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TOMO LVI
TÍTULO III
SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO II
TESTAMENTO EM GERAL
CAPÍTULO III
§ 5.668.Capacidade de direito o capacidade negocial. 1. Noções sobre capacidade de concluir negócio jurídico. 2.
Pessoas físicas e Pessoas jurídicas. 3. Incapazes de testar. 4. Posição jurídica do testador. 5. Beneficiados pelo
testamento.
§ 5.669.Capacidade testamentária ativa. 1. Capacidades testamentárias ativa e passiva. 2. Técnica legislativa a
respeito de capacidade
§ 5.670.Menores de dezesseis anos (1). 1. Direito romano e outros sistemas. 2. Direito brasileiro
§ 5.671.Loucos de todo o gênero (II). Exercitabilidade dos direitos e de funções de ordem jurídica. 2. Ônus da prova
da loucura. 3. Posição do oficial público no caso de tresvario do testador. 4. Intervalos lúcidos e testamento §
5.672.Imperfeito juízo (III). 1. Conceito de imperfeito juízo.2.Nulidade e anulabilidade. 3. Presunção de juízo
perfeito.4.Afirmativas de tabelião e faculdades mentais
§ 5.673.Surdos mudas que não puderem manifestar a sua vontade(IV). 1. Pressupostos para validade. 2.
Considerações“delege ferenda”. 3. Conseqüências da incidência da regra jurídica
§ 5.674.Ausentes. 1. Testamento de ausente. 2. Solução acertada
§ 5.675. Pródigos. 1. Posição da questão no direito luso-brasileiro. 2.Direito romano. 3. Problema de técnica
legislativa...
§ 5.676. Silvícolas. 1. Problema de técnica legislativa. 2. Precisões
§ 5.677.Falido e “factio testameisti”. 1Capacidade testamentária ativa. 2. Alienabiliadade
§ 5.678.Evolução técnica da regra de validade intertemporal. 1. Incapacidade superveniente. 2. Direito romano. 3.
Direito moderno. 4. Natureza da regra jurídica. 5. Particularidade do Código Civil alemão
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
§ 5.727.Relações entre o testamento e a sucessão legítima. 1. Problemas e princípios. 2. Pretenso favor da sucessão
“ab intestato”. 3. Resultado das considerações anteriores. 4. Disposições ambíguas. 5. Dúvidas quanto a herdeiros
legítimos. 6.Deixa a descendentes. 7. Deixa a descendente de terceiro
CAPÍTULO VI
HERANÇA E LEGADO
§ 5.734.Natureza da regra jurídica. 1. Regra jurídica interpretativa, porém, nem por isso, menos lei. 2. Questões de
direito judiciário federal e de direito rescisório. 3. Aplicação da regra jurídica
§ 5.735.Considerações finais sobre interpretação. 1. “Quaestio facti” e “quaestio iuris”. 2. Efeito fixador da
classificação da verba. 3. Quanto aos legitimados para discutir a interpretação
§ 5.736.Direito intertemporal. 1. Preliminares. 2. Mudança da lei sem conhecimento do testador (A). 3. Morte do
testador antes da lei nova (B). 4. Morte após a lei nova (C). 5. Direito anterior como elemento de interpretação. 6.
Herdeiros legítimos contemplados. 7. Deixa a descendentes de outrem
2.PREFORMAS DO TESTAMENTO. Nas civilizações não desenvolvidas, arcaicas, não se encontra a função atual
do testamento. Mas outras instituições chegam, de per si, a resultados parecidos.
a) Na, Grécia, na Índia, na Pérsia, na Irlanda, no País de Gales, na China, no Japão, nas populações pré colombiana
da América do Norte, na Arábia pré-islâmica, na antiga Hungria, o que se vê são atos jurídicos que atuam no círculo
da família, e só em conseqüência, derivadamente, podem influir na vocação hereditária. Ora, quem diz “herança”,
dependente de status familiae, exclui a função específica do testamento. Nos povos citados, usava-se a adoção. Na
Constituição de Diocleciano (Const. VI, 24, 7), acha-se a adoip tio in fratrem, a fraternidade artificial, fratern,itas
do costume sírio-romano, as ad fratrationes lombardas, as Erbverbr-iiderungen dos nobres alemães.
b)Noutras ocasiões, confere-se, sem o status familiae, a vocação hereditária: afatomia sálica e ripuária, thinx
lombardo, cartas de afliliationes lombardas. Da afatomia fala o Título 46 “De hac famírem” da Lei Sálica. Espécie
de ado~tio in hereditatem, com que, por intermédio de alguém (Salmannj, se buscava herdeiro a quem não no tinha
(J. C. WACHTERUS, Glossarium Germanicum, 1347: “Salmann, significat quantum potest, villicum, & cuiusvis
domus possessorem, hominem Salicum, patronum causae in curia, assessorem in curia, executorem iuris curialis,
traditorem fiduciarium, si derivetur a selen tradere”). O nome vem de Sal, tradição de bem (J. G. SCHOTTELIUS,
Ausfithrliche Arbeit von der deutschen Hauptsprctch, 287; J. L. FRISCH, Teutschlateinische Wõrterbuch, Ii, 143; J.
UND W. GRIMM, Deutsches WÉirterbuch, VIII, 1698, Deutsche Rechtsa2terthiimer, 555). Apresentava três fases:
no mailus indicatus, com a tradição simbólica, pela entrega da palha ao salmão e o indicar ao futuro e definitivo
destinatário; a instalação na casa do disponente, para, quanto a terceiros, adquirir a Gewere; no maílus legitimus, em
presença do rei, o salmão cumpria a missão, transferindo “per festucam” ao destinatário os bens confiados. No
direito longobardo, em vez de Salman, chama-se Gisel ao intermediário (Roth., 172), porém parece que, pelo menos
longe da origem, é assaz secundária e não de intermediário a função do Gisel (TAMASSIA, Le Alienazioni degU
immobili, 227). No século VIII, perde a afatomia a existência autônoma (H. AUFFROY. L’Évolution du Testament,
210).
c)Contratos sucessórios, como se encontram na época franca, no Erbvertrag alemão; e, correspondendo-lhes no
passado, figuras típicas no direito babilônico, no hebraico e no egípcio. Também donationes >ost obitum, ou reseri~
ato usufructu, ou reservata precaiia, já na alta Idade Média.
d)Transmissões por intermediários, como se notam na alta Idade Média cristã (executores testamentários e entre
vivos), que são fatos históricos, como aqueles, ajustáveis aos dos outros povos (e.g., o direito hebraico, o bizantino e
o muçulmano).
c)Liberalidades de um ou alguns objetos, de que são encarregados, à morte de alguém, os seus herdeiros. Às vezes,
ainda é só moral o dever de entrega (alta Idade Média cristã, direito hebraico e povos primitivos).
1.FIGURA JURÍDICA TÍPICA. Verdade é que tudo isso bem longe estava do testamento. A devolução do
patrimônio do decujo, fora e independentemente da ordem familial, pela só vontade do declarante, para depois da
morte, tal é a característica do que depois, com fontes romanas, se precisou. Não o mostra a Etnografia. Na própria
Europa ocidental, foi grande a resistência. Ainda em 1837 o testamento inglês que recai em real property
apresentava os traços de operação inter vivos, de convevance. Na Suíça, revelou-o o costume.
Já se quis invocar para provar serem mais próximas do que se pensa as XII Tábuas (III, em vez de V antes de
Cristo) o argumento de nelas se achar a regra uti legassit super pecunia tutelave suae rei ita ius esto. Porém o muito
de arcaico das XII Tábuas opõe-se a tal presença: contra a afirmativa dos escritores da época clássica, de PAUL
FRÉDÉRIO GIRARD (Tertes de D’ioit romain, 13; Manuel élémentaire de Droit romain, 790) e de historiadores e
pandectistas, está a convicção sociológica. Aqui, a convicção sociológica, com os elementos da crítica comparativa
e da etnologia jurídica, pode dizer: é possível que lá estivesse a frase, mas, então, êsse testamento é um nome
idêntico para outra coisa. Aliás, a dúvida vem de mais de um século. Já em 1825, EDUAJw GANS (Das Erbrecht,
37-74) via naquele testamentum a criação de laços de família, algo de adoção (ad-rogação e adoção, só mais tarde,
acreditava E. GANS, se distinguiram). Depois F. SCHULIN (Lehrbuch der Geschichte des Ràmischen Rechts, 458)
insistiu na adoção post mortein: o testamento in calatis comitiis seria o equivalente do testamento grego Contra
ambos, um argumento: a adoção testamentária só apareceu, em Roma, no fim da República. Mas pode ser falta de
informes (A. LEFAS, L’adoption testamentaire à Rome, Nouvelle Révue Historique, 21, 724; EDoUAR.D CUQ,
Institutions juridiques des Romains, 236-239; Recherches historiques sur le testament “per aes et libram”, Nouvelies
Révue Historique, X, 540 s.; LUDWIG MITTEIS, Reichsrecht und Votksrecht, 340). Demais, há o exemplo, na
Grécia, da transição da sucessão legítima. para a testamentária, por intermédio da adoção (W. VAN IIILLE, De
Testamentis iure attico, 1; C. G. BRUNS, Die Testamente der griechischen Philosophen, Zeits,chrift der Savigny-
Stiftung, 1, 6 s.).
Discute-se se teria sido a adoção testamentária, que tarde se viu, sobrevivência de expediente que levou ao
testamento. É a hipótese de RUDOLPH SOHM (Institutionen, 16~a ed., 675 s.). ~,Onde as provas convincentes?
Como quer que seja, o testamento das XII Tábuas não era o que as compilações justinianeias conheciam. Deve ter
sido a forma correspondente à afatomia franca e ao thinx lombardo. GAIO (II, 101) deu corno se fosse a mais velha
forma de testamento o que entendeu chamar calatis comitiis, feito perante o colégio dos pontífices e os comícios por
curias. com a função primitiva, assaz generalizada de testemunhas instrumentárias: função ativa, essa, que lhes
atribuiu EDUARD GANS (II, 46), após CHR. THOMASIUS, J. C. HEINÉCIO e A. D. TREKELL, seguido por
alguns romanistas hodiernos, como TH. MOMMSEN, A. PERNICE, PAUL FRÉDÊRIO GIRARD, EDOUARD
CUQ e E. LAMBERT. Sustentaram o papel passivo, de simples assistência, EDUARD HÓLDER (J3eitrÉtge, 40 s.),
OTTO KARLOWA (Rõmische Geschichte, II, 847 s.), M. V•oíGT (D ~e XII Tafoln, 171) e F. GREIF (De l’Origine
du Testament ro’nuxin, 51 s.). Nos começos de evolução, as testemunhas instrumentárias exercem papel ativo: e. g.,
aconselham, ou garantem moralmente a execução. Não era a só vontade do disponente que decidia,
e sim, também, a vontade coletiva. Os comícios legislavam. Era criação excepcional, dispensa, ato de poder. Falou-
se em testamento legislativo. Esse encontro de vontades colaborantes, temo-lo noutros institutos similares: na
afatomia franca, depois da assembléia judiciária do povo (R. SOHRÓDER, Lehrbuoh der deutschen
Rechtsgesohiohte, 334), no thinx lombardo, antes do edicto de Rotário (A. HEUSLER, Institutionen. des deutschen
Privatrechts, II, 622; ANTONIO PERTILE, Storiadel Dirltto italiano, IV, 6; GEORG BESELER, Die Lehre voa
den ErbvertrÉtgen, 1, 109). TH. SCHIRMER (Das Familienver mõgen, Zeitsohift der Savigny-Stiftung, R. A., II,
165-180) sustentou que, havendo sui heredes, não se podia, no velho direito romano, fazer testamento. O título do
suus era mais direito de sucessão. Tanto assim que postumi agnatione testarnentum rumpitur. Com a substituIção
pupilar, procurava-se “derrogar” a impossibilidade de instituir herdeiro com prejuízo de sui heredes. Contraprova:
no direito grego, também se usou da substituição. Donde dizer E. LAMBERT (La Fo’nction du Droit CivU
comparé, 431) : “As duas teorias do direito clássico, rutura do testamento pela superveniência de herdeiro seu,
substituIção pupilar, são apenas, visivelmente, conseqüências do direito indelével de sucessibilidade, conferido,
outrora aos sui heredos. conseqüências que sobreviveram à sua causa primitiva, transformando-se, aliás, porque
receberam novas utilizações”.
Na versão de GAIO (II, 224), de POMPÔNIO (L. 120, D., de verborum significatione, 50, 16) e das próprias
Institutas. lê-se uti iegassit suae rei, ita jus esta. As XII Tábuas dispensaram a intervenção pontificial e da
assembléia quando se tratasse de res sua. Excluída ficara à testabilidade a fortuna possuída em comum com os sui
heredes.
2. CORRESPONDÊNCIAS SINFRÔNICAS. Sociologicamente, o regime das XII Tábuas era, em correspondência
de tempo social, o do thinx lombardo, da afatomia ripuária: havendo sui heredes, não podia fazer-se. Quando se lê a
fórmula das XII Tábuas si intest ato moi Yur, oui .s’uus heres neo escit adgnatus proimus familiam hab eta deve-se
entender: se existirem herdeiros necessários, não os há testamentários; se não há aqueles, nem esses, serão
chamados os legais. Essa ordem, encontramo-la noutros povos: em Atenas (C. C. BUNSEN, Disquisitio phiioiogioa
de iure hereditario Atheniensium, 74; R. CAILLEMER, Le droit de tester à Athênes, Annuaire pour
l’Encouragement dos études, 27, s.), no velho direto cantonal de Berna e na India moderna.
3.DIREITO PORTUGUÊS. Quanto às fontes remotas do direito português, há os seguintes dados principais: (a) No
Breviário de Alanco estão doações reservato usufructu, com a candieio iuris da sobrevivência do donatário (VIII, 5,
1; Código Theod., ed. de MOMMSEN, VIII, 12, 1. E doações com reserva de posse (in q’ua sibi donator certum
tempus possessionis reservat). Provavelmente era revogável a doação mortis causa do Breviário. Foi o que o direito
romano conseguiu meter nas fórmulas dos atos inter vivos, tirado do seu direito testamentário. No caso de morte,
perigo, doença, viagem, o Breviário consignava a doação causa mortis, caducavel com o afastamento do risco. (b)
No Código Visigótico, o princípio é a irrevogabilidade, se houve a tradição da coisa: dação efetiva, ou simbólica,
pela entrega da escritura. Mas o Código Visigótico também tratou das doações cujo efeito dependia da morte do
doador, com reserva de usufruto, revogáveis (similitudo est testamenti, diz a lei). Note-se a diferença: no Código
Visigótico, reservato usufructu, não há tradição da coisa. O doc. de 1.060 (Diplomata et Chartae, n. 425), em que
pessoa que enferma “voluit testare”, não era testamento. No Código Visigótico (V, 2, 4, 6), testator, test are,
testationem traduzem doador, doar, doação. Nele, o testamento vem entre as “escrituras”. Nada se disse sobre a
instituição do herdeiro, a aceitação da herança, os legados, os codicilos e os fideicomissos. Exigiu-se presença de
testemunhas, porém não se disse o número. A noção do ato inter vivos perdurou. O romanismo mal se filtrou pelas
grêtas da mentalidade gôdo-lusitana.. Ainda no século XIII, com as Decretais de Gregório IX, não é o testamento
romano que se vê.
O Código Euriciano revela que os Visigodos já no século V tinham o testamento oriundo do contacto com os
Romanos; mas a doutrina mantinha a ligação às donatianes mortis causa (Cap. 308). Dos tempos anteriores ao
direito reformador de Chindasvindo e de Recesvindo, cogitavam das volunt ates a antiqua do Código Visigótico e os
escritos de Santo Isidoro. Quase só se falava de testamentum se a vontade unilateral tinha a forma escrita. No Codex
Euricianus, cap. 335, e na Lex Visigothorum, IV, 2, 12, falava-se de “voluntatem ordinare”, ou de “ordinare”.
As Fórmulas Visigóticas e documento do século VI foram as melhores fontes sobre o testamento visigótico na
península hispânica. No documento de 516, testador foi um bispo, que, nas vésperas da morte, ditou a um diácono a
disposição de vontade, para que valesse como testamento conforme o direito civil e o pretório e, se não valesse,
tivesse a eficácia de codicilo ab intestato. Era a cláusula codicilar, assaz em uso naquele tempo. O modelo foi o
testamento romano do Baixo Império. É interessante observar-se que nele se confirma doação.
A propósito das testemunhas, a Lex Visigothorum nenhuma referência fêz ao número das testemunhas, O testamento
cerrado e o selado desapareceram, e à subsoriptio se substituiu o sinal.
Osig’num já aparece nos gesta de aperiunda testamento, no ano 474 (C. G. BRUNS, Fontes iuris ronutni antiqui,
319; 7a ed., 317-319; H. AUFFROY, L’Évolution du Testament des Origines au XIIIe siêcle, 44), a despeito de
Recesvindo já ter, pormenorizadamente, cogitado das scripturae olographae (Lex Visigothorum, II, 5, 16 e 17)
OBreviário não se referiu ao testamentum militis, mas aparecia no Edicto de Teodorico e na Lex Romana Burgun
•dionum.
O registro, a publioatia, era apud curiam, mas, com a extinção das instituições municipais e o dificultamento do ato,
atendeu-se às circunstâncias, sem, porém, se extinguir.
2. DIREITO ALEMÃO. — No Código Civil alemão, o § 1.922, que trata da transmissão por morte, fala em
Vermiigen, patrimônio, ais Ganzes, “como todo”. É o conceito da sucessão universal. Quanto à posse, estatui o §
857: “Der Besitz geht auf den Erben tiber”. É a hereditariedade da posse, como já se tem, e o direito romano não a
conheceu. A concepção alemã lutou na elaboração do Código Civil alemão e venceu o II Projeto, § 777 (Protoleollc,
V, 650 s.). A doutrina tirou do apodíctico princípio do § 857 todas as conseqüências de aplicação: todas as espécies
de posse, que o testador tinha e suscetíveis de se lhe transmitir o exercício, passam aos herdeiros, cf. OTTO vON
GIERKE (Deutsches Privatrecht, II, § 115), E. 1. BEKKER (Aphorismen zur Besitzlehre, 17) e MARTIN WOLF’F
(Das Sachenrecht, Lehrbuch des Búrgerlichen Rechts,)
3. DIREITO suíço. — No Código Civil suíço, § 560, os herdeiros adquirem, de pleno direito, a universalidade da
sucessão, desde que está aberta. Mit dem Tode, diz o texto alemão. No art. 567 consigna-se o prazo de três meses
para a renúncia (ré pudier, diz o texto francês; zuir Ausschlagung, no alemão). Contados da morte, para os
legítimos; do dia da comunicação, para os instituidos. O prazo do art. 567 constitui direito cogente (A. ESCHER,
Das Erbrecht, Kommentar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch de A. EGOER, III, 250). Se não a renuncia (art.
571, alínea 1), ou se a renuncia ilegalmente (e.g., sob condição ou reserva; EMIL STROHAL, Da deutsche
Erbrecht, II, 16; EuGÊNE CURTI-FORRER, Commentaire du Code Civil suisse, 448; A. ESCHER, III, 210), não
importa.
4. CÓDIGO CIVIL AUSTRÍACO. — Bem diferente é a solução no caso dos §§ 797-824 do Código Civil
austríaco. Entre o decujo e os herdeiros interpõe-se o juiz. A aceitação é perante ele: nunca ela é tácita. O juiz
aprecia a espécie, e dá ou não a posse. Se há testamento e sucessíveis ex lege, que pleiteiam a nulidade ou a
anulação, a imissão não se faz. Nenhum dos litigantes recebe a herança: da se lhe administrador. A ingerência do
juiz é, evidentemente, grande. ~A preocupação fundamental é a de só se entregar o bem aos verdadeiros herdeiros.
Com a adjudicação, confere-se a posse. E a posse, que então se confere, tem a vantagem da publicidade, porque
coincide com o registro fundiário e com as garantias da entabulação (§§ 819 e 436).
Em comparação com outros sistemas, é de notar-se que nesses não se transcrevem as passagens mortis causa, donde
a ocorrência das soluções de continuidade. Com o sistema jurídico brasileiro, coincide, em parte, mas quanto à
propriedade, uma vez que, hoje, se transcrevem as partilhas e os cálculos de adjudicação: a posse é que,
transmitida ex lege, fica sem publicidade. Aliás, mesmo a propriedade transmite-se com a morte (Código Civil
brasileiro, art. 1.572), apenas — quanto aos efeitos divisórios — depende da transcrição (art. 532, 1).
A transmissão aos herdeiros (Código Civil brasileiro, artigo 1.572) não precisa de registro: opera-se ex tege.
Noutros sistemas jurídicos, procuraram-se expedientes para se dar publicação às transmissões causa mortis,
conforme provam os projetos italianos de 1903 e de 1910. VITTORIO POLACCO (Delie successioni, II, 75)
pensou na própria transcrição dos testamentos. Assim, se evitaria o tão longo decorrer entre a transmissão ex lege e a
transcrição.
Se bem que a ingerência judicial, no Brasil, não dê a posse, o sistema aparece fundamente atenuado, quase
contraditório, quando os bens são apólices ou outros títulos, porque as repartições e estabelecimentos exigem, pelos
regulamentos e estatutos respectivos, os alvarás ou ofícios do juiz. Mas há o artigo 1.572 do Código Civil, dir-se-á.
Sim, há o art. 1.572. Mas que é ele (argúi-se) diante da lei especial, ou dos estatutos da sociedade, que subordinam
os efeitos da transmissão à intervenção decisória do juiz? De qualquer modo, está no ar, inesboçada, mas ja
perceptível em traços fugidios, solução nova da publicidade e da transmissão causa mortis, quando operada ex lege.
A descoberta dos expedientes que tornem compossíveis um e outro princípio, que alternadamente os sistemas
austríaco e brasileiro sacrificariam, constituiria problema de política jurídica, e — no momento — dos mais urgentes
e delicados. As leis especiais e os estatutos só se podem referir a efeitos internos à empresa ou à entidade estatal ou
paraestatal emissora. O testador não pode destruir o direito do Código Civil, artigo 1.572: é ius cogens, é
inderrogável, pelos disponentes, a aquisição ipso iure da herança. O art. 1.665 não precisava dizê-lo, nem,
verdadeiramente, o disse. Nas próprias disposições fideicomissárias, a herança — domínio e posse — passa, desde
logo, aos herdeiros fiduciários, O direito do herdeiro, o direito condicionado ou não à herança, o direito de herdar, a
qualidade hereditária, essa nasce simultaneamente, com a morte do decujo, aos fiduciários e aos fideicomissários,
indistintamente. O próprio fideicomissário é herdeiro do morto, e não do fiduciario.
. É absoluto o princípio da aquisição ipso iure? ~ No caso de falência, ou de insolvabilidade notória? A lei não abriu
exceção. Não havendo, no Código Civil, prazo fixo, como existe no alemão e no suíço, a exceção é escusada.
Demais, o art. 1.590 contém a veia aberta da retratabilidade da própria aceitação.
5. DOIS PRINCÍPIOS. — Vigoram no Brasil os dois princípios: a) o princípio da sucessão em todo, ou da
universalidade da herança (Prinzip der Gesamtfolge): a herança passa aos herdeiros como todo, indo, como unidade
(ativo e passivo, domínio, nuas propriedades, domínio útil, direitos reais, créditos), aos que são chamados e que
recolhem. b) O princípio da aquisição co ipso (Prinzip des “eo ipso”-Krwerb es), pelo qual os bens da herança
passam aos herdeiros, sem qualquer ato para os adquirir e sem necessidade de qualquer manifestação de vontade.
“Aberta a sucessão”, isto é, com a morte, transmitem-se os bens. É o germânico Der Tote erbt den Lebemdigen, le
mort saisit te vif, a saisina de direito, saisina iuris. Não se pode falar em herança jacente (P. rBUOR, Das Erbrecht,
Kommentar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch, III, 565) : no Código Civil brasileiro, tal expressão é errônea,
para designar a herança sujeita às procuras de herdeiros parentes; tecnicamente (arts. 1.591-1.594), contradição
verbal. O art. 1.572 estatui que a herança se transmite, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários; o art.
1.603 inclui os Estados, o Distrito Federal e a União na classe dos legítimos; e o art. 1.594 diz que os bens
arrecadados passam ao domínio do Estado, do Distrito Federal ou da União, decorridos cinco anos da abertura da
sucessão (Decreto-lei n. 8.207, de 22 de novembro de 1945). Mas o domínio, se não havia herdeiros, passou, no dia
da morte, àquelas pessoas jurídicas de direito público; se os havia, não passou, e somente passam cinco anos depois.
Tem-se de interpretar, desfazendo-se a contradição intrínseca.
7. EXAME DAS OPINIÕES. — Alguns autores põem muito ao vivo a provisoriedade do herdeiro em espera;
porque não e definitiva. É levar muito longe a noção de provisório: definitivo, então, não seria o proprietário de
nenhum bem, porque pode dá-lo, vendê-lo, trocá-lo. Nem seria definitivo o proprietário de fundo que outro possui,
porque a posse gera usucapião. O domínio e a posse transmitem-se, diz a lei, desde logo: herdeiro, ele o é,
definitivamente; com a possibilidade de renunciar po’sterior’m~ente, deixando de ser, de ter sido, como, ainda
depois de aceitar, pode retratar a aceitação, ou renunciar a herança já aceita (ato de doação ou de alienação onerosa)
2. POSSE, NA REGRA JURÍDICA SOBRE SUCESSÃO HEREDITÁRIA. — A posse de que fala o Código
Civil, no art. 1.572,indcpende de qualquer efetividade: ela se transfere, saiba ou não o herdeiro que se lhe transferiu;
posse nec animo nec corpore. O elernsnto germânico reponta, vê-se-lhe bem o traço de espiritualidade, que
atravesga, firme, a materialidade das concepções romanas. Posse, que não precisa de ato ou gesto ou
reconhecimento do possuidor. Um é, categórico, que a tradição germânica disse, e as leis escritas, após os costumes
da França e de alhures, repetem. No tempo em que a posse bonorum (Código Civil, arts. 485-523) era de
configuração romana, ao jeito de FR. VON SAvIGNY, isso criava embaraços teóricos; hoje, com a concepção nova,
refletida no Código Civil brasileiro, esmaeceu. A lacuna romana foi preenchida, com a conseqüência de se transmitir
ao herdeiro a posse dos bens de que o testador era proprietário e a dos pertencentes a outrem, desde que lhe cou-
besse a posse. Porém, como a posse do testador vai toda ao herdeiro, o título testamentário atribui a propriedade ao
legatário e a posse vai do testador ao herdeiro, em virtude da saisina iuris. Daí a cisão; e ter o legatário de pedir a
posse.
Em francês, sai,sine é palavra de origem germânica, que significa posse, — mais direito de possuir, ou posse que o
direito dá, do que posse no sentido de exercício efetivo. Tão portuguesa, como de outra língua, porque está nos
textos do latim cosmopolita: saisina, in saisina. No brocardo francês, le mort saisit le vif, a psique germânico-latina
da França bem se retrata: saisir, do germânico, traduz a passagem, por força de direito, da posse do defunto aos
herdeiros, isto é, palavra germânica para exprimir conceito germânico.
A posse vai aos herdeiros que receberem a herança, quer dizer — potencialmente deslocável de grau, incluído o
efeito da representação: se um dos chamados não aceita a herança, e ia toca aos co-herdeiros, ou, se é o único, ou se
todos renunciarem, aos sucessíveis do grau imediato. No Brasil, ao próprio cônjuge sobrevivo e ao Fisco (art. 1.603;
cp. Código Civil francês, art. 724, que não se estende a esses). Mas repugna aos nossos dias concepção da saisina
coletiva aos parentes; só se refere a herdeiros.
Em vez de seguirem os dados históricos e os veios do princípio, através dos tempos e em luta com o direito romano,
que partia a posse, pontuando-a com a morte do decujo, e deixando lapso entre esse momento e a tomada de posse
pelos herdeiros,— os juristas deixam-se levar pela ambição de explicar o fato, que o art. 1.572 apodictamente cria,
mas segundo os propósitos dos seus raciocínios.
É a exigência de explicação dogmática, que, por vezes, conduz a edificações só a priori. Aliás, para o bom êxito dos
métodos científicos, esse desejo de explicar tem de precipuamente buscar os dados históricos e os informes de
sociologia. Todo caminho, que não seja esse, pode ser desvirtuador das realidades e dos próprios preceitos que se
querem explicados.
3. TENTATIVAS DE EXPLICAÇÕES. — a) JULIUS BINDER (Die Rechtsstellung des E7rben, 47) entendeu que
a posse do Código Civil alemão, § 857, é posição jurídica ligada ao poder efetivo, mas que se desprende, ao passar,
do seu suporte fundamental, da sua base material.
b) Em tal ato vêem W. TURNAU—K. FÓRSTER (DOS Sochenrecht, 3•a ed., § 857) e MARTIN WOLFF (Das
Sachenrecht, Lehrbuch, III, 36), apenas ficção da posse. Assim, também, ROTERING (Aus der Lehre vom Besitz,
Archiv filr Biírgerliches Recht, 27, 95 a.).
c) FERDINAND KNIEP (Der Besitz des BGB., 168) esforçou-se por mostrar que só se transmite a pretensão para
que continue a posse.
d) Entendia HUGO KREsS (Besitz und Recht, 168 s. e 186) que os herdeiros adquirem a posse imediata
(Verkersbesitz) sem apreensão, desde que saibam da morte e queiram ser herdeiros. É estranho aludir a esse
elemento intruso da vontade do herdeiro.
e) Para CARL CROME (System des deutschen biirgerlichen Rechts, III, 16 s.), trata-se de relação de posse, e
nessa sucedem os herdeiros, sem dificuldades conceptuais e práticas.
f) M. GREIFF (G. PLANCK, Kommentar, III, 39) achava que o poder efetivo do decujo acabou com a morte: não
poderia transmitir-se aos herdeiros; de modo que esses precisam de tomar posse efetiva, para serem possuidores no
sentido do artigo 485 (Código Civil alemão, § 854), e os arts. 496 e 1.572 (§ 857) não bastariam. (Na 4•~ ed. de G.
PLAN’CK, E. BRODMANN rediscutiu o assunto, e continuou a sustentar que a posse não é algo de separável da
personalidade, — é relação de pessoa com a coisa; não pode ser tratada como se trata, por exemplo, o domínio. Mas
acabou por explicar como ficção, “pelo menos”).
g) A verdadeira teoria é a que busca o fundamento e a evolução do princípio, que é estranho ao direito romano; e
dele há de tirar, como fazemos, todas as conseqüências doutrinárias e práticas. Sem esse elemento histórico-cultural,
nada se consegue de sólido e de certo.
1. POSSE NO SENTIDO PRÓPRIO E POSSE DOS HERDEIROS. —A respeito de posse dos herdeiros e
legatários, encontram-se no Código Civil os arts. 495, 496, 1.572, 1.580, 1.754, 1.755 e 1.579. Mas, a despeito, de
usar-se a mesma palavra posse, cumpre distinguir-se da posse dos arts. 495 e 496, referida no capítulo sobre posse
(Direito das Coisas), rei possessio, BesUz ou Sachenbesitz, e posse dos demais artigos, que é a hereditatis possessio
do direito romano, Erbschaftsbesitz. São institutos distintos, outrora e hoje, que concernem a fatos idênticos.
Como havemos de ver, a hereditatis possessio apresenta, no direito romano, no comum e no vigente entre povos
cultos, estrutura particular, que a olhos cuidadosos teria lembrado, na feitura dos Códigos Civis, nome que evitasse
qualquer confusão. Se no Código Civil alemão se empregou o romanismo Erbschaftsbesitzer, para que se não
misturasse com o Besitzer da doutrina da posse, nenhum cuidado tiveram os legisladores de outros Estados,
desatentos a linhas mestras das instituições. Na prática, a diferença é de importância. Basta pensar-se em que a ação
do possuidor, no caso do art. 495, combinado com os arts. 485, 499, 501, 502 e 5.04, esbarra, em se tratando de bens
móveis, diante do art. 618 (usucapião, no caso de boa fé e posse ininterrupta de três anos), ou do art. 619 (ainda com
má fé e sem título, durante cinco anos), ao passo que não prescrevem em tais tempos as ações oriundas da
hereditatis possessio. Quando já é nenhum o meio de reaver-se a posse, possessio rei, ainda perdura a ação contra o
possuIdor da herança. Em se tratando de imóveis, as ações possessórias têm de parar, diante de quem alega posse,
com justo título e boa fé, de dez anos entre presentes, ou quinze entre ausentes (art. 551), e no entanto persistem os
meios legais fundados no direito hereditário (e.g., petição de herança, querela de doação oficiosa). Cp. Código Civil,
arts. 177, 179 e 1.772, § 2.0.
2. HERANÇA TIDA POR ACEITA. — No caso do Código Civil,. art. 1.584, tem-se “a herança por aceita”.
Intimado o sucessível, correu o prazo. Não é aceitação expressa, mas’ tem eficácia como tal. Requer-se que seja
intimado o sucessível, ainda que por edital, observadas nas intimações pessoais as regras jurídicas de capacidade. A
aceitação não é sujeita a exigências de forma, no que difere da renúncia. De duas maneiras pode operar-se: a)
expressamente; b) tacitamente, inclusive em pra herede gestio (exceto, por exemplo, os atos oficiosos, como o de
funeral, os meramente conservatórios, ou os de administração e guarda interina, há a cessão gratuita, pura e simples,
da herança, aos demais co-herdeiros).
3. TRANSMISSÃO POR FORÇA DA LEI. — O sucessível, que faz valer o seu direito, perante terceiro, não pode
ser obrigado a provar a sua aceitação; porque o direito lhe vai por farsa da lei, e não por forca da aceitação. O
pedido do Código Civil, art. 1.584, é independente: faz-se ao juiz do inventário, que examina o interésse do
suplicante. É ponto delicado, que exige atenção. O autor de ação possessória, ou o réu, não pode exigir que o
sucessível, réu ou autor, prove a aceitação. Trata-se de ato que se subsume no art. 1.581, § 2.0; portanto, praticável
sem o ato de aceitação. Ainda mais: na propositura de ação, que importe aceitação, a outra parte não pode pretender
que o sucessível prove a aceitação. Poderia propô-la ou defender o espólio; se importa aceitação, ou se não importa,
não cabe discutir-se no processo. O que o autor ou réu da ação pode pretender é que o sucessível prove a chamada,
coisa diferente.
4. FUNÇÃO DA ACEITAÇÃO. — A aceitação definitiva, a herança: mas o sucessível não procede sem direito de
escolha, pois que a lei tornou revogável a declaração. Donde três fases:
a) a do sucessível com alternativa, com o qual os credores da herança não têm ligação direta; b) a do que aceitou, e
fica ligado aos credores da herança, e responde pelos atos que praticou, não como gestor da herança, mas sim como
dono. A diferença é sutil, mas de importância prática: quem aceitou a herança, se, depois, a revoga, não pode
invocar que tudo ocorreu como se não tivesse ocorrido; as penhoras feitas pelos credores valem; o endossante da
cambial que pertencia ao herdeiro e de responsabilidade do morto fica exonerado se não foi protestada no lapso da
abertura da sucessão e da vigência da aceitação, ou se, protestada, ele não pagou por ter ocorrido a confusão. Ora,
esse último efeito não aconteceria se o sucessível não tivesse aceito a herança.
Antes de o chamado aceitar, o sucessivo pode requerer ao juízo que se protestem títulos, que se intimem ou citem
possuidores, que se transcrevam títulos de aquisição sujeitos a registro, ou, por si só, levá-los a tais formalidades
conservatórias. Nada obsta a que o sucessível do grau subseqüente, enquanto o preferido não aceita, peça a partilha
dos bens, exerça as ações sucessorais, tome posse de bens, conteste ação contra o espólio, proponha a ação de
nulidade de testamento. A jurisprudência francesa foi, acertadamente, até essas conseqüências, que, se dão ao
subseqüente margem ampla de ação, assaz se justificam pelos perigos, para ele e para os terceiros, da inação do her-
deiro. Os opositores criticam à jurisprudência ser fundada na inaceitável concepção da saisina coletiva ou virtual,
mas são obrigados a reconhecer que as decisões, embora criticáveis, traduzem necessidade de fato (e.g., MARCEL
PLANIOL e GEORGES RIPERT). É ladear o problema. Necessidade de fato, que cria direitos, é fundamento de
direito, e não necessidade de fato. Ora, se existe fundamento para que se dêem aos sucessíveis da classe
subseqUente atuações tão fortes, é que a situação deles não é a de simples autorizados a atos de conservação. Eles
têm poder maior: o do Código Civil, art. 1.584, que é a ação provocaduca; mas dessa não se pode usar quanto aos
ausentes, sem que se arrisquem os requerentes às conseqUências da aceitação presumida do art. 1.584, que os exclui
definitivamente. Há, às vezes, interesse em não se usar da ação provocatória.
A aceitação não se presume; mas pode ser tácita. Aqui, C. DEMOLOMBE (Cours de Code Napoléon, XV, n. 4),
impressionado com a instantaneidade da saisina, entendia que por essa se presumia a aceitação. Mas sem razão: a
aceitação não se presume; a saisina passa ao que recolhe, ao chamado, pois que aceitou, aos co-herdeiros ou aos
sucessíveis da classe subquente, se o chamado recusou e esses aceitaram. A saisina do sucessível terá sido, se houve
aceitação; não terá sido, se, no caso, ocorre renúncia.
A aceitação é absoluta, pura, indivisível. Absoluta, quer dizer: ato adversus omnes. A respeito de todos, de quem
quer que seja. Não se pode aceitar para beneficiar a A, ou a B, e não a C. Pura, pode ser subordinada a condições,
ou termo. indivisível, ou se aceita por inteiro, ou se renuncia.
A abstenção e a renúncia são atos abdicativos puros; não admitem condições, nem termos, nem divisão. Nem os
beneficiados por um ou outro precisam aceitá-lo; têm de aceitar, ou recusar, a herança que lhes vai. Com a
abstenção ou a renúncia, o que recusou põe-se fora da herança, desde todo o princípio, como estranho.
Todos os sucessíveis podem renunciar a herança, sejam os testamentários, os legítimos não-necessários, ou os
necessários. Às vezes, à morte do sucedendo, discute-se, em ação, a filiação ou a identidade do sucessível. Se o não
sucessível renunciou e foi julgada a ação contra ele, renunciou o que não lhe era atribuído. Se renunciou e venceu
como sucessível, válida e eficaz foi a renúncia.
5. RENÚNCIA E HERANÇA TESTAMENTÁRIA. — O renunciante, quer seja herdeiro legítimo, quer seja
testamentário, abdica. Abdicação, que é renúncia, corte da própria figura. Quando ele renuncia a herança não a
transmite: ele é que desaparece da sucessão; reputa-se nunca ter sido. É princípio comum. Mas os efeitos são
reveladores de sutilezas que escapam ao princípio: a) Tolda a pureza do princípio, acima formulado, o fato de não se
dar a representação (algo fica na figura do renunciante, tanto assim que ele não se reputa morto. para que
descendente ou irmão o represente) . A diferença, criada pela lei, entre a morte e a renúncia do herdeiro, mostra que
o ato abdicativo não transmite a herança, que o renunciante não é, porém que o seu ato opera contra ele mais do que
operaria a morte. A morte depois do testador, porque aos seus herdeiros iria o direito de manifestar-se; antes do
testador, porque poderia dar-se a representação. b) A recusa pelos herdeiros testamentários, herdeiros feitos pela
vontade do testador, e não pela lei, obedece aos arts. 1.710-1.716, ainda no que concerne ao art. 1.713, são ius
disponitium e não ius cogens, como os arts. 1.588 e 1.589.
A renúncia da herança apaga a ligação do renunciante para com a herança. Ele, para os efeitos sucessórios, não foi.
Herdeiro legítimo ou testamentário não teve Sazsifla; tiveram-na os que se beneficiam com sua renúncia. Os outros
herdeiros, ou os herdeiros do grau subseqüente na sucessão legítima, foram os donos e possuidores da herança desde
o instante da morte do hereditando.
A renúncia exige capacidade e certas formas. Só há renúncia expressa, para que se não presuma o abandono de um
direito e não se criem, em torno de ato abdicativo, incertezas quanto a atos de que resultaria, ou não, a recusa tácita.
A doutrina é no sentido de que, quaisquer que sejam as circunstâncias, as presunções hominis, as recusas não se
presumem. Mas cumpre que se examinem dois casos. a) Se o sucessível aceita qualidade incompatível com a de
herdeiro, apode-se afirmar que não houve tácita recusa? j, Não seria exemplo de renúncia tácita? O sucessível
aceitou legado que se lhe fêz sob a condição de não intervir na sucessão a título de herdeiro: aí, a aceitação é
exclusiva da qualidade de herdeiro. Alega-se que o testador, com isso legou e excluiu o herdeiro legítimo, o que
podia fazer: não houve renúncia. Mas verdade é que o testador não fêz tal exclusão: instituiu, pois que admitiu fosse
herdeiro ou legatário. A exclusão tácita pode não existir no testamento. Se existir, toilitur quaestio. b) Se o
sucessível deixa que expire .0 prazo sem deliberar, ou recusou, tacitamente, a herança? A doutrina pende, quase
toda, para a afirmativa; mas incorre na grave confusão de renúncia com expiração de prazo. A identidade dos efeitos
não faz idênticas as causas. Que a expiração do prazo tenha os mesmos efeitos que a recusa, não se discute: o art.
1.58~ e o 1.594, 1) a parte, importam o mesmo quanto ao acrescimento e quanto ao recolher da sucessão; os
herdeiros, a que s~ refere o art. 1.594, são os que se habilitarem segundo o art. 1.589, de certo modo implícito no
art. 1.594. A renúncia tácita constituiria noção artificial, estranha; porque igual razão haveria para se presumir a
aceitação, e porque o art. 1.581 foi claro em dizer que a renúncia deve constar, expressamente, de escritura pública,
ou de termo judicial. A verdade está no seguinte: o direito de manifestar-se, por definição, é direito de aceitar ou de
não aceitar; aceitação e renúncia são atos que se excluem, que bifurcam o querer e depois o unificam num só. Na
expiração do prazo não há isso: nenhuma cisão do querer, e sim só a ausência do querer; nenhum ato volitivo, mas
sim só a inexistência de atos volitivos. Não há duas faculdades distintas, não há o direito de escolher; há, em causa,
o próprio direito de suceder. Por isso, com a expiração do prazo, não se afasta a aceitação. nem a renúncia; afastam-
se, inescindNelmente, uma e outra, porque cessa, com o direito de sucessão, o direito de manifestar-se. Não
renunciou; o que se dá é que, sem aceitar, nem renunciar, já não é herdeiro. Se não é herdeiro ~como estar-se a
discutir se houve, ou não, renúncia tácita? A renúncia não pode ser em testamento. Inserta em testamento, os
herdeiros do testador renunciante podem usar do direito de deliberação. Não há renúncia de herança em testamento
(F. HERZFELDER, J. v. Staudingers Kommentar, V, 96). Os efeitos do testamento são co-instantâneos com a morte
do testador, mas co-instantâneos também são as transmissões dos seus bens aos seus herdeiros. A esse vai o direito
de manifestação de vontade; a herança pode ser recusada no momento anterior a morte; portanto, não em testa-
mento, ato cujos efeitos datam da morte.
7. PRAZO PARA DELIBERAÇÃO. — O prazo marcável pelo juiz, ou o prazo fixo do direito alemão e do suíço,
constitui vantagem para os possíveis herdeiros próximos e para os credores. É de interesse do credor do espólio
saber quem aceita a herança, como do credor do herdeiro vigiar o ato abdicativo desse, a fim de usar do que lhe
permite a lei. O Código Civil, no art. 1.584, diz que o prazo razoável, fixado pelo juiz, a requerimento do
interessado, não será maior de trinta dias. Mas isso não pode aplicar-se às instituições de pessoas jurídicas que
precisem de autorização do Govêrno, porque, então, o ~prazo terá de contar-se depois dessa.’ ,E o caso do
nasciturus? Marca-se o prazo ao representante legal ou ao curador do ventre? Se nasce depois dos trinta dias? j,Tal
exigência formal lhe pôs a salvo os direitos, como diz o art. 4 do Código Civil? A solução deve ser a que teve o
sistema jurídico alemão, mutatis mutandis. Desde a intimação corre o prazo, se já nasceu; se, feita a intimação, o
herdeiro ainda não nasceu, o prazo somente corre a partir do nascimento. Quid iuris, se, feita a intimação antes do
nascimento, morre ou é destituído o representante? Certo, não se trata de prescrição, de modo que se pudesse
aplicar o art. 169, 1. É preclusivo o prazo. Tratando-se de menor sob tutela, isto é, nascituro não sob a curatela do
pai ou da mãe, é imprescindível a autorização do juiz (art. 427, III), de modo que a fixação de prazo do art. 1.584
não pode ser atribuida ao juiz de órfãos: somente corre a partir da autorização. Se o representante não a requereu, o
mais prudente proceder é o de um juiz oficiar ao outro, e certo bastará tal negligência para a destituição. Se o
curador do nascituro é o pai ou a mãe, precisa, igualmente, de autorização (art. 386) : a renúncia pode equivaler à
alienação gratuita. Se o nascituro ou qualquer outro incapaz está sem representante legal, ou ficou sem ele, o prazo
somente pode correr contra ele quando a incapacidade cessar, ou quando lhe for dado representante legal. Vale isso
ainda quando a falta se dá durante o correr do prazo. Se nasce morto, não houve aquisição. Se eram dois, ou mais,
e algum ou alguns nascem mortos, só se operou quanto ao outro ou aos outros. O prazo corre para cada pessoa. Se
não nasce vivo o herdeiro, quem deve recolher a sucessão, ainda que representante do nascituro, precisa receber
nova intimação com prazo fixado. Se o representante aceitou pelo nascituro e esse nasce morto, pode aceitar por si,
se é o herdeiro chamado. Aliás, se renunciou a parte que lhe cabia para beneficiar o nascituro, e esse nasce morto,
não pode retratar a renúncia, porque não houve dolo, nem violência, nem erro; teria sido renúncia condicionada, e o
Código Civil, no artigo 1.583, a proibe. Mas, se aceitou, e nasce vivo o nascituro, pode revogar a aceitação:
porquanto, se o art. 1.583 não permite a aceitação condicionada, o art. 1.590 admite que se revogue. O intimado
pode alegar farsa maior (JULIUS BINDER, Rechtsstellung des Erbeu, 79 s.; EMIL STROHAL, § 61; contra
HEEGER, tber die Anftchtung der Versãumung der Auschlagsfrist wegen Irrtum, 8 s.), assunto sem importância
prática no Brasil, devido ao art. 1.590. A falência do herdeiro não atinge de modo nenhum o prazo do art. 1.584?
Segundo o § 9 da Lei alemã de falência, é sem qualquer significação o concurso de credores. No Brasil, o art. 1.586
permite aceitação pelos credores do renunciante; mas isso, quer haja, ou não, falência, ou outro concurso de
credores.
8.RENÚNCIA DA HERANÇA E CREDORES DO SUCESSÍVEL. —A renúncia priva o sucessível de todo o ativo
hereditário. Por isso, pode prejudicar os credores. Rigorosamente, nem sempre há fraude contra eles; mas a técnica
legislativa teve o fito de protegê-los, ainda quando não haja fraude. Daí a diferença entre o Código Civil, art. 1.586,
e a ação Pauliana. Mera proteção do credor. Discute-se qual é o fundamento na França, de cujo sistema jurídico veio
o art. 1.586, do Código Civil brasileiro. Entende-se que é aceitação pelo devedor, como seguimento a (implícita?)
ação Pauliana (C. DEMOLOMBE, XV, Cours de Cade Napoléon, n. 77), ou que deriva do art. 1.166, relativo ao
direito dos credores de aceitar du chef de leur débiteur. Ora, em verdade, a criação francesa foi independente da
noção de fraude; portanto, da ação Pauliana, e parece-nos errada a concatenação feita pelos escritores, aliás todos os
que versaram o assunto (AUBRY ET RAU, Cours de Code Civil, IX, § 613, texto e nota 34; F. LAURENT,
Principes de Droit Civil français, IX, n. 473; G. BAUDRY-LACANTINERIE et ALBERT WAHL, Traité théorique
et pratique de Droit Civil, II, n. 1.707; PAULE MXLLET, La Reuonciation à la Succession, 170.)
9. LEGITIMAÇÃO ATIVA. — Os credores, a que se refere o Código Civil, art. 1.586, são os do sucessível
renunciante, e não os da herança. Em todo o caso, pergunta-se: ~ quid iuris, se a recusa é feita no intuito de lesar os
legatários? ,~ Têm esses o mesmo direito? Afirmativamente, AUBRY et RAU, Cou.rs de Droit Civil, IX, § 613, nota
33; G. BAUDRY-LACANTINERIE et ALBERT WAHL, Traité théorique et pratique de Droit Civil, II, n. 1.715. e
1.716). Não temos dúvida em aceitar a solução (não a extensão); mas com outra explicação do propósito nocente:
a) se prejudica o legado, e esse tinha de ser cumprido pelo renunciante, e só por ele, o legado cai com a renúncia do
irdefiro, e só o ânimo de ofender poderia intervir; b) se separável da personalidade do renunciante, cumpri-lo-ão
alquiles a quem acrescer, ou a quem passarem os bens. O legatário, no caso a), tem a ação fundada na fraude ou na
simulação, e não a do artigo 1.586, como teria o cônjuge contra o outro cônjuge que renunciasse a herança para
fraudar o contrato antenupcial e desviar os bens que deveriam comunicar-se. Pode fundá-la no abuso do direito
(Código Civil, art. 160, 1). De qualquer modo, é preciso provar-se que a fraude ou simulação existiu, ou que se
usou, irregularmente, da faculdade legal de renunciar.
10. NOÇÃO SUPÉRFLUA DA FRAUDE. — Não é preciso provar-se a fraude, no que difere da ação Pauliana a
ação oriunda do art. 1.586 do Código Civil. Aqui, o Código Civil, com o seu silêncio, dá ganho de causa à
jurisprudência francesa contra a maioria dos autores, sem razão, esses, em não assimilarem o art. 783 do Código
Civil francês à ação Pauliana. Entre uma e outra solução está a decisão de Grenoble, a 29 de abril de 1852:
se a lei não previu, é que “a evidência do prejuízo causado exclui toda boa fé e põe em relevo a intenção manifesta
de fraudar os credores”. Seria presunção de má fé, posta na lei. Mas é intrusa tal explicação. Não se cogitou, e não
se cogita, de prova da fraude: mostra-se, tão-só, que há prejuízo na renúncia. Se assim não fosse, a lei teria mandado
aplicar os arts. 106-113. A palavra “fraude” estava no projeto do Código Civil francês; substituiram-na por prejuízo.
Propositadamente. Portanto, a prova da fraude não é necessária (assim, AUBRY et RAU, Cours de Droit Civil, IV, §
313; A. DEMANTE, Programme du Cours de Droit Civil français, II, n. 471 bis, 1, II; A. DEMANTE et COLMET
DE SANTERRE, Cours analytique d~ Droit Civil, III, n. 82 bis, IX, X). Mas argúem outros que ainda não se
discutira o art. 1.167, para se saber se seria exigida, ou não, a fraude, para a ação Pauliana (C. DEMOLOMBE,
Cours de Code Napoléon. 25, ns. 192-195; F. LAURENT, Principes de Droit Civil français, 16, n. 445;
THÉOPHILE HUC, Commentair théori que et pratique du Código Civil, VII, n. 221). Os dois únicos argumentos,
que nos poderiam parecer sérios, seriam: o tratar-se desigualmeute, sem razão, a doação, ato de alienação, mais
suspeito, e a renúncia da herança, abdicativa. Se a herança, pelo fato dos herdeiros, se torna vantajosa, os credores
podem aceitar pelo renunciante que se fundara no valor verdadeiro dela. Pergunta-se: ~ cumpre distinguir-se, do
caso do acrescimento, o do herdeiro ou herdeiros da classe subseqüente? No primeiro. a renúncia prevaleceria; no
segundo, dando-se a chamada, tem-se dito, valorizaram o que é seu e o que seria seu, se aceita pelos chamados à
herança, não podem mais os credores usar da medida do art. 1.586, se bem que possam usar da ação Pauliana,
provando-se a má fé do renunciante e dos favorecidos. Ora, não cabe distinção. No Brasil, HERMENEGILDO DE
BARROS (Manual do Código Civil brasileiro, 18, 207 s.), continuou a ver no art. 1.586 mero caso da ação Pauliana
e o seu comentário obedeceu a esse pensamento inicial; mas dispensou a prova da fraude, ponto incontroverso no
Brasil. Além da medida do art. 1.586, os credores têm: a) a Pauliana, para os efeitos do art. 106-113; b) a ação por
simulação da renúncia, ainda que se trate de credores posteriores a essa.
11. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. — A lei fala em “autorização do juiz’ como o Código Civil francês, art. 788.
Discutiu-se se a autorização é necessária para se apreciar o valor da sucessão, e nela se verificar se há, ou não,
prejuízo aos credores (CHABOT DEL’ALLIER, Questiona transitoires sur le Code Napoléon, II, art. 788, n. 2); ou
se constituiu mera formalidade ligada a aceitação (F. LAURENT, IX, n. 473, 476). A verdade é que o juiz verifica se
cabe, na espécie, a medida do art. 1.586; não há autorizações que não constituam exame: se há prejuízo, concede-a;
o que êle não pode fazer é entrar na apreciação do ser beneficiaria, ou não, para o credor, revogar a renúncia.
12. NULIDADE E ANULAÇÃO DA RENÚNCIA. — Pode acontecer que a renúncia seja nula ou anulável. Os
credores podem alegá-lo. Poderiam ir contra a renúncia válida; a fortiori. contra a renúncia nula ou anulável. Quem
pode o mais, pode o menos. Aliás, praticamente, nunca pedem a anulação, porque mais fácil é a medida do art.
1.586 que a decisão sobre anulabilidade.
13. TRANSMISSÃO DO DIREITO À MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. — Depois de aberta a sucessão, e
antes de se pronunciar o herdeiro, é transmissível a causa de morte o direito de deliberar (Código Civil, art. 1.585).
Há quem assimile tal situação à de quem tem o direito de representação, por se tratar, em ambos os casos, de morte
do sucessível. No caso de ins representationis, antes da morte do decujo dá-se a morte do que seria chamado à
sucessão; depois da morte do decujo, também haveria. Mas, em verdade, o paralelo é ocasional. Os dois institutos
nenhum parentesco têm, quer dogmático, quer histórico. O art. 1.585 é conseqüência lógica do art. 1.572, isto é, da
saisina germânica, que o direito francês recebeu. Aliás, a experiência já ia abrindo brechas à regra romana hereditas
nondum aditanon transmittitur ad heredes (L. unica, § 5, C., de cadueis toflendi, 6, 51), por exemplo, a transmissio
iustineanea (L. 19, C., de iure deliberandi et de adeunda vel adquirenda heviditate, 6, 30), para o caso em que o
sucessível morresse dentro do ano~ em que lhe veio notícia da delação ou dentro dos têrmos eventualmente
prefixados para deliberar.
Mas, no direito brasileiro, como no francês, a hereditariedade da deliberação deriva do princípio da aquisição e o
ipso.
Algumas conseqüências dos arts. 1.572 e 1.585:
a) Se C renuncia a herança de B, que estava na posição jurídica do art. 1.585, em relação à herança de A, isto é, se
se achava no apatium deliberandi, prefixado ou ordinário, necessáriamente renunciou o que lhe viria da herança de
A. A herança de A estava no patrimônio de B. Mas os herdeiros B, em virtude do auto-afastamento de C, podem
aceitar a herança de A; porque, não tendo prefalecido C, ele não pode ser representado na herança de A. Não houve
renúncia da herança de A: o direito continua na herança de B, renunciada por C, mas, necessàriamente, transmitida
aos outros herdeiros de E (talvez, ao Estado).
b) Se o herdeiro do sucessível falecido aceita a herança desse, nela entra o direito de aceitar ou renunciar a herança
do decujo: pode aceitá-la, ou renunciá-la. Assim, se C aceita a herança de B, pode renunciar a de A. O que C herdou
de B foi a faculdade de deliberar: aceitou a herança de B e, agora, resolve renunciar ou aceitar a de A.
Até aqui, tudo é fácil, porque decorre, livremente, dos princípios. Admitamos que o herdeiro de B não seja somente
C, mas haja O, C’, C”, e não estejam de acordo em renunciar. Seria aceitação parcial ou renúncia parcial da
herança de A, parcial subjetivamente.
Os Códigos Civis procuram a solução técnica:
A) No Código Civil francês, art. 782 (cf. Código Albertino, art. 995), aceitação forçada, a beneficio de inventário.
B) Solução da aceitação total pelos que querem aceitar (cf. Código Civil argentino, art. 3.316).
C) Solução de renúncia da parte correspondente à quota hereditária (Código Civil alemão, § 1.952).
D) Solução ibérica: “Se os herdeiros se não acordarem sôbre a aceitação ou sôbre a renúncia, podem uns aceitá-la e
repudiá-la outros; mas, se uns quiserem aceitá-la simplesmente, e outros a benefício de inventário, haver-se-á por
aceitada beneficiàriamente (Código Civil português revogado, art. 2.031, Código Civil português de 1966, art.
2.058: “1. Se o sucessível chamado à herança falecer sem a haver aceitado ou repudiado, transmite-se nos seus
herdeiros o direito de aceitar ou repudiar.
2. A transmissão só se verifica se os herdeiros aceitarem a herança do falecido, o que não os impede de repudiar,
querendo, a herança a que este fora chamado”. Cf. Código Civil espanhol, art. 1.007.
A aceitação beneficiária obriga à conferência das liberalidades (C. DEMOLOMBE, Co’urs de Code Napoléon, XIV,
348, F. LAURENT, Cours élémentaire de Droit Civil, IX, 375; THÉoPHILE Huc, Comme, taire théorique et
pratique du Code Civil, 171; e outros. Se o desacôrdo só se produziu por isso, é possível que os outros se
houvessem combinado para obrigar a conferir os bens. No antigo direito francês a solução era mais feliz: ao juiz
decidir quid melius, e disso C. DELVINcoURT (Coura de Code Civil, II, 28, nota 7) e A. DEMANTE tiraram que
em certos casos os juizes do Código Civil poderiam impor a renúncia; mas o artigo é claro, tão claro quanto dog-
màticamente cego.
As soluções B) e C) são entre si contraditórias: aceitação total, renúncia parcial; e as conseqüências são as
seguintes:
toda a herança do decujo vai aos que aceitaram, conforme a solução B); a herança do decujo (solução alemã) vai
somente aos que aceitaram, de modo que ~a parte que corresponderia aos outros passa, não aos que aceitaram, mas
aos que concorrem com o sucessível morta.
Em todo .o caso, é de notar-se que a interpretação do Código Civil alemão, § 1.952, não foi pacífica. ~A quem havia
de ir a parte do herdeiro renunciante na sucessão do primeiro decujo? Eis as soluções: a) aos herdeiros do primeiro
decujo, que o seriam, se, ao tempo de morte, já tivesse falecido o sucessível, cujo ius deliberandi se herda (MAx
HACHENBURG, Das BGB., 656; E. GOLDMANN e L. LILIENTRAL, Das Bilrgerliche Gesetzbuch, 319;
GEORO FROMMHIOLD, Das Erbrecht, nota 1 b) ao § 1.952; H. MAYER-R. REIS, Lehrbuch des Familien, und
Erbrechts, II, § 70, nota 27; PAUL KÓLNE u. RICHARD FEI.ST, Die Nachlassbehand~ung, § 146, B, IV, f, 2).
Ficção, essa, de sérias e graves dificuldades. b) A quota dos renunciantes iria aos seus co-herdeiros (PAUL
OERTMANN, Civilistische Rundschau, Archiv flir Bilrgerliches Recht, 14, 366; 15, 443). c) Os herdeiros de B,
sucessível morto, quando renunciam a parte da herança de A, não atendem à situação dos seus co-herdeiros:
os herdeiros de A recebem o que foi atingido pela renúncia, de modo que houve derrogação do princípio de virtude
da deliberação (F. RITGEN, em G. PLANCK, Kommentar, V, 48; L. ENNECCERUS u. II. LEHMANN, Lehrbuch,
II, 677; EMIL STROHAL, Das deutsche Erbrecht, § 61, d, nota 5; H. DERNBURG, Das biirgerliche Recht, V,
§5.0; ANDREAS VON TUHR, Der Allge’rneine Teil, 1, nota 3; WILHELM ERNST KNITSCHKY, Erbschaft und
Erbtheil, Archiv fitr die eivilistische Praxis, 91, 292; F. KRETZSCH MAR, Das Erbrecht, § 56, a. 27; CARL
CROME, System, V, § 667, nota 63; F. HERZFELDER J. v. Staudingers Kommentar, V, 113). Por isso mesmo, um
co-herdeiro de B não fica sujeito às exigências de prazo, que caberia aos outros ou a algum dêles.
Se recorremos aos Motive (V, 493), veremos que os legisladores alemães não vacilaram em dar solução prática,
ainda com o prejuízo de ferirem os princípios da comunhão ipso iure e da indivisibilidade da aceitação. Atenderam à
circulação dos bens e ao que lhes pareceu vantagem econômica. Mas é preciso notar-se que só foram derrogados
para se permitir a renúncia parcial: os que aceitaram, estão, entre si, sujeitos ao princípio.
Qual a solução do direito brasileiro?
É uma das lacunas do Código Civil. CLOVIS BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 31) censurou e afastou a
solução francesa, mas disse que “cada um se pronunciará segundo entender”. Que solução seria essa? Não se sabe se
aceitou a italiana que encontrara, ou a alemã. HERMENEGILDO DE BARROS (Manual do Código Civil
brasileiro, 18, 204) foi claro: podem aceitá-la e outros renunciá-la, contanto que aceitação (“e a renúncia”,
acrescentou, mas foi lapso) não seja parcial. Noutros termos: se um aceita, a herança está tôda aceita. Não se tem,
no Código Civil, nenhuma limitação ao art. 1.583, de modo que se mantém integro o princípio da impraticabilidade
da aceitação. Tem-se o art. 1.585. A solução que vemos sacrificar a estrutura do direito hereditário, segundo a
concepção (germânica) do art. 1.572, seria a solução que era a italiana. Tal regra jurídica constitui, por um lado, a
medida técnica mais pura e mais acorde com os princípios, e, por outro, a mais afeiçoável ao sistema jurídico
brasileiro. Outra, pura mas oposta, e derrogatória de um princípio, é a alemã; porém não está no sistema brasileiro,
em nenhum dos artigos do Código Civil que se possam invocar.
15. LEGITIMAÇÃO PASSIVA. — O pedido do Código Civil, art. 1.586, faz-se contra o renunciante, os herdeiros
ou os sucessíveis da classe subsequente. Esses são partes, a título de’ intervenientes. (Se houve aceitando e, depois,
cessão, sob a forma de renúncia, a ação somente pode ser a ação Pauliana:
se gratuita, ou onerosa, a estranho, ou a herdeiros, ou sucessíveis de classe subseqüente. Está-se em planos de
matéria contratual.) A cessão gratuita, pura e simples, da herança aos demais herdeiros, ou aos da classe
subseqüente, constitui renúncia, e cabe a medida do art. 1.586.
Até quando o credor do art. 1.586 pode aceitar pelo devedor herdeiro renunciante? Enquanto não se afasta a aceita-
ção, cabe a intervenção do credor do renunciante. Ora, no direito brasileiro, não há prazo para isso; portanto, até
passar em julgado a sentença que julgou o cálculo da adjudicação ou a partilha. O credor não é terceiro que possa
impugnar tal adjudicação ou partilha passada em julgado para os herdeiros:
a sua intervenção só pode ser em nome do renunciante, contra o qual já se operaram todos os efeitos da renúncia. Os
herdeiros ou os herdeiros da classe subseqüente, com o pagamento dos credores do renunciante, podem afastá-los.
16. CREDORES E DESTINO DOS BENS. — Revogada a renúncia, pela aceitação dos credores, os bens que
restarem do pagamento vão aos herdeiros ou aos sucessíveis da classe subsequente. O Código Civil, art. 1.586, 2.~
alínea, diz “herdeiros”, e havemos de entender conforme as regras dos arts. 1.588 e 1.5.89. O credor não é
herdeiro, nem se equipara a herdeiro: não fica com os direitos de ser nomeado inventariante, ou testamenteiro, como
teria o renunciante: até a concorrência da soma dos seus créditos tem os direitos que sobre os bens teria o sucessível,
se aceitado houvesse. Se o herdeiro renunciante devia conferir, a aceitação pelos credores obriga-os a fazê-lo, como
se o sucessível tivesse aceito; quer dizer, imputando-se à metade legítima necessária. Discutiu-se na França. A impu-
tação será feita como se tivesse havido aceitação; e não, como entendeu a justiça francesa (Chambre des Requêtes, 2
de maio de 1899), que se apoiou no efeito relativo da revogação da renúncia, para decidir que a imputação
continuaria a fazer-se sobre a quota disponível. Solução duvidosa e pouco prática, porque obrigaria a duas
liquidações, uma, da renúncia (que teria existido em parte!), e outra, da aceitação pelos herdeiros. O direito do
renunciante é o que seria. A atitude do credor insere-o na relação jurídica, tal qual seria e se admite que seja, para a
eficácia da inserção dos credores.
17. ACEITAÇÃO E CREDORES. — Os credores não podem usar da medida do Código Civil, art. 1.586, contra a
aceitação. Só a renúncia pode prejudicá-los. HERMENECILDO DE BARROS (Manual do Código Civil brasileiro,
18, 228-230) procurou, longamente, provar o contrário, invocando CLÓVIS BEVILÁQUA, em livro anterior ao
Código Civil. Sem razão. Se o devedor aceita a sucessão e assume as dividas da herança, não prejudicou os credores
com a aceitação, e sim com o fato de assumir as dividas, obrigação nova que nasce no dia em que a contraiu e pode
não ser o dia da aceitação. Claro que contra essa obrigação pedem os credores invocar os arts. 106-113 do Código
Civil; não contra a aceitação, que, por farsa do art. 1.587, não pode lesar os credores. No Código Cível argentino,
art. 3.340, compreende-se que se dê a revogação da aceitação pelos credores, porque lá existe responsabilidade
ilimitada (arts. 3.342, 3.343 e 3.371). No Brasil, não.
1. REVOGAÇÃO. — O exame do Código Civil, art. 1.590, dissocia três noções: a) a da revogabilidade da
aceitação, criação legal; b) a da irrevogabilidade da renúncia com uma exceção única; c) a da anulabilidade da
recusa e da aceitação, com a permissão do processo célere com referência à recusa (retrata ção do art. 1.590, 1~a
parte). No direito anterior, só o menor podia revogar a aceitação.
