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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESErsTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propoe aos seus leitores:
aborda questóes da atual idade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
ANO V

FEVEREIRG

1 9 6
ÍNDICE

Pág.

I. DIREITO NATURAL

1) "Ouve-xe freqüentemente {(dar da 'Declarado Universal


dos Direitos do Homem' promulgada vela ONU. Contado é difícil
encontrar o texto. Poderia aprescntá-lo com um breve comentario?" 47

2) "Por vézes tambem nc {ala da 'Declaracño dos Direitox


da Crianca', sem que o público tortita exala nocáo disse documento.
Parece, pártanlo, ■ oportuno divulgá-lo com urna pequeña intro-
dncao" 5*

II. DOGMÁTICA

3) "A Mariologia nao constituí um entrave para a verdadeira


piedade ? Desvia de Cristo a atencáo dos fiéis, criando obstáculos
a urna devocao cristoccntrica" 6r>

in. SAGRADA ESCRITURA

/,; "Km líos*.»* lempos, muito xc Um lid» e comentado o Apo-


calipse de Sao Joao, a finí de dcduzir revelagóes para os dian
prese-ntes.

Será que de falo c.i.ie livro contém alguma profecía aóbre a


¿poca atttal ? ... oh «obre a bomba atómica e o fim do mundo?"... 67

IV. LITURGIA

5) "Que se cntende por igreja litúrgica ou, conxcqiiente-


mente, por estilo litúrgico ?" s0

CORRESPONDENCIA MIÜDA • *íJ

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano V — N» 50 — Fevereiro de 1962

I. DIEEITO NATURAL

Y. T. (Ma«eió):

1) «Ouve-se freqüentemente falar da 'Declai-acáo Univer


sal dos Direitos do Homem' promulgada pela ONU. Contado é
difícü encontrar o texto. Poderia apresentá-lo com um breve
comentario ?»

A «Dedaracáo Universal dos Direitos do Homem» é um


documento que visa salvaguardar a dignidade da pessoa hu
mana mima época em que os seres humanos tém sido freqüen
temente tratados como autómatas ou como escravos.

NSo há dúvida, um documento désse tipo deve sua inspiracao


Drimária ao Cristianismo. Foi éste quem comunlcou ao homem a plena
consciéncia da sua dignidade: lugar-tenente de Deus no mundo, o
homem é o centro do universo visivel; para ele convergem as criaturas
inferiores a fim de que ele leve cada urna a dar gloria ao Criador e
atinja ele mesmo o seu Fim Supremo, Deus.

É desta dignidade indestrutivel da pessoa humana que de-


correm os seus direitos e deveres, direitos e deveres índevassa-
veis, os quaís, por conseguinte, exigem respeito da parte de
qualquer criatura.
Numa fase da historia em que a nobreza inata do homem
era assaz vilipendiada pelas instituigóes públicas, a Revolucao
Francesa de 1789 resolveu avivá-la na consciéncia dos povos,
promulgando urna famosa «Declaracáo dos Direitos do Homem
eTcidadáo», datada de 27 de agosto de 1789. Elaborando
tal documento, alias, os revolucionarios inspiraram-se emseme-
lhantes Estatutos já proclamados na Inglaterra e nos Estados
Unidos da América. O direito fundamental afirmado pela Revo-
lucáo Francesa é o direito ao uso da liberdade nos mais diver
sos setores (pensamento, expressáo, imprensa, religiao, profis-
sáo ) • a Revolugáo reconheceu outrossim ao homem o direito
á propriedade particular, á segurarica e á resistencia contra a
opressko (cf. art. 2'). Tal Magna Carta foi, sem demora, ado
tada por quase todas as nagóes no decorrer do século passado.
Recentemente a Organizacáo das Nac5es Unidas, tendo em
vista as condigóes atuais dos povos destrocados por duas guer-

— 47 —
«PERGUNTE E RESPONPEREMOS> 50/Í962. qu. 1

ras mundiais, houve por bem reafirmar e explicitar os direitos


fundamentáis de todo ser humano; a nova Declaragáo foi pro
mulgada aós 10 de dezembro de 1948, por voto positivo de 48
nacóes, ao lado das quais 8 países (a U.R.S.S. e as repúblicas
satélites) se abstiveram de pronunciamento.
Eis o texto exato de tal documento :

PREÁMBULO

«Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos


os membros da familia humana e de seus direitos iguais e inalienáveis
é o fundamento da liberdade. da justica e da paz no mundo,
Considerando que o desprézo e o desrespeito pelos direitos do
homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consdéncia da
Humanidade, e que o advento de um mundo em que os homens gozem
de liberdade de palavra, de crenca e da liberdade de viverem a salvo
do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiracáo
do homem comum,
Considerando ser essencial que os direitos do homem sejam pro
tegidos pelo imperio da lei, para que o homem nao seja compelido,
como último recurso, á rebeliao contra a tiranía e a opressáo, ■
Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de rela-
cóes amistosas entre as nac5es,
Considerando que os povos das NacSes Unidas reafirmaram, na
Carta, sua lé nos direitos fundamentáis do homem, na dignidade e no
valor da pessoa humana e "na igualdade de direitos do homem e da
mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores con-
dicdes de vida em urna liberdade mais ampia,
Considerando que os Estados Membros se comprometerán! a pro
mover, em cooperacao com as Nac8es Unidas, o respeito universal
aos direitos e liberdades fundamentáis do homem e a observancia
désses direitos e liberdades,
Considerando que urna compreensáo comum désses direitos e liber
dades é dá mais alta importancia para o pleno cumprimento désse
compromisso,
Agora portanto

A ASSEMBLÉIA GERAL

proclama

A PRESENTE DECLARACÁO UNIVERSAL DOS DIREI


TOS DO HOMEM como o ideal comum a ser atingido por todos
os povos e todas as nacóes, com o objetivo de qué cada indivi
duo e cada órgáo da sociedade, tendo sempre em mente esta
Declaracáo, se esforcé, através do ensino e da educacáo, por
promover o respeito a ésses direitos e liberdades, e, pela adocáo
de medidas progressivas de caráter nacional e internacional,
por assegurar o seu reconhecimento e a sua observancia uni-

— 48 —
«DECLARACAO UNIVERSAL DOS DIKEITOS DO HOMEM>

versáis e efetívos, tanto entre os povos dos próprios Estados


Membros, quanto entre os povos dos territorios sob sua juris-
digáo. ■ . .
Artigo I. Todos os homens nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. Sao dotados de razáo e consciéncia e devem
agir em relacáo uns aos outros com espirito de fraternidade.
Artigo n. 1 — Todo homem tem capacidade para gozar
dos direitos e das liberdades estabelecidos nesta Declaracáo,
sem distíncáo de qualquer especie, seja de raga, cor, sexo, lín-
gua, religiáo, opiniáo política ou de outra natureza, origem na
cional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra con-
dicáo.
2 Nao será também feita nenhuma distincáo fundada
na condigáo política, jurídica ou internacional do país ou terri
torio a que pertenca urna pessoa, quer se trate de um territorio
independente, sob tutela, sem govérrio próprio, quer sujeito a
qualquer outra limitacáo de soberanía.
Artigo ni. Todo homem tem direito a vida, á liberdade e
a seguranza pessoal.
Artigo IV. Ninguém será mantido em escravidáo ou ser-
vidáo; a escravidáo e o tráfico de escravos seráo proibidos em
todas as suas formas.
Artigo V. Ninguém será submetido a tortura, nem a tra-
tamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo VI. Todo homem tem o direito de ser, em todos os
lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.
Artigo VIL Todos sao iguais perante a lei e tém direito,
sem qualquer distineáo, a igual protecáo da lei. Todos tém di
reito a igual protecáo contra qualquer discriminagáo que viole
a presente Declaracáo e contra qualquer incitamento a tal dis-
criminacáo.
Artigo VIII. Todo homem tem direito a receber dos tri-
bunais nadonais competentes remedio efetivo para os atos que
violem os direitos fundamentáis que lhe sejam reconhecidos pela
Constituicáo ou pela lei.
Artigo ES. Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou
exilado.
Artigo X. Todo homem tem direito, em plena igualdade,
a urna justa e pública audiencia por parte de um tribunal inde
pendente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou
do fundamento de qualquer acusacáo criminal contra ele.
Artigo XI. 1 — Todo homem acusado de um ato delituoso
tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabili-

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cPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 50/1962, qu. 1

dade tenha sido provada de acordó com a leí, em julgamento


público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantías
necessárias á sua defesa.
2 Ninguém poderá ser culpado por qualquer agáo ou
omissáo que, no momento, nao constituiam delito peránte o di-
reito nacional ou internacional. Também nao será imposta pena
mais forte do que aquela que, no momento da prática, era apli-
cável ao ato delituoso.
Artigo XII. Ninguém será sujeito a interferencia, nem a
ataques á sua honra e reputagáo. Todo homem tem direito a.
protegáo da lei contra tais interferencias ou ataques.
Artigo Xm. 1 — Todo homem tem direito á liberdade de
locomocáo e residencia dentro das fronteiras de cada Estado.
2 Todo homem tem o direito de deixar qualquer país,
inclusive o próprio, e a éste regressar.
Artigo XIV. 1 — Todo homem, vítima de perseguigao, tem
o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
2 Éste direito nao pode ser invocado em caso de perse-
guicáo legítimamente motivada por crimes de direito comum
ou por atos contrarios aos objetivos e principios das Nagóes
Unidas.
Artigo XV. 1 — Todo homem tem direito a urna nacio-

2 —1 Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacio-


nalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
Artigo XVI. 1 — Os homeris e mulheres de matar idade,
sem qualquer restrigáo de raga, nacionalidade ou religiáo, tém
o direito de contrair matrimonio e fundar urna familia. Gozam
de iguate direitos em relagáo ao casamento, sua duragáo e'sua
dissolugáo.
2 O casamento nao será válido senáo com o hvree pleno
consentimento dos nubentes. • .
3 a familia é o núcleo natural e fundamental da socie-^
dade e tem direito á proteeáo da sociedade e do Estado.
Artigo XVn. 1 — Todo homem tem direito á propriedade,
só ou em sociedade com outros.
2 Ninguém será arbitrariamente privado de sua pro
priedade.
Artigo XVm. Todo homem tem direito á liberdade de
pensamento, consciéncia e religiáo; éste direito incluí a liberdade
de mudar de religiáo ou crenga, e a liberdade de manifestar
essa religiáo ou crenga, pelo ensino, pela prática, pelo culto e

— 50 —
«DECLARACAO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM»

pela observancia, ¡solada ou coletivamente, em público ou em


particular.

Artigo XIX. Todo homem tem direito á liberdade de


opiniáo e expressáo; éste direito incluí a liberdade de, sem inter
ferencias, ter opinióes e de procurar, receber e transmitir infor-
magóes e idéias por quaisquer meios e independentemente de
fronteiras.
Artigo XX. 1 — Todo homem tem direito á liberdade de
reuniáo e associagáo pacíficas.
2 — Ninguém pode ser obligado a fazer parte de urna as-
sociacáo.
Artigo XXI. 1 — Todo homem tem o direito de tomar
parte no govérno do seu país diretamente ou por intermedio de
representantes livremente escomidos.
2 — Todo homem tem igual direito de acesso ao servigo
público do seu país.
3 — A vontade do povo será a base da autoridade do go
vérno; esta vontade será expressa em eleicóes periódicas e legí
timas, por sufragio universal, por voto secreto ou processo equi
valente que assegure a liberdade de voto.
Artigo XXII. Todo homem, como membro da sociedade,.
tem direito á seguranga social e á realizagáo, pelo esfórgo nacio
nal, pela cooperagáo internacional e de acordó com a organiza-
gáo e os recursos de cada Estado, dos direitos económicos, so-
ciais e culturáis indispensáveis á sua dignidade e ao livre desen-
volvimento da sua personalidade.
Artigo XXm. 1 — Todo homem tem direito ao trabalho,
á livre escolha de emprégo, a condicóes justas e favoráveis de
trabalho e á protegáo contra o desemprégo.
2 Todo homem, sem qualquer distingáo, tem direito a
igual remuneragáo por igual trabalho.
3 Todo homem que trabalha tem direito a urna remu
neragáo justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como a sua
familia, urna existencia compatível com a dignidade humana, e
a que se acrescentaráo, se necessário, outros meios de protegáo
social.
4 Todo homem tem o direito de organizar sindicatos e
de néles ingressar para protegáo de seus interésses.
Artigo XXIV. Todo homem tem direito a repouso e lazer,
inclusive a limitagáo razoável das horas de trabalho e a ferias
remuneradas periódicas.

— 51 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962, qu. 1

Artigo XXV. 1 — Todo homem tem direito a um padráo


de vida capaz de assegurar a si e á sua familia saúde e bem-
-estar, inclusive alimentagáo, vestuario, habitagáo, cuidados mé
dicos e os servigos sociais indispensáveis, e direito á següranga
em caso de desemprégo, doenga, invalidez, viuvez, velhice ou
outros casos de perda dos meios de subsistencia em circunstan
cias fora de seu controle.
2 A maternidade e a infancia tém direito a cuidados e
assisténcia especiáis. Todas as criangas, nascidas dentro ou fora
do matrimonio, gozaráo da mesma protegáo social.

Artigo XXVI. 1 — Todo homem tem direito á instrugáo.


A instrugáo será gratuita, pelo menos nos graus elementares e
fundamentáis. A instrugáo elementar será obrigatória. A instru
gáo técnico^profissional será acessível a todos, bem como a ins
trugáo superior, esta baseada no mérito.
2 A instrugáo será orientada no sentido do pleno desen-
volvimento da personalidade humana e do fortalecimiento do res-
peito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentaos.
A instrugáo promoverá a compreensáo, a tolerancia e a ami-
zade entre todas as nagóes e grupos raciais ou religiosos, e
coadjuvará as atividades das Nagóes Unidas em prol da manu-
tengáo da paz.
3 Os país lém prioridade de direito na escolha do genero
de instrugáo que será ministrada a seus filhos.

Artigo XXVII. 1 — Todo homem tem o direito de parti


cipar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das
artes e de participar do progresso científico e de seus bene
ficios.
2 Todo homem tem direito a protegáo dos interesses
moráis e materiais decorrentes de qualquer produgáo científica,
literaria ou artística da qual seja autor.

