meras hipóteses e conjeturas.
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 3

Eis, entre outros muitos, alguns exemplos precisos de


arbitrariedade:
a) José, que era oficialmente o pai de Jesús, terá sido
um zelota (nacionalista extremado) que pereceu ríuma revo-
lugáo sectaria. Jesús terá ocupado o lugar de seu pai em casa,
junto a María e aos irmáos. Mas nutriu sempre um sentimento
de culpa por nao lutar como seu pai pela redencáo de seu
país subjugado. Foi ésse sentimento que levou Jesús a iniciar
mais tarde a sua pregagáo no povo de Israel. Quando Jesús
chamava Javé de «Pai», nao fazia senáo procurar urna com-
pensacáo pela perda de seu pai (cf. pág. 236).

b) Considere-se também a importancia atribuida por


D. Nunes ao episodio da expulsáo dos vendilhñes do Templo.
O autor admite que se tenha dado no domingo de Ramos
ou na segunda-feira seguinte, ao contrario do que pensam os
melhores exegetas. D. Nunes julga que o gesto de Jesús pro-
vocou imediatamente violenta intervengáo dos mendigos contra
os comerciantes do Templo e a classe rica de Jerusalém; cen
tenas de maltrapilhos se engalfinharam e feriram, resultando
dai um massacre popular. Jesús, que nao previra os efeitos
de seu ato, fugiu entáo do Templo para Betánia. A furia do
povo continuaría a se desencadear... Ora, segundo D. Nunes,
foi éste trágico episodio que provocou Judas a agir sem demora
(cf. pág. 178-80. 247).

Pergunta-se, porém: donde é que o autor colheu tais no


ticias? Tdda a teoría desmorona, desde que se leve em conta
que os críticos mais abalizados situam a expulsáo dos ven-
dilhóes no inicio, e nao no fim da vida pública de Jesús
(cf. Jo 2).
c) Outro tópico digno de nota: á pág. 171 lé-se que o
rico Zaqueu oferecia seu dinheiro para a campanha de Jesús.
Assim pode Judas perceber que «o poder, a riqueza e a gloria
já estavam ao alcance déle (de Jesús)». — Espontáneamente,
porém, pergunta o leitor: donde sabe o autor que Zaqueu ofe
recia suas posses a Jesús, quando o Evangelho (Le 19, 2-4)
dá a ver que Zaqueu nao conhecia Jesús antes do referido
episodio (para vé-lo, Zaqueu subiu numa árvore) ? Mais ainda:
Zaqueu afirma dar seu dinheiro aos pobres, em sinal de gene-
rosidade, e nao a Cristo (cf. v. 8).

2. Observe-se também o seguinte: a tese de Danillo


Nunes afirma que Jesús, em sua pregagáo, prometeu aos Apos
tólos bens terrenos, ou seja, fartura material e a felicidade

— 20 —
«JUDAS TRAIDOR OU TRAÍDO ?» 21

daí decorrente; Jesús assim correspondía as expectativas de


varias correntes judaicas de seu tempo. Cristo, porém, nao
compartilhava as aspiragóes políticas ou nacionalistas de seus
correligionarios. Ora foi a esperanga de bem-estar material
que levou os Apostólos (inclusive Judas) a aderir a Jesús; e
foi o desinterésse de Jesús pela política que finalmente de-
cepcionou Judas.
Todavía quem le objetivamente os Evangelhos, verifica
que Jesús colocou sempre ante seus Apostólos a perspectiva
da renuncia e do sofrimento: «Quem quiser vir após mim,
renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me» (Mt 16,24).
Aos filhos de Zebedeu o Mestre propós bebessem com Ele o
cálice da Paixáo (cf. Mt 10,38). Após a multiplicagáo dos páes,
quando a multidáo quis apoderar-se de Jesús para fazé-lo rei,
o Senhor se retirou para a montanha (cf. Jo 6,15).

Por tres vézes, o Senhor predisse aos discípulos a sua paixáo


dolorosa em Jerusalém (cf. Mt 16,21; 17,22s; 20,17-19).
Perante Pilatos, declarou Jesús: «Meu reino nao é déste mundo»
(cf. Jo 18,36). Aos Apostólos enviados a pregar, o Mestre predisse
dificuldades e perseguigoes (cf. Mt 1017-35).

Estes e outros tópicos significam claramente que Jesús


se empenhou por dissipar em seus discípulos a impressáo de
que Ele era portador de bonanga material para seus seguido
res; principalmente o Evángelho de S. Marcos insiste em mos
trar como Jesús repreendia com energía as ooncepgóes rudes
e demasiado humanas de seus Apostólos.

O único texto (alias citado por D. Nunes á pág. 151) sobre o


qual se poderla apoiar a tese da bonanca material, é o de Me 10,
29s: «Nao há ninguém que tenha deixado casa, irmaos, irmas, míe,
pal, filhos e campos por amor de mim e por amor do Evángelho,
que nao receba, já neste mundo, o céntuplo em casas, irmtos, Irmas,
mSes, pais, filhos e campos...».
Evidentemente, esta passagem nao pode ser interpretada em con-
tradicáo com outras numerosas seccSes do S. Evángelho que predi-
zem aos discípulos lutas e perseguicSes; Jesús mesmo, juntamente
com o céntuplo, promete perseguicoes em Me 1030. A virtude, con
forme Jesús, nao é meio de "obter bem-estar terrestre; é o que todos
os livros do Novo Testamento, especialmente o Apocalipse. incutem
claramente. Por isto os exegetas entendem em sentido metafórico as
promessas de Jesús em Me 10,29s: com efeito, neste mundo o cristüo
que abandone alguma criatura por amor ao Criador, une-se mais
intimamente ao Senhor Deus e em Deus encontra centuplicadas a
riqueza e a alegría que lhe proporcionava tal criatura. ¡»-

3. Em suma, as consideragSes de D. Nunes sao insufi


cientes para provar que Judas foi traído por Jesús. Isto *náo
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 3

quer dizer que o cristáo nutra odio a Judas nem' execre o seu
nome. Sómente Deus saba qual tenha sido a atitude interior
désse discípulo quando entregou a alma ao Criador. Nao se
pode, por isto, dizer que Judas está certamente no inferno
(cf. «P.R.» 94/1967, pág. 417s).

Nem se deve crer que Judas agiu como agiu porque Deus
o havia predestinado a ser traidor ou porque «a conduta de
Judas estava tragada pela Providencia, para que se cumprisse
o destino de Jesús» (cf. pág. 31, nota 22). Na verdade, Judas
cumpriu o papel predito pelas Escrituras Sagradas; cumpriu-o,
porém, livremente, pois Deus nunca coage a criatura. Cf. «P.R.»
5/1957, pág. 20-22.

2) As fontes da teoría

Para falar de Judas, D. Nunes nao pode deixar de recor


rer, em primeiro lugar, aos SS. Evangelhos.

Chama, porém, a atencáo o modo como o autor trata


ésses livros sagrados.
A pág. 64, D. N. afirma que Joáo e Tiago, filhos de Ze-
bedeu, morreram em 44, quando Herodes Agripa I moveu
perseguigáo aos judeus cristáos. Conseqüentemente o Evange-
Iho dito «de Joáo» terá sido escrito sem a interferencia do
Apostólo Joáo, no inicio do séc. II (cf. pág. 65). — Ora o
livro dos Atos dos Apostólos (12,1-19) refere apenas a morte
de Tiago, irmáo de Joáo, e a prisáo de Pedro, silenciando por
completo a sorte de Joáo. É, pois, gratuito basear-se em At
12 para* dizer que Joáo, filho de Zebedeu, morreu em 44. Ade
máis t6da a tradicáo crista e o próprio IV Evangelho (cf. Jo
21,23) afirmam que Joáo de Zebedeu morreu em.idade muito
avaneada. Em consciéncia honesta, nao se pode passar por cima
de tais noticias, a fim de atender a teorías preconcebidas!

D. Nunes, com surpreendente liberdade, nega a veracidade


de varios episodios evangélicos, tomando simplesmente como
criterio para tanto as linhas de sua teoría:

Assim, por exemplo, o autor nega que na última ceia, quinta-


-feira á noite, Jesús tenha indicado Judas «como aquéle que o trairia».
Esta negacao é gratuita como se depreende dos dizeres mesmos de
D. Nunes: «Nao acreditamos que tal fato tenha ocurrido, aínda por
que os registros evangélicos demonstram que Jesús, embora já des
confiando de seus discípulos, ignorava quem o iria entregar» (pág. 192).
Esta frase é vaga; esquiva-se a demonstrar o que afirma.

— 22 —
«JUDAS TRAIDOR OU TRAÍDO ?»

