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Reflexões sobre

o cotidiano
Capa

na sala de aula
Lino de Macedo
ANO VI Nº 22 JUL/AGO 2002

Ilustrações: Mário Röhnelt

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Dar ao cotidiano na sala de aula dos. Para isso, é necessário desenvolvermos competên-
cias e habilidades relacionadas às categorias e aos mo-
o mesmo tratamento disciplinar dos de ser do real em sua expressão diária. Por essa ra-
que temos dado ou devemos dar zão, pretendemos neste artigo refletir sobre a importân-
ao ensino e à aprendizagem de cia do desenvolvimento de um conjunto de habilidades
sobre três pares fundamentais para uma vida cotidiana
línguas, matemática, ciências e escolar bem-sucedida: espaço e tempo, objetos e tare-
artes pode ser um caminho para fas, bem como nós mesmos e as outras pessoas.
a boa realização da escola para todos. No espaço e no tempo, estão os objetos com os quais
realizamos as tarefas escolares e o meio onde convive-
Para isso, é necessário desenvolvermos mos e vivemos, quaisquer que sejam as formas e os sen-
competências e habilidades tidos dessas realizações. Para lidar bem com o espaço,
relacionadas às categorias temos que desenvolver habilidades, ou seja, coordenar
nossas ações de modo significativo e funcionalmente
e aos modos de ser do real bem-sucedido. Tais ações podem ser as seguintes: guar-
em sua expressão diária. dar, encontrar, devolver, dispor, localizar, esquecer. Onde
guardar os objetos (coisas, pensamentos, palavras, de-

A
dministrar o cotidiano na sala de aula tornou-se senhos, sentimentos)? Como se organizar no espaço dos
um grande problema para professores e alunos. cadernos, das carteiras, das mochilas, de nosso corpo e
Indisciplina, dispersão, inconveniência, confu- pensamento, de nossa sala de aula ou escola? Onde
sões, dificuldades de todo tipo perturbam a realização encontrá-los e devolvê-los depois de usados? Como e
das propostas ou das tarefas pedagógicas. O sentimen- por que dispor o espaço de distintas maneiras, direções
to é de perda de tempo, caos espacial e descuido com ou sentidos? Como tratá-lo como “caixas” pequenas ou
objetos escolares, falta de sentido das tarefas e relações grandes que contêm os objetos e, ao mesmo tempo,
entre pessoas marcadas pela indiferença ou pela negativi- como campo aberto, livre, reversível, infinito e disponí-
dade. O sentimento é de incompetência, insuficiência e vel para todas as possibilidades? Como “esquecer” o que
desânimo. Penso que uma das razões para isso é que está fora do espaço durante um certo acontecimento e
ainda estamos marcados pela imagem de uma escola ide- ocupar-se, de modo concentrado e paciente, com aqui-
al, sonho de realização de todos nós, em que alunos, lo que interessa no momento? Como tratar o espaço
dóceis e gratos aos seus professores, vão lá para apren- como o que está entre as coisas e, portanto, como um
der e serem felizes. Graças a isso, os professores podem vazio que as separa e as localiza dentro, fora, perto, dis-
dedicar-se preferencialmente ao ensino das matérias e à tante, em cima, embaixo?
avaliação do que foi aprendido pelos alunos. Pensamos Para lidar bem com o tempo, temos que desenvolver
que tudo isso foi talvez possível um dia e ainda se realiza habilidades, hoje mais do que nunca fundamentais:
hoje em algumas escolas. Porém, para tanto, o preço a agendar, estimar, antecipar, selecionar ou dar priorida-
ser pago pelos alunos é o de conviver e aprender na es- de, lembrar. As ações graças às quais realizamos tarefas
cola de um modo condicionado: se não obedecem às duram um tempo e sucedem-se em uma certa ordem,
regras, se não aprendem o mínimo, se não aceitam a isto é, compõem narrativas. Porém, para sermos bem-
cultura da escola, então são excluídos e reprovados. sucedidos nesses acontecimentos, temos que reservar,

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E se a escola tornar-se incondicional, necessária para dispor, organizar um tempo para eles. Tempo que ne-
todas as crianças? Ou seja, essa imposição é impossível cessita ser calculado, querido. Se o espaço é reversível,
em uma escola compulsória, que se quer para todas as se nele podemos ir e vir de muitos modos, o tempo é
crianças e que não pode mais selecionar e garantir a irreversível, expressa um fluxo contínuo, sem volta ou
permanência usando a exclusão e a repetência como devolução. Como decidir e antecipar coisas que valem a
estratégias de controle de sua qualidade. No entanto, pena? Como não desperdiçar o tempo? Como se orga-
como garantir o acesso à escola e um percurso nos anos nizar e se relacionar com o tempo das máquinas, da
de escolarização básica de modo contínuo e, se possí- cidade, das tarefas com prazo marcado? Se o tempo não
vel, significativo? Sabemos que, se o acesso escolar está volta, como selecionar ou dar prioridade ao que merece
cada vez mais garantido, o cotidiano em sala de aula ser feito? Como não esquecer, isto é, lembrar, atualizar
mostra o quanto ainda estamos distantes das outras ex- as coisas que foram feitas ou que devem ser feitas? Como
pectativas (percurso até o final, convivência e aprendiza- se organizar, respeitando a presença eterna e contínua
gem significativas). do tempo, mas dividindo-o como se pudesse ser tratado
Nossa hipótese é de que dar ao cotidiano na sala de em termos de hoje, amanhã ou ontem? Como usar o
aula o mesmo tratamento disciplinar que temos dado tempo das máquinas (do relógio, por exemplo) ou da
ou devemos dar ao ensino e à aprendizagem de lín- natureza para regular nossas ações? Como realizar a vida
guas, matemática, ciências e artes pode ser um cami- como projetos, produtos ou bens que, por querermos
nho para a boa realização dessa escola, agora para to- depois, definem e organizam nosso aqui e agora? 11