Artigo XXVm. Todo homem tem direito a urna ordem


social e internacional em qué os direitos e liberdades estabeleci-
dos na presente Declaragáo possam ser plenamente realizados.

Artigo XXIX. 1 — Todo homem tem deveres para com


a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua
personalidade é possível.
2 No exercício de seus direitos e liberdades, todo homem
estará sujeito apenas as Iimitag5es determinadas pela lei, ex
clusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento
e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as

— 52 —
«DECLARACAO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM»

justas exigencias da moral, da ordem pública e do bem-estar de


urna sociedade democrática.
3 Ésses direitos e liberdades nao podem, em hipótese
alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e principios
das Nagóes Unidas.

Artigo XXX. Nenhuma disposigáo da presente Declará-


gáo pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer
Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer ativi-
dade ou praticar qualquer ato destinado á destruigáo de quais-
quer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos».

Confrontando tal Declaracao com a de 1789 (ver o Apéndice a esta


resposta), verifica-se que é mais completa e perfeita; todavía nao deixa
de apresentar suas lacunas. É o que procuraremos focalizar ñas linhas
seguintes.

1. Os méritos da DeclaracSo Universal

1) A pessoa humana é debidamente valorizada. Sáo-lhe


reconhecidos direitos inatos, portante intangíveis, porque nao
derivados da lei civil ou da vontade arbitraria do Estado (assim
foi posto de parte o positivismo jurídico, e devidamente esti
mada a lei natural).
Os direitos naturais explícitamente recenseados pela Magna Carta
sao milito mais numerosos e minuciosos do que os que figuravam em
anteriores documentos congéneres: assim, merecem especial atencao
o direito de abracar urna crenca religiosa e de a professar mediante
o culto (seja particular, seja público) e o magisterio (art. XVIII);...
o direito de recusar qualquer interferencia estranha na vida particular
do cidadáo na sua familia e na sua correspondencia epistolar
(art XII);.'.. o direito dos pais á educagáo dos filhos (art. XXVI
n» 3)1 o direito a livre escolha de emprégo e a um salario que asse-
gure 'ao trabalhador e á sua familia urna existencia compatível com a
dignidade humana (art. XXIII n* 1 e 3)...

2) Direito, nao liberdade apenas... A Declaragáo de


1789 primava por reconhecer a cada cidadáo a liberdade de
pensamento e agáo mais ampia possível, chegando mesmo a esti
pular :

«A liberdade consiste em se poder fazer tudo aquilo que nao pre-


iudique a outrem; portanto o exercício dos direitos naturais do hornera
fica apenas limitado por aqueles que assegurem aos outros membros
da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites só podem ser
determinados pela lei» (art. 4«).

Enquanto admitía táo vasta liberdade para o cidadáo, a


Magna Carta de 1789 atribuía ao Estado o dever de permane-

— 53 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962. qu. 1

cer neutro ou indiferente perante tal liberdade; o individua


lismo da época rejeitava toda e qualquer interyengáo ativa do
Estado na vida dos súditos. Ora tal estatuto foi em breve com-
provado váo; com efeito, liberdade que nao seja simultánea
mente um direito reconhecido e tutelado pelos poderes públicos
arrisca-se a ser frustrada; a liberdade de trabalho, por exem-
plo, que nao seja também direito ao trabalho, pode em alguns
casos tornar-se mera «liberdade de morrer de fome». Em con-
seqüéncia, principalmente nos últimos decenios, o conceito de
liberdade ñas nagSes ocidentais foi sendo mais e mais cercado
de garantías, mais e mais entendido como direito que o cidadáo
pode pleitear perante tribunal. A Declaragáo de 1948 conflrmou
éste modo de ver: a «faculdade de fazer» ai aparece como ver-
dadeiro «poder de exigir» reconhecido a cada cidadáo.
Em outros termos: «direito» já nao significa apenas a posslbili-
dade legal, reconhecida a cada individuo, de desenvolver tal ou tal
atividade, a seu bel-prazer, sem que o Estado se lhe oponha, mas é
um valor positivo, em favor do qual se empenha a própria coletividade.

Conseqüentemente, a Declaragáo de 1948 já nao atribuí ao


Estado um neutralismo indiferente, mas um verdadeiro dever
de intervir na defesa dos direitos dos cidadáos; aos governos
incumbe, portante, a obrigacáo de prover aos servigos públicos
necessários para que cada membro da coletividade tenha a sua
parte nos produtos da economía assim como nos beneficios da
cultura, e seja protegido contra todos os riscos da labuta coti
diana.
3) Nao individuo e Estado apenas. • • A Declaragáo de
1789 se inspirava em urna sociología assaz pobre, na qual so-
mente duas entidades se defrontavam: o individuo e o Estado.
Ao individuo eram reconhecidas ampias liberdades, de que ele
poderia fazer uso individualmente. Ao lado do individuo, porém,
a dita Declaragáo nao mencionava outra sociedade ou outro
agrupamento se nao o Estado. Tal era o individualismo da
época! Os tempos, porém, levaram os homens a mudar de
mentalidade: no sáculo XIX o desenvolvimento da industria e
do comercio suscitou a fundagáo de sociedades e empresas que
se impunham na vida pública; os operarios, do seu lado, se
foram consociando em sindicatos, de tal modo que as legisla-
góes civis do sáculo XX tiveram que reconhecer a legitimidade
de sociedades intermediarias entre o individuo e o Estado.
Dentre essas, tomou grande vulto a familia, a qual se baseia
nao apenas na vontade livre dos seus componentes, mas tam
bém ñas exigencias mesmas da natureza humana. Pode-se dizer
54
«DECLARACAO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM»

que, desde meados do século passado, os povos vém reconquis


tando a consciéncia do valor da familia, de tal modo que a De-
claragáo de 1948 pode afirmar: «A familia é o núcleo natural
da sociedade e tem direito á protegió da sociedade e do Estado»
(art. XVI n' 3). A própria U.R.S.S. já considera como ex-
pressáo de espirito burgués o «amor livre» — outrora conce
bido como urna das grandes reivindicagóes do socialismo vito-
rioso.

Ao lado destas observagdes íavoráveis á Declaracáo de 1948, faz-se


mister íormular

2. Reservas...

1) Naturalismo vazio. Eis a grande lacuna...

A Magna Carta de 1948 merece estima por valorizar a na-


tureza humana e déla derivar os direitos de cada cidadáo, como
sabemos. Contudo ela nao retrocede até o Autor da natureza
humana, que em última análise é o Ser Absoluto, o único capaz
de dar firmeza inabalável aos direitos do homem. Sem Deus,
qualquer direito e qualquer dever que se queiram atribuir a
criatura, carecem de estabilidade e seguranca; sem Deus, os va
lores humanos se depauperam, ficam sujeitos ao menosprézo e
á burla de cidadáos aventuraros e ¡novadores.
Tenha-se em vista que a mengáo do nome de Deus foi in-
tencionalmente excluida pelos redatores da Declaracáo de 1948
(ao passo que era 1789 ela ainda foi aceita)... — Esta omis-
sáo visava talvez criar um clima de largueza e de acolhimento
para todos os povos. Tal largueza, porém, já significa desvirtua-
mento e, de certo modo, suicidio.
O problema da Moral leiga já foi considerado em «P. R->
7/1958, qu. 5.
Acresccntamos aqui as sabias palavras do Papa Joáo XXIII na
sua encíclica «Mater et Magistra» :

«O aspecto mais sinistramente típico da época moderna consiste


na tentativa absurda de se querer construir urna ordem tempo-ai
sólida e fecunda, prescindindo de Deus, fundamento único sobre o
qual poderá subsistir; e querer proclamar a grandeza do homem,
secando a fonte donde ela brota e se alimenta. Através da repressáo e,
se fósse possivel da extingáo das aspiracSes Intimas do homem em
demanda de Deus. Todavia a experiencia cotidiana, no meio dos desen
gaños mais amargos e nao raras vézes através do testemunho do san-
gue, continua a mostrar a verdade do que afirma o Livro inspirado :
'Se nao fór o Senhor a edificar a casa, é em váo que trabalham os
que a edificara' (SI 126,1).
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962, qu. 1

O erro mais radical na época moderna é considerar-se a exigencia


religiosa do espirito humano como expressáo do sentimento ou da
fantasía, ou entáo como produto de urna ocasiáo histórica, que se ha
de eliminar como elemento anacrónico e obstáculo ao progresso hu
mano. Ora é precisamente nesta exigencia que os seres humanos se
revelam tais como sao verdadeiramente: criados por Deus e para
Deus. como exclama Santo Agostinho: 'Foi para Ti, Senhor, que nos
fizeste; e o nosso coracáo anda-nos insatisfetto, até que descanse em
Ti1 (Confissóes 1,1).
Portanto, qualquer que seja o progresso técnico e económico, nao
haverá no mundo justica nem paz, enquanto os homens nao tornarem
a sentir a dignidade de criaturas e de filhos de Deus, primeira e
última razáo de ser de toda a criacáo. O homem, separado de Deus,
torna-se desumano consigo mesmo e com os seus semelhantes, porque
as relagóes bem ordenadas entre homens pressupOem relac.5es bem
ordenadas da consciéncia pessoal com Deus, fonte de verdade, de jus
tica e de amor» (n« 214. 211s).

2) Matrimonio. O documento afirma iguais direilos,


para o homem e a mulher, «em relacáo ao casamento, sua du-
racáo e sua dissolucáo» (art. XVI, 1).
Nestas palavras poder-se-ia ver urna insinuafiáo de que o
vínculo matrimonial, válidamente contraído, é rescindível — o
que contraria nao sómente a consciéncia crista, mas também a
lei natural. O texto ácima apenas denega privilegios do varáo
ou da mulher no tocante a recisáo do casamento. Ora éste pro-
nunciamento é insuficiente para promover o bem comum.
Tais sao, em rápidas linhas, as notas características da
«Declaragáo Universal dos Direitos do Homem» de 1948. Muito
lucrariam os povos se a observassem fielmente; mais ainda...,
se a coroassem com a fé em Deus e na obra da Redengáo por
Cristo!

Apéndice

Para facilitar ao leitor o estudo do assunto, segue-se aqui o texto


integral da «Declaracáo dos Direitos do Homem e do Cidadao» votada
pela Assembléia Constituinte Francesa aos 26 de agosto de 1789.
«Os representantes do povo francés, constituidos em Assembléia
Nacional, compreendendo que a ignorancia, o esquecimento e o des-
prézo pelos direitos do homem sao a única causa da infelicidade pu
blica e da corrupcáo do govérno, decldiram expor numa Declaracáo
solene os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da Homem, a fiín
de que essa Declaragáo, estando sempre presente em todos os mera-
bros do carpo social, lhes lembre os scus direitos e deveres, e para
que todos os atos dos poderes legislativo e executivo, podendo em
qualquer momento ser comparados com o fim de toda a instituicáo
politica, sejam sobretudo respeitados, e a íim de que as reclamacSes
dos cidadáos, fundadas desde agora em principios simples e incontes-
táveis, tendam sempre á inviolabilidade da ConstituicSo e á felicidade
de todos.

— 56 —
«DECLARACAO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM»

Em conseqüéncia, a Assembléia Nacional reconhece e declara,


sob os auspicios e na presenca do Ser Supremo, os seguintes direitos
do Homem e do Cidadáo :

Art 1' —Os homens nascem livres e iguais em direitos. e as dis-


ting8es sociais nao se podem fundar senáo na utilidade comum.
Art 2» —Toda sociedade política tem por íim conservar os direi
tos natúrais e imprescritiveis do homem. Estes direitos sao a liberdade,
a propriedade, a seguranca e a resistencia contra a opressáo.
Art. 3» o principio de toda a soberanía reside essencialmente na
nacáo. Nenhum individuo ou corporacáo pode exercer autoridade que
nao provenha expressamente déla.
Art 4* — A liberdade consiste em se poder fazer tudo aquilo que
nao nreiudiquo a outrem; portante o exercício dos direitos natúrais
do Homem fica apenas limitado por aqueles que assegurem aos outros
membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites só
podem ser determinados pela lei.
Art 5« —A lei só tem o direito de proibir as ac5es nocivas á socie
dade Nada pode ser impedido que nao esteja vedado pela lei, e nin
guém pode ser obrigado a executar o que a lei nao ordene.
Art 6» —A lei é a expressSo da vontade geral. Todos os cidadaos
tém o direito de contribuir para a sua elaboracáo, quer pessoalmente,
auer por representac&o. A lei deve ser igual para todos, quer proteja
quer castigue. Todos os ddadaos sao iguais entre si. e tém igualmente
o direito de concorrer a tñdas as dignidades, cargos ou empregos, con
forme a, sua capacidade. sem outra distincao que nao. seja á sua vir-
tude ou o seu talento.
Art 7« —Ninguém pode ser acusado, detido nem preso senáo nos
casos determinados pela lei e conforme as formalidades neste pres
critas. Aquéle que solicite, expeca ou faca executar ordens arbitrarias
deve ser castigado; mas todo cidadao requerido ou preso pela leí deve
obedecer imediatamente, e qualquer resistencia implica culpa.
Art 8" — As leis só devem estabelecer as penas estrita e evidente
mente necessárias. e ninguém pode ser castigado em virtude de urna
lei promulgada posteriormente ao delito cometido e que nao seja legal-
mente aplicada.
Art &> — Todo homem se presume inocente antes de ser declarado
culpado'; mas, se a sua prlsao fór considerada indispensável, todo rigor
excessivo na detencáo da sua pessoa deverá ser severamente reprimido
pela lei.
Art 105 —Ninguém há de ser incomodado pelas suas opinioes,
embora'sejam religiosas, contanto que a manifestacáo das mesmas
nao perturbe a ordem pública estabelecida pela leí.
Art 11' —A livre emissáo das opinióes e dos pareceres é um dos
direitos mais preciosos do homem; portento todo e qualquer cidadáo
pode falar. escrever e imprimir livremente, salvo nos casos em que o
abuso desta liberdade implique urna responsabilidade determinada
pela lei.
Art. 12«—É necessária urna fórca pública para garantir os direi
tos do Homem e do Cidadao; esta fórga é, portanto, instituida em bene-

— 57 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962. qu. 2

iício de todos, e nao para uso particular daqueles a quem estiver


confiada.
Art. 13' — Para a manutengao da fórga e para as despesas da
administrado, é indispensável urna contribuigáo comum, contribulgáo
que deve ser repartida entre todos os cidadáos em harmonía com as
suas posses.