Embora dois evangelistas aíirmem que José de Arimatéia fói


discípulo de Jesús (cf. Mt 27,57 e Jo 19,38-40), o autor recusa esta
assercáo, porque nao é compativel com«o seu esquema preconcebido.
O episodio de Pedro que com a espada corta a orelha de Maleo,
nao pode ser auténtico conforme D. Nunes. — E por qué? — Porque
dá a entender que Pedro era devotado ao Mtestre, o que -nao pode
caber dentro da teoría do autor (cf. pág. 203)!

No tocante á Tránsfiguracáo de Jesús, o autor a apre-


senta inicialmente como episodio muito condizente oom as res
pectivas circunstancias da vida de Jesús. D. Nunes descreve-o
e, depois de descrevé-lo, desfaz a credibilidade do episodio.
Para que o leitor possa julgar mais fácilmente, eis aqui a seceáo
respectiva do livro analisado:

«A crise que se seguiu, foi de tal naturez'a que o próprio Naza


reno sentlu a urgencia imperiosa de levantar o animo daquele pe
queño grupo de fiéis que vislvelmente se deixava tomar por hesitacCes
e descrenga. O remedio para reanimá-los foi-lhes ministrado por Jesús
através de sua transfiguracáo ocorrida seis días (uns oito dias. se
gundo Lucas) depois da manifestacáo messiánica...
O episodio deve ter reavivado a íé daqueles que o presenciaram,
e aínda a dos demais discípulos, se o conheceram, apesar da reco-
mendacáo de Jesús para que seus acompanhantes guardassem silencio.
O incidente parece-nos muito suspeito, inclusive pela recomenda
rlo de sigilo que o Mestre teria feito aos seus acompanhantes.. Pro-
vávelmente o triunvirato, alarmado com o desánimo dos discípulos
ante as advertencias do Rabino, inventou o incidente para evitar a
desagregacáo do grupo» (pág. 155).

As afirmagóes destas frases sao pouco coerentes entre si.


Enquanto D. Nunes assim trata os Evangelhos, atendendo
á arbitrariedade subjetiva, faz uso assaz freqüente dos apó?
crifos antigos e das obras de autores racionalistas dos últimos
decenios, que hoje em dia estáo ultrapassados: Harnack, Goguel,
Renán, Guignebert, Klausner, Réville... Verdade é que cita
também exegetas católicos como Lagrange, Ricciotti, Daniel-
-Rops...
A bibliografía assim aduzida pode dar ao leitor a im-
pressáo de estar lendo um estudo ampio e profundo; cujas
conclusóes parecem impor-se nao só por seu conteúdo, mas
também pelos fundamentos a que recorrem. Ora tal nao se
dá: o livro de D. Nunes é produto de urna teoría preconcebida,
que o autor nao demonstra, mas tenta.impingir nos Evangelhos,
guardando déstes o que lhe convém e eliminando o que o con
taría. A obra assim elaborada desperta sensacáo/pois é origi
nal, ... original, porém, como um romance ou urna narrativa
imaginaria podem ser origináis é ínteressantes.

- ■■', vVí">
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 4

A respeito da data de oomposicao dos Evangelhos e do chamado


«método da historia das formas», cf. «P.R.» 91/1967, pág. 282-290.
A respeito dos «irmáos de Jesús», cf. «P.R.» 3/1957, pág. 25-28.
Sobre a realidade da ressurreicáo de Cristo, cf. «P.R.» 93/1967,
pág. 375-87.

4) «Por que se constroem igrejas? Deus precisa délas?


Nao se pode orar em qualquer lugar e celebrar o culto
ñas casas de familia?»

Resumo da resposta: A .resposta é deduzida da Escritura Sa


grada. Esta mosfra como Deus mesmo se dignou assinalar de maneira
sensivel a sua presenca em determinados lugares: Siquém, Betel,
Mambré, Bersabé, Ofra... Em conseqüéncia, os patriarcas bíblicos
ai construiram santuarios, sendo por vézes explícitamente incitados
a fazé-lo pelo próprio Deus. De resto, a construcáo de santuarios
corresponde a urna das tendencias mais espontáneas da alma hu
mana: em todos os fempos, os homens de todas as racas e arencas
seqüestraram certos recintos ao uso profano, dedicando-os á Divin-
dade; os santuarios assim constituidos eram considerados como em-
baixadas do Eterno e do Transcendental no tempo e no mundo pre
sente. A Biblia confirma esta1 tendencia espontánea': multas vézes
Deus manifestou através dos profetas o seu apreso pelo Templo sa
grado de Jerusalém.
Compreende-se, pbis, que os cristáos sempre tenham construido
templos sagrados. Claro está que Deus nao se deixa confinar por
determinado edificio; jestá. presente em toda parte, mas, atendendo
á natureza sensivel do homem, quer comunicar-se a éste mediante
sinals visiveis (sacramentos e sacramentáis), entre os quais estáo as
nossas igrejas. Nao há dúvida, as igrejas nao necessitam de suntuo-
sidade, mas háo de ser simples e dignas.

Resposta: A construcáo de templos sagrados e santuarios


é inerente a todas as religióes ; dir-se-ia que constituí urna
expressáo espontánea do senso místico que todo homem traz
em si. Abaixo procuraremos perceber através da Biblia Sa
grada como Deus mesmo quis incentivar os homens a construir
seus recintos sagrados; a seguir, refletiremos ura pouco sobre
o assunto.

1. Por que há templos?

A existencia de santuarios, segundo a Biblia, explica-se


pela conjugas,áo de dois elementos:

— 24 — , '
POR QUE CONSTRUIR IGREJAS ? 25

a) Deus quis de modo especial assinalar certos lugares


por sua presenta sensível;
b) os homens sempre foram closos de consagrar ao culto
de Deus certos recintos seqüestrados do uso profano.
Desenvolvamos um pouco cada qual déstes elementos.
a) Desde remotas épocas, Deus quis manifestar-se aos
homens, assinalando de modo especial a sua presenga entre
éles. Foi o que se deu

em Siquém: Deus apareceu a Abraáo junto ao carvalho de Moré,


e Abraáo Uie ergueu um altar (cf. Gen 12,6s) ;
em Betel, onde Jaco teve a visáo de urna escada que unte a térra
ao céu; o Patriarca reconheceu que aquéle lugar era urna «Beth-El»
(casa de Deus) e a porta do céu; lá canstruiu posteriormente um
santuario (cf. Gen 28,10-22; 35,1-9. 14s);
em Mambró: Abraáo ergueu um altar ao Senhor e recebeu a
visita de tres personagens misteriosos, entre os quais se ocultava o
próprio Senhor (cf. Gen 13,18 e 18);
em Bersabé: o Senhor apareceu a Isaque; em conseqüéncia, éste
ai construiu um altar e invocou o nome de Javé (cf. Gen 26, 23-25);
em Otra: Deus através de um sonho mandou a Gedeáo que cons-
truisse um santuario (cf. Jz 6, 25s);
em Jerusalém (Sláo): o Templo do Senhor foi construido por
Salomáo no lugar em que aparecerá o anjo de Javé e Davi edificara
um altar (cf. 2 Sam 24, 16-25).
Em suma, em Éx 20,24 Deus promete aceitar os sacrificios ofe-
recidos em todo lugar em que «Ele tenha recordado o seu nome», ou
seja,... em que se tenha manifestado.

Compreende-se bem que o Senhor Deus tenha dado aos


homens sinais característicos de sua presenga: a natureza
humana é sensível; depende de ambientes e elementos visíveis
para se elevar ao Invisível. Nao há homem de época ou cultura
alguma que possa dispensar o auxilio da materia para atingir
as realidades transcendentais ou espirituais.
b) De outra parte, a Biblia (e, mais ainda, a historia
das religióes) refere que os.homens sempre foram ciosos de
dedicar a Deus um espago ou recinto sagrado. Os fiéis em
todos os tempos tenderam a seqüestrar do uso profano deter
minados lugares, constituindo ai como que pontos de encontró
mais íntimo e profundo com o Senhor Deus. A atividade ordi
naria (o ganha-páo) do homem deve cessar, quando éste se
quer defrontar mais sensivelmente com o Senhor; Deus se
comunica de maneira que exige silencio e reverencia. O lugar
assim dedicado ao Senhor torna-se como que urna embaixada

— 25 —
26 . «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 4

do Eterno ou Absoluto, embaucada perante a qual o homem


se enche de santo temor.
É ésse santo temor que explica os seguintes dados bí
blicos:

após o sonho em Betel, Jaco exclamou: «Em verdade, o Senhor


está neste lugar e eu nao o sabia... Quáo terrivel é éste lugar! Nada
menos é do que a casa de Deus e a porta do céu!» (Gen 2826s);
quando Javé apareceu a Moisés na sarga ardente, dlsse-lhe: «Nao
te aproximes. Tira as sandalias de teus pés, pois a térra em que
pisas é térra santa» (Éx 3,5);
o novo Templo descrito por Ezequiel deveria estar cercado por
um muro quadrado cujo lado mediría 500 cóvados «a iim de separar
o sagrado do profano» (Ez 42,20).