2. REVOGABILIDADE DA ACEITAÇÃO. — Pergunta-se: j. a regra jurídica do Código Civil, art. 1.590, relativa à
aceitação, deve ler-se como permissiva da livre revogabilidade, como se dá com a renúncia no direito francês, ou
como se estivesse subentendido que só o pudesse ser nos casos de violência, êrro ou dolo? A doutrina corrente é pela
segunda solução (HERMENEGILDO DE BARROS, Manual do Código Civil brasileiro, 18, 277; CLÓVIS
BEVILÁQUA, Código Civil, VI, 37). Tal era o pensamento do Projeto de Felício dos Santos, art. 1.459, do Projeto
primitivo, art. 1.747 (revisto, art. 1.922) e do parecer do Senado, art. 1.594. O texto até 1913 fora o seguinte (Projeto
da Câmara n. 1, 1902, art. 1.594): “A renúncia é retratável por violência, erro e dolo; a aceitação o é nos mesmos
casos e mais quando, pela descoberta do testamento, a herança se reduz a menos de metade”. Mas foi emendado
(Senado, emenda Noemiro 1.547) : “É retratável a renúncia quando proveniente de violência, erro ou dolo, ouvido a
os interessados. A aceitação pode retratar-se, se não resultar prejuízo a credores, sendo lícito a estes, no caso
contrário, reclamar a providência referida no art. 1.590”. Nenhuma referência aos mesmos casos; e isso, de
propósito, como se vê dos motivos da Comissão Especial da Câmara (Projeto n. 2, 1913): “Compõe-se esta emenda
de duas partes; na primeira acrescenta as palavras: ouvidos os interessados, com as quais supre a falta de clareza do
art. 1.594, e na segunda modifica a disposição, facultando a renúncia de aceitação da herança e ressalvando a
hipótese de prejuízo do~ credores, com a providência consignada no art. 1.590. É conveniente a aceitação desta
emenda”. Ficou, pois, o Código Civil com a possibilidade de se voltar sobre a aceitação, como, no direito francês,
sobre a renúncia, constituindo inovações de um e do outro sistema jurídico. A terminologia do Código Civil
brasileiro é defeituosa: no fundo, o art. 1.590 contém dois elementos conceptuais diferentes, um de anulação, e
outro, de revogação, a primeira fundada na violência, dolo, erro, ou fraude, a segunda, sem necessidade de
fundamento, se bem que, como declaração de vontade, se lhe possa argüir a nulidade ou a anulabilidade. A
interpretação de CLÓVIS BEVILÁQUA ressentiu-se do vício de grande parte dos seus comentários:
lei, através do texto legal, diferenciado, seria o que pretendera no seu projeto.
Para explicar a inovação francesa, A. DEMANTE (Cours analytique de Code Civil, III, n. 111 bis 1) alegava que a
sai-sina só se refere ao sucessível chamado em segundo lugar sob a condição resolutória de aceitação feita pela
renúncia rebus ad huc integrus, — contraditório fundamento, porque resolução e salvaguarda de direitos adquiridos
são conceitos que se repugnam e, além de contraditório, inaceitável, pois que há efeitos contra terceiros. F.
LAURENT (Príncipes de Droit CivU français, IX, n. 450) renuncia a explicá-lo, por considerá-lo anomalia. Outros
o viam como tendente a evitar a vacância, e eram quase todos os novos juristas. Mas nenhuma das explicações serve
ao caso brasileiro, aliás só explicável pela consideração da fisionomia do direito hereditário do Código Civil:
responsabilidade só dentro das farsas da herança (art. 1.587); salvaguarda do interesse dos credores (arts. 1.586 e
1.590, 2.~ parte). Na inovação francesa criou-se situação anômala ao chamado em segundo lugar, pois seus
credores, e.g., podem ter penhorado o quinhão, cujos débitos se confundiram. Por isso, a revogabilidade não persiste
após a aceitação por esse. Na inovação brasileira, não: aceita a herança, sob a possibilidade de revogar-se a
aceitação, só os credores podiam ser lesados, mas os seus interêsses são acautelados pelo próprio art. 1.590, 2•a
parte (art. 1.586). Se o falecido só deixou um herdeiro e netos representantes, a revogação da aceitação altera a
vocação, porque, pelos arts. 1.588 e 1.589, os herdeiros do renunciante não herdam, mas, renunciada a herança pelo
único herdeiro chamado em próprio nome, não cabe representação pelos netos, filhos do herdeiro pre-morto, e a
herança devolve-se à classe subseqüente, que é composta dos netos em geral, filhos do pre-morto e do renunciante,
por direito próprio e por cabeça (artigo 1.588). Aqui, a inovação da lei pode ser antes de julgado o cálculo, ou de ir
à partilha. Tudo se tem de reformar, mas, indiscutivelmente, às expensas do revogador da aceitação. Não é absurda
a inovação da lei, desde que a construção obedeça aos princípios jurídicos fundamentais, e não se introduzam
noções estranhas. O art. 1.590 fêz revogável a aceitação, em vez de só considerá-la anulável por violência, erro, ou
dolo, como a renúncia. Dele têm-se de concluir: a) que a aceitação é revogável; b> que é anulável, nos casos em
que o é a renúncia, mas sem a celeridade dó art. 1.590, 1~a parte (retratação). A anulabilidade pode tocar à aceitação
expressa como à tácita.
4. CASOS DE INVALIDADE. — Além dos casos acima referidos, à aceitação e à renúncia pode ser decretada
nulidade, ou anulação, por incapacidade absoluta ou relativa do sujeito; e àrenúncia a nulidade, por falta ou defeito
de forma. A nulidade pode ser invocada pelo renunciante, ou pelo aceitante, ou qualquer interessado. No caso de
renúncia convencional (aceitação mais alienação), constituída, portanto, doação ou cessão, ~o os terceiros
interessados podem intervir: a herança foi aceita. Está-se em matéria contratual, e não hereditária.
5. DIREITO
PATRIMONIAL DA AÇÃO DE NULIDADE OU DE ANULAÇÃO. — penhorável o direito patrimonial oriundo
de ação de nulidade ou de anulação da renúncia da herança (PAULE MALLET, La Renoneiation à la Succession,
195), quer no caso do art. 1.590, do Código Civil, quer nos de aplicação dos. arts. 86-113, quer no de incapacidade,
e falha ou defeito de forma.
6. DEFEITOS DE VONTADE (ANULAÇÃO ORDINÁRIA E REGRA JURÍDICA DO CÓDIGO CIVIL, ART.
1.590, 1~a PARTE). — A aceitação e a renúncia são anuláveis por defeito da vontade. Anuláveis, como os atos
jurídicos entre vivos; aliás, trata-se de ato entre vivos, e não mortis causa (THEODOR Kíp, Lehrbuch des
biirgerlichen Rechts, III, 3.~ parte, 174; ~ 2~a ed., 472). Não é’o simples erro que a faz anulável; é preciso que, sem
ele, não tivesse havido a declaração. O erro sobre qualidade dos bens é suficiente para a eiva. O valor não é
qualidade, mas deriva das qualidades dos bens que compõem a herança e de outros fatores (L. INÍCIOS, H.
LIDIMAM, Lehrbuch des biirgerlichen Rechts, 1, § 157, nota 27, 427); portanto, o êrro sobre ele fundamenta a
ação, salvo se a apreciação fora subjetiva, ou não se atendeu a desvalorização de títulos, créditos, ou objetos.
Constitui razão bastante, para se pedir a anulação por erro,. aparecer, após a recusa, herdeiro necessário que se
desconhecia (THEODOR Kípp, 3~a parte, 175; 9~a ed., 473), ou outro testamento, que deva subsistir ou substituir o
que se mandara cumprir. A reivindicação posterior da herança não pode ser razão de nulidade por erro; foram fatos
que deviam ser conhecidos pelos sucessíveis, não essenciais à herança ao tempo da abertura da sucessão. Se
concerne à natureza do ativo, e não à das dividas, será invocável. Assim pensava ERNST STAMPE, em nota a
decisão alemã (Juritische Wocheiwchrift. 51, 22); porém com o errado fundamento de haver oferta causa mortis. O
erro sobre a pessoa do hereditando pode ser alegado: a herança, que se aceitou, ou foi renunciada, não era. de quem
se supôs. Mas, aqui, não houve, por bem dizer, aceitação, ou renúncia; a vontade foi nenhuma: aceitou-se ou re-
nunciou-se outra coisa. Há de ser erro de fato; salvo o que já dizíamos no Tratado dos Testamentos, sobre
escusabilidade excepcional do erro de direito. O sucessível que deixa de renunciar, porque não sabia que estava a
correr o prazo, pode alegar o erro. Assim, HEEGER, que dedicou ao assunto estudo. especial. Em parte contra,
KARL AUGUST HAUSER (Die Anfech tung der Versãumung der Erbausschlagungsfrist, Jhenings Jaksbitch@, 65,
271 s.). Com aquela opinião, THEODOR KíPP~ (III, 2.~ parte, 176; 9•a21~a ed., 474). Basta que a intimação
contenha dados inexatos (CARL CROME, System, V, 217, nota 3); mas êsse caso é de vicio formal da intimação, e
não caso de erro da renúncia. O’ art. 1.590 aplica-se ao caso do art. 1.584~ que contém aceitação.
A expiração do art. 1.584 pode ser atacada como o pode ser a aceitação. Primeiro, é revogável (art. 1.590); segundo,
pode ser inquinada de nula ou de anulável. As nulidades são as dos atos jurídicos de direito material e as dos atos
jurídicos processuais, inclusive as dos defeitos de vontade, que são as decorrentes de violência, erro, dolo, ou fraude
contra credores.
7. EFEITOS DA NULIDADE E REVOGAÇÃO. — A ação de nulidade da aceitação não vale renúncia: continua,
íntegro, o direito de deliberar. A ação de nulidade da renúncia não importa aceitação: persiste, integro, o direito de
deliberar. Porque tal é o princípio comum às declarações de vontade. Para que a nulidade da renúncia importasse
aceitação, e inversamente, seria preciso que o Código Civil contivesse tal regra jurídica. Não na tem. Tem-na o
Código Civil alemão, no § 1.957.
A ratificação da renúncia é impossível; será preciso refazer-se toda a renuncia, observadas as regras jurídicas
omitidas.
CAPITULO II
TESTAMENTO EM GERAL
1. MORTE E TESTAMENTO. — Com a morte, passam os bens da pessoa aos seus herdeiros. Atendem-se a
interesses gerais (estabilidade social e da família e outros proventos coletivos), no determinar-se a sucessão legítima
(necessária ou não); bem assim, a interesses do falecido, atendendo-se ao que, por sua vontade, dispôs no
testamento. Testamento diz-se, assim, o escrito público ou particular, pelo qual alguém exprime o que deseja, para
depois da morte, quanto aos seus bens, ou relações de ordem jurídica privada, como a nomeação de tutor aos filhos,
ou a gerência de uma casa comercial que lhe pertence. Noutros tempos podia o testamento cogitar de efeitos de
direito público. Hoje, isso repugna às idéias de democracia e de liberdade de escolha. Seria inconstitucional, por
exemplo, estabelecer-se a sucessão, por testamento, de qualquer cargo, função, ou título. O último reduto da
hereditariedade jurídica é o que concerne ao nome de família e ao patrimônio.
2. DEFINIÇÕES. — Testamento (diz-se) é o ato pelo qual a vontade de um morto cria, transmite ou extingue
direitos. Porque “vontade de um morto cria”, e não “vontade de um vivo, para depois da morte”? Quando o testador
quis, vivia. Os efeitos, sim, com serem dependentes da morte, somente começam a partir dali. Tanto é certo que se
trata de querer de vivo, que direitos há (excepcionalíssimos, é certo), que podem partir do ato testamentário e serem
realizados desde esse momento. Digamos, pois, que o testamento é o ato pelo qual vontade de alguém se declara
para o caso de marte, com eficácia de reconhecer, criar, transmitir ou extinguir direitos.
O testador declara o que quer. Porém não tem eficácia, desde logo, a sua vontade. Sai, como se ficasse a vogar, até
que êle morra. Só então pára, para ter efeitos. Até à morte, pode voltar atrás, desfazer-se, essa vontade. A imagem é
de ULPIANO: ambulatoria est usque ad vitae supremum exitum.
Na faculdade de testar há inteiro reconhecimento legal da dignidade humana e concessão de ser assaz respeitável, só
por si, a vontade individual. N~ podia cêdo aparecer, nas práticas sociais. Por outro lado, supõe grande
enfraquecimento dos laços costumeiros entre os bens do defunto e as pessoas a ele ligadas. Se tal amortecimento
não se verificasse, não se compreenderia que a vontade individual tão facilmente os cortasse e criasse outros, só
dependentes dela.
1. SURGIMENTO DO DIREITO DE TESTAR. — Para que surja o direito de testar, é de mister que a sociedade
venha a querer que a nova lei rasgue um pouco de lei antiga, que a postulação político-individualística abra as
brechas no costume, e que a família perca a extrema significação dos primeiros tempos. A concessão da simples
sucessão do filho ao pai, fato social, por ser comum o patrimônio, resiste visivelmente, onde já se reconhece o
direito de propriedade privada. Vimos, por exemplo, o direito hindu continuar sem testamento; na Ática, a despeito
de Sólon, só no século IV antes de Cristo se há por certo o direito de testar. No direito de Gortina, longo tempo se
passa sob o regime da propriedade privada, sem que apareça o testamento.
Fruto tardo, nos Germanos, o testamento, o que se lê em TÁCIO pode ser repetido quase ao findar a Idade Média:
heredes tamen auccessores que suique liberi, et nuum testamentum. Deus, e não o homem, faz os herdeiros, diziam
eles: Gott, nicht der Mensch, macht ctie Erben.
Em Esparta, a propriedade era indivisível e inalienável; passava, necessariamente, ao filho mais velho. Os cidadãos
chamavam-se Iguais, constituíam a camada do povo com direitos políticos, elegiam os foros, soberania nacional
diante dos dois reis hereditários, chefes religiosos e do exército e do conselho dos gerontes (gerontos). Esses, sob a
presidência dos reis, dirigia a política interna e a exterior, julgando os próprios reis. Foi o é foro Epitadeus que, por
simples decreto, permitiu a doação entre vivos e o testamento (PLUTARCO, Agis, 5), o que é para surpreender pela
transformação que à sociedade espartiata trazia tal medida.
Nos Germanos, com a comproviedade familiar, farsa intensa e inerte do costume, não aparece o testamento. Nulla
testamenta (TÁCITO, Germania, 20). Nas leis bárbaras, a despeito do contacto com os romanos, não o vemos
brotar: mal se percebem as Leges — a anatomia franca e o thinx lombardo -—que dependiam da existência de filhos
ou da deserdação do filho sobrevivente. Algo de adaptio in hereditatem, negócios jurídicos entre vivos, sem os
inconfundíveis traços dos testamentos. A instituIção nasce com os Merovingios e os Carolingios. A família perde a
rigidez. Intervinham considerações de ordem afetiva (filhos de descendente pre-morto, cônjuge), religiosa (legados
a pobres, corporações religiosas, principalmente), ou de amor próprio (privação de sepultura, se não provia a
necessidades piedosas). Pode dizer-se que o velho testamento romano — a casca, o envoltório — serviu para que se
enchesse de novos intuitos. Mas, no choque, no contraste entre o costume nórdico e o testamento romano, entre a
compropriedade familiar e o instituto individualístico, dois fatos se observaram: a) o caráter de negócio jurídico
entre vivos, que se lhe emprestou, às vezes com a comparência de parentes e amigos, que assentiam (laudatares); b)
a aparição dos executores testamentários (testamenteiros), originariamente amigos, que recebiam a incumbência de
executar a vontade do disponente. Sempre, ainda, negócio jurídico entre vivos.
2. RENASCENÇA DO TESTAMENTO. — Comparando esses tipos de obrigação póstuma, podemos ter melhor
noção da fisionomia jurídica do que chamaremos a preforma primitiva do testamento. O que se sabe da Treuhand
germânica completa ~o que sabemos da emancipatio familiae. Só mais tarde cessa tal feição entre vivos. Só após o
século XI é que começa a operar-se a renascença do testamento propriamente dito. Deve-se, ainda, ai, à Igreja, com
a sua insistente vigilância da morte> os seus tribunais eclesiásticos, com o seu assíduo procurar de esmolas e de
dádivas e com a sua política, tenaz, da absorção econômica. Mas, ainda no século XIII, são frequentes os negócios
jurídicos (H. AUFFROY, L’Evolution du Testamento, 594). A instituição de herdeiro, seguidor do morto, não re-
ponta; renova-se o instituto do testamento, mas já não é romano o conteúdo. Falta a figura do continuador do grupo
familial. Não é, digamos, negócio político jurídico, mas jurídico-econômico; não supõe a permanência temporal do
circulo família, e sim, estreitamente, a validade post mortem do querer individual. Vemos, por vezes, sob o influxo
religioso, associar-se o testamento à confessio in extremis. A penalidade da privação de sepultura diz bem da pressão
da Igreja contra os que não testavam, isto é, não instituiam legados. Só no século XV começa a laicizarão do
testamento no mundo cristianizado (J. ENGELMANN, Les Testamentos coutumiers au XVc Siêcle, 104). Certo,
continuaram as fórmulas de invocação de Deus e dos santos, os cuidados da alma, ainda hoje assaz frequentes, e as
disposições de intenção piedosa. Porém crescia a distribuição a religiosa dos bens e a jurisdição dos tribunais civis.
Afinal, proclamou-se o principio da legítima e da reserva costumeira.
No Codex Visigothorum, Livro IV, Título 5, L. 1, proibiu-se ao pai dispor de mais do que a têrça. Documentos
portuguêses de 1138 e 1150 mostram que se respeitava a lei. As Ordenações Afonsinas, Livro IV, Título 97,
receberam, através. de costume, esse princípio da livre disponibilidade da têrca. Assim, as Ordenações Manuelinas,
Livro IV, Título 70, e as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 91, § 1. A Dei número 1.839, de 21 de dezembro de
1907, art. 2.0, aumentou a quota disponível, que passou a ser a metade. No mesmo sentido, o Código Civil, art.
1.576.
3. ORIGEM DO TESTAMENTO. — Vulgarmente se crê que, em Roma, provêm das XII Tábuas a instituição do
testamento e a liberdade de testar. Historiadores remontavam a mais de século e meio, corrigindo a data da Lei.
Porém O. CLARICE (Sul Diritto sue cesso’rio del XII Tabole, 77 e 79) entendia que a Lei das XII Tábuas só
proclamou a liberdade de testar para os bens não patrimoniais. Mas E. LAMBERT negou ao texto das Tábuas (uti
legassit... ita ius esto) o caráter de verdadeiro testamento: o testamento comicíal não merecia tal nome; os bens, que
podiam ser legados, eram os não-patrimoniais. Usou, para chegar a tais conclusões, do método comparativo: a li-
berdade de testar já constitui avanço social. Certo é que a comparação só esclarece até o meio: medievo e tempo
romano começam ciclos relativos ao testamento, mas as linhas não são as mesmas. Daí as críticas. Em verdade são
duas civilizações— a romana e a germânica; mas a comparação não é, como pareceu aos críticos, entre coisas
incomparáveis: algo não se repete, quando se retomam ciclos: o fim da ciência, o seu trabalho específico, é,
justamente, procurar o que no irrepetivel se repete. Atributo da onipotência majestática do pater familias foi o
testamento romano, ao passo que, ato de vontade individual a mirar a própria morte (e não a sucessão do poder
familial), era o testamento medievo. Não há negar, em todo o caso, que dependeram de situações históricas
comparáveis. Também ALFRED OBRIsT (Essai sur les Origines du Testament roinctin, 2 s.), havia sustentado que
a forma de liberdade testamentária dependia de grau elevado de cultura jurídica: originàriamente, trata-se de adoção;
a intervenção dês-se sucessor é que modifica a ordem legal. O testam entum calatis comitiis, que veio após a
adoptio in hereditatem, permitiu ao sucessor não perder o status famitiae. Mas era revogável, com o consentimento
do herdeiro, e mais significou transmissão de culto doméstico que de propriedade. A isso era que se referia a Dei das
XII Tábuas, para simplificar o ato. Com o desenvolvimento do testamentum ver aes et libram é que aparece, mais
preciso, o instituto.
O pater não tinha poder para alterar a sucessão: o comunismo familial, em Roma, como entre os Germanos, evi-
dentemente lho obstava. Tem-se de indagar como apareceu esse direito. W. ERDMANN (Die Entwicklung der
Testierfreihet im rõmischen Recht, Zeitschrift flir vergíeichende RechtwessenSchaft, 22, 1-32), feriu o ponto
principal: pela intervenção do Estado, menos tirânico para o individuo e mais favorável ô iniciativa individual.
Quer dizer, completando-lhe o pensamento: círculo maior, menos despotismo; enfraqueciment0 da família,
fortalecimento. Donde: liberdade testamentária, menor despotismo, menor farsa exclusivista do circulo familial,
maior eficiência do Estado, maior dignidade e respeito do querer individual (do pater famílias, em Roma; das
pessoas, nos nossos dias). A princípio, adoção. Depois, testamento comicial, quando faltavam heredes sui, e sem
perda da família do instituidor. Mais tarde, liberdade de testar quanto à pecúnia (bem individual), testamento per aes
et libram, instituição de herdeiro (cf. nosso Introdução à Política Científica, 151: “Dos dois princípios, um concerne
ao espaço, outro ao tempo; um é a mais geral das leis sociológicas especiais, outro a mais importante no que se
refere à cultura, à civilização, ao tempo. Mas é preciso advertir em que tais princípios são evolutivos. Se os dois se
verificam, há, incontestavelmente, evolução civilizadora. Se só o primeiro se realiza, é unilateral a evolução, porque
é espacial, e não correlativa de aumento de civilidade. Se só o segundo atua, causas sutis separam o povo, prendem-
no, sequestra-no, e — determinada por elementos interiores —a evolução realiza-se unilateralmente sem a
correlação espacial, que lhe daria o surto evolutivo integral: aumento especial e diminuição do quantum despótico”.)
2. ORDENAÇÕES AFONSINAS. — Nas Ordenações Afonsinas, podemos ver, em resquícios de uma e aparição
escrita de outra, as duas épocas da formação do testamento em Portugal:
no Livro IV, Título 96, § 1.0, há o antigo testar em benefício da alma (resposta de Dom João 1 a requerimento da
clerezia, em que dizem que som agravados na execução dos testamentos, que non perteecem a nós de direito, mas
aos Prelados nas cousas piedosas”); no Título 97, a recepção do direito imperial. A revolução jurídica, que se
operou, não pôde apagar os traços feudais, consuetudinários Copiou a legislação romana, associando-se às outrã~
côres do direito gótico e local. Continuou, na doutrina posterior às Ordenações Filipinas, a instituição de herdeiro a
ser caput et fundamemtum totius testamenti, princípio a que negavam valia os espíritos livres de P. J. DE MELO
FREIRE e COELHO DA ROCHA. Depois, no Brasil, TEIXEIRA DE FREITAS. Contra êles, veemente, se insurgiu
F. DE P. LACERDA DE ALMEMA (Sucessões, 247-251). Não lhe deu razão o Código Civil, mas, nem por isso, se
esqueceu do antigo conceito (e.g., art. 1.665, onde reponta, um tanto insólita, a regra Semel heres semper heres).
Devemos raciocinar com o conceito de aquisição de bens a título gratuito, inortis causa, se bem que a herança se
haja de considerar universalidade (art. 57).
1. DIREITO ROMANO. Diante de uma das variantes da regra uti legassit, a de ULPIANO (J?eg., XI, 14: uti
legassjt tutelave suas rei), pretendeu EDOUARD Cuq (Recherches historiques sur le testament “per aes et libram”,
Nouvelte Révue Historque, 540 e 547; Institutiorres, 282 e 301) que o texto só se referisse à pecúnia (res nec
mftncipi), e não à família (res mancipi), tão-pouco, a heredium, bens da comunhão doméstica. A revolução das XII
Tábuas seria só a da liberdade de legar objetos de plena propriedade individual. Não seria, assim, tão profundo o
golpe. Só depois se operou, com a ação simetrizadora da jurisprudência, à medida que a compropriedade familiar
cedia, a testabilidade dos outros bens.
No direito testamentário romano, há os adágios institutio heredis est caput et fundamentum testamenti et nemo
partim intestatus decedere potest, que têm tido várias explicações. Em verdade, trata-se de sobrevivência das antigas
formas de disposição. Formas anteriores às XII Tábuas. Com a instituição caiatis coniitiis, podia o cidadão, sem
filhos, para continuar a sua personalidade, criar-se com o assentimento do povo, associado ao seu patrimônio. Já
não era o status familiae, nem a submissão ao pátrio poder. Preforma de testamento. Pode-se mostrar, no direito
grego, o momento correspondente.
2.DIREITO HODIERNO. — Hoje, só não é testável o bem que não pode ser transmitido, seja em geral, seja por
faltar ao beneficiado pressuposto para a aquisição (e.g., nacionalidade).
1. DEFINIÇÃO. — Testamento é o negócio jurídico unilateral, de última vontade, pelo qual alguém, nos limites da
lei, e para depois de sua morte, dispõe dos seus bens, no todo ou em parte, ou algo determina para efeitos jurídicos.
Diz o Código Civil, art. 1.626: “Considera-se testamento o ato revogável pelo qual alguém, de conformidade com a
lei, dispõe, no todo ou em parte, do seu patrimônio para depois da sua morte”.
Trata-se de declaração unilateral de vontade, náo-recepticia (não existe qualquer aceitante ou recebedor da declara-
ção de última vontade). Ninguém é comparte, ou destinatário. No testamento público ou no testamento cerrado, o
tabelião recebe o que se lhe dita, sem participar do negócio jurídico em si: inscreve, quiçá escreva pelo testador.
Mero instrumento> com funções acauteladoras. Tanto assim que poderia o disponente escrever o testamento
particular: seria válido. A sombra que se vê, o outro pólo da relação jurídica, é a mesma dos outros negócios
jurídicos unilaterais, nos direitos reais, nas aquisições não consensuais da propriedade. A voz social> que obriga ao
prometido, ou faculta a disposição, ou reconhece o nascer do direito de propriedade. Por isso mesmo, para ser válido
o testamento, não é de mister que dele se saiba: opera os seus efeitos, à abertura da sucessão, ainda que os herdeiros
e legatários nada saibam. Mas ainda: não é’ preciso, para sua perfeição, que faleça o testador, menos ainda que nas
cláusulas consintam os beneficiados, o que importa é que o testador tenha capacidade para fazê-lo e o faça dentro da
lei. Tanto ele independe da morte, ou de qualquer ato de outrem, que se lhe ha de aplicar, e só se lhe pode exigir, a
lei do tempo em que foi feito. Enlouqueça o testador, mude-se a legislação, nada importa: estava perfeito quando se
fêz. Os casos dos artigos 1.750 e 1.751 só se podem fundar em presunção de “outro querer” do testador: advieram-
lhe filhos, ou netos, ou existiam herdeiros necessários, que ele, ao testar, desconhecia. Na doutrina, somente A.
RÓPPEN (Lehrbuch des heutigen rõmischen Rrbrechts, § 66) ousou considerar negotia imperfecta os testamentos:
dependeriam da morte do testador e de certas circunstâncias. Donde duas consequências: não valer, sobrevindo
incapacidade; não valer, se há os herdeiros, posteriores ou ignorados, de que acima se falou. Nem ao direito romano
(H. DERNBURG Pandekten III, § 66, nota 2), nem ao Código Civil alemão (F. ENDEMANN, Lehrbuch des
Bi~rgeiiichea Rechts, III, § 33, 247), nem ao Código Civil brasileiro, nem aos princípios gerais de direito que o
método científico revela, poderia servir tal teoria.
2. REVOGABILIDADE ESSENCIAL. — No dizer-se que é ato de última vontade, está implícita a revogabilidade
essencial. Testamento, que não fôsse revogável, não seria ato de última vontade, mas de vontade, de determinado
momento, que se fixou. Dizendo-se declaração de vontade última, fora redundante acrescentarse “revogável”.
Personalíssima, porque, do contrário, não seria vontade do testador, mas de outrem, em colaboração ou contra a
vontade do disponente, a liberdade de dispor em testamento constituí incompressível atributo do direito de
propriedade. As disposições, que ele pode conter, ou são positivas (deixo, lego, mando que se dê dos alugueres das
casas uma pensão a B), ou negativas, como as deserdações, as. revogações, totais ou parciais, de testamento anterior
e as clausulações de legítimas. Além das disposições sucessórias, há outras de direito de família, ou de direito das
obrigações, ou de direito das coisas, que podem vir nos testamentos.
3. SOBRE A DEFINIÇÃO DO CÓDIGO CIVIL. — Na definição do Código Civil, não se atendeu à vontade
testamentária quanto às relações de direito de família e às demais, se bem que alhures o reconheça (por exemplo,
Código Civil, artigos 407, parágrafo único, e 410, 1). Dêsse assunto, trataremos adiante. Como veremos ao
cogitarmos do art. 1.769, não é de mister a instituição de herdeiro, O art. 1.626, de si só, deixa resolvidos ou
suscitados os seguintes pontos, que adiante versaremos: a) disposição, “no todo, ou em parte”; b) direito a testar,
nascido da lei e de conformidade com ela ~ c) função personalíssima de testar; d) revogabilidade inderrogável do
testamento; e) testamento de conformidade com a lei, pois às vezes só se dispõe de parte do patrimônio (porção
testável); f) disposições estranhas ao patrimônio; g) impreclusividade do testamento.
É vulgar invocar-se, sistematicamente, o velho direito romano como o inspirador do testamento. Mas erra-se nisso.
Através dos tempos, palavras dificilmente mostram identidade: o evoluir das coisas muda-lhes o sentido. Um
instituto pode transformar-se, fazer-se outro, inteiramente diverso, nos fins e nos processos, sem perder o antigo
nome. O elemento germânico, a sugestão de vida, a praxe, são fôrças que também se contam. Hoje, ~, quais são os
bens sôbre que pode dispor o testador? A resposta faz-nos volver às sucessões em geral, aos princípios comuns:
todos os bens herdáveis. Não foi sempre assim.
5. DIREITO INTERTEMPORAL E TESTAMENTO. — O testamento, negócio jurídico unilateral, sempre
revogável, que se faz para eficácia a partir do momento da morte, supõe que no seu conteúdo esteja a última vontade
do testador. Não há direitos de outrem, antes da morte; mas da lei — vigente nesse instante — depende a sua
existência, a sua validade e a sua eficácia. Todavia, com o lapso entre a feitura do testamento e a morte, pode
ocorrer que haja diferença entre a lei do momento da feitura, a de alguma data intercalar e a do montante da morte.
Não é possível testar-se no instante da morte. A manifestação de vontade é última, porque não existiu outra, com os
pressupostos formais e materiais, para entrar no acervo jurídico e ser válida.
A forma do testamento tem de obedecer à lei do momento em que se faz o testamento.
Aqui, temos de tratar do contendo do testamento, e não da forma.
Na doutrina do século passado, toda a matéria testamentária, a partir da caqxtcidade de testar e da faculdade de
dispor, era submetida à lei do momento do ato. Para isso era invocada a Novela 66, cap. 1, §§ 2-5, em que, aliás, só
se via solução justinianéia para caso particular. As criticas estão, principalmente, em K. J. HÚTTNER (Uber die
riickwirkende Kraft der Gesetze zur Erlduterung des § 5 des õsterreichischen Biirgerlichen Gesetzbuchs, § 40), e
foram assaz justas (F. VON SAVICNY, System des heutigeu rõmischen Rechts, VIII. 473; JOSEPH UNGER,
System des õsterreichischen alígemeineu Privatrechts, 1, 5.a ed., 144). Hoje, chegou-se a distinções acertadas.
Pode ocorrer a) que a lei nova vede o testamento, portanto — não tenha a faculdade de testar, que se não confunde
com a capacidade de testar, como pode dar-se b) que, entre a época do testamento, quando se admitia, e a da morte,
medeie a da proibição, ou c) que fosse vedado quando se testou e seja permitido por ocasião da morte. Na espécie
a), tem o juiz de submeter-se a essa atitude hostil do legislador (JOSEPH UNGER, System, ~j, 5•a ed., 144),
reveladora de recuo histórico. Passar-se-ia o mesmo se a nova lex só atingisse a capacidade de testar, ao quanto da
testabilidade. Quanto à espécie b), antes do Código Civil francês, a jurisprudência francesa era pela invalidade das
regras jurídicas concernentes à faculdade de testar, como, por exemplo, das relativas à quota legal do momento da
morte; o Código Civil francês considerou atendíveis as regras jurídicas sobre disposições universais a causa da
morte, excedentes da quota disponível e redutibilidade daquelas a essas; portanto, o princípio da não-revogabilidade
da lei vedativa intermediária. Só se atendiam às regras jurídicas do momento de testar e as do momento da morte do
testador. Era a esteira do adágio Media te?n para non nocent (cp. L. 49, § 1, 13.,de heredibus instituendis, 28, 5). A
lei posterior repararia a invalidade com que a lei intermédia ferira a instituição. Contra isso argumentava-se: se o
testador aliena a propriedade do bem que legara, retira o efeito da disposição, o que se não confunde com a
revogação, que desfaz, diretamente, a verba testamentária; ora, há leis que tolhem efeitos e leis que invalidam, e
compreenda-se que possam não incidir aquelas, por ocasião da morte do testador, e essas, não. O corte por essas é
definitivo. A lei nova não poderia ter a função de vontade do testador, para fazer voltar o que o testador sabia que
estava desfeito. Quanto ao adágio Media tempora non nocent não seria invocável, porque só se refere a mudança na
pessoa do instituído entre a feitura do testamento e a morte do testador. O maior argumento a favor do respeito da
vontade manifestada está em que o testamento foi negócio jurídico unilateral (ato jurídico unilateral perfeito) e, a
despeito da lei intermédia que o atingiu, o testador não cogitou de substitui-lo,Porque a sua vontade não mudou.
(Contra: o testador conta com a incidência, que ocorreu, da lei intermédia de invalidade.) O testamento é declaração
de última vontade, e há o principio do favor testamenti; portanto, o que se há de entender é que o testador contava,
ao morrer, com aquilo que fizera. Quanto à espécie c), que é a de lei vedativa, ao tempo da testamentifição, e de lei
permissiva, ao tempo da morte, logo se traz à baila o princípio Quod initio vitiosum eM, tractu temporis conval e-
seere non potest. Quando o decujo testou, a manifestação de vontade não teve qualquer validade, de modo que a lex
nova comemte poderia ter qualquer eficácia quanto ao negócio jurídico inválido do passado, se contivesse regra
jurídica sanatória, retroeficaz, e o sistema jurídico, no plano do direito constitucional, considerasse valida tal regra
jurídica.
A capacidade para testar é capacidade especial, principalmente por ser personalíssimo o negócio jurídico unilateral
do testamento. Problemas assaz delicados apresentamse à doutrina. ~ Quem, hoje, não poderia testar, mas testou
antes da lex nova, morre com o testamento que fizera?
1.LEI E FACILIDADE DE TESTAR. — No declarar que algorem deixa os bens aos herdeiros legítimos ou
testamentários e aos legatários, a lei estatui que tais bens obedeçam à lei do decuja (ou à dos herdeiros, conforme o
caso), e passem às pessoas designadas pela lei dentre os parentes do morto ou indicadas por êle. Desde o uti lingua
nuncupassít, ita ius esto das XII Tábuas até o Código Civil, art. 1.626, o fundamento é o mesmo: a lei permite que,
dentro de certas circunstâncias e limites, a vontade declarada do testador substitua a lei. Seja exercício de direito. A
vontade interna não tem tal efeito. A vontade que se há de investigar é a externa, a manifestada, que não precisa de
provas do querer interno: não deve ater-se o juiz as palavras em sentido ordinário; em cada espécie, há de procurar
conhecer o contexto, as circunstâncias, o que esclareça a declaração do testador, esclarecimento que, Por vêzes. lhe
mostrará, por exemplo, sob a palavra “usufruto”, simples cláusula de inalienabilidade, ou vice-versa. A procura de
tal intenção manifestada é o que lhe impõe a lei (Código Civil, art. 85), com o propósito de afastar a interpretação li-
teral, assaz perigosa, tanto na interpretação das leis quanto na interpretação dos negócios jurídicos.
2. DIREITO DE TESTAR, E NÃO DEVER. — O testamento é ato permitido ao homem. Nunca houve formal
dever de testar. Em geral, a Igreja, que nele sempre teve magnífico instrumento, pugnou pela liberdade de fazê-lo. O
povo e alguns juristas cercaram-no de desconfianças: perturba a paz pública (diziam uns); estraga patrimônios e
heranças (argumento que também vale contra as partilhas obrigatórias); serve a maquinações, a falsidades e aos
heredípetas.
Nos séculos em que se digladiavam, como, aliás, ainda hoje, os dois princípios, o da sucessão legítima e o da liber-
dade de testar, cada série de batalhadores buscava argumentos, religiosos, filosóficos, político-econômicos, às suas
convicções. Assim, há os que tiravam do direito divino a origem e liberdade do ato testamentário (J. G. HEINÉCIO,
G. A. STRUVE e P. MÚLLER, MANUEL RIBEIRO NETO, DOMINGOS ANTUNES PORTUGAL, FRANCISCO
PINHEIRO). Os outros, só do direito civil (HENRIQUE COCOEIUS e SAMUEL COCCEIUS, CHR.
THOMASIUS, SAMUEL STRYK, J. H. BOEHMER e GOUVEIA PINTO). Mas o que neles se lê sobre a origem
do testamento assaz se ressente dos parcos recursos de direito comparado e do quase nenhum critério sociológico.
Aqui FURGOLE, dentro da cronologia católica, vai até Adão; ali, com ele, MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA,
até o Gênese, 10, v. 5 e 25, e a inadmissível testação dos povos de Espanha e da Lusitânia, antes do domínio
romano. Para os nossos olhos de hoje, com os recursos de cronologia, de direito comparado e de critica histórica,
constitui pitoresco exame o folhear tantas páginas de errado informe e de imprestável sabedoria. Profunda lição de
humildade e ao mesmo tempo de confiança na evolução da ciência, — mais se avança no tempo, após o século
XVIII, mas sabemos dos antigos o que ele de si mesmo não sabiam.
Na mecânica da sociedade hodierna, os dois princípios mantêm-se em equilíbrio. Cerca-se de formalidades ato tes-
tamentário, vigia-se-lhe, quanto possível, a aplicação. Mas, no policiá-lo internamente, bem pouco se lhe evita
aquela liberdade mal entendida, de que falava a Lei de 9 de setembro de 1769, pois que não se entra na apreciação
da justiça ou injustiça das deixas. A lei tomou cautelas quanto ao exterior e ao interior dos testamentos; fixou a parte
disponível, se há parentes em linha reta. Mas, em verdade, optou pela liberdade, a fim de evitar que se possa
intrometer nas disposições testamentárias o critério de outrem.
3.INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO. — Intervém aqui a questão dos atos jurídicos favoráveis e odiosos.
Favorabilia late, odiosa stricte sunt interpretanda Em poucos assuntos, as regras jurídicas seriam mais frágeis e
transitórias. Interpretar favorável o testamento seria interpretar estritamente o favorável à sucessão legítima.
Resolver~se, na dúvida, por essa, seria ferir-se aquele. CHR. THOMASIUS, J. G. HEINÉcIO e outros tinham razão
em mostrar, contra HUGO GRócIo, a ideia relata da questão dos favoráveis: resolver por um é resolver contra
outro. Dois favores, duas soluções possíveis. Claro que, na dúvida, se haveria de resolver pelo testamento e em
favor das disposições de última vontade. Mas é preciso distinguir-se. Uma coisa é existência, validade de
testamento, e outra, luta de sitoasses, existente e válido o testamento, entre a sucessão legitima e a testamentária O
que então se procura há de ser a vontade do testador, e o argumento da regra jurídica dos favcyrabilia nada pode
resolver. Fundamentum interpretationis ?tltimarum voluntatum, escrevia SAMUEL STRYK (De Cautelis
testamentorum, 315), non debere esse istum praetensum favorem, sed voluntatem defuncti, a qua ob favorem
nunquam deflectendum. A questão assaz se complica no caso de dois ou mais testamentos. Só sentidos histórico e
evolutivo podem dar ao jurista o roteiro científico. A razão contemporânea persuade-se de que a ampla liberdade de
testar seria causa de impias sugestões, de extorsões maliciosas, de simulações e de falsidades (Lei de 9 de setembro
de 1769, pr.) Se, hoje, a tivéssemos de adotar, forçosamente passariam ao Estado deveres que incumbem aos pais;
ou cresceriam os impostos, ou ocuparia o lugar dos herdeiros necessários a Fazenda Pública. De qualquer modo
volver-se-ia ao equilíbrio. Enquanto os outros povos discutiam tudo isso, no direito inglês não havia legítima, parte
intestável, a que a lei desse destino hereditário prefixo: o testador podia dispor de todos os bens (5. SCHUSTER,
Búrgerliche Rechtspflege in England, 243).
4. CONTEÚDO DA FUNÇÃO PERSONALISSIMA DE TESTAR. — O testamento só pode ser feito pela própria
pessoa (Código Civil alemão, ~ 2.064; Código Civil, arts. 1.623, 1, 1.638, II, 1.640 e 1.645, 1). Donde se conclui: a)
que não é possível constituir mandatário, ou servir-se alguém de representante, ainda legal, para fazer testamento; b)
que os absolutamente incapazes (menores de dezesseis anos, loucos, e os privados momentaneamente de juízo, os
surdos-mudos que não exprimem a vontade), nem por isso, nem por intermédio de ou crem, podem testar (art.
1.627); c) que o testador não pode deixar a outrem a determinação da identidade de pessoa incerta (art. 1.667 II),
nem a do objeto do legado (art. 1.667 IV), nem o decidir sobre a validade, ou não-validade, de uma cláusula, ou da
sua eficácia, ou ineficácia. A personalidade do testamento refere-se assim à vontade como à declaração. Não
constituem exceção ao princípio os testamentos dos artigos 1.656-1.659 (marítimo) e 16604663 (militar) : o terceiro,
aí, serve apenas de instrumento.
Assim como o Código Civil francês e o Código Civil alemão, desconhece o Código Civil brasileiro o instituto da
substitução pupilar ou quase-pupilar do direito romano. Tinha-o o revogado Código Civil português, arts. 1.859-
1863 (menores e interditos). No Código Civil português de 1967, artigos 2.297-2.300, foram mantidas a substituIção
pupilar e a quase-pupilar. Antes do Código Civil brasileiro, regiam as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 87, §§
7-11 (substituIção pupilar e exemplar ou quase-pupilar) ; de modo que, no Brasil, ainda seriam possíveis, após 1917,
questões de direito intertemporal.
5.CONSEQÜÊNCIAS DE SER PERSONALíSSIMO O DIREITO 1)E TESTAR. — Por isso que é personalíssima a
função de testar, é preciso que a vontade se conceba, não em termos enunciaivos, mas dispositivos. Outrossim, deve
ter por fonte a vontade do testador, o que vale dizer — exercida livremente, indene a temores, a violências, fraudes,
artifícios, ou captações. De ser ato personalíssimo o testamento resulta: não poder ser feito por procurador; nem
delegada a outrem a instituição; nem, sequer, deixada ao arbítrio do herdeiro, ou de outrem, o valor do legado; nem
cometida a terceiro a designação da identidade do herdeiro, ou o legatário; nem atribuída à vontade de outrem a
eficácia ou ineficácia da disposição; nem afastada da imediata escolha do testador, com a instituição disjuntiva que
se não pudesse tomar por verdadeiramente copulativa, ou condicional para um ou ambos. Demos exemplos. Não
valem as disposições testamentárias: “deixo a têrça parte dos meus bens à pessoa, que minha mulher, no dia da
minha morte, designar”; “cabe ao meu sobrinho A um legado, cujo valor meu filho fixará”; “serão meus legatários
A, B e C, se a isso não se opuser meu pai”; “serão meus herdeiros os dois filhos de meu irmão ou os três de minha
irmã”; “fica a D o edifício maior, se A não designar pessoa mais digna”. Mas valem as disposições testamentárias
que digam: “deixo dois prédios aos pobres” (entender-se-á aos pobres do domicílio do testador)
“deixo mil apólices federais aos estabelecimentos de caridade”; “a fazenda situada no Estado em que nasci, deixo-a
a um dos sobrinhos de lá, que minha mulher (ou B) o determinar”; “lego cem ações ao menor, filho de C,
empregado da fábrica, que eu dirigia, e minha mulher escolher”; “deixo duzentas ações ao operário que a diretoria
julgar, pelo mérito, que deve receber”; “meu irmão fixará o valor do legado que eu quero que se faça ao meu
advogado, a quem devo serviços de porte”. Todos esses casos são atenuações ao principio geral da indelegabilidade
da voluntas testantium. Demais, cumpre advertir:
a incerteza que se ressalva somente permite a estranhos poder relativo de eleição, O círculo é estreito (família,
pobres, estabelecimentos de caridade ou de assistência pública, membros de corpo coletivo ou de estabelecimento
designado, remuneração de serviços).
Claro que, tendo havido a disposição “deixo a A ou B, se solteiro”, há de entender~se que é herdeiro ou legatário o
que se não haja casado. Nesse caso, há instituição condicional. Portanto, válida. ~ a cláusula si in Capitolium
ascenderit, como se previa na L. 68, D., de heredibus instituendis, 28, 5. Por outro lado, sob a aparência disjuntiva
é’ possível que se trate de legado, ou de herança, em verba, na verdade, copulativa. Exemplo: “deixo os três prédios,
um situado aqui, outro em Petrópolis e outro em São Paulo, que caberão a A, ou a B, ou a C.”.
O ato de dispor, positivo ou negativo, não pode ser por intermédio de representante, nem de substituto. Quer
quanto ao conteúdo, quer quanto à validade, quer quanto aos efeitos. Mas basta que deixe sinais inconfundíveis,
para que se não trate de despersonalização do ato de testar: “deixo as apólices a a g, que o meu testamenteiro
entregará ao sobrinho que primeiro for promovido a capitão”. Adiante, a propósito dos arts. 1.667 e 1.668,
mudaremos os casos.
1. PRECISÕES. — O testamento, figura jurídico-econômica dos nossos dias, é essencialmente revogável. Nisso
difere das primitivas formas de testar, de caráter religioso-político. Só se torna irrevogável com a morte. Até então é
a “virtude ambulatória”, da imagem atribuida a ULPIANO. Os seus efeitos são a partir do óbito. Nem sempre foi
assim. O testamento comicial não esperava o dia da morte. Com as afatomias e as hereditoriae, tinha efeitos
imediatos — isto é, desde o dia das cerimônias. O instituído não era apenas alguém que podia vir a ser herdeiro. Era
sucessor, com o direito de o ser, desde . Em todo o caso, a irruptibilidade não pode ser invocada como característica
de tais formas primitivas: na Lei de Gortina, podia ser desfeito por outra decisão comicial (F. SCHULIN, Das
griechische Testament verglichen mit dem rdmischen, 36; LUDWIG MI’rrEIS, Reichsrecht und Volksrecht, 213-
219), ao passo que, no costume germânico, era irruptível. Revogável, pela só vontade do disponente, não. Aqui se
torna evidente a diferença em relação ao testamento propriamente dito.
3. ELEMENTOS DO PASSADO. — Na história do testamento, vemos persistirem, sem razão de ser, caracteres
de outros momentos históricos. Dificilmente se desliga do ato jurídico entre vivos, que originariamente foi.
Persistiram resquícios do familiae emptor, tornado figura inútil, e da irrevogabilidade. Se quisermos sintetizar,
podemos dizer: crescentemente se favorece a revogabilidade, mas, em compensação, se criam rigores ao ato jurídico
revocatório. Já não intervém a exigência de se substituir um testamento a outro, com o intuito de se evitar o
desaparecimento da comunidade doméstica, do culto privado. Mas, em verdade, tais caracteres pertencem a épocas
que não tinham o testamento propriamente dito. Em todo o caso, passaram séculos e séculos, sem que se apagasse o
caráter de ato jurídico entre vivos, como a entrega do testamento em mãos dos executores, que, no Medievo, os
deviam assistir e neles colaborar (R. CAILLEMER, Origines et Dévetoppement de l’Exécution testamentaire, 323-
331). Certo, é uma dessas sobrevivências o que se lia e se lê em leis de organizações judiciárias e de funções do
Ministério Público, quando, enumerando as atribuições do Curador de testamentos, lhe dava e lhe dá a de promover
a exibição dos testamentos em poder dos testamenteiros. No direito atual, não é só em poder deles que pode estar o
testamento. O “detentor”, de que fala o art. 1.756 do Código Civil, é, talvez, o herdeiro, ou outrem, que não seja
testamenteiro.
No direito muçulmano, a aceitação é revogável, para urs (SHAFI’TTE, Minhâdjat-Ta,libin, II, 282), e irrevogável,
para outros (HAMILTON-GRADY, Heda~ia, 697). Após a morte, sempre revogável (A. QUERRY, Droit
musuiman, 1, 629).
No Direito romano, são visíveis as sobrevivências, como essa, da incapacidade de ser testemunha com que se feria o
emptor familiae (GAIO, II, 105408). Na Inglaterra, só em 1837, com o Wills Act, foi que se apagaram as
sobrevivências do originário ato jurídico entre vivos.
§ 5.660. REVOGABILIDADE INDERROGÁVEL -A revogabilidade ad Nilton é característica de testamento
moderno. A vontade, para usar a imagem atribuída a ULPIANO, sai a andar, até que o declarante morra. Ç
ambulatória até a morte. Até parar, definitivamente, é-lhe livre voltar. Não se dava o mesmo nas outras formas, das
épocas em que não havia testamento propriamente dito. Fruto de decisão comicial, com a função interventora das
primitivas testemunhas instrumentárias, o testamento calatis comitiis, é de admitir-se, só se rompia por outra decisão
(PAUL FRÊDÉRIC GIRAaD, Manuel élémentaire de Droit romain, 799; E. LAMBERT, La Fonction du Droit Civil
comparé, 1, 424). Assim também na lei de Gortina (F. SCHULIN, Das griechische Testament, 36). A adoção in
hereditatem do costume germânico não podia revogar-se, nem romper-se.
Os romanistas atribuem às XII Tábuas verdadeira revolução: o ato comicial passava a dar aos indivíduos poderes
extraordinários, como os de instituir herdeiros, deserdar, legar, nomear tutores. Somente mais tarde a quaerela
inofficiosi testamenti pôs termo a tal regime de extremo individualismo. Mas uma coisa é a lenda de história
jurídica, o texto, e outra, a verdade. ~ vulgar que algo se afirme em Roma sôbre história romana, ou escritor grego
diga algo sobre a Grécia, sem que possamos crer no que êsses antigos disseram. Pouco importa que os juristas
romanos vissem no testamento das XII Tábuas o que ao tempo deles havia. Os hodiernos recursos científicos, para
conhecer a história deles, são outros, e mais seguros. Corrigimo-lhes datas, fatos, interpretações. Sabemos reduzir ao
devido valor os informes lendários. Agora, raciocinemos com espírito de hoje. Vida é mudança. Legido que hoje se
faz, amanhã talvez não no mereça o legatário. Quem hoje se escolheu e se incluiu entre os herdeiros, talvez, no ano
próximo, ou no mês que vem, seja inimigo, e se deva excluir. Pode bem ser que, feito o testamento, se descubram o
manejo, os ardis, as insinceridades, com que se conseguiu o testamento. O próprio testador pode cair em si da
paixão, maldade, ira, contemplação, fraqueza moral, demasiado rigor, com que instituiu ou excluiu herdeiro. Maior
experiência da vida pode sugerir-lhe expedientes clausuladores, que acautelem os bens dos descendentes ou
beneficiados. Talvez simples maneira de execução dos encargos. Impunha-se, tinha de induzir-se essa regra jurídica
fundamental da revogabilidade inderrogável dos testamentos.
No direito contemporâneo, é o princípio geral. Primeira consequência: não se pode prometer, nem dispor sobre
revogabilidade.
4. DIREITO DE HOJE. — O Código Civil cogita da revogação do testamento (arts. 1.746-1.749), da ruptura, rup
tio, do testamento (arts. 1.750-1.752), e da caducidade dos legados (arts. 1.708 e 1.709). Não dedicou regra jurídica
especial à perda de eficácia das disposições testamentárias, por ter mediado negócio jurídico entre vivos, de eficácia
anterior ao começo da eficácia do testamento, que é no momento que se segue à morte do testador. Tal assunto
pertence, por sua generalidade, à Parte Geral do Direito Civil. Se ao tempo de se iniciar a eficácia do testamento,
que é negócio jurídico perfeito em vida do testador, mas de efeitos só com a sua morte, o testador concluiu negócio
jurídico com cuja eficácia seria incompatível a eficácia do testamento, deixa esse de a ter, enquanto aquela eficácia
não cessa, ou deixa esse de a ter para sempre, se aquela eficácia não cessa nunca. Se o testador pôs na quota do
herdeiro o direito de habitação (Código Civil, artigos 746-748) da casa H e, em vida, deu em usufruto a casa H a
outrem, ou lhe doou a propriedade a outrem, a disposição testamentária é ineficaz, porque não se pode habitar, por
direito, o que, por direito, outrem usufrui, ou não pertence ao. testador. Para se resolverem os problemas relativos a
isso,. ou se teria de lançar mão de analogia com as espécies do artigo 1.708, 1-111, do Código Civil, ou do princípio
geral de~ direito, segundo o qual a eficácia do fato jurídico só se produz, se não há, no mundo jurídico, eficácia que
a pré-elimine.
Se a deixa é legado, o art. 1.708, I-V, incide. E. g., o testador quis legar biblioteca para ser aberta ao público, consti-
tuindo-se fundação, e vende, antes de morrer, o prédio, ou quase todos os livros, — mudou de vontade, sem haver
revogação, que é retirada da voz (revocatio), e a disposição testamentária caduca. Outrossim, se o testador diz legar
fazenda, para pôsto de ensino agrícola, e a loteia, antes de morrer, não deixando o que se preste ao cumprimento da
sua vontade. Ambas as espécies cabem no art. 1.708, 1. Porque, aí, a alienação não operou como diminutiva do
valor, mas sim como modificativa da coisa, tornando-a inadequada à deixa testamentária, em sua forma, ou em sua
destinação. Ê a adenção, espécie de caducidade (adinip tio legatis).
1. LIMITE LEGAL À DISPOSIÇÃO. — O primeiro limite que se impõe à liberdade no testar é o das regras
jurídicas asseguradoras da porção destinada aos herdeiros necessários, O testar só se exerce no que sobra, na outra
porção do patrimônio. Se o excede, constitui disposição que, ao morrer o decujo, ofende o direito dos •herdeiros
necessários. Tanto assim que se não invalida o ato inteiro de dispor, — reduz-se, apenas, à metade disponível. Mais
precisamente: tem-se por nulo e ineficaz o que apanha o quanto inviolável. É isso o que se estabelece no Código
Civil, art. 1.727.
Cumpre, porém, que se recorde a exposição do Tomo LV. Enquanto as doações a estranhos, ou a sucessíveis
legítimos que não são descendentes, são doações definitivas, que têm de caber na quota disponível, as doações e
outras liberalidades a descendentes, têm-se como adiantamento da legítima do herdeiro necessário descendente,
salvo se o doador afasta a incidência da regra jurídica. Daí poder ocorrer que, a despeito de se ter de saber, a cada
doação, qual, no momento, o valor da porção disponível, os valôres dos adiantamentos de legítima tenham sido
maiores, de modo que, ao morrer o decujo, a porção disponível seja pequena em relação ao que receberam e rece-
bem os herdeiros legítimos necessários, descendentes do decuje.
O direito das sucessões estabelece qual a parte disponível e qual a parte que, falecendo o proprietário ou titular de
direitos, seria dos herdeiros necessários. Para que as doações não prejudiquem os futuros herdeiros legítimos, há a
sanção de nulidade do contrato (nulidade parcial), no tocante ao excesso em relação àquilo de que o doador poderia
dispor no momento da liberalidade.
Já vimos que a instituição de herdeiro não é solenidade intrínseca dos testamentos. Outrossim, que há e se usam os
testamentos só destinados a clausular como inalienáveis, incomunicáveis, ou de livre administração, alguns, algum,
ou todos os bens, ou a obrigar à conversão os bens da herança legítima. São testamentos sem herdeiros instituidos,
sem lêgados e sem modus.
2. AMPLITUDE DO OBJETO. — O objeto do testamento excede, pois, o conceito de patrimonialidade. Daí ter
dito TEIXEIRA DE FREITAS, em nota 33 a GOUVEIA PINTO, que é todo o licito. Não sendo possível definir tal
objeto senão como o quid do direito de querer nas disposições de última vontade, importa enunciar-se que o objeto é
omnis .
Volve-se à questão: ~ possível, no testamento, incluir-se a cláusula de não se revogar a doação, cujo objeto se
entregou ou só se entregará depois da morte? Noutros termos: ~ “Emtende-se revogável a doação a causa de morte,
inserta em testamento?”. Sim, pela natureia do negócio jurídico. “Pré-elíde-se tal interpretação pela renúncia à
revogação ?“ Por outro lado, fora do testamento, pode admitir-se a revogabilidade? Não, porque repugna aos
contratos a potestativa pura. A doação a causa de morte, doação ín facto esse, mais legado é que’ doação: revoga-se
ad libitum. A introdução do pacto de non revocando transformá-la-ia em doação entre vivos; portanto, caberia na
questão preliminar: ~ pode-se, em testamento, fazer contrato ou qualquer declaração irrevogável, ou a
revogabilidade do testamento contagia tudo que nele se diz? ~ o de que iremos cogitar.
1.POSIÇÃO DA QUESTÃO. — Velha questão, essa, que separava os escritores europeus dos séculos XVII e
XVIII, vindo,. com a mesma dura divergência, até os nossos dias. Para bem tratá-la, é de mister dividi-la em três
pontos: a) ~ em testamento pode-se fazer contrato?; b) feito em testamento, ,~ pode revogá-lo o testador, a despeito
de cláusula, que excetue, para o caso, a revogabilidade da cédula?; c) anulado o testamento, ~, subsiste o contrato?
a) Negativamente, J. H. CORREIA TELES (Direito Portugués, § 246). Afirmativamente, TEIXEIRA DE FREITAS
(Tratacto dos Testamentos e Sucessões, 36), que escreveu: “Meu alvitre é favorável aos contratos, sejam quais
forem, — ou para consumar os executados, ou para propô-los, ou para aceitar propostas” (cp. Consolidação das
Leis Civis, art. 605, nota). Antes, P. J. DE MELO FREIRE (Institutiones luris Civilis Lusitani, 5.ª ed., 41), sem
distinguir, dizia poderem celebrar-se, nos testamentos, doações, contratos, e outros atos externos, porque nenhuma
lei portuguêsa o proibia, antes o supunha permitido: “Donationes, contractus, et reliqui actus, qui externi vocantur,
inter testandum celebrari recte possunt; nuíla enim Patria lege prohibentur; quinimo donationes expresse adprobatur,
Ord. lib. 1, tít. 62, § 7, in fine”. Era fraco o argumento tirado do direito positivo: resolver-se, para os contratos, fora
resolver-se para as doações> mas resolver-se para as doações (que, feitas em testamento, seriam legados, e iega.tum
est donatio testamento relictct), não seria resolver.~
-se para os contratos em geral. MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, que lhe censurou a concisão, desceu à questão
prática da prova (Notas do uso prático, III, 257) : se em testamento público, fácil será fazer-se o contrato comisto
com o testamento; idem, se em testamento cerrado, subscrevendo os contraentes a cédula e o ato de aprovação (II,
562), lição de MANUEL ÁLVARES SOLANO DO VALE (Cogitationes Iuridicae atque Forenses, c. 1, n. 40); se
em testamento particular, seria preciso que o contrato não dependesse de escritura pública. Raciocínio perfeito,
quanto ao testamento público; é escritura; por ela provar-se-iam os mais graves contratos; a certidão bastaria para
lhes dar prova. Quanto aos outros, não há negar a nenhuma firmeza que teriam: o romper apagaria todos os
vestígios; seriam impossíveis as provas. Mas verdade é que, obrigado neles alguém, poderia o testador ter interesse
em conservá-los. Por outro lado, o que disse MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA sobre o testamento particular e os
contratos que se devem fazer por escritura pública, ter-se-á de dizer quanto aos testamentos cerrados, que não
poderiam valer o mesmo que os feitos por instrumento público: o ato de aprovação não os iguala aos que se
escrevem nas notas dos tabeliáes.
ilavia os que conciliavam. MANUEL RIBEIRO NETO (Commentaria in Ins Civile, n. 46) dizia: se o objeto do ato
ou do contrato é pertinente ao do testamento (aceitação do encargo pelo legatário, da tutela pelo tutor testamentário),
pode celebrar-se o ato ou o contrato; se não toca ao objeto do que se testa, não vale: “Inter actos seu contractus
celebratos circa rem quae testamentum spectat, nec ab illo sunt alieni, nec omnino diversi, quia spectant ad illud,
quod quis post mortem suam fieri vult, et inter actos seu contractus, qui fuerint extranei, ita ut ad negotium
testamenti non pertineant. In primo casu dicendum est recte posse praedictos contractus in testamento celebrari; nec
ob il annullari testamentum; secus in secundo casu, in quo interpositione contractus annullari testamentum
existimamus”.
Antes de respondermos, precisemos: a) estão fora de dúvida os contratos sobre a herança da pessoa viva: são nulos;
b) mas, com o caráter definitivo (promessa), ou de oferta, valem os contratos que não se referem a herança, isto é, se
não importam contrato de sucessão. Se têm forma especial, é de mister que respeitem a lei nesse pormenor.
b) An huiusmodi contractus in testamento celebratus, possit a testatore revocari. Ofertado, rode ser retirada a
ofer
•ta se não houve aceitação’ e nos mais casos de que se vai falar. Aceita a oferta, torna-se definitivo o negócio
jurídico. A revogabilidade das disposições testamentárias não pode infirmar, pelo contágio, o que se rege por outros
princípios. A irrevogabilidade da declaração contratual nos testamentos participa (e não poderia ser de outra
maneira) da teoria geral dos contratos. Regem a espécie os arte. 1.080-1.088 do Código Civil. Se o testador propõe
vender a casa a outrem que não os herdeiros, sem prazo, e a pessoa, presente, não declara aceitar, claro que êle pode
retirar a oferta. Se, ausente, remete cópia do testamento, somente poderá retirar a oferta depois de decorrido tempo
suficiente para a volta da resposta.
Dá-se a mesma revogabilidade se ocorre um dos casos do artigo 1.081, III e IV. Pode suceder que a declaração em
testamento seja aceitação, e não oferta. Então, é irrevogável o contrato. De qualquer modo, a promessa de contratar
venda, troca, locação, torna-se irrevogável com a morte do testador: o interessado pode aceitar por declaração ao
herdeiro (R. DEMOGUE, Effets d’une promesse de vente d’un droit indivis faite par testame~t, Révue trimestrietie
de Droit Civil, 26, 989, contra a Côrte de Cassação, 20 de junho de 1927). Em todo o caso, cumpre ao juiz examinar
as circunstâncias, a natureza do negócio jurídico, os têrmos da declaração de vontade que no testamento se inseriu
(arg. ao art. 1.080).
c) An annul ato testamento subsistato contratus. Anulado, se por vício de vontade, concernente, também, ao dado
contratual, claro que se anula o contrato. Por incapacidade do testador, idem. Se nulo por defeito de forma, cumpre
distinguir. As formalidades dos testamentos às vezes excedem as dos contratos: o que é demais não prejudica, nem a
falta da demasia pode ter o efeito de prejudicar o suficiente. Mais ainda. Nos atos que declaram direitos, em vez de
os constituírem (diferença, essa, que é de natureza capital no trato do assunto), a revogação do testamento não pode
produzir, de díreito, a retirada do que se declarou. É possível, nos testamentos, haver tais declarações, porém elas
nada têm de comum com o conteúdo patrimonial, ou não, essencialmente revogável, dos testamentos. Seria ofender
a declarabilidade daquelas comunicar-lhes a revogabilidade inderrogável dos atos constitutivos de direitos, que
integram a figura jurídico-econômica do testamento (art. 1.626).
Pode suceder que a declaração, por exemplo — o reconhecimento de filho — se faça em testamento particular ou
secreto. Mais ainda: em escritura pública de testamento, sem os requisitos do testamento público, porém com todos
os que em geral se exigem aos atos notariais; em testamento cerrado, cuja cédula esteja perfeita, porém nulo o ato de
aprovação. Se o testador rompe o testamento particular, cujas declarações necessariamente as testemunhas
conhecem (arts. 1.645, III, e 1.647), nada obsta a que, na ação de filiação, sejam elas inquiridas. Então, pelo
desaparecimento do ato escrito, a lembrança do ato de reconhecer apenas constitui elemento de prova. A revogação
pela destruIção do instrumento implica retirada de fato. Se a destruição não foi devida ao testador, o processo, que
reconstitui o testamento particular, reconstitui a parte dele que reconhecia o filho. Se o reconhecimento se fêz em
testamento cerrado, que o testador não comunicou às testemunhas (o que é a regra), destruido, ou extraviado, não se
poderia cogitar do efeito de tão secreta declaração. Feito em testamento público, sem os requisitos dos arts. 1.632-
1.634, porém com as formalidades gerais das escrituras públicas, seria absurdo negar-se a firmeza do
reconhecimento, que o art. 357 permite se faça no termo do nascimento, mediante escritura pública, ou por
testamento. Tanto mais quanto é princípio expresso que o reconhecimento do filho não se pode subordinar a
condição ou termo (art. 861). Se impecável o testamento, mas nulamente ou por outro testamento o testador o
revoga, persiste o reconhecimento já feito, a que não se poderia atribuir qualquer condição; a fortiori, a potestativa
pura. Feito em testamento cerrado, que foi lido, ou secreto, após aberto e desconstituído por defeito do ato de
aprovação, vale, como elemento de prova, o depoImento dos que ouviram, ou, no segundo caso, a despeito da
nulidade do ato notarial, será o escrito do testador (não o a rogo), um daqueles a que se refere o Código Civil, art.