Art. 14' —Todos os cidadaos tém o direito de verificar diretamente


ou por intermedio dos seus representantes a necessidade da contribui-
cáo pública, consentir-lhe livremente, fiscalizar o seu uso e determi-
nar-lhe a qualidade, a quota, o meio de pagamento e a duracáo.
Art. 15' — A sociedade tem o direito de exigir contas da sua admi-
nistracáo a todos os funcionarios públicos.
Art. 16» — Nao tem urna Constituigáo a sociedade em que a garan
tía dos direitos nao estiver assegurada, nem devidamente determinada
a separagáo dos poderes.

Art. 17' —Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado,


ninguém déla poderá ser privado senáo em razao de utilidade pública,
legalmente justificada, e mediante justa e previa indenizagáo».

MÁE DE FAMILIA (Belo Horizonte) :

2) «Por vézes também se fala da 'Declaracao dos Direitos


da Crianca', sem.que o público tenha exata nocáo désse docu
mento. Parece, portante, oportuno divulgá-lo com urna pe-
quena introducá»».

A «Dedaragáo dos Direitos da Crianga» foi aos 20 de novembro de


1959 unánimemente promulgada pelos representantes de 78 nagóes
membros da ONU (Organizagao das Nag6es Unidas). — Para ser de
vidamente apreciada, íaz-se mister reconstituir brevemente alguns de
seus precedentes históricos, aos quais, alias, o próprio documento alude.

1. Precedentes históricos

1. Logo após a guerra mundial de 1914/18, a miseria e a


fome afetaram de tal modo os povos beligerantes, principal
mente os vencidos, que as criangas foram vitimas da mortan-
dade em proporgóes assustadoras. A calamidade era particular
mente impressionante, pois imediatamente antes do confuto
mundial os estudiosos e educadores de diversas nacóes haviam
proclamado a necessidade de se respeitar a personalidade da
crianga, aplicando-se-lhe os resultados benéficos dos modernos
estudos de pedagogía, psicología, medicina, etc. — Em vista da
aflitiva situacáo, fundaram-se entáo Sociedades de protegáo a
crianga, das quais urna das mais famosas ficou sendo a «Uniáo
Internacional de Socorro as Criangas», instituida em Genebra

_ 58 —
«DECLARACAO DOS DIREITOS DA CRIANCA»

no ano de 1920 com o apoto de vinte nagóes : Alemanha, Arme


nia, Bulgaria, Polonia, Turquía, Servia, Croacia, Italia, Franca,
Inglaterra, Roménia, Países-Babeos, Noruega, Letónia, Suíga,
Eslavóniá, Suécia, Irlanda, Hungría e Finlandia. Essa Socie-
dade conseguiu em menos de tres anos arrecadar a quantia de
80 milhóes de francos-ouro em beneficio das criangas necessita-
das do mundo faminto; além disto, elaborou urna especie de
«Magna Carta da Crianga» chamada «Direitos da Crianga» ou
«Declaragáo de Genebra», que foi transmitida ao mundo inteiro
pelo Sr. Gustavo Ador na estagáo radio-telegráfica da Torre
Eiffel de París aos 21 de novembro de 1923. A essa Declaragáo,
a Assembléia plenária da entáo Liga das Nagóes deu a sua apro-
vagáo aos 26 de setembro de 1924. Eis o seu teor:

«Art. 1» — Todas as criangas devem gozar das condigdes necessá-


rias para seguir normalmente o seu desenvolvimiento íisico e espiritual.
Art. 2» —Em casos de calamidade pública, a crianga, em quem
reside o futuro da humanidade, deve ser protegida de preferencia ao
adulto.
Art. 3g — A crianga faminta deve ser alimentada; a doente, tra
tada; a ignorante, instruida; a órfá. abandonada ou em perigo mortal
deve ser socorrida e auxiliada convenientemente.
Art. A" — A crianga deve ser posta em condigñes de ganhar a vida
por si própria, quando tenha idade para tal, e deve ser protegida
contra qualquer exploracSo.
Art. 5* — A crianga deve ser educada de modo tal que ponha as
suas mais altas e melhores qualidades ao servigo dos seus semelhantes
e para que cuide de enriquecer com o seu esf&rgo o patrimdnio comum
da Humanidade, heranga que tem de transmitir-se ás gerag5es futuras>.

Como se vé, retos e dignos de encomio sao os principios


enunciados em tal documento, embora ainda um tanto tímidos
e lacónicos.

2. Após a segunda guerra mundial, nao menos lamentá-


vel era a situagáo da crianga nos países afetados pelo confuto.
Em conseqüéncia, o Conselho Económico e Social das Nagóes
Unidas foi em 1946 solicitado a intervir : um apelo de persona
lidades públicas lhe fazia ver que a Declaragáo de Genebra «de-
veria tanto quanto em 1924 obrigar os povos hoje em dia».
Duas Comissóes do Conselho — a Comissáo Social e a dos Di
reitos Humanos — foram entáo encarregadas de redigir nova
Declaragáo, ainda mais explícita do que a anterior e mais adap
tada as necessidades dos nossos días. O texto assim elaborado
foi submetido ao Comité Social, Humanitario e Cultural da As
sembléia Geral, que o retocou e finalmente para ele obteve a
aprovagáo do plenário (78 nagóes unánimes) em 1959.

— 59 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962, qu. 2

Seguem-se abaixo os dizeres dessa nova manifestagáo :

DECLARA£ÁO DOS DIREITOS DA CRIANZA

PREÁMBULO

«VISTO que os povos das Nacoes Unidas, na Carta, reafirmaran!


sua lé nos direitos humanos fundamentáis, na dignidade e no valor
do ser humano, e resolveram promover o progresso social e melhores
condigdes de vida dentro de urna liberdade mais ampia, *

VISTO que as Nac8es Unidas, na Declarag&o Universal dos Direi


tos Humanos, proclamaram que todo homem tem capaddade para
gozar dos direitos e das liberdades nela estabelecidos, sem distincao
de qualquer especie, seja de raga, cdr, sexo, lingua, religiao, opiniáo
política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nas-
cimento ou qualquer outra condicáo,

VISTO que a crianca em decorréncia de sua imaturidade íísica e


mental, precisa de protegió e cuidados especiáis, inclusive protec&o
legal apropriada, antes e depois do nascimento,

VISTO que a necessidade de tal protegió foi enunciada na Decla


racao dos Direitos da Crianca em Genebra, de 1924, e reconhecida na
Declaracao Universal dos Direitos Humanos e nos estatutos das agen
das especializadas e das organizac5es internacionais interessadas no
bem-estar da crianca,

VISTO que a humanidade deve á crianca o melhor de seus


esforcos,

Assim a Assembléia Geral

PROCLAMA esta Declaracao dos Direitos da Crianca, visando que


a crianca tenha urna infancia feliz e possa gozar, em seu próprio bene
ficio e no da sociedade, dos direitos e das liberdades aqui enunciados,
e apela a que os país, os homens e as mulheres em sua qualidade de
individuos, e as organizagóes voluntarias, as autoridades locáis e os
Governos nacionais reconhecam estes direitos e se empenhem pela sua
observancia mediante medidas legislativas e de outra natureza, pro-
gressivamente instituidas, de conformidade com os seguintes prin
cipios:
Principio 1*

A crianca gozará de todos os direitos enunciados nesta Dedaracaó.


Tfidas as criangas, absolutamente sem qualquer excegao, seráo credo-
ras déstes direitos, sem distincao ou discriminacao por motivo de raca,
cdr, sexo, lingua, religiáo, opiniáo política ou de outra, natureza, origem
nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra conalgao,
quer sua, quer de sua familia.

Principio 2»

A crianga gozará de protegao especial e ser-lhe-áo proporcionadas


oportunidades e facilidades por lei e por outros meios, a fim de lhe

— 60 —
«DECLARACAO DOS DIREITOS DA CRIANCA>

facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social,


de forma sadia e normal e em condicoes de liberdade e dignidade. Na
instituicáo de leis visando éste objetivo, levar-se-áo em conta, sobre-
tudo, os melhores interésses da crianga.

Principio 8*

Desde o nascimento, toda crianga terá direito a um nome e a urna


nacionalidade.
Principio 4'

A crianga gozará dos beneficios da providencia social. Terá direito


a crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto á crianca como á mae,
seráo proporcionados cuidados e protecáo especiáis, inclusive adequa
dos cuidados pré e pos-natais. A crianga terá direito a alimentagáo,
habitagao, recreacáo e assisténcia médica adequadas.

Principio 5*

A crianga incapacitada física, mental ou socialmente serao propor


cionados o tratamento, a educagáo e os cuidados especiáis exigidos
pela sua condigáo peculiar.

Principio 6'

Para o desenvolvimento completo e harmonloso de sua persona:


• lidade a crianga precisa de amor e cbmpreénsáo. Criar-se-á, sempre
que possível, aos cuidados e sob a responsabilldade dos pais e.em
qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de seguranga moral e
material; salvo circunstancias excepcionals. a crianca de tenra idade
nao será apartada da m6e. A sociedade e as autoridades públicas, ca
bera a obrigagáo de propiciar cuidados especiáis as criangas sem fami
lia e áquelas que carecem de meios adequados de subsistencia. E de-
sejável a prestagao de ajuda oficial e de outra natureza em prol da
manutengSo dos filhos de familias numerosas. ;

Principio 7*

A crianga terá direito a receber educacáo, que será gratuita e


compulsoria pelo menos no grau primario. Ser-lhe-á propiciada urna
educagáo capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em
condigoes de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidSes, sua
capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e
social, e a tornar-se um membro útil da sociedade.
Os melhores interésses da crianga seráo a diretriz a nortear os
responsáveis pela sua educagáo e orientacSo; esta responsabilidade
cabe, em primeiro lugar, aos pais.
A crianga terá ampia oportunidade para brincar e divertir-se,
visando os propósitos mesmos da sua educagáo; a sociedade e as auto
ridades públicas empenhar-se-áo em promover o gozo déste direito.

Principio 8»

A crianga figurará, em quaisquer circunstancias, entre os primei-


ros a receber protegió e socorro.

— 61 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 50/1962, qu. 2

Principio 9*

A crianca gozará de protecáo contra quaisquer formas de negli


gencia, crueldade e exploracáo. NSo será jamáis objeto de tráfico, sob
qualquer forma.
Nao será permitido á crianca empregar-se antes da idade mínima
conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido
empenhar-se em qualquer ocupacáo ou emprégo que lhe prejudique a
saúde ou a educacáo ou que interfira em seu desenvolvimento físico,
mental ou moral.

Principio 10'

A crianca gozará de protecáo contra atos que possam suscitar


discriminagao racial, religiosa ou de qualquer outra natureza. Criar-se-á
num ambiente de compreensáo, de tolerancia, de amizade entre os
povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciéncia de
que seu esfdrgo e sua aptidáo devem ser postos a servigo de seus
semelhantes.

Publicidade a ser dada a Declaradlo dos Dlreitos da Crianca

A ASSEMBLÉIA GERAL,

CONSIDERANDO que a Declaracáo dos Dlreitos da Crianca apela


no sentido de que os pais, os homens e as mulheres em sua qualidade .
de individuos, e que as organizac6.es voluntarias, as autoridades locáis
e os Governos nacionais reconhegam os direitos ora enunciados e se
empenhem por sua observancia,

1») RECOMENDA aos Governos dos Estados membros, ás agen


cias especializadas interessadas e ás organizagSes nao-governamentais
competentes que se dé a publicidade mais ampia possível ao texto desta
Declaracáo;

2>) SOLICITA ao Secretario Geral que esta Declaragáo seja am-


plamente divulgada e, para isto, se empreguem todos os meios á sua
disposigáo para a publicagáo e a distribuicao do seu texto em tantos
idiomas quantos possiveis.»

A ONU publicou ésse documento com urna breve introdu


cto, da qual vai aqui destacado o seguinte tópico:

«Tal como a Declaragáo Universal dos Direitos Humanos, a Decla-


racáo dos Dlreitos da Crianga enuncia um padrao a que todos devem
aspirar. Aos pais, a cada individuo de per si. ás organizag6es volunta
rias ás autoridades locáis e aos governos, a todos, enfim, se apela no
sentido de reconhecer os direitos e as Hberdades enunciados e que
todos se empenhem por sua concretizacáo e observancia.»

Os principios assim enunciados condizem profundamente


com as normas da consciéncia crista. É de lamentar, porém,
que na base de tantas afirmagóes sabias e merecedoras de

— 62 —
MARÍA SSMA. NA PIEDADE CRISTA

aplauso nao naja a menfiáo sequer do santo nome de Deus. Na


verdade, «se o Senhor nao construir a casa, em váo trabalharáo
os que se empenham por construi-la» (SI 126,1).
Mesmo redigida como está, possa a «Declaragáo dos Direi-
tos da Crianza» servir para nortear os passos da sociedade mo
derna, em que tanto se fala de subtracáo da crianga ao lar ou
ao patrio poder, educagáo pelo Estado em lugar de educagáo
pela familia, controle da natalidade, aborto oficializado, etc.!

II. DOGMÁTICA

SILVIO (Rio de Janeiro):

3) «A Mariologia nao constituí um entrave para a ver-


dadeira piedade ? Desvia de Cristo a atencáo dos fiéis, criando
obstáculos a urna devocao cristocentrica».