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Se o tempo não volta, como
selecionar ou dar prioridade
ao que merece ser feito?
se autônomo, compreender sua razão. Hoje, o grande
desafio no cotidiano da sala de aula é saber propor tare-
fas significativas, desafiadoras, realizáveis. Tarefas nas
quais a superação dos obstáculos implica aprendizagem
diferenciada e avaliação formativa. Tarefas que requerem
observação, regulação, e que desenvolvem sentimento
de domínio e participação. Tarefas compartilhadas, cole-
tivas e, ao mesmo tempo, singulares e diversificadas. Ta-
refas que comunicam sentido e expressam interesses co-
muns, que solicitam tomadas de decisão e argumenta-
As habilidades relacionadas ao espaço e ao tempo, ção em favor de sua proposição e realização. Tarefas que
antes mencionadas, complementam-se indissociavelmen- colocam situações-problema, cuja execução exala sabor
te com as habilidades que se referem às tarefas ou às e saber. Tarefas que valem a pena.
ações que realizamos com objetos. Livro, caderno, lápis, Para concluir, falta-nos algum comentário sobre o úl-
quadro-negro, giz, computador, vídeo, calculadora, jo- timo par que dá sentido ao cotidiano escolar. Ele se refe-
gos, pincel, tinta, bola, mochila, banheiro, cadeira, mesa, re ao relacionamento que, no dia-a-dia, mantemos com
sala, pátio são objetos escolares. Com eles praticamos a nós mesmos e com as outras pessoas. Como são as rela-
leitura, a escrita, o desenho, as contas, a pintura, a músi- ções no miúdo de cada gesto entre crianças, professores
ca, o esporte, lavamos as mãos, bebemos, urinamos, bri- e alunos ou colegas? O que elas promovem ou dificul-
gamos, rimos, vivemos nossa vida, aprendemos na esco- tam em nossas relações com os aspectos já menciona-
la, convivemos com nossos colegas e nos relacionamos dos? Como respeitar e possibilitar que alunos e professo-
com nossos professores. Os objetos são as tecnologias res possam ter voz, dizer e assumir suas hipóteses, seus
desenvolvidas pela ciência e oferecidas pelas empresas pensamentos e seus sentimentos? Como recuperar nos-
ao mercado educacional. Cuidar, preservar, classificar, re- sa auto-estima, a importância sociocultural de nossa pro-
cuperar, escolher, utilizar, limpar, abrir, fechar, guardar fissão e conquistar melhores condições de trabalho? To-
são habilidades fundamentais, pois presidem as relações das as crianças agora podem e devem estudar na esco-
entre objetos, tarefas e pessoas. Depois de usados, tor- la. Mas isso só terá sentido se elas desejarem aprender,
nados obsoletos ou insuficientes, o que fazemos com se não forem indiferentes ou negativas com as pessoas
esses objetos? Temos sido pouco reflexivos e irresponsá- de sua classe. Indisciplina, dispersão e preguiça pertur-
veis com os recursos e os objetos escolares. Não vemos bam a realização de tarefas escolares. Inconveniência,
sentido nas tarefas escolares que realizamos por seu in- desrespeito e maledicência perturbam as relações com
termédio. A atitude do professor para com os objetos es- as pessoas. Como nos tornarmos mais convenientes e
colares é fundamental, pois ele é uma referência para os cuidadosos? Como cultivarmos virtudes que nos tornam
alunos. Como ser cuidadoso, habilidoso e gentil com os dignos de nós mesmos e das outras pessoas? Respeitar,
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objetos escolares? Não basta poder usar os objetos ou compartilhar, cooperar, reconhecer, conviver e cuidar são
recursos pedagógicos, é necessário querer e saber usá-los habilidades fundamentais. São elas que qualificam e dão
bem. Como reivindicar objetos de melhor qualidade e em sentido ao nosso cotidiano relacional. Hoje, na escola é
quantidade suficiente para a realização das tarefas? onde passamos muitos anos de nossa vida, onde passa-
Os objetos escolares são alguns dos meios ou recur- mos uma parte importante de nosso dia. As pessoas de
sos que utilizamos para realizar as tarefas. O que são as nossa escola, além das pessoas de nossa família, de nos-
tarefas escolares? Como restituir seu sentido? Como de- so bairro ou trabalho, são talvez as mais significativas de
senvolver habilidades para a boa realização de uma tare- nossa vida. É o pequeno e aparentemente insignificante
fa? Pensamos que algumas dessas habilidades são as de cada gesto, palavra ou sentimento que tece as bases
seguintes: valorizar, ser responsável, planejar, definir, de- para uma relação mais amorosa ou odiosa. Como o pro-
senvolver estratégias ou esquemas de procedimento para fessor organiza e favorece diferentes relações em sala de
sua boa realização, envolver-se, comprometer-se, tornar- aula? Como distribui as crianças em uma atividade de