Estes poucos dados permitem concluir: tanto a natureza


humana como a pedagogía divina explicam a construgáo de
santuarios ou recintos seqüestrados do uso meramente natural
ou humano.
Vejamos de mais perto como a Biblia caracteriza ésses
lugares santos.

2. A presenta de Deus em seu Templo

Urna das notas mais pregnantes dos santuarios do Senhor


é a de serem a mansáo na qual Deus se torna presente de
maneira particularmente efusiva. Tenha-se em vista o que a
Escritura refere a respeito do Templo de Jerusalém:
Foi o Senhor mesmo quem houve por bem escolher a ci-
dade de Jerusalém e o monte Siáo para permanecer sensivel-
mente entre os homens (cf. 2 Sam 24,16; 2 Crón 3,1; SI 131,13;
67,17; 75,3; 77,68).
O nome do Senhor (ou seja, o Senhor mesmo, segundo o
modo de falar semita) está no Templo sagrado. E o que o
próprio Deus afirma, conforme 1 Rs 8,29. Em Ne 1,9 ocorre
a mengáo do «lugar que o Senhor escolheu para ai fazer
habitar o seu nome». Quando o Templo foi consagrado por
Salomáo, Javé houve por bem tomar posse de sua casa, en-
chendo o Templo com densa nuvem. Disse entáo Salomáo:

«O Senhor .resolveu habitar a nuvem escura. S5m; construi para


Ti urna mansSo, urna mansáo em que resides para sempre» (1 Rs
8, 12s).

— 26 —
POR QUE CONSTRUIR IGREJAS ? 27

A fé na especial presenga do Senhor no seu Templo


explica o culto e as preces dos fiéis no santuario. Um dos
exemplos mais significativos é o do rei Ezequias? certa vez
éste monarca recebeu do rei Senaqueribe da Assíria urna carta
ameagadora, que punha em perigo a subsistencia de Jerusalém.
Ezequias entáo «subiu ao Templo do Senhor e desdobrou (leu)
essa carta na presenga de Javé» (cf. 2 Rs 19,14).
A certeza de que "o Senhor residía no Templo assim como
a devogáo para coma «Casa de Javé» se exprimen! freqüen-
temente nos salmos; cf. SI 26,4; 41,5; 75,3; 83; 121,1-4; 131,
13s;133...
Os Profetas, embora fizessem suas reservas ao culto for
malista e vazio praticado no Templo por Israel, nao deixavam
de estimar altamente o Santuario:

foi. por exemplo, no Templo que Isaías recebeu o chamado ao


ministerio profético; viu q Senhor sentado em seu trono e urna
nuvem que enchia o santuario como no dia de sua consagracáo (cf. Is
6,1-4);
segundo Jeremías, em Siáo estava o trono da Gloria do Senhor
(cf. Jer 14,21);
Ezequiel viu a Gloria do Senhor abandonar o Templo profanado
pelas impiedades de Israel (cf. Ez 8-10); predisse, porém, que Javé
voltaria ao Templo novo onde habitarla para todo o sempre em meio
aos fühos de Israel (cf. Ez 43. 1-12);
após o exilio (586-537), durante o qual o Templo estéve arrasado,
os Profetas multo estimularan! a reconstrugáo do mesmo, pois Deus
havia de voltar a habitar em Jerusalém:
«Assim fala o Senhor dos exércitos: 'Reíleti no que fazeis! Subí
á montanha, cartai ali madeira e reconstruí a minha Casa; ela me
será agradável e nela serei glorificado' — oráculo do Senhor.
Esperastes abundante colheita, e ela foi magra; dissipei com um
sópro o que queréis armazenar. Por qué ? — Oráculo do Senhor:
Porque minha casa está em ruinas, enquanto cada um de vos so tem
cuidado de sua casa. Por isto, o céu negou o seu orvalho, e a térra
os seus frutos» (Ag 1,7-10).
«Assim fala o Senhor: 'Eis que volto a Siáo ; vou residir em
Jerusalém. Jerusalém chamar-se-á 'Cidade-de-Fidelidade', é a monta
nha de Siáo 'Montanha Santa'» (Zac 8,3).

Tais passagens manifestam como o próprio Deus, em sua


sabia pedagogía, insistía outrora em tornar a sua presenga
claramente, assinalada aos homens por meio de recintos sa
grados. Nestes os fiéis, em recolhimento mais íntimo, toma-
riam profunda consciéncia de estar em contato com o Eterno.

Todavía a Escritura acrescenta urna advertencia. A fim


de evitar concepgóes grosseiras e antropomórficas a respeito

— 27 _
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 4

de Deus, as páginas bíblicas também póem oportunamente em


relevo a onipresenga do Senhor.
Assim, por exemplo, notava um profeta após o exilio,
quandó se reconstruia o Templo de Deus:

«Eis o que diz o Senhor: 'O céu é meu trono, e a térra o escabelo
de meus pés! Que casa poderíeis canstruir-me, que lugar poderíeis
indicar-me para inorada?» (Is 66,1).

S. Estéváo, já nos primeiros anos da era crista, afirmava


perante os judeus que «o Altíssimo nao habita em mansóes
feitas por máos humanas, como diz o profeta... (segue-se Is
66,ls)» (At 7,48).
O próprio Jesús, alias, deu a saber á mulher samaritana
que «Deus é espirito, e os seus adoradores O devem adorar em
espirito e em verdade» (Jo 4,24).
Nenhum déstes tres textos invalida as passagens anterio
res, que recomendam a estima do Templo sagrado; tais textos
visam apenas a hipocrisia, ou seja, o culto profusamente pres
tado a Deus no Templo por pessoas dadas ao crime e ao odio;
nem o Templo nem os ritos valem algo para quem abusa déles,
tomando-os como objetos e artes mágicas, capazes de acober-
tar iniqüidade e impureza de coragáo. Basta continuar a ler
o texto.de Is 66:

«Imolam um boi e matam um homem...


Queimam incensó e veneram ídolos.
Farei cair sobre éles os males que temem,
Porque... falei sem que me escutassem».

(Is 66,3s)

Estas consideragóes bíblicas permitem tecer algumas re-


flexóes fináis a respeito do significado e do valor das igrejas
no Cristianismo.

3. Os templos cristaos e seu culto sagrado

As igrejas e cápelas no Cristianismo sao os sucedáneos


do Templo e dos santuarios que o povo de Deus, por ordem
do próprio Senhor, construía antes da viuda de Cristo. Elas
correspondem, por conseguinte, á sadia tendencia humana (cor
roborada pelo Mestre mesmo) de consagrar ao Senhor algo
do espago natural e profano, a fim de constituir embaixada
do Eterno em meio as coisas temporais. Nao se diga que o

— 28 —
POR QUE CONSTRUIR IGREJAS ? 29

cristáo, como homem espiritualmente adulto, já nao precisa^


de tais artificios sensíveis; nao... E por tres motivos: •£
1) A psicología humana é, e será sempre, a mesma
(nisto nao há desdouro); o homem, sendo corpo e alma, ne-
cessitará sempre do auxilio de elementos corporais para se
unir a Deus, que é Espirito; é olhando e ouvindo que come-
gamos a conceber os mais elevados conceitos. Naturalmente
os nossos sinais sensíveis sao meros veículos; o que mais im-
jpojrta, é a ascensáo de nossa mente a Deus (cf. Jo 4, 24).
Esta, porém, em condigoes normáis se faz através das coisas
sensíveis. Na verdade, o homem nao é anjo,... nem deve pre
tender viver como anjo.

2) A Encarnagáo ou a vinda de Deus feito homem ao


mundo corroborou a lei da natureza. Deus quis, e quer, real
mente vir ao encontró dos homens através da carne e dos
elementos sensíveis. Pertence a esséncia do Cristianismo ser a
encarnacáo de Deus na humanidade; essa esséncia do Cristia
nismo se manifesta, entre outras coisas, através dos templos
e do seu respectivo culto sagrado.

3) O próprio Deus, em sua pedagogía, aínda hoje incita


o homem a Lhe consagrar as primicias dos seus bens. O
homem jamáis poderá encontrar a si mesmo e realizar-se, se
nao tiver a preocupagáo de se encontrar primeiramente com
Deus; o ser humano é essencialmente relativo, de sorte que a
disposicáo da vida humana (individual e social) ou a civili-
zagáo deverá sempre exprimir Deus. Observa muito bem o
P. Daniélou:

«Um mundo sem adoragáo é um mundo táo desumano quanto


um mundo sem fratennldade. A verdadeira cidade, diz La Pira, é
aqueja em que Deus tem a sua morada e o homem tambera tem a
sua morada» (J. Daniélou, «Evangelho e Mundo Moderno». Lisboa
1967, pág. 78).