Desde cedo na era crista, a atencáo dos fiéis se voltou para Maria,
Mae" de Jesús, o, conseqüentemente, Máe de Deus leito homem
(theotókos, em grego); el. «P. R.» 6/1957, qu. 3. A piedade para com
Maria se foi desenvolvendo no decorrer dos séculos, á semelhanca do
que se dá com as potencialidades de urna sementé destinadas a se
desabrochar lentamente. Nos últimos tempos, as expressoes de devocao
tnariana chegaram ao auge; tomadas em si mesmas ou independen-
temente do seu quadro real, podcrlam causar estranheza, dando talvez
a crer que os fiéis admitem dois Mediadores — Cristo e Maria — ou
prestam a Maria o culto que só a Deus convém.
De antemáo seja dito de maneira peremptória: a teología cató
lica professa um único Mediador entre Deus e os homens — Jesús
Cristo (cf. 1 Tim 2,5) — e rejeita qualquer forma de devocao a Maria
que se possa confundir com a adoracáo devida a Deus só. Maria'é
criatura; por isto todo o apreco que os fiéis lhe dedicam, tem que se
referir, em última análise, ao Criador ou a Deus.
Feita esta observacSo, procuremos averiguar como se poderia de
linear a genuína atitude dos fiéis frente a Maria ou o lugar que a
piedade para com Maria deve ocupar na vida crista. A seguir, acres-
centar-se-á algo a respeito das duas tendencias da Mariologia con
temporánea.

1. A genuína devocao a Alaria

Todo cristáo é chamado a reproduzir em si a imagem do


Cristo Jesús, ao qual o Pai quis nos tornássemos configurados
(cf. Rom 8, 29). Em conseqüéncia, a espiritualidade crista é
essencialmente cristocentrica, ou seja, voltada para Cristo, o
Primogénito dentre muitos irmáos (cf. Rom 8,29). O cristáo
tem que prolongar em si os séntímentos do Cristo Jesús (cf.

— 63 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962, qu. 3

Flp 2,5): é Cristo quem néle vive, padece e triunfa (cf. Gal
2,20; Col 1,24; Flp 4,13).
Ora o cristocentrismo da piedade crista, entre outras con-
seqüéncias, há de acarretar a seguinte : em relagáo á Máe de
Jesús — María — o cristáo procurará comportar-se como um
outro Jesús. A própria devogáo a Cristo, ou melhor, a identifi-
cagáo com Cristo o levará a estimar María; ele entáo cultivará
em si o afeto filial e a ternura dedicada que o Senhor Jesús
nutria para com sua Máe Santíssima.. Em outros termos: o
genuino cristáo nao pode deixar de alimentar em si urna pro
funda piedade mariana; tal piedade contudo jamáis será inde-
pendente da piedade para com Cristo, nem anterior a esta
(como se os fiéis passassem de María a Jesús, e de Jesús ao
Pai), mas será toda iluminada pela perspectiva de Cristo, toda
vivida por causa de Jesús.

Eis como D. Columba Marmion, que tanto explanou a nossa íilla-


cáo adotiva em Cristo, expde a doutrina ácima:
«Nossa perfeicüo se deve avahar pelo nosso grau de semelhanca
a Jesús Cristo... Ora o amor e o respeito de Jesús para com sua Máe
eram imensos; por conseguinte, devo procurar Imitar Jesús nesse
ponto».
«Devemo-nos tornar pela graca o que Jesús é por natureza : íilho
de Deus e íilho de Maria».
«Há dois atributos fundamentáis que constituem. por assim dizer,
a esséncia do Homem-Deus; imitá-los, reproduzi-los em nos, eis a
esséncia da nossa santidade : Jesús é 'Filho do Pai1 e 'Filho de Maria'.
Quanto mais fórmos, por Jesús, 'filhos do Pai' e 'filhos de Maria',
tanto mais participaremos da sua santidade infinita, tanto mais sere
mos perfeitos» (textos transcritos da obra de M. M. Philipon, La doc
trine spirituelle de Dom Marmion. Paris 1954, 286. 299).
A respeito das relacSes de Jesús com Maria nos SS. Evangelhos,
cf. «P. R.» 6/1958, qu. 8.

Desta forma a devogáo para com Maria aparece arraigada


no ámago mesmo da vida crista; longe de constituir uma etapa
medianeira ou preliminar na demanda de Cristo, ela vem a ser
a expressáo mais obvia da insergáo em Cristo que constituí a
arteria central da vida sobrenatural. O cristáo renasce em
Cristo (nada é anterior a Jesús, entre os mananciais da vida
crista); é também em Cristo que o fiel desenvolve a sua vida
espiritual; por isto mesmo é ele devoto de Maria; a piedade para
com a Máe de Jesús nao divide a atengáo do cristáo, mas, ao
contrario, é toda inspirada e canalizada pela piedade para com
Jesús.

«Jesús Cristo é nosso modelo. Assim como encontramos néle o


modelo períeito do Filho de Deus, néle também encontramos o modelo
perfeito do filho de Maria».

— 64 —
MARÍA SSMA. NA PIEDADE CRISTA

«Jesús amou e honrou sua-Mae. A nos toca honrá-la, amá-la, rego:


zijar-nos por todoa os seus privilegios». «... Amemos Maria mais que
todas as genttoras... Maria vé Jesús em cada um de nos» (D. Mar-
mion, ob. cit. 301).

É na base destas idéias que se fala da «maternidade espi


ritual» de María em relacáo ao género humano. As palavras
«Eis teu filho» que Jesús proferiu a Maria indicando Joáo Evan
gelista (cf. Jo 19, 26), recobrem todos os homens na medida
em que cada um é irmáo de Jesús, seja por afinidade de hatu-
reza (todos sao filhos de Adáo), seja por afinidade sobrenatu
ral (em virtude do batismo).

Pode-se ainda observar que a piedade para com Maria leva espon
táneamente os íiéis a procurar reproduzir em si as virtudes da Máe de
Jesús (ninguém é verdadeiro devoto dos santos, caso nao seja também
zeloso imitador dos mesmos). Na verdade. as virtudes de Maria nao
sao senáo facetas da plenitude de perfeicáo de Jesús mesmo (cf. Jo
1,16); considerando a vida de Maria nos quadros que a Escritura Sa
grada sucessivamente descreve (desde a Anunciacá» do Anjo até a
descida do Espirito Santo em Pentecostés), os liéis vao contemplando,
em última análise, a maneira concreta como a Vitoria de Cristo se rea-
lizou na mais digna das criaturas: a humildade de Maria, seu devo-
tamento & obra da RedencSo, sua perseveranca na fé, sua paciencia no
sofrimento sao licaes que devem levar os fiéis a concretizar em sua
vida pessoal a figura de Jesús; é. em última instancia, o Cristo que os
fiéis contemplam em Maria e é a Cristo que Maria os quer fazer chegar.
A devocáo a Maria, assim como procede da uniáo do cristáo com Cristo,
deve terminar em aumento dessa mesma uniáo com o Senhor.
Destarte a verdadeira devocáo mariana consistirá em que cada
cristáo se torne para Maria um outro filho, um «outro Cristo», o que
só se pode dar por efeito de urna identificacao crescente com Cristo
ou na base de urna piedade estritamente cristocéntrica.
A propósito muito se recomenda a citada obra de Philipon : «A dou-
trina espiritual de D. Marmion» (traducSo brasileira da Ed. AGIR), no
cap. «A Mae de Cristo».
As concepcdes até aqui propostas podem ser oportunamente ilus
tradas pela consideracSo das

2. Duas tendencias da Mariologia contemporánea.

A historia dos estudos marianos tem suas fases bem caracterís


ticas, através das quais se foi desenvolvendo a riqueza doutrinária con-
tida no grao de mostarda ou na sementé da Revelacáo primitiva; as
proposicOes referentes a Maria foram sendo sucessivamente afirmadas
no decorrer dos séculos, nao como novas verdades de fé, mas como
explicitacocs de verdades já professadas no credo inicial da Cns-
tandade.
Assim se distinguem
o periodo patrístico, em que os grandes bispos e defensores da fé
na Igreja primitiva elaboraram os primelros dados da Mariologia :
muito focalizaram o paralelismo entre Maria e a Igreja, ambas reali-

— 65 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962, qu. 3

zando a funesto da Maternidade em relacSo a Cristo (Maria por obra


do Espirito Santo gerou o Cristo físico; a Igreja, por obra do mesmb
Espirito, que age através dos sacramentos, gera o Cristo místico ñas
almas). O periodo atingiu seu apogeu no concilio de Éfeso (431), quando
íoi definida a divina maternidade de Maria. Seguiu-se
o periodo dos pregadores orientáis (até o séc. IX): falando aos fiéis
por ocasiao das íestas de Maria. os teólogos e pastores de almas foram
exaltando as prerrogativas da Máe de Deus: preservacáo de todo pe
cado, assuncjto corpórea aos céus, aspectos de seu poder interces-
sor Vieram
os sáculos XII o XIII no Ocidente, em que S. Anselmo, S. Ber
nardo, S. Boaventura deram notável incremento á piedade para com
María, realcando seu papel no plano divino;
do fim do séc. Xin a meados do séc XVI, a teología em geral se
viu depauperada pela baixa do nivel filosófico e cultural da época;
em fim do séc. XVI registrou-se um surto dos estudos marianos,
entrando muito em foco a Imaculada Conceic&o; o movimento partiu
da Espanha e atingiu o seu auge entre 1630 e 1650; teve, porém, o seu
lento declínio, de sorte que no comégo do séc. XIX a literatura refe
rente a Maria era escassa e de fraco conteúdo.
Por volta de 1840 recomegou a ascensao: aparecimento da Ima
culada e comunicacáo da Medalha Milagrosa a Sta. Catarina Labouré,
em 1830; definicáo da Imaculada, em 1854; aparicóes da Imaculada
em Lourdes (1858).
No Inicio do séc. XX novo Impulso fol dado & Mariologia, Impulso
que, a partir de 1930, como se sabe, tomou vulto inédito na historia da
Teologia.

Hoje em dia duas sao as diretivas predominantes nos estu


dos concementes á Santa Máe de Deus : a tendencia que se po-
deria chamar «Cristotípica», e a «eclesiotípica». A primeira,
representada principalmente por teólogos espanhóis, procura
explanar tudo que há de original e próprio em Maria, tendendo
a colocá-la num plano que transcende o das demais criaturas
e o da Igreja; Maria aparece assim como colaboradora intima
mente associada á obra de Cristo e da Redencáo (é essa tenden
cia que muito promove os estudos sobre a «Corredentora, a Me-
dianeira Universal»...).
A orientagáo eclesiotípica, professada principalmente por
teólogos alemáes, tende, ao contrario, a ver o que há de comum
entre Maria e a Igreja; Maria é tida entáo como prototipo e mi
niatura da Igreja («Ecclesia»). Tal corrente é milito mais
bíblica e tradicional,... mais segura e consuntiva, porque
menos sutil e abstraía. Tomou forte Incremento nos últimos
anos, de certo modo em reagáo contra divagagóes académicas
da tendencia «cristotípica»; é sobria e reservada em suas pu-
blicagóes, ao passo que a corrente cristotípica se mostra ex
traordinariamente fecunda e prolixa. A orientagáo eclesiotípica
merece todo encomio por ser urna expressáo da volta as fontes

— 66 —
COMO INTERPRETAR O APOCALIPSE ?

muito acentuada entre os fiéis católicos contemporáneos (cf.


«P. R.» 20/1959, qu. 3). É na diregáo eclesiotípica que se deve
desejar o desenvolvimento dos estudos marianos.

Alias, o paralelo «Maria-Igreja» vena a ser o ponto de encontró


de dois outros paralelismos focalizados pelos cristáos antigos e medie-
vais : «Eva-Maria» e «Eva-Igreja». Maria e a Igreja representan! reali-
zac.des grandiosas e sucessivas de urna realidade única e básica: a
Matemidade sobrenatural, que gera Cristo e os cristáos. Acontece,
porém, que, desempenhando essa sua missáo, Maria e a Igreja nao
fazem senao reparar e restaurar a matemidade mesma que Eva pela
primeira vez representou na historia, mas representou de maneira
íalha, gerando para a morte, e nao para a vida. Assim Maria e a Igreja
constituem facetas de urna segunda Eva. verdadeira Mae dos vivos
(cf. Gen 3,20); por sua vez, Maria, a Igreja e Eva vera a ser concreti-
zacdes de urna realidade grandiosa e primordial — a Maternidade e
sua íuncao salvlíica no plano de Deus.
Fazendo eco, no setor da piedade, a essa corrente mariológica tra
dicional ou muito reabastecida pelas íontes, é que se sitúa o tipo de
piedade mariana indicada no primeiro parágrafo da presente resposta :
o cristáo deve mais e mais tornar-se um outro Cristo; em conseqüéncla
há de ser genuino «filho do Pai» e devoto filho de Maria.

Conhecendo éste belo aspecto da piedade mariana, os


irmáos separados já nao ressentiráo as dificuldades que lhes
causam certas formas de devogáo que o povo católico as yézes
cultiva com exuberancia, mas sem orientagáo teológica, formas
de devocáo, portante, pouco representativas da mente da Igreja.
Longe de ser aberragáo ou desvio, ve-se que urna piedade filial
para com María, a.Máe de Jesús, nao pode deixar de decorrer
da confíguragáo do cristáo ao Cristo Jesús. '

Note-se, alias, que a consideracao de Maria «Mae de Jesús» é pre


dominante na devocáo dos cristáos orientáis: as imagens oü icones dé
Maria costumam apresentar a Senhora com o Menino-Deus nos bracos.

m. SAGRADA ESCRITURA

M. S. S. (Rio de Janeiro) :

4) «Km nossos tempos, muito se tem lido e comentado o


Apocalipse de Sao Joáo, a fim de deduzir revela$3es para os
días presentes.
Será que de fato esse livro contení alguma profecía sobre a
época atual ? ... ou sobre a bomba atómica e o fim do mundo ?»

O Apocalipse (Revelacáo, em grego) é um livro cheio de imagens


e símbolos, redigido em fins do séc. I (no ano de 95 aproximadamente)
pelo Apostólo Sao Joáo deportado na ilha de Patmos.

— 67 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962, qu. 4

Seria váo tentar interpretá-lo ou pretender compreender a sua


mensagem, se nao se reconstitulssem previamente as circunstancias
em que tal escrito teve arigem. Esta será, pois, a nossa primeira tárela
na presente resposta.