363, III. A respeito do testamento cerrado, anulado, ou nulo, por defeito do ato de aprovação, mas escrito pelo
testador, seguiu a opinião aproximada da boa doutrina o voto vencido de RAFAEL MAGALRXES, em julgado do
Tribunal de Minas Gerais, a 5 de julho de 1922: “O testamento em questão está maculado de vícios substanciais,
que lhe tiram, absolutamente, os foros de documento autêntico e solene. Tais são: 1.0) o não ter sido o auto de
aprovação subscrito pela parte (o testador); 2.0) o não ter sido o mesmo auto lido às testemunhas antes de por elas
assinado. É preceito de lei que o instrumento público nulo, se esftl assinado pela ~parte, vale como particular, e
pode constituir princípio de prova por escrito (art. 691 do Reg. n. 737). Na espécie sujeita, todavia, nem esse apreço
limitado se pode atribuir ao “auto de aprovação”, porque lhe falta — a esse instrumento — precisamente o requisito
da “subscrição da parte”, que é o elemento principal da autenticidade. É esse auto de aprovação, apesar disso, que se
invoca para se demonstrar a autenticidade da cédula testamentária. É dele que se tira a prova da “espontânea
apresentação dessa cédula ao tabelião pelo de cuina, pessoalmente, com a declaração de ter sido, a seu rogo, escrita
por outrem e assinada por ele”. ~ dele que se tira ainda a certeza “da apresentação da cédula do instrumento lavrado
pelo tabelião e assinado por cinco testemunhas presentes, as quais assistiram à entrega, ouviram as declarações do
de cuius e viram o oficial lavrar o instrumento pedido”. Atribui-se assim fé às declarações constantes de documento
não assinado pelo declarante nem por alguém a seu rogo — contra o que vem estatuído no art. 131 do Código Civil.
Resta, entretanto, a cédula, que está assinada pelo testador. E nessa cédula vem declarada a filiação de Luís Es-
pínola. Mas êsse documento está por outrem escrito e sem testemunhas, tem a simples valia de “começo de prova”
ou “meia prova”, como diz a Ordenação. Não pode ser o documento “autêntico” de que fala o art. 7•O do Decreto n.
181, de 24 de janeiro de 1890, documento que per se prove a filiação natural paterna. Pode ser, quando muito, o
escrito a que se refere o art. 363 do Código Civil, emanado daquele a quem se atribui a paternidade e contendo o
reconhecimento expresso da filiação; escrito esse que, nos termos do citado artigo dá ao filho ilegítimo ação —
“ação própria” — contra o pai ou~ seus herdeiros para demandar o reconhecimento da filiação”. Pelo exposto,
julgando não provado o reconhecimento voluntário, nem tendo sido ainda decretado o reconhecimento judicial,
mediante ação do filho ilegítimo contra os herdeiros do pai, assiste ao autor, que é irmão do de cuius, em falta de
herdeiro mais graduado na ordem da vocação hereditária —o interesse de agir, que se lhe contesta”.
Se o testamento particular está em forma legal, escrito e assinado, portanto, pelo testador, e assinado pelas testemu-
nhas, mas não pode ser confirmado, pela exigência do artigo 1.648, também constitui o escrito do art. 363, III, isto
é, permite a ação.
2. PROMESSA DE PRESTAÇÃO EM TESTAMENTO. — Pode ocorrer que o testador prometa vender um
edifício, ou parte dele, usando, para isso, do próprio testamento. Na ocasião de abrir-se ou de cumprir-se, vê-se o
que prometeu. Vale a promessa. A êsse respeito sucedeu, na França, caso típico: no testamento, um condômino
prometeu a outro vender-lhe a sua parte no imóvel indiviso (obrigação pessoal, por se tratar de promessa de venda),
mas, na partilha dos bens, coube à mulher meeira, e não ao espólio, o imóvel. Vendeu-o a um legatário universal. A
Côrte de Cassação, a 20 de junho de 1927, resolveu que a ação não poderia ser contra esse, terceiro adquirente.
Caducara, com a morte, a promessa. Raciocínio, és-se, insustentável. Partiu da seguinte consideração: “La promesse
de vente faite par testamenta pu devenir synallagnatique par l’acceptation et se transformer en contrat, puisqu’ elle
ne constitue qu’une disposition faite par testament”. A propósito, é de lembrar-se a crítica de R. DEMOGUE (Effets
d’une promesse de vente, d’un droit indivis faite par testament, Ttévue trimestrielle de IJroit Civil, 26, 989): “Sans
doute ou est peu habitué a voir un contrat se greffer sur un testament. Mais la techuique doit être souple et se prêter
aux formes que nécessite l’utilitê pratique. Si une personne a manifesté sa volonté par testament, pourquoi celie-ci
ne se compléterait -elIe pas par une déclaration du tiers a l’héritier?”.
1. ESPÉCIES DE PACTOS SUCESSÓRIOS. — Os pactos sucessórios são de três espécies: de sucedendo, pelos
quais alguém vai herdar, suceder, quiçá mútuamente (pacta de mutua .successione); de rum succeciencio, pelos
quais alguém renuncia à herança de outrem; de tertii disposione, pelos quais se dispõe da herança de terceiro.
Rigorosamente, duas: a de suceder e a de não suceder. As Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 70, proIbiam o
contrato sobre a herança de pessoa viva; suscetível de confirmação por juramento (§§ 3 e 4), com o que se
conciliavam o direito romano e o canônico, na espécie do § 4 (contrato contra direito, confirmação no julgamento)
Distinção sutil que não dispensa a leitura dos textos. Mas ao princípio geral da interdição dos pactos sucessórios,
além da exceção do § 4, firmavam as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 46, pr., a de permitirem-se convenções
hereditárias insertas nos pactos antenupciais: “Todos os casamentos feitos em nossos Remos e senhorios se
entendem serem feitos por carta de a metade: salvo quando entre as partes outra cousa for acordada e contratada,
porque então se guardará o que entre eles for contratado”. Dir-se-á que o texto precisava de interpretação. Mas,
sobre ser o uso universal das nações (SAMUEL STRYK, W. A. LAUTERBACH), como frisou MANUEL DE
ALMEIDA E SOUSA (Notas do uso prático, II, 369, 397), veio a Lei de 17 de agôsto de 1761, § 8, que, referindo-
se às mulheres nobres, reconheceu a existência da regra singular, permissiva: podiam “estipular com seus
respectivos esposos, assim para a vida como para a morte, as reservas e condições que bem lhes parecer, como até
agora se praticou sem a menor diferença”. Indiscutível o valor interpretativo (TEIXEIRA DE FREITAS, Tratado
dos Testamentos e Sucessões, 281 5.; Consolidação das Leis Civis, art. 354, nota 13). Pouco importava a vantagem.
Podiam ser recíprocos e igualmente vantajosos, ou desiguais. Era o que pensavam, com MANUEL DE ALMEIDA
E Sousa e J. H. CORREIA TELES (Digesto Português, II, § 124 s., Manual do Tabelião, § 141), M. A. CO~LRO
DA ROCHA (Instituições de Direito Civil português, II, § 731), CARLOS DE CARVALHO (Nova Consolidação
das Leis Civis, art. 1.488, parágrafo único) e F. DE P. LACERDA DE ALMEIDA (Sucessões, 517-520). Contra:
LAFAIETE RODRIGUES PEREIRA (Direitos de Família, 347-349) e CLóvIS BEVILÁQUA (Direito das
Sucessões, § 79, 283). De qualquer modo, era assaz embaraçosa a construção de tais pactos, — feitos em
convenções, tinham de ser revogáveis, pelo essencial às últimas vontades: ao contrário dos pactos antenupciais
simples, nos quais non agitur de successione in casum mortis, resistiam à própria convenção sôbre irrevogabilidade
(W. A. LAUTERBACH, Caílegium Partdectarurn Theoretico-practicum studio, II, 446), contra a opinião de
MANUEL DE ALMEIDA E SYOUSA, que admitia não se revogar o pacto, se intervinha a cláusula. BORGES
CARNEIRO (Direito Civil de Portugal, II, § 133, 1, 6, 7) considerava irrevogáveis os pactos simples e revogáveis
os feitos por morte: se dêles constasse a revogabilidade, ter-se-iam por simples. Mas não construiu a última espécie
do instituto. TEIXEIRA DE FREITAS (Formulário, §§ 368 e 313) permitia, sem distinções, estipular-se a
irrevogabilidade. Presunção de serem revogáveis, elidível pela convenção. Sendo mistos os pactos, cada parte reger-
se-ia pela sua lei. Onde faltasse atualidade, interviria a presunção de ser revogável. Onde houvesse atualidade,
impor-se-ia, pela construção, a irrevogabilidade. Contra RUI BARBOSA (R. de D., 45, 39-57) e F. DE P.
LACERDA DE ALMEIDA (Sucessões, 517-520), decidiu a 2.~ Câmara da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a
1 de dezembro de 1916, seguindo o Supremo Tribunal, a 7 de maio de 1913. Foi o influxo simplista de LAFATETE
RODRIGUES PEREIRA e CLÓVIS BEVILÁQUA. Volver-se-á ao assunto.
Os testamentos e os codicilos são negócios jurídicos, unilaterais, a causa de morte. Há outros negócios jurídicos a
causa de morte, isto é, que somente têm a eficácia com a morte de alguém seja do manifestante em vida, ou seja de
outrem. Mas, aí, há eficácia desde logo, de que deriva a irrevogabilidade, e não a conclusão sem ser possível a
revogação, como se passa com o testamento ou o codicilo. A doação mortis causa apenas retarda a completitude da
eficácia, porque já se manifesta a vontade, sem retirabilidade da vox.
Não se deve dizer que a vontade individual, nos testamentos e nos codicilos, vá além da morte do decujo. A vontade
foi manifestada, era revogável, mas deixou de ser revogável no mornento da morte. Desse momento em diante, o
que há é efeito da manifestação de vontade, que fora posta no negócio jurídico unilateral.
O direito brasileiro não tem os pactos sucessórios. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 70, §§ 3•O e
4~O, havia explícita proIbição de pactos sucessórios, ou de promessas unilaterais sucessórias, se de suceder. O
pacto e a promessa de não suceder eram permitidos se juramento os confirmasse. No § 3~0, dizia-se: “assi como se
algum homem prometesse a outro sob certa pena de o fazer herdeiro em parte, ou em todo, ou lhe fizesse doação
entre vivos sob certa pena de todos seus bens móveis e de raiz, direitos e cauções havidos, e por haver, não
reservando deles para si cousa alguma: ou fosse feito contrato sobre a herança de pessoa viva, por que alquile, que
não devia ser seu herdeiro, o seja sob certa pena; porque tais contratos são assim ilícitos e por Direito reprovados,
que não podem se por juramento confirmados: E per conseguinte as penas em eles postas se não podem pedir, nem
demandar”. No § 4.0: “E sendo os contratos tais, que posto que sejam contra Direito, podem ser confirmados per
juramento, poder-se-á levar a pena entre os contraentes posta, se o contrato não for cumprido per alquile, que
prometeu de o cumprir, assim como, se fosse feito contrato entre dois, ou mais que esperavam ser herdeiros por
morte de algum, que ainda seja vivo, que por sua morte algum deles não herdasse em sua herança, ou se algum deles
fizer convença com alquile, de cuja herança se trata, per que possa herdar nela, ou em outro resultante caso; porque
ainda que tal contrato em alguns casos por Direito não valha, pode-se confirmar segundo Direito Canônico por
juramento, por não ser tão reprovado, como os outros, de que se acima faz menção. E per tanto bem se pode pedir e
levar a pena prometida em ele, se se não cumprir”.
O texto prende-se a lei de Afonso IV, de que se cogitou nas Ordenações Afonsinas, Livro IV, Titulo 62, § 6.
A Lei de 22 de setembro de 1828 extinguiu o Desembargo do Paço, a que competia a permissão do juramento
confirmatório, e dela se tirou que não mais havia possibilidade de pacto sucessório ou de promessa sucessória.
1.EXCLUSÃO DE HERDEIROS NÃO NECESSÁRIOS. — Se o testador, que tinha dois ou mais parentes
sucessíveis, não necessários, faz testamento, para dizer que não deseja herde seus bens um deles, vale o testamento,
como se, em vez de excetuar a esse, chamasse a sucessão o outro ou chamasse os outros não excluídos. No Código
Civil alemão há regra jurídica expressa (§ 1.938): “Pode o decujo, por testamento, sem instituir herdeiro, excluir da
sucessão legal um parente ou cônjuge”. Na Alemanha, a Fazenda é herdeiro legítimo, § 1.936; porém não se exclui.
Se o testador declara o que acima dissemos, procede-se como se o herdeiro excluído não existisse.
2. DIREITO BRASILEIRO. — No direito brasileiro, a solução tem de ser a mesma. Nem é de mister ao testamento
conter instituIção de herdeiro (Código Civil, art. 1.769); e no art. 1.742 se permite que se ordene no testamento a
deserdacão. Se, havendo herdeiros necessários, isso se permite (pois que a eles concerne o ato de deserdar), com
mais forte razão se quer excluir cônjuge ou parente colateral: quem, pelos não contemplar, testando tudo o que tem,
os exclui (art. 1.725), claro é que os pode excluir de modo expresso: “Não quero que A me suceda”, “A não será
meu herdeiro”.
Na L. 24, C., de testamentais: quemadmodum testainenta ordinantur, 6, 23, disse-se: “Consideramos que se devem
estirpar as ambigüidades quase originam da imperícia ou da desídia dos que escrevem os testamentos, e (ou) se a
instituição de herdeiros foi escrita depois da dação dos legados, ou se se omitiu outra formalidade, sem intenção do
testador, ou por falta do tabelião ou de outrem que escreveu o testamento a ninguém concedemos em tal ocasião,
faculdade para subverter a vontade do testador ou diminuí-la”. Ambiguitates, quae vel imperitia vel desídia
testamenta conscribentium oriuntur, resecandas esse censemus et, sive institutio heredum post legatorum dationes
scripta sit vel alia praetermissa sit observatio non ex mente testatoris, sed vitio tabellionis vel alterius qui testa-
mentum scribt, nuíli licentiam concedimus per eam ocasionem testatoris voluntatem subvertere vel minuere).
Alguns intérpretes de hoje entendem que, assim, Justiniano aboliu a exigência da nomeação do herdeiro, a
necessidade da heredis institutio (por exemplo, PIE’rso BONFANTE, Scritti giuridici vapi, 1, 135; CONTARDo
FERRINI, Manuale di Pandette, 3ª ed., 603; 5. DI MARzo, Istituzione di Dirttto ro~mano, 5•a ed., 442, 453 e 494).
Verdade é, porém, que só há referência a testamentum ecriptum e alógrafo. Só se levou em consideração a alograf ia,
tanto que se fala da “imperitia vel desidia testamenta conseribentiam”.
Nas Institutas, § 34, de legatis, 2, 20, não há distinção.
O que mais importa é a heredis institutio, que era caput testamenti.
1. DIREITO ROMANO. — No direito romano, introduziu-se — antes de 418 (imperadores Honório e Teodósio) —
espécie assaz curiosa de ruptio de testamento: a prescrição decenal (L. 6, C. Theod., de testamentis et codicillis, 4,
4). Fundava-se na presunção da mutabilidade do querer: em dez anos, não haveria de ser a mesma a vontade do
testador. Por outro lado, em dez anos podia ocorrer estarem mortas as testemunhas (cf. FR. MÍIHLENBRUCH, em
CHR. FR. GLÚCK, Ausfiihrliche ErlÉtuterzcng der Pandecten, 38, 174). Ora, se algo se devia de presumir era que
tal vontade não mudara: se houvesse mudado, poderia o testador tê-la expresso noutro testamento. Em 530, aboliu
tal caducidade Justiniano: o decênio, por si só, não rompe o testamento; mas, tendo passado êle, podia ser feita a
prova da revogação perante três testemunhas ou perante o juiz (CHR. FR. MÚHLENBRUCH, 38, 178). A L. 27, C.,
de testamentis: quem admodum testamenta ordinantur, 6, 23, foi de alta importância, porque, além disso, admitiu a
revogação (note-se: a revogação, e não a ruptio) sem nova instituIção.
2. DiREITo CONTEMPORÂNEO. — Hoje, não há prazos para caducidade, além do qual se rompam os
testamentos, nem para revogá-los é mister aguardar-se qualquer período. Feito hoje, ao meio-dia, pode ser revogado
no minuto após ter sido feito. Basta dilacerá-lo o testador, ou ditar outro, com as formalidades legais. Assinado aos
dezesseis anos, pode ser aberto e cumprido quando o testador morrer, quiçá aos oitenta, aos noventa, aos cem e
tantos anos.
3. DIREITO ALEMÃO, DIREITO SUÍÇO E DIREITO RUSSO. — No Código Civil alemão, trata-se do
testamento, disposição unilateral do decujo, e do contrato de herança (Erbver-trag), de natureza bilateral. Às vêzes,
o Código Civil alemão chama ao testamento “disposição de última vontade” (letztwillige Verfugung). A contrário do
contrato de herança, é revogável o ato testamentário. Não se cogitou de codicilos, nem de cartas ou cédulas
hereditárias (Nachzettel). Não os há. Nem o princípio Nemo pra parte testatus, pro parte in~testatus de -cedere
potest, nem o outro — Semel heres semper heres —poderiam ser invocados. Não se conhece fideicomisso universal.
A reserva (Pflichtteil) consiste na metade da quota hereditária legal.
No Código Civil suíço, há o pacto sucessório (arts. 468 e 481) e o testamento. Se há descendentes, pais, irmãos, ir-
mãs ou cônjuge, a faculdade de dispor fica sujeita ao respeito das reservas ou quotas (Pflichtteil) : se há
descendente, a quota é de três quartos do que lhe caberia; se pai e mãe, a metade; para cada um dos irmãos, um
quarto do seu direito à sucessão; se cônjuge sobrevivente, concorrendo com herdeiros legais, todo o direito de~
propriedade e reserva, mas sê-lo-á da metade, se é êle herdeiro único (art. 471). Isso, em relação ao cônjuge
sobrevivente, não se tratando de usufruto. No caso de usufruto, concorrendo com herdeiros legais, a reserva dos
descendentes será de seis dezesseis avos da propriedade e seis dezesseis avos do submetido a usufruto, seja, em
conjunto, doze dezesseis avos (EUGÊNE CURTI-FORRER, Coinmenta,ire du Cade Civil suisse, 372). Mas,
analisando o art. 473, A. ESCIHER (Das Erbreclit, Kommentar, III, 35) procurou o conteúdo de tal regra jurídica,
que deixa ao testador a faculdade de dispor de toda a parte dos descendentes em proveito do cônjuge, redutível, por
segundas núpcias, à metade, e do art. 462, que reconhece ao cônjuge a opção entre o quarto da propriedade e o
usufruto da metade, havendo descendentes. Tem direito ao quarto de propriedade e a três quartos de usufruto.
concorrendo com pai e mãe ou a sua posteridade, ou, em concurso com avós, ou sua posteridade, à metade de
propriedade e metade de usufruto. A conclusão de A. ESCHER é diferente da que deu EUGÉNE CURTI-FORRER.
O direito sucessório suíço constitui intrincado cálculo aritmético, cujos fins dificilmente se percebem: esmerou-se
em frações, bem reveladoras do hábito, junto à limpidez expositiva e elegante, de tratar certos problemas jurídicos,
como quem faz relógios.
No Código Civil russo de 1922 definiu-se o testamento:
disposição para o caso de morte, em forma escrita, seja para deixar um bem a uma, ou a algumas pessoas, entre as
designadas no art. 418 (herdeiros), seja para repartir êsse bem entre algumas delas, ou entre tôdas essas pessoas, de
maneira diferente da prevista no art. 420. Privadas, pelo testador, dos direitos sucessórios todas as pessoas
mencionadas no artigo 418, passavam os bens ao Estado, segundo os arts. 417 e 433. Só existia sucessão até dez mil
rublos-ouro, feita a dedução das dívidas do defunto (art. 416). São herdeiros legais: os descendentes, o cônjuge
sobrevivente e as pessoas incapazes de trabalhar ou indigentes, que estavam a cargo do defunto, há um ano, pelo
menos, antes da morte (art. 418). Só os vi~vos ou concebidos podem herdar. Se não há testamento, herdam em
partes iguais (art. 420). Os que viviam com o defunto recebem, sem se ter em conta o limite, os bens que cons-
tituíram a instalação e proviam às necessidades correntes do lar, excluidos os objetos de luxo (art. 421). Mas foi
revogada a parte em letra grifa. Não há, pois, herdeiros testamentários fora do art. 418. Pode o testador dispor que o
herdeiro cumpra o que ditar a favor de uma, algumas ou todas as Pessoas designadas na lei (arts. 418 e 422), e os
beneficiários podem exigir a execução (art. 423). Permitem-se as substituições testamentárias, sem se sair das
pessoas do art. 418. O testamento tem de ser assinado pelo testador e apresentado a órgão notarial, para ser inserto
no registro de atos. No caso de analfabetos, assina-o terceiro por eles. A pública forma segundo o registro de atos faz
as vezes do original (art. 425). O posterior revoga o anterior, no que o altera (art. 426, j•8 parte). Pode-se revogar o
testamento sem se fazer nôvo, por declaração notariada ou judicial, que se inscreve no registro de atos ou no
protocolo judiciário (2.8 parte). A execução incumbe aos herdeiros instituidos, salvo se o testador encarregou
alguém (executor testamentário, “testamenteiro” do direito brasileiro); mas deve ter consentido o encarregado (art.
427) - Desde fevereiro de 1926, a integralidade da sucessão passa aos herdeiros, abolido o limite de dez mil rublos;
mas as categorias de sucessíveis ficaram. Foram revogados os artigos 415, 419, in fine, 422, in fine, e 424, in tine.
4. DIREITO ITALIANO. — No direito italiano, o testamento ordinário não caduca por tempo. As disposições
testamentárias, a essas, se foram atendidos todos os requisitos de fundo e de forma, pode acontecer que fato
superveniente, tal com& ocorre se houve revogação do testamento, ou de outro testamento posterior que revogue a
disposição, ou de fato estranho à vontade do testador, impedidos ficam os efeitos. Falam os juristas de eficácia, que
se extingue. Mas a revogação é retirada da vox, portanto exclusão do próprio suposto fáctico.
Quanto ao testamento em caso de moléstia contagiosa, calamidade pública ou infortúnio, há termo dito de eficácia
(termine di efficácia). Lê-se no Código Civil italiano, art. 610:
“Ii testamento ricevuto nel modo indicato dall’articolo precedente perde la sua eficácia tre mesi dopo la cessazione
delia causa che ha impedito aí testatore di valersi delie forme ordinarie. Se ii testatore muore nell’intervallo, ii
testamento deve essere depositato, appena é possibile, nell’archivio notarile dei luogo in cui é stato ricevuto”.
Quanto ao testamento marítimo, diz o art. 615: “11 testamento fatto durante ii viaggio per mare, neila forma stabilita
dagli articoli 611 e seguenti, perde la sua efficacia tre mesi dopo lo sbarco del testatore in un luogo dove ê possibile
fare testamento nelle forme ordinarie”. Ainda, a respeito do testamento a bordo de aeronave, estabelece o. art. 616,
1.8 alínea: “Ai testamento fatto a bordo di un aeromobile durante ii viaggio si applicano le disposizioni degli articoli
611 a 615”.
§ 5.667. INCADUCABILIDADE DO TESTAMENTO - curso deste prazo o testador for colocado de nôvo em
circunstâncias. 3. A entidade perante quem for feito o testamento deve esclarecer o testador acerca do disposto no n.
1, fazendo menção do fato no próprio testamento; a falta de cumprimento deste preceito não determina a nulidade
do ato”.
5. DIREITO PORTUGUÊS. — No Código Civil português (dez 1966), depois de cogitar dos testamentos de
forma especial, o art. 2.222 estatui: “1. O testamento celebrado por alguma das formas especiais previstas na
presente seção fica sem efeito decorridos dois meses sobre a cessação da causa que impedia o testador de testar
segundo as formas comuns.
CAPÍTULO III
1.NOÇÕES SOBRE CAPACIDADE DE CONCLUIR NEGÓCIO JURÍDICO. Todo homem é capaz de direitos e
obrigações na ordem civil (capacidade de direito, Código Civil, art. 2.0). Além das pessoas físicas, existem as
pessoas jurídicas, mas o testamento é’ ato essencialmente ligado ao fato da morte física:
só o ser humano pode testar. Mas, entre esses, há os que, pela insuficiência social (menores de dezesseis anos,
silvícolas inadaptados, loucos), ou por ocasional perturbação do juízo, ou, ainda, pela impossibilidade material de
manifestar a vontade, não podem testar (incapacidade de testar, art. 1.627). Outros, que são inábeis para
determinadas formas testamentárias (inaptidão para o ato formal). Somente da capacidade negocial para o
testamento é que temos de tratar.
2.PESSOAS FÍSICAS E PESSOAS JURÍDICAS. As pessoa jurídicas não testam. Não é por não poderem dispor.
Contratam, doam, alienam. Dispõem sobre o próprio destino dos bens, nos casos de extinção, que são imagens da
morte física. Será porque a personalidade delas só se justifica pelo fim socialmente útil que lhes dá a ordem
jurídica? Testar supõe morte; portanto, ultrapassa o fim. Será porque, perpétuas, não poderiam testar; e,
temporárias, o fim lhes é previsto? Tudo isso cairia em especulação. As pessoas jurídicas não testam, porque, na
determinação histórica, o testamento serviu à pessoa física, na transmissão religioso-política, político
-jurídica, jurídico-econômica, e o direito vigente não se desprendeu do conceito de morte física, realística, no definir
o testamento.
3.INCAPAZES DE TESTAR. Diz o Código Civil, art. 1.627: “São incapazes de testar. 1. Os menores de dezesseis
anos. II. Os loucos de todo o gênero. III. Os que, ao testar, não estejam em seu perfeito juízo. IV. Os surdos-mudos,
que não puderem manifestar a sua vontade”. Não podiam testar:
os menores de quatorze anos e as menores de doze (Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 81, pr.) ; os filhos-
famílias, ainda que os pais consentissem, exceto quanto aos bens castrenses e quase-castrenses (Livro IV, Título 81,
§ 3•O, Título 83, § 1.0, e Título 91, § 1ª); os loucos e os pródigos tolhidos da administração de seus bens (Livro IV,
Título 81, § 5.0); os religiosos professos (Titulo 81, § 4.0). Com a Constituição do Império, art. 179, § 5•o, cessou a
incapacidade testamentária dos hereges e apóstatas, por não ser possível perseguir-se alguém por motivos de
religião. Por outro lado, a despeito de se falar de morte civil no Código Comercial, art. 157, 3, imitação do Código
Comercial português, não se incluiu entre incapazes os condenados à pena última (TEIXEIRA DE FREITAS,
Consolidação das Leis Civis, art. 993, nota 6). O escravo tinha capacidade testamentária passiva (Lei n. 2.040.
•de 28 de setembro de 1871, art. 4), porém não a ativa (Livro IV, Título 81, § 4.0; Aviso n. 16, de 13 de fevereiro de
1850). Valia o testamento do louco em momentos lúcidos (Consolidação das Leis Civis, art. 995). A disposição
referente a religiosos professos já se achava revogada.
4.PoSIÇÃO JURÍDICA DO TESTADOR. O testamento supõe sujeito de direito que seja o testador. Deve estar
consciente e livre, conhecer a natureza do ato que pratica, e partirem de si, e não de outrem, as vontades que
exprime: liberdade e testamentificação são inscindíveis. O conjunto de pressupostos para ser capaz de testar, isto é,
ser declarante no negócio jurídico unilateral testamentário necessários e suficientes é a capacidade testamentária,
menos extensa que a capacidade de direito (personalidade), porque há pessoas que não testam, se bem que sejam
capazes de ser sujeitos de direito (e.g., menores de dezesseis anos). Além dos que são pessoas, e não testam por
defeito ocasional, e os que não testam, por defeito de idade (insuficiência social), há os que, pessoas, nunca poderão
testar, e são as pessoas jurídicas, que também não adotam, nem se inserem em família.
1.DIREITO ROMANO E OUTROS SISTEMAS. No direito romano, já a L. 25, § 1, D., de mortis causa
donationibus et capionibus, 39, 6, permitia que o filho-famílias fizesse doação mortis causa, mas não podia testar. O
testamento não era, então, jurídico-econômico (patrimonial): era nomeação de sucessor (fato religioso-político), na
soberania do grupo familiar. Nos nossos dias, o Código Civil francês, art. 904, permite ao que já fêz dezesseis anos,
porém é menor, dispor em testamento, até a metade da parte disponente (semelhantes, quanto aos pródigos, algumas
legislações). Trata-se de tentativa de solução técnica, conciliatória. No Código Civil austríaco, § 568, regra jurídica
parecida, a propósito de pródigo, foi assaz censurada (JOSEPH UNGER, System des tisterreichischen alígemeineu
Privatrechts, VI, 4).
No direito inglês, a capacidade de testar também começa aos vinte e um anos (K. WERTHEIM, Wõrterbuch des
englischen Rechts, 565). No direito francês, a propósito de testamentificação do menor, contém ~ó Código Civil,
arts. 488 e 904, curioso expediente a que chamaríamos de semicapacidade objetiva. Diz o art. 904: “Le mineur
parvenu à l’âge de seize ans ne pourra disposer que par testament, et jusqu’à concurrence seulement de la moitié des
biens dont la loi permet au majeur de disposer”. A emancipação nenhum efeito tem na capacidade testamentária: o
art. 904 atua até os vinte e um anos. Se, a despeito disso, o menor testa porção maior que a do art. 904, não são
nulos os legados, mas redutíveis à parte permitida em lei. Tal parte não é a metade da fortuna do menor, mas a
metade da porção testável. Assaz se censurou o expediente francês (e. g., F. LAURENT, Príncipes, XI, 191; TH.
HUC, Commentaire, VI, 113) : alguns juristas não concebem meia capacidade para um só e mesmo ato, e
prefeririam a incapacidade absoluta. Historicamente, os Costumes de Paria (art. 293), de Calais (art. 86) e de
Orléans (art. 293) estabeleciam a intestabilidade dos móveis e dos adquiridos até vinte anos e dos próprios até vinte
e cinco. Considerações do interesse dos herdeiros introduziram a testabilidade de uma porção, restrita, do
patrimônio do menor. Diante das duas tradições, a romana e a costumeira, o Código Civil francês elaborou o art.
904, bem significativo da sobrevivência de ambas. A Lei francesa de 28 de agosto de 1916 acrescentou ao artigo
904: “Toutefois, s’il est appelé sous les drapeaux pour une campagne de guerre, il pourra, pendant la durée des
hos.tilités, disposer da la même quotité que s’il était majeur en faveur de l’un quelconque de ses parents ou de
plusieurs d’entre eux et jusqu’au sixiéme degré inclusivement ou encore en faveur de son conjoint survivant. À
défaut de parents au sixiême degré inclusivement, le mineur pourra disposer comme le ferait un majeur”.
2. DIREITO BRASILEIRO. No direito brasileiro, o menor de vinte e um anos e maior de dezesseis está plenamente
habilitado, por exemplo, para ir a cartório e ditar ao tabelião o seu testamento. A simples prova de ter o pai vedado o
ato do filho, ou criado dificuldades à livre manifestação da vontade testamentária, constitui causa suficiente para as
medidas do art. 394 ou 395, 1 e III, do Código Civil, além da responsabilidade criminal respectiva, na salvaguarda
penal da liberdade de testar. Se o abuso parte de tutor, esse, além de ser punido, deve ser destituído. Escrito pelo
menor, ou escrito por outrem e por ele assinado, ou a rogo, aprovando-o o oficial público, vale igualmente o
testamento cerrado. Diga-se o mesmo do testamento particular hológrafo.
A lei não veda ao pai, ou tutor, ser testemunha testamentária. Mas, se isso não causa invalidade (tanto mais quanto
ficaria excluída a instituição a ascendentes, descendentes, irmãos e cônjuge do pai ou tutor, ou a qualquer desses
(arts. 1.650, IV e V, e 1.719, II), é desaconselhável, pela possibilidade de ação de anulação com fundamento nos
arts. 98 e 101 do Código Civil (coação).
2.ÔNUS DA PROVA DA LOUCURA. O ônus da prova cabe ao autor da ação de nulidade de testamento. (Já se viu
que, tendo havido interdição, o registro basta, e dispensa o processo de nulidade.) Deve o autor provar que a
insanidade existia no momento do negócio jurídico testamentário. A prova pode fazer-se por todos os meios:
testemunhas, depoimentos, documentos particulares, indícios, presunções e perícias; ao juiz apreciar as
circunstâncias. Nesse assunto, todo fato positivo mais importa do que múltiplos informes negativos (J. RAECKE.
Kurzgefasstes Lehrbu.ch der gerichtlichen Psyschiatrie, 66) : o tabelião, as testemunhas, o médico da casa podem
ter-se enganado; se é certo que do escrito, da natureza e do teor das disposições se pode tirar argumento contra a
capacidade, não é menos que, ainda sensatas as declarações, e tão acertadas como as faria qualquer pessoa sã, pode
não valer o testamento.
Se é certo que em todos os homens se presumem o senso e a razão, todos sabemos que é por sinais extrínsecos,
inclusive as palavras, que se prova a loucura, e não repugna a prova testemunhal (ANDREA ALCIATO, Tractatus
de Praesumptionibus. 149). Quanto às cartas, além da letra e do prenome exarado numa delas, concorre a
verossimilhança, que é elemento assaz importante na virtus probandi dos escritos (JOH. WILH. VON TEVENAR,
Theorie des Beweises im Civilprocess, nova ed., 242). Há fatos patológicos que provocam algo de anormal, sem tirar
ao indivíduo a aptidão necessária à administração da fortuna e à capacidade de testar. Exemplo vulgar temos em
pessoas devotadas, excessivamente, ao espiritismo ou às ciências ocultas. A matéria é tanto mais delicada quanto são
passados os indícios da vida física. A perícia psiquiátrica forense recai em pessoa que já morreu. No entanto fora do
caso do exame em vida, para testar a pergunta é sempre esta:
~ Deve ou não considerar-se como a expressão de vontade sã ~o testamento do falecido?” O que importa é verificar-
se se havia distúrbios, que diminuíssem, ou abolissem a faculdade de testar: a) se havia estado psíquico anormal; b)
qual o distúrbio; c) se, no momento da testamentificação, se achava em grau reputado perturbante ou elidente da
normal determinação da vontade. Tem-se de levar em consideração o informe sobre a pessoa e o ambiente em que
vivia, a fim de se conhecerem as circunstâncias mais próximas das disposições testamentárias. No próprio texto da
cédula, pode haver indícios; e. g., indicações que não correspondam ao patrimônio, ou à situação jurídica de todos
os bens, ou de alguns bens ou não-inteligibilidade das disposições. Para haver capacidade psíquica, que as leis, para
se dispor por testamento, fazem exigida, a) o testador deve ter inteira consciência do significado das disposições
testamentárias, das suas relações fáticas e jurídicas, e claro conhecimento das declarações que faz e da sua
importância para si e para os co-interessadOs, b) deve achar-se livre de toda perturbação episódica, quer exterior
(coação, ameaças, dolo, sugestões caluniantes, que induzam em erro), quer interior (ira, embriaguez).
Na perícia, o ponto de partida é o próprio escrito, se feito pelo testador, ou, pelo menos, por ele subscrito. Vão os
médicos, com os informes sobre a saúde física e mental, redigir história, tão exata quanto possível, de quem já não
existe. Todos os dados são indiretos. Através de escritos, de informações da vizinhança, de criados, de fregueses, ou
de pessoas do trato diário, terão em conta os caracteres psíquicos do testador, as suas particularidades, os seus
sentimentos habituais, as suas simpatias e aversões, as suas relações de família e de sociedade. É de grande
importância verificarem os peritos quais as pessoas que estavam em contacto com o testador antes, durante e depois
do testamento, se vivia retirado, por vontade própria, ou por exigência de outrem, se certas pessoas, que deviam
viver em contacto com o testador, eram, de fato, dele afastadas. Na apreciação dos distúrbios, deve o juiz dar valor
aos que só se revelaram nas proximidades da feitura do testamento, porque as debilidades de vontade, as
irritabilidades permanentes, se fossem de natureza a eliminar a capacidade volitiva, provavelmente teriam levado a
atos de desbarato pecuniário, a gestos incompreensíveis e às medidas de interdição.
Nesse ponto, surge questão, que a prática põe em relevo: proposta a interdição por loucura, e negada, transita em
julgado a sentença, j,pode ser promovida, após a morte, a nulidade do testamento? Sim, porque pode ter ocorrido
não se terem trazido a exame todos os informes pertinentes. A própria propositura, ainda que sancionada pela
justiça, poderia ter sido um dos processos postos em prática pelos interessados na testamentificação. Quanto ao
suicídio, próximo do testamento, não basta ele, de si só, para provar o estado psíquico de insuficiência
testamentária.
4.INTERVALOS LÚCIDOS E TESTAMENTO. O direito brasileiro não conhece os intervalos lúcidos. Foi
revogada a regra jurídica das Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 81, pr. e § 2. Lia-se então: “O Varão menor de
quatorze anos, ou a fêmea menor de doze, não podem fazer testamento, nem o furioso. Porém, se não tiver o furor
contínuo, mas per luas, ou dilúcidos intervalos, valerá o testamento, que fêz, estando quieto e fora do furor,
constando disso claramente; como também valerá o testamento, que antes do furor tiver feito. E isso, que dizemos
do furioso, se entenderá também no que nasceu mentecapto, ou que veio a carecer de juízo por doença, ou qualquer
outra maneira”. § 2.0: “E se o que tem dilúcidos intervalos fizer o seu testamento, e se duvidar se o fêz, estando em
seu perfeito juízo, deve-se considerar a qualidade da disposição e testamento; se o que nele se dispõe é tão razoado,
e
feito com tão boa ordem, como fizera um homem de são juízo, deve-se presumir e crer, que no tempo que o fêz
estava em seu perfeito juízo. E sendo feito em outro modo, se presumirá o contrário”.
No sistema do Código Civil, a loucura é continuIdade, não há momentos de lucidez. Nesse ponto venceu a velha e
sozinha opinião de CHR. THOMASIUs, para quem não havia, nos loucos, intermissão ou lúcidos intervalos: leis e
escritores, que outra .coisa diziam (e eram todos), erraram. E o erro, acrescentava, vinha do Código de Justiniano,
donde passou aos povos da Europa. No seu tempo e depois, médicos e juristas, contra tal afirmativa se insurgiram:
era inquinar de estupidez o Código de Frederico, II, 7, 2, § 2, bem como as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título
81, § 2ª, Bem mais tarde, na memorável oração de P. J. DE MELO FREIRE, sobre o testamento de melancólicos,
FREIRE DE MELO, seu sobrinho, sustentou (Notas, em P.J. DE MELo FREIRE, Alegação jurídica, 15) a
esporádica, mas hoje vitoriosa opinião de CHR. THoMASIUS. Com o triunfo, perdido ficou o esforço especulativo,
perdidas as sutis regras presuntivas e as cautelas, que estão nas obras de ZACCHIA, de SCALONA, de SAMUEL
STRIK e de tantos outros juristas. Mas, se, no sistema do Código Civil, loucura é continuIdade, admite-se que deixe
de haver juízo perfeito, sem haver loucura. Não há momentos lúcidos: a vida do louco constitui, para a lei,
escuridade contínua, sem relâmpagos de consciência jurídica. Porém a lei mesma, à continuIdade iluminada dos
sãos reconhece manchas escuras. Daí falar-se (art. 1.627, III) nos que, ao testar, não estejam em perfeito juízo.
1.CONCEITO DE IMPERFEITO JUÍZO. Ato de extraordinária significação como é o testamento, estatui-se que só
o podem fazer os que estão em perfeito juízo. Não só os loucos, os menores de dezesseis anos e os surdos-mudos,
que não podem manifestar a sua vontade, como também aqueles, sãos, maiores da idade referida, que
ocasionalmente não podem ser cridos em discernimento, em inteira capacidade de deliberar. Os dois casos típicos
são a embriaguez e a ira. A embriaguez é tida como loucura passageira, porém não é à obriedade que se refere o
Código Civil, art. 1.627, III. Quanto à ira, cumpre que se examine, mais de perto, a questão. Seria perigoso que se
considerassem nulas todas as cédulas ou disposições testamentárias feitas ab irato. Impõem-se-nos distinções, que
por si mesmas se revelam. A ira contínua de um pai, por atos reprováveis do filho, levando-o a só lhe deixar a
legítima, constitui uso da faculdade que a lei lhe dá, e não o podemos cercear de dispor, livremente, da metade do
que tem. Valeria o mesmo que destruir, com a invocação do color insaniae, a faculdade de apreciar por si e sem a
intervenção de outrem, nos testadores, o ato de testamento. Mas, se a ira, passageira e totalmente ofuscante da
inteligência, traduz o momentâneo de um estado de espírito, e não o contínuo ou último querer do testador, então se
patenteia aquela circunstância que o Código Civil prevê: não se achar, ao testar, em perfeito juízo. Transitória, sim;
nem por isso, menos provada incapacidade natural.
Ao direito antigo, que estabelecia a nulidade necessária do testamento ab irato (hoc cobre quasi non sanae mentis
fuerint), sucedeu, como doutrina, regra jurídica indutiva que podemos enunciar: se a ira ou cólera é tão violenta que
vulnera a capacidade psíquica, dá-se um dos casos de não perfeito juízo (art. 1.627, III). Por isso, vemos julgar-se
nulo o testamento de tão iradas disposições contra a família que só se explicariam por verdadeira insanidade de
espírito (Cassação de França, 20 de fevereiro de 1876).
2.NULIDADE E ANULABILIDADE. Não se confundam com os testamentos nulos, por não se achar em perfeito
juízo o testador, os testamentos anuláveis por sugestão, coação, ou captação. Nessas espécies, seria erro, a respeito
dos que dispuseram por engano ou temor de ameaça, falar-se em infirmeza momentânea da mente. Se o testador
testou, quando, indignado, não estava em estado de discernir, e. g., se ele mesmo o reconheceu em carta, ou ato que
tanto valha, como voltar a residir com a pessoa que deu causa~ à ira nulo é o testamento. Mas, tendo havido, não
ato determinado pela ira, porém abatimento de espírito, pela violência ou captação, é anulável o testamento,
conforme o sistema de invalidades, atos nulos e atos anuláveis, que está no Código Civil. Se algumas testemunhas
depõem pelo bom juízo, e outras, pela loucura, ou pela perturbação ocasional do testador, sem darem razões
convincentes do que dizem, hão de ser cridas, de preferência, aquelas (MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA,
Segundas Linhas sobre o Processo Civil, 571). Muito se invocou a regra * Plus valent duo testes de sana mente,
quam mille de furore deponentes (cp. ANTÔNIO MENDES AROUCA, Allegationes luris, 262; MA
NUEL ÁLVARES PÊGAS, Tractatus de Successione, et Erectione Majoratus, existe no sistema jurídico tal regra
Exclusone, Inclusicine, IV, § 45); porém não interpretativa.
3.PRESUNÇÃO DE JUÍZO PERFEITO. Ainda agonizante, a balbuciar, há de presumir-se com juízo perfeito o
testador. Nos velhos tratadistas é controversa a questão. Uns, como SAMUEL STRIK (De Cautelis testamentorum,
cap. 4, ~ 36), exigiam tivessem sido articuladas as palavras, e de modo ativo, isto é, cum bono intellectu, et
memoria; ita ut ex eius ioquella manife.stum fiat, et concludi possit testatorem sanae mentis fuisse. Outros, menos
exigentes, satisfaziam-se com o apanhar do sanus sensus das palavras baibuciadas e do animus testa-menti faciendi.
Tudo, em verdade, se reduz a questão de fato, como bem discutiram, firmados nos velhos julgadores e na doutrina,
FRANCISCO DE CALDAS PEREIRA (Consilia, 19, n. 18; 24, n. 3), e ANTÔNIO MENDES AROUCA (Alie
gationes luris, 260). Fica a palavra aos médicos: furore non probato, vale o testamento. Escusado é dizer-se que se
não compadece o estado atual da ciência com as mil e uma questiúnculas sôbre o juízo perfeito, como iactare
lapides non est probatio dementiae, ou ex melancholia non arguitur furor, aut dementia, de que se pontilham,
especulativamente, as obras de J. MASCARDO, FARINÁCIO, FRANCISCO MANTICA e outros. Em todo o caso,
retenhamos a que vem formulada em BÁRTOLO DE SAXOFENArO, GRACIANO, JACOB MENÓQUIO,
JOSEPH RAMON e ANTÔNIO MENDES AROUCA; as testemunhas falam do fato, sôbre que depõem, e não da
capacidade do testador, testes de iure deponentes non probant, como diz o último (26). Hão de referir-se ao tempo
em que o testador escreveu ou ditou o testamento. Quem vai julgar, pelas circunstâncias, é o juiz: o parecer dos
médicos serve-lhe, apenas, de auxílio, como todo laudo pericial.
1.PRESSUPOSTOS PARA VALMADE. Se o surdo-mudo pode ler e escrever, pode fazer testamento cerrado
(Código Civil, art. 1.642). Do testamento particular está excluído, de lege lata (não de lege ferenda), porque a forma
hológrafa requer a leitura pelo testador perante as testemunhas (art. 1.645, III). Por não poder fazer, de viva voz, as
declarações, tira-se-lhe o testar sob forma pública (art .1.635). Tal o que deriva de interpretação literal da lei. De
modo que a incapacidade para testar (art. 1.627, IV) é menor que a regulação do uso das formas. Haveria capazes
que, de fato, não poderiam testar. Ao falarmos dos arts. 1.635, 1.641 e 1.642, trataremos dos casos irresolvidos. Se o
surdo-mudo não é totalmente ‘mudo, isto é, fala com dificuldade, pode testar. É o surdo do art. 1.635, que lerá o
testamento, se souber ler, ou, se não souber ler, designará quem o leia, em seu lugar, presentes as testemunhas. Com
a sua meia-voz fará as declarações ao tabelião, que deve especificar tudo, sob pena de responsabilidade civil e
criminal. “Os que ouvem e falam com dificuldade”, diziam as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 81, § 5,
“poderão fazer testamento”.
2.CONSIDERAÇÕES “DE LEGE FERENDA”. No assunto de mudez e surdez, seria acertado que as legislações
estabelecessem princípio mais adequável às realidades: desde que possa ser suprida a falta de um dos sentidos,
comprovado, assim, o conhecimento e causa do que se lhe atribui, pode testar o mudo ou o surdo. Ficariam as
espécies à apreciação do juiz. Suprir-se-ia, pela escrita, a mudez; a surdez, pela leitura direta; as duas, pela escrita ou
outro meio de expressão.
3.CONSEQÜÊNCIAS DA INCIDÊNCIA DA REGRA JURÍDICA. As conseqüências das proibições do Código
Civil, art. 1.627, consistem na nulidade do ato. Pergunta-se: ~ ato posterior, em tempo de capacidade, pode cobrir o
testamento nulo? Sim, se o verdadeiro ato for o nôvo, e. g., revogação parcial, pelo maior, de testamento, que fizera
antes dos dezesseis anos (KONRAD COSACK, Lehrbuch, II, 706). Por outro lado, a regra da lei pessoal pode criar
situações especialíssimas. De qualquer modo, o menor alemão não pode, mesmo no estrangeiro, testar por
testamento hológrafo (CARL CROME, System, V, 54), mas há de valer o do menor domiciliado no Brasil, se o fêz
na Alemanha, porque a lei brasileira acolhe a lex domicilii.
§ 5.674. Ausentes
1.TESTAMENTO DE AUSENTE. O Código Civil, art.1.627, não inclui os ausentes entre os incapazes de testar.
Censurou-se a exclusão, pelo fulminar a lei (art. 5, IV) com a incapacidade absoluta, e a eles não se aludir quanto à
incapacidade testamentária ativa. Ora, se testamento havia, abre-se. Se testamento alhures aparece, cumpre-se. As
palavras de ULPIANO “de statu suo dubitantes vel errantes testamentum facere non possunt, ut divus Pius
rescripsit” hoje ‘têm significação assaz esvaziada de conteúdo. Quem testa há de testar em algum lugar. Testamento
é notícia. Se se só tem notícia do testador e do testamento após a morte, ~por que ‘se não haveria de observar o
testamento que o ausente entendeu de fazer no lugar em que estava?
2.SOLUÇÃO ACERTADA. Ainda declarada ausente em qualquer ponto do Brasil, não fica a pessoa privada de
exercer direitos no lugar em que se acha. (Pode, até, no lugar em que esteja, casar-se, exercer cargo público,
comprar, vender, comerciar.) Com a boa doutrina, PRATES DA FONSECA (Sucessão testamentária, 50); contra,
sem razão, ITABAIANA DE OLINEIRA (Elementos de Direito das Sucessões, 201).
§ 5.675. Pródigos
2.DIREITO ROMANO. No direito romano equiparava-se o pródigo ao furioso (§ 2.0, 1, quebros non est
permissum testamenta facere, 2, 12; L. 18, pr., D., qui testamenta facerc possuntet quemadmodum testamenta fiant,
28, 1), pela razão que dava ULPIANO, aludindo à mancipatia, com que, na antiga forma de testamento,
imaginàriamente se vendia a herança:
não podia vender, não podia Emancipar. Concluía-se que não podia testar “quoniam commercio illi interdictum est
et ob id familiam mancipare non potest”. A Nov. n. 39 (de Leão), atenuou o princípio e mandou que se apreciasse o
ato do pródigo, a fim de se julgar do vício.
§ 5.676. Silvícola
§ 5.677. FALIDO
2. PRECISÕES. Os silvícolas estão sob a tutela do Estado, à medida em que se adaptam à civilização. Se os bens
pertencem ao silvícola, e deles podem dispor em vida, deles podem dispor testamentàriamente (cf. Tomo 1, § 62, 4;
IV, § 384, 1, onde há a classificação técnica).
1.CAPACIDADE TESTAMENTÁRIA ATIVA. Pode testar o falido, no que não constitua disposição dos bens
compreendidos na falência. Isso não quer dizer que ele sofra limitação sua capacidade testamentária: o objeto,
sujeito à execução falencial, é que escapa aos efeitos da disposição, como escaparia o dinheiro entregue a repartição
pública em fiança e destinado ao reembolso do alcance. Trata-se de ineficácia relativa da testamentificação.
2.ALIENABILIDADE. A pessoa falida, ou pessoa contra a qual se abriu concurso de credores ou liquidação
forçada, somente pode testar no tocante aos bens que, no momento da morte, seriam alienáveis por ela entre vivos.
Apenas se tem de atender a limitações objetivas. A instituição de herdeiro ou de legatário rege-se pelos respectivos
princípios.
1.INCAPACIDADE SUPERVENIENTE. Diz o Código Civil, art. 1.628: “A incapacidade superveniente não
invalida o testamento eficaz, nem o testamento de incapaz se valida com a superveniência da capacidade”. Feitas
num momento A, as disposições de última vontade devem, por definição, reger o’ futuro. Ainda mais do que os atos
entre vivos, porque só se destinam a isso, a partir da morte. No meio tempo entre a feitura e o óbito podem mudar
os dados e as circunstâncias concernentes ao sujeito e às leis. A regra jurídica do art. 1.628 concerne às mudanças
subjetivas, que influam na capacidade de testar. Na capacidade de fazer testamento, e não na capacidade de direito,
porque a essa, sobrevindo, não se teria de aplicar o art. 1.628; a regra jurídica somente tem por fito o interesse do
sujeito, e a mudança na capacidade de direito apagaria o próprio sujeito. O que a regra jurídica estatui é que só se
exija a capacidade de testar no momento da feitura. Não importa que, por alterações subjetivas, diminua, ou se
apague. Já vimos que também a lei, se muda (mudança objetiva), nenhum efeito terá. Porém tudo isso só se
conseguiu aos poucos. Houve evidente evolução técnica.
2.DIREITO ROMANO. A capitis deminutio, posterior ao testamento, tornava-o irrurn, segundo o direito civil,
ainda que, depois, o testador recuperasse a capacidade. Exatamente como sucederia àquele a quem nascesse um
filho e depois lhe morresse: o testamentum ruptum não voltava à vida. Era a exigência da continuidade do ente
capaz: os pressupostos subjetivos tinham de ser sem interrupção, até à morte. O testamento não era simples
declaração de vontade, o último querer validamente expresso, mas o querer permanente, que pudesse ser
validamente expresso desde a feitura até os últimos momentos. O direito pretoriano exigiu a capacidade no
momento de testar, em que o testador pratica o ato testamentário, e no momento da morte, em que vai dar-se o
contacto com o meio ambiente, derivado da delação. Mas e aqui o punctum saliens esse contacto não é entre
testador e ato. É entre o ato, perfeito desde o tempo em que se fêz o testamento, e os que adquiriram os bens. A
morte não é um contacto entre o testador e os sucessores. É corte.
3. DIREITO MODERNO. O direito moderno, firmando a regra jurídica que está no Código Civil, no art. 1.628,
procede como se raciocinasse da maneira~ que dissemos: vale como declaração de vontade a última declaração de
vontade, validamente feita. O testamento ato jurídico perfeito passa a ter, ainda uma vez, conseqüências lógicas de
grande alcance prático. AGOSTINHO BARBOSA, ÁLVARO VALASCO e P. J. DE MELO FREIRE, sem
formularem o princípio, aplicavam-no, recusando a lição romana. M. A. COELHO DA ROCHA (Instituições de
Direito Civil português, § 676) foi mais explícito. A capacidade, ao tempo da feitura, como pressuposto necessario e
suficiente, vem-nos desse tempo, se bem que não formulada a regra jurídica, que o anterior Código Civil italiano,
art. 763, última alínea, inserira de modo claro (cf. Código Civil espanhol, art. 666; uruguaio, art. 832; venezuelano,
art. 827; argentino, art. 3.611; chileno, art. 1.006; durante a elaboração do Código Civil brasileiro, art. 1.628,
eliminou-se o art. 1.632 do Projeto primitivo, que dizia: “O filho-famílias, com capacidade testamentária, só não
pode dispor dos bens profectícios”).
4.NATUREZA DA REGRA JURÍDICA. O princípio geral é o de regular-se a sucessão pela lei vigente ao tempo da
morte. O art. 1.628 do Código Civil não constitui exceção a esse princípio. Mas, em direito intertemporal, há regra
jurídica que lhe corresponde: a capacidade atende à lei do momento em que se testou, em vez de regular-se pela do
óbito. Em vez de acompanhar a lei da herança, regula-se pela mesma consideração de contemporaneidade do ato e
da aptidão, que domina o direito intertemporal da capacidade negocial (FRIEDRICH AFFOLTER, System des
Deutschen Biirgerlichen tibergangsrechts, 204). Trata-se, pois, não de exceção propriamente, mas de outro
princípio. A regra jurídica do art. 1.628 incide e a superveniência da incapacidade é devida ao testador
(enlouqueceu, tornou-se surdo-mudo sem poder manifestar o que quer). A regra do direito intertemporal incide se a
superveniência da incapacidade deriva de lei nova, que torne incapaz o que, ao testar, não no era. Mas, aqui, em
virtude do direito inter-temporal, e não do art. 1.628, relativo a mudanças no sujeito, e não no direito. Diga-se o
mesmo quanto à superveniência da capacidade, subjetiva ou legalmente operada.
CAPÍTULO IV
VALIDADE E EFICÁCIA
2.VALIDADE E INVALIDADE. O testamento pode ser nulo ou anulável. A validade do ato jurídico requer agente
capaz, objeta licita e forma prescrita ou defesa em lei (Código Civil, art. 82).
a) É nulo o testamento: se foi feito por pessoa incapaz de testar; se for ilícito, ou impossível, o seu objeto; se não
revestir a forma prescrita em lei; se for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua
validade; se a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito (art. 145, I-V). Podem alegar tais nulidades
qualquer interessado e o Curador de Testamentos, pois que lhe cabe intervir no cumprimento das disposições de
última vontade (art. 146). Devem ser decretadas pelo juiz, quando conhecer dos atos ou dos seus efeitos e as
encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento dos interessados (art. 146,
parágrafo único). Portanto, se o juiz as encontra provadas (a fortiori, evidentes do próprio teor do testamento), não é
preciso propor-se a ação.
As nulidades derivadas de forma podem, como as outras, ser de direito civil (teoria geral, parte geral) e de direita
acessório, isto é, específicas; porque, antes de ser de direito de sucessões o testamento, é ato jurídico, mais
precisamente negócio jurídico unilateral. Por isso, submete-se às regras jurídicas gerais. Mas esse antes não quer
dizer que se tenha de considerar imperfeito (erradamente, C. F. A. KÓEPPEN, Lehrbuch des h.eutigen romischen
Erbrechts, 420) : feito, o testamento é ato perfeito e acabado (F. ENDEMANN, Lekrbuch des Búrgertichen Rechts,
III, 506). A morte, de que dependem os efeitos, é fato seguro: virá. Com a vontade dos beneficiados nada tem que
ver. Quiçá, com a morte deles: pode caducar a disposição, porém não o testamento.
Se a disposição viola a lei, é nula. Ai, é essencial distinguirem-se das regras jurídicas cogentes, as regras jurídicas
para a ausência de disposição e as regras jurídicas interpretativas (não-cogentes). Como adiante se dirá, o juiz tem
de interpretar, de modo a preferir a própria solução que reconheça eficácia à verba testamentária (Código Civil, art.
1.666). À diferença do que se passa em relação aos outros atos jurídicos, a interpretação parte de presunção da
validade pelo art. 1.666, porém tal presunção não é absoluta.
Ilicitude do objeto quer dizer: ilicitude do móvel, do fim, do conteúdo da disposição de última vontade (F.
ENDEMANN, Lehrbuch des Birgerlichen Rechts, III, 513). Mas, ainda aí, a apreciação é in concreto. O homem
casado, rico, que praticou estudos sobre a prostituIção, pode se essa era a conclusão científica ou moral dos seus
estudos deixar a sua fortuna para a higiene das prostitutas. O fim piedoso e o intuito de concorrer para a ciência
exercem, em tais casos, influência enobrecedora do objeto abstratamente ilícito. Outro dispôs:
“deixo tantos milhões a cada uma das mulheres com quem, antes de casar, vivi”. Nada obsta a que se legitimem as
pretendentes; as provas são as das relações sexuais anteriores ao casamento (e. g., cartas, bilhetes, pagamento de
aluguer de apartamento). A própria religião cristã santificou antigos pecadores.
3.MAIORES DE DEZESSEIS ANOS, INCAPAZES. O testador pode ser maior de dezesseis anos, são de espírito,
testar em seu perfeito juízo, não ser surdo-mudo, usar de uma das formas testamentárias que a lei permite, e, não
obstante, poder ser anulado o seu testamento. Não se trata da nulidade por incapacidade de testar (Código Civil, arts.
1.627 e 145, 1), nem da nulidade por preterição de forma ou solenidade que a lei considera essencial para a sua
validade (arts. 1.629, 1.631 e 145, III e IV), mas da anulabilidade, que resulte de erro substancial (art. 85), de dolo
(art. 92), ou de coação (artigo 98), ou de simulação (art. 102).
4.ANULABILIDADE. É anulável o testamento por vício resultante de: a) erro; b) dolo; c) coação; d) simulação; e)
fraude (art. 146, II). Raríssimo, nos dois últimos casos. Têm de ser propostas as ações, mas, aqui, cumpre atender-se
à contingência da primária e predominante importância da interpretação. O que é principal é saber-se o que o
testador quis. A função do juiz consiste em buscar essa verdade subjetiva. Isso lhe dá poder de pronunciar-se,
implícita ou explicitamente, sobre a vontade do testador, ressalvando, se se argúi, a ação de nulidade ou de anulação.
No caso do art. 146, parágrafo único, há situação parecida (se bem que em sentido contrário) : o juiz pode
pronunciar as nulidades que encontre provadas, mas, se não as encontra provadas e elas existem, o meio para os
interessados conseguirem a decretação é a ação de nulidade, se bem que, com isso, as espécies não se tornem
simples anulabilidades.
Se são muitas as disposições do testamento, e só uma anulada por coação, por erro, ou dolo, ou simulação, ou
fraude, as outras valem. Mas, se foi o testamento mesmo, o todo, que se obteve por dolo, coação, ou simulação, ou
fraude, então todo ele é anulável e, anulado, nada vale (A. ENCHER, Das Erbrecht, Kommentar, III, 28).
1.CONCEITO DE ERRO E TESTAMENTO. A palavra erro envolve fatos distintos: erro impróprio (F. VON
SAVIGNY). que concerne a vontade; erro próprio, que recai no conteúdo da declaração e, em conseqüência, torna
viciada a declaração; erro irrelevante, que supõe desatenção, pouco exame, e na” atinge a validade do ato. O
primeiro obsta ao querer, e daí a terminologia de C. LAROMBIÊRE: “erreur obstacle”. O ato, pelo fato obstativo,
não se compõe. É empecilho à existência. Bem diferente do segundo, que torna defeituoso o ato. O terceiro deixa
incólume a manifestação de vontade: mera vigilância do foro interno do declarante. O sistema jurídico exige
maiores precisões (cf. Tomo IV, §§ 430-437, 382, 383, 401, 3, e 412, 1).
Exemplos de erro, que exclui, e de erro que não exclui a manifestação de vontade, razão por que se há de proceder à
verificação e classificar-se o erro: testar, crendo vender; deixar legado a filho, e não ser, esse, filho, e poder-se
provar; legar alguém uma casa que se lhe doou, e apurar-se não se ter doado ao testador, mas a outrem; legar uma
fazenda, crendo legar outra; deixar a herança aos três filhos de A, e serem quatro. O erro, que exclui o querer, ou a
declaração em si, não constitui fundamento para a anulabilidade. É um to be or not to be. Às vezes, há erro
impróprio, mas, nem por isso, deixou de haver vontade expressa. O erro pode ser irrelevante; então, cumpre ao juiz
do testamento procurar a interpretação que, sem absurdo, salve a proposição testamentária: buscar a vontade
verdadeira do testador, a intenção dominante. Exemplo: quis referir-se aos “três” filhos de A, com quem conviveu,
ou a todos os filhos do casal A, se bem que, ao escrever, só se referisse aos três da época do testamento, os que com
ele mais conviviam, ali, só aos três aproveita o testamento; aqui, só se pode entender que a expressão “três” foi
acidental, lapso. Entre dar ao erro significação obstativa e classificá-lo como obscuridade, deve preferir-se isso, que
explicita, em vez de invalidar a disposição de vontade. É preciso que não haja qualquer correspondência entre a
vontade interna e a manifestação externa para que se trate de erro-obstáculo. Se não há qualquer correspondência,
não é de mister a ação de anulação das disposições testamentárias: o juiz, interpretando o testamento, declara a
inexistência de vontade manifestada. Não se trata de conteúdo da vontade, ou erro, vício da declaração, mas de erro
que incide na própria expressão da vontade. Nos testamentos, os equívocos nas palavras empregadas, ou por
ignorância da língua, ou por qualquer outra razão, devem ser reduzidos a questões de exegese. Bem assim, o lapsus
linguae e o lapsus calami.
O erro que influi na manifestação da vontade nem sempre (e raro) invalida a disposição testamentária. O que o fere,
sempre, é o erro que influi na determinação do querer. Nos da primeira espécie, se e possível restaurar a vontade do
testador, cabe ao juiz fazê-lo. Vale a máxima Falsa demonstrado nonocet, de que oportunamente se vai tratar. Se
falha qualquer propósito de se reconstruir o pensamento, então a disposição testamentária se considera riscada,
nenhuma, e não simplesmente anulável por erro.
Se o testador, erradamente, lega a B a casa da rua Áurea, crendo que foi B quem o salvou do mar, ou que conheceu
em Poços de Caídas, errou propriamente: não é a expressão da vontade, mas o conteúdo dela, que falhou.
No Código Civil brasileiro, não se distinguem os erros obstáculos (ou impróprios de F. VON SAVIGNY) e os
próprios, os que obstem e os que viciem a vontade, e pertence à classe das codificações que, passando sobre a
distinção, se afastam da doutrina savigniana, como o Código Civil chileno, art. 1.453, o argentino, arts. 1.044,
1.045, o Código suíço das Obrigações, de 1911 (arts. 23-27; de 1881, arts. 19 s.) e o Código Civil alemão (§§ 119 e
120).
Nos testamentos, o texto já está sob os olhos do juiz para a aplicação, para o cumprimento, de proposição a
proposição, minuciosamente: no distinguir o erro e a dificuldade de inteligência, o juiz tem de pronunciar-se.
Pronunciando-se, decide. Dirá se há erro impróprio, excludente, ou erro impróprio, interpretável, ou o que será
possível matéria dependente de maior indagação, por ser evidentemente de erro próprio que se disputa.
Se o erro concerne à natureza do ato jurídico do testamento, de modo que não seja testamento o que se fêz, não há
ato jurídico que possa ser tido como disposição de última vontade. É juridicamente inexistente: faltam-lhe,
forçosamente, algumas das solenidades essenciais, o que permite ao juiz não no cumprir e logo o declarar no
despacho. Mas esse erro pode ser de tal ordem que não fira, na essência, o ato, que não o torne visIvelmente
nenhum. Ser substancial,sim, e dele emanar a declaração de vontade, porém depender de maior exame, de
indagação. então, na esteira dos sistemas jurídicos chileno, argentino, uruguaio, colombiano, suíço e alemão, há de
ser tido como Vicente do consentimento, anulatório, e não excludente. O erro sobre o nomeu iuris só seria causa de
anulabilidade se o testador, fazendo o escrito público ou particular, não fêz, na verdade, testamento. O que importa é
a conseqüência jurídica. Se o erro recai no objeto
e. g., o testador tem filhos e, sabendo ter tirado sorte grande, lega valor de prêmio a um afilhado e deixa aos filhos a
sua fortuna, mas foi falsa a notícia do bilhete de loteria ainda que o legado não diga ser do prêmio, se houve erro
quanto ao objeto, é anulável a disposição de última vontade.
O erro na designação das pessoas e das coisas, se não se errou quanto às pessoas e às coisas, não torna anulável a
disposição de última vontade. Se, na designação, não se estabeleceu a identidade física do objeto, ou a sua natureza
abstrata, nem, tão-pouco, se lhe fêz a individuação, e só se lhe deu a categoria, qualquer objeto, que entre na classe,
pode servir a cumprir-se a disposição ou cláusula testamentária, não devendo ser o melhor (salvo acôrdo dos outros
interessados), nem. o pior (salvo escolha ou aquiescência do legatário). Todavia, casos há em que elementos do
testamento, ou circunstâncias da vida do testador, ou de legatário, mostram tratar-se de subespécie.
Quanto ao erro sôbre a quantidade, pode ser, ou não, essencial. Legar os três prédios da rua R, de dois andares, se só
de um é dono, nada importa. Legar x alqueires que possui em Campos se não são x, mas x-{-y ou ~y, ,que poderia
viciar? Nesses casos, a interpretação da verba passa à frente da questão dos defeitos do ato jurídico. É da natureza
do negócio jurídico unilateral mais tocar à interpretação do que apreciação dos fatos toda solução sôbre
discrepância de expressão. Ato unilateral, de última vontade, só se anula, por erro, a disposição testamentária,
quando fracassa a interpretação.
Qualquer qualidade ou atributo, que o testador eleve a categoria de motivo determinante do negócio jurídico, é
essencial. O pensamento do declarante faz ou desfaz a essencialidade das qualidades. É, pois, em relação a esse
pensamento que se há de apreciar o erro sôbre a qualidade. A regra é que as coisas têm as qualidades essenciais que,
normalmente, as caracterizam. A vontade pode mudá-las; mas só a intervenção da vontade as muda. As qualidades
essenciais da pessoa são fundamentais em certas instituições e legados.