Ao construir os seus edificios, os homens que nao quise-


rem falhar, teráo de pensar em construir também o edificio
de Deus, e construi-lo em lugar digno; quem nao o faz, torna-
-se desumano.
É claro que as igrejas nao precisam de ser suntuosas.
Quando os antigos e medievais construiam santuarios com o
melhor material (mármore e ouro) de que dispunham, faziam-
-no a fim de professar a excelencia e a infinita santidade de
Deus; a Éste tributavam o que possuiam" de mais valioso.
Tinham razáo dentro de sua época ou em seu quadro histó-

— 29 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 5

rico. Em nossos dias, talvez se possa aceitar um estilo de


igrejas mais simples, visto que as indigencias materiais dos
homens (filhos de Deus, todos) se multiplicaran!; requer-se,
porém, que a Casa de Deus seja artísticamente tragada, cons
truida com material bbm e sólido, de modo a exprimir real
mente a fé profunda e o amor ardente dos cristáos a Deus.
As igrejas, por serem recintos especialmente seqüestrados
de atividades profanas, constituem o que a teología chama
«sacramentáis»: objetos sobre os quais a S. Igreja, como
Esposa de Cristo sempre aceita, ora especialmente, a fim de
que o Senhor derrame copiosas gracas sobre os fiéis que de
tais objetos se sirvam. Por isto a oracáo feita em igreja dedi
cada a Deus tem maior eficacia e valor do que quando feita
em outro recinto; na verdade, quando alguérrv ora em urna
igreja, associa-se 'k sua prece a prece da Igreja inteira; ao
dedicar tal templo, a S. Igreja pediu a Deus atendesse espe
cialmente a todos quantos entrassem nesse santuario para
rezar. Tenha-se em vista a coleta da Missa da dedicacao de
unía igreja:

«ó Deus que em nosso favor renováis todos os anos o dia da


eonsacracao déste santo Templo,... ouvi as preces do vosso povo, e
ooncedel que todo nqiiMe que entrar neste templo para implorar bene
ficios, se alegre por ter conseguido tudo quanto tiver pedido*.

A propósito vejam-se

R. de Vaux, «Les Institutions de l'Ancien Testament» II. París


1960 (parte .bíblica).
J. Damiélou. «Evangelho e Mundo moderno». Lisboa 1967.
Mircea Eliade, «Das Heilige und das Profane». Hamburg 1957.
«Aspects du mythe». París 1963.

III. DOGMÁTICA

5) «O inferno existe ou é estória ultrapassada ?»

Resumo da resposla: A crenca no inferno é dificultada por


representaedes inadequadas ou fantasistas dessa realidade bíblica,
representaefies que é preciso dissipar.
A S. Escritura, pelas palavras de Cristo e dos Apostólos, atesta
a existencia do inferno. Cf. Mt 25,34.41; Le 16,19-31; Me 3,28s...

— 30 —
INFERNO : REALIDADE OU MITO ? 31

O inferno é, antes do mais, o estado de alma em que o homem


se coloca já aqui na térra, quando se afasta voluntariamente de
Deus: conserva entáo o desejo do Bem Infinito, para o qual íoi
criado, mas alhea-se a ésse Bem por livre escolha de sua vontade.
Enquanto vive neste mundo, o pecador pode suavizar a dUaceracao
do seu intimo, procurando nao reíletir sobre si mesmo. Caso, porém,
morra voluntariamente avésso a Deus, o homem nao pode deixar de
sentir logo após a morte a tremenda dor de haver sido feito para o.
Bem Infinito e haver frustrado ésse designio; o pecador torna-se
assim urna contradicáo subsistente. É esta a primeira pena do inferno.
Além dessa pena, existe o chamado «fogo do inferno», que certa-
mente nao é o fogo visivel desta térra, mas um estímulo físico que
humilha o reprobo. .Nao se podem fornecer indicacoes mais precisas
a respeito. — A visáo do inferno descrita pelos pastorezinhos de
Fátima, oom seus quadros sinistros, é urna apresenfcacáo acomodada
á compreensao dos pequeninos do inicio déste sáculo; a catequese
entáo recorría a imagens fortes e impressionantes, artificio que hoje
vai sendo posto de lado, em beneficio de conceitos mais sobrios e
racionáis.
Vé-se, pois, que nao é Deus quem própriamente condena o homem
ao inferno, mas é o homem quem se condena, afastando-se de Deus,
o Sumo Bem. Caso um pecador, na vida postuma, retratasse o seu
odio a Deus, seria imediatamente perdoado, como no Evangelho o
filho pródigo foi imediatamente recebido por seu pai. Acontece, porém,
que a morte, separando alma e corpo, estabiliza o homem ñas ultimas
disposicóes com que deixa éste mundo.

Kesposta: A fé crista* baseada ñas Escrituras Sagradas,


sempre ensinou a existencia do inferno. Aínda recentemente
no «Credo do Povo de Deus» Sua Santidade o Papa Paulo VI
repetiu éste ensinamento:

«Jesús Cristo subiu ao céu e vira de novo, mas desta vez com
gloria, para julgar os vivos e os mortos: cada um segundo os seus
méritos — os que corresponderán! ao Amor e á Misericordia de Deus,
indo para a vida eterna; os que se recusaram até o fim, indo para o
fogo que nao se extinguirá jamáis».

A dificuldade em crer no inferno provém frequentemente


de concepcóes insuficientes ou fantasistas, que encobrem o sen
tido auténtico da realidade «inferno». Bem entendido, o inferno
aparece como algo que está na linha nao sómente da Justica,
mas também do Amor de Deus.
Ñas páginas que se seguem, examinaremos: 1) os funda
mentos bíblicos da doutrina, 2) em que consiste própriamente
o inferno, 3) ulteriores questóes.

Sobre o inferno, já se encontram artigos em «P.R.> 3/1957,


pág. 10-12; 31/1960, pág. 287-291; 17/1959, pág. 218s.

— 31 —
32 «PERGUNTE E RESP0NDEREMOS> 109/1969, qu. 5

1. Os fundamentos bíblicos

Jesús deu freqüentemente a entender que, após esta pere-


grinagáo terrestre, duas sao as formas de vida possíveis para
o homem: urna bem-aventurada, outra infeliz. É o que se
depreende, por exemplo, de varias parábolas: a do joio e do
trigo (Mt 13, 24-30), a da rede do pescador (Mt 13,47-50),
a dos convidados á ceia (Le 14,16-24), a das dez virgens
(Mt 25,1-12; cf. Le 13,27-29). Na parábola do ricago e do
pobre Lázaro (Le 16,19-31), o contraste é inculcado com a
máxima veeméncia: na vida postuma, poderáo inverter-se os
papéis que atualmente cabem aos homens, e nao haverá pos-
sibilidade de mudanca. — As duas sortes sao também apre-
sentadas com muita énfase no quadro do juizo final em Mt
25, 33-46: «Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do reino
que vos está preparado desde a criagáo do mundo... Afastai-
■vos de mim, malditos, ide para o fogo eterno que foi preparado
para o demonio e para seus anjos» (Mt 25, 34.41).
Jesús ainda diz claramente:

«Em verdade vos digo: todo os pecados seráo perdoados aos


homens, mesmo as blasfemias que tiverem proferido. Mas aquéle
que tiver blasfemado contra o Espirito Santo, jamáis obterá perdáo;
é réu de pecado eterno» (Me 3,28s).

O pecado contra o Espirito Santo aqui mencionado nao é


senáo o endurecimento mesmo ou a obstinacáo do homem
que, após urna culpa grave, relute contra o chamado de Deus
á conversáo. Essa pessoa assim se fecha a graga do Senhor;
já que explícitamente recusa penitencia e perdáo, nao pode
ser agraciada; Deus nao lhe forga a vontade. É éste o único
caso de pecado irremissível, dito «contra o Espirito Santo»,
porque ao Espirito Santo costumam ser atribuidas as inspira-
góes da graga. Cf. «P.R.» 12/1958, pág. 485-487; 40/1961,
pág. 149-155 (ulteriores explicagóes sobre «pecado irremis
sível»).

Os Apostólos, por sua vez. afirmaram repetidamente as duas


sortes: felicidade ou penar sem fim. Cf. Gal 5, 19-21; Ef 5,5; 1 Cor
69s; 2 Cor 2,15s; 4,3; 135; 1 Tim 5,6.11-15; 2 Tim 2,12-20: 2 Pe
2,1-4.12.14; 3,7; Jud 6.13; Tg 2,13; 4 4-8; 5,3; Apc 21,8.27; 22,15.

Os dizeres bíblicos referentes á sorte postuma dos que se


insurgem contra Deus, sao violentos e «assustadores», o que
se explica pelo fato de estarem vasados em linguagem oriental
antiga, sempre rica em figuras e metáforas. Faz-se mister,

— 32 —
INFERNO : REALIPADE OU MITO ? 33

pois, procurur entender as expressóes da Escritura segunda a


mente de quem as proferia.
É o que vamos tentar no parágrafo abaixo.