1. Circunstancias de origem do Apocalípse

1. No fím do séc. I tornava-se cada vez mais penosa a


situagáo dos cristáos disseminados no Imperio Romano.
Em verdade, o Senhor Jesús deixou éste mundo, intimando
aos discípulos aguardassem a sua volta gloriosa; nao lhes quis
indicar, porém, nem o dia nem a hora de sua vinda, pois esta
deveria ser tida como a de um ladráo que aparece imprevista
mente á meia-noite (cf. Mt 24,43; 1 Tes 5,2s); vigiassem, pois,
e orassem em santa expectativa. Todavía, apésar da sobriedade
das palavras de Jesús, os discípulos esperavam que a sua vinda
se desse em breve, enquanto ainda vivesse a geragáo dos Apos
tólos mesmos. A medida, porém, que se passavam os decenios,
essa esperanga se dissipava; a nao poucos parecía que Cristo
havia esquecido a sua Igreja e que váo era crer no Evangelho.
A situagáo se tornara ainda mais angustiosa desde que
Ñero, em 64, desencadeara a primeira perseguigáo violenta
contra os cristáos. «Ser discípulo de Cristo» equivalía, daquela
ocasiáo em diante, a ser tido como «inimigo do género hu
mano»; manifestava-se cada vez mais a oposigáo entre mentali-
dade crista e mentalidade paga, de modo que, vivendo em plena
sociedade paga, os cristáos tinham nao raro que se abster das
festas de familia, das celebragóes cívicas, dos jogos públicos, até
mesmo de certas profissóes e ramos de negocio (pois através de
todos ésses meios se exprimía a mentalidade politeísta e supers
ticiosa reinante).

Em particular, na Asia Menor o ambiente era carregado de maus


presagios : lá ia tomando proporcaes cada vez mais avultadas o culto
dos Imperadores, a ponto de se tornar a pedra de toque da iidehdade
de um cidadáo romano á patria.
Desde 195 a. C. a tídade de Esmirna possuia um templo consagrado
á deusa Roma; em 26 d. C. os esmirnenses ergueram outro santuario
em honra de Tiberio, Livio e do Senado.
Em Pérgamo, desde 29 a. C. fóra instituido o culto do Imperador.
A cldade de Éfeso, nos inicios do reinado de Augusto, construirá
um altar dedicado a éste soberano no recinto do «Artemision» ou
templo de Diana.
Os habitantes da Asia Menor eram especialmente inclinados a tal
forma de culto, pois se sentiam altamente beneficiados pelos gover-
nantes de Roma que haviam pósto~termo as guerras civis na regiao,
assegurando á populacho prosperidade na industria, no comercio e na
cultura em geral.

— 68 —
COMO INTERPRETAR O APOCALIPSE? ,

Ademáis, outro perigo para o Cristianismo se fazia notar


na Asia Menor em fins do séc. I. A gente dessa regiáo era do
tada de exuberante alma religiosa, de sorte que dava acolhida
nao sómente as religioes tradidonais do Imperio e ao Cristia
nismo, mas também a formas de culto ditas «dos misterios»
(de Mitra, Cibele, Apolo...), recém-trazidas do Oriente. Tais
misterios fascinavam pela sua índole secreta e por suas pro-
messas de divinizagáo.
Ésse estado de coisas permite tirar a seguinte conclusáo :
na Asia Menor urna religiáo que, como o Cristianismo, profes-
sasse rigorosamente um Deus único e transcendente manifes
tado por um só Salvador, Jesús, devia necessáriamente defron-
tar-se em breve com formidável alianga de todas as fórgas do
paganismo : sistemas religiosos, interésses políticos, planos eco
nómicos deviam armar-se num combate unánime e cerrado con
tra o monoteísmo cristáo; ser discípulo de Cristo, em tais cir
cunstancias, significaría sofrer o odio e o boicote geral de pa-
rentes, amigos e concidadáos nao cristáos de tal modo que até
mesmo na vida cotidiana do lar o cristáo se sentiría sufocado
por causa de sua fé.
A situacáo sugería a nao poucos discípulos de Jesús ou a
apostasia em relacáo ao Divino Mestre ou urna especie de pacto
com as idéias do paganismo, de sorte a dar origem ao sincre
tismo religioso (caracterizado principalmente pelo dualismo ou
o repudio á materia que a mística oriental muito propaJava).
Foi em tais circunstancias sombrías que Sao Joáo quis es-
crever o Apocalipse.

2. A finalida<je do livro torna-se assim evidente.


O autor sagrado visava, ácima de tudo, alentar nos seus fiéis a
coragem depauperada; o Apocalipse, em conseqüéncia, é essencialmente
o livro da esperanza crista ou da confianca inabalável no Senhor Jesús
e ñas suas promessas de vitória.
Pergunta-se entSo: como terá Sao Joao procurado levantar o
ánimo e corroborar a esperanga dos leitores? Haverá, em nome de
Deus, prometido dias melhores aqui na térra em recompensa da íide-
lidade a Cristo, de maneira que quem lósse hostilizado por causa do
Senhor Jesús viria a ser estimado pelos concidadáos e acariciado por
prósperas condicóes de vida temporal (economía íeliz, saúde, sucesso
nos empreendimentos...) ?
É o que nos propomos examinar nos incisos abaixo, percorxendo
os diversos sistemas de interpretacáo do Apocalipse até hoje iormu-
lados. Comecaremos pelos que menos crédito merecem, a fim de ter
minar na explanagáo da germina mensagem do livro.

2. Como tem sido interpretado o Apocalipse ?


Em geral, os exegetas concordam entre si ao admitir que o Apos
tólo quis prometer a vitória íinal do Bem sobre o mal, dos justos sobre

— 69 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962, qu. 4

as maquinacñes dos pecadores, de Cristo sobre o Anticristo .. Diver-


gem porém, quando tentam indicar a época precisa em que o Apos
tólo terá situado essa Vitoria. As diversas teorías se agrupam sob os
títulos abaixo:

1) Sistema dito «escatológico» (ou do íim dos tempos);


2) Sistema da historia antiga (contemporánea a Sao Joáo);
3) Sistema da historia universal;
4) Sistema da «recapitulacáo».

Vejamos algo de cada um désses métodos de interpretagáo.

1) Sistema escatológico.

Os mais antigos intérpretes julgavam que o Apocaüpse se


referia a acontecimentos futuros ou, mais precisamente, aos
acontecimentos do fim dos tempos e da consumacáo do mundo
(perseguicóes e calamidades, apostasias, aparecimento do Anti
cristo, ressurreicáo dos mortos e juízo final...); o livro mostra
ría como a historia acabará com o triunfo do reino de Deus
sobre o pecado. Sendo assim, nao tinham a preocupagáo de re
lacionar os quadros do Apocalipse com episodios e personali
dades dos primeiros tempos da era crista.
Éste método de interpretagáo foi perdendo sua voga. Estéve
mais ou menos abandonado durante a Idade Media. É, porém,
de novo prestigiado do séc. XVI aos nossos dias. Nao poucos
intérpretes modernos tém por certo que as calamidades, as guer
ras e as perseguicóes anunciadas pelo Apocalipse se cumpriráo
ao pé da letra na última quadra da historia.

Em conseqüéncia déste principio, o comentador espanhol Ribeira


S. J. (1591), que está á frente de tal corrente entre os exegetas moder
nos, nao hesita em dar sentido literal, por exemplo, as cifras de 3 1/2
anos, 42 meses e 1260 dias ocorrentes no livro; julga que o Apocalipse
se compóe essencialmente de duas partes: a primeira. até o c. 11, des-
creveria as calamidades fináis anteriores ao reino do Antlcristo; a
outra, do c. 12 ao c. 19, prediria o reino do Anticristo e as persegulcSes
que éste há de desencadear. Por fim, os ce. 20-22 apresentariam a
consumacáo, isto é, os últimos embates de Satanás contra Cristo, o
triunfo do Senhor, a renovacáo do céu, da térra e da cidade de Jeru-
salém. Cf. «Commentarius in sacram beati loannis Apocalypsin». Sa
lamanca 1591.

Destarte o último livro da Sagrada Escritura correspon


dería ao primeiro : como o Génesis narra a origem das coisas,
assim o Apocalipse descreveria a sua consumagáo.

Nao seria necessário lembrar que principalmente as seitas «bíbli


cas» atuais, portadoras de profecías sobre a iminéncia do fim do

— 70 —
COMO INTERPRETAR O APOCALIPSE

mundo, exploram o sistema escátológico de exegese do Apocalipse,


como se éste livro desorevesse o que se está dando em nossos dias e o
que em breve se dará...

Feitas estas observacóes, pergunta-se: como entáo julgar


tal método de interpretacáo ?
Evidentemente o autor sagrado tem em mira levar aos seus
leitores urna mensagem de grande esperanga referente ao fim
dos tempos. Contudo é preciso reconhecer que nao afirmou a
sua tese sem guardar contato com a historia de sua época; ele
quis, sim, aludir a personagens e acontecimentos contemporá
neos aos seus leitores (o Imperador Ñero, a cidade de Roma, as
invasóes de bárbaros no Imperio...) a fim de se tornar ainda
mais claro e persuasivo a ésses leitores.
Por isto o sistema meramente escátológico deve ser tído
como insuficiente para traduzir toda a mensagem do Apo
calipse.
Ora justamente levando em conta as alusSes de Sao Joáo á historia
antiga, úma corrente de exegetas, também a partin do séc. XVI, enea-
becada por Henten O.P. (1547), proíessor da Faculdade de Louvain
(Bélgica), comecou a propor outro método de interpretacao, que serla o

2) Sistema da historia antiga.

Constitui quase a antítese do precedente, pois supóe que


Sao Joáo descreva os acontecimentos nao do fim, mas do inicio
da historia da Igreja ou, mais precisamente, a luta do judaismo
e do paganismo contra os discípulos de Cristo, luta que terminou
com a queda da Roma paga e o triunfo do Cristianismo; assim
o ciclo da historia considerada pelo Apocalipse encerrar-se-ia
nos séc. IV/V.
A título de ilustragao, vat aquí reproduzlda a exegese que nosoíe-
rece o famoso Bossuet (L'Apocalypse avec une explication. París
1689), um dos mais significativos representantes do sistema da histo
ria antiga:
Conforme ésse autor, o Apocalipse, em sua parte central (4,1-20,15),
compreenderia profecías assim distribuidas :

a) 4,1-8,12 — A punlcao do povo Judaico.

Preparacáo do castigo na visáo dos sete selos (6,1-8,1);


Execucao do castigo sob Trajano (98-117) e Adriano (117-
138) Imperadores simbolizada pelas duas primeiras trombetas
(8,7-9);
Manifestacáo dos motivos do castigo, através da terceira
e da quarta trombetas (8,10-12).

— 71 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962, qu. 4

b) 9,1-12 — As heresias oriundas do judaismo (seriam os gafa-


nhotos anunciados pela quinta trombeta).

c) 9,13-20,15 — A ruina do Imperio Romano.

A queda do Imperador Valeriano (253-260), proclamada


pela sexta trombeta (9,13-21);
Na visáo da sétima trombeta, Sao Joáo denuncia a-causa
da ruina do Imperio: sao as perseguigóes movidas contra os
cristáos (11,15-18);
A mais veemente dessas perseguicoes se deve ao Impera
dor Dioclesiano (284-305). que, conforme Bossuet, é a bésta
caracterizada pelo número 666 (13,18), número que Bossuet
assim reconstituí:

DI o CL es a V g V st V s

501 + 150 + 5 + 5 + 5 = 666

A decadencia final do Imperio desde Valeriano (+260) até


o invasor godo Alarico (410), simbolizada pelas sete tagas
(15,6-16,21).

Como se vé, a exegese de Bossuet, descendo a pormenores dema


siado precisos, nao pode evitar arbitrariedades mais ou menos fanta-
sistas. Exerceu, porém, grande influencia sobre comentadores subse-
qüentes.

O critico francés E. Renán (L'Antéchrist. Paris 1871) desenvolveu


ainda com mais minucias tal tipo de exegese. Assim o texto de 6,6 alu
diría á carestía de víveres verificada no ano do 69; 8,7 referír-se-ia a
tempestades registradas nos anos de 67, 68 e 69; em 8,8 a montanha
incandescente significaría a ilha vulcánica de Tera; 8, 10 indicarla um
meteoro cuja queda sobre a térra foi relacionada com a infeceáo de
algum reservatório de aguas; 8, 12 aludiria a eclipses ou a um tre
mendo temporal ocorrido a 10 de Janeiro de 69; em 9,2 o poco do
Abismo seria talvez a «solíatara» de Pozzuoli; no c. 11 as duas teste-
munhas seriam personagens importantes da comunidade de Jerusa-
. lém...!

Muitas outras tentativas de minucias exegéticas se pode-


riam ainda referir aquí. Dado, porém, o seu caráter ora mtis,
ora menos arbitrario, a enumeragáo teria pouco interésse. Por
isto, passamos ¡mediatamente á considéraselo do

3) Sistema da historia universal.

Foi na Idade Media que éste método coinegou a ser apre-


goado. O Apocalipse apresentaria, sob a forma de símbolos,
tuna visáo-completa de toda a historia do Cristianismo : descre-
véria sucessivamente os principáis episodios de cada época e do
fím do mundo. Como se compreende, múltiplas sao as modali-

— 72 —
COMO INTERPRETAR O AFOCALIPSE ?

dades désse tipo de interpretagáo... Eis urna ou outra das mais


características :

Conforme o primeiro arauto da corrente, o Abade Joaquim de


Flore (+1201) o Apocalipse abrange sete visóes... Estas correspon-
dem aos sete estados dos íiéis que vém sucessivamente marcando a
historia da Igreja: os Apostólos, que fundaram as primeiras comuni
dades cristas; os mártires, que com o seu sangue confirmaran! a vida
crista durante os tres primeiros séculos; os doutóres, que iluminaram
a Igreja com os seus ensinamentos, nos séc. IV/V; os eremitas, que por
suas virtudes ediflcaram a Igreja; as virgens, que a ornamentaram;
os Pontífices, que a governaram sabiamente; os santos, que por suas
palavras e seus exemplos tém reerguido o ánimo de seus irmaos na
fé. — Como se percebe, assaz vaga e arbitraria é essa sucessao de
estados e épocas.