É possível erro sôbre o objeto, fora dos legados, e. g., se o testador dá instruções para a partilha.
O erro do testador não obriga a reparação (cp. Código Civil alemão, § 2.078, III). Pode ter efeitos de minoração do
legado, de restituição do indevido e outros. Mas o testador, errando, não se obrigou a ressarcir o dano.
3.ERRO NO TESTAMENTO. Para os erros nas disposições de última vontade, ocorre: a) a necessária e suficiente
causalidade subjetiva do erro; b) a corrigibilidade do erro de fato ou de direito, mais fàcilmente do que se daria nos
atos entre vivos. Para isso, a interpretação tem de desenvolver-se do lado do testador, sem qualquer consideração de
boa fé do beneficiado ou de recepção da vontade; c) às qualidades essenciais da pessoa ou da coisa só se atendem
subjetivamente, isto é, só se vêem do lado do sujeito que testou.
O que importa é a verdadeira vontade do testador: pode errar na linguagem, nos efeitos jurídicos: será cumprido o
que ele quis. Desde que se possa revelar o querer do disponente, tudo se recompõe e observa. A vontade do testador
é o que mais deve merecer: nela está o principal objeto da pesquisa. Se ocorre que foi alegada a anulabilidade,
negada essa, intervém a interpretação, mas tal seguimento não é necessário: a interpretação é positiva, ao passo que
negativa a anulabilidade. Se o juiz o interpretou, prevalece a situação positiva, até que se anule, pelo meio próprio, o
testamento, ou a disposição de última vontade.
Discute-se se pode determinar a anulabilidade da disposição testamentária o erro essencial de direito, máxime sobre
a causa. A doutrina imediata foi no sentido de não ter cogitado o Código Civil do erro de direito, porque (dizia-se)
só o erro de fato pode influir na eficácia da vontade: “o erro de direito poderá referir-se à capacidade do agente, à
proibição do ato, ou à sua forma; não à essência mesma dele, ao seu conteúdo” (CLÓVIS BEVILÁQUA, Código
Civil comentado, 1, 354). Certo, se sobre a capacidade do agente, nulo está o ato, e não anulável por erro (art. 145,
1). Se proibido o ato também há nulidade (art. 145, II), e não anulabilidade. Se o erro consiste em violação da forma
prescrita em lei, quando a lei exija a observância do que estabeleceu, ou tenha por essencial à validade algum
requisito (art. 145, III e IV), há nulidade, e não anulabilidade por erro. Resta saber-se se os casos mencionados pelo
autor do Projeto esgotam os erros de direito. Doutrinariamente, o Código Civil francês, arts. 1.109 e 1.110, não
distinguiu, o nemini ins ignorare licet não vai até os extremos de tornar impossível o erro de direito. Assim
D’AGUESSEAU, L. LAROMBIÊRE, F. LAURENT, AUBRY e RAU, MARCEL PLANIOL, CARL CROME, O.
BEUDANT. O que se colima, na lei, sem se distinguir, é proteger a boa fé nos atos humanos. A regra Nemo censetur
ignorare legem não poderia invadir tais domínios. O velho Código Civil italiano, art. 1.109, admitiu, expressamente,
que o erro de direito produzisse nulidade do contrato “quando ele é causa única e principal”. Aliás, a distinção não é
fácil. Erro de direito é o que concerne à norma jurídica. erro de fato, o que recai nos fatos ou nos pressupostos
exigidos para a incidência de uma regra jurídica. ~ A falsa interpretação de uma lei é erro de fato? A certos fatos
correspondem certas relações jurídicas:
se o erro recai nesses fatos, é de fato; se são conhecidos os fatos, e o que se ignora é a eficácia que a lei lhes atribui,
é de direito o erro. O erro de direito consiste, pois, na ignorância ou mau informe de uma regra de direito, ou na
falsa interpretação ou inexata interpretação de uma lei.
O error iuris não é erro invalidante, no direito brasileiro. A regra jurídica, se tinha de incidir, incide.
1.REGRA JURÍDICA A RESPEITO DE RESERVA MENTAL. Estatui o § 116 do Código Civil alemão: “Pelo só
fato de ter feito o declarante a restrição mental de não querer o que declarava, não é nula a declaração de vontade. É
nula a declaração se é feita a alguém (einem Anderen) que conheça a restrição”. O Código Civil brasileiro não
possui regra jurídica escrita que corresponda ao § 116, nem outra com o conteúdo do § 118 do Código Civil alemão:
“É nula a declaração de vontade não seriamente opinada, que foi feita com a esperança de que se lhe não denegasse
a falta de seriedade”. No primeiro caso estão o dizer-se, sem se querer o que se diz, a pilhéria má, ou a malévola
disposição, que quase se equivalem. No segundo, o gracejo. Foi omisso o Código Civil brasileiro, mas as regras
jurídicas correspondentes à do § 116 e à do § 118, existem, não-escritas, no sistema jurídico brasileiro, e repousam
no interesse público, na necessidade de segurança das relações da vida. Por isso, vale a manifestação de vontade,
ainda que tenha havido a reserva mental, e não pode valer o testamento hológrafo, feito em dia de festa, sem
qualquer intuito de que o juiz o cumprisse após a morte do testador. Não houve ato jurídico. (O § 116 do Código
Civil alemão não importou, como se procurou sustentar, a aceitação de teoria da declaração, a Erkldrungstheorie; se
a tivesse adotado, o § 116 não seria de mister (F. HERZFELDER, 3’. v. Saudingers Kommentar, 445). Sôbre reserva
mental, Tomos 1, § 35, 3, 4; II, § 245, 2; III, §§ 252, 3; 326, 2; 315, 1; IV, §§ 412, 5; 464, 1; 481; VI, § 658, 5.
A pilhéria má, com o intuito de que outrem creia, não invalida o testamento, nem a disposição. Assim, se o testador
deixou legado, por pilhéria, a B, vale o legado; porque ele quis enganar, seduzir, e o direito não pode permitir que se
brinque com as relações jurídicas. Mas, se falta o intuito de enganar, de maldade astuciosa, como o de angariar
simpatias, e não passou de gracejo, não há declaração de vontade.
2.CLÁUSULA EM QUE HOUVE RESERVA MENTAL. A cláusula em que houve reserva mental pode ser
anulável por outro motivo (e.g., dolo, ameaças, coações; Código Civil, art. 147, II). Assim, JOSEF KOHLER
(Lehrbuch des bisrgerlichen Rechts, 1, 487) e E. RIEZLER (J. v. Staudingers Komrnentar, 1, 445). No direito
alemão, vale a reserva, se aquele, com quem se tratou, sabia que a fizera o declarante (§ 116, 2•a alínea). Mas isso só
se reporta às declarações dependentes de recepção (empfangsbediirftige Willenserklãrung). Salvo nos casamentos,
pois do instituto do casamento não se pode abusar, nem com ele brincar (Motive, IV, 65). No contrato hereditário,
que o Código alemão admite, cabe invocar-se todo o § 116; nos testamentos, só a alínea 1~a~ Portanto, qualquer que
tenha sido a reserva mental, válido é o testamento (FR. HELLMANN, Vortrãge, 87; E. MEISCHEIDER, Die
letzwilligen Ver fiigungen, 84).
3.CONCEITO DE RESERVA MENTAL E DADOS SOBRE ELA. Alguns juristas atribuem ao direito canônico o
conceito da reserva mental; mas outros, como ANTON GRAF VON PESTALOZZA, consideraram erro. Foram os
moralistas que a estabeleceram, ligada ao princípio udo uientirás (cf. Tomo IV, § 481, 1). Naturalmente, para os
casos de necessitas e quando grave imminet discrimen, tratavam os moralistas das restrictiones quas mentales
dicunt. Neles, muito se encontra sôbre o materialiter verbis uti, a distinção entre scientia communicabilis e scientia
incommunicabilis, aequivocatio e restrictio mentalis, e as escalas, como a de SANCHEZ (Opus morale in
praecepta decalogi, 1723, 1, 1. III, 4, n. 15).
Há quem tenha como restrição mental a mais inofensiva (ANTON GRAF VON PESTALOZZA, Der Begriff der
Mentalreservation, 3) a troca de uma palavra por outra, a anfibologia; mas seria engano considerar reserva mental a
troca de palavras: trata-se de equivocação, que o juiz desfará, interpretando a verba testamentária, como se dá,
vulgarmente, com as palavras usufruto e fideicomisso, usufruto e inalienabilidade.
1.FALSA DEMONSTRAÇÃO. Aplica-se em matéria de testamentos a regra Falsa demonstratio non nocet. É
corolário do Código Civil, art. 85, onde se veda a interpretação literal com prejuízo do verdadeiro sentido da
vontade manifestada (ERICH DANz, Die Auslegung der RechtsgescMf te, 235). Não se devem levar em conta
descuidos, lapsos, ou palavras, cujo sentido usual é diferente, quando as circunstâncias mais claramente falem que
as partes desagregadas do contexto. Diz E. HÓLDER (Kommentar, 17): “O que, ao falar ou escrever, se equivoca,
declara, em vez do escrito ou falado, outra coisa, sempre que aquelas palavras, pelo contexto do discurso, adquirem
outro sentido”. O essencial, assim em testamentos, como em negócios jurídicos de intercâmbio, não são os meios, de
que se serve o declarante, mas o que se há de entender com os sinais de que usou. Quer dizer: o sentido real, efetivo,
da declaração (ERIcH DANZ, Die Auslegung der RechtsgescMf te, 145). Para fixar-se tal sentido real dos
testamentos, pode-se recorrer a circunstâncias alheias à declaração, manifestações ocasionais do declarante,
utilizando-se delas para completar o incompleto, corrigir o equivoco, e determinar o sentido de expressões poucos
frequentes ou empregadas em acepção esporádica (EMIL STROHAL, Das deutsche Frbrecht, 1, 133; F. RITGEN,
em G. PLANCK, R’iirgeriiclzes Gesetzbuch, V, 337, 338; ERIcH DANz, Die Auslegung der Rechtsgeschdfte, § 31,
4).
2.ERROS DE FÁCIL EMENDA. Não são óbices errôneos de fácil emenda: Almeida, em vez de Almada; E em vez
de A, quando foi A, e não E, que prestou o serviço ao parente ou ao próprio testador. “Deixo trinta contos ao meu
médico Manuel Alves, a cujos carinhos sou reconhecido”. Se o médico se chama Manuel Ramos, e não Alves, há de
se entender o que deve ser, e não o que está na letra da verba testamentária. As circunstâncias dizem o que é de
mister; e, se é a intenção manifestada pelo testador, e não o sentido literal que se pesquisa, acertado é que se observe
o que elas disseram. Nos próprios testamentos hológrafos, as erratas não os viciam (ERIOR UANZ, Die Ausiegung
der Rechtsgeschitf te, § 31, 4; sentença do Supremo Tribunal alemão de 6 de dezembro de 1906).
No caso da falsa demonstratio não se dá erro; porque, se bem que falsa a indicação, “as palavras do declarante se
interpretam no sentido que correspondem à sua vontade interna; sômente se tem por declarar o que corresponde à
sua vontade interna, só essa declaração existe, e só ela vale, pois que se formulou com a forma exigida” (ERIcH
DANz, Die Auslegung der Rechtsgeschdf te, 2~a ed., 235 s.). Se o testador deixa ao seu sobrinho, “o ilustre pianista
A”, a quantia de trezentos mil cruzeiros novos, pois que “muito me honra em ver o seu nome exaltado”, mas o
sobrinho não se chama A, e sim B, ainda que A também toque piano, o chamado a suceder, testamentàriamente, não
é A, e sim, por via de interpretação, B.
§ 5.683. Dolo
1.CONCEITO E SANÇÃO. As negociações, os artifícios, os gabos, os louvores, dons afetivos, com o intuito de
insinuar-
-se para herdeiro ou legatário de outrem, escapam, em regra, às sanções anulatórias. Mas, se há dolo isto é, quando
se põem por verdadeiros fatos que o não são, ou se empregam meios ilícitos, como a calúnia anulável é a disposição
testamentária. Cumpre insistir. A regra é que todos podem proceder de modo a agradar, seduzir, angariar afeições, ou
por meio de gestos, carícias, palavras, lisonjas, conselhos, ou por exteriorização de opiniões pessoais contra outrem.
Em matéria testamentária, o dolo, que possa haver, dirige-se contra terceiros, herdeiros necessários, ou possíveis
herdeiros instituídos ou legatários. Mas a linha divisória entre a permissibilidade da captação ou simulação e a
viciação da vontade dificilmente se conceitua: depende e coincide com a intervenção de dolo. Que é dolo? Melhor:
,~ Qual é asse dolo que pode fazer anulável o testamento?
2.ANULABILIDADE DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS. Os atos jurídicos são anuláveis por dolo,
quando esse foi a sua causa (Código Civil, art. 92). Supõe-se, no testador, representação errônea das circunstâncias
que lhe determinam a vontade, induzimento em erro, ou aproveitamento do erro. Mas, na espécie, não é o erro que
vicia, é a falta de liberdade da vontade, ou o ato ilícito do autor do dolo. Fica uma estreita margem para o dolo, que
o erro lhe deixa; mas essa margem é autônoma. Há erros que por si sós não tornariam anuláveis a disposição de
última vontade, mas, somados ao dolo, a viciam. E dolos, pouco caracterizados, que não viciariam, sendo anuláveis
por erro as disposições; bem como manobras, que levam a erros retificáveis, pela corrigibilidade dos erros nos
testamentos. Para que o dolo vicie a disposição de última vontade, é preciso: a) que haja intenção de induzir o
testador a testar, a deixar em herança ou em legado ou em modus, a beneficiar, em suma, ou deixar de beneficiar
alguém; b) que os artifícios fraudulentos sejam graves: o direito não pode pretender a pureza da vida, a perfeita
correção moral das relações humanas; c) que seja a causa da declaração da vontade.
No dolo há intuito de prejudicar: ou pelo fazer herdeiro alguém, em vez de outrem; ou pelo deserdar; ou pela
insinuação de disposições que sejam nulas. Exige-se vontade direta, não de prejudicar, como querem alguns, mas
dos efeitos juridicas. O que se faz passar por sobrinho, para ser beneficiado, não tem direito de lesar alguém, se o
testador não tem herdeiros necessários, nem cogita de alguém para ser instituído herdeiro, ou legatário. Mas o dolo
existe.
Há o dolo positivo, fazer acreditar por verdadeiros fatos que o não são, e o negativo, ocultar circunstâncias, não
revelar a verdade. Quanto ao último, torna-se positivo, se acompanhado de artifícios para ocultar. Assim, se a pessoa
que vivia com o testador, oculta a morte de alguém, para que o testador contemple o morto, nulamente, o dolo não
pode aproveitar-lhe. Se o testamento diz: “deixo a A; se êsse morrer, antes de mim, a B”, não tem importância
prática. Mas se diz: “deixo a A, e morto A, que é solteiro e não tem filhos, a E”, e B ocultou ter-se casado A e haver
filhos, claro que, provado o dolo, se anula a disposição. O requisito da gravidade do artifício fraudulento torna sem
grande interesse a omissão ou dolo negativo, a gravidade do artifício ou das circunstândas, sela-o com a dolosidade
positiva. Na apreciação da gravidade entram em linha de conta as circunstâncias pessoais do testador, do autor do
dolo, as situações de família e do próprio caso.
O dolo, de que se trata, é o dolus causam dans ou principal, e não o incidens (Código Civil, arts. 92 e 93). A
distinção é oriunda dos glosadores (SPRENGER, Úber dolus causas dans und incidens, Archiv fúr die civilistische
Praxis, 88, 361), e não do direito romano. Aliás, já o notara GERH. NOoDT, no século XVII. O Código Civil
alemão, § 123, não se preocupa com ela; mas o Código Civil brasileiro, art. 92, manteve-a. Exige a causalidade. O
dolus Pacidens só permite a ação de perdas e danos, art. ~3. Nos testamentos, o art. 92 é que interessa: o dolo causa
determinante do ato; e não o acidental, que não impediria, se conhecido, a feitura da disposição. Cf. Tomo IV, § 449.
Tem, pois, grande importância a distinção. O dolus mcidens é estranho ao ato testamentário, em si. A diferença entre
ele e o dolus causam dans está explícita no Código Civil; dela se ocuparam GERH. NOODT (Opera omnia, 145,
522), CHR. FR. vo~ GLUcK (Ausfiihrtiche Krliiuterung der Pandectem, IV, 113 s.), C. J. M. VALETT (Praktisch-
theoretische Ablutndlungen, 63 s.), reconhecida por CHR. FR. VON MÚHLENBRUCH (Doct~rina Pandectarum, §
337), A. F. J. THIBAUT (Systein der Pandektenrechts, § 148, n), ALB. SCHWEPPE (Das Rõmische Privatrecht, V,
4•a ed., 540 s.), J. A. SEUFFERT (Pra ktisches Paiidektemrecht, II, § 261, n. 1), R. VON HOLZSCHUHER
(Theorie und Casuistik, 1, 330), JOSEPH TJNGER (System, § 81), A. VON VANGEROW (Lehrbuch der
Pandekten, III, § 605), B. WINDSCHEID (Lehrbnch, § 78, n. 5, 7), L. ARNDTS (Lehrbuch der Pan,dekten, § 237,
f e g), F. REGELSBERGER (Pandekten, 1, § 146, III), F. VON ZIEGLER (Úber Betrug beim Vertragsschllusse, 22
s.), e não por G. C. BURCHARDI (Die Lehre von der Wiedereinsetzung in den voriqen Stand, 331-333). A.
BECHMANN (Pandekten, 1, § 104, 248). Mas (pergunta-se), ~o dolus inc~dens, o qu’3, revelado, não levaria a
não-testar, a não dispor, e só modificaria a disposição nunca poderá ser invocado em atos unilaterais como o
testamento?
Seria perigoso dogmaticamente afirmar-se o completo desinteresse do dolo acidental, acessório (Nebenbetrug dos
alemães), do dolus incidens da glosa. Provado ele por exemplo, por um herdeiro contra outro, ou contra o legatário,
que insinuou o testador, de modo a iludi-lo, dizendo valer menos a propriedade, a substituir uma por outra, creio
que a ação de indenização cabe (art. 93). É como se restaura o equilíbrio. social, uma vez que, não havendo, na
espécie, dolus causar dans, em que se funde a ação de nulidade relativa, ficaria sem remédio a ofensa, e sem
repressão o ato doloso. É preciso~ que o autor da ação de anulação tenha interêsse na anulação.Interesses nos
efeitos, como bem frisou A. BEUHMANN (Der’ Kctuf nach gemeinem Recht, 303).
Do próprio dolo ninguém pode aproveitar-se. Nem, se~ quer, o pode alegar. Dotum proprium aliegans nou est
audiendus (J. E. J. MÚLLER, Promptuarum inris novum, 580). Do ato do que enganou nenhum direito lhe deve vir
(SPRENGER, tYber dolus causam dans und incidens, Archiv fi,tr die civilistische Praxis, 88, 381). Diz o art. art.
97: “Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o ato, ou reclamar indenização”.
~ Se o dolo de um é incidens e o do outro é causam dans? Na L. 203, D., de diversis regulis iuris antiqui, 50, 17,
põe-se por princípio quod quis ex culpa sua damnum sentit, non inteliegitur damnum sentire mas, na L. 45, § 1, D.,
de actionibus empti venditi, 19, 1, vem a exceção (cp. FR. MOMMSEN, Beitróge, 1, 108, nota
12; SPRENGER, Ueber dolus causam dans und incidens, Archiv fúr die civilistische Praxis, 88, 388). A culpa leve,
o dolo acessório, não escusaria o dolo causam dans.
Não se presume o dolo; precisa ser provado. Mas, para a prova, servem todos os meios que a lei admite, inclusive as
presunções. Dizer-se que o dolo não se presume e dizer-se que ele se pode provar por presunções não são coisas
contraditórias. Inicialmente incumbe ao que alega dar a prova (por isso, o dolo não se presume); e fatos, dados,
circunstâncias, que façam nascer presunções, podem bastar para prová-lo (por isso, prova-se o dolo com
presunções). Mais ou menos tal raciocínio desenvolveu-se na Câmara dos Deputados, ao tempo da elaboração do
Código Civil (Trabalhos, V, 126, 127). Cabe ao juiz examinar os dados probatórios, quiçá presunções, e decidir se
houve dolo, ou se o não houve. Nos próprios Códigos Civis que têm o princípio (supérfluo, porque evidente) de se
não presumir o dolo (Código Civil francês, art. 1.116; chileno, 1.459; colombiano, 1.516), presunções bastam. Dir-
se-á que, em tal fluidez de provas, é enorme o arbítrio do juiz. Que fazer? A dificuldade de provar-se o dolo não
poderia ter o efeito de prescindir-se da anulabilidade. Às vezes, a lei presume o dolo (e.g., art. 1.719). E presume de
modo inelidível.
3.AÇÃO DE ANULAÇÃO POR DOLO. A ação de anulação por vício de dolo (causam dans) cabe aos
interessados e a seus herdeiros e sucessores. O art. 198, § 9º, V, b, do Código Civil, diz que a ação de anulação por
dolo prescreve em quatro anos (erradamente, semente se refere a contrato). Não disse que a partir do conhecimento
pelo interessado, e sim do ata. Ora, os interessados só o são a partir da morte do testador; portanto, só a partir do
cumpra-se nos testamentos é que se deve contar o prazo. E os ausentes? Da ciência, ainda presumida (editais). No
caso de indenização (dolus incidens), a ação é de trinta anos. Perdido o ‘prazo para a ação anulatória (dolus causam
dans), não o está para a de ressarcimento, porque o dolus causam dans contém o incidens e a pretensão à
indenização só prescreve em trinta anos.
O dolo pode ser de qualquer herdeiro ou legatário, beneficiado, parente, ou qualquer pessoa, que não tenha interesse
direto na realização do ato testamentário e no seu cumprimento (AUBRY et RAU, Caurs, IV, 505-506, nota 26). O
dolo estranho vicia a disposição testamentária, se foi a causa de haver disposto, em tal sentido, o testador. Isto é: se
essencial, e não acidental. Cumpre notar que em matéria testamentária (e isso também vale para os contratos de
herança, nos povos que o admitem, F. RITGEN, em G. PLANCK, Das Búrgerliche Recht, V, 528), não é preciso que
o interessado, ou beneficiado, conhecesse ou devesse, conhecer o dolo para que se possa ~pedir a anulação com esse
fundamento: o art. 95 do Código Civil e o § 123 do Código Civil alemão são estranhos ao do-
mínio das disposições de última vontade, essencialmente unilaterais.
1.CONCEITO E PRECISÕES. A coação, para viciar a manifestação da vontade, há de ser tal, que incuta ao
paciente fundado temor de dano à sua pessoa, à sua família ou a seus bens, iminente e igual, pelo menos, ao receável
do ato extorquido (art. 98). É a fuerza do Código Civil argentino, arts. 936-943, e do chileno, a violence do francês,
a violenza do italiano, a Drohung do alemão, a gegrúndete Furcht do suíço.
Alguns sistemas jurídicos distinguem a coação obstativa de consentir e a que vicia o consentimento. Violência da
primeira categoria tornaria inexistente, por ser vis absoluta, e ter sido outrem o autor do ato jurídico, em vez de,
viciada-mente, a pessoa de quem se quis o consentimento. Torná-la-ia instrumento mecânico da vontade de coator.
Na coação propriamente dita, há consentimento, o que diminui, sem excluir, de todo, a liberdade. No Código Civil
brasileiro, não se fêz referência à violência-obstáculo e à violência-vício. Apenas se fala de temor, situação que
permite preferir a prática do ato viciado ao dano à pessoa, à família, ou aos bens do sujeito. Se há vis absoluta, nada
feito: aí, o caso não é de anulabilidade, mas excludente da própria declaração de vontade (CAEL CROME, System,
1, 428). De declaração de vontade, o ato só tem a aparência; e, para que se cogite de anulabilidade, é preciso que
exista declaração, que se anule, isto é, que tenha consentido, viciadamente, o declarante. Coactus voluit. No Código
Civil argentino, arte. 936 e 937, há a anulabilidade para todos os casos, ainda de vis absoluta, a exemplo do Esboço
de TEIXEIiRA DE FREITAS, art. 488. A coação vicia o ato porque o querer não foi livre. Mas há quem procure
outro fundamento:
a reprovabilidade, firmada na imoralidade da violência (W. VON BLUME, Beitrãge, Jherings Jahrbiicher, 38, 228
5.; JOSEF KOHLER, Lehrbuch, 1, 517). ~ digno de menção o critério, mas, historicamente, não é esse o
fundamento das anulabilidades pela coação. Contudo praticamente sempre que se apreciam a ameaça e os seus
efeitos, não se devem desprezar as sugestões nascidas da antieticidade da violência.
2. PRESSUPOSTOS. Para que a coação faça anulável o testamento, ou a disposição, é preciso: a) que seja a causa
determinante do ato ou verba testamentária; b) que seja justificado o temor, ameaças, que não podiam intimidar,
não bastam; c) que o temor seja de dano, referente à pessoa do paciente, à família dele, ou aos seus bens. Não seria
suficiente poder ligar-se a disposição à violência, remota, ou, se contemporânea do ato, não inquinável de ser-lhe a
causa. Exemplo: se o testador, antes dela, havia pensado dispor, ou fizera esboço, ou iniciara o testamento tal como
foi feito.
A vis compulsiva pode consistir em violência atual, ou em ameaça. Mas ameaça não do ato coativo, mas das
conseqúências, dos efeitos há, também, naquela. Há meios materiais e meios morais de coagir. Todos podem tornar
anulável a disposição, ou o testamento. O próprio dano temido pode ser moral: desonra, desconsideração pública,
ridículo. Temores pânicos e insensatos não viciam o ato. Mas o direito contemporâneo não exige tipo abstrato de
homem, resistente, por igual, às ameaças. O juiz tem de se levar em conta a receptividade do paciente. O dizer Vani
timaris iusta excusatio non est hoje só significa dever ser fundado o temor; sem se excluir a consideração das
qualidades e circunstâncias pessoais do testador.
A lei fala em dano à pessoa, à família ou a bens do paciente. ~Que se há de entender por família, no art. 98? Houve
evolução técnica. No Código Civil francês, art. 1.113, no espanhol, art. 1.267, 2•a alínea, no chileno, art. 1.456, no
colombiano, 1.513, e no da Lusiana, 1.835, não se acolheu expressão genérica, mas marido, mulher, seus
ascendentes, ou seus descendentes. Descendentes ou ascendentes ilegítimos, acrescentaram o Código Civil
argentino, art. 937, o uruguaio, 1.246; e o de North Dakota, art. 5.290: cônjuge, ascendente, descendente, filho
adotivo e seu cônjuge. Próximos, preferem outros (e. g., Lei suíça, art. 30). O velho Código Civil italiano, artigo
1.113, ao sistema napoleônico juntou o de deixar ao juiz pronunciar-se sobre a nulidade, segundo as circunstâncias
“tratando si di altre persone”. Desprezou o termo jurídico-parental para ver o cerne da regra jurídica: o laço afetivo,
que pode existir sem essa relação de família, a que se aferravam os outros códigos. No mesmo sentido o nôvo
Código Civil italiano, art. 1.436, alínea 2.a: “Se il male minacciato riguarda altre persone, l’annullamento del
contratto é rimesso alla prudente valutazione delle circostanze da parte dei giudice”. O Código Civil português
revogado perdera de vista o laço afetivo, talvez por mera extrapolação jurídica, talvez por possibilidade receptiva de
atuar no coagido o dano a estranho (art. 666, parágrafo único) : “A coação consiste no emprêgo da fôrça física, ou
de quaisquer meios, que produzam danos, ou fortes receios deles, relativamente à pessoa, honra ou fazenda do
contraente ou de terceiros”. No Código Civil português de 1966, art. 255 (cf. art. 220, 1) estatui-se: “1. Diz-se feita
sob coação moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente
ameaçado com o fim de obter dele a declaração. 2. A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda
do declarante ou de terceiro. 3. Não constitui coação a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples
temor reverencial”. Acrescenta o art. 256: “A declaração negocial extorquida por coação é anulável, ainda que esta
provenha de terceiro; neste caso, porém, é necessário que seja grave o mal e justificado o receio da sua
consumação”. Evidentemente, o juiz tem de apreciar: a coação é estado que se verifica no sujeito coagido. A
jurisprudência francesa em sua louvável atitude de completar a lei, nunca assaz encarecido, e em tantos casos fêz o
artigo compreensivo dos ilegítimos. L. LAROMBIÊRE (Traite theorique et pratique des Obligations, 1, 78) e C.
DEMOLOMBE (Cours, 24, n. 162) consideram-no demonstrativo, exemplificante, e não taxativo, e incluíram tios,
irmãos e amigos. Revelaram o conteúdo da regra jurídica, que é pro affectu. A decisão de Paris de 31 de março de
1906, que se ateve ao sangue, foi de irritante retrocesso, O amigo pode valer mais do que o pai. Certo, nem sempre,
e raro. Porém, então, é preciso examinar as circunstâncias. Daí a solução italiana, digna de louvor. Os próprios
tribunais anglo-saxões vão até os colaterais e afins.
Resta a terminologia suíça: “ejue ih~m nahe verbundene Person”, “un de ses proches” (Código suíço das
Obrigações de 1911, art. 30). Não é só o parente: não se disse nahe Verwandte, mas nahe verfundene Person,
expressão que também se encontra no art. 126, alínea 1•a, e no Código Civil suíço, arts. 126 e 477, alínea í.a. A
apreciação é deixada ao juiz, que examina o caso particular (H. OSER, D’as Obligationenrecht, Kcnnmentar de A.
EOGER, V, 126). Direito, como o suíço, que sabe prezar a amizade, e reconhecer-lhe efeitos jurídicos da máxima
importância (os amigos íntimos podem pedir a anulação do casamento obtido por coação, art. 126), não podia dar à
coação viciante dos atos jurídicos em geral o limite do dano aos parentes. Daí o art. 30, como, no direito sucessório,
o critério de equiparar à ofensa à pessoa do decujo a ofensa aos próximos (Código Civil suíço, art. 477, alínea 1ª),
inclusive aos amigos (A. SCHNEIDER, Das schweizerische Obligationeurecht, nota ao art. 27 do Código suíço das
Obrigações de 1881; E. STADLER, Die Enterbung, 33), máxime se vivem sob o mesmo teto (A. ESÇHER, Das
Erbrecht, Kommentar, III, 41). Trata-se de expressão elástica que remete à apreciação do juiz o caso circunstancial
(P. TUOR, Das Erbrecht, Kommentar de MAx GMÚR, III, 176).
Quanto ao direito brasileiro, família é compreensiva de cônjuge e filhos menores (Código Civil, arts. 233, 1, III, V, e
70), ou de cônjuge, filhos solteiros e domésticos (art. 744). Mas há conceito de direito sucessório: até o quarto grau,
na linha colateral. Seja como for, no momento, a que se chegou, de consciência jurídica e de evolução técnica, a que
se deu tão científica solução, não pode o interprete, menos ainda o juiz, deixar de considerar a regra legal referente
aos ligados por sangue e afinidade, porque, na verdade, ordinariamente, são amados, como abrangente da coação
por ameaça de dano a pessoas que se não presumem, legalmente, amigos, porém são tanto ou mais que os parentes.
A referência é a favor do cônjuge, dos ascendentes, descendentes, legítimos ou ilegítimos, irmãos e sobrinhos, mas
alcança outros parentes, provado o afeto, a íntima convivência. A violência vicia, quando digirida a não-parente que
valha, para o coagido, quase ou o mesmo que sua pessoa, o grande antigo, a noiva, o afilhado querido, o protetor
por quem se fariam sacrifícios. Assim teremos ficado onde a ciência nos diz. Nem a extrapolação (não se chame
liberal, porque não serve a liberdade: mero escorregar de racionalistas intemperantes), nem o Código Civil francês
textual (o Código Civil francês interpretado, é outro). Em suma, o critério pra affectu. Noutros têrmos, a dor que o
testador coagido sente. Êsse elemento de dor, ou que atua dolorosamente, é de capital importância (P. TUOR, Das
Erbrecht, Kommentar de MAx GMUR, III, 176). Nos nossos dias, se a lei faz alusões, que podem ser discutidas
como tax ativas ou exemplificativas, o intérprete bem orientado só é coerente com a evolução técnica se considera a
lei por fixadora do quod plerum que fit e os mais casos como de apreciação judicial.
Alguns escritores consideram a sugestão hipnótica como excludente, e não só viciante da vontade (L.
KUHLENBECK, Von deu Pandekten zum búrgerlichen Gesetzbuch., 1, 450). Com a sua grande perícia, TEIXEIRA
DE FREITAS (Esbôça, art. 509) cogitava do assunto, e no mesmo sentido. No direito testamentário, a matéria é de
alta relevância. Mas qualquer princípio a priori seria perigoso. Há sugestão e sugestão. Se é possível ao
hipnotizador ordenar que A, no dia seguinte, vá ao tabelião e teste (exemplo que nos dá L. KUHLENBECK, Vou
den Pandekten zum bUrgerlicheu Gesetzbuch, 1, 450), também é possível que a sugestão só modifique o
consentimento. Juridicamente para que se trate de vício é preciso que se possa dizer coactus voluit; ~ mas como
afirmar que, em todos os casos, o querer é de hipnotizador? O Projeto de COELHO RODRIGUES, art. 350, falava
de sugestão hipnótica ou magnética, exercida por quem tiver o hábito de as praticar. Seriam espécie de coação
moral. O Projeto primitivo adotou o mesmo critério, chamando-lhes sugestões (art. 115, parágrafo único).
Censuraram-no a Faculdade Livre do Rio de Janeiro (Trabalhos, II, 50) e o Prof. NINA RIBEIRO, que
desenvolveu, lucidamente, a crítica (Trabalhos, II, 322): “foi a idéia incompleta que tinham da incapacidade por
insanidade mental transitória, da inconsciência mórbida, que levou o Ur. Clóvis Beviláqua, como Coelho Rodrigues,
a dar à sugestão hipnótica ou provocada situação, que lhe não pode convir. Reproduzindo a disposição do art. 350
do Projeto Coelho Rodrigues, que entre os meios de coação moral compreende as sugestões hipnóticas ou
magnéticas, quando a pessoa a quem forem atribuídas tiver o hábito de as praticar, o Projeto revisto conserva no
parágrafo único do art. 115 o disposto no art. 115 do Projeto primitivo, isto é, que entre os meios de coação moral se
compreendem as sugestões hipnóticas. O Projeto primitivo havia retirado da definição de Coelho Rodrigues a
consideração restritiva da qualidade de hipnotizador habitual no criminoso, assim como havia suprimido o
qualificativo de moral dado à coação por sugestão. Delicada, como é essa doutrina, pelas incertezas científicas, que
ainda rodeiam o assunto, e pelas inovações que introduz nos códigos, devemos aferir o seu valor à luz das opiniões
mais autorizadas em psicologia aplicada e experimental, das quais não nos seria lícito afastarmo-nos aqui. Ora, tão
atacável é a doutrina de psicologia forense de todos esses artigos, como a definição legal, que eles dão, de sugestões
criminosas. Por que sugestão hipnótica? Os progressos realizados pela ciência no conhecimento das sugestões
deixam hoje bem esclarecidas as diferenças existentes entre sugestão e hipnotismo. O estado hipnótico, já de sua
natureza simples efeito da sugestão, não é mais do que condição mental, que facilita a realização das sugestões
feitas durante ele. O ‘fato capital é, pois, a sugestão, que tanto se pode dar em estado hipnótico, como em estado de
vigília”. E continuou: “Pela minha parte, preferiria denominar as de que deve tratar um Código Civil de sugestões
artificiais criminosas, o que as extremaria, por um lado, das sugestões normais, e, por outro lado, das sugestões
experimentais terapêuticas, também artificiais, patológicas, provocadas, mas lícitas ou permitidas. A expressão
sugestão hipnótica é hoje empregada em dois sentidos distintos: ou em acepção genérica, para designar sugestões
artificiais ou patológicas, em oposição às sugestões normais; ou em sentido restrito para distinguir, entre as
sugestões patológicas artificiais, as provocadas em estado hipnótico das produzidas em estado de vigília. Se, pois,
Clóvis Beviláqua escreve que “é de grande inconveniência para a doutrina que os termos técnicos que se prestem a
mais de uma significação, e só diante da inexistência de outra expressão é tolerável essa inópia idiomática”, é claro
que na lei escrita jamais se poderá tolerar semelhante coisa. No entanto, precisamente Coelho Rodrigues e Clóvis
Beviláqua evidentemente empregaram o termo sugestão hipnótica cada qual exclusivamente num dos dois sentidos
apontados. Quando o Dr. Coelho Rodrigues estabeleceu no seu projeto equivalência entre os qualificativos
hipnótica e inagnética pensou naturalmente designar assim as sugestões artificiais, aquelas que forem conhecidas
graças aos estudos do magnetismo e do hipnotismo. Nesse sentido, os qualificativos são, de fato, equivalentes, e a
expressão magnéticas não merecia o ponto de interrogação que lhe pôs Clóvis. Ao contrário, Clóvis dá à expressão
sugestão hipnótica o sentido restrito de sugestão feita em estado de sono hipnótico. As doutrinas de Campili e dos
jurisconsultos brasileiros, mesmo em sua divergência, equivalem a desprezar nos alienados a condição fundamental
de perturbação mental mórbida, como causa suficiente de sua incapacidade civil, para ir buscar, no modo imperfeito,
porque ainda funciona a mente no naufrágio das faculdades ou funções mentais desagregadas pela moléstia, as
condições da anulação dos atos civis, segundo os vícios do consentimento, que daí resultarem. E assim se poderia
falar de erro nos alienados, que sofressem de ilusões e alucinações; de coação moral nos dementes; de dolo nas
explorações criminosas, das perversões afetivas do melancólico, dos delírios dos paranóicos, etc., nos quais a
volição, como as funções intelectivas, tem ilusórias aparências de integridade. No entanto, se é verdade que é na
possibilidade de todos esses vícios dos atos jurídicos que está a razão de ser prática da incapacidade dos alienados,
essa se funda de fato num princípio geral de uma lesão da conduta, na impossibilidade que traz a moléstia ao doente
de se governar, o que é uma conseqüência do consenso e harmonia das funções mentais comprometidas, ainda no
caso de perturbações aparentemente circunscritas a este ou aquele domínio da inteligência. Foi em nome destes
princípios que a medicina condenou a doutrina da responsabilidade parcial, e a lei acabou sancionando o seu aresto.
Não se queira estender, pois, ao domínio da inteligência doente ou anormal regras jurídicas, que só se destinam a
exercício da saúde e normalidades psíquicas. E os vícios do consentimento pressupõem a sanidade mental, pois é a
incapacidade o recurso jurídico contra os desvios da insanidade mental”.
A verdadeira solução é deixar-se à Ciência dizer a palavra atual sobre o assunto, que mais lhe pertence que ao
direito. Se a sugestão foi excludente ou viciante da vontade,. responde a perícia. Somente ela pode dizer o que a
psicologia decide quanto ao caso; e o juiz, ouvindo-lhe o parecer, estudando-o, conferindo as premissas com os
dados de fato e contas outras circunstâncias (quiçá, e não raro, presunções de dolo,. coação de outra natureza),
proferirá a sentença.
No estado atual dos conhecimentos, ao hipnotismo reconhecem os autores maior valor inibitório que de sugestão’
faciendi: assim, fácil será ordenar-se que a pessoa não desse, pois é grande o poder de inibição; mas difícil
conseguir-se de alguém o que em verdade não queria, nem estava nas premissas do seu caráter. O fato, que vemos
referido em vários livros, da experiência da sugestão para testar de determinada maneira, não prova totalmente o
poder da sugestão de testar:
podia bem ser que estivesse em propósito do testador, e seria o papel da sugestão hipnótica mais revelador que
determinador do fato. De qualquer modo, é assaz prudente deixar-se à ciência o que é da ciência.
3.COAÇÃO EXERCIDA PELO INTERESSADO OU POR OUTREM.- A coação pode ter sido exercida pelo
interessado (herdeiro, legatário, beneficiado), ou por outrem. A ação coatora pode ser com ameaça direta (males
físicos, lei, execução de títulos), ou velada (a do médico que põe em quarentena, para não poder testar, o paciente).
A coação pode consistir em ameaça, dano ao próprio coator que tenta suicidar-se (por exemplo). Trata-se, em
verdade, aí, de coação exercida sobre os sentimentos afetivos do paciente. Tudo o que exerce pressão no querer pode
constituir coação, no sentido da lei, e torna anulável o ato. O credor que tem pronto o arresto, mas dele desistirá se o
devedor o contemplar no testamento, coage. É anulável a disposição. Dir-se-á que o credor pode legitimamente
ameaçar, para conseguir nôvo contrato. Mas: outro contrato não é testamento; ainda nos contratos, há linha de
separação entre a ameaça lícita e a ilícita, assunto que, em matéria testamentária, se torna mais simples.
Se o coagido teria querido o mesmo que viciadamente quis, mas por outro motivo, sim; não se há anulabilidade
ANDREAS vON TUHR, Der Alígemeine Teil, II, 612, nota 55.)
4.DADOs FÁCTICOS. Está no Código Civil, art. 99: “No apreciar a coação, se terá em conta o sexo, a idade, a
condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias, que lhe possam influir na
gravidade”. Em vez do tipo abstrato de homem, que o direito romano fixava, ou tentava fixar, objetivamente,
acolheu-se o critério subjetivo (Código Civil francês, art. 1.112) . Em alguns sistemas jurídicos, ao lado do critério
subjetivo concreto, ainda se vê a
reminiscência romanistica da personne raisonable ou da persona sensata, correspondentes jurídicos do homem
médio, do homem bom cidadão e outras abstrações. Por isso mesmo, querendo salvar a contradição napoleônica da
coação apreciada in abstracto e da coação apreciada in concreto, interveio (~ sempre os sofismas da conciliação do
passado morto com o tempo nôvo repontante!) a ardilosa explicação de COLMET DE SANTERRE: o abstrato seria
o máximo exigível pelo juiz e o concreto algo de campo livre até êsse máximo. Donde: se a violência faria
impressão a qualquer pessoa razoável, bastava, não cabendo apreciar-se, in concreto, o tipo acima do normal em
energia e capacidade de resistir às ameaças e coações; se a violência, pequena embora, devido à fragilidade da
pessoa, efetivamente podia intimidar, é de ser levada em conta para a anulação do ato (Pandectes Françaises, 43, II,
34, 35). Se observamos, contemplativamente, tal explicação, engenhosa e sutil, e se a julgamos sociologicamente,
claro que se nos depara um daqueles casos de pertinaz procura da interpretação que salve a lei, que dê aparente
homogeneidade a texto evidentemente heterogêneo. Digamos que lá está o direito romano, e o racionalismo do tipo
abstrato, e, na 2•a parte do artigo 1.112 do Código Civil francês, a atenuação já conhecida em R. POTHIER que
pretendera justapor, coerentes, os dois sistemas. Em verdade, como quase sempre sói acontecer, um expulsa o outro.
O art. 1.112 é bem certidão de idade do Código Civil francês e dos que o imitaram.
A evolução técnica tinha de completar-se. O direito acaba por enterrar a múmia romanística do tipo abstrato de
resistência. Sucessão normal: ao critério a. priori o critério da realidade concreta e observada. É a trilha do Código
Civil espanhol, do argentino, do uruguaio, do montenegrino. No próprio direito anglo-saxão começou a operar-se a
passagem de um a outro sistema. Resta saber se a apreciação concreta é unilateral, isto é, somente quanto ao sexo,
idade, condição, saúde, ou temperamento do paciente. No brasileiro, é bilateral: lá está escrito “e todas as demais
circunstâncias que lhe possam influir na gravidade” (cf. Esboço de TEIXEIRA DE FREITAS, art. 492). Claramente,
o montenegrino. A verdadeira interpretação científica do art. 99 é a seguinte: tudo que justifique a intimidação,
esteja no sujeito coator ou no coagido, é suficiente para a anulação do ato. Assim, é anulável a disposição
testamentária que foi obtida: a) pela ameaça ou sugestão imperiosa (não o temor reverencial do tutor ao tutelado, do
pai ao filho); b) mediante a declaração de publicar cartas de alguém (timor infamiae) ; c) ou mediante os gestos
ameaçados de boxeador, ou pessoa extremamente forte, à pessoa frágil;
4) por mera circunstância de se acharem sós em uma ilha, porão, navio, túnel, esconderijo, floresta ou outro lugar
isolado; e) por palavras, atos ou gestos, feitos a testador de timidez e imaginação doentias. O elemento
repressibilidade social da violência que, como vimos, se quis caracterizasse a anulabilidade por coação, teria no art.
99 forte apoio: fracos e tímidos são os mais protegidos por ele. Todavia, rigorosa-mente, o art. 99 pode, em vez de
favorecer, desfavorecer: o militar, por exemplo, presume-se homem de coragem, a educação física e moral que
recebe, prepara-o para isso; a mesma violência, suficiente à anulabilidade de ato praticado pelo menor testador, não
bastaria em relação a pugilista profissional ou amador. O sexo, que a lei manda levar-se em conta, não opera
abstratamente: o revólver, que intimida a senhora caseira, intimidaria menos uma caçadora, ou desportista, ou
mulher de temperamento viril.
5.AMEAÇA DE EXERCÍCIO NORMAL DE DIREITO E TEMOR REVERENCIAL. Diz o Código Civil, art. 100:
“não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial”. Duas
questões: exercício normal de direito (no art. 160, 1, também se fala em “exercício regular de um direito
reconhecido”); e temor reverencial. Cf., hoje, o Código Civil português, art. 255, 3.
(a) Exercício normal de direito: o mesmo é dizer-se exercício regular de direito, ou, negativamente, exercício não
abusivo de um direito. Trata-se de princípio indiscutido de direito moderno (Código Civil austríaco, § § 870 e 874;
argentino, art. 939; alemão, § 266; Lei suíça, art. 5~, 2.a parte). Se o exercício é irregular constitui abuso do direito:
é suficiente para a anulação, como bastaria para a ação de atos ilícitos. O exercício anormal pode ser qualitativo ou
quantitativo. Exemplos: se o credor ameaça mandar cobrar ao futuro sogro, rico, do devedor; se, em vez de somente
cobrar, põe, para a não cobrança, a condição de testar o devedor a favor do credor ou de outrem. Em geral, a ameaça
de meios legais é injusta em relação ao fim, se feita, não para o fim direto, que lhe reconhece a lei, mas para
segundo fim, estranho ao conteúdo da pretensão. De modo que, na ordinariedade dos casos, a imposição
necessariamente vicia a disposição de última vontade: é segundo fim, estranho ao conteúdo da pretensão do credor.
OTTO FISCHER-WILHELM HENLE (Bi45rgerli-ches Gesetzbuch,, 123) dizem ser legitima a ameaça se é
contrária ao direito e meio ou o fim. Se bem que W. VON BLUME (Beitráge, Jherings Johrbiicher, 38, 242) advirta
que a distinção não traz vantagens, em alguns casos é de grande ajuda; e. g., se a coação é meio, isto é, se o
exercício anormal de direito se emprega para se obter a disposição, claro é que faz anulável o ato; se o exercício é
normal, mas o credor, por exemplo, aproveita a situação legitimamente criada (meio legítimo), para conseguir,
coagindo, a disposição testamentária (fim contrário a direito). Aqui, não é o art. 100 que se deve invocar, mas o art.
99 (“e tôdas as demais circunstâncias, que lhe possam influir na gravidade”). De qualquer maneira a ilegitimidade
do fim é plus se exercício inicialmente normal do direito.
(b)Temor reverencial: TEIXEIRA DE FREITAS enumerou os casos de temor reverencial (EsbOço, art. 495, 1-1V):
a) o temor dos descendentes para com os ascendentes; b) o da mulher para com o marido; c) o dos domésticos para
com o amo; d) o de qualquer subordinado para com o seu superior. No temor reverencial, há, não o temor de dano,
mas o de desgostar com o que sugere, ou afasta. Supõe dever de obediência ou de respeito especial. Na evolução
técnica da regra jurídica, vemos o Código Civil francês, art. 1.114, que só se referiu a pai, mãe, ou outro ascendente,
mas a jurisprudência francesa, aqui, como a respeito do art. 1.384, § 2ª
(e.g., PONTES DE MIRANDA, Das Obrigações por Atos Ilícitos, 281, 289 e 291), deu maior largueza ao princípio:
o art. 1.114 passou a ser meramente exemplificativo. Alguns Códigos Civis italianos (e. g., de Guastala, em 1820,
art. 1.089, da Sardenha> em 1937, art. 1.201) acrescentaram o temor da mulher para com o marido. Tivemos, em
seguida, o degrau exemplificativo do Esboço de TEIXEIRA DE FREITAS, que o Código Civil argentino, art. 940,
adotou, e o degrau indutivo do Código Civil chileno (art. 1.456, 2~a alínea): “Eu temor reverencial, esto es, el solo
temor de desagradar a las personas a quienes se debe sumision i respeto, no basta para viciar el consentimiento”), e
do italiano revogado (art. 1.114: “11 solo timore riverenziale, senza che sia intervenuta violenza, non basta per
annullare il contratto”) e do italiano de hoje (art. 1.431):
“11 solo timore riverenziale non ê causa di annullamento del contratto”. Tem a fórmula indutiva o Código Civil
brasileiro. Cumpre observar que essa pré-exclusão da invalidade, que se concede ao dever de respeito, combatida
por VESEMBÉCIO, deixa ao exame judicial a questão da sua pureza: porque o temor reverencial não basta para
fundamentar a anulabilidade, porém não escusa a violência ou ameaça. Os exemplos esclarecem: se o pai usa da
situação de pai, ameaçando o filho de lhe cortar as relações com ~ família, se o filho não testa a favor do próprio
pai, ou dos irmãos, aquele cortar de relações. é elemento positivo, plus, que se soma ao temor reverencial, e se, por
si só, êsse não faria anulável o ato jurídico, aquele, por si basta. O temor reverencial é faca bigamia: pode tornar-se
agravante da ameaça. Sozinho, não constitui coação:
é o simples temor, a que se refere o Código Civil, art. 100. Acompanhado, serve à apreciação in concreto da
violência segundo o princípio salutar do art. 99. Tal o direito contemporâneo: el solo temor reverencial do Código
Civil chileno, il solo timore do italiano, the mere reverential fear do Código Civil da Lusiana, art. 1.859,
correspondem ao “simples temor” do brasileiro e às distinções do direito anglo-saxão.. Aliás, parece que as leis nem
deviam falar em tal insuficiência do temor reverencial: é o verso do dever. Compreende-se a omissão do direito
suíço e do alemão.
6.COAÇÃO EXERCIDA POR TERCEIRO. Diz o Código Civil, art. 101: “A coação vicia o ato, ainda quando
exercida. por terceiros”. E o § 1.0: “Se a coação exercida por terceiro for previamente conhecida à parte, a quem
aproveita, responderá esta solidariamente com aquele por todas as perdas e danos”. § 2~: “Se a parte prejudicada
com a anulação do ato não soube da coação exercida por terceiro, só este responderá pelas perdas e danos”. Que a
coação pode ser exercida por terceiro, não há dúvida. Mas ~ é possível cogitar-se da ação de indenização? Creio que
sim. Se o testador dispôs coagido, e foram partilhados os bens e de qualquer modo desfalcado o espólio, provando-
se, na ação competente, a coação exercida por terceiro, e anulado o ato, há a ação de indenização, cumulável com a
anulatória.
7.PROVA DA COAÇÃO. A coação não se presume. Quem a alega deve dar provas. Mas, como a respeito do dolo,
cabem todos os meios de prova, inclusive as presunções. Aliás, raramente se pode pensar em coação que não
envolva o seu tanto de dolo. Se o dano temido for à família, cumpre ao autor da ação, para estabelecer a
admissibilidade do temor pro affectu, mediante a presunção legal, provar o parentesco existente, ou, melhor, a
situação de família. Isso tem por fim isentá-lo de provar o grau de afeição. Quando não se trata de parentes, mas
houve, efetivamente, coação pro affectu, tem o autor de provar o grau de afeição existente entre o testador e aquele
sobre quem recairia o dano à pessoa ou aos bens. Cumpre advertir que o dano pode também ser do filho daquele a
quem tão intimamente se achava ligado o testador. Não é possível cercear-se o juiz na apreciação dos casos
concretos.
§ 5.685. Simulação
1.CONCEITO E ESPECIAIS DE SIMULAÇÃO. O dolo e a simulação do testador, se violam a lei, não são só dolo
e simulação: são ilícito procedimento, quer quanto ao móvel, quer quanto ao fim, quer quanto ao conteúdo da
disposição. De modo que dolo e simulação do testador constituem, se violam lei imperativa, causa de nulidade, e
não de anulabilidade (F. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 512, nota 13, 513), facere in fraudem legis. O mesmo dir-se-
á da fraude à lei.
As simulações mais vulgares são as de data e as de não..doação, que obrigaria o herdeiro a colacionar. Sempre que a
simulação é para evitar ou aplicar, indevidamente, norma legal, há nulidade, fraude à lei, e anulabilidade, por
simulação propriamente dita. Mas, se o testador simula o ato jurídico (venda de bens, em vez de doação ao herdeiro,
que teria de colacionar; reconhecimento de dívida, em vez de doação), há simulação, com todos os característicos
do vício e, então, cabe a ação de anulação. Pode ter sido simulado o próprio ato, e. g., se o disponente testou em vez
de doar. Mas, então, pode haver erro. Pelo menos, mais erro que simulação. Talvez dolo.
2.SIMULAÇÃO E OUTROS VÍCIOS. Diz •o Código Civil, art. 102: “Haverá simulação nos atos jurídicos em
geral:
1. Quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das a quem realmente se conferem ou
transmitem. II. Quanto contiverem declaração, confissão, condição, ou cláusula não verdadeira. III. Quando os
instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados”. Já se tratou da reserva mental e do ato n&~-sério.
Nem de uma, nem de outro, falou a lei brasileira. A simulação é terceira espécie. Em sentido amplo, a palavra
simulação abrange: a reserva mental em que há divergência entre a vontade declarada e a vontade real; o gracejo,
que não se destina a produzir efeitos jurídicos; a simulação stricto sensu. Mas, no sentido do artigo 102, só a última
espécie seria de considerar-se. Preliminarmente, há generalizada opinião de que só existe simulação se concertada
com o aceitante, ou a pessoa a quem se destina. Restringir-se-ia aos negócios jurídicos bilaterais. A inteligência com
a parte, a quem se dirige, distingui-la-ia da reserva
mental, fato unilateral, portanto possível em quaisquer atos jurídicos. escapariam ao vício da simulação todos os
atos unilaterais. Nesses, seria impossível distinguir da reserva mental a simulação propriamente dita; nos atos
bilaterais, simulação unilateral não seria simulação: seria dolo. Daí não vermos tratado, nos testamentos, o caso de
invalidade por simulação. Parece que os escritores procuram limitar os vícios aos sós exemplos do erro, do dolo e
da coação. Não se poderia ter no direito brasileiro idêntica atitude: no Código Civil (ao contrário do Projeto
primitivo art. 102, como no Projeto de CtELHO RODRIGUES, art. 335, que somente falavam de atos entre vivos),
a simulação apanha os atos jurídicos em geral, portanto os atos jurídicos mortis causa. Tima coisa é o testamento,
outras são as diferentes disposições que ele contém.
A questão terá, pois, de ser discutida. No Esboço, TEIXEIRA DE FREITAS distinguiu da simulação nos atos
jurídicos em geral a simulação nos atos entre vivos (art. 521: “Haverá simulação nos atos jurídicos em geral: 1.0.
Quando constituírem ou transmitirem direitos a interpostas pessoas, que não forem aquelas, para quem realmente se
constituem ou transmitem. 2.0. Quando contiverem qualquer declaração, confissão ou cláusula, que não for
verdadeira”; art. 522: “Haverá simulação nos atos entre vivos: 1.0 Quando as partes os tiverem celebrado, sem
intenção de realizar o ato aparente ou qualquer outro. Haverá em tal caso simulação absoluta. 2.0. Quando as partes
os tiverem disfarçado, na intenção de realizarem outro ato de diversa natureza. Haverá em tal caso simulação
relativa. 3•0• Quando a data dos instrumentos particulares também não for verdadeira”. O Código Civil não
distinguiu. Do art. 102, 1, a própria lei dá, no art. 1.720, aplicação especial: são nulas (sic) as disposições em favor
de incapazes de adquirir por testamento, ainda quando simulem a forma de contrato oneroso, ou os beneficiem por
interposta pessoa. Aí, o declarante quis fazer aparecer ato jurídico válido, para evitar a invalidade do ato que
realmente quis. Daquele só se quis a aparência. Nisso diferença-se dos atos ostensivos em fraude à lei e dos em
fraude aos credores, verdadeiramente queridos. Nada obsta a que a teratologia da vontade chegue ao ponto de casos
simulados em que também se verifique a fraude da lei ou a fraude dos credores: vistos de um lado, simulam; vistos
de outro, são negócios jurídicos sem jaça, isto é, que não tiveram fito de dar aparência de ser ao negócio que se
escolheu, na divergência intencional entre aparência e realidade, e sim o de chegar, através deles, à eficácia de
resultados proíbidos, ou à equivalência de tais resultados.
Na reserva mental, não se quis enganar, valendo, ao passo que, na simulação, se quis a validade do ato aparente, ou
no que se refere à sua existência (simulação absoluta), ou no que se refere à natureza, ao conteúdo, ou à interposição
de pessoa (simulação relativa).
Trataremos das três espécies principais de simulação:
a) interposição de pessoa; b) declaração, confissão, condição ou cláusula não-verdadeira; c) instrumento particular
ante-datado ou pós-datado.
3.TRÊS ESPÉCIES PRINCIPAIS DE SIMULAÇÃO. (a) Na interposição de pessoa, o intuito do testador é fazer
acreditar na existência de beneficiado (o da declaração), ao qual, na verdade, não se conferem direitos nem
proventos: é o beneficiado aparente, que serve à missão simulante de encobrir o verdadeiro beneficiado. Se
analisamos as relações, vemos:
há negócio jurídico efetivamente querido, quis-se o ato, a disposição de última vontade; o que não se quis, mas quis-
se aparentar, foi beneficiar o titular do direito que se declarou; não há divergência entre a disposição querida e a
declarada, e sim entre o sujeito beneficiado pela disposição querida e o outro favorecido pela declarada. Portanto, é
relativa a simulação. Quase sempre com isso se pretende deixar herança, legado, ou outro benefício, a quem por lei
era incapaz (Código Civil, art. 1.720); mas nem sempre a interposição tem esse intuito de beneficiar o que não pode
suceder: o testador pode querer ocultar o verdadeiro interessado e servir-se, para isso, da pessoa interposta, da
Zwischenperson de F. REGEL8-GER. A rigor, o fiduciário é pessoa interposta real; o que entregará o legado ao
incapaz é pessoa interposta real, para só ferirmos os casos dos interpostos simulados; mas deixemos dito que, ainda
real a interposição, se tem por fim fugir à proibição legal, não vale a deixa, porém não por ser simulação, e sim por
ser in fraudem legis. A interposição, que vicia, é a que aparenta conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas
daquelas a que realmente se conferem ou transmitem (Código Civil, art. 102, 1). A fraude na interposição real é caso
de nulidade e facilmente se descobre. Depende de provas a interposição simulada, que vicia a disposição e constitui
causa de anulabilidade. Às vezes, a lei, querendo adiantar-se à prova, faz certos casos passarem de uma categoria
para outra. Entende, por exemplo, que o pai, a mãe, os descendentes, o cônjuge do incapaz figuram nas declarações
testamentárias como pessoas interpostas (art. 1.720).
(b) O testador pode dispor livremente dos seus bens. Se simulou, mas, com a simulação, não teve intenção de violar
a lei, ou de prejudicar terceiro, não pode constituir vício a simulação. São válidas as disposições testamentárias. Se
violou a lei, ou se prejudicou direitos de outrem, é que se lhes pode apurar a validade: os lesados com a simulação, o
Curador de Testamentos ou a Fazenda requere a anulação, ou, nos casos de nulidade, a decretação dela. Nada obsta
a que o testador deixe a quem bem entende o seu patrimônio, usando de interposição de pessoa, uma vez que não
viole legítimas, nem fira de qualquer modo a lei ou os direitos de terceiros. Seria absurdo anular-se a disposição
pelo simples fato da não veracidade do beneficiado: é direito dele ocultar, se o entende proveitoso ou aconselhável,
o benefício testamentário. Aqui vigoram os mesmos princípios que teriam de reger os ates chamados de caridade
velada.
(c)Quanto à declaração, à confissão, ou à cláusula não verdadeira, se o negócio jurídico é absolutamente simulado,
como se o testador lega quitação de dívida, que não existia, ou se reconhece ser devedor sem o ser, ou declara ter
vendido o que não vendeu, é anulável a disposição se ofende a lei eu direito de terceiros. Se a simulação é relativa,
há disposição com negócio jurídico aparente, simulado, e outro, verdadeiro, secreto. Se esse negócio jurídico reúne
os elementos necessários à sua constituição e à sua eficácia, e não causa prejuízo a qualquer pessoa, nem ilude
disposição de lei, não pode ser anulado pelo simples fato da simulação. Mas ~ quais são esses requisitos? ,~ Os do
ato aparente ou os do ato verdadeiro? No Código Civil alemão vem a seguinte regra (§ 117, 2•a alínea):
“Se negócio aparente encobre outro negócio jurídico, aplicam-se as disposições concernentes ao negócio jurídico
encoberto”. ~.É aplicável às declarações testamentárias? Não, diz CARL CROME (System, V, 705, nota 2),
invocando os Protokolle (V, 46). H. O. LEHMANN (Das Birgerliche Recht, II, 775) reputou inconcebível (quanto é
difícil o inconcebível, máxime em assunto de simulação e fraude!) o negócio jurídico aparente, por pressupor
combinação. A solução é bem outra: o fito, na interpretação dos testamentos, é a vontade do testador, e não outras
considerações. Por isso, seria difícil preferir-se o velado ao aparente. Ora, o direito brasileiro não fica só. Há esteios
doutrinários. H. DERNBURG (Das Burgerliche Recht, V, 135) considerou os §§ 116 e seguintes em geral aplicáveis
aos testamentos. A espécie é que é difícil de figurar--se, pela unilateralidade do ato testamentário.
Não volveremos à questão da simulação, mais referente a atos jurídicos bilaterais. Porém não é escusado perguntar:
se é preciso o elemento combinação, ,~ só se combina onde é bilateral o ato? Os atos podem ser unilaterais, e haver
a bilateralidade nas maquinações, nos conciliábulos, nos simulacros. Parece que os juristas estão a confundir
unilateralidade do ato jurídico e unilateralidade das manobras simulantes. Demais, o que, praticando ~to jurídico,
simula isto é, finge algo pode proceder de tal maneira, que, sozinho, maquine no interesse de outrem, de modo a
dispensar a efetiva bilateralidade da simulação.
(d)Quanto à antedata e à pós-data, TEIXEIRA DE FREITAS (Esboço, art. 522, 3.0) restringia tal vicio aos atos
entre vivos e aos instrumentos particulares. Ó Projeto de COELHO RODRIGUES, art. 335, 3~o, e o primitivo, art.
102, 3•O, referiam-se aos instrumentos em geral, porém, pelo sistema de ambos, só havia simulação nos atos entre
vivos. De modo que no direito de qualquer deles não seria possível no capítulo da simulação vicitante do ato
jurídico tratar-se da antedata ou pós-data dos testamentos.
A antedata ou pós-data do instrumento particular constitui simulação. A do instrumento público, não: é falsidade.
Implica a acusação ao oficial público que o lavrou. A lei reserva ao oficial público determinar o momento em que se
lavrou o ato público: não são as partes que escrevem as datas. Por isso, só se deve~ falar de data falsa, e não de data
simulada. (Não atendendo a isso, SPENCER VAMPRÉ, Código Civil anotado, 1, 78, censurou, sem razão, o art.
102, III, e quis lê-lo como exemplificativo.) Nesse ponto, TEIXEIRA DE FREITAS estava certo; COELHO
RODRIGUES e CLÔVIS BEVILÁQUA, misturavam conceitos. Certo está, como o Esboço, o Código Civil
brasileiro.
O art. 102 do Código Civil refere-se aos “atos jurídicos em geral”, e o inciso III, que só concernia aos atos entre
vivos (Esboço, art. 522, 3.0), aparece sem qualquer limitação. Por isso surge a questão das antedatas e pós-datas nos
testamentos particulares, uma vez que os públicos e os cerrados hão de ter o momento fixado pela designação
cronológica, que o oficial inseriu na escritura de testamento, ou no ato de aprovação. Noutros termos: não tendo o
Código Civil exigido como requisito essencial do testamento particular a data (art. 1.645), ~ pode ser anulado o
testamento particular antedatado ou pós-datado, com o fundamento da simulação? O problema seria assaz
importante se houvesse prevalecido a doutrina do Projeto primitivo, que não tinha a regra jurídica do Código Civil,
art. 103, oriundo do Esboço, art. 523 (Código Civil argentino, art. 957). Fugindo ao direito romano, queria CLÓVIS
BEVILÁQUA que se anulasse por simulado o ato jurídico, ainda que inocente a simulação. (Sem advertir nisso,
fulminavam a simulação inocente, SPENCER VAMPRÉ, Código Civil anotado, 1, 78, JoÃo LUIS ALVES, Código
Ciull, 1, 90 s.) No direito brasileiro de hoje se inocente a simulação, pode ser demonstrado o emprego dela na
constituição de determinado ato jurídico. ~ Mas qual o destino do ato jurídico inocentemente simulado? CLOVIS
BEVILÁQUA (Código Civil, 1, 381) entendia que o Código Civil não considera defeito a simulação inocente;
portanto, deve subsistir o ato, apesar dela. EDUARDO ESPÍNOLA (Manual, ~ 1ª parte, 503 s.) queria que se
anulasse o ato simulado, ou subsistindo as relações decorrentes do ato dissimulado, ato que realmente quiseram
constituir (simulação relativa), ou considerando-se tudo inexistente, porque, em verdade, nenhuma relação se quis
formar. Tal opinião lembra o Esboço e o Código Civil argentino, art. 957, que o seguiu, e lê o Código Civil
brasileiro como se houvesse a distinção em simulação absoluta e relativa. Ora, a simulação absoluta, que, ainda sem
a má-fé, fere, o simulante não pode alegar. Mas, está visto, supõ-se, na espécie, a torpeza do que a invoca. Se
participou da simulação, sem malícia (o que é possível), pode vir a juízo invocá-la. Aliás, se há malícia, não na
podem alegar nem os que tomaram parte, nem os que, sem tomarem parte, foram cúmplices.