2. Em que consiste o inferno ?

Quando se íala de «inferno», talvez aflorem á mente imagens


terríveis: tanque de enx&íre fumegante situado no centro da térra,
diabinhos com garfbs ñas maos para atormentar os reprobos, etc.
Quem reflete sobre essas imagens, n&o pode deixar de conceber
um justo mal-estar; nao parecem conciliar-se com a grandeza e a
sabedoria dé Deus. Na verdade, tais figuras tiveram sua razao de
ser em épocas passadas, quando a mentalidade geral dos homens
estava afeita á imaginacao; Dante Alighleri na sua «Divina Comedia»
muito contribuiu para dramatizar o inferno. Hoje em dia, porém, os
homens preferem pensar as realidades mais como elas sao em si, e
menos segundo imagens. É por isto que se pergunta agora: em que
consiste própriamente o inferno?

Para se entender o inferno, é preciso distinguir entre a


«pena de condenacáo» e a «pena dos sentidos».

1} Pena da condenado

O principal tormento do inferno é algo de negativo, a saber,


a carencia da visáo de Deus. Assim como a felicidade do céu
consiste na posse ou na visáo de Deus, assim a desgraga eterna
consiste na separagáo de Deus.
E por que esta separagáo é de tal modo dolorosa?
A resposta procede por etapas.

1) Deus é o Criador do homem. Criou por pura libera-


lidade, a fim de fazer-nos participantes da sua bem-aventu-
ranca. Donde se seguem duas. verdades de grande alcance:
a) no mais íntimo do homem está embebida urna
tendencia para o bem, e o Bem Infinito, que, em última aná-
lise, é Deus. O homem nada quer nem faz que, sob certo ponto
de vista, nao lhe parega bom. Em suma: o homem é essendal-
mente um clamor dirigido a Deus.
b) Os preceitos que Deus dá ao homem, nao sao
determinagóes arbitrarias, mas sao indicagóes da via que o
homem deve seguir para chegar ao Bem Infinito.
2) Sobre éste fundo de idéias, o pecado é nao sómente
urna desobediencia á lei de Deus, mas também urna violagáo

— 33 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 5

da tendencia natural da criatura ao Criador. Pelo pecado


grave o homem, com pleno conhecimento de causa e vontade
deliberada (ou seja, empenhando toda a sua personalidade),
se afasta de Deus, abracando um bem finito como seu fim
supremo. Nestes termos, o pecado nao é apenas injuria ao
Criador, mas também violentagáo da natureza humana. Em-
bora deseje algum bem-estar no pecado, o pecador nao encon-
tra paz nem alegría no estado em que ele se projeta; cedo ou
tarde percebe a desproporgáo existente entre qualquer cria
tura (volúpia, dinheiro, fama...) e a capacidade insaciável
do seu próprio espirito. Enquanto, porém, se acha neste mundo,
o pecador pode recorrer a paliativos: passando mais ou menos
febrilmente de urna criatura a outra, procura encobrir aos pró-
prios olhos a sua verdadeira situagáo de alma.
3) Admita-se, porém, que venha a morrer nesse estado
de aversáo a Deus e adesáo á criatura... Que se dá entáo?
A alma do pecador se vé colocada diante da sua realidade
sem a poder encobrir nem dissimular. Toma plena consciéncia
de que se separou livremente de Deus, que a chamava á par-
ticipagáo da sua vida divina; perdeu o Bem sem limites. Em
outros termos: após a morte, com um olhar penetrante, a alma
do pecador avalia a sua capacidade de infinito e percebe que
jamáis será preenchida; apodera-se de tal alma a impressáo de
ser um vazio imenso, destinado a ficar sempre aberto. Dora-
vante existirá em continua contradicáo consigo mesma: a na
tureza dessa alma clamará incessantemente pelo Criador; o
clamor, porém, ficará váo, pois tal alma, por sua livre vontade,
se terá para sempre incompatibilizado com o Senhor.
Mal podemos avaliar quanto essa situagáo é tormentosa,
porque neste mundo nunca tomamos plena consciéncia da pro-
fundeza da nossa alma.
4) A aversáo a Deus redunda inevitavelmente em aver
sáo a todas as criaturas. Verdade é que os reprobos tém de
comum entre si a revolta contra o Criador; todavía éste lago
nao os alivia. Nao amando o Sumo Valor, que é Deus, sao
absolutamente incapazes de amar algum valor inferior ou
alguma criatura, por mais solidarios que com ela se sintam;
nao se podem, pois, consolar mutuamente.
É por isto que o inferno é caracterizado como o estado
em que a indigencia fundamental do homem — amar — é
frustrada.
5) O reprobo senté e detesta veementemente a sua pe
nosa situacáo. É incapaz, porém, de arrependimento, pois a

— 34 —
INFERNO : REALIDADE OU MITO ? 35

morte nos confirma para todo o sempre ñas disposigóes com


as quais morremos.

Para se compreender isto, leve-se em conta a psicología humana:


a alma está de tal modo unida ao corpo que, para conoeber novas
idéias e novos aíetos, ela necesslta das suas faculdades senslveis
(sentidos externos e sentidos internos). Por conseguinte, separada
do corpo, a alma se estabiliza nos conhecimentos e aíetos com os
quais ela deixa o corpo.

Diz-se, pois, que o pecador após esta vida senté remorso


do seu pecado, nao, porém, arrependimento. O que quer dizer:
senté dor do pecado, enquanto é causa de suas penas, nao
enquanto é ofensa a Deus.
Nao há dúvida de que, se a alma no inferno pedisse per-
dáo a Deus, seria ¡mediatamente agraciada. O Senhor perdoa
todo e qualquer pecado, como o pai do filho pródigo tudo
perdoou a seu filho (cf. Le 15, 11-32). É preciso, porém, que
a criatura queira receber o perdáo; Deus nao o impóe, nao
contraria as disposigóes da criatura.

2) Pena dos sentidos

1. Juntamente com a pena máxima, que é o afastamento


de Deus, o reprobo experimenta urna sangáo positiva: a cha
mada «pena dos sentidos».

A Sagrada Escritura apresenta-a como fogo (cf. Mt 5,22;


18,8s; Apc 20,4; 21,8). É certo, porém, que nao se trata do
fogo comum terrestre, pois éste consomé e devora as cria
turas que atinge. Os teólogos o explicam do seguinte modo:
em toda culpa grave, o homem de certa maneira «diviniza»
alguma criatura (seu corpo ou bens externos); subordina-se
a essa criatura, pedindo-lhe o que só Deus poderia conceder,
isto é, a felicidade. Pois bem; o homem que termine a sua
peregrinacáo terrestre em tal estado, passa a experimentar o
jugo das criaturas; nisto há urna humilhagáo para a alma; já
que todo pecado tem sua raiz no orgulho, compreende-se que
a sangáo do pecado tenha algo que contraríe o orgulho. — De
resto, é difícil explicar a maneira como se exerce essa repre
salia das criaturas sobre os reprobos. Nem é necessário descer
a pormenores sobre o assunto.

2. A propósito costuma-se perguntar o que julgar da


famosa visáo do inferno com que foi agraciada Luda, a vidente
de Fátima.

— 35 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 5

Eis o teor exato da visáo, na descrigáo mesma de Lucia:

«A primeira visáo íoi a do iníerno!


Ao dizér as últimas palavras..., a Virgem abriu de novo as
máos como nos dois meses passados. O feixe de luz reflexa pareceu
penetrar na térra e nos vimos como que um grande mar de íogo
e néle mergulhados os demonios e as almas, como brasas transpa
rentes e negras ou bronzeadas, com iorma humana, as quais flutua-
vam no incendio, levadas pelas chamas que délas mesmas saiam jun
tamente com nuvens de íumo, cabido para todos os lados, como as
íagulhas nos grandes incendios, sem peso nem equilibrio, entre gritos
e gemidos de dar e desespero, que horrorizavam e faziam estremecer
de pavor... Os dem&nios distinguiam-se por íormas horriveis e as
querosas de animáis espantosos e desconhecidos, mas transparentes
como negros carvoes em brasa.
Esta visSo durou um momento, grecas a nossa boa Máe, que
antes nos tinha prevenido com a promessa de nos levar para o céu;
se assün nao fósse, creio que teriamos morrido de susto e pavor.
Assustados e como que a pedir socorro, levantamos os olhos para
Nossa Senhora, que nos disse com bondade e tristeza:
«Vistes o iníerno, para onde váo as almas dos pobres pecadores.
Para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devocáo ao meu
Imaculado Coracáo. Se íizerem o que eu vos disser, salvar-se-So
militas almas e teráo paz».