Em plena Idade Media, Nicolau de Lira (+1340) dava nova for-


mulacáo á exegese de Joaquim de Fiore: os sete selos do Apocalipse
reriresentariam o periodo da historia que vai desde Cristo até Juliano
o Apóstata ("361-363); as sete trombetas corresponderían! á época
desde Juliano até Maomé (+ 632); as sete tacas abrangeriam os sé-
culos desde Carlos Magno (800-814) até Henrique IV da Alemanha
(1056-1106). O lim do mundo nao estarla longe da época em que vivia
Nicolau (séc. XIV).
Eis outros pormenores sugeridos por éste exegeta: a medicao do
templo e do altar em Apc 11,1 significarla a instituicao da festa da
dedicacáo das igrejas por iniciativa do Papa Félix; a abertura do
Templo celeste em Apc 11,19 designarla a instituigáo da festa da Puri-
íicacáo de María; as duas testemunhas de Apc 11 serian» o Patriarca
Menas de Constantinopla e o Papa Silvério (536-537); a mulher do
c 12 seria a igreja de Jerusalém atormentada por Cósroas, reí dos
persas o qual em 605 devastou as térras católicas, principalmente
Jerusalém • o filho gerado por éssa. mulher simbolizarla o Imperador
Heráclio (610-641), muito amigo da Igreja; o encarceramento de Sata
nás em 20,1-3 coincidiría com a fundacáo da Ordem dos Frades Prega-
dores (Dominicanos)!
Comentarios a ésse comentario seriam supérfluos!

Entre os contemporáneos, tal método exegético tem encon


trado porta-vozes ardorosos.
Haja vista, por exemplo, J. du Plessis, professor de Direito
ñas Facilidades de Angers, que em 1937 publicou dois tomos in
titulados «Les derniers temps d'aprés l'históire et la propheüe».-
Conforme éste autor, as sete cartas iniciáis do Apocalipse (ca
2-3) descrevem sete fases da historia da Igreja; os sete selos
representam sete etapas que a Igreja deve percorrer; as sete
trombetas sao sete tremendas provacóes que Ela há dé padecer;
as sete tacas sao sete castigos infligidos aos inimigos de Detis
aqui na térra. — Quanto as cartas, du Plessis as interpreta a
partir da etimología do nome dos respectivos destinatarios;
assim

— 73 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962, qu. 4

a carta a ftfeso (2,1-7), cidade do mandato ou envió


(«ephíemi», envió, em grego), corresponde á época dos Apos
tólos («apostólos» significa «enviado» em grego), ou seja, ao
pnnieiío sáculo da era crista;
a carta a Esmirna (2,8-11), cidade da mirra («smyrne»,
em grego), corresponde á época dos mártires (até o inicio do
séc. IV);
a carta a Pérgamo (2,12-17), cidade do pergaminho, cor
responde ao período dos grandes doutores ou Padres da Igreja
(até meados do séc. V);
a carta a Batirá (2,18-29), cidade do sacrifíció perpetuo
(«thyo», sacrifico; «ateirés», incessante), corresponde ao período
de colaboracáo do Sacerdocio e do Imperio (Alta Idade Media);
a carta a Sardes (3,1-6), cidade da purifica$ao («saro»,
varrer, limpar), corresponde á época da renovagáo tridentina
(séc. XVI);
a carta a Filadélfia (3,7-13), cidade da fraternidade hu
mana («phílos», amigo; «adelphós», irmáo), corresponde a
época da grande atívidade social e missionária da Igreja (época
moderna);
a carta a Laodicéia (3,14-22), cidade do julgamento dos
povos («laós», povo; «dike», justica) corresponde á época do
juízo final.
Sem ulteriores observagóes...

Também assaz curiosa é a interpretacSo das sete cartas iniciáis


nroposta por L. Poirier («Les sept Eglises ou le premier septénaire
nronhétique de l'Apocalypse». Montréal 1943) : levando em conta as
promessas formuladas no fim de cada urna das cartas, o autor as rela
ciona com os episodios sucessivos da historia do Antigo Testamento, de
um lado, e com os da historia da" Igreja, do outro lado. Assim
a carta a Éfeso, prometendo o fruto da árvore da vida (2,7), alu-
diria de um lado, ao paraíso inicial do Antigo Testamento e, de outro
lado,' aos primordios da historia da Igreja;
a carta a Esmirna, prometendo a isencao da segunda morte (2,11).
referir-seJa ao cativeiro de Israel no Egtto. de um lado, e, do outro
lado, ás perseguicOes que ilagelaram os tres primeiros séculos da
Igreja;
a carta a Pérgamo, prometendo o maná e aludlndo ao episodio de
Balaa (2,14-17), relacionar-se-ia com o éxodo do Egito e a conquista
de Canaa, de um lado, e, de outro lado, com a época das grandes lutas
doutrinárias contra as heresias (séc. IV-VII);
a carta a Tlatira, prometendo o cetro de ferro que despedaca as
nac5es (2,27), aludiría aos reinados de Davi e Salomáo, de um lado,
assim como ao íeliz periodo da Idade Media em que o Imperio pro-

— 74 —
COMO INTERPRETAR O APOCAIJPSE ?

curava colaborar com o Sacerdocio' na construc&o de urna grande


cCidade de Deus»;
a carta a Sardes, acenando a urna divisáo (em 3,4 refere-se a jus
tos que trajam vestes alvas, em oposigáo a fiéis que mancharam seus
trajes), aludirla ao cisma das dez tribos no Antigo Testamento e á
época moderna caracterizada pelo espirito de revolta dos homens
contra Deus;
a carta a Filadélfia, citando a coluna e o templo (3,12), faria men-
cáo do santuario de Jerusalém destruido pelos babilonios e restaurado
após o exilio (séc. VI-V a. C.); do outro lado, evocarla a persegulcáo a
ser desencadeada pelo Anticristo no íim dos tempos;
a carta a Laodicéia, prometendo um* trono (3,21), aludirla á dinas
tía dos asmoneus no Antigo Testamento e a vinda gloriosa de Cristo
no íim dos tempos.

Outro espécimen désse método exegético, espécimen que


manifesta em grau máximo o seu caráter arbitrario e váo, é a
tese de Athon Bileham (pseudónimo que significa «mulo de
Balaá)», editada em Quito (Rep. do Equador) no ano de 1955,
com o título «Visiones del Apocalypsis. Agonía y Triunfo de la
Iglesia Católica en un próximo porvenir». O autor relaciona os '
sete selos com os sete sacramentos, as sete trombetas com sete
apostólos, as sete tacas com sete profetas e as sete cartas ini
ciáis com sete nagóes da historia atual discriminadas na se-
guinte ordem : Franga,. Espanha, Italia, Inglaterra, Bizáncio,
América espanhola, Austria. A comunidade de Filadélfia, por
nao ser repreendida na respectiva carta, representaría a Amé
rica espanhola e, mais precisamente, a capital do Equador,
patria do autor da tese. Assim, já «muito antes de Cristóváb
Colombo, Sao Joáo tena descoberto a América!» (A. Feuillet,
em «L'Ami du Clergé», 27 de abril de 1961, pág. 262).
Estas amostras de exegese já sao suficientes para eviden
ciar quanto é arbitrario e improvável o sistema de interpreta-
gáo do Apocalipse dito «da historia universal». Cada comenta
dor que o adota, julga estar vivendo na última fase da historia;
em conseqüéncia, o sistema tem que ser remodelado de sáculo
para século, a fim de que a época calamitosa era que se acha
o respectivo comentador possa ser a que precede imediatamente
o fim do mundo.
Após esta rápida visáo de panorama, parece chegado o
momento de expor o sistema que melhor traduz a mensagem
do Apocalipse.

3. O sistema da recapituJasao

1. Ao contrario do que se dá com os dois anteriores, éste


sistema é (assim como o primeiro) tradicional na historia da
exegese do Apocalipse.

— 75 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962. qu. 4

Parte da observagáo de que o número 7 dá a nota predo


minante ou a estrutura ao livro do Apocalipse (7 selos, de 6,1 a
8,1; 7 trombetas, de 8,2 a 11,15; 7 tagas, de 15,6 a 16,21). Ora,
pergunta-se, urna estrutura táo artificiosamente construida po-
derá ainda ser o reflexo imediato da historia tal como ela é
vivida pelos homens? Nao seria, antes, o fruto deum arranjo
lógico ou do trabalho de um espirito que reflete sobre os acon-
tecimentos e procura discernir alguns flos condutores por de-
baixo das diversas ocorréncias da vida cotidiana?

Baseados nesta consideragáo, os exegetas adeptos da «re-


capitulagáo» asseveram que o autor sagrado nao expóe os suces-
sivos acontecimentos concretos da historia do Cristianismo, mas
apresenta a realidade invisivel que se vai afirmando constante
mente por detrás dos episodios visíveis da historia. Em outros
termos : o Apocalipse apresenta (sob forma de símbolos) a luta
entre Cristo e Satanás, luta que é o fundo e a coluna dorsal de
toda a historia. Cada setenario (o dos selos, o das trombetas e
o das tagas) é conseqüentemente urna pega literaria completa
em si mesma; o número 7, alias, significa plenitude ou totali-
dade, segundo a mística dos antigos (note-se, por exemplo, que
em Apc 11,15-18 o toque da sétima trombeta assinala o juízo
final do género humano e o triunfo definitivo do reino de Deus;
nao obstante, o livro continua e a historia recomega no c. 12,
com a luta da Mulher contra o Dragáo). Apenas na parte final
do livro (ce. 21s) Sao Joáo terá introduzido algo de novo em
suas descrigóes, isto é, o triunfo definitivo do reino de Cristo
sobre o de Satanás, triunfo que implicará em ressurreigáo dos
corpos e renovagáo da natureza material que nos cerca.

Como se vé, segundo ésse sistema, o setenario das cartas iniciáis


(ce. 2-3) constituí um todo Independente do corpo do livro (ce 4-22);
é um exame de consciéncla redigido para as comunidades cristas da
Asia Menor existentes no íim do séc. I; tal exame de consciéncia nao
trata do ritmo da historia posterior, como fazem os setenarios se-
guintes.

Por conseguinte, as calamidades que o Apocalipse apre


senta a se desencadear sobre o mundo, nao háo de ser interpre
tadas ao pé da letra; antes, depreender-se-á o seu sentido á luz
das cenas de paz e triunfo que o autor sagrado intercala entre
as narrativas de flagelos (enquanto os justos padecem na térra,
há plena paz e seguranga no céu, conforme o Apocalipse). Justa-
pondo afligóes (na térra) e alegría (no céu), Sao Joáo quería
precisamente dizer aos seus leitores que as tribulagóes desta
vida estáo em relagáo estrita com a Sabedoria de Deus; foram

— 76 —
COMO INTERPRETAR O APOCALIPSE?

cuidadosamente previstas pelo Senhor, que as quis incluir den


tro de um plano muito harmonioso, plano ao qual nada escapa.
Em conseqüéncia, ao padecer as aflicóes da vida cotidiana, os
cristaos se deveriam lembrar de que tais adversidades nao es-
gotam toda a realidade, mas sao apenas as facetas externas e
visíveis de urna realidade que tem seu aspecto celeste e gran
dioso; as calamidades, portante, sob as quais os cristaos do pri-
meiro sáculo se sentiam prestes a desfalecer, nao os deveriam
impressionar; constituiam como que o lado avésso e inferior de
um tapete que, visto no seu aspecto auténtico e superior, é um
verdadeiro tapete oriental, cheio de ricas cores e belos desenhos.
Eis a forma de consoló que o autor sagrado quería incutir
aos seus leitores (nao só do séc. I, mas de todos os tempos da
historia): os acontecimentos que nos acometem aqui na térra
sao algo de ambiguo ou algo que tem duas faces: urna exterior,
visível, a qual é muitas vézes aflitiva e tende a nos abater; outra,
porém, interior, invisível aos olhos da carne (mas perceptivel
aos olhos da fé), a qual é grandiosa e bela, pois faz parte da lata
vitoriosa do Bem sobre o mal; é mesmo a prolongagao da obra
do Cordeiro que foi imolado, mas atualmente reina sfibre o
mundo com as suas chagas glorificadas (cf. c. 5).

No céu os justos nao se acabrunham com o que acontece de cala


mitoso na térra; antes, continuam a cantar jubilosamente a Deus por
que percebem o sentido verdadeiro das nossas tribuíales. Po's bem,
quer dizer Sao Joáo, essa mesma paz e tranqüilidade deve tornar-se
a partilha também dos cristaos na térra, pois, embora vivam no tempo
e no mundo presentes, já possuem em suas almas a eternidade e o céu
sob forma de germen (o germen da graca santificante, que é a se
menté da gloria celeste).
Asslm o Apocalipse oferece urna imagem do que é a vida do crls-
táo ou, mais amplamente, a vida da Igreja: é urna realidade simultá
neamente da térra e do céu. do tempo e da eternidade. Na medida em
que é da térra e do tempo, apresenta-se aflitiva; éste aspecto, porém,
está longe de ser essencial; no seu ¿mago, a vida do cristáo é celeste
e, como tal, é tranquila, & semelhanca da vida dos justos que no céu
possuem em plenltude aquilo mesmo que os cristaos possuem na térra
em germen.