A simulação absoluta que, ainda sem a má fé, feria de nulidade absoluta o ato jurídico, era, no Esboço, art. 524, do
art. 522, 1.0 (“quando as partes os tiverem celebrado sem intenção de realizar o ato aparente, ou qualquer outro”),
inciso que o legislador brasileiro não trasladou ao Código Civil; e a simulação relativa, inocente, que tem o efeito de
fazer valer o ato verdadeiro, em vez do simulado, era a do art. 522, 2.0 (“quando as partes os tiverem celebrado, sem
intenção de realizar o ato aparente ou qualquer outro”), inciso que também não foi transcrito no Código Civil. O art.
102 do Código Civil contém todos os incisos do Esboço, arts. 521 e 522, exceto, exatamente, os dois a que se
referiam os arts. 524 e 525.
5. CONVERSÃO. Em matéria testamentária, o Código Civil, art. 1.666, leva a soluções que favorecem a
conversão dos negócios jurídicos. Quando um negócio jurídico na espécie, disposição testamentária não reúne o
que se lhe requer para a sua validade, mas tem o que é de mister a outra figura jurídica, dá-se a conversão
(controverso actus iuridico, não só pela preferência estabelecida no art. 1.666, como porque, no direito hodierno, o
nome dos negócios jurídicos não tem grande importância (R. ROMER, Zur Lehre von der Conversion, Archiv filr
die civilisti.sche Praxis, 36, 66). Nas declarações de vontade, sempre há dois lados, um externo, o corpo do negócio
jurídico, melhor a declaração, cuja forma é a forma mesma do negócio jurídico, e outro interno, que
a alma do negócio, a direção da vontade para o fim jurídico (68). Ora, o direito testamentário vai além disso: cria ~o
favor voluntatis, extraordinariamente decisivo. Assim, se o testador, partilhando os bens entre os filhos (art. 1.776),
considera em usufruto as legítimas, não deve o juiz invalidar a cláusula, reputando-a nula, nem, se indícios há de
simulação, pronunciar-lhe a anulação por defeito: ou o testador quis, ressalvando as legítimas, ou, sem as ressalvar,
quis o que a lei permite a inalienabilidade, quiçá a incomunicabilidade (o que se verificará dos dados testamentários
e das circunstâncias). Deve-se, tanto quanto possível, manter de pé a disposição.
A regra jurídica da conversão, que é invocável para tantos outros negócios jurídicos, a fortiori o é para os
testamentos. Todavia, isso escapa à definição de ato simulado, que é o ato encobridor de outro ato verdadeiro,
querido aquele para a aparência. Dá-se a conversão quando o declarante quis alguma coisa possível e o modo de
dizê-lo lhe deu figura inválida: há de preferir-se a validade. Todos esses pontos são necessariamente devolvidos à
interpretação, que é precípua em matéria testamentária.
Quanto à data falsa (testamentos públicos ou cerrados) e à data simulada (testamento particular), a discussão
envolve outras regras do Código Civil, constitui questão de requisito formal e ponto de reparo de requisitos
intrínsecos (e.. g., capacidade), de modo que tudo aconselha a prostrai-la. menos a simulação que está em jogo do
que a data mesma.
6.RESSALVA E LEGITIMAÇÃO ATIVA DO LESADO PELA SIMULAÇÃO. No que toca à ressalva, ou ela serve
à prova da simulação nociva, ou, deixando de ser ressalva, para ser elemento de interpretação da vontade do
testador, constitui dado para a construção da disposição testamentária.
Se o que foi lesado por simulação nela interveio, não pode alegá-la, em juízo: Nemo auditur propria turpitudine
allegans. Supõe-se, ai, a torpeza do que a invoca. Se participou da simulação sem malícia, pode alegá-la. A
cumplicidade afasta a legitimação ativa.
7.REGRAS JURÍDICAS INVOCÁVEIS. Os arte. 108-113 do Código Civil podem ser invocados. Assim, se o
testador declara ter vendido um prédio ou ações de companhia, sem receber o preço, desobriga-se o adquirente,
depositando-o em juízo, com citação de todos os interessados. Provada a má fé do adquirente, ainda terceiro, pode
ser intentada a ação dos arts. 106 e 107. Se o testador legou quitação de divida quirografária, cumpre distinguir se
vencida ou se ainda não vencida. Se vencida, e a insolvência foi posterior à morte (insolvência do espólio, e não do
devedor>, é indiscutível que se deve reputar efetuado o pagamento pelo testador no momento preciso da morte, pois
que o testamento é ato de última vontade. Não só ele podia pagar as dividas vencidas, como também faltaria, na
espécie, outro requisito da ação dos arts. 106 e 197: a má fé do credor satisfeito. Entenda-se, porém, que, provada a
má fé, a situação muda (e. g., se simulado o vencimento). Escusado é dizer que se presumem de boa fé, e valem, os
negócios ordinários indispensáveis à manutenção do estabelecimento mercantil, agrícola ou industrial do devedor
(art. 112). Presunção essa que pode salvar a declaração do devedor, sem outros vícios, no testamento.
1. FRAUDE CONTRA CREDORES. A fraude, se, feita pelo testador, teve por fito a lei é ato in fraudem legis.
Nulo, portanto, e não anulável. Da fraude à lei, tratar-se--á depois. Mas pode haver, excepcionalmente embora,
fraude contra credores. Imaginemos o contrato em que se diga: “pagará cem contos a B, salvo se, antes do prazo,
morrer, e tiver herdeiros necessários”. No testamento, o testador reconhece um filho, que não o é. É irrecusável a
atacabilidade pelos credores dos filhos. Admitido que os testadores insiram disposições de ordem contratual,
reconhecimentos de dividas, e até legados de dívidas ativas, não se pode, doutrinariamente, recusar a possibilidade
simétrica de vício por fraude. O patrimônio é do testador; portanto, a fraude alegável é a dele, e não a dos
interessados, porém ele pode deixar bens inalienáveis, gravados de encargos, e sob cláusula de impenhorabilidade, a
quem deva e esteja sendo executado. Os credores do herdeiro, de legatário, dos contemplados em geral, não podem
atacar o ato de disposição do testador, ainda quando a inalienabilidade, a impenhorabilidade, a incomunicabilidade,
o usufruto, a nua propriedade, ou qualquer figura que for adotada, aparentemente, contra o herdeiro, legatário,
beneficiado ou seu cônjuge, tenha sido sugerida pelo interessado em afastar dos bens os credores.
2.CLÁUSULAS TESTAMENTÁRIAS E FRAUDE. Diz o Código Civil, art. 106: “Os atos de transmissão gratuita
de bens, ou remissão de divida, quando os pratique o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência,
poderão ser anulados pelos credores quirografários como lesivos de seus direitos”. E o parágrafo único: “Só os
credores, que já o eram ao tempo dêsses atos, podem pleitear-lhes a anulação”.
É a ação Pauliana, que somente cabe se o ato do testador (por exemplo, reconhecimento de dívida) agrava ou cria o
estado de insolvência: só assim se verifica o eventus damni. A insolvência deve preexistir ou resultar do ato
impugnado:
nem o ato, em si, basta, nem a verificação da insolvência justifica, por si só, a ação anulatória. É preciso haver nexo
causal entre o ato e o prejuízo.
Pode bem ser que o testador aproveite o testamento para nele declarar que não aceita a herança de outrem (exemplo:
o patrimônio, em que é um dos fideicomissários, e há disposição do decujo contra a caducidade do fideicomisso), e
então se dá o caso do Código Civil, art. 1.586. Se há legados ou deixas modais remuneratórias, a ação dos credores
somente pode recair na parte excedente aos serviços remunerados: só as liberalidades são atingidas pelo art. 106.
Em todo o caso, pode caber o art. 107: “Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente,
quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contraente”.
Os adiantamentos de legítima, os dotes, os empréstimos a filhos, e todos os mais atos que importam colação,
constituem atos desfalcantes do patrimônio, contratos gratuitos que, havendo insolvência, podem ser revogados (art.
106), independente do consilium fraudis. Cumpre advertir que, em quaisquer casos, somente aos credores que o
eram ao tempo do ato jurídico, e não aos posteriores, compete a ação anulatória. Os credores posteriores já
encontraram desfalcado o patrimônio. No caso do testamento, ato que só tem eficácia com a morte, a situação dos
credores posteriores à feitura é bem digna de exame. Mas varre as primeiras obscuridades a distinção preliminar
entre o ato verdadeiro e o ato simulado. No caso de ato fraudulento (verdadeiro), a regra é que só os credores
lesados com a superveniência ou agravação da insolvência são autorizados a pedir a anulação. Mas, se houve dolo,
erro, simulação, já não se trata de simples fraude contra credores, e podem requerer anulação quaisquer credores
anteriores ou posteriores ao ato simulado, doloso, eivado de erro, desde que se legitimem às ações respectivas. Pode
também acontecer que o ato verdadeiro se conserve oculto, escapo à mais fina vigilância; nesse caso, os credores
posteriores não têm por si a ação por fraude contra credores, mas a de dolo. (Ao que acabamos de dizer quanto aos
chamados credores posteriores não há, rigorosamente, exceções: no caso do art. 988, é questão de sub-rogação; e o
reconhecimento posterior ao ato lesivo, mas de ato anterior a esse, não justificaria considerarem-se posteriores
aqueles cujos créditos reconheceram.)
1.MUDANÇAS E REPERCUSSÕES. No manifestar a vontade, não pode o testador prever todas as contingências
possíveis, de modo que tem o juiz, por vezes, de suprir as lacunas. Para alcançá-lo, tenta penetrar o pensamento do
testador, atendendo a todas as circunstâncias que poderiam ter atuado no espírito do disponente, separando o que ele
podia querer e o que podia não querer (H. DERNBURG, Das Burgerliche Recht, III, 3ª ed., 370). Não deve corrigir
ou mudar a que está claro no testamento, mas é dever seu prestar atenção às circunstâncias em que foram escritas as
palavras. Aqui o papel do intérprete da lei e o do intérprete de testamentos assaz se distinguem. Não pode dizer que
o testador se esqueceu de alguém ou de alguma cláusula: a vontade do testador, mesmo manifestada, é, em si e por
si, inoperante, se não tem, no testamento, expressão juridicamente válida. É preciso que se manifeste de acordo com
a lei; porque, de outro modo, não se interpretaria vontade declarada, e sim vontade inexistente no testamento. Mas
tal advertência não se há de entender com demasiado rigor: uma coisa é a falta de declaração, e a outra a lacuna na
declaração existente. O juiz pode preencher a lacuna, que se nota na declaração da vontade. Um dos casos possíveis
é o de haverem surgido novas circunstâncias:
“deixo a casa a, que rende um milhão de cruzeiros novos, que reputo o estritamente necessário para que meu
sobrinho e afilhado viva bem, e é de meu desejo assegurar-lhe esse bem-estar, sem o que não morreria em paz, pois
que muito o amo e quero sua felicidade garantida”. Se a casa, pela passagem de um trem à porta, ou por outra
imprevista circunstância, se desvaloriza, a ponto de só render duzentos cruzeiros novos, claro é que o juiz deve
considerar lacunosa a declaração. Em todos os casos, em que o testador, ao fazer o testamento, não podia conhecer
as circunstâncias, como se ainda imprevisíveis, e não as regulou, intervém o juiz e enche o vazio que a vida fêz às
declarações, ou que, por consciência, escapou ao testador. Sôbre o ponto em questão pode o testador não dizer uma
palavra; mas tratar-se de lacuna da declaração de vontade. Outro exemplo: o testador declara que os bens deixados a
A, B e C serão administrados por B, que tem procedido com toda a lisura e correção. Mas B começou a beber, a
desviar-se dos bons costumes, e foi condenado por atos de abuso de confiança. O testador, se o soubesse, não o teria
apontado para a missão. Pode o juiz substitui-lo, com fundamento na própria declaração. A esse respeito, são
vulgares as nomeações de testamenteiros, e todas devem ser atendidas se mantidas pelo nomeado as circunstâncias
pessoais que concorreram para que o testador escolhesse essa e não outra pessoa. “Nomeio o meu sócio F”, diz o
testamento; há de entender-se que o não nomearia, se o sócio tivesse requerido (como requereu, posteriormente à
morte) a liquidação contenciosa da firma.
Ainda assim, vale e é eficaz a declaração, em sua inteireza, quando contemple a mulher e, nas vésperas da morte, foi
decretado o desquite por adultério dessa, se o testador poderia ter roto o testamento, e não no fêz. Certo, na espécie,
pode ser argüido achar-se revogado e haverem terceiros roto o segundo testamento; porém já é de outra questão que
se cogita. Cumpre que não se confundam interpretação e apreciação da validade ou revogação dos testamentos, ou,
até, das cláusulas.
2.ALGUMAS QUESTÕES E JULGADOS. A testadora instituiu seus herdeiros a Frederico, a Carlos, seus irmãos,
e aos filhos de um irmão premorto, dispondo que Frederico, antes do inventário, receberia os móveis. Frederico
morreu depois de feito o testamento e antes de a testadora falecer. Os filhos dele foram reclamar a herança, têrça
parte do espólio. O tribunal alemão (Rechtsprechung des OLG., VI, 72) negou-lhes o direito; e para isso declarou
que a vontade da testadora de chamar, para êsse caso, aos filhos do irmão premorto, não estava expressa no
testamento. Conseguintemente, se desse cumpra-se a essa vontade inexpressa, deixaria a justiça de interpretar a
vontade da testadora; e deixaria de interpretá-la para supri-la, coisa que ao intérprete se não permite. Bem se pode
imaginar a repulsa que tal exegese literal causou. Do julgado trataram vários autores. H. DERNBURG (Die
Auslegung der Testamente, Deutsche Juristen-.Zeitung, 9, 6-8) censurou-a como contrária à vontade do testador.
Havia a beneficiação dos filhos de outro premorto; estava evidente que o seu fito fora o de contemplar os herdeiros
legítimos. Não era de mister mudança de testamento. E ainda que não houvesse a tal referência aos filhos do outro,
é máxima de experiência (Erfahrungssatz): o bem que se quer deixar ao pai quer-se também deixar aos filhos. É de
presumir-se. No Lehrbuch (V, 119), sustentou o mesmo e fêz séria crítica ao julgado. Não se pode atribuir ao
testador pensamento que não esteja no testamento; pode estar implícito, pode não se achar expressamente e sim
tâcitamente, pode ser conseqüência do contexto das cláusulas e, até, resultar do adequamento entre as cláusulas
expressas e as circunstâncias. Pode ser claro o texto, e dever interpretar-se; porque pode ser claro e lacunoso
(circunstâncias ignoradas e circunstâncias posteriores), ser claro e, nas conseqüências, ambíguo; ser claro sobre um
ponto e obscuro quanto ao resto. Só o ser claro não obsta à interpretação. WALTER ERMANN (Publius luventius
Celsus, Griínhuts Zeitschrift, 31, 577) exclamou: ~que é que diria CELSO dêsse culto severo da letra e da palavra,
digno da primeva interpretatio pontificum? Olvida-se, precisamente, a regra fundamental de interpretação, em
matéria de testamentos, a que ordena que o conteúdo da disposição se determine, ajustando-se, tanto quanto
possível, às intenções do testador a aplicação da cláusula. Ora, o próprio art. 85 d.o Código Civil brasileiro e o § 133
do Código Civil alemão exigem que se dê às palavras, não o sentido usual, mas o que delas resulta, atendidas as
circunstâncias concretas, os hábitos de vida e o modo corrente de exprimir-se o testador e a classe social a que
pertencia. Mais a intenção que a letra. Por exemplo: O testador deixou à viúva o usufruto ilimitado da metade do seu
patrimônio até à maioridade do filho. Ao patrimônio pertencia uma fábrica; designou como testamenteiros a alguns
amigos conhecedores do negócio, e êsses não aceitaram o encargo; deviam eles liquidar a herança; o tribunal
decidiu que o tutor podia requerer a venda da fábrica, pois faltaram as pessoas técnicas (A. BOLZE, Die Praxis des
Reichsgerichts, VI, 280). Não decidiu certo; ter-se-ia de nomear testamenteiro quem tivesse realmente competência.
3.CLÁUSULA “REBUS SI’C STANTIBUS” E PRESSUPOSIÇÃO “REBUS SIC STANTIBUS”. Cumpre que se
não confunda com o erro sôbre o conteúdo da declaração a cláusula rebus sic stantibus. Se ele conhecesse a
verdade, não testaria: tal o erro. Se, ao tempo que testou, a situação fôsse a da morte, não testaria: tal a cláusula
rebus sic stantibus. Exemplos de cláusulas rebus sic stantibus: a) o testador dispôs da metade testável a favor da
mulher, mas, pouco antes de morrer, apresentava petição de desquite ou divórcio (estrangeiro) contra o cônjuge, ou,
ainda, de nulidade de casamento, e venceu, ou, ao morrer, continuava na ação; b) o testador contemplou a noiva,
com quem cortou relações, ou simplesmente desfez os esponsais (se bem que, na espécie, possa caber a
interpretação “deixou a alguém, que coincida, ao tempo da morte, ser a noiva”, ou que exclui tratar-se de “deixou a
noiva A”). Num e noutro caso, a disposição vale desde que se deva admitir que o testador após o ocorrido manteria a
declaração. Mas cumpre precisar a aplicação: o casamento dissolvido, o noivado desfeito e a sociedade conjugal que
se apaga, são, na verdade, casos e situações que supõem existir a cláusula rebus sic stantibus, não, porém, de
anulabilidade por erro, o que já se prende a outro plano, o da validade. Em todo o caso, ainda no casamento
dissolvido, na sociedade conjugal ou no noivado que se desfez, se tem de inquirir se há pressuposição ou clausula.
sula. Quem dispõe (herança, legado, modus) em favor de mulher ou noiva, bem assim em favor de filho, fê-lo tendo
em conta a qualidade essencial: cônjuge, noiva, filho. Se essa qualidade desaparece, ou pela mudança posterior
(clausula rebus sic stantibus), ou pela revelação da verdade, contra o que o testador supunha (erro), o favor
testamenti não pode ir até ao absurdo de se decidir contra a vontade do testador. Na primeira espécie, o
contemplado não fornece mais a qualidade que era essencial (F. RITGEN, Biirgerliches Gesetzbuch,, V, 242). Na
segunda, há erro, distinção justamente feita por MAx MATTHIAS (Rechtswirkungen der Clausula rebus sic
stantibus und der Voraussetzung rebus sic stantibus, 48).
O Projeto alemão concedia a ação de impugnação nos casos do § 2.077 do Código Civil alemão, que, afinal, falou
do casamento dissolvido, ou nulo, e de espécies outras: intentação de ação de divórcio, ou dissolução da sociedade
conjugal; noivado roto. A II Comissão preferiu a caducidade de plano ou Un.wirksamkeií. No direito brasileiro, não
havendo o § 2.077, apode o juiz admitir não se cumprir o testamento? No caso afirmativo, ~ trata-se de anulação ou
de caducidade? Seria necessária a regra legal, equivalente ao § 2.077, se não fosse o próprio § 2.077 regra jurídica
de interpretação. Quando o legislador insere nos códigos regras jurídicas interpretativas da vontade dos testadores,
certo fixa critério, mas o critério, que se supõe nos fatos quotidianos, preexiste ao texto. Quando o disponente deixa
algum bem, ou toda a herança, ou parte da herança, ao cônjuge, ou à noiva, ou ao noivo, fazendo-o nessa qualidade,
o reconhecimento da qualidade como pressuposto da disposição só se funda na vontade presumida do testador.
Provada a intenção contrária, não cabe a incidência da regra jurídica que se fêz explícita no § 2.077 do Código Civil
alemão, nem a dúvida, sem texto legal prévio, no direito brasileiro. A declaração de nulidade ou anulação do
casamento, implicaria a idéia de erro, viciante da disposição testamentária; mas, ainda aqui, a questão principal é a
intenção do testador: A deixou à mulher, B, duas casas; B promoveu a anulação do casamento por coação de A; se
for de se admitir que, ainda anulado, A manteria a declaração de última vontade, claro que não está caduca a
disposição sobre herança ou legado. Cartas, revelações a amigos, atos de amizade posteriores à lide, se morreu
durante ela, ou, a fortiori, após a sentença anulatória, tudo isso pode fazer segura a continuidade da vontade do
testador.
É discutido, porém, se, no Código Civil alemão, o § 2.077 é simples regra de interpretação. Frisemos bem: no
Código Civil alemão. Regra jurídica dispositiva, que contém condição tácita, diz F. RITGEN (G. PLANCK,
Elirgerliches Gesetzbucl2, V, 242). Por isso mesmo, se outra foi a intenção do testador, não existe a condição (alínea
8.~). Contra., F. ENDEMANN (Lehrbuch, III, ~ ed., 515): a lei fêz mais do que inserir regra interpretativa, porque o
disponente não teve só em vista as qualidades de cônjuge, ou noivo, e os casados e os noivos podem separar-se,
permanecendo grandes amigos e afetuosos. Assaz preciso ANDREAS VON TUHR (Der Augemeine Teu, II, ) :
condições e pressuposições não precisam ser explícitas, nem, sequer, expressas, podem ser tácitas, ou implícitas;
podem os atos jurídicos apoiar-se em fatos, que se suponham, ou que deixem de ser; o § 2.077 constitui regra
jurídica de interpretação, com que se cria, em lei, caducidade (e não anulabilidade, como se sugeria no 1 Projeto
alemão), isto é, ineficácia (II, 275), em virtude da condição resolutiva ex lege (II, 278; contra E. RITGEN, em G.
PLANCK, Biirgerliches Gesetzbuch, V, 242); quer dizer condição presumida, legalmente (III, 272, nota 79).
Não podemos negar que a inserção em lei dá mais fôrça à presunção. É exatamente esse mais que suscita as
discordâncias. F. RITGEN (V, 242) ficou do lado dos fatos e os viu entumescerem-se, inspirando, forçando a regra
legislativa (aliás o direito não é só isso). E. ENDEMANN (Lehrbuch, III, 515), coerente com o que, noutro lugar
(III, § 49), estabeleceu entre as condições insertas em testamento e as não constantes dele, declarou que se foi o
cônjuge, ou a noiva, e não a pessoa (que era noiva ou cônjuge), o contemplado aí, sim, a disposição é nenhuma,
porque falta o beneficiado pela disposição: o testador não instituiu ninguém, porque não existe quem ele instituiu.
Não se deve aceitar o raciocínio de E. ENDEMANN. É falso. O testador deixou metade disponível à mulher, ou à
noiva, e sobreveio o desquite, divórcio, ou rompimento dos esponsais, e contraiu novas núpcias ou noivado. Com a
argumentação de F. ENDEMANN, que vê na disposição outra coisa que condição resolutiva tácita, faltaria o
cônjuge, ou a noiva, e só por isso se desfaria, fundamentalmente, a disposição. Ora, tanto a pessoa é que era
herdeira, legatária ou beneficiada que, saindo de dentro, digamos, das expressões cônjuge, noiva, não pode outrem
preencher-lhe o lugar. Tanto assim que: a) se o testador diz, em 1967, “deixo as minhas fazendas à minha mulher”,
“deixo duas casas à minha noiva (o que constitui a maior abstração possível da pessoa contemplada), nunca se pode
chamar à herança, ou ao legado, ou ao modus, a noiva do momento da morte, ou a outra mulher com quem se casou
após o testamento; b) se o testador desfaz a sociedade conjugal, ou volta a ser noivo, ou se casa com a noiva, com
quem havia rompido o noivado, as duas circunstâncias a da identidade da contemplada ao tempo do testamento e a
da vigência da sociedade conjugal, ou do noivado ao tempo da morte novamente juntas produzem a conseqüência
eficacizante. É indiscutível a condição resolutiva tácita. Dir-se-á que admitir, no direito brasileiro, a caducidade é
criar presunção legal, o que não se permite. Não: o § 2.077 do Código Civil alemão nasceu dos fatos; e os fatos que,
no direito alemão, repontaram na regra jurídica interpretativa,, escrita, podem, quando se trata de direito brasileiro,
constituir presunção de fato. Apenas, no Brasil, a caducidade não se-opera imediatamente, depende da provocação
regular, admitidas as provas de uma e de outra parte. Resolve-se na ação (declarativa) de caducidade da verba
testamentária, ou de interpretação, conforme o caso e segundo prefira a parte. Aliás, o assunto é por sua natureza
como nesga de terra entre duas regiões vizinhas as regras jurídicas de interpretação e as de anulação. Andou bem
avisado o legislador alemão em pô-lo entre aquelas (§§ 2.074-2.076) e essas (§§ 2.078 s.).
No direito brasileiro, mais uma vez a interpretação leva a cortar-se, inicialmente, a questão: “caducou”, “não
caducou”; cabendo ao interessado recorrer do despacho interpretativo positivo (“caducou”), e ao adversário, no caso
de despacho negativo (“não caducou”), recorrer. Antes, atrás pode propor a ação declarativa de caducidade, por estar
revogada a disposição impugnada. A sentença sôbre interpretação faz causa julgada para a disputa sôbre a
revogação e vice-versa, desde que se resolveu sôbre todas as premissas e não se ressalvou a discussão por meio de
ação competente. E aconselhável aos juizes a ressalva explícita: podem surgir documentos ou outras provas da
voluntas testatoris.
No direito alemão, a alínea do § 2.077 diz que a disposição não é ineficaz (quer dizer não caducou) quando é de se
admitir que o testador, em tal caso, também teria disposto. A despeito da opinião de E. ENDEMANN, a alínea
concerne não só a noivado desfeito, como também à nulidade do casamento, à dissolução e à separação. O § 2.077
não se aplica aos testamentos conjuntivos e ao contrato de herança,, que não temos. Lá rege o § 2.279, alínea 2.
Não cabe distinguir-se se a nulidade do casamento foi por defeito de fundo ou de forma; sempre se mantém a
disposição se cabe presumir-se continuada a vontade do testador. Também é indiferente a boa ou má fé dos casados.
Se a nulidade, a dissolução do casamento, o rompimento dos esponsais ocorre antes ou ao tempo do testamento, não
se pode cogitar de erro ou de cláusula rebus sic stantibus (F. RITGEN, em G. PLANCK, Biirgerliches Gesetzbuch,
V, 242), desde que o testador sabia do que se passava ou passou. Se foi antes, e o testador tinha por válido o
testamento e conhecia os fundamentos do divórcio, do desquite, da anulação, do rompimento dos esponsais, torna-se
difícil que as circunstâncias figurem a revogação, ou o erro. Mas só difícil, e não impossível. Os fatos aqui é que
falam. Se o testador, crendo morta a primeira mulher, recasou, decidir-se-á pelos mesmos critérios que se adotam em
casos de divórcio, ou desquite. A presunção facti é a de que revogou a disposição testamentária.
Dito o que acima ficou, resta saber-se qual o ponto de partida para a prova: ~ presume-se revogado ou deve o juiz
presumir não revogado o testamento? É a questão daquele mais, de que se tratou. Se dissermos que se deve
presumir, diremos que existem presunções legais fora do direito escrito. Donde o problema de ordem legal, que mais
uma vez merece discutido. Se não dermos qualquer valor prévio à mudança de circunstâncias, ou à revelação do
erro, reduziremos a controvérsia a mero confronto de provas, que escaparia ao direito civil e só interessaria ao
direito processual.
Nas espécies que versamos, que são a cláusula rebus sic stantibus e o caso particular de erro, e. g., pela nulidade do
casamento, toda a questão se devolve à interpretação. Tratando-se de ato por sua natureza submetido ao juiz para
q~e se cumpra (tal circunstância assaz separa dos atos entre vivos o testamento, inexecutável por si), tendo de ser
executado ~pelo testamenteiro segundo o exame e as decisões do juiz, tal contingência cria situação singular: se o
juiz interpreta (e ~ninguém lhe nega que possa interpretar), afirma, explícita ou Implicitamente, que vale o que
interpretou, supõe, digamos, a validade, a vigência; mas, no interpretar, pode dizer “não ‘vale”, para não afirmar,
com a interpretação, o valor jurídico
do que não tem. Donde a conclusão necessária: o poder de interpretação que as leis reconhecem, no processo
especial, administrativo, do cumprimento dos testamentos (dentro dos inventários, ou por petições dos interessados,
fora do inventário, ou nas prestações de contas dos testamenteiros), dá-lhe o de preliminarmente manifestar-se sôbre
a vigência, não do testamento, mas da disposição, salvo se for preciso haver discussão de provas, caso em que é
aconselhável ressalvar as ações ou remeter as partes à ação competente. Por isso, o juiz do inventário, que não é do
testamento, deve abster-se de interpretação de tal espécie: seria pronunciar-se sôbre matéria do Juízo da Provedoria.
4.NULIDADES E OS VICIOS DA VONTADE NO ESPAÇO E NO TEMPO. Os atos viciados podem ter sido
praticados noutro país, ou por estrangeiros domiciliados, residentes ou de passagem no Brasil, assim como a lei de
hoje quando se abre o testamento pode não ser a mesma do momento em que ocorreu a declaração de vontade.
Cumpre que se apreciem, separadamente, as duas questões, e, depois, que se combinem, para se cercar, por todos os
lados, o problema.
a)Muitas vezes ocorre testar o decujo fora de sua pátria, ou testar o estrangeiro no Brasil. Não se trata, claramente e
em todos os casos, de capacidade, de modo que a lei aplicável pode ser discutida.
A forma extrínseca dos atos, públicos ou particulares, rege-se pela lei do lugar em que se praticarem. Ficam fora a
forma intrínseca e a validade do consentimento, a legitimidade do objeto, o conteúdo dos atos jurídicos e as
modalidades acessórias. Não é isso o que se submete à regra jurídica Locus regit act um.
Tudo o que, nos testamentos, não é forma externa, ou éconcernente à capacidade, ou à validade intrínseca, ou ao
efeito. Os defeitos de consentimento pertencem à classe dos pressupostos de validade intrínseca: rege-os, portanto, a
lei pessoal, ou, se estrangeiro casado com Brasileira, ou que deixou filhos brasileiros, pela lei brasileira, em se
tratando de bens situados no Brasil, nos têrmos da Constituíção de 1967, art. 150, § 33 .
Assim, os vícios de vontade escapam à lei do lugar e ficam sujeitos à lei que rege a sucessão (cf. L.
KUHLENBECK, Einfíihrungsgesetz, J. v. Staudingers Kommentar, VI, 125 e 605; G. PLANcK, Bilrgerliches
Gesetzbuch, VI, 80).
b)A validade da declaração de vontade, os defeitos e vícios de vontade (reserva mental, gracejo, erro, dolo, coação,
simulação, fraude) regem-se pela lei do tempo em que se fêz o ato. Tocam diretamente à vontade, prendem-se a um
tempo, que é o da feitura do ato (L. KUHLENBECK, Einftihrungsgesetz, J. v. Staudingers Kommentar, VI, 437; C.
F. GABBA, Teoria. della Retroattiv’ità delle leggi, 1, 239).
Quanto aos testamentos, as legislações e as doutrinas não são acordes. No Código Civil saxônico, §§ 2.078-2.080,
somente era anulável segundo a nova lei o ato de última vontade. eivado de erro, ou de coação, e julgado nulo pelo
direito vigente. No domínio do direito comum e no direito prussiano, a diferença consistiu no prazo em relação ao
Código Civil alemão, § 2.082. Quanto ao direito alemão, H. HABICHT (Die Einwirkung des BGB., 689) opinou
pela lei nova; e FRIEDRICX AFFOLTER (Das Intertemporale Privatrecht, II, 335) interpretou o direito
intertemporal do Código Civil alemão como afirmativo da lei antiga, por ser o art. 214 da Lei de Introdução cláusula
garantidora (Gewãhrungsklausel), e como tal interpretável do modo mais largo possível. Tais palavras tiveram forte
repercussão na doutrina alemã. Porém A. NIEDNER (Das Einfithrungsgesetz, 472), também deu argumentos em
favor da nova. A questão merece exame.
Diz a alínea 1.a do art. 214 da Lei alemã de Introdução: “A feitura e a revogação de uma disposição a causa de
morte, feita antes da vigência do Código Civil, ainda que o disponente morra após a entrada em vigor, regula-se
pelas leis anteriores A alínea 1~a do art. 214 é exceção ao art. 213 que aplica o Código Civil alemão às relações
hereditárias se a pessoa falece na vigência dele. Como vimos, FRIEDRICH AFFOLTER, procurando conhecer a
natureza da cláusula e reputando-a de garantia, aconselhou a interpretação mais favorável. Na 6.8 edição do Tomo
VI do J. v. Staudingers Kommentar, seguia-o L.KUHLENBECK; mas, na edição seguinte, abandonou-o: nos outros
atos jurídicos inter vivos, era de impor-se a lei antiga, ou se submeterem a ela todas as relações de obrigação
nascidas antes da vigência do Código Civil (art. 170); mas seria errôneo estendê-lo às disposições de última
vontade, pois o art. 214, alínea 1•a, somente se refere a feitura e revogação,. estando inserto em título que somente
cogitou da capacidade testamentária e das formas de testar. Assim, A. NIEDNER (Das Einfiíhrungsgesetz, 472), H.
HABICHT (Die Einwirkung des BGB., 3Y ed., 714 s.), G. PLANCK (B’iírgerliches Gesetzbuch. nebst
Einfúhrungsgesetz, VI, 403, e a jurisprudência, e. g.~ Superior Tribunal de Jena, 3 de janeiro de 1911).
No direito brasileiro, não temos textos especiais de direito intertemporal, que reduzam o problema à questão de
interpretação de lei. O único artigo que poderíamos invocar é o art. 150, § 3º, da Constituição de 1967 (Constituição
Política do Império, art. 179, § 3.0; Constituição de 1891, art, 11, 3ª de 1934, art. 113, 3.º; de 1946, art. 141, § 3.º):
“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, ou a coisa julgada”. Reputa-se ato jurídico perfeito
o já concluído segundo a lei vigente no momento. O testamento, contra a opinião isolada de A. KÕPPEN, é negócio
jurídico perfeito antes da morte do testador. À primeira vista, portanto, parece resolvida, liminarmente, a questão. A
solução vinda de FRIEDRICH AFFLTER valeria para todos os sistemas jurídicos, e não só para o alemão. Porém
seria esquecer-nos de aspecto assaz relevante: não atenderia à revogabilidade essencial dos atos de última vontade.
Basta (para reabrir a questão) trazer-se à balha o caso da coação que continuou até o momento da morte. Já na
vigência da lei nova, o testador não pôde testar de outra maneira, e foi coagido a manter disposição viciada. Não só
é irrecusável, na espécie, a aplicação da lei nova, como também a apreciação segundo ela, se ainda mais rigorosa a
sanção.
Sempre que se raciocina a favor da lei antiga atende-se a certo direito do testador ao ato perfeito. Mas, nos casos de
erro, dolo, ou coação, seria absurdo invocar-se esse interesse do disponente. Isso, que dizemos quanto aos vícios de
vontade, não cabe, porém, quanto à invalidade absoluta da declaração (e. q., reserva mental, gracejo). Aqui, nem se
abre a questão: é a lei do tempo em que se fêz. Ou valia, ou não valia a disposição testamentária. Se valia, vale. Se
não valia, não adquire validade. Se a atuação viciante continuou até à morte, não se pode sustentar outra opinião
que não seja a da aplicação da lei vigente ao tempo da morte. Se a atuação viciante cessou, a tempo de fazer-se
outro testamento, a questão se reduz a saber-se se, a despeito dela, testaria da mesma forma o decujo. Escapa isso ao
direito intertemporal.
O que importa, em direito intertemporal, é a questão oriunda do direito nôvo, que dá sanção anulante, ou que, contra
o direito anterior, não estabelece invalidade. Ora, o ato viciante existiu ao tempo da feitura, participa, em verdade,
desse momento. Porém uma coisa é o fato viciante, e outra, a sanção legal. Se o direito anterior o considerava
anulável, pelo fundamento moral (portanto, mais permanente), dos defeitos de vontade, e o testador não no revogou,
ciente do vício, ~ por que não se há de aplicar a lei nova, se o maior interessado era o testador?
Se a lei anterior não dava sanção ao fato viciante e a lei nova considera causa de nulidade, dois argumentos militam
a favor da lei nova: a) deu forma jurídica a conteúdo ético; b) se bem que perfeito o ato jurídico do testamento, o
testador conheceu a sanção que o protegeu.
Por outro lado, as ações de invalidade são exercidas por terceiros, após a morte, e, ação nata como eles têm, seria
difícil separá-la das regras jurídicas que regem, não o ato extenor, mas os efeitos e a validade intrínseca dos atos de
última vontade.
Como bem notaram G. PLANCK (Biirgerliches Gesetzbuch, VI, 402) e L. KUHLENBECK (Einfíihrungsgesetz, J.
v. Staudingers Komment ar, VI, 605), a solução da lei nova tem a grande vantagem de fazer coincidirem os
princípios de direito internacional privado e os de direito intertemporal, em matéria dos efeitos de vontade. Por isso
mesmo tratamos, em conjunto, os dois sistemas. Assim se percebe o seu íntimo ajustamento. Ficam com os mesmos
limites as duas regras: tem.. ius regit actum e locus regit actum. Ato, em ambas, não é o id quod actum est, a
declaração de vontade, tôda a exteriorização. Exteriorização é um realizar-se sob forma, mas há a forma externa e a
interna. Donde: a) Em relação aos vícios de vontade, a regra é regerem-se pela lei nova, e não pela lei do tempo da
feitura. Se a atuação viciante cessou em tempo de fazer o testador outro testamento, e não o fêz, a questão é de
interpretação (se, a despeito do vício, o testador testaria do mesmo modo, pois que, cessada a atuação viciante,
manteve o testamento), e nada tem com o direito intertemporal;
b)No direito internacional privado, rege a lei da morte, e não a da feitura. Portanto: no direito intertemporal, a regra
tempus regit actum não incide, de modo absoluto, quanto aos vícios de vontade do ato testamentário; no direito
internacional privado, nada tem com os vícios de vontade (requisito intrínseco) a regra locus regit act um.
A forma forma externa, ou forma extrínseca é regida pela lei do tempo e pela do lugar: tempus, locus regit actum.
O intrínseco rege-se pela lei da morte e pela lei pessoal:
nem tempus, nem locus. O extrínseco que se qualificou intrínseco segue o tempus, e não o locus.
A capacidade segue a lei do tempo, porém não a do lugar. Os vícios de vontade não seguem a uma, nem a outra.
Não se poderia afirmar a coextensão dos princípios de direito intertemporal e de direito internacional privado, e é
escusado encarecer-se a extraordinária importância prática das distinções.
§ 5.689. Indignidade
1.INCAPACIDADE E INDIGNIDADE~ Quanto ao indigno, não se há de dizer que não era herdeiro; perde com a
sentença a posição, o não se poderia falar a respeito do herdeiro renunciante. Aqui, o direito francês e o brasileiro
diferem; e evite-se a lição dos juristas do Código Civil francês. Na França, THÉOPHILE fluo (Commentaire
theorique et pratique da Code Civil, V, n. 59), F. LAURENT (Co’urs élémentair de Droit civil, IX, n. 29),
BAUDRY-LACANTINERIE et WAHL (Traité theorí que et pratique de Droit civil, 1, 286), sustentaram ser a
indignidade operada de pleno direito; C. DEMOLOMBE (Cours de Code Napoléon, 13, ns. 310 e 311) e outros
atribuíram retroeficácia àdeclaração judiciária de indignidade, o que teria a conseqúência
cia de caírem, com o julgamento, os direitos reais consentidos a terceiros pelo indigno. Mas houve terceira
concepção, a de C. TouLLIEa (Le Droit civil français, IV, n. 115), A. DOMANTE et E. COLMET DE SANTERRE
(Coara analytique de Code Civil, III, n. 38 bis) e AUBRY e RAU, segundo a qual não há, sequei’, retroeficácia.
Êsses tinham dois caminhos a seguir: a) ou só admitirem que se mantivessem as constituições de direitos reais em
relação a terceiros de boa fé, e foi o que tomaram; b) ou reconhecerem, em geral, as alienações e as constituições de
direitos reais, e foi o que tomou o Código Civil brasileiro, art. 1.600. Com tal solução, implícita foi a única
concepção que se enquadraria no sistema da lei: a da não-retroeficácia quanto a terceiros. Uma implica a outra. E a
da letra b mais fortemente do que a da letra a, se a tivesse acolhido o Código Civil brasileiro.
No direito alemão e no direito francês não há regra jurídica correspondente à do Código Civil brasileiro, art. 1.600.
No alemão, recorre-se à gestão de negócios sem mandato (§§ 677-687). Intervêm os princípios da boa fé. Mas o art.
1.600 afasta a figura da negotiorum gestio; e só merece louvor. O herdeiro que é declarado indigno recebeu a
herança, situação bem diferente da em que fica aquele que a renuncia: chamado à herança, aceitou, ou praticou atos
oficiosos, atos conservatórios, atos de administração ou de guarda interna, para os quais era autorizado pela lei (arts.
1.572 e 1.581). A omissão dos dois grandes momentos codificativos do século XIX levou juristas a recorrer à gestão
de negócios (F. IIERZFELDER, Erbrecht, J. vou Staudin.qers Kommentar, V, 1008; FRANz LEONHARD, 529, IB),
à teoria do herdeiro aparente (A. CoLIN et H. CAPITANT, Cours élémentaire de Droit Civil français, III, 446; C.
DEMOLOMBE, 13, n. 310 s.), sem pertinência, porque o indigno não tem a aparência de herdeiro; é herdeiro. Em
lamentável confusão com o direito francês, onde a indignidade opera de pleno direito, contra o sistema italiano, o
argentino e o brasileiro, CLóvís BEvILÁQUA falou de “resolução” ex tunc! E adiante, (49) disse: “O indigno, antes
da sentença, que o exclui da sucessão, é um herdeiro aparente e, como tal, em condições de dispor dos bens da
herança”. Sôbre isso, AUBRY e RAu, IX, § 594, nota 13, BAUDRY-LACANTINERIE e WAHL, 1, n. 286, e tem-se
cabal resposta a tal confusão.
O código Civil argentino, arts. 3.309 e 3.310 (cp. chileno. art. 976; uruguaio, art. 852), e o brasileiro admitiram,
claramente, Cabalmente, a exclusão ex nunc. Mas ainda no caso do direito alemão, que é omisso não nos parece
feliz a solução de F. RITGEN, F. HERZFELDER, de FRANZ LEONHARD; e folgamos de ver que dela se afastou
TREODOR Kí (Lehrbuch des Bilrgerlj Rechts, 3ª parte, 482), evitando a confusão em que aquêíes caíram com a
situação decorrente da recusa.
2. EFICÁCIA SENTENCIAL. A sentença não faz não ter sido ~ o indigno, como ocorre à renúncia. Foi herdeiro, e
depois excluído como indigno. Porque foi herdeiro (caso diferente da incapacidade e da renúncia da herança), dão-
se os efeitos do art. 1.600; porque se trata de pena, o indigno restitui os frutos e rendimentos (art. 1.598), e não pode
ter o usufrut0 e administração a que se refere o art. 1.601. O art. 1.599 ~ é efeito da sentença: é regra legal de ordo
successioms. Pata que não haja, da parte dos outros, enriquecimento injustificado cabe o direito do art. 1.601. Por
onde se vê a diferença entre a ação do art. 1.596, que é uma ação de desconstituição de relação de direito, e a de
anulação dos atos jurídicos, consignados no art. 147: o art. 158 é inaplicável àquela:
quer dizer: não se restituem as partes ao estado em que antes se achavam; por isso a lei teve de precisar os direitos
do autor e do r~u vencido. No intervalo, o indigno foi herdeiro, e quando deixa ~e ter sido. Se credores lhe
penhoram bem e executam as dívidas todos os atos persistem, inclusive a praça, a transação, o compromisso, a
compensação das dívidas. Para os efeitos do ordo successionis, é que ele fica como se não tivesse sido herdeiro (art.
1.599); mas a lei, ainda aí, introduziu ficção, e não admitia, sequer, o efeito que se observa nos casos de renuncia.
Quando a lei diz “como se ele morto fosse”, não manda reputá-lo morto, ter-se por morto, por não ter sido herdeiro,
~ sim que os bens passem aos descendentes dele como se morto ele estivesse. A diferença é fundamental.
O fato de o herdeiro indigno ter sido condenado, no caso de alegação de crime, não faz coisa julgada formal para a
ação de indignidade: os efeitos da sentença criminal serão materialmevae atendidos na ação ordinária, que se
proponha e na qual o indigno pode apresentar a defesa do art. 1.597. De modo nenhum, o juiz pode declarar, fora da
ação ordinária, a indignidade. (A ação ordinária é a reputada “ordinária” pela lei do processo.)
A indignidade só concerne aos direitos hereditários; a~ doações só poderão ser atacadas segundo o Código Civil,
artigos 1.181-1.187. A indignidade não tira, por exemplo, o direito ao nome.
Os efeitos da indignidade limitam-se à pessoa do indigno. Donde três conseqüências, todas explícitas nos arts. 1.599
e 1.602: a) os descendentes do herdeiro legítimo excluído sucedem, como se ele morto fosse; b) o excluído da
sucessão não tem direito ao usufruto e à administração dos bens, que aos seus filhos couberem na herança; c) nem à
sucessão eventual quanto a esses bens. “Como se ele morto fosse”, lê-se no art. 1.599; coisa bem diferente do que
diz CLóvís BEVILÁQUA (Código Civil Brasileiro anotado, V, 50) : “o art. 1.599 considera o indigno um morto
civil para os efeitos da sucessão”.
Em nenhum artigo da lei brasileira se dá à indignidade o efeito de se considerar o indigno como se não tivesse sido
herdeiro. De modo que a situação não é igual à do herdeiro que recusou a herança; se bem que, em relação a ele, os
direitos e obrigações que se extinguiram com a aquisição da he-~ rança, voltem a valer.
O art. 1.599 do Código Civil brasileiro muito se parece com a regra do Código Civil suíço, art. 541; mas o art. 1.596
fá-los diferentes na 1~a parte: na Suíça, a indignidade opera de inre; no direito brasileiro, depende da ação e valem as
próprias alienações feitas pelo herdeiro antes de ser pronunciada a indignidade (entenda-se de passar em julgado).
Nas conseqüências quanto ao ordo successionis (2.a parte de ambos). é que são iguais.
O descendente do herdeiro indigno recebe, no caso do~ art. 1.599, como o teria recebido se morto o herdeiro. A
indignidade do parens não o prejudica, e tem ele os direitos que lhe advêm do art. 1.599, como se já não existisse o
indigno quando se abriu a sucessão.
A lei estabelece que o sucessível assuma como se sempre tivesse sido herdeiro (a isso o autoriza a exclusão do
outro). Assim, se o chamado à herança, durante a ação de indignidade, movida contra o outro, morre, os seus
herdeiros sucedem;. porque o chamado foi herdeiro do morto, no dia da abertura da sucessão, e não herdaria do
indigno. Se o chamado à herança renuncia, os que recebem a herança são os que a receberiam se não tivesse havido,
no meio-tempo, o indigno (F. HERZFELDER, J. vou Staudingers Kommentar, V, 1008).
3.MORTE DO INDIGNO. Se o indigno morreu antes do decujo, os descendentes dele herdam segundo o art. 1.604
ou segundo o art. 1.621, e não segundo o art. 1.599. Ao aparecer o Código Civil alemão, E. HEYMANN (Die
Grundziige der gesetzlichen Verwandtew-Erbrechts, 53) sustentou o contrário; mas sem razão, o que se tornou
assente (GEORG FROMMHOLD, taber das gesetzliche Erbrecht der Abkõmmlinge des Enterbten, Archiv flir
Biirgerliches Recht, 21, 306).
1. RELEVÂNCIA EVENTUAL. Também com o Direito das Gentes pode ter de interessar-se quem faz o
testamento, quem o examina, como juiz, ou quem o executa como testamenteiro. As duas questões principais são
relativas: a) ao testamento feito em Estado de governo não reconhecido; b) ao testamento feito em território
contestado por dois ou mais Estados.
Reconhecido o governo, quer seja como governo de fato, quer seja como governo de iure, isso não interessa ao juiz
da outra nação que reconheceu qualquer sem-razão do reconhecimento (não se confunda com reconhecimento de
fato’ e de iure). As dificuldades estão ligadas ao reconhecimento de fato e ao não reconhecimento.
3.ESTADO NÃO-RECONHECIDO. Aqui, supõe-se que o Estado não seja reconhecido. Falta-lhe personalidade de
direito das gentes. No momento em que vivemos, já a Terra, toda ela, está distribuída. O que se descobre é dentro,
ou em continuação de paises. O que mais acontece é um pedaço do país reconhecido desligar-se. Então, cabe ao juiz
aplicar a lei do Estado a que ele pertencia: para o Estado do juiz, os limites continuam os que eram. O
reconhecimento pelo seu governo é que cria a personalidade de nôvo Estado.
Se o próprio Estado, a que o separado pertencia, não estava reconhecido, a questão passa a ser posta a propósito do
outro de que o Estado era parte.
Os efeitos do reconhecimento de um Estado são retroativos. A questão está em se saber até quando: se até a
constituição do nôvo Estado, ou se até o reconhecimento como beligerante. Duas doutrinas a do Estado nascido e a
do Estado nascituros. Aquela é a mais aceitável. Resta o caso do Estado do juiz ter entrado em relações
dissimuladas, em solidariedade, em tratos a favor do Estado nasciturus, isto é, trazidos ao direito das gentes os fatos
in favorem tertii; mas, nas espécies, só a firme observação dos fatos pode ajudar a decidir. Talvez seja o próprio
reconhecimento de fato que tenha começado ao tempo do Estado naseiturus.
O caso do testamento em território contestado por dois ou mais Estados, resolve-se de acordo com o ato político do
Estado do juiz terceiro, ou, já se vê, se juiz de um dos Estados disputantes, de acordo com o desse, ou, se esse tinha
reconhecido, antes, a jurisdição de outro, a desse. Se o nôvo Estado pertencia a outro ou outros Estados e ainda não
fêz a legislação civil, aplica-se a do Estado a que pertencia, ou as dos Estados a que pertencia, respeitadas as
discriminações territoriais antigas, se outra coisa não se estatuiu em lei do nôvo Estado.
4.Governo NÃO-RECONHECIDO E TESTAMENTO. É sem personalidade jurídica o governo: não pode contratar,
não pode suceder, ainda que testamentàriamente, e não pode estar em justiça (NOEL-HENRY, Les Gouvernements
de fait devant le juge, 125). Mas poderia ser beneficiado como população, como corpo coletivo, com o fim de
assistência (Código Civil brasileiro, art. 1.669). Os contratos de tal governo são nulos. Cumpre, porém, advertir-se:
é de objeto ilícito a disposição testamentária que tenha por fim encorajar a revolução em outro Estado, ilicitude que
fica à apreciação do juiz, porquanto
havendo guerra entre os dois países pode não haver ilicitude.
As decisões do governo não-reconhecido não têm exportação da eficácia de coisa julgada, sem que valha o
argumento de se tratar de Poder Judiciário; salvo se êsse Poder Judiciário pertence ao governo reconhecido e com o
governo reconhecido não cessaram as relações.
O governo não-reconhecido não legisla, validamente, para que as justiças dos Estados que o não reconheceram
tenham de aplicar as suas leis. O juiz do outro Estado não aplica as leis, os decretos e os regulamentos dele
emanados. O reconhecimento é indispensável ao efeito no território nacional do juiz: sem reconhecimento, não há
extraterritorialidade. Não cabe discutir se ofendem, ou não, a ordem pública, as eficácias das suas regras jurídicas: é
preciso supor-se aplicabilidade, para que isso se possa discutir. Então, a legislação aplicável?
Ex hypothesi, o Estado é reconhecido; quer dizer: coutinua reconhecido. O governo é que o não é. As soluções
assaz relevantes em matéria de testamento e de sucessões legítimas têm sido discordantes: a) o direito natural, disse
julgado italiano (Gênova, 19 de maio de 1923); b) a lex fori; c) a lei do estatuto pessoal antes do nôvo governo
não--reconhecido (e. g., legatários universais venceram, de acordo com a velha lei russa, já revogada na Rússia,
herdeiros de sangue, que, pelo direito francês, seriam necessários) ; d) a solução da rejeição das leis novas, se contra
a ordem pública, e aplicação das nacionais (foi o que fêz a Alemanha, firmada no art. 30 do Einfi2hrungsgesetz:
“exclui-se a aplicação de uma lei estrangeira, se a aplicação fôr contrária aos bons costumes ou ao fim de uma lei
alemã”).
A Rússia aboliu, pelo Decreto de 27 de abril de 1918, qualquer vocação hereditária: a República recebia todo o
acervo. Depois, veio o Código Civil, que estabeleceu, embora restritíssimo, o direito de sucessão. Durante a
vigência do Decreto de 1918, os Estados não aplicaram o direito soviético, ainda aqueles que reconheceram o nôvo
governo: o Direito resistia ao fenômeno político. É uma das suas características:
ser mais estável, menos mudável, que a política. Depois de se restabelecer o direito de sucessão, as limitações não
pareceram bastantes para a invocação da ordem. pública (salvo ao Tribunal de Atenas, em 1923). O Código Civil
evitou a acumulação de fortunas, fêz mais próximo o grau de parentesco sucessível (coisa que, em bom senso,
ninguém pode reprovar, e não se justifica a sucessão, por exemplo, até o 6.0 grau). Atitudes semelhantes de
limitação observaram-se e observam-se cada dia na França, na Bélgica e na Alemanha. Essa, pela Convenção
Consular de 12 de outubro de 1925, excluiu qualquer indagação de ordem pública. Donde a solução: quanto à forma
dos atos, rege a lei do nôvo governo estável; quanto ao intrínseco e à capacidade, a lei que antes do nôvo governo
os regia.
5.GOVERNO RECONHECIDO E TESTAMENTO. Para o juiz do outro Estado, o governo reconhecido tem o
exercício da personalidade jurídica e da soberania do Estado que ele representa.
Reconhecido o governo, reconhecidas estão as partes componentes dele (Estados particulares, Municípios,
estabelecimentos públicos), bem como as coisas julgadas e os reconhecimentos da personalidade das instituIções
particulares. A questão de ordem pública só se levanta se o julgado, ou a lei. ofende a ordem pública territorial. É
aqui que se dá o conflito de leis. A solução é no sentido de se salvaguardarem os interesses individuais do nacional
(Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, art. 17).
Se o governo reconhecido só o foi de fato (não se trata de reconhecimento de governo de fato, mas de
reconhecimento de fato), a regra é que o governo reconhecedor dê as diretivas, salvo circunstâncias que desmintam
essas diretivas, ou impliquem solução diferente, ditada pelos fatos e pelos princípios jurídicos. Se não há aquelas
diretivas, ou se não deve havê-las, o juiz dá ao reconhecimento de fato as mesmas consequências que ao
reconhecimento de direito. Solução dos juizes americanos: State of Yucatan versus Argumedo (S. C. of New York,
1915, em WRIGHT, Suits brought by foreign States with unrecognized Governments, American Journal of
International Law, 1923, 744). Solução inglêsa: ainda contra a indicação do governo (Luther versus James Sagor,
1921).
Mas intervém a discussão da retroatividade: a) ~ O reconhecimento retroage a ponto de invalidar o que se legislou e
foi feito de acordo com as leis do tempo anterior? b) ~ O reconhecimento retroage a ponto de invalidar o que se
legislou durante a luta (governo de iure), ou foi feito de acordo com a lei anterior ao governo reconhecido? Aqui,
não devemos seguir a opinião raciocinante dos americanos (retroatividade até o começo da nova ordem, Williams
versas Bruffy, 1877), aplicando o juiz do pais reconhecente critério mais próprio do juiz interno (a que aquele caso
de 1877 se referia, Underhill versus Hernandez, 1897; Oetjen versus Central Leather Co., 1918; Rigaud versas The
A. Metal Co.). Nem as dos tribunais inglêses, que seguiram o exemplo americano, na falta (reconhecida, no caso
Luther versus Sagor) de precedentes inglêses. Tão-pouco deve servir-nos o argumento da declaratividade do
reconhecimento C. DE VISSCHER, Les Gouvernments étrangers, Revue de Droit International et Légi.slatíon
comparée, 1922, 151): seria o poder político estatuindo para o passado, e o poder político só estatui para o futuro.
(O sinal que afeta a política é e não +; é 2, e não 1), como o Direito, regulador da retroatividade da lei, regulador da
atividade política, só até onde encontra resistência de ordem jurídica, isto é, até 1). O reconhecimento é ato que
opera desde a sua data: não digamos, como NOEL-HENRY (Les Gouvernements de fait devantle juge. 177), que
seja atributivo, e não declarativo; ele declara, como todo ato de caráter político, desde a data: como se nomeiam,
como se designam delegados, como se assinam tratados, convenções.
No caso State of Yucatan, o governo estava em juízo; o reconhecimento, retroagindo, diz-se, tornou válida a ação.
Não há, aí, retroatividade. Nem o argumento da inútil exigência da outra ação pode satisfazer. Assim, contra NOEL-
HENRY (Les Gouvernements de fait dcv ant le juge, 177), entenda-se que a capacidade de direito, a personalidade,
não está sujeita à irratificabiliclade dos atos nulos: a superveniência não os ratifica, como aconteceria aos atos
anuláveis, mas tira ao juiz, no momento em que decide, a faculdade de ver, no passado, o pressuposto de
capacidade de direito do autor ou do réu.
Se o Estado cujo governo foi reconhecido é beneficiado em testamento, e a morte ocorreu quando esse ainda não
estava reconhecido, mas reconhecido o Estado, a personalidade existe. Faltou o exercício.
Se a lei anterior ao reconhecimento admitia a forma testamentária que, no intervalo, o juiz terceiro não admitia, a) o
reconhecimento valida toda a série de atos que foram praticados antes do reconhecimento do nôvo governo de
acordo com as leis desse; portanto, valem os testamentos. b) São válidos os testamentos feitos no país do governo
ainda não reconhecido, de acordo com as leis do governo de jure ainda não definitivamente decaído, (atenda-se à
distinção) no estrangeiro, antes do reconhecimento do nôvo governo. Duas séries de atos, criados pelas
contingências. Na espécie b), pode ocorrer que se levante a questão das abolições com cará~ter de ordem pública,
mas o juiz terceiro somente atende a isso se praticado depois da queda definitiva do governo de u~re e se a abolição
não fôr contra a ordem pública territorial.
1.CAPACIDADE PARA TESTAR. A lei que rege a capacidade para testar é a do momento da morte do testador. O
artigo 1.628 do Código Civil nada tem com o assunto, porque só se refere à incapacidade superveniente, não à lei
superveniente.
2. ESPÉCIES PROIBIDAS. Se a lei posterior elimina espécie de testamento, não se tem de considerar atingido o
testamento feito antes da lex nova. É o que hoje pensamos como outrora. A retratividade é vedada.
3.CONVALESCENÇA. Se o testamento regido pela lei do tempus era inválido, a lei nova não tem eficácia de
convalescença. Afasta-se, assim, a solução da Ordenança Oldenburguesa da 25 de julho de 1814, § 9, de A.
MAILHER DE CHASSAT (Traité de la Rétroactivité des bis, II, 27), GRANDMANCHE DE BEAULIEU (De
l’Étend~e de l’Autorité des bis, 86), JEAN KALINDERO (De la Non-réti oactivité des bois, 119) e V. VITALI (La
Formct dei Testamento italiano, 157).
No tocante às condições, insertas em testamento, não há questão de direito intertemporal, que seja peculiar ao
direito testamentário. Tudo se passa com a superveniência de lei que lhes dá trato ou eficácia diferente como a
propósito de quaisquer negócios jurídicos.
No que é conteúdo do testamento, a lei do tempo da morte do decujo é que o rege, trate-se de regra jurídica cogente,
ou de regra jurídica dispositiva (e. g., a lei nova considera não escrita alguma cláusula ou disposição; a lei nova, na
falta de cláusula explícita, considera incluídos na quota indispensável os bens residenciais; se o testador dissera ser
inconsumível a herança de B, sômente por isso a lei nova não a tem como inalienável).
Só lei do tempo da morte é que diz como se têm de tratar as cláusulas contraditórias. Outrossim se está em causa a
sorte da disposição com condição fisicamente ou juridicamente impossível. O que era ilícito ou imóvel sob lei do
momento da feitura do testamento deixou de o ser, vale o que se dispusera. Se não era tido como ilícito ou imoral e
passou a ser considerado ilícito ou imoral, não vale.
A lei que rege o modus é a da data da morte.
Se ocorre que a lei do tempo da feitura proibia cláusula da inalienabilidade, ou incomunicabilidade, ou
impenhorabilidade. e a lei nova a permite, tem-se de atender a essa, se é a do tempo da morte do decujo. Idem, se,
em vez de vedar, a lei nova, do tempo da morte, apenas circunscreve ou atenua a extensão. Se a lei nova, do tempo
da morte, é que proíbe, ou circunscreve, ou atenua, tem de ser respeitada (E. ROSENBERG, Die Enterbung aus
guter Absicht, 143) . Se, em vez de proibir, ou circunscrever, ou atenuar, a lei nova estende a cláusula constritiva, a
extensão só é atendível se a regra jurídica da lex nova é cogente ou dispositiva; aliter, se interpretativa, porque o
testador não previa a lei nova.
A lei do dia da morte do decujo é que rege a validade e a eficácia, em se tratando de erro, de reserva mental, ou
de gracejo, ou de falsa demonstratio (nocet ou nou nocet).
A regra jurídica interpretativa do tempo da feitura pode ser invocada.
1. DIREITO E SOBREDIREITO. Importa saber-se qual a lei que rege a capacidade de testar e o ato do testamento.
No Brasil, a lex patriae era o estatuto; passou a ser a lex domicilii, isto é, a lei do último domicilio do decujo (Lei de
Introdução ao Código Civil, Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, art. 10: “A sucessão por morte ou por
ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a
situação dos bens”; § 1.0: “A vocação para suceder em bens de estrangeiro situados no Brasil será regulada pela lei
brasileira em benefício do cônjuge brasileiro e dos filhos do casal, sempre que não lhes seja mais favorável a lei do
domicílio”; § 2.0: “A lei do domicilio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder”. Cf. Constituição
de 1967, art. 150, § 33.
2.REMISSÃO À LEI ESTRANGEIRA OU REGRA JURÍDICA DE REENVIO. O direito de um Estado não pode
impor a outro Estado o que não concerne a nacionalidade que ele atribui à pessoa, ou ao domicílio. No art. 16, a Lei
de Introdução ao Código Civil parece pré-excluir o reenvio: o que se há de entender é que não afastou a
remissibilidade (lei-conteúdo) se o Brasil não é o Estado da nacionalidade, nem o do domicílio. Se o decujo era
domiciliado, ao morrer, no Estado de que era nacional, não há questão. Se era domiciliado em Estado de que não era
nacional, e a Estado da nacionalidade e o do domicílio têm a regra jurídica de a sucessão ser regida pela lei do
último domicílio, ou pela lei da nacionalidade, entre os dois Estados não há divergência. Se o Estado da
nacionalidade impõe à sucessão a lex patriae, sem que o faça o Estado do último domicílio, o problema de direito
internacional privado é entre eles, e o juiz brasileiro na falta de decisão entre eles tem de atender à lex domicilii,
em virtude do art. 16 da Lei de Introdução ao Código Civil. “Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver
de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a
outra lei”. Se, porém, o Estado do último domicílio assenta que a sucessão é regida pela lex patriae, seria absurdo
que a Justiça brasileira impusesse a regra jurídica do art. 10 da Lei de Introdução ao Código Civil.
A lei de nacionalidade, ou do domicílio, conforme os princípios (no Brasil, a lei do domicílio), é que rege o
conteúdo do testamento, posto que possa ocorrer a espécie do art. 150, § 33, da Constituição de 1967. É tal lei que
estatui quanto as quotas disponível e indisponível, a deserdabilidade, as condições (resolutivas, ou suspensivas, quer
quanto à validade, quer quanto à eficácia, quer quanto às conseqüências da impossibilidade física, jurídica ou
moral).
Quanto às cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, a lei que apanha o conteúdo do
testamento também as atinge .~- Mas, devido à situação dos bens e exigências registárias ou outras exigências
locais, tem-se de obedecer à lex rei sitae. Não se fale, aí, de choque, mas sim da incidência e da aplicação de dois
princípios (cf. ERNST FRANKENSTEIN, Interna tionales Priva trecht, II, 62). O estatuto real decide quanto às
cláusulas que atinjam os bens, restritivas de direito, sem que se afaste a incidência do estatuto pessoal quanto à
permissão delas e o dever e a obrigação que resultam para os herdeiros e legatários, ainda mesmo quando o estatuto
real não admite a gravação.
3.VOCAÇÃO HEREDITÁRIA. A vocação hereditária é determinada pela lei sucessoral: os fatos necessários a
fazer herdeiro a alguém (parentesco, casamento) são determinados pela lei do domicílio do falecido. Quer se trate de
sucessão legítima, quer de sucessão testamentária. Quanto aos contratos de herança, não se justificaria que outra
fosse a lei competente (quanto à lei nacional, L. VON BAR, Theorie und Praxis dês internationctlen Privatrechts,
II, 340; ERNST ZITELMANN, Internationales Privatrecht, II, 96 s.). A questão de ordem pública pode intervir,
porém não pelo simples fato de se tratar de ato bilateral.
4.RENÚNCIA, EM VIDA DO DECUJO, PELO SUCESSÍVEL. A renúncia, aí, é convencional, e rege-se pela lei
do domicílio do decujo, ou pela lei nacional, conforme o sistema jurídico. O sucessível renuncia o direito eventual
(antigo Código Civil italiano, art. 954), a expectativa hereditária. Assim, os Códigos Civis alemães, §§ 2.346 e
2.352, suíço, ad. 495, e austríaco, § 551.
O Código Civil francês e outras legislações proibem o~ pactos sucessórios. Os Estados que têm a renúncia
submetem o caso à lei sucessoral, e não podem discutir ordem pública. Os outros ou acolhem a solução da situação
dos bens como lei de sucessão e então a questão de ordem pública é sem sentido; ou têm como incidente a lei
nacional do falecido, e então cabe examinar-se se há conflito, ou se não o há: se não há conflito toblitur quaestio; se
há, isto é, se o decujo tem filho brasileiro e esse é o herdeiro, a lei sucessoral é a brasileira, e o Brasil. por farsa da
lei, e não por motivo de ordem pública, considera nulo o contrato de renúncia para ser coerente, ainda quando o
renunciante seja estrangeiro.
7.MOMENTO DA ABERTURA DA SUCESSÃO. A lei do último domicilio do falecido é que decide do momento
da abertura da sucessão. O momento é o da morte do decujo, segundo a quase totalidade das legislações. A morte
civil, que outra lei acolhesse, não seria operante, porque constituiria caso típico de aplicação do princípio relativo a
ordem pública: a morte civil é contra os princípios superiores de direito, revelados no inundo contemporâneo.