Esta visáo faz parte do chamado «segundo segrédo de


Fátima». Ela sugere duas observagóes:
1) As aparigóes de Fátima e suas respectivas mensagens
nao pertencem ao depósito da fé crista. Trata-se de revelagóes
particulares, que os fiéis católicos tém a liberdade de aceitar
ou nao. Nao há dúvida, em Fátima tém sido derramados nu
merosos beneficios espirituais e corporais sobre os homens — o
que parece abonar a autenticidade das aparieóes. Mas, mesmo
assim. estas nao se impóem neeessariamente á fé. — Veja-se
a propósito «P.R.» 4/1958, pág. 169-174.

2) A descrigáo do inferno, no segrédo de Fátima, é feita


segundo a clássica maneira, pois se destinava a um público
afeito a tal modo de conceber a sorte dos pecadores; em 1917
era nos termos ácima que se falava do inferno; urna linguagem
mais abstraía ou erudita estava fora de uso na catequese; sena
talvez fadada a nao ser compreendida.
Caso a Virgem SS. tenha realmente suscitado tal visáo
do inferno, Ela nada insinuou no campo da teologia; apenas
adaptou-se ao entendimento dos destinatarios, ficando enten
dido que os leitores posteriores fariam a respectiva «tradugáo»
do texto, tradugáo proposta neste artigo de «P.R.».

— 36 —
INFERNO : REALIDADE OU MITO ?

3. Outras questoes

Pergunta-se:

1) O inferno náo^terá fim?


— A fé responde' negativamente. Com efeito, a alma hu
mana é imortal. Isto quer dizer que a sua sorte postuma será
táo duradoura quanto a própria alma.
2) Nao poderia, porém, haver urna mudanga na sorte da
alma condenada?
— Poderia havé-la se a alma quisesse trocar sua aversáo
por amor,... amor a Deus e ao próximo. Todavía acontece
que, após a morte, a alma nao pode mudar de disposicóes,
como atrás foi dito.
Deus, por sua parte, nao intervém nesta obstinagáo, mas
respeita-a, já que é a atitude livremente abracada por urna
criatura que o Senhor fez para ser livre. Nao forca a criatura
a participar de urna vida (comunháo com Deus) que ela re-
jeita. Tal é a atengáo que o Criador dá & livre opgáo do homem;
que o quer rebáixar, tratando-o como autómato. Constranger
a criatura livre seria, sim, própriamente um castigo infligido
por Deus, seria ferir a maior dignidade do homem. Ademáis,
como observa o teólogo Prof. M. Schmaus, 6 reprobo nao po
deria suportar um coloquio com o Amor, que ele odeia...

3) E Deus nao aniquilaría o reprobo?


— Sem dúvida, Deus poderia p6r termo á desgrasa do
condenado, recorrendo ao aniquilamento. Todavía isto seria
menos condizente com a Sabedoria divina.
Com efeito, o Senhor criou o homem para ser, e ser sem-
pire (claro está que... á semelhanga do Exemplar divino, o
qual é sempre feliz).
A modalidade de ser feliz, Deus a entregou á livre opgáo
do homem; éste a pode frustrar. Contudo, o bem fundamental
que é ser, existir, Deus o quis tomar a seus exclusivos cuida
dos; o Criador o dá irrevogávelmente; nao o retira, mesmo que
o homem nao cumpra a sua parte, abusando do dom do Ben-
feitor. O homem existirá sempre, como Deus planejou bondo
samente, mesmo que, em conseqüéncia de- urna livre opgáo
sua, nao exista feliz. E — note-se — esta existencia imortal,
ainda que vivida num estado de desgraga, nao deixa de ser
um bem ; continua a representar um valor no conjunto das
criaturas, nao é um absurdo que deva ser aniquilado. Com

— 37 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 5

efeito, o reprobo, justamente por sua desventura, proclama que


Deus é bom; a sua dor provém precisamente do fato de que
ele reconhece em Deus a Perfeigáo Máxima; do seu modo, pois,
ele afirma veementemente a grandeza e a bondade do Criador;
por conseguirte, tem um significado positivo no plano do uni
verso. É por isto que Deus conserva a existencia do reprobo.

4) E haverá muitas almas no inferno?


— Sámente Deus pode responder com precisáo a esta
questáo.
Hoje em dia, porém, os teólogos julgam mais e mais que
a Misericordia Divina oferece meios ocultos de salvagáo a todos
os homens, até aos que parecem morrer em irredutível obsti-
nagáo. Acreditam, portante, que mesmo as pessoas que vivem
longe de Deus, reoebem cedo ou tarde (ao menos na hora da
morte) a graga que os solicita a conversáo.
O auténtico cristáo eré no inferno, mas tem profunda
confianga em sua salvagáo eterna. Alias, era assim que proce
día S. Paulo: quando em suas cartas falava da sorte postuma,
parecía seguro de que a morte sería, para ele, a consumagáo
de um processo de uniáo com Deus iniciado e, todos os días,
desenvolvido aqui na térra (cf. Flp 1,21-23; 2 Cor 5,1-5).
Quem procura a Deus fiel e perseverantemente (apesar das
fainas da sua natureza humana), nao será frustrado; encon-
trar-se-á um dia com o Senhor face a face.

5) E onde fica o inferno?


— Tém-se conjeturado varias hipóteses sobre a localizagáo
do inferno; todas vas, porém.
Determinar o local do inferno pertence mais aos objetos
da curiosidade do que aos da ciencia teológica.

Multo mais importante para o cristáo é avivar em si a


consciéncia de que o inferno é primeiramente algo de imánente
ou interior ao homem; se a pena máxima do inferno é a de
nao amar, bem se vé que o homem, já desde esta vida, pode
ser, em seu íntimo, portador do inferno.

O inferno, em última análise, é sangáo que o homem pro


nuncia sobre si mesmo com pleno conhecimento de causa e
liberdade de arbitrio. Pronunciada primeiramente a titulo pre
visorio (quando o homem peca na presente vida), esta sen-
tenga se torna irrevogável pela morte, e o próprio Deus nao
faz senáo reconhecé-la: «Quem nao eré, já está julgado» (Jo
3,18), diz o Senhor, referindo-se aqueles que vivem neste

— 38 —
A OITAVA DE ORACOES PELA UNIDADE 39

mundo. Ao passo que a mentalidade primitiva tende a fazer


do inferno a obra de Deus Carrasco, a genuina visáo crisis
apresenta o inferno como obra do homem violentador e car
rasco de si mesmo.
«Nao serei meu próprio carrasco h

IV. HISTORIA DO CRISTIANISMO

6) «Gomo se originoti entre os cristáos o costum© de


rezarem conjuntamente pela restaitracáo da unidade entre os
discípulos de Cristo ?» .

1. Antes de entrar no assunto, convém notar o seguinte:


a) Nao se deve falar de «restauragáo da unidade da
Igreja», pois esta na verdade nunca foi violada. A Igreja que
Cristo fundou e que entregou á chefia visível de Pedro, se
conserva una até nossos dias; déla, porém, separaram-se su-
cessivamente os blocos nestoriano e monofisita (séc. V), bi
zantino (séc. XI) e protestante (séc. XVI). O desmembramento
de tais denominagóes é profundamente lamehtável, mas nao
afeta a estrutura essencial da Igreja, que continua- a ser una,
porque Cristo é uno e indiviso em seu Corpo. Místico (como
lembra S. Paulo em 1 Cor 1,13). Os cristáos é que se dividiram,
ficando uns na Igreja indivisa enquanto outros passaram a
constituir denominacóes separadas. Por isto deve-se falar de
restauracáo da unidade dos cristáos e nao... da Igreja.
b) Os cristáos aspiram nao apenas & uniao, mas real
mente á unidade entre si.
«Uniáo» poderia significar «alianga amistosa, colaboragáo
em vista de determinado objetivo», ficando, porém, cada bloco
cristáo com seu Credo e seu govérno próprios. Ora evidente
mente nao é éste tipo de aproximagáo que corresponde as
intengóes de Cristo expressas em Jo 17,22s: «Sejam um, como
Tu (Pai) e eu somos um. Eu néles, e Tu em Mim, para que
sejam consumados na unidade». O Senhor teve em mira real
mente um só Corpo, ao mesmo tempo, místico e visível, ou
um só rebanho, a professar a mesma fé e a prestar obediencia
ao mesmo supremo Pastor visível. Esta unidade nao exclui,
por certo, o pluralismo legítimo em materia de disciplina (li-

— 39 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969, qu. 6

turgia, celibato do clero, aséese...); também nao significa


rígida centralizacáo do govérno da Igreja.
2. Nos últimos tempos tém-se multiplicado as assembléias
em que fiéis católicos, protestantes e ortodoxos suplicam con
juntamente a Deus Pai, queira reunir todos os discípulos de
Cristo numa única e grande familia em torno da mesma S. Eu
caristía. Neste intuito tém sido celebrados dias, triduos e se
manas de preces pela unídade dos cristSos.
Pesquisando as origens déste costume, registramos que em
1895 o S. Padre Leáo XIII instituiu a novena preparatoria de
Pentecostés no intuito de pedir ao Espirito Santo a reconci-
liagáo dos irmáos separados. A escolha da data era muito feliz,
pois foi realmente em Pentecostés que o Espirito Santo fez de
muitos povos urna só comunidade sobrenatural, ou seja, a Igreja
(cf. At 2).
Em 1908 dois ministros anglicanos (ou episcopalianos),
Spencer Jones e Paúl Wattson, langaram a «Church Unity
Octave» (Oitava da Unidade da Igreja); estendia-se de 18 de
Janeiro (festa da Cátedra de Sao Paulo em Antioquia) a 25
do mesmo (festa da Conversáo de Sao Paulo Apostólo). Estas
duas datas sao altamente significativas, pois Sao Pedro lembra
o govérno visivel da Igreja, ao passo que Sao Paulo recorda a
eficacia da Palavra de Deus, que os protestantes de modo espe
cial apregoam.