2. Dentro desta perspectiva deveráo ser considerados os


números que parecem indicar períodos de tempo no Apocalipse
(3 1/2 anos, 42 meses, 1260 días, ocorrentes por exemplo no
c. 11; 1000 anos, no c. 20). Nao designam duracáo cronológica,
mas sao portadores de mensagem doutrinária religiosa.
Com efeito, 3 1/2 anos, 42 meses e 1260 días sao termos
equivalentes entre si; corresponden! á metade de 7 anos. Ora,

— 77 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962, qu. 4

sendo 7 o símbolo da totalidade, da perfeigáo e, por conseguinte,


da bonanga, a metade de 7 vem a ser o símbolo do inacaba-
mento e da dor. Portanto, 3 1/2 anos (e as expressSes equiva
lentes em meses e dias) no Apocalipse designam toda a historia
da Igreja na medida em que é algo de aínda nao rematado ou
na medida em que é luta penosa entre a primeira e a segunda
vinda de Cristo.
Mil anos, ao contrario (que em Apc 20, 1-6 caracterizam
o remado de Cristo na térra), designam essa mesma historia
da Igreja na medida em que é luta vitoriosa («mil» é um sím
bolo de plenitude, de perfeicáo; «mil felicidades», na linguagem
popular, sao «todas as felicidades»). Pela Redengáo na Cruz,
Cristo venceu o Príncipe déste mundo (cf. Jo 12,31), tornando-o
semelhante a um cao acorrentado, que muito pode ladrar, mas
que só pode morder a quem voluntariamente se lhe chegue
perto (S. Agostinho). É justamente esta a situagáo do Maligno
na época que vai da primeira a segunda vinda de Cristo ou no
decurso da historia do Cristianismo; por isto os tres anos e meio
que simbolizan! o aspecto doloroso désses sáculos (já estamos
no 20' sáculo), sao equivalentes a mil anos, caso queiramos
deter nossa atengáo sobre o aspecto feliz, transcendente ou ce
leste da vida do cristáo que peregrina sdbre a térra.
Assim se vé quanto seria contrario á mentalidade do autor
sagrado tomar ao pé da letra os mil anos do c. 20 e admitir um
reino milenario de Cristo visível na térra após o currícnlo da
historia atual.

Quanto á ressurrelcSo primeira e á ressurreicSo segunda que, con


forme Sao Joáo, constituem respectivamente o termo inicial e o termo
final désse milenio, nao sao duas ressurreig5es dos corpos. Faz-se mis-
ter entender essas express5es á luz de textos paralelos dos escritos joa-
neus, e, em particular, á luz de Jo 5,24-29, onde Jesús declara:

«Em verdade. em vetdade vos digo, aquéle que ouve a minha pala-
vra. passou da morte para a vida. Em verdade, em verdade vos digo,
que vem a hora, e j& velo, em que os mortos ouvtráo a voz do Filho
de Deus e os que a ouvirem viveráo Nao vos admiréis disto, pois
vem a hora em que ouvirao sua voz todos os que estáo nos sepulcros.
Os que praticaram o> bem, sairSo para a ressurreicao da vida; os que,
porém. praticaram o mal, sairáo para a ressurreicao do juizo».

Nesse trecho, o Senhor distingue duas ressurreicSes: urna, que se


dá «agora» («e Já veio»), no tempo presente, quando ressoa a pregagáo
da Boa-Nova; é espiritual, devida ao Batismo; equivale á passagem do
pecado original para a vida da graca santificante. A outra é simples-
mente futura e se dará no fim dos tempos, quando os corpos fdrem
beneficiados pela vida nova agora latente ñas amias.

— 78 —
COMO INTERPRETAR O APOCALIPSE ?

Por conseguinte, no Apc a ressurrelcao prlmeira é a passagem da


morte para a vida que se dá no Patlsmo de cada cristao, quando éste
comeca a vlver a vida sobrenatural ou a vida do céu era meio as lutas
da térra. A ressurreicao segunda é, sim, a ressurreicao dos corpos,
que se dará quando Cristo vler era sua gloria para julgar todos os
hornera e pdr termo definitivo a historia.

3. O sistema da recapitulacáo assim proposto merece


francamente ser preferido aos demais, pois é o que mais leva
em conta a mentalidade e o estilo do autor sagrado Sao Joáo;
éste, também no seu Evangelho, recorre as repetigóes ou ao
estilo de recapitulacáo em espiral (cf. E. Bettencourt, Para en
tender os Evangelhos, c. IX).

4. Contudo nlnguém negará as alusSes do Apocalipse a perso-


nagens da historia antiga (Ñero, a invasao dos bárbaros, Roma, Babi
lonia...). Mediante essas referencias, Sao Joáo nao tinha em vista
deter a atencáo do seu leitor sobre episodios da antlgüidade, mas
apenas mencionar tipos característicos de mentalidades humanas ou de
situagoes de vida que acompanham toda a historia da Igreja: assim
Ñero vem a ser o tipo dos soberanos políticos que persigam a Igreja
em qualquer época (há multas reproduces de Ñero através da histo
ria). Por lsto também o número 666 da bésta do Apocalipse, adversa
ria dos cristaos, equivale (segundo a interpretadlo mais provável) á
expressao Kalsar Nerón (Imperador Ñero); a bésta do Apocalipse
acompanha tdda a historia da Igreja, como «Ñero» a acompanha, por
que até o fim dos tempos haverá perseguigoes ao Cristianismo de-
sencadeadas pelos poderes políticos déste mundo (cf. «P.R.»
4/1958, qu. 6).
Roma e Babildnla, por sua vez, designam de manelra tiplea o po
derlo déste mundo que, com seus mil atratlvos de esplendor e prazer,
procura seduzir os discípulos de Cristo para o pecado. — A luta a que
Sao Joao assistiu, entre Roma paga e a Igreja, é evocada no Apoca
lipse nao por causa dessa luta mesma, mas dentro de urna perspectiva
mais ampia, isto é, a fim de simbolizar e predizer o combate perene
que se vai travando entre o poder diabólico e Cristo através dos sé-
culos, até terminar com a plena vitória do Senhor Jesús.

5. Estas consideragóes concorrem outrossim para eviden


ciar quanto é vá a tentativa de descobrir a predigáo de fenó
menos estranhos da hora presente (bombas atómicas, explo-
sóes, enchentes e secas, «discos voadores») nos quadros do Apo
calipse. Estes sao quadros típicos e perenes, quadros que se re-
produzem por todo o decorrer da historia, variando apenas de
facetas.
A sua mensagem abrange todas as situagoes análogas:
querem, sim, dizer que as desgragas da vida presente, por mais
aterradoras que paregam, estáo sujeitas ao sabio plano da Pro
videncia Divina, a qual tudo faz concorrer para o bem claque-

— 79 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962. qu. 5

les que amam a Deus (cf. Rom 8, 28); nao se perturbem, por-
tanto, os justos, mas, antes, procurem revigorar-se na intimi-
dade com Deus, intimidade que é o antegógo do céu sobre a
térra.

IV. LITURGIA

A.F.P. (Belo Horizonte) :

5) «Que se entende por 'igreja litúrgica' ou, conseqüente-


mente, por 'estilo litúrgico'?»

«Igreja litúrgica» é, como dizem os termos, o templo sagrado cons


truido de acordó com as idéias características da S. Liturgia. Ora as
idéias da S. Liturgia nao sao senao as da espiritualidade crista alimen
tada pelas suas fontes mais puras (a Sagrada Escritura e a antiga
tradicáo da Igreja).
Para bem explanar o conceito de «igreja litúrgica», voltaremos
primevamente a nossa atencáo para a nocáo de arte sacra em geral;
a seguir, examinaremos as características de urna arte sacra inspirada
pela Sagrada liturgia.

1. A arte sacra em geral

1. Conforme Sao Gregorio Magno, «a arte das artes é a


diregáo das almas» (Regula pastoralis). Destas palavras é
lícito concluir que qualquer modalidade de arte e, em particular,
a arte sacra está relacionada com a formacáo doutrinária e
moral das almas. A arte sacra é um testemunho da fé das gera-
cóes passadas e, ao mesmo tempo, urna mensagem para a fé
das geragóes subseqüentes; é necessáriamente urna forma de
ensinamento religioso,... e forma por vézes mais penetrante do
que a mais concatenada das dissertacóes oráis.
Donde se vé que, na arte sacra, o conteúdo ideológico ou a
doutrina a ser expressa tem muito mais importancia do que o
aparato sensivel ou a riqueza do material utilizado... A arte
crista é essencialmente amiga do simbolismo, isto é, de linhas
sobrias totalmente postas a servigo de idéias a ser transmitidas.
Verifica-se mesmo que nos seus períodos áureos a arte crista se
serviu, em grande escala, de símbolos, ao passo que ñas épocas
de decadencia ela se rendeu mais ao realismo, isto é, á repro-
dugáo de quadros sensíveis táo carregados de pormenores que a
atengáo do observador fica presa a estes em vez de ser levada
a perceber urna mensagem doutrinária profunda. A exuberán-

— 80 —
QUE £ «IGREJA LITÚRGICA»?

cia de tragos concretos, de minucias sensiveis, assim como a


teatralidade, sao notas alheias ao espirito da genuína arte
crista.

S. Santidade o Papa Pió XII lembrava que «o artista é o intér


prete das infinitas perfeigoes de Deus, particularmente da beleza e da
harmonía de Deus. Com eleito, é fungáo de toda arte romper o estreito
e angustioso circulo do finito em que está encerrado o homem durante
a sua vida terrestre, e abrir como que uma janela para o seu espi
rito sedento de infinito» (Discurso aos Artistas da VI Exposicáo Qua-
drienal Romana, proferido aos 8 de abril de 1952).

2. Dito isto, surge espontáneamente a questáo : quais se-


riam as grandes idéias que a arte de uma igreja deve exprimir
a fim de preencher devidamente a sua fungáo?
Num templo sagrado, a arte deve traduzir os grandes temas
que norteiam o culto, ou seja, a S. Liturgia.
E quais sao os grandes temas que norteiam a S. Liturgia?
A Liturgia nada mais é do que a extensáo da obra que
Cristo iniciou sobre o Calvario; a sua finalidade é aplicar a todas
as geracoes humanas até o fim dos tempos a redengáo adqui
rida pelo Senhor Jesús. Pela Liturgia Cristo torna presente su-
cessivamente a cada geragáo através dos tempos o sacrificio da
Cruz, a fim de que todo e qualquer individuo participe déle,
tornando-se com Cristo oferente (sacerdote, em certo grau) e
hostia oferecida. Em outros termos : pela Liturgia Cristo se
oferece ao Pai, perpetuando (ou tornando presente, nao multi
plicando) a sua oblacáo feita outrora no Gólgota, com a moda-
lidade, porém, de que pela Liturgia o Senhor associa a essa
oblacáo a sua Santa Igreja.
E o ato culminante da Liturgia, ato em que éste misterio
se realiza por excelencia, é a celebragáo da S. Eucaristía oí- a
S. Missa, Esta ocupa o centro de todo o culto cristáo; todos os
días é ela oferecida a Deus Pai. Os demais sacramentos conver-
gem, cada qual do seu modo (visando circunstancias particula
res da vida do cristáo), para a Eucaristía. Além da Eucaristía
e dos demais sacramentos, a Liturgia incluí ritos menores cha
mados «sacramentáis», os quais visam estender as gracas da
Redengáo a pessoas e objetos especialmente consagrados a Deus
(sao principalmente béngáos : béngáo de uma igreja, de uma
casa de familia, de uma oficina, de alimentos, consagragáo de
uma virgem, de um rei, etc.).

— 81 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 50/1962, qu. 5

Sendo assim, os grandes temas da piedade litúrgica pode-


riam ser propostos no seguinte esquema :

1) DEUS PAI

2) CRISTO MEDIADOR <Deus Fllho feito


I homem)

3) A IGREJA (Deus Espirito Santo


■ vivificando o Corpo
| Místico de Cristo)

4) A EUCARISTÍA
e os demais sacramentos I LITURGIA
os sacramentáis

5) OS FIÉIS
individualmente atingidos pela Liturgia

A propósito déste esquema observe-se: assim como a Igreja é


anterior á S. Eucaristía, ela também Ihe é posterior. A Igreja faz (con
sagra) a S. Eucaristía, e é feita (arquitetada e cimentada) pela Euca
ristía.

Estas consideragóes já sao suficientes para que se possam


descrever as notas características de um templo construido se
gundo o estilo litúrgico.

2. «Igreja litúrgica»
Estas linhas nao pretendem apresentar de maneira exaustiva
todas as normas e sugestdes do estilo litúrgico, mas apenas urna sín-
tese das suas notas mais marcantes (sintese inspirada principalmente
por urna Instrucáo da Suprema CongregacSo do Santo Oficio datada
de 30/VI/1952 e pelo comentario que a propósito escreveu o Cardeal
Celso Constantini; estes dois documentos seráo abaixo citados segundo
a edicáo que déles fez a Curia Metropolitana de Sao Paulo em 1952,
sob o titulo «Arte Sacra»).
Eis o que em poucas palavras se poderla dizer:

1) A Casa de Deus deve primar pela simplicidad© de suas


linhas arquitetónicas e pela sobriedad© de soa decoracáo.

Assim manda a citada Instrugáo do Santo Oficio:


«Brilhe urna Igreja moderna pela bela simplicidade das suas
linhas, que íoge aos ornatos de mau gósto; evite-sa tudo que mostré
negligencia na concepcáo e na execucSo» (pág. 9).

— 82 —
QUE fi «IGREJA UTÚRGICA> ?