A questão de saber se uma pessoa ausente pode ser chamada à sucessão rege-se pela lei da sucessão; e não pela lei
pessoal do ausente. Mas a doutrina não é pacifica. Se essa lei manda presumir vivo, P. FIORE (Disposizioni
generali suíla publicazione, applicazione cd interpretazione delle leggi, II, 345) era pela lei da sucessão; no mesmo
sentido, HANS LEWALD (Questions de Droit international des Successions, Recuei 1 des Cours, IX, 62). Mas, se,
pela legislação do domicilio do au-Lente, ele já fôra declarado morto, ou já se lhe abriu a sucessão, por presunção
definitiva (e.g., Código Civil, arts. 481-483), não pode ser chamado à sucessão de alguém. Se aparece, no caso do
art. 483, a lei da sucessão é que decide: porque o direito de família só tem, a respeito, conseqüências negativas; não
pode ter positivas, se a lei da sucessão as nega.
No caso de comorientes, rege a lei de sucessão: ela estatuírá o que diz o Código Civil francês, arts. 720-722, ou o
que está no Código Civil brasileiro, art. 11 (presunção da simultaneidade), à semelhança do alemão, § 20, do
holandês, 875, e do suíço, art. 32, alínea 2.
Outros dizem recai sôbre toda a coisa: o que se limita é o só. exercício (E. NAQUET, C. GuÉNÉE, FRANÇOIS
GÊNY). R. QUÉRU invocou o condxnninium plurium in solidum.
Contra tal assimilação do fato sucessório ao fato de direito de propriedade, manifestam-se: CHAMPINNIÊRE,
RIGAUD’ e F. LAURENT (P’rincipes, X, ns. 212 e 393), que foi ao ponto de lhe recusar o carâter de direito real.
Outros pretendem que se trata de direito condicional dos co-herdeiros, e daí a retro atividade do art. 883 do Código
Civil francês: condição resolutiva, para C. DEMOLOMBE (Cours, XVII, n. 264); condição suspensiva, para
MARCEL PLANIOL (Traité, III, n. 2.379).
Na Alemanha, há os que postulam a indivisibilidade absoluta e para os quais a quota representa direito pessoal, quer
atribuam à coletividade o caráter de pessoa jurídica (CHE.G.KONOPACK, Die lnstitutio-nen des rõmischen
Privatrechts,. § 206), quer se satisfaçam com a idéia do sujeito coletivo (G.DIEZ, Zur Lehre vom Miteigenthum, §§
1 e 2; A. BRIN4 Lehrbuch der Pandekten, § 131). Há os que, admitindo a indivisibilidade da propriedade,
reconhecem que a compropriedade. implica fracionamento. Fracionamento de quê? Do vaior do objeto, respondem
os partidários da Wertteilungstheorie (W.GERTANNER, Die Stellung der Sache und der Eigentumsbegriff, III, 55;
P. STEINLECHNER, Das Wesen der iuris communio un.d iuris quasi communio, 1, 109; JOSEF KOHLER,
Gesammelte Abhandlungen, 1, n. ‘7, 161 s.). Das qualidades materiais do objeto, decomposição do corpóreo em
incorpóreo, cujo conteúdo esgota o direito de propriedade advertem, em resposta, os adeptos das
Sachteilungetheorien (B. WINDScHEID-TH. KIPP, Lehrbuch der Pandekten, 1, § 142; OTTO KARLOWA,
Rômische Rechtsgeschichte, II, 1, 40; II. GÓPPERT, Beitriige zur Lehre vom Miteigntung, 15; e OITO VON
GIERKE, Deutsches Privatrecht, II, § 103, 48, para o final).
Na sucessão primitiva, em que o herdeiro, comproprietário do patrimônio, só ia ocupar a administração (digamos,
vaga por morte), era imediata, ipso facto, a transmissão. O suns heres não precisava aceitar (adire) a sucessão.
Tratava-se de sobrevivência da personalidade jurídica do pai do filho herdeiro, aliás herdeiro, em parte, de si
mesmo. Logicamente, era imprescritível; daí o adágio perseverante no direito romano:
hemel heres semper heres. Sucessão pessoal, não podia faltar.lhe o caráter de universalidade.
A questão do herdeiro legítimo que herda por mais de um fundamento legítimo não tem grande interesse em nosso
direto, porque os mais próximos excluem os mais remotos e não há representação além dos casos do Código Civil,
arts. 1.620-1.º,25.
3.ACEITAÇÃO. A aceitação pertence àqueles atos que não admitem condição nem termo. O direito romano já
falava de actus legitimi qui non recipiunt diem vel condicinem (L. ‘7’?, D., de diversis regulis iuris antiqui, 50, 17)
hoje, entram, em tal classe, e. g., o casamento, a adoção, o reconhecimento de filho, as aceitações de heranças e
legados, o cargo de testamenteiro.
No direito brasileiro, EDUARDO ESPÍNOLA (Manual do Código Civil brasileiro, III, 2ª parte, 91) disse ser nula a
aceitação condicional: é como se nada houvesse declarado o aceitante. O interessado em saber se aceita, ou não, tem
de pedir que seja intimado a declarar. E a parcial?
O silêncio foi igualmente danoso aos franceses e aos italianos. Cumpre distinguir: a) Se houve aceitação tácita, essa
deriva dos atos praticados, e não de qualquer declaração que acaso ocorra. b) Nula, pode ser condicional, ou a
termo, a aceitação, aceita pode estar a herança pelos atos de que se induza a tácita aceitação. Aceitação nula não
quer dizer renúncia. A renúncia tem de ser, sempre, expressa. Se infringe a lei, não se deu. Mas uma coisa é
abstenção ou renúncia que não se deu, e outra, aceitação: é nula, mas o prazo para deliberar continua, e não houve
aceitação. Não há razão para reputar total a renúncia parcial, nem a aceitação parcial. Seria vestigium antiqui iuris.
E o princípio do art. 1.572 não é romano. A própria indivisibilidade do que se refere no art. 1.583 aparenta-se ao art.
1.572, e não ao pro parte adire non potest, com a sanção da validade total. A nulidade é a melhor solução. Quis-se
uma coisa e outra e não uma só; portanto a contradição existe, invencível.
O princípio da indivisibilidade é de interesse público; por isso não torna válida a renúncia o fato de terem os outros
herdeiros tomado posse da parte de bens que o renunciante pôs de parte.
~A aceitação ou a renúncia, condicional ou a termo, vale sem o termo ou condição, ou se vicia com a aposição?
Solução romana: nulla aditio est. No Preussisches Alígemeines La~ndrecht, 1, 9, §§ 394-396), qualquer infração do
art. 1.583 constituiria nulidade (ineficácia) da declaração. O Código Civil saxônico distinguia: nula, no caso de
aposição de termo ou condição; válida como total, se feita parcialmente. Assim, o Código Civil alemão, §§ 1.947 e
1.950, que separou as disposições (condições, termos; parcialidade).
Se o herdeiro renunciou antes da morte do decujo não vale a renúncia. Esse sucessível pode, após a morte, aceitar
(F.HERZFELDER, Erbrecht, J. v. Staudingers Kommentar, V, 103).
A Fazenda não pode renunciar a sucessão legítima. Pode deliberar quanto à sucessão testamentária. Tal regra
jurídica, expressa no Código Civil alemão, § 1.942, alínea 2ª, deve aplicar-se no Brasil; porque é o próprio Estado
que cria a sucessão legítima e a regra jurídica do Código Civil brasileiro, art. 1.603, interessa à segurança jurídica.
Mas, se renuncia a herança como herança testamentária, e não há outros herdeiros, recebe-a na qualidade de
herdeiro legítimo.
4.RENÚNCIA. Se o herdeiro renuncia a herança e algum seu credor, ou alguns dos seus credores, ou todos os seus
credores a aceitam e depois se julga a indignidade do herdeiro, ou de algum, ou de alguns, ou de todos, são
aplicáveis os arts. 1.598, 1.600 e 1.601 do Código Civil. Vale dizer: a) os credores aceitantes em nome do
renunciante restituem os frutos e rendimentos que dos bens da herança houverem percebido; b) são válidas as
alienações de bens hereditários e os atos de administração legalmente praticados pelos credores antes da sentença de
exclusão; c) se houve prejuízo aos co-herdeiros,. os credores têm de indenizar; d) os credores têm direito a
quaisquer despesas feitas com a conservação dos bens hereditários. Restam as questões resultantes de confusão e da
compensação dos créditos. O credor não teria direito, porque a lei diz “cobrar os créditos, que lhe assistam contra a
herança”, o que exclui os efeitos quanto a ele, com bom fundamento na doutrina; o credor aceitou pelo herdeiro,
mas é terceiro, quanto aos outros herdeiros: seria eficaz, quanto a eles, a datio ia solut um, que é alienação (art.
1.600); quanto a confusão ou à compensação, o art. 1.024 seria, nesse caso, incompatível e afastado pelo art. 1.600.
Não se trata de efeitos da aceitação em nome do herdeiro:
essa é como se não tivesse havido, pois que, com a sentença de exclusão, não há efeitos da aceitação, nem da
renúncia; o que se levanta é a questão das relações jurídicas entre herdeiro enquanto não julgado indigno (pois foi,
realmente, herdeiro, e não herdeiro aparente como erradamente se tem dito) e os terceiros, relações jurídicas
previstas no art. 1.600. Tal sucessível é responsável pelos prejuízos que da aceitação em seu nome tenha havido;
mas, para isso, deve ele opor-se ao uso do art. 1.586 antes de julgada a acusação de indignidade já proposta. O juiz
tem de atendê-lo.
O art. 1.602 contém duas regras jurídicas: a) o excluído da sucessão não tem direito ao usufruto e à administração
dos bens, que a seus filhos couberem na herança; b) o excluído não tem direito à sucessão eventual desses bens.
A situação do pai ou da mãe, no caso da letra a (Código Civil, art. 391), é idêntica à que o sucessível teria se os bens
tivessem sido deixados ao filho com a exclusão do usufruto, paterno ou materno (art. 390, 1) e a cláusula de não
serem administrados pelos pais (art. 391, III) . Compreende-se facilmente. Sendo fundada em- presumida vontade
do hereditando a exclusão por indignidade, deve presumir-se (ou, pelo menos, teria de ser admitido que se
presumisse) a exclusão do usufruto e administração de tais bens.
O segundo caso, que é o da letra b), contém regra jurídica de efeitos pessoais, é certo; mas já noutra sucessão. A
doutrina francesa fora contrária à ilação que o Código Civil brasileiro acolheu, mas devemos interpretar que a
indignidade extensiva do art. 1.602, ia fine, só se refere à sucessão dos herdeiros do filho (ou neto, ou bisneto) do
indigno. Tal interpretação restritiva se justifica de si mesma. Aliás, a letra da lei não admite a atitude estranha de
CLÓVISs BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 51), que o alargara além da letra da lei, e depois o censurou.
Se já houve entrega do legado, o legatário indigno tem de restitui-lo; se já o alienou, tem de restituir o valor. No
‘caso de o legatário ser devedor, a quitação dada fica sem efeito; se houve entrega de título, o herdeiro pode exigir a
restituição ou exigir o crédito. Se o testador mandar que se compensasse o legado feito ao credor, a compensação é
como se não se tivesse operado. Se, entregue o título da dívida do espólio ao legatário, esse a compensa com algum
dos seus credores, ‘vale a compensação.
5.LEGADO E “MODUS”. A lei que rege a sucessão rege ~o que concerne aos legados e aos modos. Quanto à
responsabilidade do herdeiro pelo legado, ou do legatário, ou de quem recebe a herança, ou o legado, com restrição
modal, a lei da sucessão é que decide.
No tocante à interpretação da disposição de legado ou modal, é a lei da sucessão, porque ela atende à ligação do
testador à nacionalidade, ou ao domicílio, conforme o estatuto.
Se se trata de modas, ou de simples recomendação, ou de outra espécie que não vincule o beneficiado, dá-se o
mesmo.
CAPÍTULO V
1.SEPARAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES. Cada liberalidade deve ser tratada como negócio jurídico diferente: esse
princípio é de grande importância prática. Porque, por exemplo, a condição juridicamente impossível para o legado
do fideicomisso, imposta ao fideicomissário, não pode viciar a instituição do fiduciário (salvo o caso
excepcionalíssimo de ser principal a segunda instituição). Uma das principais consequências: o legado é outra
disposição, ainda quando o testador diga: “Instituo a A com a condição de comprar uma casa para B, do valor de
duzentos mil cruzeiros novos”. Qualquer que seja o motivo da exclusão de A ou da ineficácia da instituição, o
legado, por isso, nada sofre. Cumpre-se o legado, com a compra da casa. Não assim se o legado depende
expressamente da aceitação da herança por parte do herdeiro encarregado (cp. EMIL STROHAL, Das deutsche
Krbrecht, 1, 215).
1. PRESSUPOSTOS DE VALMADE. A validade do ato jurídico requer: a) agente capaz, o testador, de cuja
capacidade já se tratou (quanto à capacidade do beneficiado, o assunto pertence aos arts. 1.717-1.720 do Código
Civil; cp. arts. 82, 145, 1, 1.627’ e 1.628) ; b) objeto lícito (arts. 82, 145, II); c) forma prescrita em lei (arts. 82, 145,
III, IV, 130)
Das formas testamentárias cogitar-se-á, largamente. A lei não admite outras formas que as reguladas nos arts. 1.629-
1.663 do Código Civil.
2.HERANÇA E LEGADO. Instituição de herdeiro é a nomeação feita pelo testador de uma ou mais pessoas,
naturais ou jurídicas, para lhe sucederem a titulo universal; isto é, no todo, ou em quota da herança. Mas, além
desse instituir com o caráter de sucessor universal, pode o testador referir-se a coisas suas e fazê-las passar, por
título singular, a quem lhe apraz. Objeto ou quantia, sôbre que recaia, é sempre a titulo particular, in singulas res, o
legado. Tais os conceitos. Mas as dificuldades surgirão e só a interpretação das verbas pode resolver. Por isso, é de
deixar-se ao estudo do art. 1.666. Herança é quota, quociente, ou qualquer relação com o todo, isto é, quantidade
abstrata, ou resultado de divisão que se vai fazer, ou feita, porém não uffidade em si, algo de irrelacionado com o
todo, porque isso é legado. Advirta-se: quem faz o legatário ou o herdeiro não é a relação, é a vontade do testador:
ele é quem nomeia, ele é quem diz “este é herdeiro, aquele é legatário”. O que, pela relação, seria legado, pode,
havendo outros dados, constituir herança; e vice-versa. Porque o beneficiado ou é herdeiro ou é legatário. As regras
jurídicas discriminativas segundo a natureza das deixas só incidem quando a intenção do testador não ressalta. Se a
intenção ressalta, nem cabem as regras jurídicas discriminativas, nem a interpretação literal. Mas a herança,
necessàriamente, envolve relação (ainda que não aritmética) com o todo. (Nada tem que ver com a distinção de
herança e legado o conceito de universitas, salvo a universitas iuris do patrimônio.)
Diz-se que a vontade do disponente não pode deformar os elementos essenciais constitutivos do próprio negócio
jurídico
§ 5.696. VONTADES ULTIMAS
(VITToRIo POLACCO, Deile Successioni, 1, 248). Seria certo, no direito das coisas, no das obrigações e, às vezes,
no direito testamentário; porém não aqui, onde o disponente no dizer que A é herdeiro e B é legatário tem toda a
liberdade. Há confusão, que cumpre desfazer: a) a qualidade de herdeiro ex testamento ou de legatário só resulta da
vontade do testador; b) herança é uma coisa, legado é outra. Mas, se o legado é a herdeiro, e entra na possibilidade
conceptual desse, ou na possibilidade relacional com o todo, perde os caracteres constitutivos, porque outros
intervêm; c) se a figura (legado, herança), a despeito da qualidade diferente do beneficiado (herdeiro, legatário,
respectivamente), resiste à influência alterante (resistência que, em última análise, somente pode provir de vontade
do testador, ou de texto de lei), então dá-se a coexistência de qualidades e, pois, de deixas: é herdeiro e legatário, ou
legatário e herdeiro. Em verdade, a luta foi entre qualidades. Confirmação do que dizemos encontra-se na divisio
parentum inter liberos, a partilha em vida, que, dos bens da metade disponível, faz o testador, ou simples declarante,
nos termos do Código Civil, art. 1.776, por ato entre vivos, e na partilha de todos os bens, ato que individua cada um
deles sem desfazer a qualidade dos herdeiros.
3.FUNÇÃO DO TESTAMENTO. O testamento é o envoltório das disposições de última vontade: muitos, que
sejam, fazem um, para se interpretar e se cumprir. Como todo, que contém as partes, a capacidade e a forma
prescrita concernem ao todo, e não às partes. Nesse ponto não há separação, salvo quanto a disposições que podem e
disposições que não podem vir em forma codicílar (arts. 1.651 e 1.653) e vedações de determinadas deixas, o que
não excetua a regra, porque atende a separabilidade das determinações testamentárias (cp. 1.719, 1.720 e 1.650, IV e
V). Da capacidade ativa de testar já falamos; quanto à capacidade de herdar, também; as formas constituem assunto
do estudo dos arts. 1.629-1.655. Resta-nos ~o exame do objeto lícito, em relação, não ao testamento em si, irias às
disposições testamentárias. Por motivo de método, trata-se, em primeiro lugar, da licitude ou ilicitude das
disposições sós, verbas principais, e daquelas a que são anexas outras determinações, como os encargos e as
limitações de poder, de que se falou no começo desse capítulo.
1.IMORALIDADE E INVALIDADE. Os processos sociais do Direito e da Moral não coincidem, mas há trechos
comuns. Específicos, mas em contacto. Aliás, todos os processos sociais de adaptação coexistem, sem se
confundirem, e deixam-se margem uns aos outros (Introdução à Sociologia Geral, 225 s.) : há a interdependência
dos processos adaptativos. Por isso mesmo, a atuação da Moral no Direito não precisa de textos de lei: é fato de
mecânica social. Noutros termos: seria anti-social a negação de tal interdependência nas relações individuais. A
ilicitude supõe a ofensa à ordem jurídica. A imoralidade, a ofensa à ordem moral.
A sanção por ilicitude ou imoralidade do ato jurídico constitui limitação social à autonomia privada dos figurantes.
Não precisa de texto legal (cp. Código Civil alemão, § 130). Se, pelo Código Civil, art. 115, pretendia o legislador
brasileiro circunscrever esse caso de interdependência social dos processos adaptativos, querendo que a nulidade só
apanhasse o que a lei vedou, errou palmarmente (o art. 115 diz que são lícitas todas as condições que a lei não vedar
expressamente). Pode parecer quo as outras não vedadas por lei, mas contra os boni mores são permitidas, e não
viciam os atos, nem se viciam. Não devemos, em matéria de terminologia, muito exigir do Código Civil: pois que,
em todo o corpo, intuito se descurou disso. A doutrina tem de sobrepor-se à obra inconsciente. O ilícito dos arts. 82
e 145, II, é o contra a lei e o contra os boni mores:
contra Direito e contra Moral. No art. 115, o legislador não podia querer que os dados imorais valessem, O ilícito
com que se objetivam atos ilícitos dos arts. 82 e 145, e condições ilícitas, é o contra os boni mores, os sittenwidrige
Geschãf te dos alemães, e o contra a lei: o Direito não pode ter a pretensão de discriminar, em toda a dimensão da
moral, o que é atendível, e o que não é atendível. Por isso mesmo, fracassam todas as tentativas de enumerar o que é
contra bonos mores: e a Moral procede a discrimes sutis, que põem em evidência gritante a inanidade dos
propósitos codificadores. Teremos ensejo de ver. Mais: de mostrar que a própria doutrina jurídica tem,
forçosamente, de estacar diante dessa empresa arrogante de trans-. mutação taxativa de valores, de conversão dos
fatos morais em~ fatos jurídicos. Daí termos falado em especificidade dos processos de adaptação social (Religião,
Moral, Direito, Ciência,. Política, Arte, Economia). Onde tal especificidade ressalta é exatamente onde a querem
violar, ou onde a pressionam: ela reage. No domínio pacifico, em que os processos coexistem, não se revela: os bons
costumes, em regra, quando respeitados, são de natureza negativa no domínio jurídico, porque não fazem nascer
direitos, nem deveres jurídicos. A infração, essa,. provoca o processo: se objeto, ou se condição de contrato, é. nulo
esse, se a lei não deu outra sanção (essa sim é direito, porque se trata de sanção da lei). Em matéria de jogo e aposta,
o Direito procede com igual respeito das regras morais. Por onde se vê como a técnica social adquiriu plasticidade e
como dá conta de todos esses pontos sensíveis, de que o encontro dos processos sociais semeia os fatos da vida.
2.CONTEÚDO DO ATO IMORAL OU Do ATO ILÍCITO. A determinação do conteúdo imoral e do ilícito é assaz
relevante:
se o objeto é ilícito iuro sensu (imoral, contra os bons costumes, ou proibitivo por lei), o ato jurídico é nulo.
Auscultador da ordem jurídica, ao juiz fica a apreciação das concepções dominantes no seu círculo social. Toda
enumeração seria perigosa e temporal. Mas o círculo social que ele ausculta não é, necessariamente, o do seu povo,
e sim o do lugar em que o negócio jurídico terá efeitos. Não é, tão-pouco, a concepção dos figurantes ou dos
testadores, e sim a do círculo social, que os’ envolve. Se eles vivem noutro círculo, que seja maior, esse, e não
aquele, prevalece. Em todo o caso, em certos pontos, deve o juiz compreender o influxo que os pequenos círculos ou
os pequenos meios exercem: o principio da igualdade de todas as apanhas conceptuais, de todas as fontes
jurídicas, perante a lei (apriorismo irritante de PHILIPP LOTMAR, Der unmora’lische Vertrag, 96 s.) teria a
consequência de tratar absolutamente do mesmo modo o que, todos sabemos, onimodamente difere. “Deixo x mil
cruzeiros a A, com quem vivi”: em relação a um homem solteiro, é moral, mas solteira é uma freira e, enquanto não
deixa o convento, em que está, nem se desliga do seu meio, não seria de se cumprir disposição que, em relação à
pessoa que testou, e ao meio em que vive, tão escandalizante parece. Outros falam em “opinião comum” (R.
SAVATIER, Dos Effets et de la Sancticrn du Devoir moral, 348). “Vontade geral”, “vontade efetiva da maioria”,
moral padrão, como se os conceitos estatístico-apriorísticos de maioria pudessem encobrir, apagar, ocultar, desfazer,
o realismo dos círculos sociais (cp. F. VON LIszT, Die Deiiktsobiígatiouen., 43; OT’rO DICK, Der Verstoss gegen
die guten Sitten in der gerichtlichen Praxis, Archiv filr Biirgerliches Recht, 33, 99 s.; HANS ALBRECHT
FISCHER, Die Rechtswidrigkeit, 81 s.; PONTES DE MIRANDA, Sistema, II, 604, e Introdução à Sociologia
Geral, 38).
No aplicar no seu país a lei estrangeira, ou o ato particular, é que o juiz aprecia, segundo o seu circulo, o ato. Mas,
ainda aí, volta-se ao problema local.
Na apreciação dos bons costumes, não se exige, nem se supõe a invariabilidade (ANDREAS VON TUHR, Der
Aligemeine Teil, III, 23, nota 8, onde adverte a II. DERNBURG, Das Burgerliche Recht, 1, § 125, II). Não se devem
reputar cãnones de moral que bastem e sejam absolutos para a caracterização dos bons costumes: a) as regras
convencionais de mera exteriorização social; b) as regras’ de outros processos adaptativos, ainda que de moral
interna deles (Religião, Política, Economia), pois, ai, há um plus, como ocorre às regras religiosas, ou défice, como
sucede a certos grupos econômicos ou profissionais; c) as regras de círculos assaz restritos. O ponto de vista do juiz
é o do circulo a que corresponde a lei, ou os maiores, quando esteiam em causa.
Também não podem ser conceitos dos bani mores: a) o modo de ver dos partidos políticos legisladores; b) a opinião
subjetiva dos juizes. Seria perigoso e insocial subjetivismo. Tem de ser a Moral de determinado povo, do lugar onde
se aplica a lei. Tal concepção também há de ser observada para se definir, no direito internacional privado, o que são
os bons costumes. Pela formação histórica do Brasil, há conteúdo católico cristão na Moral, que o juiz consulta.
Mas a consulta não é direta à Religião, é aos fatos, à realidade em que a Religião introduziu as suas convicções,
suscetíveis de mudança, inclusive por influência protestante ou de livre pensamento.
Na concepção dos boni mores, o juiz não é obrigado a conformar-se com os estalões dominantes, formais, se eles
contradizem ou se chocam com a sua consciência (EDUARD HÓLDER, Zum allgemeinen Theile des Entwurfs
eines BGB., Archiv fiir die civilistische Praxis, 73, 702). Também ele e porque não principalmente ele? é fator
precioso na crítica de julgamen‘tos superficiais, que sacrificam às aparências sérias forças humanas, muitas vezes
sancionam contra as mais puras normas das religiões dominantes. Nos próprios países de cristianismo oficial, há
preconceitos, modos de ver e de apreciar os atos alheios, inclusive por parte de alguns padres e pastôres, que
destoam dos princípios cristãos e incidem nas suas mais ‘vivas condenações.’
Os círculos menores ou especiais não podem dar o conceito do que é moral, mas o ato praticado pode ser apreciado
em sua imersão no meio, isto é, tomadas em consideração as situações de vida em que estavam as partes ou o
testador (E. RIEZLER, Alígemeiner Teil, J. v. Staudingers Kommentar, 1, 532; L. JACOBY, Recht, Sitte und
Sittlichkeit, Jherings Jahrbitcher, 41, 111; ANDREAS VON TTJHR, Der Alígemeine Teu, III, 24; PH. LOTMAR,
Der unmoralische Vertrag, 96 5.; IIANS ALBRECHT FISCHER, Die Rechtswidrigkeit, 81 s.). O que é~preciso é
que não se sacrifique o conceito: o caso em si é que se desveste, por outras considerações, da gravidade a priori.
3. BONS COSTUMES. Temporalmente, ~qual o momento que deve decidir do conceito de bons costumes? ~ O da
legislação, isto é, a concepção dominante, ou aplicável, quando entrou em vigor a legislação? ~‘, Ou a que incide ao
tempo da apreciação pelo juiz? Nem uma, nem outra, responde E. RIEZLER, Alíge‘meiner Teil, J. v. Staudingers
Kommentar, 1, 532; a do tempo sob o qual o ato se praticou. Se em testamento ou codicilo? Não cogitou disso. A
questão depende da outra, que será, em seu ensejo, versada: ~ aprecia-se segundo a legislação da feitura do
testamento, ou segundo a legislação ao tempo da morte, a licitude de um legado?
A ilicitude tem de ser apreciada em cada caso. Seria erro dizer-se “tal legado à amante” é nulo. Seriam erros todas as
afirmações que pressupusessem julgamento a priori da validade das heranças ou legados. A conformidade ou ofensa
aos costumes tem de ser vista, verificada, em cada caso, ou porque dependa a gravidade de circunstáncias subjetivas
(por exempIo, ser casado o testador), ou porque as circunstâncias objetivas a caracterizam. É a lição conspicua (E.
MEISCHEIDER, Die letztwilligen Verfi~gungen, 120; EMIL STROHAL, Das deutsche E~rbrecht, § 25, n. 1, 7,
144; PAUL MEYER, Das Erbrecht, § 25 notas 71 s.). Assim, a condição de não mudar de religião e a de entrar
noutra, são consideradas ilícitas. Porém não no é a primeira, se o beneficiado é padre: foi deixado legado com a
condição resolutiva para quando abandonar as vestes e a profissão. Outrossim, vale, se a deixa foi para fundação
cujos chefes serão A, B e C, se esse, que hoje é protestante, se tiver convertido ao catolicismo. Outro exemplo.
Testador, tio, ou padre; verba: “deixo a A, minha sobrinha, filha de minha irmã, católica, e do marido, pastor
protestante; se, ao tempo de minha morte, A for católica, recebe toda a minha herança; se protestante, o têrço em
fideicomisso, sendo fiduciária a Mitra”. Vale. Mais outro exemplo. Testador, pai, protestante; verba: “deixo a parte
disponível à minha filha; se, ao tempo da minha morte, tiver meu filho desistido de ser padre católico, receberá
metade”. Vale. Os exemplos servem para mostrar que não se podem tratar no mesmo pé de igualdade a disposição e
a condição. A condicio in praesens afasta, em muitos casos, a aplicação da regra jurídica nulificante; bem assim, a
in praeteritum.
6.CONHECIMENTO DE ILICITUDE. Discute-se se, para haver ilicitude, é preciso que o disponente ou o
favorecido a conhecesse. Distinga-se, para melhor se apanharem os aspectos:
a)o disponente conhecia a razão de ilicitude, ou a da imoralidade; b) o disponente não a conhecia, nem a conhece o
beneficiado; c) o disponente não conhecia, mas o beneficiado conhecia; d) só o disponente e o beneficiado
conheciam; e) só o disponente e o beneficiado não conheciam: o público sabia. Pela distribuição, que ora se faz,
logo ressalta que a questão não é suscetível das soluções simplistas, como se pretende. Assim, há os que dizem não
ser preciso o conhecimento pelos figurantes ou interessados (F. RIEZLER, Alígemeiner Teil, J. v. Staudingers
Kommentar, 1, 533; ANDREAS vON TUHR, Der Alígemeine Teu, III, 24; PAUL OERTMANN, Aligemeiner Teil.,
nota B, 1, a, ao § 138); contra, a jurisprudência alemã, inclusive do Supremo Tribunal, a 30 de novembro de 1909,
Seufferts Archiv, 65, n. 88). Ora, não nos parece posta nos devidos termos a questão. Nos casos de a) nenhuma razão
há para disputas. Restam-nos os outros, mas todos só dependem do penúltimo: sé o disponente e o beneficiado
conheciam. Não houve escândalo, não houve passagem ao terreno jurídico, que é o dos atos exteriores e cujas
sanções são exteriores. Mas isso não prova que o perigo da nulidade não esteja iminente. Basta que se prove o que
eles, secretamente, sabiam. Invertamos o problema (letra e) : só eles não sabem. Aqui, o ato é nulo, porque o ato
imoral passou ao campo do direito: a lei pode cortá-lo cerce, porque a nulidade interessa à ordem social, e não às
partes. Não M, pois, questão do «mhecimento, ou não, dos interessados.
Pode ser reputada ilícita a disposição, ou condição, que faça ridículo o beneficiado (F. HERZFELDER, J. v.
Staudingers Kommentar, V, 469), ainda que ele não no perceba. Tal argumento é assaz forte. Vem pôr ao vivo que o
fundamento do Código Civil, art. 145, II, ius cogens, nada tem com a convicção do interessado, nem com o
conhecimento que ele possa ter.
7.CONDENAÇÃO E NULIDADE. Simples condenabilidade não torna nulo o ato. Há um meio-termo, que não
permite a nulidade. Note-se bem que a sanção somente pode resultar de infração grave, de ato que rompa com os
melindres sociais, que fira a consciência pública. Censurabilidade e reprovação radical são coisas diversas. Não se
exigem aos negócios jurídicos a rigidez dos princípios morais, em toda a extensão e sensibilidade: se assim fôsse, o
conteúdo do Direito e da Moral coincidiriam; um e outro teriam a mesma aplicação. Dizer de um fora dizer do
outro. Nem isso, nos fatos, seria possível;, nem o Direito o estatui. E assim, dizem os juristas que a simples
condenabilidade de sentir não causa nulidade. Na matéria testamentária, ainda mais prudente deve ser o juiz; são
vontades últimas, vontades para depois da morte. Demos exemplo: a verba diz “tenho um prédio em que está um
bordel, sempre me rendeu bem, e, solteiro, sempre me doeu a sorte das inquilinas:
com uma delas tive relações, durante algum tempo, e por isso deixo-lhe o prédio, com o encargo de ser gratuito o
aluguer de cada uma das que, no dia da minha morte, lá estiverem: pagará, enquanto lá permanecerem, a conta de
casa de cada uma”. Pode ser condenável o modus faciendi de tal caridade. Mas a ofensa aos costumes não vai a
ponto de produzir a nulidade. É preciso atender às circunstâncias de vida de tal solteirão, e a que se há atos
absolutamente contra os bons costumes outros há que só o são relativamente (OITO DICK, Der Verstoss gegen die
guten Sitten in der gerichtlichen Praxis, Archiv fitr Bilrgerliches Recht, 33, 123 s.).
1.PRELIMINARES. As disposições testamentárias, por definição, devem estar no testamento. Mas até que ponto
vai a exigência não é questão pacifica. Aliás, em tal assunto, os códigos variam, e o intérprete ou juiz tem de
apreciar o caso de acôrdo com as concepções do direito que presidiu à feitura, mas sem desatender ao que possa Ter
imposto pela lei pessoal. A propósito, os princípios e as Explicações já foram insertos no volume anterior. Por isso
que também interessa à inquirição da vontade do testador, será objeto de estudo ao Código Civil, art. 1.666.
1.NEGÓCIO JURÍDICO UNILATERAL DO TESTAMENTO. Diz o art. 1.664 do Código Civil: “A nomeação de
herdeiro, ou legatário, pode fazer-se pura e simplesmente, sob condição, para certo fim ou modo, ou por certa
causa”. Veio do Projeto revisto, art. 2.051: “A nomeação de herdeiro ou legatário pode ser feita pura e
simplesmente, debaixo de condição, para certo fim ou modo, ou por certa causa”.
A regra jurídica do art. 1.664 concerne às disposições do testador, e não ao testamento mesmo. Aos efeitos
particulares, a cada verba testamentária, e não ao ato de testar. Há um testamento, ainda quando todas as vontades
contidas se tornem ineficazes, ou pela impossibilidade, ou pela não verificação das condições, ou pela ausência das
causas. Essa distinção, teórica e praticamente, é de grande importância.
O testamento é negócio jurídico unilateral, não suscetível de condição ou de exigência de causa; condições, causas,
existem as da herança e dos legados. A condicionalidade ou caráter treminativo da vontade última não se admite.
Exemplo: “este é o meu testamento, para o caso de morrer da operação que vou fazer”, ou “assim, disponho se não
voltar da guerra”, “este testamento só é para atender-se se morrer antes de 1973”. O ato do testamento não é,
portanto, suscetível de termo ou de condição; as disposições é que podem ser afetadas de termos e de condições.
Aliás, aquelas restrições não são propriamente condições ou termos: são motivos de testar no momento em que se
testa. E sem efeito jurídico (H. DERNBURG, Das Bi~rgerliche Recht, V, 131)
Não há representabilidade em se tratando de testamento. Isto é, não pode o genitor, ou o tutor, ou o curador, dispor
dos bens do descendente, ou do tutelado, ou do curatelado, a favor de outrem, ou de quem se inculcou tal poder.
Nem pode a pessoa que deseja testar outorgar poderes a alguém, para que
em nome dela teste. É a pessoatidade da atividade negocial testamentária que está em causa. Se o tabelião escreve o
testamento, porque o testador não pode escrever, ou porque não o sabe, a atividade do tabelião é apenas
instrumental. O testador dita, ou ouve o que o tabelião escreve e faz seu o que aquele escreveu, ou diz conferir com
o que dissera. O surdo-mudo que não pode exprimir a vontade é absolutamente incapaz. O louco, ainda se pode
exprimir vontade, é absolutamente incapaz. Dá-se o mesmo com o menor de dezesseis anos. A pessoa que, no
momento de testar, não estava em perfeito juízo, testou nulamente, porque há no Código Civil, art. 1.627, III, regra
jurídica explícita. Não basta a carta que o decujo envie ao tabelião, ou o recado por mensageiro, para que lavre o
testamento. O surdo, que sabe ler, lê o testamento. Se não sabe ler, designa alguém que o leia. A lei precisou as
formalidades indispensáveis.
2.CONDIÇõES VEDADAS. As condições “valerá esse testamento se minha mulher quiser”, ou outra semelhante,
ou “se ela o aprovar antes de morrer”, são vedadas. Um testamento não pode ser subordinado a tais condições. ~
Quid iuris, se o for? Não é condição juridicamente impossível que vicie o ato; é condição aposta a negócio lurídico
que a não permite. É indispensável a apreciação in concreto.
Se o testador disse “este é o meu testamento, que aqui fica no Brasil, enquanto me ausento, e quero que o cumpram
como está, se fora morrer”, interpreta-se como motivo de testar. Se escreveu “vou a Paris casar-me; se não efetuar o
meu casamento, mato-me, e então cumpram este testamento”, o juiz tem diante de si uma das mais graves questões:
se o testador não se casou, e se matou, há de interpretar como motivo de testar, e há de cumpri-lo; se o testador
casou, e morreu, de morte natural, não houve motivo de testar: houve cláusula rebus sic stantibus às disposições
contidas no testamento; se casou, e matou-se, a solução é a mesma: a mudança, que infirmaria as disposições, deu-
se, e ele podia ter testado diferentemente; se não casou, e não se matou, houve motivo de testar, e a expressão
“mato-me” não é condição: continha algo de insensato, que se não realizou, porém que não atinge nem o testamento
nem as disposições..
3.DELIMITAÇÕES DO ASSUNTO. O conteúdo do Código Civil, art. 1.665, não é relativo ao testamento em si,
mas às disposições que ele contém: herança, legados, modo. A fim de metodizarmos o estudo, separemos as
questões: a) heranças e legados puros e simples; b) heranças e legados sob condição; e) termo; d) fins e modos; e)
motivo.
4.DISPOSIÇÕES PURAS E SIMPLES. Os atos jurídicos ou são puros e simples, isto é, operam imediatamente e
para sempre, ou são ligados a determinações relativas a circunstâncias, ou ao conteúdo do próprio ato, ou a
autônomas determinações mexas. Donde: condições, termos e modus.
(Puro, porque não tem condição suspensiva; simples, porque não lhe tocam condições resolutivas, nem modus. Os
romanos, de onde nos vem o conceito de puro, consideravam o ato com a cláusula resolutiva, não como condicional,
mas pururn quod sub condicione resolvitur.)
Puras e simples podem ser todas as disposições testamentárias. A regra é esse atuar imediato à morte, e para sempre,
das vontades últimas. As regras legais intervêm exatamente para regular os casos em que não ocorre pureza e
simplicidade do querer: em que o testador diz, por exemplo, “lego a B o prédio x sob a condição de acabar com o
prédio que está construindo”, “lego a A, passando, por sua morte, a B”, “lego a A, que sustentará B até os 21 anos”.
Há verdadeira escala de qualitatividade: da condição ao mudus; aquela evidencia entre o conteúdo condicionado e o
incondicionado diferença qualitativa (L. ENNECCERUS, RechtsgeschÉtft, Bedingung und Anfangstermin, 85) ; no
termo, sem que cesse a unidade qualitativa do negócio, há algo de quantitativo, que intervém; no modus, há duas
declarações. Na condição e no termo, a situação é uma só. No modus tal unidade pode desaparecer por completo;
assim tem autonomia que a condição e o termo não têm. Por isso mesmo, a expressão determinação anexa,
Nebenbestimmung, ou, ainda, Nebengeschtift, que excele para o modus, não é feliz, nem serve para a condição (II.
FITTING, tber den Begriff der Bedingung, Archiv file die civilistische Praxis, 39, 308). Porque, nas condições há
íntima ligação com o negócio jurídico, põe-se em jogo a eficácia, quiçá a existência dele. Não é, em verdade,
distinta do principal; consubstancia-se com ele; é dele.
Daí a terminologia que nos parece melhor: a) determina-. çóes anexas: modus (disposições, limitações de poder); b)
determinações mexas, porque não existem duas declarações de vontade, mas uma só, com condições, ou termos. Cf.
Tomos
V, §§ 538-553; XVIII, ~§ 2.228, 3; 2.229, 6; XXV, §§ 3.048, 3.049; XLVI §§ 5.014, 1; 5.023, 2; 5.025, 1, 3.
A cindibilidade, que é possível no mudus torna-se difícil, se não impossível, na condição: só se torna possível, onde,
a respeito dos atos condicionados, a lei permite que algumas condições vitiatur, et non viciant. Ainda assim, é
impartível o todo:
cai, deteriora-se, desprega-se o que morreu, ou nasceu morto. A palavra acessória aposta à determinação é de
ambigúidade e ao mesmo tempo de restrição perniciosas: de ambiguidade, porque, para conter condições, termos e
modo, teria de impor acessoriedade necessária a esse (o modo pode não ser acessório) e dá à condição caráter de
anexidade, que ela não tem (ainda mais: traduz mal Nebenbestimmung); de restrição, porque estabelece craveira de
acessoriedade, quando, em verdade, a condição é, de regra, consubstancial, e o modus vive sem o chamado negócio
jurídico principal (impõe-se ao herdeiro A, e premorto esse, àquele a quem vai a deixa cumprir o modus).
A expressão “modus” originàriamente não tinha o sentido técnico de hoje. No direito comum, discutia-se se podia
ser anexo aos negócios jurídicos onerosos, ou não. Contra W. A. LAUTERBACH (Thesaurus, 141, e Coliegium
Pandectarum~ 1, n. 88), que o afirmava, GUSTAV HUGO (Lehrbuch der Geschichte des r&mischen Reclzts, 11•a
ed., 539), que o limitava aos negócios jurídicos benéficos, e a torrente dos escritores que o adstringiam aos negócios
jurídicos gratuitos. Quanto à construção, viam nele causa finalis, XV. A. LAUTERBACH (Thesaurus, 490 e 1210) e
W. X. A. VON KREITTMAYR (Aninetrkungen ilber den Codicem Maximilianeum Dava ricum civilem, III, 359);
restrição à liberalidade, GUSTAV HUGO (539) e Fa. HAYMANN (Die Schenkun.q unter einer Auflage, 59);
negócio jurídico bilateral, HERMANN LAMMFROMM (Tcilung, Darlchen, Auflage und Umsatz-Vertrag, 94 5.).
5.CONDIÇõES E TRMOS. Se a determinação consiste em tornar os efeitos do ato jurídico dependentes de
acontecimento futuro e incerto, tem-se a condição; se de acontecimento futuro certo, ou quanto ao tempo em que se
vai dar, ou quanto à sua inevitabilidade, tem-se o termo.
Fala-se em dies certus an et quando (23 de abril de 1975), dies certus an inc&rtus quando (no dia da minha morte),
em dies incertus an certus quando (no dia da tua maioridade, porque podes morrer antes) e em dies incertus an
incertus quando (no dia do teu casamento).
Não é verdade que o Código Civil alemão, ou o brasileiro, tenha considerado condição os dois últimos (dies
incertus an certus quando, dies incertus an incertus quando). Houve tal propósito no 1 Projeto alemão (§ 143, cp.
Código Civil saxônico, § 114), mas a II Comissão acertadamente riscou isso.
Odies incertus an incertus quctndo é condição; mas o outro, o incertus an mas certus quando, esse não o é
necessàriamente. O que decide da condicionalidade ou terminatividade é a vontade das partes, o sentido que lhe deu
o disponente (E. RIEZLER, Alígemeiner Teil, J. v. Staudingers Kommentar, 1, 610). Quanto ao dies certus an
incertus quando, esse, de regra, é termo, e não condição; todavia as partes ou os disponentes podem conferir-lhe o
caráter de condição.
No direito testamentário, encontram-se atos que não admitem condição, nem termo: a) a aceitação da herança ou do
legado (Código Civil, art. 1.583); b) a aceitação da testamentaria. ~ Qual a sanção para a aposição de condições ou
outras modalidades a atos que o não admitem? São os atos inimigos de condições, incondicionáveis: ou por motivo
de interesse público (adoção, reconhecimento de filho, aceitação ou recusa de herança), ou de circulação dos bens
(direito cambiário, existência da pessoa jurídica), ou de certos interessados (aceitação ou repúdio de legado). A
sanção é a nulidade da declaração de vontade. Nem a verificação da condição pode validá-lo; precisa ser renovado.
O“madus” ou encargo é a determinação anexa, pela qual se restringe a vantagem criada pelo negócio jurídico
(doação, verba testamentária), obrigando o beneficiado pelo ato, ou omissão, quer seja de conteúdo patrimonial,
quer não o seja. Sem que aquele a quem aproveita a prestação modal tenha direito a ela, acrescentam os alemães,
devido ao § 1.940 do Código Civil alemão. Assim no direito alemão o elemento negativo é essencial para o
distinguir do legado. Mas, lá mesmo, pode importar condicionalidade, ou se despir do caráter de secundariedade,
assumindo evidente principalidade. No modus do Código Civil alemão não há sujeito do direito. (F. ENDEMANN,
Lehrbuch, III, 726). No Código Civil brasileiro, o sujeito não é necessário, mas a regra é havê-lo.
6.CONDIÇÃO E “MODUS”. A condição é consubstancial ao negócio; o modus, anexo, sem precisar seguir a sorte
da determinação a que se junta, tem destino próprio.
§ 5.700. Condição
1.HERANÇA E LEGADO. Heranças e legados podem ser condicionais; isto é, pode a disposição testamentária
conter determinação mexa, concernente a circunstância que lhe suspenda a eficácia, ou a possa resolver. Suspensiva
ou resolutiva, afirmativa ou negativa, possível ou impossível, honesta ou desonesta (moral ou imoral; licita ou
ilícita), verdadeira ou falsa; contraditória ou não-contraditória, útil ou inútil, a condição aparece, frequentemente,
nos atos de última vontade, por isso mesmo que é um-só a dispor e a precisar o que entende e quer. Porém as
distinções acima feitas dilatar podem o conceito de condição, de modo que se nos impõe eliminar o que excede ao
definido. A falsidade, por exemplo, que supõe julgamento sôbre o que foi, ou o que e.
2.PRESSUPOSTOS DA CONDIÇÃO. Na condição é preciso que exista incerteza objetiva, isto é, que possa não
ser: a) por definição foi querida, escolhida, imposta (donde a exclusão das condiciones iuris) ; b) por definição, é
de mister que se refira a tempo que vem, e não a tempo que passou (donde a segunda exclusão: condicio in
praesens, condicio in praeteritum collata).
A deixa pode ser em parte condicionada e em parte incondicionada ou condicional, dadas certas circunstâncias, e
incondicional, nos outros casos: “se A estiver casada, será sob a condição de ter filhos; se solteira, pura e
simplesmente”.
§ 5.700. CONDIÇÃO
Na condicio in praesens seu in praeteritum colíata, não há pendência, não há a chave, o dilema, o índice de
falibilidade, a futuridade da circunstância, ou é ou já foi, ou não é, ou já não foi. Pertence ao passado, ou ao
presente, que não permite a incerteza objetiva. (O declarante pode não saber se é, ou não é,. se foi ou não foi; mas
acabou o domínio do que pode ser ou não ser, que é o futuro.) No caso de condiaio in praesens seu praeteritum
collata, tem-se por incondicionado o ato jurídico se, ao tempo da aceitação, já se tinha verificado a condição
suspensiva. Assim, o legado é puro, e o legatário recebe-o desde logo. Se a condição foi resolutiva, trata-se como se
o legado estivesse resolvido: é ineficaz o negócio jurídico (E. MEIScHEIDER, Die letztwilligen Verfilgungen, 109).
O legado vai ao que receberia do beneficiado. Se fideicomisso, o chamado fideicomissário é herdeiro de herança
pura. ~ Quid iuris, se, no passado ou no presente, não se verificou?
Aqui, o negócio é ineficaz, porque o pressuposto não corresponde à realidade. Mas, se tiver os caracteres de
incerteza subjetiva próprios da condição, será o seu destino o das condições. Mutatis mutandis, quando envolver
cláusula rebus sic stantibus.
3.“CONDíCIO IURIS” E CONDIÇÃO. A condicio inris éparte da figura jurídica, e não da declaração em si.
Condicioncs quae insunt, que vêm intrínsecas; mas intrínsecas à própria figura. Por isso, a vontade não mexa
qualquer determinação: a condição tacite inest. O negócio jurídico, a despeito de&t, épuro e simples; porque ela lhe
dá o ser. Se ela intervém, não há escolha, arbitrariedade, vontade do figurante, ou dos figurantes, de condicionar.
Não poderia ser tratada como condição (Código Civil, art. 117). A figura jurídica é que supõe a existência ou
realização posterior do fato. Por isso mesmo, ainda que o declarante creia e diga ter escolhido, ter condicionado, em
verdade não condicionou. Exemplos: lego a A, se ele for vivo; deixo a B, se ele for capaz de herdar. A lei, compondo
a figura jurídica, cria as condiciones iuris. O querer, que as recria, nada obtém. ~ enunciado supérfluo: existiria a
“condição” (lato sensu), ainda que ele não ocorresse. São condiciones snpervacuae, como diziam os juristas
romanos. Só na aparência são condições (donde chamaram-nas Scheinbedingungen cf. CARL CROME, System, 1,
446; ANDREAS VON TUHR, Der Aligemeine Teil, III, 279 s.).
A denominação condições tácitas é perigosa: elas tacite insunt; porém não se confundem com as condições tácitas,
que são tàcitamente queridas pelos figurantes ou pelo figurante. Ali, insunt, porque estão na própria figura, e
supérfluo seria o querer da condição; aqui, o figurante ou figurantes tacitê a quiseram. Dois casos, que
exemplificam: “Lego a A. a casa da rua X, que é minha”, “Lego a A a casa da rua X, mas só quando vencer a ação
de reivindicação”. Aqui, há condição suspensiva. Ali, é condição de direito, pressuposto legal, o de ser proprietário
da coisa o disponente.
A sorte das condiciones iuris ~é dada pelo ius da figura, a que pertence.
3. CONDIÇÕES RESOLUTIVAS. Quanto à aposição de condicões resolutivas às heranças, nenhuma dúvida sôbre
a sua admissibilidade pode haver, diante do Código Civil, art. 1.664. A intromissão do art. 1.665 é que poderia criar
dúvidas; mas estender a outras situações jurídicas regra jurídica obscura fora atitude com que se não compadece
nenhuma boa política jurídica. Desde já se observe: a) No direito romano, devido à estrutura do seu direito
sucessório (que não é mais hoje), tinha-se como contradictio in adiecto que o evento, previsto pelo testador,
destruísse a qualidade de herdeiro. Tratando-se da condição suspensiva, permitia-se (SILVIO PEROzzI, Istituzion~
di Diritto romano, II, 432) : contràriamente ao dies a quo, podia ser invocada a ficção da eficácia retroativa (F.
HOFMANN, Kritische Studien im ràmischen Rechte, 138). Com isso, pensava-se salvar a máxima Semel heres
semper h,eres e evitarem-se os perigos da mutação de herdeiros. Para vermos quanto dista do direito brasileiro,
confrontem-se os arts. 118, 124, 121, 1.664 e 1.665. b) No direito português, de onde nos veio o art. 1.665,
também se notou a omissão da referência à condição resolutiva quando se vedaram os termos, e JosÉ DIAS
FERREIRA (Código Civil português anotado, IV, 162), raciocinou (direito português) : nesse caso, entra logo o
instituído na posse e administração dos bens, correndo o risco de ficar sem eles quando se verificar a condição;
porém, como a resolução do seu direito depende de circunstância muito eventual, não é obrigado a prestar caução,
salvo se desbarata ou dissipa os bens que lhe deixaram. Em verdade, nem o direito brasileiro, nem o português,
foram lógicos com os sistemas, pois que o art. 1.665 existe. Mais lógico, o romano. Lógico ficaria o nosso, riscado
esse dispositivo, quase inaplicável, como se verá. c) Portanto, também o Código Civil admite a condição resolutiva.
Na Itália, por exempio, somente uma opinião fora contrária a essa interpretação:
a de C. F. GABBA (Teoria deita Retroattività deite leggi, II, 1-16), porque todos os mais pensavam (e.g.,
VITTORIO POLACCO, Deite Successioni, 1, 345) que o art. 851 do antigo Código Civil italiano só se referia a
termos (cp. Código Civil brasileiro, artigo 1.665). O nôvo Código Civil italiano, art. 633, é explícito:
“Le disposizione a titolo universale o particolare possono farsi sotto condizione sospensiva o risolutiva”. Mas ~ por
que tratar diferentemente termo e condição? Alega-se que a condição há de ter efeito retroativo: mas certo é não se
cancela o passado, instaura-se nova ordem de coisas. O efeito retroativo necessário é erro e velharia.
5.CONDIÇÃO RESOLUTIVA NO DIREITO ROMANO Para os romanos a resolutiva não tornava impuro o
negócio jurídico:
só a suspensiva. Em parte, tinham razão; porque, naquela, a condicão não toca ao negócio jurídico, que é, mas o que
sera: a condição é da resolução. Daí admitirem alguns autores que o Código Civil, no art. ~ 2ª parte, só se refere às
suspensisivas. E dizem porquê: a vontade realizou o negócio jurídico; a resolução é que é potestativa. (Sim, mas isso
também se daria em todas as suspensivas de exercício ou de um ou alguns efeitos: só atingiria a esses.) A questão
não é sem importância prática. Se vale a condição resolutiva potestativa, vale a resolução que se opere: “lego a A,
sob a condição resolutiva de passar a B, se quiser (A ou B, devedor, credor ou legado) “. Se não vale perante a lei, a
resolução não se dá, ainda que A ou B o queiram. A letra da lei é pela última solução: fala em “uma das partes”.
Fixemos bem a questão: ~ vale ou não vale a resolução? Não é o negócio jurídico que está em causa, não é o legado
a A~: é o reconhecimento da puramente potestativa pelo direito. Disse puramente, porque a condição potestativa não
pura não oferece dúvidas: vale. No direito testamentário (não é lugar para a discussão do assunto nos atos entre
vivos), vale; porque: a) não há figurantes, há um só, o testador, e dois beneficiados: e a condição resolutiva
potestativa pura não é mais do que o mod’i2s ou uma recomendação, nudum praeceptum (art. 1.666), que cumprido
exclui a repetição (art. 970); b) há analogia com a fixação do prazo de entrega deixado (a terceiro; c) a condição
potestativa, em certos casos, pode ser interpretada como até à morte do primeiro beneficiado e casual da premorte
dele: “poderá entregar quando quiser”.
A condição “si volet”, referindo-se ao legatário, é implícita nos legados pois só os recebe quem os quer. Daí pôr-se
como condicio iuris que se não rege pelo art. 116, ou outra qualquer regra jurídica referente às condições. Não assim
se o testador
quer violar o art. 1.572, relativo à transmissão da herança, ou o art. 1.690 (F. HERZFELDER, J. v. Staudingers
Kommentar, V, 468, a propósito dos §§ 1.942 e 2.176 do Código Civil alemão). “Se A quer, lego a B”, transmite-se a
outrem o decidir da eficácia da disposição: só aparentemente é condição; na realidade, infringe o princípio da
pessoalidade do testamento. Tal condição só se admite se envolve concurso, promessa de recompensa, ou júri. Mas,
nesse caso, não há potestatividade pura. A condição “lego a A, se B não quiser” é substituição vulgar (art. 1.729). ~
permitida a disposição em que se deixe ao herdeiro, ao testamenteiro, ao outro legatário, a determinação do dia em
que deve ser entregue o legado (H. PEISER, Handbuch des Testam emtsrechts, 2~a ed., 11, nota 27). Entende-se que
há de desempenhar-se convenientemente. O juiz dos testamentos aprecia.
Da íntima vontade de um figurante ou de terceiro é que não podem depender os efeitos de um negócio jurídico. Mas
o contrato pode ser feito sob a condição de um dos figurantes, dentro de prazo, emitir nova declaração (ANDREAS
VON TURR, Der Aligemeine Teil, III, 27), e bem assim o legado sob a condição de que o legatário se pronuncie
dentro de certo prazo, ou até quando algum fato se der. Então, o legatário precisa declarar o que quer, e fazê-lo nos
limites que se fixaram; se, no intervalo, morre, não adquire. (Note-se bem: nesse caso, porque era potestativa e
referente a aceitação, o direito ao legado não surgiu. Por isso, e não como regra, falsissima, da inerdabilidade do
direito nas condições suspensivas. Razão por que a nota 50 de ANDREAS VON Tu~R nos adverte.)
Pode tocar a potestativa pura nos testamentos: ou a) ao herdeiro obrigado; ou b) ao legatário obrigado, e ambos, em
tais casos, ficam no lugar do testador (R. KRuG, Die ZuUissigkeit der reinen Wollens-Bedingung, 88); ou c) a
terceiro. Si volet heres, si volet Titius. Como se vê, se aplicamos, simétricamente, os princípios dos atos entre vivos,
não se compreende a inclusão do si volet Titius. (Cp. art. 115, onde se fala em “arbítrio de uma das partes”). Sôbre o
art. 1.667 ver-se-á qual o fundamento de tal exclusão da potestativa por parte de terceiro, erradamente considerado
como resultante da proibição da potestatividade das condições.
1.PRECISÕES. As condições podem ser consideradas em sua impossibilidade; mas o serem impossíveis não as
submete ao mesmo destino. Por isso, devemos precaver-nos contra identificações, em que incorreram grandes
juristas. A impossibilidade das condições pode ser: a) lógica, por haver contradição, ou perplexidade; pela
impossibilidade de se entenderem,
essa mais propriamente cogretoscitiva do que lógica; b) física, quando o fato não possa acontecer ou deixar de
acontecer; o) jurídica, quando o direito, e não as leis físicas, lhes negue existência.
1
2.CONDIÇÕES CONTRADITÓRIAS OU PERPLEXAS. São ditas lôgicamente impossíveis, ou impossível lógico,
as condições que deixam na declaração de vontade contradição íntima. Ser e não ser. Não se sabe o que há de
prevalecer. A dúvida é invencível. A lei brasileira é saliente quanto à contradição das disposições. Assim devera ser:
é assunto que não precisa de texto. Mas, em termos tortuosos, referiu-se a condições que negam todo efeito ao ato
(Código Civil, art. ~ 2ª parte) e entre elas estão as contraditórias, que põem e retiram, dizem e se desdizem. A
contradição das disposições pertence ao âmbito do art. 1.666. Aqui somente das condições temos de tratar. Em todo
o caso, também fica assente: só se é invencível, pela interpretação, a contradição apontada, é que se pode falar de
condição contraditória; porque basta haver solução conciliante, dentre as possíveis, para, na dúvida, ter de
prevalecer (art. 1.666). São, pois, pressupostos do que se vai dizer: a) que haja condição; b) que seja invencível, pela
interpretação, a contrariedade.
Quanto à sorte das condições contraditórias, no direito contemporâneo, a regra é serem tidas por inexistentes,
nenhumas, as disposições, a que se ligam. E cumpre notar o seguinte, porque constitui particularidade de grande
importância prática: os negócios jurídicos tratam-se, em tais casos, como unidades, quer seja sob condição
suspensiva, quer resolutiva, de modo que se não poderia ter uma parte por válida e outra não (E. RIEZLER, J. v.
Staudingers Kommentar, 1, 595; F. HERzFELDER, J. v. Staudingers Kommentar, V, 470, quanto aos testamentos).
Achava H. FITTING (Úber den Begriff der unsittlichen Bedingung, Archiv filr die civilistische Praxis, 56, 424) que
a noção de condição perplexa devia ser inteiramente abandonada e acolhida, em geral, a de disposição perplexa. F.
REGELSBERGER (Pandekten, 565) esclareceu que, sendo incompatíveis o conteúdo da condição e o da disposição
principal, nula é essa:
fala-se, em verdade, em condição perplexa, mas verdadeiramente perplexa é toda a disposição. Na prática, é preciso
não se esquecer o principio da separação, para se não sacrificar a disposição não consubstanciada à
condicionalidade. Exemplo: “se B casar com A”, adiante “se B não casar com A”. Tal contradição relativa à
passagem de um legado a outrem não vicia o legado, mas a passagem. Em verdade, há dois negócios jurídicos na
mesma disposição. Por onde se vê que às condições resolutivas não se pode aplicar, sem atenção, o principio da
unidade. Por outro lado, a atuação do art. 1.666 pode ser no sentido de um favor voluntatis, quando a contradição
não implique contradita com a disposição, e sim quanto ao modo de executar-se. Sempre que é entre condições, e só
entre elas, deve o juiz buscar caminho que salve a verba testamentária. “Deixo a A o prédio x, que passará a B no
dia do casamento desse”. E adiante, no mesmo testamento: “deixo a A o prédio x, que passará a B no dia de sua
maioridade”. Não se deve prejudicar a disposição. É passagem por ocasião do que primeiro aconteça.
1.CONDIÇÕES ININTELIGÍVEIS OU SEM SENTIDO. As condições ininteligíveis, ou sem sentido, são feridas
de impossibilidade gnosiológica: não se podem conhecer; por isso, não se podem cumprir. Seria erro equipará-las,
em tudo, às perplexas. Quanto a essas, são, necessariamente, antagônicas a alguma coisa, ou à disposição mesma.
Há, sempre, duas ou mais proposições, que se chocam. O caso é de incompossibilidade. Bem diferente das
ininteligíveis, ou sem sentido, que em si mesmas têm a impossibilidade: não podem ser entendidas. Por outro lado,
seria erro tratarem-se as condições ininteligíveis como as fisicamente impossíveis: essas são impossíveis, porque se
sabe o que são e o que as aguarda; daquelas, tudo se ignora. Também seria erro tratá-las como as juridicamente
impossíveis: essas supõem conteúdo conhecido, que se sabe vedado por lei.
A ininteligibilidade tem de ser invencível, ou não é. A extrema dificuldade ainda não é a impossibilidade de
entender-se.
Nas condições contraditórias, há dois elementos que se tocam e tornam invencível a dúvida. Nas ininteligíveis, a
invencibilidade está na própria condição. A sorte delas é, de regra, a das condições contraditórias. Se há dois
negócios jurídicos, separáveis, na mesma disposição, só o do segundo beneficiado está ferido.
Se a interpretação revela que a condição não alteraria muito a situação jurídica criada, cumpre reputar válida a
disposição. Exemplo da vida real: “Deixo a A três prédios, sob .a condição suspensiva de instalar B gratuitamente no
prédio... com todo o conforto”. O ininteligível é bem pouco e somente recai em se saber qual dos três prédios cabe à
habitação de B. Não deve o juiz prejudicar nem a herança, nem o legado de habitação. Deixou-se o prédio mais
próprio (cp. arts. 1.697 e 1.698).
2. CONDIÇÕES INÚTEIS. As condições inúteis são as que nada adiantam. Não são impossíveis: são possíveis,
mas inteiramente supérfluas, vás. Seria erro tratá-las como as condições impossíveis ou ilícitas (E. RIEZLER, J. v.
Staudingers Konmentar, 1, 596) . Quanto à sorte das condições inúteis, se tiram aos negócios jurídicos a seriedade,
são inexistentes: mas é outra questão. Se não tiram, não o prejudicam.
2. SANÇÕES. No tocante à técnica das sanções, pergunta-se: se a condição é (física ou juridicamente) impossível,
cai o ato ou cai a condição aposta? A esse problema, de certa sutileza, três soluções foram dadas: a) nos testamentos,
à diferença dos atos entre vivos, tais condições vitiantur non vitiant (Código Civil francês, arts. 900, 1.172, inclusive
doações, e artigo 840, cp. arts. 1.065 e 1.180). b) a regra da viciação é comum a todos os atos jurídicos (assim a
doutrina alemã); c) o Código Civil brasileiro segue a última para as condições ilícitas ou juridicamente impossíveis,
porém não para as fisicamente impossíveis. Qual a melhor? Uns dizem que a solução francesa cinde a vontade dos
testadores, corta-a em duas partes: uma para valer, e outra para não valer. Outros pugnam pela indiferença, porque o
testador não merece mais do que os contraentes. Os adversários respondem: os figurantes, no contrato, são culpados
do vício; nos testamentos, a culpa é toda do testador. Esse fundamento tem o seu quê de ridículo: pune-se o testador,
o defunto, com o prevalecer de uma vontade que pode não ter sido a sua. Na Itália, pela solução francesa, G.
BRUNETTI (Le condizioni impossibili e illeciti nei testamenti, Archivio Giuridico, IV, 181-205); contra,
VIT’rORIO POLACCO (Deile Successioni, 1, 349). É a velha discrepância romana, dos sabinianos vencedores
contra os proculianos, acolhida a solução por Justiniano. Mas o próprio GAIO dizia: “et sane vix idonea diversitatis
ratio reddi potest” (III, § 98). A diversidade tinha, então, certa razão de ser na necessidade de não morrer intestado.
O Código Civil argentino, art. 530 (uruguaio, artigos 1.408 e 1.411) ressalva a obrigação quanto à condição de não
fazer coisa impossível.
Estatui o art. 116 do Código Civil brasileiro: “As condições fisicamente impossíveis, bem como as de não fazer
coisa impossível, tem-se por inexistente. As juridicamente impossíveis invalidam os atos a elas subordinados”.
Afastou-se do direito romano, que distinguia atos entre vivos e mortis causa. pelo menos quanto às mais
importantes disposições testamentárias (instituição de herdeiro, legado, fideicomisso, manumissão testamentária). O
nec non do § 10, 1., de heredibus instituendis, 2, 14, significa que, em tudo mais, a condição fisicamente impossível
se vicia e vicia (VITToRIO SCIALOJA, Corso di Istihu. zioni di Diritto romano, 378). Alguns o estendem às
doações mortis causa (MANENTI, Suíla regola sabiniana relativa alie condizioni impossibili, illeciti e turpi, Studi
in onore de VITToRIO SCIALOJA, 409). Também se afastou da lição inovadora de P. J. DE MELo FREIRE
(Institutiones luris Civilis Lusitani, III, 55), que, em vez de considerar, como o direito romano, não-escrita a
condição, tinha por nula (no sentido moderno) a instituição:
“Extranei heredes recte instituuntur sub quacumque condicione possibili; nam impossibilis, turpis, vel omnimo
derisoria vitiat institutionem”. Rigorosamente, partindo de lados opostos, as duas soluções dão quase no mesmo,
porque constituem regras jurídicas que se têm de contactar nas realidades. Já vimos que há duas soluções: a da
viciação contaminante; a da não-viciação contaminante, porém com a queda do condicional. Se se~ guida a
primeira, tem-se de limitar às condições suspensivas; porque, se resolutivas, o ato está incondicionado e puro: o que
se risca, o que se vicia, é o a que se visava. Se há a segunda, a não-viciação salva o que a outra solução também não
atingiria, o que já se efetivou incondicionalmente, isto é, o ato puro, pôsto que sob condição resolutiva; O que se
apanha é a resolução, e não o ato jurídico quod sub condicione resolvitur. Outrossim, salva-se apenas o ato
condicional ou sob condição suspensiva impossível, nos testamentos. Por isso mesmo, e porque isso ématéria de
dogmática, de ciência pura, e não de lei, quem andou bem foi o legislador alemão: nada disse sôbre o assunto.
Assim, hão de ser tratadas as condições impossíveis pelo modo que decorre da natureza das coisas (E MIL
STROHAL, Das deutsche Erbrecht, 1, 143). No Código Civil, combinaram-se as soluções, os modos de dizer. Mas,
eliminados os casos a que se não aplica a 2~a parte do artigo e precisado o campo de aplicação da 1~a parte, os
resultados vão ser quase os mesmos. Apenas caminhos tortuosos; se não de técnica, que a ciência não precisa
corrigir: esboroa-se ao contacto das realidades, da natureza das coisas.
Quando tratarmos de condições fisicamente impossíveis diremos o que for bastante.