Nove meses após langar a oitava de oracóes pela Unidade,


Paúl Wattson converteu-se ao Catolicismo. Na Igreja continuou
a difundir fervorosamente a sua louvável iniciativa, encon
trando larga aceitacáo por parte dos católicos. A Igreja
Católica até hoje muito recomenda a oitava de preces de 18
a 25 de Janeiro.
No anglicanismo, éste oitavário caíu em desuso após a
conversáo de Wattson. Gontudo em 1921 o mesmo ministro
Spencer Jones fundou o «Church Unity Octave Council» (Con-
selho Promotor da Oitava da Unidade da Igreja), que visava
reavivar a praxe iniciada por Jones e Wattson. Éste empre-
endimento encontrou éxito na ala «papalista» do anglicanismo;
preconizava urna «corporate unión» (uniáo orgánica de angli
canos e católicos sob um só Pastor visivel). O sucessor de
Spencer Jones na direcáo do movimenfo foi o Rev. A. F. Aynes-
-Clinton, falecido em 1960.
Na Inglaterra, os cristáos anglicanos fundaram duas ou-
tras entidades congéneres: a «Catholic League» (Liga Cató-

— 40 —
PAULO VI E A «SEPIA GESTATORIA» 41

lica) em 1917, e o «Council for promoting Catholic Unity»


(Conselho para promover a Unidade Católica) em 1920. To
davía nenhum déstes dois. movimentos conseguiu a adesáo do
chamado «Centro» do anglicanismo; só obteve acomida por
parte da dita «extrema direita» ou ala «papalista» dos cristáos
episcopalianos.

Também se pode mencionar aqui a «Semana de Oragáo


da Unidade Evangélica», instituida por cérea de 1860; realiza-
-se no tempo da Epifanía; tem objetivo principalmente missic-
nário, pois visa a conversáo dos pagaos ao Cristianismo.

7) «Nao eompreendo por que o Papa aínda usa a 'sedia


gestatoria' guando comparece na basílica de Sao Pedro.

Nao é esta urna ©xpressao de soberanía nao condimente


com a nossa época ?»

Antes do mais, convém notar que nos últimos anos' foi


assaz reduzido o uso da «sedia gestatoria» ñas cerimónias
papáis. ';•;

Afim de manifestar a mente do Santo Padre quando aínda


aceita a tradigáo da «sedia», nao se podería desejar melhor
depoimento do que o do próprio Papa Paulo VI em seus fa
mosos diálogos com o escritor francés Jean Guitton.

Sabe-se que o académico Jean Guitton entabuloü, durante dezes-


seis anos, diálogos multo sinceros e amigos com Sua- Santidade o
Papa Paulo VI (outrora auxiliar de. Pió XII na Secretaria de Estado
e, depois, arcebispo de Miláo). Depois de lhes haver dado conveniente
apresentagáo literaria, Guitton quis submeté-los á revis5o de seu
ilustre interlocutor. Em telegrama datado de 27 de dezembro de 1966,
o Pontífice lhe respondeu: «Nimls bene scripsisti de Nobis. — Escre-
veste bem demais a Nosso respeito». Simultáneamente editado em
francés e italiano, o llvro dos «Diálogos...» íoi oferecido a S. Santi-
dade por ocasiáo do seu 70* aniversario (setembro de 1967).

Paulo VI permitiu a publicacáo de tais diálogos porque, em seu


estilo, propdem os eternos principios do Cristianismo e sua aplicacao
ao presente momento da historia. As palavras do Papa nao deixam
de reproduzir os grandes e belos tragos da alma de Paulo VI. Para
compreender melhor as atitudes públicas do S. Padre, é oportuno
conhecer quanto ele nos diz de seus sentlmentos íntimos:

_ 41 _
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 109/1969. qu. 7

1. A paternidade

«Creio que, de todas as dignidades de um Papa, a mais


invejável é a paternidade. Tive ocasiáo de acompanhar Pió XII
ñas cerimónias solenes: ele se atirava á multidáo como se
fóra á piscina de Betsaida. Apertavam-no, rasgavam-lhe as
vestes. E ele ficava radiante. Recuperava fórgas. Mas entre
'ser testemunha da paternidade' e 'ser pessoalmente pai' há
como que um abismo. A paternidade é um sentimento que
invade o espirito e o coragáo e que nos acompanha a todas
as horas do dia, que nao pode diminuir, mas se aumenta,
porque aumenta o número de filhos; alarga-se, nao se delega;
é forte... como a vida, e cessa somente com o último suspiro.
Se um Papa nao costuma aposentar-se antes do fím da vida,
isto se dá porque nao se trata tanto de urna fungáo quanto
de urna paternidade. E ninguém pode cessar de ser pai...».

2. Fragilidode humana e grasa divina

«Todavía nao me sinto superior, mas irmáo, inferior a


todos porque carrego o fardo de todos. Creio que a paterni
dade de um Papa é isto. Quando um Papa considera a, si
mesmo, sente-se bem pouca coisa. Se considero a minha vida
passada, ela me aparece como um misterio. Tudo que me
aconteceu na vida, se explicou com o que Deus me pediu no
fim: a minha debilidade permaneceu tal qual, a consciéncia
dos meus limites se aumentou, mas urna fórga que nao pro-
vém de mim sustenta-me, momento por momento. Entendo o
que quer dizer Sao Paulo quando fala da miseria de sua
pessoa, da qual todavía ele náa quer ser desembarazado. É
um fardo duro e delicioso, essa carga universal que varia e
se renova todos os dias como a dor e a luz. Mas também o
auxilio se renova».

3. Sem tregua.. .

«A vida de um Papa nao conhece momentos de tregua ou


repouso. A filiagáo e a patemidade nao podem ser interrom
pidas. E, já que as necessidades ultrapassam sempre as possi-
bilidades, nao fica senáo um recurso: abandonar-se ao momento
presente, que é o Senhor. Um Papa vive de urgencia a urgen
cia, de momento a momento; caminha como os judeuS no
deserto, de maná a maná. E nao tem muito tempo para

_ 42 —
PAULO VI E A «SEPIA GESTATORIA» ,- 4§

reconsiderar a vida percorrida, nem para prever o caminho


futuro... '
Deus faz-nos a honra de nos ajudar, quando nos aban
donamos aos seus bracos. É esta, urna grasa grande,-urna
experiencia que todos os cristáos e talvez todos os homens já
teráo feito... É táo belo arriscar, quando nos entregamos a
máos todo-poderosas! Entáo realmente sentimos que, entre
Deus e nos, já nao há espago».

4. A «sedla gestatoria»

«Muitas vézes renuncio á famosa 'sedia gestatoria' para


caminhar entre a multidáo, para estar mais perto. Mas véri-
fiquei que a incómoda sedia, que dá a impressáo do mar. e
das ondas, me permite justamente estar mais perto de todos.
Ela eleva ácima de todos, para que seja mais fácilmente visto
por todos, sem desigualdades nem precedencias. Mas aó meio-
■dia, quando toca o 'Ángelus' e vejo a multidáo de visitantes
de todas as partes do mundo, sinto-me vizinho a ela. Éste
rápido contato da solidáo com a multidáo é urna fórga».
Assim o próprio Paulo VI explica por que ainda usa a
«sedia gestatoria», embora desejasse abolir o seu uso. É para
servir a todos os seus filhos espirituais, sem dar precedencia
a ninguém. É porque quer melhor corresponder as expectativas
de seus fiéis que o Pai comum permite que o coloquem em
posigáo mais acessivel aos olhares de todos. Paulo VI nao vé
na «sedia gestatoria» urna honraría, mas a expressáo de seu
afeto paternal aberto a todos os visitantes.