Por conseguirte, as modalidades exóticas de arquitetura


nao sao recomendáveis; muito menos, os motivos ornamentáis
que lembrem teatralidade, ostentacao'ou impressionismo yazte.*
Muito oportunamente acentuava Pió XII que na construcao de
urna'igreja «é preciso antes atender as exigencias da comuni-
dade crista do que á opiniáo e ao gósto pessoal dos artistas*
(ene. «Mediator Dei» n' 189).
ES. Eminencia o Cárdeal Constantini acresceritava; • •; ■
«Na igreja, a dignidade da arte alia-se á dignidade da liturgia: é
necessária, porque é funcional» (art. clt. pág. 28).
«Freqüentemente deve o arquitetó trabálhar premido por Impe
riosa necessidade econftmica. É certo, porém. que nao: está o belp obtfc
gatóriamente vinculado a riqueza. Esta, nao raro, contraria o bom
B6sto. Convém conceber o edilicio sagrado com criterio qe unidade¡.Na
aplicac'áo déste criterio poder-se-á proceder gradativaraente, cuidando
antes de tudo do essencial; depois, do acessórlo, do ornato, etc.
Cumpre que se persuadam os reiteres de igrejas dé qué a melhor
despésa na construcáo dé um edificio é a que concerne ab projétó^a
planta. Chamem um bom arquiteto. e nSo tenham.excesslva confitocíi
em peritos bu empreiteirós experientes»' {art. dt. pág. 30). .'■\;:^'¿^-

2) A Casa de Deas deve comunicar a impressáo de gran


deza e amplidáo (mesmo que p edificio seja dé diinen^éá
medias).
Portante evite-se um tracado que amesquinhe e limite p
horizonte dos fiéis presentes na igreja: «Na cpnstrusáq> dos
templos atenda-se a • comodidade dos fiéis, • de - maneira,;^que
possam participar dos divinos oficios cbm melhor yis&o e dispoj
sigáó de espirito»■ (Instrugáo do S. Oficio, pág..9)/. ,|,:;- jn¿q
Em conseqüéncia, v§-se que é. pouco oportuna a,repaitíeS0
do recinto sagrado em tres ou cinco naves; urna só nave cqtidiz
melhor ¿om as exigencias do culto, permitindo:aos.fieisaií^ís
fácilmente constituirem tima só comunidade orante. - :V
Assim escreve o Cardeal Constantini; ..•'-•;;:;;.£;£ ,Vi
«Pode a técnica moderna prestar grandes ^etvicós na «ónc¥EJc|[íP
e na construyo de Igrejas, abolindo as naves aterals e criando urna
alma espacosk, ou slja, um espacoonde.os fiéis .possam-. ver p oíl^
dante e tomar parte na liturgia. t .. ,v •■•■ ->r :¿¿
O conceito de nave entrou na linguagem técnica, P°^meI?.da,Wii
se descreve o interior de umá igreja. fem lgualmentejima^^ta^lgnli
«cacao ideal. Assim como a ñau coiiduz os homens a^v^d,omF';a
iereja é urna ñau mística, que conduz a humanidade através dos caml-
nhos do tempo ao porto da eternldade. No trajeto, muitos vézeartem,
pestúoso. vai recolhendo os náufragos e levando-os á salyacao. ^reier
rimos a igreja com urna só nave.■' ',.,. v ' /- - K" pr.-.'^.'"
O urbanismo ensina á escolher o lugar mais apropiado plffa.<a
igreja. Deve, como nó passado, dominar <á paísagem,- tornanao-seeies

— 83 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962, qu. 5

mentó vivo e expressáo dessa mesma paisagem. Nos países montanho-


sos, as igrejas, que raontam guarda ñas alturas e velam carinhosas
sobre os velhos cemitérios, representam em regra o mais belo edificio
do lugar, o mais em vista e o mais humano.
É grande erro construir as igrejas apertadas entre outras casas,
sem espaco em derredor e sem área suficiente para o transepto»
(art. dt. pág. 29).
Destas explicac5es deduz-se que a grandeza e a amplidao preco
nizadas nao devem dar origem a um ambiente írio e sem alma, mas,
ao contrario, devem ser tais que contribuam para a participacáo dos
'fiéis num so ato litúrgico.

3) O altar-mor ou principal há de ocupar lugar de realce,


pois néle se celebra o ato precipuo do culto cristáo; a atengáo
dos fiéis deve poder, sem entrave nem perigo de dispersáo
curiosa, convergir para ele.

<A igreja tem o seu centro no altar. Pode haver altar sem igreja,
nao porém igreja sem altar. O altar é o novo Gólgota, onde se renova
todos os días o sacrificio eucarístlco. O altar para a Eucaristía é o
coracáo do novo edificio, donde se difundem as ondas da graca» (Card.
Constantini, art. dt, pág. 27s).
Ñas regiaes em que as autoridades eclesiásticas o permitem, o
altar colocado de frente para os fiéis presta ótimos servicos á piedade
e ao espirito litúrgicos.

Ñas igrejas em que sejam necessários muitos altares, para


atender a Missas particulares de urna comunidade religiosa (por
exemplo), «nao é aconselhável que se distribuam tais altares
pelas paredes laterais da igreja. Excelente solucáo seria utilizar
para tais altares a cripta (recinto subterráneo) ou, melhor
ainda, construir um criptopórtico (urna ala especial) que se es-
tenda além da ábside da igreja, e néle colocar ésses varios
altares» (Card. Constantini, art. cit. pág. 30).

A razáo desta norma é o desejo de se evitar que a atencao dos íléis


se disperse na igreja e que se quebré a ac&o litúrgica comunitaria pela
apresentacáo simultánea de multas Missas.

4) As imagens e estatuas de santos hao de ser reduzidas


ao número suficiente para fomentar a piedade dos fiéis, sem
perigo de desvirtuamento da devogáo. Seráo colocadas em lu
gares discretos, evitando-se o acumulo das mesmas por cima ou
em torno do altar-mor, pois isto poderia fazer perder de vista o
significado do altar ou o significado do Sacrificio da Cruz. Este
deve, ao contrario, dominar o pensamento de quem entra na
igreja, de modo que muito oportuno é nao colocar sobre o altar-
-mor senáo o crucifixo, crucifixo ao qual se podem dar, com

— 84 —
QUE 6 «IGREJA LITÚRGICA??

vantagem, grandes dimensóes e especial relevo, de sorte que ele


«encha» o fundo da igreja.

As poucas imagens e estatuas que se coloquem nos templos, háo


de ser inspiradas por nobres criterios artísticos, ficando banidas nao
sómente aquelas que sugiram falsas ou exóticas proposicSes de íé (um
hornera com tres cabecas para representar a SSma. Trindade...), mas
também as que reproduzera mau g6sto.

O S. Padre Pió XII assim se exprimía a tal propósito :

«Pela consciéncia do Nosso dever, nao podemos deixar de deplo


rar e reprovar as imagens e representac5es recentemente introduzidas
Dor aleuns, pois parecem deíormacñes e depravacóes da arte s&;
opoem-se as vézes ao decoro, á modestia e á piedade crista, ofendendo
lamentávelmente o sentimento verdadeiramente religioso. Tais imagens
devem ser completamente banidas dos nossos tmplos, como, em geral
tudo quanto se op6e á santidade do lugar' (can. 1178)» (ene. «Me-
diator Dei» n« 189).

Tais advertencias foram reiteradas pelo S. Oficio na Instrucao


citada:

«Os Ordinarios... proibam severamente que se exponha á vene-


racáo dos fiéis sem ordem nem gfisto, ou nos próprios altares ou ñas
paredes contiguas as cápelas, urna profusáo de estatuas e imagens de
pouco valor, tantas vézes leitas em serie» (pág. 10).

O Cardeal Constantini, por sua vez, comenta:

«Destruam-se essas estatuas de massa negligentemente modeladas


e económicamente reproduzidas as dezenas e centenas de exemplares.
Em muitas igrejas ao pé dos retábulos dos altares, colocam-se
quadrinhos e muitas vézes cromos.. Por que? Estará isso conforme
com a limpidez e a dignidade do culto ?...

O Santo Padre Pió XH assim se exprime na encíclica sobre a Li


turgia • «Julgamos ser nosso dever repreender a piedade mal formada
daqueles que — ñas igrejas e até sñbre os altares — sem justo motivo,
prop5em á veneracSo imagens e estampas múltiplas...
Padres ha que se desculpam, alegando que a estatua de tal
santo foi doada pelos paroquianos, ou que tal imagem de gésso, bem
colorida agrada mais aos fiéis do que as de famosos escultores, e que
ésse género de imagens entretém a devogáo do povo. Lastimável des
culpa! Deve o padre dirigir e instruir os fiéis, nao deixar-se orientar.
Fui durante muitos anos vigário de urna paróquia numerosa e suspi
caz e posso afirmar que os fiéis, quando tratados com tato e caridade,
obedecem ao seu pároco, até em questdes de arte e no que respeita ao
decoro do culto» (art. cit. pág. 32s).

Em termos positivos, pode-se registrar a utilidade dos qua-


dros bíblicos ñas paredes das igrejas; já na antigüidade eram
considerados como «Biblia pauperum», isto é, como a Biblia dos

— 85 —
«PERGUNTB E RESPONDEREMOS» 50/1962. qu. 5

pobres e analfabetos : «O caráter funcional da igreja... exige...


um complemento de decoracóes que... instrua os fiéis, como se
dava outrora com a biblia pauperum» (Card. Constantmi, art.
cit. pág. 27).
Sobre a legitimidade da veneracáo dos santos e da exposicáo de
imagens, veja «P. R.> 4/1957, qu. 5; 3/1958, qu. 5.

5) Muito se deseja a veracidade do material empregado


na ornamentagáo das igrejas e no culto sagrado: a cera seja
verdadeiro produto de abelhas, nao massa artificial; as flores
sejam auténticos vegetáis, nao pedagos de paño ou de papeláo...
«Desde muito vém tocando esta corda senslvel todos os que cul
tivara as artes. Bertini-Calosso, atual diretor da 'Gallería Borghese',
declarava numa conferencia em Perúsia: 'Por ora, tirem-se dos alta
res as flores artificiáis, substltuindo-as, quando fór possível, por fldres
frescas'.
Mas é preciso pensar também na iluminacáo elétrica, que só em
narte pode substituir as velas. Cumpre limitar quanto possível o uso
de grandes lustros suspensos que, em numerosos casos, sao oportuna
mente substituidos pela iluminacáo indireta. É necessário ver se con-
vém em toda a parte cobrir colunas, pilares, arcos e paredes com
damascos que, nao obstante o seu valor, constituem multas vézes um
verdadeiro ultraje as linhas arquitetónicas» (Card. Constantini. art.
cit. 31s).

Éste principio é inspirado no fato de que a Liturgia cons-


titui o concertó da natureza inteira unida ao homem e a Cristo
para o louvor de Deus Pai; é conseqüente, portante; que a ser-
vigo da liturgia se coloquem objetos que representem genuina-
mente a natureza que Deus fez.
Tais sao as principáis notas que devem caracterizar a igreja
construida segundo o estilo da S. Liturgia.

CORRESPONDENCIA MIÜDÁ
A DA UNIDADE (Rio Grande do Sul): A respeito do chamado

Vaticano :
«O Movimento teve origen» Junto ao santuario de 'Mater TerAdmi-
rabili° <TMI?ta£ vézes Admirável') em SchSnstatt, diocese de Trfjnri»
^Uemanha), por obra de José Kentenich, durante a guerra de 1914-1918.
Ten? em vista a formado dos leigos para o apostolado e para a Acao
CatóUca.
O Movimento traz um cunho eminentemente mariano e é diripdo
pela Sociedade do apostolado católico, assim como por sacerdotes, dio
cesanos. Está difundido tarabém no estrangeiro ; dispoe de abundante

— 86 —
CORRESPONDENCIA M1ÚDA

bibliografía ascética e pedagógica, e forneceu preciosa ccntribuigáo


para o renascimento católico na Alemanha.
No ramo feminino do Movimento trabalham as Irmas Marianas,
fundadas em 1926 pelo mesmo Renten ch, ,%*P£V^S P?};* ff"^
om 1948 como Instituto Secular sem votos (cf. "P..R. ^Q?*1)-???.
difundidas pela Eui-opa Central, América e a África do Sul. (a) Ale-
xandre Menningcn."
Como se vé, o Movimento, no tocante aos seus estatutos e á sua
finplidade, está ótimamente concebido e devidamente aprovado.; com-
Preeñde-se que tenha merecido calorosos elogios e haja dado ricos frutos
cspirituais. Contudo pode acontecer que, na execucao do respectivo pro
grama, em urna ou cutía regiáo, se verifiquen, inconvenientes ?u fainas
isto se torna naturalmente motivo para que o bispo do lugar mtervenna
com restricoes ou ir-.csmo proibiS5es ao Movimento. Em tais casos, de-
ver-se-á prestar pronta obediencia á autoridade diocesana.

próximo artigo de "P. R.".


2) O tal "privilegio tolentino» nada tem de dogmático. Nao pode-

¿nrar

pectivos efeitos. Cf. "P. R." 3/1958, qu. 4.


3) A propósito de «socializacáo» na encíclica" Mater et Magistra",
V.S. já terá lido a resposta de "P.R.".

V.S. aponta alguns fatos que demonstram ter

ü
Idade Media. ,
2\ Ouanto as lírrejas cismáticas que V.S. cita, sana, se Deus
quiser umarUgo sobre os «Velhos Católicos» num dos próximos núme
ros de "P.R.".
A dita "Igreja Católica Brasileña" iniciada pelo ex-bispo de Maura

Seceter t^STSrtSi ressentimento e obcecac&o do que a urna visáo


serena dos valores ; é o que tira autoridade e classificacao a sua obra.

— 87 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 50/1962.

Esta vem a ser apenas un "verniz" ou urna cobertura religiosa para


satisfazer a pessoas que disto precisam.
Nao gozam de mais autoridade os outros conventículos ditos "igrejas
nacionais" existentes na Venezuela, ñas Filipinas ou nos países da
Cortina de Ferro (o comunismo tende agora a criar comunidades pseudo-
religiosas ditas "Igrejas Católicas Populares ou Progressistas"). Na
verdade, só há urna Igreja de Cristo, que nao é nacional, mas suprana-
cional, universal. Qualquer comunidade cismática (isto é, separada,
fruto da divisáo provocada por determinado Reformador), pelo rato
mesmo de estar separada, perde o direito de se chamar ' Igreja de
Cristo" A genuína Igreja é a que continua a linhagem ou a tradicao
dos Apostólos, pois a esta linhagem Cristo prometeu sua uifahvel assis-
téncia (cf. Mt 28, 20 ; conforme Apc 21,14, os fundamentos da Cidade
Santa trazem os nomes dos doze Apostólos).
Pelos motivos indicados, no movimiento ecuménico nao se deve falar
<le "uniáo das Igrejas", mas de "uniáo dos cristáos" entre si.

DAL SOGLIO (Porto Alegre): Muito grato pelas informagóes que


nos puder fornecer sobre a análise microscópica... Ató agora nao temos
cohhecimento do assunto.

D. Esteva© Bettencourt O. S. B.

«PERGÜNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual Cr$ 300,00


Assinatura anual (via aérea) Cr$ 300,00 mais Cr$ 280,00 de porto
Número avulso de 1961 Cr$ 30,00
Número de ano atrasado Cr$ 35,00
Colecáo encadernada de 1057 Cr? 400,00
Col. encadernada de 1958, 1959, 1960 Ci$ 550,00 (cada urna)
Col. encadernada de 1961 Cr$ 600,00

REDAgAO ADMDÍISTRACAO
Caixa Postal 2666 R- Real Grandeza, .108 — Botafogo
Rio de Janeiro Tel. 26-1822 — Kio de Janeiro

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