3.SE É COGENTE A REGRA JURÍDICA SÔBRE IMPOSSIBILIDADE FÍSICA. ~É ius cogens o art. 116 do
Código Civil, ou pode o testador prevenir as sanções? Dois casos têm de ser considerados: a) “se, acaso, me
considerarem ilícita a condição, quero que se respeite a disposição, sem ela”; b) “se, acaso, entenderem que vaIe o
legado e reputarem não-escrita a sanção, quero que seja afastada toda a disposição”. Quanto à letra a, existem, em
verdade, duas disposições: deixo sob a condição; se não valer com ela, entenda-se sem ela. Quanto à letra b, tem
maior importância no sistema da diversidade; e FRANCESCO FERRARA (Teoria dei Negozio iliecito, 316) reputou
direito co-gente a regra legal; G. BRUNETTI (La Condizioni impossibili e ilieciti nei testamenti, Archivio
Giuridico, 181, s.) considerou revogação, ademtio, condicionada, da disposição testamentária. Com ele, VITTORIO
POLACCO (Deile Successioni, 1, 350). Consideram-na regra jurídica dis positiva, no art. 900 do Código Civil
francês, AUBRY e RAU (Cours de Droit Civil français, II, 173-176); no velho Código Civil italiano, NIÇOLA
COVIELLO (Corso completo dei Diritta delie Successioni, II, 712). Reputaram-na ius cogens F. LAURENT
(Principes de Droit Civil français, II, n. 434), juristas portuguêses, o Código Civil espanhol, art. 792, e E.
ESPÍNOLA (Manual, III, 2, 215) . Uns recorriam à ficção, como F. LAURENT; outros, à presunção absoluta. Ora,
a verdade é que o art. 116, todo ele, e não só nesse ponto, é disparatoso: fêz-se regra jurídica escrita sôbre o que
pertence à natureza das coisas e às múltiplas feições da vontade humana. Quem faz a condição, por definição, é o
figurante; se ele não a fêz, não é condição (art. 117) : de modo que o figurante a faz como a quer. Suspensiva,
resolutiva; incindivel do negócio jurídico, ou cindivel; com esses, ou aqueles efeitos. A lei, aí, dá roteiros aos que
previamente os não escolheram. Onde esses roteiros fôssem fixos, cogentes, nao haveria condição (faltar-lhe-ia a
chamada arbitrariedade, ou posição pelo manifestante da vontade) : haveria condicio iuris.
passar. E as que deixa nem viciam nem se viciam. b) Subveniência da impossibilidade: nos testamentos, se, ao
tempo da feitura, não era impossível a condição, e depois se tornou, não cabe falar-se de impossibilidade, mas de
não se ter verificado a condição (E. MEISCHEIDER, Die letztwilligen Verfiigungen, 114). São sérias as
consequências: porque a disposição, de que a condição era fisicamente impossível, vale; a que se tornúu pode valer
e vale, mas não se lhe reaMzando a condição, não se lhe operam os efeitos. Para o direito romano, cf. B.
WINDSCHEID (Lehrbuch, 1, ~ 94) e F. REGELSBERGER (Pandekten, 1, 559). (b) Superveniência da
possibilidade: se a condição, no momento da feitura do testamento era impossível, mas, depois, se tornou possível
(E. RIEzL~a, ,J. v. Staudingers Kommentar, 1, 594), não há condição impossível. ~. Que é impossibilidade física
senão algo que pode depender de correções ao que sabemos? Impossíveis há muitas coisas; mas, se o testador estava
no caminho da verdade, melhor o diz, evidentemente, o fato ‘de se ter tornado possível o que se havia por
impossível. Exemplo: “Lego as minhas fábricas a A, se ele conseguir, em toda a vida (não precisa declará-lo), dar a
volta do mundo em dois dias”. Não é fisicamente impossível. Então, sim. Mas sê-lo-á em vida de A? Resultado: não
se invalida a condição; valem ato e condição. Pode o testador ter em mira o incentivo, e a impossibilidade não pode
viciar, porque o que se quer é que ela acabe. A probabilidade exclui o impossível. Mas seria demais exigi-la: basta o
possível para destruir a impossibilidade (cp. C. G. WÃCHTER, Pandekten, 1, 372). (c) No dia da morte, tudo se
tornou definitivo: a) A impossibilidade superveniente rege-se pelo que antes já se disse. b) Mas a possibilidade
superveniente, a tempo de ser atendida a verba, tem o efeito de legitimar o beneficiado ao que se lhe deixou. A
possibilidade superveniente corrige a nossa interpretação anterior dos fatos. (Salvo se o testador fixou prazo à
revelação da possibilidade. Mas isso é outra questão.)
A interpretação pode dizer outra coisa. É uma das consequências de ser dispositiva, e não ius cogens, a regra
jurídica do art. 116. Assim, a interpretação é que precipuamente decide: a) se a verba disse: “Deixo a A, com a
condição de continuar na direção intelectual de B”, e B morreu antes do testador, sem que A descontinuasse o seu
zêlo até à morte de E, cumpre-se a deixa? De regra, sim. Mas pode ser que se trate de condição falha. 1>) Se disse:
“O meu principal objetivo é que B se forme; por isso deixo metade dos meus bens a B e a metade a A, sob a
condição de A continuar a dirigir a educação de B até à formatura”. A, morto B antes de se formar, não herda. c) No
legado, e. g., em que se estabelece “deixo a A a casa da rua x, sob a condição, apenas, de ensinar geometria a B”, e
B morre, a prestação do fato se impossibilitou, de modo que se não verificou a condição (o que é coisa diferente). A
não recebe a casa da rua x. No direito das obrigações, a solução seria diferente (art. 879). Também, outra, se se
tratasse de encargo. O caso da letra a) quase sempre é modus. O da letra b) díficilmente o é.
7.CONDIÇÃO RESOLUTIVA. O ato sujeito à resolução é por si mesmo válido, não o apanha o art. 116, 1•a parte;
isto é, o vitiatur et non vitiat, nem o pode prejudicar. O legislador brasileiro não atinou com os infimos resultados
dos seus dizeres gerais; de modo que, para bem aplicar o direito que ele escolheu, temos de reduzir ao que deve ser,
ao que é compossível com a natureza das coisas, o que ele disse. Na condição resolutiva, a situação é diferente da
que resulta da suspensiva. No momento em que se aprecia o ato, já ele é em todos os seus efeitos. Ora, isso, e só
isso, é que se ablui, que se risca, e não o ato nos efeitos que surtiu e surte. Já há a certeza de que nunca se resolverá.
É puro e, mais, pela impossibilidade, irresolúvel. O campo de aplicação do art. 116, 1~a parte, é o das heranças sob
condição suspensiva, dos legados sob condição suspensiva e do modus com condição suspensiva imposta ao
beneficiado pela disposição modal. Porque, nessas espécies, não há um pré-beneficiado sob condição resolutiva.
Ter-se-á, de voltar ao assunto, quando se tratar dos fideicomissos.
1.CONCEITUAÇÃO. No declarar a vontade sob condição juridicamente impossível, há um como não declarar, um
não querer o vinculo de direito. As condições juridicamente impossíveis invalidam o negócio jurídico (Código Civil,
artigo 116, 2•a parte). Mas o art. 1.666 obriga a salvar-se o negócio jurídico, se possível, pela interpretação: nos
testamentos~ guarda-se o máximo da vontade dos testadores, não só pela importância social da última vontade,
como’ porque o testamento é um todo; como tal, há de tratar-se. A questão desenvolve-se a propósito do art. 1.666.
Cumpre distinguir-se da impossibilidade originária a superveniente. Se, quase sempre, as condições fisicamente
impossíveis se conservam tais, pela invariabilidade das leis naturais, e raro se tornam possíveis (inventos,
descobertas), não ocorre o mesmo às juridicamente impossíveis: a cada passo topamos com as que, originariamente
impossíveis, deixaram de o ser. Por isso, é de grande importância saber-se quando se há de apreciar a
impossibilidade jurídica. No momento em que o ato se constituiu, ou quando se vai cumprir? Tratando-se de
testamentos, ou de codicilos, no dia da morte, pelo lapso que há entre a feitura e os efeitos. Nas condições com
prazo, a situação torna-se difícil. “Deixo dois milhões de cruzeiros a A se, aos vinte e oito anos, presidir o Brasil”. É
impossível?’ Não, pode vir a ser possível. Quem viver verá.
2.MUDANÇA ESPERADA DE LEGISLAÇÃO. Sempre que o testador tiver cogitado, ou seja de crer que cogitou
da mudança de legislação, de modo a tornar possível a condição, aguarda-se a verificação a continuidade de ser
impossível constituirá falha, não-verificação, das condições, em vez de caráter que as vicie e ao ato a que se
apuseram. O mesmo ocorre às fisicamente impossíveis que se crêem tornadas, no futuro, possíveis. “Espero que
Alagoas e Sergipe constituam um só Estado, o Estado de São Francisco; lego a minha fortuna aos; presidentes que
assinarem por ele o ato de incorporação”. Não é impossível, nem física, nem juridicamente. O testamenteiro
aguarda. Nem é contra bonos mores. “Lego um milhão de cruzeiros para a propaganda pró-escravidão”. Aí, nulo o
legado. Porque é imoral. Delicada a questão: <‘Lego um milhão de cruzeiros para a propaganda da monarquia no
Brasil, ou para o govêrno unitário” (Constituição de 1967, art. 50, § 1.0). Não pode vir, dentro da ordem, tal
mudança. Mas, ~se, a despeito disso, ao se cumprir o testamento, for provável? Exemplo: alguns Estados já se
declararam pelo unítarísmo. ~ Se’ alguns já se definiram pela monarquia? A solução é difícil,.
porque o juiz está dentro da lei. Mas deve ver, também, os princípios superiores de direito.
Mudanças de fato são mudanças que se podem tornar de direito. C. G. WÀCHTER (Pandekten, 1, 373) quase falou
nos princípios superiores de direito: “Os figurantes podem ter em vista, muito bem, a variabilidade das regras
jurídicas, quando as possam considerar sob aspecto moral ou racional”. É vulgar, no direito civil, encontrarem-se
princípios que são humanamente superiores aos das Constituições. ~ Como negar ao disponente o que é mais alto
nas franquias públicas liberdade de pensar?
4.SORTE DAS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS. Quanto à sorte das condições necessárias, temos de considerar: a)
O que se quis, suspensivamente, sob condição necessária, quis-se, em verdade, sem condição: a deixa é pura;
todavia, é de toda a importância verificar se há, rigorosamente, condição, e não dies a quo (E. RIEZUER, .1. ‘v.
Standingers Kommentar, 1, 592);
b) Quando resolutiva, a solução cancelativa da condição tem de se circunscrever aos casos em que o negócio
jurídico seja o principal. Nos contratos, a condição resolutiva necessária a cargo de segundo beneficiado, ou de
outrem, dificilmente deixa de pé o negócio jurídico. Não é séria. Assim, nos testamentos. Por outro lado, pode ser
causa, ou dies ad quem. O’ assunto é assaz complexo, e só a interpretação pode conseguir as soluções justas.
Pretendia GIORCIO GIORGI (Teoria deile Obbligazioni, IV, 382) que a condição resolutiva de fazer coisa
impossível deixa puro o legado e a de não fazer o torna nulo. Dois exemplos: o octogenário que contrata sob a
condição resolutiva de ter filhos (contrato puro) ; o contraente sob a condição resolutiva de não casar com B, se o
comprador já é casado (contrato nulo). Ignorando-o, disse ele. Mas, então, houve erro! A interpretação tem de
decidir. De qualquer modo, a opinião tem contra si o art. 116, que é expresso quanto à condição de não fazer coisa
impossível. Ela é que é nenhuma (não escrita). c) A condição de fazer coisa necessária: comer, dormir, beber.
Dificilmente seria séria, diz-se. Nunca seria séria, dizem outros. É nulo o negócio? Se for séria? Ou são não
escritas, ou se tem como recomendações.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS. Se bem que tenhamos tratado dos diferentes casos de condições impossíveis,
parece-nos útil formular algumas distinções elucidativas. As condições ou são: a) a cargo de um primeiro (ou único)
beneficiado, ou de outrem, ou casuais, a favor dele; b) a cargo de segundo beneficiado, ou de outrem, ou casuais, a
favor dele. A regra jurídica do art. 116, 1,a parte, sôbre as condições fisicamente impossíveis só incide quanto aos
‘casos a). Entenda-se que o legatário é o primeiro beneficiado em relação ao herdeiro ou incumbido. É o quod
plerumque fit. A regra jurídica do art. 116, 1~a parte, sôbre condição de não fazer coisa impossível também só
coincide quanto aos casos a). Ao legatário aproveita; não aproveitaria ao que fôsse colocado no raso b), isto é,
fideicomissário. A regra jurídica do art. 116, da 2~a parte, sôbre condições juridicamente impossíveis só incide
quanto às condições
a).Nos casos b), seriam resolutivas, e encontrariam atos já eficazes, nos quais há certeza de que nunca se resolvem.
(Se o declarante gracejava, ou não queria sem isso, é outra questão.) Não se confundam com as condições de não
fazer coisa juridicamente impossível: nessas, o que é impossível é a coisa que se havia de fazer, e não a condição
que, ao contrário, só é possível. O campo da primeira regra é o das condições a), ou suspensivas que não sejam dos
casos b), porque, se o forem, são o verso da resolutiva de outrem. Alguns exemplos: 1) “Lego 100 apólices a A, se
não suplementar a idade do filho antes dos dezoito anos” é condição de não o fazer fora da lei, isto é, de não fazer
coisa impossível. Condição necessária, sem efeito no ato jurídico, “inexistente”, diz a lei. 2) “Lego 100 apólices a A
sob a condição de não se eleger senador antes de 35 anos”. (Pode dar-se que se haja de interpretar que o testador
tinha em mira a mudança de legislação.) 3) “Lego 100 apólices se A não mais se inimizar com B”. E morre. A
condição de não fazer é necessária; mas pode ser razão de legar, e não condição: não se lerá “se não mais” e sim
“para que não mais
4)“Deixo 100 apólices a A, que passarão a E, quando A deixar de beber água”. É condição impossível; portanto,
“inexistente”. 5) “Deixo a A, mas passarão a B, quando B se abstiver de suplementar a idade do filho antes dos
dezoito anos”. É condição de não fazer coisa impossível. Mas há primeiro beneficiado, com direito adquirido; a
queda da condição b) não pode riscar aquele direito. Caem a condição e o direito a que ela visa, por haver
suspensividade quanto a E, que se limita com a condição jurídica de A. É a morte normal das condições dadas ao
segundo beneficiado. Assim, temos a comprovação de que, na regra sôbre condições de não fazer coisa impossível,
o efeito cancelativo da condição só se pode referir, ordinariamente, às disposições testamentárias em que se trate de
beneficiado único. A casa de segundo beneficiado, dificilmente será sensata ou séria. “Deixo o prédio x a A, e, se E
não construir casa no céu, o legado passar-lhe-á”. Isso não é fideicomisso: é condição pilhérica, que seria absurdo
prevalecesse.
1.PRECISÕES. Ilícito ou imoral pode ser o conteúdo, o objeto, o ato jurídico em si, e ilícita ou imoral pode ser a
condição. Do primeiro já se tratou; agora, cumpre-nos falar da segunda espécie. A sorte das condições ilícitas ou
imorais não pode ser diferente das manifestações de vontade que têm objeto ilícito: a nulidade.
a)Há diferença entre a ilicitude e a impossibilidade das condições. No impossível, seja físico, seja jurídico, o ato,
que se quer, ou a omissão, que se pretende, não pode ser: a liberdade humana é tolhida pela natureza, ou pela lei. No
ilícito ou imoral, o ato e a omissão são possíveis: a liberdade humana persiste; a natureza social ou a lei não tolhem,
reprovam. “Deixo a A o prédio x, se adquirir venia aetatis antes dos dezoito anos” é condição juridicamente
impossível, como seria fisicamente impossível, se dissesse “se A tiver um filho aos seis anos”. Mas “deixo a A se
furtar o relógio de B” é imoral, ilícita: A poderá furtar, mas ser-lhe-á acerbadamente exprobrado. Possível proibido,
que bem se distingue do próprio juridicamente impossível.
b)Há diferença entre o ilícito (stricto sensu) e o imoral. São contra bonos mores as condições imorais; as condições
proibidas por lei seriam as únicas ilícitas (art. 115), se ilícito não tivesse outro sentido: o dos arts. 82 e 145, íí, é
mais largo.
A respeito das condições ilícitas, contra bons costumes ou imorais, torpes, nefastas, cabe repetir-se o que foi dito
anteriormente sôbre as disposições testamentárias de tais espécies.
Casos há em que o fato da condição é ilícito, porém não o é a condição. “Deixo 100 a C, se o marido a tiver
abandonado”. Vale. É como o seguro contra os assaltos, os furtos: ilícito o fato, lícita a condição. Não há
incitamento à ilicitude.
3.CONDIÇÃO DE NÃO CASAR. Os velhos e os novos juristas esfolhearam todos os argumentos, quer históricos,
quer políticos, quer morais, a propósito das condições de não casar. Argumentos romanos contra as condições si
nuptias non couÍraxerit e si coelebs viduave pernwinserit tiraram-se das leis IPapias Popeas na sua política de
natalidade, diante da situação de despovoamento que ameaçava Roma (perdas de homens na guerra, temor do
casamento, vaga venus ou homossexualidade):
seriam inexistentes (nulías, no sentido do direito romano), por opostas às razões cívicas das ditas leis: bonis
moribus, et progationi sobalis adversa seria a positiva ou a negativa, que dão no mesmo, viúvo, ou solteiro, não
importava; constrangiam, contra o homem. Depois a lei Julia Misecíla temperou a norma quanto aos viúvos, e é por
isso que, no direito luso-brasileiro, a distinção persistiu (DIOGO GUERREIRO, De Munere ludicis Orphanorum
Opus, Tractatus 1, de Inventarzo, Livro 2, e. 10, n. 27). Ab-rogou-se a Lei Julia Misceila, volvendo-as às Papias
Popeas; logo depois, a Nov. 22 ab-rogou a tudo. Argumentos cristãos: certamente, enfrentam-se dado moral e
vontade do testador, se aquele, na espécie, parece fraco, essa tem de primar. ~ Mas onde o dado moral? Se havia os
adversários da condição non nubendi, reputando-a imoral, também havia os que a festejavam como moralissima,
pois que perfeito o celibato. Redobravam esses de entusiasmo, quando estava em causa a condição de viUvez. Mas,
com bons fundamentos no apóstolo Paulo (Cor., 7, 8; Timot., 1, 5, 24; Cor., 1, 7, 9), VAN ESPEN, EYBEL,
GIBERTI e outros canonistas sustentavam a não reprovabilidade das segundas núpcias. O Concilio Tridentino (24,
de matrim., c. 10) decidiu que o estado de celibato é mais perfeito e melhor que o de casamento.
O estado vidual apresentava a mesma excelência a Santo Agostinho. ~ Onde, pois, as razões decisivas contra a
condição de viduídade contra a condição non nubendi imposta aos solteiros? No Codex iuris canonici, c. 1.143,
disse-se: “Licet casta viduitas honorabilior sit, secundae tamen et ulteriores nuptiae validae et licitae sunt”. Mas a
bênção solene não se repete (e. 1.143).
Na Itália, a condição de não contrair matrimônio era ilícita, mas, por expressa lei (Código Civil italiano de 1865,
artigo 850), quer se tratasse de pessoa solteira, quer de viúva. Não se menosprezou a mulher viúva; porém afastava-
se a viduldade imposta. Duas exceções ao princípio (art. 850): a) se o testador legou usufruto, uso, habitação, pensão
ou outra prestação periódica (por exemplo, de alimentos) pelo fato ou pelo tempo do celibato, cessa de gozá-lo o
legatário se contrai nôvo casamento; b) se a condição foi aposta pelo cônjuge.
Por onde se vê que a exceção b) praticamente volveu sôbre as pegadas, arrepiou carreira: o cerne da questão é
exatamente esse, o da condição aposta pelo cônjuge. Os escritores censuraram o Código Civil italiano de 1865, art.
850. Um deles (RAMPONI, L’art. 850 del Codice Civile, 73) verberou que o estado de virgindade ou de viUvez,
contra a natureza, ou resulta de falso sentimento religioso, ou de exagerado culto da memória de outrem, aberrações
de fantasias doentes. O grande argumento continuou de ser o da subordinação à condição, disfarçando-se a
incastidade da vida. Vive com outrem, sem casar, para não perder a deixa.
No nôvo Código italiano, art. 636, é ilícita a condição que impede as primeiras núpcias e as última&; todavia, o
legatário de usufruto, ou de uso, ou de habitação, ou de pensão, ou de outra prestação periódica para o caso, ou para
o tempo do celibato, ou da viUvez, não pode gozá-lo senão durante o celibato ou a viuvez.
No Código Civil austríaco, § 700, vale a condição de viduídade imposta, não pelo cônjuge, mas por outrem, se o
viúvo ou a viúva tem filhos.
4.“QUAESTIO FACTI”. Trata-se de quaestio facti. Ao juiz cabe examinar as circunstâncias e apreciar a vontade do
testador. A doutrina somente pode apontar-lhe critérios auxixiliares, a que a variedade dos casos venha a
corresponder..
Assim, podemos acentuar: a) Casos em geral permitidos: usufruto, uso, habitação, fideicomisso, pensão ou
prestação periódica, de alimentos ou não, enquanto o beneficiado for solteiro, ou permanecer em estado de viuvez;
condição de conservar a viuvez, imposta por terceiro, ou pelo cônjuge com especial referência, se a pessoa tem
filhos e eles estão em causa na intenção do testador: “quia magis cura liberorum quam viduitas iniungeretur” (L. 62,
§ 2, D., de condicionibus et demonstratioflibus, 35, 1; cf. austríaco, § 700) ; b) É irrecusável que se tem de atender
às circunstâncias que rodeiam cada caso. Assim, vale a condição de não casar: se, no testamento, só se quer que o
casamento não se dê cedo, antes dos vinte e cinco anos, antes de o filho menor ter x anos, II. DERNBURG (Das
Bítrgerliche Recht, 1, § 125, nota 20, 425) considerou válida a condição de casar temporaimente limitada; se o
testador teve em vista, não obrigar a não casar, mas a prover às necessidades da pessoa beneficiada enquanto não
casar: porque não é condição, e termo; se o testador provê, com x, ao tempo da viUvez, ou estado de solteiro, e
com múltiplo ou fração de ~ ao tempo de casado. Testamento é um todo, que se interpreta: o legado de um tempo
serve para assegurar a licitude do legado pendente condicione; se imposta pelo cônjuge por mera afeição, e
entendemos que vale, podendo o juiz interpretar como condição, ou como nudum praecep (um, segundo as
circunstâncias.
2.ILICITUDE E IMORALIDADE. A sorte da condicão de não casar, quando contra os bons costumes, é a seguinte:
resolutiva, cumpre distinguir: a) se a resolução é pelo casamento do segundo beneficiado: “A terá, se E se casa (ou
não se casa) com C”; pois que é ilícita ou imoral a condição, a segunda queixa jurídica é que é nula; b) se a condição
é a cargo do primeiro beneficiado, a questão toca ao cerne: a tradição do direito brasileiro era a de ter-se por não
escrita a ilícita si non nupserit(COELHO DA ROCHA, flwtitwiçôes de Direito Civil portugués, § 699). Valia a
deixa. Ora, o Código Civil só acolheu isso para as fisicamente impossíveis. Assim, a herança ou o legado si ‘non
nupserít é nuto se o si non nupserit, pelas circunstàiwias, for ilicito ou imoral. A solução de hoje é a da nulldade, à
semelhança do que ocorre às juridicamente impossíveis. (O art. 116, 1~a parte, é direito excepcienal, pelo princípio
da inexidade da condição.) Assim, se a condição é ilícita ou imoral, resolutiva, de não fazer (eg., non nubendi) ou de
fazer, salvo casos especiais, o negócio jurídico é nulo; se ilícita ou imoral, suspeitiva, de fazer ou de não fazer, nula
é a deixa. Trata-se o negócio jurídico como ‘unidade.
1.CONCEITUAÇÃO. A lei fala em heranças e legados. puros e simples, sob condição, para certo fim ou modo, ou
por certa causa (Código Civil, art. 1.664) Não se referiu às restrições de poder, de que ela, noutros lugares, trata,
sem lhes. dar nome genérico, nem lhes considerar a natureza jurídica)
Já se versaram os dois primeiros assuntos, restam-nos o Modus e a causa, lembrados pela lei, e as restrições de
poder, que constituem matérias assaz relevantes em disposições muiis causa. (O Código Civil fala em “fim ou
modo”, art. 1.664. Talvez o legislador tentasse referir-se a determinações objetivas. Mas essas não são modus: o
modus é subjetivo, incumbe a alguém; a determinação objetiva pertence às restrições de poder.)
2.DIREITO ROMANO. No Digesto, a palavra modus empregou-se em várias significaçôes. Medida, limite,
quantidade, maneira, cláusula aposta a qualquer direito ou negócio jurídico, temperamentum das servidões. A figura
jurídica precisa, construída, nâo aparece no direito clássico (A. PEIINICE, Labeo, 12). Pode-se dizer:
originâriamente, a palavra tinha de designar tudo que se apunha para limitar, restringir, determinar. Todos os
negócios juridicos que não eram puros e simples podiam chamar-se «um modo. Sentido larguíssimo e genérico,
sobretudo vago. É pena que ainda hoje, desatendendo-se à evolução fixadora da terminologia, se encontrem trechos
de juristas que descurem do sentido técnico, semeando equívocos, bem graves, na doutrina e na prática. Tanto mais
quanto o emprêgo em sentido próprio, correspondendo a nítida figura jurídica, é irrecusável na época justinianéia.
Às vezes para ela, emprega-se outra expressão menos feliz: Lex, condicia, iwssus, ca (ou hac) lege ou condicione
ut, algumas vezes só ita ut. Mas a categoria lá estava, precisa. Nos testamentos, o nwdws é bem lex. Neles, a vontade
do testador é tez priv ata (A. PERNICE, Lab co, 79 s.), a que deve obedecer a interpretação, JOA. DOM.
PEREGRINES (De Fidcico;ninissis, art. 11, n. 112), notou ser vulgar, nos antigos juristas, nomear-se a disposição
testamentária como lez privata ín reb’us suja (testatoris) ; mas lez privata era qualquer negócio jurídico. As outras
expressões, inasus, jubere, também se reportam a testamentos. Ao livre ordenar do testador bem se presta o verbo
iubere; e o dizer das inscrições sepulcrais, quanto a ereções iussu testatoris, precisou o sentido. Na palavra condicio
também não se enquadra a figura, e muitas vezes abrange fatos restringentes bem diversos.
A precisão terminolégica data do século III, segundo A. PERNICE (Labeo, 12 e 18), se bem que Constantino, no
ano 316, iTho diga, como devera, donatio sub modo (Fragmenta ficaria, 249, 8), e observou FE. HAYMANN (Die
Schenlcung unter einer Auflage, 24, nota 2). Das Leis Finja, Cincia e Vocofia, pretendeu GUSTAv Huco (Lekrbuoh
des Geschichte des rdmisehen Rechts bis a.uf Justinian, 589), que proviesse a fixação.
Nas legislações modernas, a confusão terminológica continua a afear os textos (Código Civil francês, arts. 900 e
953; “condition”; velho Código Civil italiano, art. 1.128; nôvo, artigos 647 e 648) . Surgem, às vezes, equivalentes
novilatinos e teutos: peso dos italianos, charge, Auflage, encargo. As duas últimas são expressões técnicas, uma no
Código Civil alemão
(§§ 525-527, arts. 1.940, 1.967, 2.186, 2.187, 2.192-2.196) e outra no Código Civil brasileiro, ainda que, nesse, os
arts. 1.740 e 1.737 discrepem do sentido estrito, constituindo o último expressão envolvedora de modus e de
obrigações dos bens. Nos autores alemães, antes do Código Civil, empregava-se Zweck, Zweckbestimmung. F. VON
SAVIGNY preferia Verwendung. Mas o Código Civil alemão fixou a terminologia.
4.DIREITO CIVIL BRASILEIRO. No capítulo das disposições testamentárias em geral, o Código Civil brasileiro
contém a permissão global das disposições puras e simples, condicionais, modais e por ceda causa. Quanto às
condições encontram-se esporádicas exceções, nos arts. 1.667, 1, 1.731; e. g., nos arts. 1.706, 1.707 e 1.731, fala-se
em encargos, sem que o legislador adote restrições. Já o mesmo sucedeu nos arts. 1.180 e 1.181, parágrafo único.
Outra vez em que se tratou de encargo apenas se dispôs que ele não suspende a aquisição, nem o exercício do
direito, salvo quando expressamente imposto no ato, pelo disponente, como condição suspensiva (art. 128) . Era o
que dispunha o EsbOço de TEIXEIRA DE FREITAS, art. 655. A suspensividade somente de expressa declaração
pode resultar. Há também referências a encargos nos arts. 1.166, 1.167 e 1.714 (excepcionalmente, a expressão foi
empregada noutro sentido, que cumpre não confundir, no art. 1.587).
9.“MODUS” E CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO. O motins não se identifica com o contrato a favor de
terceiro para o caso de morte, porque esse pressupõe a existência de sujeito, ou, pelo menos, em formação (E.
ENDEMANN, Lehrbuch des liuirgerlicheu Rech,ts, III, 730) . As consequências das distinções mais interessam às
doações com encargo que ao modus testamentário.
10.“Monus” E “NUDA PRAECEPTA”. O motins é ônus juridicamente eficaz. Não se confunde com o nudum
praeceptum, que é o simples conselho ou recomendação. A sanção desse é moral, não juridica. Não pertence à
ordem externa, mas à consciência. Coisas fronteiriças, entre as quais J. F. CORrES (Specimen inaug. de modo
cxmventionibus adjecto, eius que effectu inridico, 22), queria pôr os conselhos que obrigam com um pouco de
sanção jurídica. Ora, sanção jurídica, ou há, ou não há. Porque a coação-proteção implica ser ou não ser: à diferença
das sanções morais, que são graduadas ao infinito, variáveis, sutis, era íntimas, ora centrípetas. Aos intérpretes dizer
a que domínio pertence a recomendação: se ao Direito, e será modus, ou só à Moral, e será nutum praeceptum.
“Lego
a B e quero que seja amigo de C”, “lego a E, a quem recomendo continue a ser o bom filho, que é” são ruida.
praecepta. “Lego a E, que acudirá a C, por ocasião da sua formatura” é motins: o testador crê em apertos
econômicos, ou outras dificuldades de O, por ocasião de concluir o curso, e quer que E o auxilie. Juridicamente
eficaz. Quase sempre e não sempre (como, sem razão, quis CLóvís BEVILÁQUA (Teoria Geral do Direito Civil,
314), a recomendação a favor do beneficiado é conselho, e não motins. Quase sempre. Não sempre, porque: a) não é
verdade que a vantagem do próprio onerado, no direito romano, importasse, sempre, nudum praeceptum
(CARMELO SCUTO, Ii Motius, 119) ; b) porque há recomendações desse caráter que são modais e até condicionais
suspensivas. A opinião adotada por CLóvís BEvILÁQUA fora refugada há séculos.
11.“MODUS” FIDEICOMISSO. Alguns escritores (por exemplo, R. TROPLONG, ao art. 900, n. 363)
lamentavelmente confundiam modus e fideicomisso. As duas determinações estão ligadas, sim, porém não anexas: o
fideicomissário é herdeiro ou legatário. A justaposição é consequência de direito real, ao passo que de direito das
obrigacões o encargo. A propriedade do fiduciário é atingida. Inventaria os bens gravados, O fideicomissário tem
direito ao que acrescer à parte do fiduciário.
12.“Monus” E FUNDAÇÃO. - O motins, se bem que possa constituir destinação objetiva dos bens, não se confunde
com a fundação. Na vida, soem aparecer juntos ou associados, a) Pode haver modus cujo destinatário seja fundação,
ou para se formar fundação, ou constituNção de fundação com todos os caracteres e capacidade de direito (E. 1.
BEKKER, System des heutigen Pandektenrechts, 1, 285; A. PERNICE, Labeo, III, 150; LUDWIG Mírrms,
Rthnisckes Privatrecht, 1, 415). A fundação fará próprios e destinados aos seus fins os bens da porção que se lhe
deixou. Mas cumpre notar que: ou será o próprio testador que figura como fundador, criando-a antes de morrer; e o
motins não sofre qualquer alteração na sua estrutura ordinária; ou é criador mortis causa, e então os bens ficam com
o onerado, em situação jurídica a que F. ENDEMANN (Lekrbuch. des Rúrgerlichen Rechts, III, 731) deu nome de
Wartverpflichtung, obrigação expectativa como se fala do Wartrecht, direito expectativo (no sentido técnico) : do
lado da fundação, não há direito expectativo, posição jurídica, de modo que é erro f a-lar-se do Anwartschaftsrecht
da fundação; ou o onerado é, pela própria verba, o fundador, tendo-se, então, a fundacão fiduciária (Josm?
KOHLER, tiber das Recht der Stiftungen, Arcltiv Ijir Ejirgerliches Redil, III, 228; 1W. LEVY, Gemeinnutzíge
Auflage, § 28>. Nessa, o onerado realiza o querer do testador, mas a fundação é ato criativo de fundador vivo. b)
Pode o fim do motins ser a formação de fundação não autônoma, isto é, sem sujeito, a cargo de pessoa física ou
jurídica (E. REGELSEERGER, Pandelcten, 341 s.; OTTO VON GIERKE, Deutsches Privatrecht, II, 60). Quase
sempre do herdeiro, do legatário, ou do testamenteiro. A obrigação é de empregar, ou de entregar à pessoa que
mantém o serviço a que se destina, em cujos cofres e escrita é bem à pafle, fundo especial. A esse respeito, cumpre
reter que os princípios jurídicos e as regras de lei relativas à sub-rogação (do herdeiro, ou do legatário) se aplicam
muI alia mutandi a esses bens à parte (F. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 782), a esses fundos especialmente
destinados, e as pessoas, a que se entregam, cometem crime e respondem civilmente pela inaplicação segundo a
verba modal. c) O modus pode ser motins ordinário, simples e não envolver qualquer fundação autônoma ou não-
autônoma. Mas, em qualquer dos dois casos (a e o motins não se confunde com a fundação. Apenas se associaram
as duas categorias jurídicas, compossíveis, que são, e de eficácia mais ou menos equivalente.
13.“MODUS” E RESTRIÇÕES DE PODER. Também não se deve confundir o modus com as restrições de poder, a
que a lei brasileira chama cláusula (inalienabilidade, incomunicabilidade, indivisibilidade, venda só judicial ou só
em leilão, impenhorabilidade). Errado, a respeito, CARMELO SCUTO (17 Modus, 262); certo, F.
REGELSEERGER (Pandekten, 604), que a todos advertiu quanto a de não alienar ou de não entregar aos credores:
tal determinação, disse ele, não tem por fito um dever, mas restrição de poder. Acrescentemos: tais cláusulas cabem,
precipuamente, ao testamenteiro, são objetivas, podem e devem ser averbadas, registradas, ainda contra a vontade
do herdeiro legatário. Ora, o motins é obrigação do herdeiro ou legatário, é obrigação de ato ou de omissão. Adiante
teremos de ver várias consequências dessa distinção.
1.FIGURA E ESPÉCIES. A figura do motins também se espectraliza. Donde as seguintes formas: a) Motins a cargo
dos herdeiros em geral, ou do inventariante do espólio (o testamenteiro e o Curador são, de regra, autorizados a
intervir).
b)Motins alternativo quanto à prestação. A escolha cabe ao obrigado ou a terceiro. e) Motins condicional, ou a
termo. Determinação anexa, ao modus, por sua vez, não fica vedado condicionar-se ou acompanhar-se de termos.
Há condições e termos apostos a disposições modais. J. CUJÁCIO deu o exemplo: “Lego o prédio a ti com o
encargo de dares dez a Tício, se a nau voltar da Ásia”. A disposição, a que se anexa o motins, pode ser
condicionada: mas, por sua natureza, o motins liga; não-suspende, obriga, ao contrário da condição suspensiva, que
não obriga, suspende. Por isso mesmo, o modus que tivesse de atuar, de obrigar antes da eficácia, não poderia ser:
seria condição, que suspende, e por isso não obriga, faz dependente. Não seria motins.
2.“Morius” COM “MODUS”. “D’eixo a fortuna ao hospital B, que continuará com a grande sala de médicos do
Ginásio de tal lugar, mas o Ginásio deverá continuar só do sexo masculino”. ~ Pode apor-se motins ao motins? Sim.
Nada obsta a. que o testador, beneficiando a alguém, lhe dê encargo. Posso legar a B uma casa, com o encargo de
dar pensão de tanto a
mas sujeitar C a guardar os livros que deixo, ou a ter em sua casa a alguém. Não há texto de
lei, nem princípio geral que proiba a adjunção de disposição modal a outra.
3.“Morais” E CLÁUSULA PENAL. Nada obsta a que, como estímulo para o cumprimento, se aponha ao motins a
cláusula penal: a cláusula penal não tem, hoje, o caráter roma-no (cp. A. PERNICE, Labeo, 44 s.).
1.“MODUS” E EXIGÊNCIA LEGAL DA DFrERMINAÇXO DOS SUJEITOS. O Código Civil, arts. 128, 1.180,
1.181, parágrafo único, e art. 1.664, trata o motins como determinação anexa. Assim, em regra, não suspende a
eficácia do ato, porque não é condiçâo; e não se aplica o art. 1.572: ao beneficiado pelo modus, não se transfere, co
ipso, o domínio, nem a posse. Mas há outra conseqUência que é de grande importância prática:
o art. 1.667, III, não atinge os encargos. Por isso, a interpretação discriminativa legado ou motins tem sério
alcance:
se é legado, não vale a “disposição”; se é motins, pela acessoriedade vale a determinação do testador.
Pelo motins restringe-se a vantagem que a disposição criou. ao herdeiro ou ao legatário.
2.CASOS DE PRINCIPALIDÂDE DO “MODUS”. Nos atos entre vivos, o motins pode ser correspectivo. Nos atos
de dis-posição vwrtis causa, não. Por isso mesmo envolve, sempre, limitação da liberdade. Todo encargo, se não
diminui, restringe, grava, onera. É preciso, portanto, que o direito hereditário possa ser diminuído, onerado. Se esse
direito não é o do artigo 1.721, tudo mais se simplifica: o testador pode distribuir, como quer, o que é seu e
disponível. As disposições de última vontade, diz-nos, ferindo o ponto, E. WINDSCEEID (fie Lehre ties rõmischen
Rechís von der Voraussetzung, 83), não tem por fito e caráter de atribuir a alguém qualquer coisa, mas regular,
dispor, ordenar a sorte do patrimônio depois da morte (cf. FR. HAYMÂNN, Die Schenkung unler ejuer Aufiage,
79). Ainda que o legado não beneficie o legatário, nem por isto deixa de ser legado: que o não queira o legatário.
Nem o enriquecimento desse é elemento essencial, nem, tão-pouco, pode ele invocar uma oposição entre a
liberalidade e o encargo. Legado é disposição com conteúdo patrimonial, e não o caracteriza, se quer, o
enriquecimento do legatário (G. HARTMANN, Úber Begriff wnd Natur der Verinlichínisse, 10).
Excluída, nas disposições mortis cansa, a relação, o sina lagma, a doutrina do motins só encontra dois obstáculos: a
quota hereditária dos herdeiros necessários e a construção de outras figuras jurídicas, a que o encargo possa
deformar, a ponto de cair na ilegalidade. Se, nos atos inter vivos, a disposição ci causam constitui contrato
correspectivo, e não doação sub modo, não se dá o mesmo com os legados: ainda que o encargo lhe esgote toda a
utilidade econômica, que seja, por exemplo, pensão maior que o valor locativo da coisa, nem por isso deixa de haver
legado.
Se o motins é principal, não se embota por ilegal: é o legado que se há de subordinar ao motins. Foi meio, e não fim.
E podia ser. A acessoriedade dos legados é fato vulgar: L. 88, § 1, D., de tegatia eI fideieo’mmissis, 31; 28, § 1, D.,
de excusatianibus, 27, 1. Tanto assim que a interpretação tem por vezes de rumar pela dependência. Aceitar legado,
e não cumprir encargos, é expor-se. Por exemplo: os legados a testamenteiros,se não têm eles, por isto, direito à
vintena, são dependentes da execução testamentária. Lembre-vos o dizer de G. MAJÂNSIO: sub modo te gare idem
est ao in contractibus ob causam dare. A isso apegou-se HERMANN LAMMPROMM (Teilung, Dartehen, Auflage
unti Umsatz-Vertrag 82 s.) Aliás, a caução vai criar esse vínculo entre os interessados.
Otexto da L. 88, D., de legatis et fideicoqnmissis, é de PAULO; e lá está dito: “Lana legata vestem, quae ex ea facta
sit, deberi non placet. 1. Sed et materia legata navis armarlumve ex ea factum non vindicetur. Nave autem legata
dissoluta negue materia neque navis debetur. Massa autem legata scyphi ex ea facti exigi possunt”. E na L. 28, § 1,
D., de exonsationibus, 27, 1: “Quae tutoribus remunerandae fidei causa testamento parentis relinquuntur, post
excusationem ab hei-edibus extrariis quoque retineri placuit. quod non habebit locum in personam filii, quem pater
impuberi fratri coheredem et tutorem debit, cum iudicium patris ut filius, non ut tutor prozneruit”. Se a deixa foi a
tutor, que ainda não tem o decreto, com o pedido devidamente formulado, e recusa a função, PÂPINIANO chamou
atenção para a transmissão aos herdeiros estranhos, salvo se se trata de filho, que o pai nomeou co-herdeiro e tutor
do irmão impúbere, porque, aí, merecia a retribuição como filho, e não como tutor. Hoje, havemos de entender que
há de ser a quem for o tutor.
3.“Modus” EXCESSIVO EM RELAÇÃO Á DEIXA. Aquele a que beneficia a disposição sub modo pode obrigar-
se a satisfazer encargos que vão além do valor recebido em herança, doação ou legado. A questão não é tão simples
quanto se tem pensado (E. ESPÍNOLA, Manual, III, 2, 639; J. A. FEEREIRA ALVES, Manual, 19, 255). No
direito civil português, sim. Lá estatula o art. 1.793: o legatário não responde pelos encargos do legado senão até
onde chegarem as forças do mesmo legado. No Brasil, a regra do art. 1.587 concerne aos herdeiros, e não aos
legatários, e a palavra “encargo” está no sentido de dívidas. Na Argentina, o Códivo Civil, ao tratar das doações,
estatui (artigo 1.854) : “El donatario responde sólo del cumplimiento de los cargos con la cosa donada, y no está
obligado personalmente con sus bienes. Puede substraerse à la ejecución de los cargos, abandonando la cosa donada,
y si esta perece por caso fortuito, queda libre de toda obrigación”. Regra, essa, que se afasta da inspiração de C.
TouLLIER, e V. MARCADÉ: uma vez que o donatário aceitou, com os encargos, deve executá-los; a doação não é
contrato menos servil que os outros contratos. Ora, no Código Civil brasileiro, não se encontra solução que lembre a
do Código Civil argentino, nem poderíamos adotá-la. Menos ainda transferi-la ao direito dos legados e ler
“encargos”, em vez de “dívida”, no art. 1.587. Talvez por isso mesmo se exige à doação com encargo a aceitação
expressa, excluindo-se, no art. 1.166, a tácita. No art. 1.167, cogita-se da perda do caráter de liberalidade, quando o
objeto seja equivalente ou inferior ao encargo impôsto.
Uma das consequencias do art. 1.167 é a de poder-se acionar o doador pela evicção (ainda que não se trate do art.
285), quando, de gratuito, passar a oneroso o contrato. A despeito do que diz CLóvIS BEVRÁQUIA (Código Civil
comentado, IV, 347), nem todas as doações gravadas de encargo e remuneratórias ficam sujeitas aos danos da
evicção: a responsabilidade do doador, na parte liberal, só se entende quando haja dolo art. 1.057). Não é o nome do
contrato, que lhe dá o poder de obrigar o contratante perante o evicto, mas o caráter de onerosidade. Ora, esse
caráter pode ser restrito a parte dos bens doados, a certo pedaço da figura contratual; e foi isso o que se disse no art.
1.167. Aliás, antes (IV, 335), essa é a opinião do autor do Projeto.
No nôvo Código Civil português, art. 2.276, seguiu-se outro caminho: “O legatário responde pelo cumprimento dos
legados e dos outros encargos que lhe sejam impostos, mas só dentro dos limites do valor da coisa legada. 2. Se o
legatário com encargo não receber todo o legado, é o encargo reduzido proporcionalmente e, se a coisa legada for
reivindicada por terceiro, pode o legatário reaver o que houver pago”. O art. 2.277 acrescenta: “Se a herança for
toda distribuída em legados, são os encargos suportados por todos os legatários em proporção dos seus legados,
exceto se o testador houver disposto outra coisa”.
No direito brasileiro, sempre entendemos que, na ordinariedade dos casos, cada modus se apõe a um legado. Se tal
não ocorre, os encargos são distribuídos proporcionalmente ao valor dos legados.
No direito alemão, não há a regra que o Código Civil português e o argentino entenderam inserir. No § 526, quando
devido a vício de direito ou da coisa dada, se torne inferior às despesas do encargo o valor da doação, se dá ao
donatário o direito de recusar-se a executá-lo além do que vale o recebido, enquanto não se lhe entregue o que o
vício tirou. Se, ignorando, cumpre o encargo, pode pedir que o doador lhe pague o que gastou causado pelo vício.
Não se trata, pois, de regra jurídica geral que confira com o valor da coisa os encargos, e sim de outra, bem
diferente, que admite a conferência quando o valor tenha diminuído do que se cria, em razão de vicio de direito ou
da coisa. Mas, aí, não é só o encargo que se vai conferir com a valia do objeto: o que se procura saber é se o vício
diminuiu aquele valor, para que, então, se verifique, por eqUidade (Motive, II, 301) o importe da diferença. Melhor
seria, aliás, contar-se apenas o abate se bem que assim não pensem os escritores (KARL KOnn, J. von Staudingers
Kommentar, fl, 7Y-8ª ed., 1a parte, 819).
No direito civil suíço, o art. 246, alínea 33, firma a recusabilidade, se insuficiente para o encargo a doação. Mas essa
faculdade a que se não exige determinado fundamento (erro, evicção, vícios redibitórios), longe está do sistema do
Código Civil alemão e do brasileiro. Cumpre não se misturar a conferência objetiva do direito suíço (H. Osm~,
Koinmentar zuni Sckweizerischen Zivilgesetzbuck, V, 561) com a do Código Civil alemão e a do Brasil, dependentes
da responsabilidade pela evicção e pelos vícios redibitórios (arts. 1.101, parágrafo unico, e 1.179)
No Código Civil brasileiro, não há nenhuma regra jurídica que permita afirmar-se a recusabilidade da execução do
encargo quando esse exceda o valor da doação, nem o direito de reaver o excesso quando porventura se verifique
que o cumpriu a donatário <o art. 920 não é aplicável, porque modo não é cláusula penal). Nem o direito suíço, nem
o argentino, nem o português podem ser invocados: adotaram critério que não é o das nossas tradições, nem o da
doutrina comum aos povos civilizados, sucessores do direito romano.
5.APLICAÇÕES DO “MODUS”. O principal campo de aplicação do madns são as disposições de interesse geral:
sustento de mutilados, livros para determinada escola, limpeza semanal de determinado jardim público, coleção de
quadros, biblioteca, ala especial de livros em bibliotecas públicas ou de sociedades de grande freqUência. Há os
encargos de puro interesse privado; e. g., cremação do cadáver, forma do enterro, missas e funerais; sustento de
criança (basta que a verba negue direito a reclamar, ou ordene que se preste em segrêdo, para que não possa ser
legado), presente de aniversário durante dez anos a alguém.
A fixação de honorários ao testamenteiro, F. ENDEMANN (Lehrbuch des Rúrgerliclum Rechts, III, 733), considera
modus. Ou é prêmio, o que consta da lei, ou, se excede o valor, legado. Não há nenhuma conveniência teórica ou
prática em se preferir a figura do ,notius à do legado. Não é de se excluir a possibilidade da fixação modal; porém
não é o que mais acontece.
Nas disposições modais a favor de particulares, a figura quase sempre vacila. Como que ondulante entre o motins e
o legado. Mas, a cada momento, é preciso classificá-la rigorosa-mente, para certas consequências práticas. O
testador disse:
“Deixo a A os três prédios, que, por sua morte, passarão a mas, durante a vida de A, B receberá dele x mil cruzeiros,
com que se educará e manterá em bom estado a biblioteca, que não quero se desloque da sala do quarto prédio, de
propriedade de E”, Fideicomisso, legado de alimento, com motins; finalmente, legado do quarto prédio a E.
São motins: a) a determinação ao herdeiro ou legatário de pagar a hipoteca do prédio, que lhe deixa, ou de outro, ou
do prédio de outrem (F. ENDEMANN, Lehrbuch des Biirgerticheu Rechts, III, 788; no Brasil, diferente do Código
Civil alemão, § 2.166, o beneficiado por isso pode ter, e é regra, direito a reclamar) ; b) a disposição que ordena
constituir bem de família o prédio que lhe lega, ou outro. Mas pode ser olhe-Uva; nesse caso, não é modus e sim
restrição de poder, que o testamenteiro cumpre ainda contra a vontade do herdeiro eu legatário.
1.INVALIDADE. Não vale o encargo: quando não vale o testamento, ou se a cláusula em si é nula; quando for
ilícito, ou impossível, o seu objeto. Exemplo: os encargos imorais, captatórios. Ou se a lei os veda, como ocorreria
na espécie do Código Civil, art. 1.667, II ou III. Se só em parte é impossível, ilícito ou imoral, cumpre-se na parte
indene (Esboço de A. TEIXEIRA DE FREITAS, art. 668), quando separável (Código Civil, art. 153).
Pelo motins, o testador não pode limitar a liberdade de testar do herdeiro, ou legatário encarregado (M.
ROSENTRAL, Einfluss der Auf gabe und Resolutivbedingung auf die Testierfreiheit, 48, 49 e 54). Por exemplo, o
art. 1.167, 1; porque seria fraude à lei converter em disposição modal a captatória, disfarçando-a. Nem pode impor
que não Leste sôbre os bens, ou que teste sôbre o que deixou ou legou (F. ENDEMANN, Lehrbuch III, 784).
É proibido o motins contra as leis; é nulo o motins, que, no dia da morte do testador, era objetivamente impossível
(A. PERNICE, Labeo, III, 292; E. 1. BEKKER, System, II, 859). Ressalve-se o caso de vir a ser possível, previsto
pelo testador, conforme as considerações feitas noutro lugar.
Modns absolutamente inútil ou necessário não opera; porque só constitui recomendação. Às vezes, a inutilidade
aparente deve levar o juiz a reputar restrição de poder: “deve pagar no 8º dia os impostos, fiscalizado pelo Juízo”,
“receberá por alvará do Juízo os juros e pagará os impostos”; cabe, no primeiro caso, se houve infração, receberem-
se os alugueres e pagarem-se os impostos, pontualmente, e, no segundo, nomear-se corretor.
O juiz não pode entrar na indagação de se o modus consulta, ou não, o bem público, como pareceu ao testador. O
que ele deve é verificar se é sério, ou pilhérico, se revela perfeito juizo ou não, se é ilícito ou imoral, ou se licito ou
moral o seu conteúdo, ou a sua execução. Vale, por exemplo, o motins apôsto ao legado, impondo ao legatário
(hospital vegetariano) médicos vegetarianos (E. ENDEMANN, Lehrbuch des Bhirgerlichen Rechts, III, 785).
Quanto à impossibilidade ou ilicitude (ilegalidade, contra bonos mores) do encargo, cumpre distinguir: a) Se já se
operou a aquisição por parte do onerado, não há separar motins acessório e motins principal: trata-se de
determinação anexa. que não contamina em regra, a herança ou legado; tornando-se impossível, ou ilícito, sem
culpa do onerado, a própria principalidade desaparece, porque ele, que era principal, desapareceu. Cabe a regra de
DURANTE, De Candicionjôns et Modis impossibiUbus et iureprohibentis, c. 1, n. 5): “Si modus casu deficit,
legantum tamen et dispositio non corruit”. São os mesmos princípios dos direitos das obrigações. b) Se ainda não se
operou a aquisição por parte do onerado, ainda não cabem os princípios dos direitos das obrigações: trata-se da
constituição do motins, que pode envolver a própria existência do negócio jurídico sub modo. Nesse caso, há de
inquirir-se:
se o motins é principal, e então o negócio jurídico é nenhum; b) se é acessório, e então o negócio jurídico se
compõe, porque existe por si.
2. ANULABILIDADE DO “MODUS”. As regras sobre condições nada têm com o motins. Pode a determinação
modal ser anulada por violência, erro ou outro defeito. Mais: aplica-se ao motins a regra de impossibilidade; nesse
caso, nulo é ele, e não o legado ou a herança. Porque é determinação anexa, que não levanta a disposição. Não cabe
fazer-se a distinção do Código Civil, art. 116, só relativa a condição. Assim: a) a impossibilidade ou ilicitude da
determinação modal é inoperante se o modus foi concebido para quando for possível, física, jurídica ou moralmente
(F. HERZFELDFÁR, .7. von Staudingers Kommentar, V, 688) ; b) tratando-se de disposição suspensivamente
condicional ou a termo inicial, é válido o modus, se a possibilidade, ou ilicitude, cessar, antes de se verificar a
condição, ou de se atingir o termo (E. HERZFEIZDER, .7. von Staudingers Kommentar, V, 638).
1.PRECISÕES. Ao herdeiro nasce a obrigação modal com a aceitação da herança, quer no caso do Código Civil,
artigo 1.581, § 1.0, quer no do art. 1.584. Ao legatário, no momento em que está autorizado a reclamar o legado: a)
se puro e simples, desde a morte (art. 1.690) ; b) se a condição ou a prazo, depois de realizada a condição, ou o
vencimento do prazo (art. 1.691>; e) passada em julgado a sentença que decidiu ser válido o testamento, ou
terminada a lide (art. 1.691, 1~a parte). Se o legado é alternativo, e o modus só toca uma coisa, desde a opção; mas a
interpretação dirá de quando lhe começam os efeitos. Nos casos de obrigação eventual (wartrech,tliche
Verpflichtung), como a de que antes se falou, ou a de prêmio às primeiras dez mulheres que entrarem para o
Congresso Nacional (exemplo de F. ENDEMANN, Lehrbuch des Biirgeriichen Rechis, III, 786), a obrigação
somente surge quando se verifica a condição: é mudus condicional. Ao testamenteiro cabe velar pela execução,
ainda que tenha prestado contas: as suas funções duram enquanto duram as restantes aplicações do testamento.
Obrigação modal nasce ex re: se perece o objeto do legado, perece o modus, se ele não tocava à herança; perecidos
os objetos da herança, perece o modus, se não estava ligado ao objeto deixado ao legatário e não perecido. Diz-se
que, ineficaz o legado, é ineficaz o modus. Certo, se se ressalva a interpretação da verba. Na verdade, a interpretação
é que decide; e não há, como regra, o que ele postula. Ao testador é livre estabelecer: a) a dependência de ambos os
lados: nulo um, nulo o outro; b) a independência de ambos; e) a dependência de um ao outro. Mas as regras
ordinárias são: 1) O legado não é dependente do motins; 2) O modus acompanha a sorte objetiva da deixa, mas,
somente se pessoal, acompanha a sorte subjetiva.
O motins não se integra no negócio jurídico, como a condição suspensiva. Não suspende a aquisição, porque é
anexo, e
não parte integrante do negócio jurídico. Mas quem aceita a herança ou legado, obriga-se ao modus. Quem não quer
cumprir o motins, tem de renunciar a herança ou o legado.
TreuMnder. Mais uma vez nos aparece esse elemento germânico-eclesiástico, que constitui precioso e inabolível
componente das nossas culturas ocidentais, realmente vividas e compósitas; e aparece mesclado a instituto romano,
no meio de regras jurídicas romanas. ~ como se déssemos braços a fidúcia de Roma, ao amicua (PAUL
OERTMANN, Die fiducia, 124; Orro KARLOWA, Rõmische Rechtsgeschichte, II, 560), o salmào (de que falamos
nos Tomos XXXII, § 3.663, 1, 2; L. II, § 5.482, 2; e noutro Tomo volvermos a falar).
Quando o testador não designou o onerado, é onerado o herdeiro, ou são todos, se há mais de um (E.
HERZFELDER,J. v. Staudingers Kommentar, V, 688). Se são muitos os obrigados ao mesmo encargo, observa-se a
regra interpretativa do artigo 1.702. Quanto aos herdeiros legítimos e necessários, já se disse quando podem ser
onerados. Em geral, o modus pode ser impôsto a qualquer pessoa que figure no testamento: herdeiro, legatário,
primeiros e mediatos herdeiros (fiduciários, fideicomissários). Já se pretendeu, entre nós, erradamente, que o
fideicomisso não admite aposição de modus. Talvez sugestão do art. 1.789, que, aliás, não diz isso, nem nada tem
que ver com o problema dos encargos. Nem fideicomisso é encargo, que pudesse obstar ao motins: naquele, a
obrigação de entregar é conteúdo da ardem sucessiva e, a bem dizer, recai nos herdeiros do onerado, e não no
onerado. Nem há exclusão a priori do motins ao motins.
Para se ver a sem-razão de tal novidade impeditiva, cerceante da vontade dos testadores, e sem apoio em lei, nem na
doutrina, seria assaz lembrar o próprio titulo do Codez Instiulauns, VI, 45: de his q~uae sub modo legata veZ
fideicomntissa relinquun,tur (do que, sob modo, se deixou por legado ou fideicomisso) . Se os herdeiros do legatário
podem ser onerados de motins, j,por que não os poderiam ser os herdeiros do legatário que se substituem? No direito
brasileiro, previu-se, expressa-mente, a sorte dos encargos (art. 1.781), nas substituíções em geral, e no mesmo
capítulo se cogitou, como espécie que é, do fideicomisso. Fêz-se mais: inseriu-se o art. 1.787, que, como aquele, se
refere ao substituto. A imunidade do fiduciário e do fideicomissário, bem como a do nu proprietário, às restrições
modais aberraria dos princípios de sucessão testamentária, e nada encontraria, de fundamento filosófico, ou de lei
escrita, que a justificasse.
Os encargos são irrecusáveis à herança, são linhas traçadas pelo testador, e o fideicomissário, como qualquer
substituto, não pode pretender que a vontade testamentária deixe de ser lex privata para ele. Seria antepor-se o
substituto ao herdeiro ou legatário do primeiro grau. Tão ocioso era dizê-lo que o art. 1.731 não constitui outra coisa
que simples regra jurídica interpretativa do querer de quem testou. Ressalta, translácido, do texto legal (art. 1.781) :
“O substituto fica sujeito ao encargo ou condição impostos ao substituído, quando não for diversa a intenção
manifestada pelo testador, ou não resultar outra coisa da natureza da condição, ou do encargo”.
Os encargos passam aos próprios herdeiros (note-se bem:
herdeiros) do adquirente gravado. Lição indiscutível, a que se deu forma no Esbôço de A. TEIXEIRA DE FREITAS,
art. 668: “Se os encargos não forem de tal qualidade que só pelo adquirente gravado possam ser cumpridos, os bens
serão transmissíveis entre vivos e por sucessão hereditária, e com eles passará a obrigação de cumprir os encargos”.
Só não acompanham os bens, se forem de natureza personalissima, como ensinar matemática, ele próprio, ao filho
do testador (ainda aí pode não ser personalissima). Aliás, é- difícil imaginar-se encargo que só pelo adquirente possa
ser cumprido, e evitar-se-á interpretá-lo como intransferível.
4. SITUAÇÃO JURÍDICA DO BENEFICIADO PELO “MODUS”. A base do instituto do motins está o pensamento
de existirem interesses, dignos de reconhecimento jurídico, cuja execução não precisa caber no circulo estreito dos
direitos de um sujeito e cujo titular pode ser, até, pessoa jurídica a construir-se. Interesses, às vezes, dilatadamente
gerais, como edificar parque de diversões, arborizar praça. Certos requisitos legais, como o de haver a pessoa que
seja o sujeito, indispensável em se tratando de herança, ou de legado, não se exigem aos encargos. Muitas vezes, por
tal maneira se concebe o modus, que o benelidado nenhuma intervenção possui, passivamente recebe a vantagem,
que a disposição lhe traz. Certo, para se consertar Igreja, cemitério, jardim público, é de mister a permissão da
autoridade eclesiástica, do diretor do cemitério, da Municipalidade; porém a estrutura do encargo pode ser tal que
não dê legitimação a qualquer deles para reclamar o benefício. Isso, que nessa hipótese ocorre, mas somente pode
acontecer (e não é a regra), penetrou no Código Civil alemão como elemento definidor do modus ou Auflage
testamentário. No direito brasileiro o modus não é sem sujeito, mas pode ser. Ou seja com o fim de engendrar
personalidade jurídica (fundações, institutos), ou seja para beneficiar a sêres que nunca terão personalidade. Ou a
coisas, como a estação da cidade em que nasceu o testador, os pontos vacinicos de determinado Município. Em tais
casos, há destinatário, e não sujeito. Não há legitimados, não há titulares de direito: há participantes ou
coparticipantes passivos da liberalidade.
O motins pode beneficiar o próprio onerado. No direito romano, não operava, seria mera recomendação do testador,
conselho, insinuação afetiva (Cmi. FR. VON GLÚCK, Ausfiihrlicite Krlduterung der Pandect eu, IV, 464; A.
PERNICE, Lab co, 4). É o motins simplez. No direito comum, o de não fazer dívidas, valia. Hoje, não nos servem os
velhos critérios. É preciso maior respeito ao interesse ideal dos testadores. “Deixo um milhão de cruzeiros a B, que,
com parte desse dinheiro, acabará a casa que começou” é legado e modus, perfeitamente válido. “Deixo x à Ordem
A com que acabará o edifício da Igreja da minha rua”. Se a Igreja (da Ordem) demole a casa e não cogita de outra na
mesma rua, não se pode cumprir o motins. Nem ela, recebendo-o, tem jus ao que recebeu. As disposições “pagando
todas as dívidas que tem e nada, depois, hipotecando”, “pagando todas as dívidas que tem e nada, depois,
hipotecando, passando a B, se o infringir” são cláusulas que valem. A primeira é herança ou legado com modus,
como a segunda seria herança ou legado com modus e mais resolutividade (não pagamentos das dividas), ou
condição (não hipotecar), que pode ser registrada como cláusula de impenhorabilidade.
Mas, se o beneficiado é o contemplado, ~ como exigir-se? No caso de haver equivalente pecuniário, volveria a ele;
ou não volveria, e prejudicá-lo-ia. Não cabendo o valor econômico, nem por isso o ato ou omissão deixa de ser
suscetível de constituir modus. Se se trata de doação, ,dá-se a revogação? Sim: o art. 1.180 do Código Civil
concerne ao cumprir, e o art. 1.181,parágrafo único, à revogação pela inexecução. Nos testamentos, o art. 1.180 é
aplicável, por força do art. 1.707. Quanto à revogação, falaremos do assunto a propósito do art. 1.707. A caução de
modo conservando pode, em todo o caso, ser exigida, máxime ocorrendo suspensividade, o que pode haver (art.
128) e, na dúvida, haverá, como consequência do respeito ao artigo 1.666. Não se poderia presumir que o testador
quisesse disposição ineficaz. Do contrário, não seria modus, mas nudum praeceptum.
1.GENERALIDADES. As ações pessoais que possam surgir só prescrevem em vinte anos. Mas, se o herdeiro só
nas vésperas da expiração desse prazo é que vem a reclamar a herança, semente do dia em que a recebe é que se
conta o prazo liberatório para ele; e isso é consequência do que já se disse:
a obrigação modal surge com a aceitação da herança (artigos 1.581, § 1, e 1.584). Quanto ao legatário, certo ele é
obrigado a cumprir, desde que pode reclamar, mas a prescrição somente cabe a partir do recebimento, porque,
chamado a cumprir, poderia defender-se com o fato de se lhe não haver entregue o legado.
2. PRAZO PARA CUMPRIMENTO DO “MODUS”. Se não foi fixado o tempo em que se devia cumprir o modus,
entende-se, na dúvida, ser exigível com a morte ao herdeiro, ou ao legatário, quando puder exigir o legado. Cláusula
em que aquele, que dispõe, restringe a própria disposição, o modus obriga àquele a que se impôs, salvo se física ou
juridicamente impossível, ou se o testador o enunciou em forma de mero conselho ou exortação (Preussisebes
Aligemeines Landrecht, 1, Título 12, § 516) . O que recebeu a herança, ou legado, deve cumpri-lo no tempo
marcado, ou nos períodos em que se deva cumprir. Se se não marcou, no momento razoável e enquanto possível o
cum
primento. Se, sem culpa do herdeiro ou legatário, se torna impossível o cumprir-se, na forma determinada, o modus,
devo executar-se por outra análoga, que consulte a intenção do testador. Só se for de todo impossível, exonera-se-á
do encargo o instituído (Preussíscites augemeines Landrecht, § 511; M. A. COELHO DA ROCHA, Instituições de
Direito Civil portugués, II, § 702, 553 s.; Esboço de A. TEIXEIRA DE FREITAS, art. 662). Havendo culpa,
observa-se o que resulta do art. 1.707, combinado com o art. 1.180. Pela interpretação desse, conclui-se que, em
sendo a benefício do próprio herdeiro, ou do legatário, se tem o encargo como recomendação, deixada, por isso
mesmo, ao critério do beneficiado (cp. Esboço de A. TEXEIRA DE FREITÂS, art. 657), ou consiste em restrição
de poder, seguindo a sorte dessa, que é objetiva, ou constitui o modus que beneficia o próprio onerado, suscetível de
pedido de caução, ou, conforme o caso, de resolução (cp. art. 1.707). Se a execução do modus se torna impossível
por culpa do onerado, cabe a ação de enriquecimento injustificado para volver ao espólio a prestação que não foi
cumprida e tomar o destino que o testamento ou a lei regram.
Para que, impossível, por sua instrução ou meios, a execução do encargo, possa ser cumprida, por outra, análoga,
éde mister que o juiz, ouvidos os interessados, o autorize (cp. Esboço de A. TEIXEIRA DE FREITAS, art. 662).
Se o modus se há de tratar à semelhança das cláusulas de restrição de poder, o modus é limitação, sinal menos, na
propriedade que se recebe, algo que se funde com ela, limitando-a. Faz parte do bem, constitui qualidade
inseparável, depressão objetiva. Quem recebe um prédio que tem encargo averbado, não recebeu só um prédio com
obrigação pessoal de alguém. O encargo adere. Trata-se de associação da figura do motins com a restrição de poder,
com a cláusula. No julgamento de extinção, nos ofícios e alvarás, cumpre ter-se todo o cuidado ~m se atender a esse
caráter objetivo que o motins assumiu.