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Como construir sentido para
nossa vida e aceitá-la em sua
complexidade e precariedade?
dáveis, sem sentido, que lhe impedem de trabalhar e
que frustram suas expectativas. De outro lado, o profes-
sor pode supor que nessa aula trabalhou dois temas
fundamentais para a promoção do desenvolvimento de
seus alunos. Um desses temas refere-se à orientação de
estudos, ao planejamento das atividades, à discussão
sobre atitudes, valores e normas de convivência em sala
de aula, à melhor utilização do espaço e do tempo, ao
cuidado e à habilidade no uso dos recursos e das
tecnologias. O outro tema refere-se ao ensino e à aprendi-
grupo? Como faz suas intervenções? Como olha, vê, sen- zagem dos aspectos estudados. Nesse segundo caso, a
te e fala com cada criança? Como coordena valores e aula inteira foi gasta trabalhando-se dois conteúdos fun-
regras que disciplinam a vida em comum? Como lida damentais e indissociáveis.
com problemas de relacionamento? Como ajudar os alunos a lidarem melhor com as ca-
Voltemos às considerações iniciais de nosso texto. São tegorias e os modos de realização de seu cotidiano?
muitas as queixas que professores e alunos fazem de sua Como sair da queixa, do desânimo, e atribuir aos te-
vida na escola. Muitos estão insatisfeitos, apesar de reco- mas, objeto de reflexão deste texto, o mesmo estatuto
nhecerem sua importância para nossa formação. Nossa hi- das matérias disciplinares? O que estudar e discutir so-
pótese é de que um dos caminhos para a superação disso bre esses temas? Como observar melhor nossas própri-
é desenvolvermos competências e habilidades relacionadas as dificuldades, preconceitos e insuficiências em relação
ao cotidiano escolar. Acreditamos que, se tratarmos o dia-a- a eles? Como aprender e compartilhar com nossos cole-
dia dessa instituição com a mesma seriedade e com o mes- gas estratégias – melhores ou diferentes – de enfrenta-
mo rigor com que investimos no aprendizado das matérias mento desses problemas? Como convencer nossos alu-
escolares; se soubermos coordenar o ensino dos conteú- nos de que há formas melhores e mais saudáveis de
dos das disciplinas com o desenvolvimento de competênci- vida? Como rever padrões, assumir nossos erros e nos-
as e habilidades relacionadas à vida cotidiana, então, quem sas limitações? Como realizar e compartilhar projetos que
sabe, nosso trabalho ganhará mais sentido. valem a pena? Como construir sentido para nossa vida
Imaginemos, para terminar, uma situação tão comum e aceitá-la em sua complexidade e precariedade?
hoje na escola e duas atitudes frente a ela. Um professor
prepara uma aula, mas só consegue trabalhar metade
da matéria, pois a outra parte do tempo foi gasta tentan-
do obter a atenção dos alunos, resolvendo problemas Lino de Macedo é professor
relacionais, organizando coisas, explicando assuntos não- titular de Psicologia do Desenvolvimento
vinculados ao tema, esperando as crianças voltarem do do Instituto de Psicologia da USP.

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E-mail: limacedo@uol.com.br
banheiro ou encontrarem os materiais ou os recursos para
realizar as tarefas propostas. Podemos reagir a essa situa-
ção, no mínimo, de dois modos. De um lado, com um
sentimento de fracasso, de crítica às crianças e às suas
famílias, de desinteresse e desgosto pela profissão esco-
lhida, de desânimo pela violência social, de indisciplina e
inconveniência das pessoas, de desestímulo pela insufi-
Para Saber Mais
ciência e pela obsolescência dos recursos pedagógicos PERRENOUD, P.; THURLER, M.; MACEDO,
disponíveis, de crítica negativa às novas políticas educa- L.; MACHADO, N.; ALESSANDRINI, C. As
cionais. Em uma palavra, nessa perspectiva, o professor competências para ensinar no século XXI:
sente que só pôde dar meia aula e que gastou ou des- a formação dos professores e o desafio da
perdiçou metade de seu tempo fazendo coisas desagra- avaliação. Porto Alegre: Artmed, 2002.

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