CORRESPONDENCIA MlODA

Educadora (Rio): As curas realizadas por José Arigó mereceriam


atento estudo por parte dos médicos para que se possa dizer se sao dura-
douras (e, por conseguinte, auténticas) ou nao.
Fode-se admitir que Arigó alivie ou realmente cure pessoas afeta-
das de doengas nervosas e funcionáis. Ele atribui tais beneficios a um
"médico do espago, Dr. Fritz", que lhe assiste... Na verdade, tal médico
nao existe, pois nao há espirites vagos pelos ares. Arigó, sugestionado,
efetua suas curas ou pelo poder da sugestáo ou mediante o exercício de
facuidades parapsicologías; o próprio Arigó talvez nao tenha consciéncia
de que sugestiona 09 seus pacientes; pode estar agindo com toda a boa
fé, embora esteja iludido.

^ 43 —
44 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 109/1969

Quanto ás operacóes cirúrgicas efetuadas por' Arigó, seria preciso


acompanhá-las de perto para poder julgá-las; devem ter sua explicado
natural (nao sao necessáriamente intervencóes do demonio, muito me
nos... intervencSes de Deus). A comissáo de médicos norte-americanos
que recentemente em Congonhas do Campo examinaram o caso Arigó,
pronunciando-Be finalmente em favor désse médium, é suspeita, pois se
tratara de médicos espiritas.
As pessoas que reflitam sobre os acontecimentos, verificaráo que nao
convém consultar Arigó, pois isto implica abandonar a medicina cien
tífica para recorrer & sugestáo mesclada com falsas cren?as filosófico-
-religiosas; entregar-se á sugestáo e & fantasía pode ser, era última ins
tancia, mais nocivo do que benéfico. — Quanto aos fiéis católicos, é
para desejar que se abstenham de ecleticismo religioso : Arigó professa
o espiritismo...
M&es Mineiras Católicas (Belo Horizonte): Vimos o artigo da re
vista que nos enviaram. Gratos. S&bre a encíclica "Humanae Vitae" já
apresentamos um artigo em "P.R." 106/1968, pág. 416-432. Um católico
coerente nao pode menosprezar tal documento, nem lhe solapar a auto-'
ridade. Deus fala nao somente no íntimo da consciéncia de cada homem
(arriscar-nos-íamos a nos engañar se só atendéssemos a essa voz íntima
da consciéncia), mas fala também por sinais objetivos, entre os quais
está certamente o magisterio da Igreja; a consciéncia do cristáo tem de
procurar nortear-se por tais testemunhos objetivos e seguros da vontade
de Deus. O misterio da Enearnagáo, de certo modo, se prolonga até hoje
pelo fato de que Deus comunica aos homens seus preceitos mediante o
Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja. Quem ama o Cristo, procura
sentir e vibrar com a Igreja. Deus .nao deixa de dar a gra?a necessária
a todos aqueles que queiram executar éste programa.
Anónimo (GB): A grasa de estado é o auxilio que Deus confere a
todo homem para que cumpra as obrigagóes de seu estado, ou seja, da
sua condigáo própria de vida. Assim os esposos recebem grasas especiáis
para que vivam retamente a sua vida conjugal; os educadores e mestres,
os sacerdotes e os diversos profissionais,... igualmente. Deus nunca
chama alguém para urna tarefa sem lhe dar o auxilio correspondente
para que a cumpra fielmente.

Corrigenda : No n* de "P.R." 105/1968, linhaa 10 e 11, as aspas


sao do autor destas linhas. Nao significan» citac.áo.

RESENHA DE LIVROS
Homens novos para a novidade crlstfi, por Elias Meo; traducáo
do italiano. Colero «Nova Alianza». — EdicSes Paulinas, SSo Paulo
1968, 130x200mm, 271 pp.
Eis um Uvro que visa formar cristáos abertos para seus irmáos
e a vida em comunidade. O autor lembra que, para ser digno membro
de urna sociedade (civil ou crista), nao basta ao cristáo ter o pensa-
mento voltado para os demais homens; é-lhe necessário, antes do
mais, tomar consciéncia do grande dom que Cristo lhe fez tornando-o
membro de seu Corpo Místico mediante ai mensagem da fé e a graca
dos sacramentos. Conseqüentemente, o livro apresenta ao leitor as
grandes linhas de sadia espiritualidade católica, onde é vivamente sa-
_„..„. coMuVdeimCcristóo^É/des^y^desbásicas'Xiüé;
l^5 nutrir 6 comportámento de üm auténtico discípulo de .Cris
jg<p|.de,. hoje. :;:. '.;:':<. ■;Kv;.v-.-^-;;:, u:':; ■:.;:o*¡i:¡sr,r/bk'wímKwmj*
Í0$h Grandes idéias éni sintese clara, els o conteúdo" do'.— irldírlivro.■;.«•

"JVf(}J' LeJgoa, Saceriioted "e! Béilgiosos,-pelo Cardeal Düval^arcebÍ!


SS17Í'Argel; tradugao do francés,;pelas monjas beneditinas da,"Aba ,
- N. Sra; das Gracas, de; Belo Horizonte.,, Colecao «Nova jAlianca»^
'— EdigOes Paulinas, Sao Paulo 1968, '130ix200 mm? 137ipp^V^i,^
■ O livro contém a éxplanac&o sumarla dos documentos do "ÓoñcíiiáK
do Vaticano n ooncernentes aos leigos;-aos sacerdotes e áoá'Rellgiosos.|
O autor procura fomentar a auténtica renovacSo da Igreja. Para tantó,í
logo no seu prefacio, rejeita dols falsos conceitos de. renovac^óL:;;-.-"j^
— o de urna renovacáo meramente exterior, consistente' ¿pensil",-
em mudancas de estruturas, sem aprofandamento interior, nem v
com Deus ;
— a idéia de renovacjío puramente negativa, que apenas-';
suprimir, emao constrói, correndo o risco demarcar urna rupturajeom\r,.^
os valores mais auténticos do passado. . ■ .:"í'1:$$%
A verdadeira renovacáo é a que leva cada um dos membros dauí-,r;
Igreja a tomar consciéncia, antes do mals, do apelo universal & san-v-,-,'..;;'j
tidade (a vocacao fundamental e capital de todo crlstáo é a de séxj^xM
santo; toda outra tarefa há de subordinada & fidelidade á esta voca- í'í^
cao). O cristao, cioso de responder ao apelo do Senhor para a santi-- /^
dade, procurará desempenhar com fé, amor e zelo .a sua missaoínaíií^|
térra, dentro do quadro de vida preciso que a Providéncla.jlhe assinaiasM^
sacerdocio, vida religiosa ou laicato. ' .,;,"'■,','■;*f''^,■'^■'••^0^m
O livro é valioso, principalmente para quem se deseja toteirar exa-'^*^
tamente do pensaniento do Vaticano IL Destina-se ao publico .de ñiv¿l"|^.^
cultural medio ou superior. ^ :'! "•'—'^;¡Mg
Moddade que se diverte, por F. de Uberaba. — EdlcCes Paulinás,.%'yJ
Caxias do Sul 1968, 125xl85mm, 111 pp. ..>.;■■ • ^ v;w^;>|M
O titulo do livro pode ser engañador, pois o llvro jiSo apresentaMsl
material para diversoes da moddade, mas, slm, elementos de reflexáó í
para que os mocos, necessariamente folgazOes e prazenteiros, se'sal-í
bam conduzir dignamente em seus anos de juventude. ■ . \ ,.:.v:^;.kiV'i:,
. Freí Francisco de Uberaba tem-se dedicado á pastoral da.familia V
e da juventude. Acaba de oferecer ao público um livro que se'dirige^
explícitamente aos jovens, mas bem pode servir a todo e qualquer';
leitor. O autor ai propCe o sentido de certas valores que se pódeme
tornar desvalores, caso nao sejam s&biamente utilizados: esporte, di
versoes, baile, corpo'humano, leituras, amizades... Multo importante:.
é o que Fr. Francisco observa a respeito de «saber ler», «leltura e|
formacá». Além disto, o autor apresenta a Religi&o auténticamente ¿
comprendida e vivida como estelo da grandeza e da feliddade do.'.;
homem. • • ■ ■, i- 'cA'.v^Xh'Ví^:
Reftexoes de doutrina crista e de moral em estilo simples e acessl—j
vel, eis o que merece o apréco do público ao referido livro. ';.,'. i

D. ERtévSo BettencmirtO.
■ ;'.' ■;■■■■'•■■ ■" '\ ••■-•••' '
NO PRÓXIMO NÚMERO :

; A psicología do ateísmo ■

. Os milagres de Jesús: realidades ou estarías?

': Que é pecado coletivo?

. Moral, Psiquiatría e masturbacáo

Oíím'a'o mundo no ano 2.000?


'.;.■ i

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Número' ávuíso de qualquer mea e ano NCr$ 1,00
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Índice de¡1967 • NCr*


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EDETÓRA BETTENCOURT LTDA.

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