De qualquer maneira a cautio Muciana cria a relação obrigatória: é um negócio jurídico nôvo. Gera obrigação de
não fazer, e não só de restituir. Não cabe, pois, falar-se em modus,, em transformação da suspensiva em disposição
modal, ou em resolutiva. Quem transforma, muda. O que se dá, na cautio Muciana, é que intervém pins, que é a
caução mesma. Assim, nem se deu ficção, como aprazia a J. CujÁcIo e G. MAJANSIU~ ou a E. WINDSCIIEID e
L. ARNDTS (Lehrbueh der Pandekten, §§ 595 e 558), nem a suspensiva em resolutiva transformada, de RIPER.
Tão-pouco, a mutação em modus, de A. VON SCI{EURL. e CARMELO SCUTO.
Só se dá a obrigação de restituir quando o inadimplemento é imputável ao caucionante, o que supõe obrigação de
não fazer, obrigação. Ora, quem diz condição, no diz obrigação. Condição suspende, não obriga. Obriga a cautio,
porque é negócio jurídico obrigacional. No modus há obrigação; por isso recorreram a tal figura alguns
explicadores. Porém não é o caso. A restituição vem da cautio (OTTO KARLOWA, Rõrnische Rechtsgeschichte, II,
872-874), que é reiuedium. Outra opinia.n foi a que estendia a cautio Muciana às disposições modais. Ora, no
modus, já existia a obrigação.
8.EXTENSIÃO DA CAUÇÃO MUCIANA. Uma vez que a deixa fora feita suspensivamente, com condição
potestativa para o beneficiado, mas negativa, o acontecimento só seria certo quando ele morresse. Não se trata de
condição perplexa e QUINTO MúcIo CÉVOLA quis salvá la (L. 7, pr., L. 72, L. 73 e L. 106, D., de condieionibns
et demonstrationibus et causes et modis gorum, qua.e in testamento seribuntur, 35, 1>. De mieio, a caução Muciana
só se fazia quanto aos legados. Depois, estendeu-se aos fideicomissos e às instituições de herdeiros (L. ‘7, L. 18 e
I~. 101, D., de legatis et fideicommigsis, 81, 1; L. 4, * 1, D., de condicionibus institutionum, 28, 7). Finalmente,
generalizou-se ao tempo de Justiniano (L. 4, § 1, D., de co’,r. dicionibus institutionum, 28, 7). O herdeiros
abintestados podiam exigi-la (13. WINnsdnrnn, Lelvrbuch des Pandektenrechts, IjI, 9•a ed., 270 s.; contra, E. AD.
VON VANGEROW, Lehrbucli der Panxteleten., II, § 485; II. DERNBURO, Pandekten, ~ 7.~ ed., 157, nota 4). O
problema, que ainda se discute no tocante ao direito romano, diante da L. 4, § 1, 13., de condicionibus
institutionum, 28, 7, e da Novela 22, caput 44, ainda interessa ao direito hodierno.
Discute-se se cabia a caução Muciana, se a condição podia tornar-se certa antes da morte do herdeiro ou do legatário
condicional; por exemplo, se a condição era “se não casar com A” e A morreu (cf. Cita. FR. MÚHLENBRUCH, em
CHR. FR. voN GLTJCK, Ausfijhrliche Erlituterung des Pandecten, 41, 261 s.;
E. WINDSCIIEID, Lehrbuch des Pandektenrechts ~ 9.º ed., 270 s.). Ora, à interpretação é que tocou a decisão (L.
106, 1?., de condicionibus et denwnstrationibus et causis et modis eorum quae in testamento scribuntur, 85, 1). No
Tratado dos Testamentos (Tomo III, 120) escrevíamos que “a nossa opilimo e diferente das outras”, “em principio,
cabia a caução Muciana, de modo que só a vontade a afastaria e a L. 106 era aplicação da vontade do testador,
excepcionalmente”.
No direito romano, obtinha-se a aditio mediante a cautio .tvfuciana, se havia condição suspensiva, concebida
negativa-mente. Se não fizer, receberá. Dava-se ~eficácia, pendente coudtctone, ou direito ou legado. Com ela,
conseguia o legatário escapar á dureza do fies non cedit ante existentem condicionem.
A cautio Muciana era apenas para as disposições de última vontade; não para os negócios jurídicos entre vivos, pois
que qualquer ato entre os figurantes nada tem com o reinediurn da cautio Muciana (SILVESTRE COMES DE
MORAIS, Tractatus de Executionifrus, II, 63)
Sem a potestatividade negativa não há cautio Mucuzua. Todavia, às vézes se formula de modo afirmativo a
negativa:
“si cum filio meo in matrimonio perseveraverit” diz o mesmo que “si a filio meo non diverterit” (L. 1.01, § 8) . Foi
isso que
levou G. FEIN (De hereide suo sub condicione inst., 56 s.) ao erro de afirmar que havia caução Muciana em casos
de potestativa afirmativa. Também o cometeu MANUEL DE ALMEIDA E SouzA (Tratado prático e comnendidrio
de todas as Ações Sunuirias, 162), inclusive admitindo a caução Muciana no legado ao clérigo para se ordenar. A
caução, ai, nada teria com a condição suspensiva potestativa negativa, e não seria caução Muciana: seria caução de
modo servando, porque se trataria de modas, ou cansa final, e não de condição suspensiva. Caberia, sim, em caso
como o de condição de habitar com determinada pessoa, ou com determinadas pessoas, ou de sempre advogar, ou
fazer pesquisas, ou de não deixar a profissão de juiz, ou de não se afastar do serviço médico do Hospital A. Não
caberia se, além da negativa, há outra condição que possa diferir a ação do legado (L. ‘77, § 1, 13., de condicionibus
et de-monstrationibus et causis et modis corum, quae in testamento scribuntur, 35, 1: “Muciana cautio locum non
habet, si per aliam condicionem actio legati differi potest”). Quer seja alternativa, quer conjuntiva a condição (5.
ZIMMERN, Comm. de Muciana cautione, 19).
4.Dnuaro BRASILEIRO. Na tradição do direito brasileiro há a doutrina autêntica da caução Muciana si sub
condicione potestativa negativa aliquid sit relictum (P. 3. DE MELO FREIRE, Institutiones luris Civitis Lusitani,
III, 82). Todavia, como os títulos falavam de tegato sub modo et de cautione Muciana, leituras superficiais levaram
a confusões, como aconteceu com MANUEL DE ALMEIDA E Sousx (Tratado prático e cornpen.diário de tódas as
Ações Sumárias, 161) e com CARMELO SCuTo (II Modus, 95 s.). O primeiro referiu-se a prestar caução antes da
aquisição, referindo-se ao modus, grave erro de conceituação; e citou SILVESTRE COMES DE MORAIS
(Tractatus de Ezecutianibus, III, e. 4, n. 30). Mas SILVESTRE COMES DE MORAIS só se refere à condição
postestativa (III, c. 4, n. 30, p. 63) e a extensão errônea foi feita por MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA.
CARMELO SCUTO baralhou os conceitos.
A caução Muciana é inconfundível com as garantias e seguranças que o herdeiro ou legatário ferido pela condição
suspensiva pode pedir (cf. Código Civil, art. 121). Aí, ele pede; não dá. Na caução Muciana, pedida por alguém, o
herdeiro ou legatário é quem dá.
Quanto aos herdeiros legítimos na espécie do art. 1.728 do Codigo Civil, pode caber a caução Muciana (L. 72, pr.,
106, e ‘7, pr., 13., de condicionibus et demonstrationitus ei causis et modis corum, quae in testamento seribuntur,
85, 1) . In. omnibus condicionibus, <puxe morte legatarioru»~ finiuntur receptum e-si, iii Mudana cautio
interponatur
A caução Muciana pode ser por fiador ou real (cf. L. 67 e L. 106, 13., 85, 1; e Nov. 22, caput 44).
1. PRECISÕES. Uma vez que, de regra, o modas não suspende, não haveria segurança, notadamente nos casos de
não caber revogação. A caução ao modus impunhase, pela natureza das coisas.
2.DIREITO BRASILEIRO No direito luso-brasileiro sempre se deu ao onerado pelo encargo o dever de caucionar
o adimplemento Muito diferente do que se passa com a caução Muciana. Para fundamentação da caução de modo
servando, Invocou P. 3. DE MELO FREIRE (Institutiones uns Civilis Lvsitani, III, 82) a L. 80, O., de condicionibus
ei demonstraíio. nibus ei causis et modis eorum, quae in testamento scnibuntur, 85, 1) e escreveu: “Causa finalis,
seu modus legato adiectus. non impedit quominus illud statim peti possit; debet tamen praestari cautio de modo
servando”. Estava certo; porque em texto interpolado do QUINTO Múcío CflVOLA está expresso.
A caução ao mcdus garante a obrigação, que há no motins,. à diferença da caução Muciana que óbvia à
suspensividade e permite a entrega.
Quem pode pedir o cumprimento do modus pode pedir a caução de modo servanílo (cp. Código Civil, art. 1.707,
onde se trata da legitimação para exigir o adimplemento modal).
1.CAUTELA SOCINI. O nome “cautela Socini” provém, sem razão plausível, de ter Marianus Socinus, o jovem,
morta em 1556, ter aprovado uma, em parecer. Em verdade, a cautela já estava na L. 44, pr., O., de bonis
libertorum, 88, 2, e na Nov. 117, caput 1, pr., e em velhos tratados de direito. (Cf. J. E. RUNDE (Progr. ‘de nsu
iongaevo cautelae, quem vocani, Sacini, ante ipsum Socinum, 1 s.).
As porções necessárias são incólumes às obrigações modais e outras restrições, salvo a de cláusula de
inalienabilidade, quer temporária, quer vitalícia, a de incomunicabilidade, a de livre administração pela mulher
herdeira e a de conversão dos bens da quota necessária em determinada espécie de bem ou de bens, ou em
determinadas espécies de bens (Código Civil, arfigo 1.723) . Isso de modo nenhum impede que o herdeiro
necessário, que recebe mais do que a quota necessária, fique sujeito a modus e outras restrições, inclusive condições.
A Nov. n. 117, caput 1, pr., foi bem clara em fazer atingível pelo modus ou pela condição o que se inclui na parte
testável. Se há caução, ou é caução Muciana ou caução de ‘modo servando. Aceita a parte livre, isto é, a parte além
da quota necessária, o herdeiro
legítimo simples ou legítimo necessário assume o modus, e não pode alegar que incide o Código Civil, art. 1.587 (a
palavra “encargos”, no art. 1.587, está no sentido de “dividas”, de “passivo” da herança, e não de modus, cuja
obrigação é decorrente de ter aceito a herança ou legado).
A cautela Sociniana põe o dilema: ou o herdeiro aceita mais do que a porção necessária, e cumpre o modus, ou só
recebe a quota necessária.
Tratando-se de herdeiros necessários: só aceitam o modus, se quiserem, expflcitamente, porque poderiam ceder,
vender, ou doar a quota necessária. Com isso não se fere o principio da inviolabilidade das quotas necessárias (cf.
L. 35, 2, C., de inoff idoso testamento, 8, 28). Tais considerações favoráveis à cautela Sociniana, fê-las, em seu
tempo, por outras palavras, O. L. BOEHMER (Disse-natio de libenis fideicomisso oneratis, § 10, nota a). Nem a
cautela Socini é supérflua, como pareceu a J. U. VON CRAMER, Progr. de cautela Socini abundante, Opus-cicia,
II, n. 28), nem se há de dizer que tem o mesmo efeito da aceitação de porções gravadas (cf. H. W. KOCH, tiber die
Socinzscke Cantei, 10 s.).
Tem-se de frisar que: a) na cautela Socini há sempre, junta à oneração, imploratio ei ficie iudicis (Cmi. Luv.
CRELL, Dissertatio de cautela Socini, Dissertationes ai que rogramata, Fasc. VI, n. 49, § 10), e essa, às vezes,
suplanta aquela, e o ônus é nenhum, ficando o nudum praecepíum~ b) se o testador insere a cautela, mas exige o
inventário da parte intestada, a cláusula é inútil (C. W. KíISTNER, Progr. qico, remis. sionem inrate specificaíionis
cum caule-ia Socini coniunetam mutile esse, cwnmonstratur, 1 s.).
A cautela Sociniana é caso particular das cláusulas cassatórias ou de subtração (FRÀNZ LEONHARO, fie
Entzichungs klausch Entergung fífr den FalI der Testamentsanfechtung Jhe’rings Jabrbúcker, 66, 96) assaz próxima
daquela em que se comina a exclusão dos herdeiros legítimos que se opuserem a dísposição testamentária.
2.RESTRIÇÕES DE PODER NO CÓDIGO CIVIL. No sistema do Código Civil, as cláusulas restritivas do poder
são, quanto à parte disponível, de inteira liberdade do testador. Apenas o art. 630 do Código Civil atenua a
permissão da indivisibilidade e o art. 1.723, a despeito do principio da ingravabilidade das porções necessárias,
permite cláusulas de conversão de bens da quota necessária, de inalienabilidade temporária ou vitalícia, de
incomunicabilidade e de livre administração pela mulher herdeira. Na 2•a parte do art. 1.728 está dito: “A cláusula
de inalienabilidade, entretanto, não obstará à livre disposição dos bens por testamento e, em falta dêste, à sua
transmissão, desembaraçados de qualquer ônus, aos herdeiros legítimos”. Não há, ai, referência à parte testada: a
propriedade do fiduciário e a do fideicomissário podem ser com cláusula de inalienabilidade, de
incomunicabilidade; bem assim, a do herdeiro ou legatário condicional e a do seguinte, a do legatário a termo e a do
herdeiro ou legatário segundo beneficiado, e o objeto do encargo ou motIns.
5.POSSIBILIDADE DAS RESTRIÇÕES DE PODER. As cláusulas restritivas de poder, quer insertas em negócio
jurídico de última vontade, quer em negócio jurídico entre vivos, precisam ser possíveis cognoscitiva (inteligíveis e
com sentido), lógica (não contraditórias, nem perplexas), moral, física e juridicamente. Exemplo de restrição de
poder juridicamente impossível tem-se nas que se não incluem nas espécies permitidas pelo art. 1.728 do Código
Civil a respeito da legítima necessária. Por se tratar de determinação objetiva, a cláusula restritiva de poder fica
sujeita à eficácia da disposição (herança, legado, ou modus, pois o objeto modal também pode ser clausulado). Se o
legado caduca no todo, óbvio é que seria impossível cogitar-se da cláusula restritiva de poder. O que pode ocorrer
éque atinja a parte escapa à caducidade (Código Civil, art. 1.708, II>; bem assim, no caso de legado alternativo (art.
1.709)
Se o herdeiro ou legatário morre antes do testador, ou se renuncia a herança, ou dela foi excluído, ou, ainda, se não
se verifica a condição sob a qual foi nomeado, tem-se de interpretar a verba testamentária, para se saber se
acompanha o bem que vai ao co-herdeiro, ou ao colegatário conjunto, ou ao substituto (arts. 1.710 e 1.712), ou aos
herdeiros do remanescente (art. 1.726) . Para isso, cumpre que se verifique se o fundamento da restrição de poder foi
a pessoa do nomeado (cláusula restritiva relativamente objetiva), ou o interesse do disponente. quanto ao bem
(cláusula restritiva absolutamente objetiva), ou o interesse de terceiro que haja de subsistir com a mudança de
pessoa do beneficiado (cláusula restritiva objetiva, absoluta por ser em relação a outrem) . Só no primeiro caso, a
restrição de poder depende da pessoa nomeada.
Assim: a) Se contraditéria ou perplexa a cláusula de restrição de poder, tem-se de considerar não-escrita, porque foi
ela, e não a deixa, que não pôde ser entendida. Seria extremamente injusto, de vire condendo, ter-se por nula a
declaração de vontade por se não saber o que diz a cláusula. Bem diferente é o’ que se passa com as disposições sob
condições contraditórias ou perplexas que deixam contradição íntima, inseparável, na própria declaração de
vontade, e a dúvida invencível envolve toda a manifestação de vontade. b) Se a restrição de poder é ininteligível ou
sem sentido, não pode, de ordinário, invalidar a disposição, porque seria preciso haver parte inteligível ou com
sentido que a atingiu, o) As cláusulas inúteis, isto é, que nada adiantam, desde que não tirem ao negócio jurídico o
caráter de seriedade, com mais forte razão não o podem ferir. Aliás, no Código Civil, o art. 1.666 estatui que, se a
cláusula testamentária é suscetível- de interpretações diferentes, há de prevalecer a que “melhor assegure a
observância da vontade do testador”. Portanto, em caso de dúvida sôbre a utilidade, a que contenha solução útil. d)
Se ilícita ou contra Untos mores a cláusula restritiva de poder, só ela é nula, salvo se se estende à própria
disposição, e) Se a cláusula restritiva de poder é fisica mente impossível como a de compiar apólices do Estado A e
gravá-las de inalienabilidade, não havendo tais apólices a sorte da cláusula é ligada ao objeto; e, somente se o juiz
decide que se cumpra o legado com o equivalente (por ser essa a interpretação do testamento), incide a cláusula nos
outros bens que se comprarem (no exemplo, nas outras apólices). f) Se juridicamente impossível a cláusula restritiva
de poder, há o princípio da invalidação pelo juridicamente impossível (Código Civil, art. 116, 23 parte), porque ou
só se refere às condições, ou ao conteúdo da própria disposição. As cláusulas de restrição de poder nada têm com a
sorte das condições, nem o princípio de invalidação pela impossibilidade jurídica atinge o modus e as cláusulas.
10.INCIDÊNCIA DAS CLÁUSULAS RESTRITIVAS DE PODER. todaAs cláusulas de restrição de poder têm de
recair em bens determinados pelo doador ou pelo testador (V. HEITZMANN, Das Clauses d’inoiljéno,bilité en
delwrs des cas prevus dang la Mi, 105), ou que, no inventário, ou por ocasião da herança ou do legado, se
determinam. Dissemos “recair”, porque se pode dispor da quota, ou do que for apurado, ou do que restar, para que
se possam determinar os bens, ou mesmo adquiri-los, O recair é que há de ser em bem determinado, ou em bens
determinados. No dia da morte do testador, a cláusula incide para que se evite a inobservância futura da cláusula. Se
só se refere a determinado bem, ou a determinados bens, a ele, ou a eles se restringe. Mas, se concerne a quota
inalienável, as formalidades da venda em praça ou leilão judicial toda enquanto não se julgue a partilha, com a
especificação toda são as que as leis estabelecem para os bens com clausulação de inalienabilidade.
Efeito instantâneo da impenhorabilidade é não poderem os inventariantes ou testamenteiros entregar os bens
legados, porque lhes incumbem as providências para o registro e outras medidas necessárias. Se o fazem e advém
penhora, ou qualquer medida constritiva, têm de repor o valor atingido, ou o bem, ou os bens; pois que a cláusula,
mesmo se tem por fito proteger o beneficiado pela deixa, se funda no interesse do testador.
Para a aquisição erga omites de bem que foi deixado ao herdeiro, ou ao legatário, é preciso que se haja transcrito a
sentença que pôs termo à indivisão da herança (Código Civil, arts. 532, 1, e 856, II), porque a herança, quaisquer
que sejam os bens de que se componha e ainda mesmo que nela esteja apenas um bem móvel, é bem imóvel (art. 44,
III). Até à transcrição, o bem toda não o direito ao que foi deixado toda é inalienável. É o lapso entre a transmissão
4so jure, mesmo com a saisina, e o registro. Nele, já incidem o art. 1.572 e as regras jurídicas concernentes às
restrições de poder,
1.CAUSA E MOTIVO. toda As leis por vezes se referem a “causa~~ como “motivo”. Não se trata da causa
jurídica; no sentido técnico (e.g., negócios jurídicos causais e negócios jurídicos abstratos) Daí ser preferível falar-
se de “motivo”, fim longínquo. Diz-se no Código Civil, art. 1.664: “A nomeação de herdeiro, ou legatário, pode
fazer-se pura e simplesmente, sob condição, para certo fim ou modo, ou por certa causa”. A causa, de que aí se
cogita, é o motivo. De regra, o motivo é indiferente ao direito relativo às manifestações de vontade. Motivos são pré-
intenções que dão ensejo ao negócio jurídico., ou mesmo ao ato jurídico stricto sensu. Podem ter significação na
dimensão jurídica: a) em determinadas circunstâncias podem ser de grande importância para interpretação do
negócio jurídico, mesmo entre vivos; b) quando há questão sutil de ilicitude, desce-se, por vezes, a eles; e) o
manifestante da vontade pode elevar o motivo a elemento essencial e assim deixa ele de ser pré-intencional; d) se o
motivo se contém em condição, faz-se essencial, O assunto foi- versado nos Tornos 1, § 44; III, ~§ 260; 262, 1, 2;
268 e 269; XI, § 1.162, 6; XXV, § 8.067, 1; XLVI, §§ 5.001, 8; 5.009, 1. A causa a que alude o art. 1.664 do Código
Civil é o motivo, o que induziu a pessoa a dar, prometer algo a outra, ou a unus ex publico (cf. 1W. A. COELHO DA
ROCHA, Instituções de Direito Civil português, § 108). De ordinário, o falso motivo, mesmo se mencionado, não
prejudica (Código Civil, art. 90: “falsa causa) se expressa “como razão determinante”, ou “sob forma de condíção”,
sim, porque, então, se lhe elevou a categoria. Tomos III, 269, 6; IV, §§ 480, 6; 436, 6; 438; XXII, § 3.721, 2;
XXXVIII, § 4.199, 1; também, II, § 225, 1.
Quanto à causa, na sentido próprio, dela não se há de pensar a propósito do ad. 1.664 do Código Civil, porque, de
ordinário, as disposições testamentárias são liberalidades. Mas pode exsurgir nos legados remuneratórios, nos
contratos metidos em testamento (e.g., “B foi sócio tão bom e eficiente, que aqui lhe retiro a cláusula z do contrato
social, em que somente teria direito à terça parte dos lucros” e outras situações parecidas.
Nas liberalidades puras e simples, a teoria de causa pouco teria a fazer. Mas é de repelir-se o que disse L. Dunn~uR
(Les Mobiles dans les Contrats, 82), quanto a ser inútil, ou, como RENÉ UEMOGUE (Trotité das obligations eu
général, II, 533), quanto a ser vã. Basta que esteja em dúvida a causa donandli, para se ter de recorrer à teoria da
causa. Alguns juristas dizem que, aí, causa e motivo se confundem (e.g., E. BARTIN, Théorie des Canditions, 371;
A. COLIN et E. CÂPITANT, Cours élérnentaire de Droit Civil, II, 43 ed., 318). De modo nenhum. A causa, de que
êles falam, é o motivo (amizade, reconhecimento, amor filial ou paterno), que vão mais longe nos negócios jurídicos
entre vivos, sem se identificarem com a causa, em senso próprio.
Os motivos, nos testamentos, precisam ser expressos como “razões determinantes”, ou como “condições”, e para
que haja a relevância jurídica. Por exemplo: “Lego a B a casa x, pelo fato exclusivo de ser B o melhor amigo do
meu filho”. Aí está motivo. Se falsa a suposição (dito “falso o motivo”), só é inválida por erro a declaração de
vontade, e não porque o motivo foi expresso como determinante, ou como condição (Código Civil, art. 90). Verdade
é, porém, que, concernente à pessoa ou ao objeto, pode incidir a regra jurídica do art. 1.670, que e menos exigente:
atende-se ao fato de ser errôneo o que se supunha, sem se exigir que exista a falsidade.
O motivo, mesmo se referido, se não foi dado como determinante, ou como condição, não importa à validade do
negócio jurídico. Foi impulso, de ordem interna, razão por que com ele não se preocupa o mundo jurídico. É questão
de interpretação saber-se se foi essencial para a determinação testamentária.
O testador não precisa declarar ou deixar de fácil percepção o motivo por que dispôs. Pode declará-lo, e querê-lo
operante. Para a prova do equivoco, ou do vício da verba, nas espécies do art. 1.670 do Código Civil, que são as do
erro na designação da pessoa do herdeiro ou do legatário, ao do bem legado, podem terceiros ou o curador de
testamentos inquirir da existência, natureza e relevância do motivo. Não se confunda com o motivo falso,
inexatamente chamado “causa”, no art. 90 do Código Civil, com a causa, senso próprio. Os princípios que a essa
concorrem são outros. Àquele só se estendem os princípios sobre erro no caso de ser essencial (motivo
determinante,. ou condição).
2. FALSA DEMONSTRAÇÃO, FALSO MOTIVO E FALSA CONDIÇÃO. toda A simples falsa demonstração não
invalida a disposição testamentária. Busca-se o que o testador quis, desprezando-se a falsa indicação. Se apanha a
vontade do disponente, erro não houve que faça anulável a disposição testamentária. Uma vez que é afastável a
dúvida sobre a identidade do beneficiado,. ou do objeto, falsa demonstracio nou nocet.
Advirta-se, porém, que pode ter havido erro, com a consequência da anulabilidade. Mais: que a clausula rebus sie
stantibus se rege por outros princípios que o erro, o que já. expusemos; que a falsa causa (o falso motivo), nos casos
de erro na designação da pessoa, ou do bem deixado, pode dar ensejo à anulação.
No direito romano, o falso motivo (causa, dizia-se então) não viciava, ainda quando constasse da verba testamentária
(L. 72, § 6, D., de condicionibus et dernonstraeioniôus et causzs. et modis eorum, quae iii. testamento soribuntur,
35, 1). A despeito disso, posteriormente, admitia-se que pudesse viciar; e Furto (Traiu des Testamenis, cap. 11, n.
48) dava o exemplo: “Deixo a B, por ter cuidado dos meus negócios”, estava no testamento; e B de modo nenhum
deles cuidara. Em princípio, vale a deixa, “qula ratio legandi legato non cohaeret; mas o contrário podia provar-se.
Se no testamento se diz “lego a B que vai ser o meu melhor neto”, entende-se que não há condição. Mas pode
ocorrer que seja: a) condiciona o motivo (“lego a B, se cuidou dos meus negócios”, ou, no futuro, “se cuidar do meu
inventário”, ou “dos meus negócios”; razdo determinante, o que se passa sempre que se há de supor que o testador
não legaria se soubesse a verdade. Em tais espécies, expresso como “razão determinante” ou “sob forma de
condição” (Código Civil, artigo 90), o falso motivo vicia o negócio jurídico. Expressa a causa, lê-se no Código
Civil; mas isso não significa que deva ser direta. (Nos arts. 90 e 1.670 do Código Civil há dois campos~ diferentes e
a ambos se têm de atender.)
818’
Voltando ao princípio falsa demonstratio nou nocet, temos. de admitir que ela invalida a) se há incerteza quanto à
pessoa demonstrada, isto é, se não se pode riscar o demonstrado (si certum sit, quem testator demonstraverie), o que
é questão de-interpretação (F. ENDEMANN, Lehrbuch des Bilrgcrlich,en Recites, iii, 519) ; b) se a demonstração é
necessária e principal (rzz razão determinante), porque aí não há pensar-se em demonstratio acessória ou lateral; c)
se o problema se transforma em problema de condição, porque, então, não é de demonstratio que se trata, mas sim
de efeito da condição insita.
Se é certo que se há de respeitar o dito de PAPINLO odaratio legandi legato non cohaeret toda de que falamos, não
é menos certo que nas espécies apresentadas a demonstração é essencial ao legado (ins ipsum legati) . Por exemplo:
“Deixo a 13 a casa que herdei de meu tio”, e o testador não herdou, “Deixo a 13 os meus dois prédios”, e o testador
só tem um.. O. 13. ALTIMARO (Tractatus de Nuilitatibus, III, 262 s.) enumerou casos de demonstração viciante:
“1. Si constet, voluntatem disponentis fuisse, dispositionem esse nulíam. 2. Quando. res, quae demonstratur, non
existit. 3. Demonstratio falsa. vitiat dispositionem, quando ex aliis de corpore non constat.
4.Quando falsitas demonstrationis substantiam legati, vel dispositionis facit deficere. 5. Sic pariter, quando falsitas
denionstrationis, circa finalem dispositionis causam, versaretur,. ut in falsa consanguinitatis, vel affinitatis
demonstratione”.
Portanto, não se há de invocar, sem meditado exame, o.. princípio falsa demonstratio non nocet, nem, tão-pouco, a
outra falsa causa nocet. Nos negócios jurídicos entre vivos, supõe-se ser o sentido da declaração aquilo que lá está,
embora falso; e, nos testamentos, que não diverge do que quis o disponente (. TINE, Die Leitre voin
Missverstàndnis, 124).
Da regra do art. 1.666 do Código Civil extrai-se o mesmo que J. CUJÁOIO tirou à doutrina da L. 88, § 10, O., de
legatis et fideicommissis, 31. Se o testador reconheceu, no testamento, alguma dívida, de qualquer fonte que seja,
mas a dívida não existia, ou se há dúvida quanto à intenção do testador, o que se há de presumir é que escondeu toda
em confissão toda o legado ou outra liberalidade que entendeu fazer (in dubio praesumitur test ator quaes’iisse
praetextum te gato) À máxima de J. CUJÁ’DIO pode dar-se fundamento a posteriori, bem significativo: muitas
vezes (r= de ordinário), quem doa, quem lega, quem liberaliza, e pode doar, legar, ou liberalizar, pode ocultar, por
motivos da delicadeza da cortesia, do reconhecimento ou de outras situações pra affectu, a doação que faz, o legado
que deixa, com o benefício que em verdade quis. Se alguma circunstância reforça a presunção cujaciana, ainda mais
consistência adquire a máxima (MERLIN, Répertoire universal et raisouná de Jurisprudente, 17, 623)
Passemos à questão de CÉvoIÃÃ, na L. 88, § 10, 13., de lega-tia et fideicommissis, 31. O disponente declarou no
testamento:
“saiba o meu herdeiro, qualquer que ele seja, que devo tal soma .a meu tio Demétrio e outra a meu tio Selenco, e
quero que sem tardança lhes sejam entregues”. Se não era verdade o que dizia o testador, isto é, se não havia
qualquer divida, ou uma delas, CÉVOLA pôs, em termos gerais, a questão (quaesitum est, an, si nou deberentur,
actio esset) e respondeu: como dívidas não podiam ser reclamadas, mas sim como (legados ou) fideicomissos (si
non deberentur, nulíam quasi ex debito actionem esse, sed ex fideicommisso) . No fundo fazia-se preponderante o
querer do testador, posto que infirmada a demonstração. Falsa de9nonstratio nau nocet; porém, na espécie, há mais
do que aplicação de tal princípio: dá-se algo de conversdo, um plus que atribui à solução jurídica alcance maior do
que teria simples intuito conservativo. A glosa de certo modo percebia isso quando enunciava: “Confessio debiti a
testatore facto non probat debitum, sed fideiconimissi petitionem inducit”. Mas afastava, erroneamente, a possível
confissão de dívida sem liberalidade.
Na L. 28, §§ 13 e 14, D., de liberatione legata, 34, 3, CÉVOLA pôs outro caso. O testador encarrega os herdeiros de
entregar a sua mulher Semprônia quantia que ela lhe emprestara. Decidiu-se que, não válida como reconhecimento
de dívida a declaração, valeria como legado. Em tudo isso, é evidente o favor à vontade dos testadores. Mas seria
errado pôr-se por principio que todas as declarações de dívidas, ou de depósitos, e as demais, se devem ter como
liberalidades do testador, se podem os interessados provar as operações. A máxima capacidade é de alta relevância,
mas a. presunção tem de cessar onde as palavras e as circunstâncias excluem a dívida. Afastada está a suposição de
ter existido intenção de liberalidade. A presunção é elidível, pois que somente existe onde ocorre dúvida. (Advirta-se
que a espécie nada tem com o reconhecimento in fraudem legis, nem com a conserva çdo da parte válida das
disposições nulas quanto à forma.)
3. FALSA CONDIÇÃO. toda Se o testador diz “receberá B o edifício b, se pagar as dívidas restantes que tem com
C”, ou “se continuar sendo o bom pai que é”, ou “se abrir mão das ações da empresa e, a favor de C”, e acontece
que B nada deve a C, ou não tem filho, ou é titular de ações da empresa e, muito se há de levar a exame. Alguns
juristas, atados à regra jurídica romana da L. 72, § 7, 13., de condicio-nibus et demonstrationibus a cansis d modis
eorum, quae in testamento scribuntur, 35, 1, concluíram que a falsa condicio se há de tratar como a condição
impossível. Nada se tem que se possa ligar àimpossibilidade, porque se verificou, no passado, a condição (condicio
in practeritum coilata). Ou não havia, nem há, e tem-se de interpretar a verba testamentária, porque, a) se falta a
característica da condição (que é a incerteza objetiva) e o testador tinha por certo o que ocorria, não há cogitar-se de
condicionalidade (ANDaRAS VON TUHE, Der Álígemeine TeU, II, 2, 280), pois, se não havia, ou não há o que se
pressuponha, a disposição não vale; ou b) se havia a incerteza objetiva, condição há, e então é que se há de tratar
como impossível.
5.A QUESTÃO DE CÉvoIÃ, NA L. 88, § 10, li., DE LEGATIS ET FIDEICOMISSO, 31. toda O disponente
declarou no testamento: “saiba o meu herdeiro, qualquer que ele seja, que devo tal soma ao meu tio Demétrio e
outra a meu tio Seleuco, e quero que lhes sejam entregues sem tardança”. Se não era verdadeiro o que dizia o
testador, isto é, se, em verdade, não era devido, surge a discussão. Foi posto a CÉvOLA o problema (quasitum est,
an, si non deberentur, acUo esset.Ele respondeu: como dívidas, não podiam ser reclamadas, mas, sint, como legados
ou fideicomissos (si non deberentur, nuílam quasi ex debito actionem esse, sed ex fideicommisso). No fundo, fazia-
se preponderante o querer do testador, pôsto que infirmada a demonstração.
Já vimos que falsa demonstratio nau nocet, porém, rigorosamente, há mais do que aplicação de tal principio: dá-se
algo de conversão, um plus que atribui à solução jurídica alcance maior do que teria simples fato conservativo. (Está
em jôgo a causa, no sentido técnico: não se confunda a causa donandi com a causa donationis.)
Sem perceber isso, ou, pelo menos, sem no dizer, era o que movia a grande glosa no enunciar: confessio debiti a
testatore facto non probat debitum, sed fideicomissi petitionem inducit.
Mais simples é o caso da L. 28, §§ 18, 14, de liberatione legata, 34, 3, em que o testador encarrega seus herdeiros
de entregar a sua mulher Semprônia quantia que ela lhe emprestou. Decidiu-se que, não válido como dívida, valeria
como legado.
Em tudo isso é evidente o favor à vontade dos testadores. Mas seria errado pôr-se por principio: que todas as
declarações de dívidas, ou de depósitos, e as demais, devem valer como liberalidades do testador, se não capazes as
partes de provar tais operações (FURGOLE, Traité des Testaments, cap. 11, n. 48); ou que, na dúvida, seja
necessária a admissão interpretativa de existência de legado. É de alta valia o principio
-que extraiu da L. 88, § 10, o próprio J. CuJÁcIO: dubio praesumitur testador quaesiisse praetextum legaM; porém
tal presunção tem de cessar onde as palavras e as circunstâncias excluem a dúvida, isto é, onde afastam o intuito de
liberalidade. Esse, certamente, se presume, mas tal presunção não é ineledível, por isso mesmo que só entra onde se
cai em dúvida.
Advirta-se que o caso nada tem com os reconhecimentos in fraudem legis, nem, tão-pouco, com os fenômenos de
conservação da parte válida dos atos nulos quanto a forma.
Também as condições resolutivas, de que o texto não falar, eram inaponíveis. Já no Direito Romano não se proibia a
condição suspensiva. Talvez, ab origine, também a vedasse. Não era, em rigor, lógico o permitiremse tais
determinações se bem que se prestasse a justificá-lo a eficácia retroativa, que falta ao dzes a quo.
No direito brasileiro, o art. 1.585 fala, expressamente, de instituição sob condição suspensiva. Não se dá o mesmo
com. a condição resolutiva (arg. à L. 15, § 4, 13., e/e testamento mititis, 29, 1). A analogia com o termo resolutivo
levava, legicamente, a tal decisão (contra: Fn. EISELE, Civilistische Kleinigkeiten Jahrbiicher flir die Dogmati/c,
23, 132 s.). Se o direito brasileiro a vedasse, teríamos a solução romana. Se não a veda, vale lembrar o raciocínio de
Faeisele: diferente. do dies ad quem, a condição resolutiva não fere o direito do herdeiro, a instituição em si, mas a
delação; de modo que, a priori, nem sempre contravinha a regra semel heres sempre heres.
A lei romana não queria que o herdeiro adquirisse, a partir de determinado momento, que não fosse o da morte do
testador (instantaneidade que nada tem com o art. 1.572), a qualidade de herdeiro. Nem admitia que ele a perdesse
depois de adquiri-la. Por isso negava reconhecimento jurídico ao termo, inicial (a quo) ou final (ad quem), que
acaso se apôs à instituição do herdeiro. ~ Segundo era ex quo, ou ad quem, o termo objetivamente incerto, dies
incertus au, também se havia por não escrito? Nos testamentos, como em geral, considera-se. condição suspensiva
ou resolutiva, respectivamente. Dies is. certas condicionem in testamento facit. Assim, também, diziam,. o certus ou
incertas qnando (ANreNIo ELiUNErL’!, que o sustentava em 1893). Contra, no direito romano: A. BRINZ
(Lehrbuch der Pandekten, III, § 427), E. COSTA (Papiniano,. Studio di Storia interna deI Diritto romano, III, 143).
A regra referente ao tempo revive no direito brasileiro, mas o artigo 1.665, que a consagra, não se aplica aos
legatários.
2.CONTEÚDO DA REGRA JURÍDICA. toda Não é possível comentar o art. 1.665 sem saber o que se entende por
designação do tempo: compreende termo e condição, ou somente termo? Noutras palavras: é exceção ao art. 1.664,
do qual excluiria. a condição resolutiva; ou referente a outra matéria, toda sendo diferentes o art. 1.664 (condição,
fim, modo) e o art. 1.665, que trata de termo relativo ao começo ou cessação do direito do herdeiro? No revogado
Código Civil português, art. 1.747, em que se inspirou o brasileiro, dizia-se o mesmo: “A designação do tempo, em
que deva começar, ou cessar o efeito da instituição de herdeiro, ter se a por não escrita”. A fonte anterior foi o
Código da Sardenha, art. 823. Também o revogado Código italiano, art. 8.51, sancionava o romanismo da proibição
de se instituir o herdeiro, ex certo tem pare e ad certum tempus. Disso já se havia livrado o Código Civil espanhol,
art. 805, e o direito contemporâneo não justificaria a sobrevivência que afeia o brasileiro. Ao seguir o exemplo do
extinto Código Civil português, o art. 1.665 afastou-se, com prejuízo da evolução jurídica, da tradição do nosso
direito, vinda de P. 5. DE MELLO FREIRE, A. 5. GOUVETA PINTO, M. A. COELHO DA ROCHA e os demais
tratadistas, exceto o romanismo tardio de E. DE 1’. LACERDA DE ALMEMA (Sucessões, § 41). Antes, já se
haviam apagado, como no Código Civil alemão, as consequéncias, hoje injustificáveis, da regra jurídica sentei
heres, semper heres. É um desses artigos que futura revisão deve riscar. Ganha o direito em simplicidade e valor
plástico. Ao art. 1.664 presidiu o senso da continuidade histórica, a lição da assente doutrina. Na precisão e no ritmo
da frase, bem se vê e se sente o apurado de expressões e maneira, em que P. J. DE MEU) FREmE e M.A. CÓELHO
DA ROCHA excediam. No art. 1.665, há como o ressoar de voz estranha, algo de absurdamente estacionário, a
gritar no todo de um direito evolvido.
Todas as críticas que fizemos ao art. 1.665 constam do Tratado dos Testamentos, Tomo III, ed. de 1980.
O nôvo Código Civil italiano, no art. 633, estatui: “Se disposizioni a titolo universale o particolare possono farsi
sotto condizione sospensiva o resolutiva”.
O nôvo Código Civil português (1966), art. 2.243, ainda se apegou, em parte, ao passado: “1. O testador pode
sujeitar a nomeação do legatário a termo inicial; mas este apenas suspende a execução da disposição, não impedindo
que o nomeado adquira direito ao legado. 2. A declaração de termo inicial na instituição de herdeiro, e bem assim a
declaração de termo final tanto na instituição de herdeiro como na nomeação dejegatário, têm-se por não escritas,
exceto, quanto a esta nomeação, se a disposição nascer sôbre direito temporário”.
3.INSTITUIÇÃO E TEMPO. toda No direito brasileiro, não é essencial a instituição do herdeiro. Pode o testador
distribuir toda a herança em legados. E nem criar legados, nem herdeiros: só encarregar de certos atos os legítimos,
ou, até, só clausular reservas hereditárias (arts. 1.769 e 1.723). É estranhável, pois, que o art. 1.665 reviva o
romanismo da regra semei heres semper heres, com alguma das suas conseqüências. Manda que se tenha por não
escrita a designação do tempo em que deva começar ou cessar o direito do herdeiro. No entanto, o próprio Código
Civil conservou o fideicomisso e a condição suspensiva e a resolutiva. Há mais do que ilogismo. No direito anterior,
o jurista genial, que precede e corresponde, na península ibérica, a TEIXEIRA DE FREITAS, escrevia, desanuviado
o cérebro das teias de aranha do direito romano (P. J. DE MELO FRERE, Institutiones luris Civilis Lusitani, III, 53)
“Cum vero libera esse debeat testatoris voluntas, et licitum cuicumque de rebus suis modo leges speciales non
obstente, disponere; consequens est, ut, introducto semel testamentorum usu, possit quis heredem pure, vel sub
conditione, et in re certa instituere, et hereditatem ex die, vel ad diem dare, quin rei certae mentio, vel adiectus dies
pro supervacuo habeatur; itaque herede ex certo tempore, vel ad certum tempus instituto, eo elapso, vel antequam
illud veniat, hereditas ab intestato desertur”. Tinha lido a GROENEWEG, a GUDELINUS, a A.VINNIUS; e mais:
percebia a evolução do Direito.
4.FUNDAMENTO DO “VESTIGIUII ANTIQUL RIAIS”. toda Qual o fundamento da regra semel heres semper
heres no mandar que se haja por não escrito o termo? a) É de mister, segundo pensava A. TEWES (System des
Erbrechts, 1, § 37, 217), a continuação imediata da personalidade do defunto: a condição criaria o lapso; portanto, a
insubgetividade do patrimônio.
b)Herdeiro é filho, ou em lugar de filho, não se pode ser filho a partir de certo tempo ou até que se verifique alguma
condição (5. PELIOZZI, Istituzioni di Diritto romano, II, 432). e) Seria inconcebível, com a noção romana do título
de herdeiro, que o herdeiro não pudesse desde logo exercer ou cessasse do exercer os direitos relativos à qualidade
(GONTALiDO FERRINI, Manuale di Pandette, 754). d) Resguardam-se os interesses dos credores (H.
13ERNBERG, Beitrãge zur Geschichte, 308). Em verdade, o fundamento variou de conteúdo. As instituições soem
mudar de fundamentos. No direito brasileiro, o art. 1.665 é.imposição da lei, com a qual não se compadece o art.
1.769. Se o testador fala em herdeiro e criva de termos o que lhe deixa, justo é que se classifique como de legado a
disposição, salvo se de todo impossível. Para dar tal interpretação à verba, duas regras nos induzem e aconselham: a
do favor testamenti e a do favor voluntatis (art. 1.666).
5.CONDIÇÃO SUSPENSIVA E INSTANTANIEDADE. toda La jantanejôxide, descrita no Código Civil, art. 1.572,
cede ante a possibilidade da condição suspensiva (art. 1.585)? A lei brasileira considera a condição suspensiva como
aposta à instituição ou somente suspensiva da execução? No primeiro caso, haveria exceção à regra semel heres
semper heres (arts. 1.572 e 1.665). Mas, em verdade, não há a distinção no sistema do Código Civil, O art. 1.665 é
que é exótico. As condições valem; o termo, não! A lei manda que se considere não escrita a designação de tempo,
ad quo ou ad quem. Não tem o herdeiro de aguardar. Nem cessa de ser herdeiro. Foi, fica sendo: sarnei heres,
semper heres. Nomeou-se para algum dia depois da morte, ou de algum evento, nem por isso a nomeação deixa de
operar simultaneamente à morte. É válida a instituição como se fora pura.
6.LEGADOS. toda No direito romano, aos legados podia apor-se condição suspensiva, termo a qua, tanto certo
como incerto. Não a condição resolutiva, que se considerava supervácua. Mas Justiniano (L. 26, C., de legatis, 6,
37) não hesitou em admiti-la. E desde então, houve legados temporais, a termo final ou sob condição resolutiva.
Constitui uma das inovações justinianas em direito sucessório. Donde a caução, que deve prestar o legatário. Mas
Justiniano não ousou ir até às instituições de herdeiro: a herança, em dies a quo ou ad quem, continuava a valer
como pura. E com ele ficou o Código Civil, art. 1.665, a despeito da evolução operada no direito contemporâneo.
Continua a cair, como folha morta, o acréscimo do dies a qua ou ad quem. Tida pra supervácua a aposição; viver
como pura, a instituição do herdeiro. A válvula de hoje é a que já se havia no direito clássico: o fideicomisso. Na
prática> solução conciliatória; mas, na teoria, é interessante observar-se como se perde esforço em se querer salvar
um conceito, ligado a causas que passaram. No Brasil, o art. 1.769 abre passagem ainda maior: a distribuição de
toda herança em legados. Confrontem-se esse e o art. 1.666, e teremos assaz atenuado o valor impeditivo,
amortizante, do art. 1.665; poderá tratar-se de fideicomisso, ou de legado de todos os bens, ou de muitos legados,
esgotantes do patrimônio. Nos legados, as disposições temporais são juridicamente possíveis.
8.INAPLICABILADE AOS LEGADOS. toda Nos legados, a regra jurídica do Código Civil, art. 1.665 não incide.
Se é termo, ou condição, decide a interpretação. Se o testador quis, ou não,. que, a despeito da incerteza, haja termo
(o dies incertus an certus quando pode ser termo), ou que haja condição, e não termo, no dies certus an incertus
quando, ou que, num e noutro caso, o legado seja transmissível aos herdeiros do legatário se morre antes do termo
ou pendente condição, é questão de fato, questão de interpretação, que nada tem com regras dos artigos 118 e 123.
Só há verdadeiramente uma regra legal: se épuro e simples, transmite-se aos sucessores (art. 1.690). A do art. 1.712
é só para o caso de se não verificar o. condição (ela pode ser de natureza a vir verificar-se depois da morte do
legatário: quando nascer lhe um filho).
9.A QUE, FINALMENTE, SE REDUZ A REGRA JURÍDICA. toda Exótico, vestigium antiqui iuris, como esses
orgãos já sem USO que ficam, superfinos, embaraçantes, aos animais que mudaram de meio (garras inúteis,
barbatanas tardas), o art. 1.668é mero fenômeno de incuria legis, que escola avançada de ia-interpretação mandaria,
diretamente, ter por nenhum, e perante o qual as próprias atitudes interpretativas mais prudentes outro caminho não
têm que o de reduzi-lo, em suas contraditórias consequencias, ao mínimo de dano. Só esse propósito de reverência à
lei escrita obriga a tê-lo como regra jurídica. Porém o seu deliberado intuito não se justificaria fosse ferir outros
princípios do Código Civil e o próprio sistema. Nas vocações a título universal, o testador não pode apor dies a quo
ou ad quem. Se apõe, é não escrito. Note-se: isso só se dá quando nenhuma interpretação é possível, que salve a
verba (art. 1.666), e há tantas figuras compatíveis que dificilmente se sacrificará o texto testamentário. A regra do
art. 1.665 não se aplica quando: a) O dies a quo não é aposto à instituição, mas exclusivamente concernente à
execução dessa. Ao exercicio, digamos. b) Quando seja possível interpretar como fideicomisso ou usufruto, ou
converter.
10.EXOTISMO DA REGRA JURÍDICA. toda No sistema do Código Civil, o art. 1.665 é corpo exótico: trata
diferentemente o termo e a condição, quando, pelo art. 119, a condição é que retarda a aquisição do direito, a que
ela visa, e o termo, não. Se houve termo resolutivo, ou suspensivo, vale: significa precisamente que a aquisição não
se retardou, isto é, que o direito de herdeiro nasce como quer o art. 1.572. Como o art. 12& é dispositivo, e não
direito cogente, toda somente quando se quiser que ele retarde a aquisição do direito, e não do exercício, é que se
aplicará o vitiatur do art. 1.665. Resta o termo resolutivo, porém esse, sempre que intervier, ou, pelo menos, quase
sempre, terá o efeito de prefigurar a substituIção fideicomissária, que pode ser a termo (arts. 1.665 e 1.733: “a certo
tempo”).
11.TERMO SUSPENSIVO. toda De modo que o art. 1.665 do Código Civil, se aplica ao termo suspensivo, que
escape à regra geral, quer dizer ao art. 123, e às sucessões resolutivas, que se não possam interpretar, de maneira
alguma, como fideicomisso, usufruto, ou outra figura do direito sucessório ou das coisas. Ainda assim, quando o
testador disser “A será meu herdeiro e receberá a casa da rua A com o termo resolutivo de entregá-la a B no dia 23
de abril de 1982”, vale: porque a palavra herdeiro, ou será referente ao que recebe além da casa, ou foi erro do
testador, perfeitamente escusável, toda o que deixa a A (casa da rua A) é legado, e não herança. O art. 1.665 não se
aplica aos legados. Mais. Sempre que se deixe ao testamenteiro a incumbência de entregar a A no dia 13 de janeiro
de 1983 a casa da rua A, vale, porque é legado: a casa fica com o testamenteiro, até que se vença o prazo de
aquisição. Dar-se-á o mesmo se deixar 1/3 da herança a A, só lhe cabendo a propriedade no dia 13 de janeiro de
1984: é legado. Outrossim, se deixar a algum herdeiro a incumbência. Por onde se vê que o sistema da lei se
encarrega de roer, em todas as suas inadmissíveis conseqüências literais, o art. 1.665.
12.TERMO RESOLUTIVO. toda No direito romano clássico, o legado não podia ter termo final (B.
WINDSCHEID, Lehrbueh dos Pandelctenrecht,J, 93 ed., 610, nota 4; Lehre vom der Voraussetzung, 150; F.
SCHrLIN, Uber Resoiutivbedingungen, 200). FR. VON SAVIGNY (System, III, 219) admitia eficácia indireta
(obrigacional) ; mas tal opinião se chocaria com a L. 44, § 1, D., de obliga.tionibus et actionibus, 44, 7, onde se
tratam igualmente obrigações, e legados. Efeito do art. 1.665 do Código Civil é fazer herdável, de regra, o que o
herdeiro aceitou (cp. art. 1.585). Muitas vezes o disponente apõe termo,toda esse só se entende quanto ao exercício,
porque, inserto quanto ao direito ‘de herdeiro, é não escrito. Salvo nas disposições fideicomissárias (arts. 1.665 e
1.728), em que há hereditariedade prevista em lei.
13. REGRA JURÍDICA SOBRE ENCARGOS. toda O encargo não suspende a aquisição, nem o exercício do
direito, salvo toda diz o art. 128 do Código Civil toda quando expressamente imposto, no ato, como condição
suspensiva (fonte: Esboço de TERCEIRA DE FREITAS, art. 655). A suspensividade pode ser da aquisição e do
exercício da coisa (legatário, com encargo) ou só do exercício (legatário, ou herdeiro com encargo), ou do direito de
legatário: por força do art. 1.665 o termo inicial do direito de herdeiro será tido por não escrito; mas aos legados não
se aplica o art. 1.665, nem às condições. O herdeiro que, quanto a uma coisa, não lhe adquire à propriedade antes de
cumprir o
“modus”, é legatário quanto a esse bem. Mas a quem passou a propriedade? A construção jurídica será a seguinte:
se há herdeiro legítimo, toda com ele; se não há herdeiro legitimo, porém há outro herdeiro dos remanescentes, toda
com esse; se não há legítimo, nem herdeiro dos remanescentes, toda e só o próprio suspenso quanto ao legado, toda
ou será o testamenteiro, ou ele mesmo, na qualidade de herdeiro, conforme resultar dos termos da disposição
testamentária. Não há gradação nas menções feitas, tudo depende da vontade do testador e das circunstâncias da
disposição.
14.LIMITAÇÕES DE PODER. toda As limitações de poder ou cláusulas, sejam a quo ou ad quem, não atingem o
direito de herdeiro; por isso mesmo nenhum efeito pode ter, quanto a elas, o art. 1.665 do Código Civil.
1.LEI NOVA E DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS toda Quanto a influência da lei nova nas condições, o direito
brasileiro considera adquiridos toda para os efeitos de direito intertemporal toda os direitos cujo começo de
exercício tenha termo prefixo ou condição preestabelecida, inalterável a arbítrio de outrem. Nas disposições de
última vontade, a regra é, pois, a aquisição. O que cumpre é não se confundir o efeito suspensivo dos efeitos de um
ato (direito) com a inaquisição do direito, ou mais de cujos efeitos a condição suspende.
Simplificada, assim, a matéria, temos de considerar: a)os fenômenos de impossibilidade; b) a sorte intertemporal do
modus; e) as limitações de poder ou cláusulas; d) a falsa demonstratio.
3.IMPOSSIBILIDADE LÓGICA. toda A impossibilidade de ordem lógica toda contradição toda obedece à lei do
tempo da morte, quando se tenha de resolver, e.g., se o juiz há de reputar não escrita a primeira ou a segunda, ou
reputar tudo não-escrito, ou preferir a que beneficie o herdeiro legitimo. Se a lei da feitura salva uma das vertas,
resta saber se a regra jurídica é dispositiva, ou, toda o que envolve certo contra-senso, porque se supõe a
invencibilidade da contradição, toda interpretativa. No último caso, é possível ter-se de recorrer à lei da feitura.
4.IMPOSSIBILIDADE FÍSICA. toda A impossibilidade física é regulada pela lei da morte, toda porque é nesse
momento, precisamente, que se lhe verifica a existência. Pode ocorrer que a lei E considere nado-escrita a condição,
contra a lei A, que tinha por nenhuma toda a disposição. A resposta depende da preliminar: é interpretativa a regra
jurídica? Ora, a afirmativa seria errônea. O art. 116, poderia ser imperativo ou dispositivo; não, porém, regra
jurídica de interpretação, que pudesse autorizar a lei da feitura do testamento.
5.IMPOSSIBILIDADE MORAL E JURÍDICA. toda Quanto à moral, vale o que antes se disse. ~,A lei pela qual se
confere a impossibilidade jurídica é a do dia da morte do decujo?
Se a lei antiga permite e a nova, a da morte, veda, toda é contra leg era: não vale. Se a lei antiga veda e a nova, a da
morte, permite, toda toilitur qunestio: vale. O testador preveniu a impossibilidade pela consideração da mudança
das leis: a lei nova, que vede, é bem a prova da mutabilidade do Direito, porque a antiga não vedava, ou porque, se a
antiga também vedava, outra lei se fêz. Desde que não seja imoral, vale como possivel.
Se é de crer que a lei antiga vedativa por modo tal entrava na declaração, que nenhum intuito teve o testador de
fazê-la válida, não vale. Se constituir reserva mental, rege-se pelos princípios.
6.“MODUS”. toda A lei que rege o modus é a do dia morte (F. EERZFELDER, von Staudingers Kommentar, 637). A
interpretação segue os seus princípios próprios.
7.RESTRIÇÕES DE PODER. toda Se ocorrer que a lei A tirava aos testadores a faculdade de gravar de
inalienabilidade, incomunicabilidade ou impenhorabilidade as deixas, ou as legítimas (Código Civil, art. 1.723), e o
testamento, feito sob a vigência da lei E, contém tais determinações restringentes de poder, toda só serão aplicáveis
se o óbito se operou sob a lei E, permissiva.
Aliás, se alei?B não veda, mas circunscreve, ou atenua, serão aplicáveis segundo a lei E, se a morte foi já na
vigência dessa (cp. E. ROSENBERG, Die Enterbung in guter Absicht, 143; E. MAYER-R. REIS, Lehrbuch des
Familien und Erbrechts, II, 300).
~. Quid iuris, se mais larga, mais eficiente? Não encontramos tratada, pelos escritores, a questão. A solução que se
impõe toda morto o testador antes ou depois da nova lei estendente ou fortalecente toda é só se atender à legislação
da feitura, porque essa foi conteúdo da vontade do testador. Não assim: a) se estava prevista por ele a mudança; b)
se pensava valesse ao tempo em que fêz, sem valer, e a lei nova é permissiva.
Se o testador gravou por atos inter vivos, opera desde então e se impõe após a morte. Os ascendentes ou
descendentes (art. 1.723) não podem invocar a lei vedativa do tempo da morte para invalidar ato que já se tornou
perfeito entre vivos.
8.“FALSA DEMONSTRATIO”. toda A. lei que rege os cânones falsa demonstratio non nocet, ou nocet, e a
possibilidade de se expressarem nas disposições testamentárias os motivos (artigo 1.664), é a lei do dia da morte.
Já vimos qual a que rege o erro, e qual a que rege a reserva mental, ou o gracejo. Se a lei A era de tipo romano e a
lei E considera prejudicado o legado, cabem as mesmas considerações que noutro lugar fizemos: a lei nova dá a
sanção anulatória por erro. Mas a interpretação toda se o testador quis que o motivo interviesse, ou não interviesse
com efeitos toda tem de reger-se pela lei do tempo da feitura; porque não é a sanção que importa, e sim um dado de
vontade. Conseqüência disso não se poder falar de falsa demonstratio non noeet quando a lei da feitura considerava
o motivo e a demonstração com referência a cédula como razão determinante: foi regra jurídica interpretativa, que
ainda se aplica.
Inversamente, a lei nova não pode dar regras para interpretar como razão determinante, o motivo só referido, contra
a lei antiga, que postulava só ser razão determinante o motivo que como tal se declarou (não bastaria a referência).
1.MUDANÇAS NO ESPAÇO. toda As questões que se estabeleceram com as mudanças no Tempo também no
Espaço surgem: e as soluções do Direito Internacional Privado coincidem com as do Direito Intertemporal.
2.CONDIÇÕES E “MODUS”. toda Rege as condições a lei pessoal, porque esta é a que rege a disposição. Assim,
se outra lei tiver de regular o disposto, a ela se subordinam as condições (e.g., lego em fideicomisso o bem que
tenho na Inglaterra e em sucessão sucessiva o que está situado na Alemanha).
Se cabem resolutivas ou suspensivas à herança, diz a lei pessoal.
Como se devem tratar as impossibilidades, também lhe cabe decidir. Salvo: se a questão é de interpretação da
vontade, porque, então, poderá a do domicílio, a do lugar, a da situação da coisa ser conteúdo da vontade. Contudo,
é outra questão.
A condição moral impossível (contra bonos mores) rege-se pela lei pessoal, salvo as aplicações de ordem pública e
bons costumes.
O modus segue a lei pessoal, a lei do conteúdo do testamento. Disposição, como quaisquer outras.
3. RESTRIÇÕES DE PODER. toda Aqui, a lei somente poderia ser a da própria disposição, toda a pessoal. Mas as
restrições de poder ou cláusulas, recaem em bens que podem ser situados fora da pátria do testador ou do Estado
que lhe dá a lei pessoal,. ou serem móveis regidos pela 1a parte do art. 10 da Introdução. Por isto, a inalienabilidade,
indivisibilidade e impenhorabilidade ficam dependentes da lex rei sitae.
Não há choque, mas aplicação de dois princípios (E. FRANtoda KENSTEIN, Internationales Privatrecht, II, 62,
contra se tratar de estatuto real, A. PILLET, Traité pratique de droit internatoda tional privé, II, 445). O estatuto real
resolve quanto à possibilidade, durabilidade e intensidade da clausulação de direita das coisas; mas a obrigação de
não alienar, o que vale o modus, éstes não podem ser atingidos pelo estatuto real. (O Estado da situação da coisa
poderá, quando for o foro, considerar ilícita ou contra a circulabilidade dos bens; mas isto é a questão de ordem
pública, que atende a outros princípios.)
1.CONFLITOS DE LEIS. toda O art. 1.665 do Código Civil ou. as regras similares e as antagônicas criam, no
Tempo e no Espaço, conflitos de lei. Cumpre, pois, estudá-los.
2.“SEMERES, SEMPER HERES”, CONDIÇÕES E TERMOS Às HERANÇAS. toda A lei que regula é a do tempo
da morte. E essa lei decide: a) da necessária aplicação da regra jurídica extraída dos textos romanos, se constar do
seu sistema; b) da possibilidade de se aporem condições ou termos às heranças (H. HABIÇHT, Die Einwirkung des
BGR. auf zuvor entstandene Rechtsverhãltnisse, 732 5.; L. KUHLENBECR, Einfúhrungsgesetz, J. v. Staudingers
Kommentar, VI, 599 s.) ; o) do número de pós-herdeiros, se permitida a instituição sucessiva; d) do fideicomisso.
Se ocorre que se extinga o fideicomisso e se regule a herança sucessiva (como o direito francês e o alemão), deve-se
salvar a verba de fideicomisso inserta ao tempo da permissão. construindo-a, ao tempo da morte, como sucessão
sucessiva.
1.CONFLITOS DE LEIS. toda Situações em conflito desenham-se no Direito Internacional Privado: ora é a lei
pessoal que proibe, seja a nacional, seja a do domicílio, ora a da situação da coisa, ora a lex fori, ora a lex loci.
2.“SEMEL HERES, SEMPER HERES”, CONDIÇÕES E TERMOS APOSTOS ÀS HERANÇAS. toda O que
precipuamente importa é a vontade do testador, mas ela é impotente para se impor a regras, como a do art. 1.665 do
Código Civil, que lhe manda riscar termos, ou outras, ainda mais vivamente aferradas ao romanismo do senteI
heres, semper heres. São limites, postos pela lei, ao princípio do livre querer do testador. Variam êles, conforme os
povos. Fideicomissos tem a Inglaterra; a França não os tem. O sistema jurídico brasileiro só admite uma instituição
fiduciária e uma fideicomissária, a que se chamou, ex argumento, fideicomisso do 1.0 grau (art. 1.789).
A lei que regula toda ~ matéria do art. 1.665, similares, ou antagônicas, é a lei pessoal. Aqui, surge a questão de
outro estatuto, o real, quando se trata de substituição fideicomissária que a lex sitde proiba (E. FRANKENSTEIN,
Internationa.leS Frivatrecht, II, 62). Mas o assunto pertence aos arts. 1.733-1.740. Quase sempre são reais as
aplicações. (Contra, A. PILLET, TraiU pratique de Droit international privá, II, 445). A invocação da ordem
pública raramente é necessária: e.g., se está em causa a unidade do bem.
1.FUNÇÃO DO JUIZ. toda A interpretação das verbas testamentárias toda com o intuito de salvar, o mais possível,
a vontade do testador toda é o nôbile offícium do Juiz dos Testamentos.
Encher os vazios; remediar os defeitos (Seufferts Árchiv, 60, n. 98, 191 s.); investigar a verdadeira vontade; suprir
na sentido da vontade do testador; penetrar em suas intenções, para ver, lá dentro, o que no testamento o disponente
quis. Nada de agarrar-se às palavras, como que a castigar o testador pelo que disse mal. No fundo da sua
consciência, ele deve ter sempre a palavra de comando: Salve, se possível, a verba:
A missão não é fácil, porque joga com toda a linguagem ?humana, cheia de imperfeições, máxime nos iletrados, ou,
pior, nos de meia-ciência, e com quase todas as figuras ou categorias do mundo jurídico.
2.DUAS REGRAS FUNDAMENTAIS. toda Duas regras principais contém o Código Civil: a) uma, relativa aos
atos jurídicos em geral: “Nas declarações de vontade se atenderá mais .à sua intenção que ao sentido literal da
linguagem” (art. 85); b) outra só referente aos testamentos, que é a do ad. 1.666.
São idêntica?? Não. A primeira vai direto ao conteúdo do querer, para revelá-lo: espana as dúvidas, varre todas as
razões de duvidar, e impõe a solução mais próxima do querer; a segunda supõe a perplexidade do intérprete,
duvidoso diante dos caminhos diferentes, que pode tomar. A lei lhe diz, neste artigo, qual o que deve seguir.
4.ELIMINAÇÕES E DISTINÇÕES PR VIAS. toda A palavra interpretação, aplicável, em Direito, às leis e aos atos
jurídicos, teve, por consequencia, lamentável confusão entre as regras, que se haviam de seguir no entendimento das
regras jurídicas, e as que disciplinariam a inteligência dos negócios. Os critérios são assaz diferentes.
Outra lamentável extensão toda e às vezes confusão toda foi a que derivou da própria palavra “testamento”: como se
tratasse de verbas testamentárias (negócios jurídicos), não faltou quem recorresse aos princípios interpretativos
concernentes às formas testamentárias (aplicações de regras legais), ou a essas aplicasse regras de favor que não
concerniam ao testamento, e sim aos negócios jurídicos nele contidos. Diariamente, observam os juizes esses
baralhamentos; às vezes, frutos de consciência; outros vezes, proposítais. Fácil será imaginar-se o número de
injustiças que disso resulta.
Menos graves, porém não sem conseqüências condenáveis são as derivadas da falta de perfeita interpretação do
Código Civil, art. 1.666, por sua vez regra jurídica interpretativa. O conteúdo dessa regra jurídica é assaz rico.
Teremos o enseja de ver que se trata do coração do direito testamentário.
Porém, antes, cumpre proceder a cada uma das eliminações e distinções a que acima nos referimos: a) não se
confunda interpretação das leis com interpretação dos atos juridicos; b) tão-pouco, interpretação das regras
jurídicas sobre leis testamentárias com interpretação do conteúdo dos testamentos; c) não se equiparem as verbas
testamentárias às outras declarações de vontade.
5.INTERPRETAÇÃO DAS LEIS E INTERPRETAÇÃO DOS TESTAMENTOS. toda Na interpretação das leis,
deseja-se e pesquisa-se a regra jurídica, que venha dar diretriz e solução a certas relações examinadas: pode haver e
pode não haver texto e todaquando haja toda ele mesmo vale segundo o justo cabimento da sua aplicação. É
iniciativa, não obra final. Na interpretação dos atos jurídicos, particularmente dos testamentos, o que se vai colher é
uma vontade, que, bem ou mal, se exprimiu no escrito, ou, extraordinariamente, por intermédio de outras pessoas
(Código Civil, art. 1.663). Por isso, a interpretação dos testamentos sempre pressupõe uma “vontade” declarada
em testamento. Ora, nas leis, a suposição de “vontade” é critério, que se deve recusar. O mesmo voluntarismo que
tantas. vezes combatemos e constitui vício dos intérpretes das leis, refugado nos meios cultos, esse erro que
repetidamente profligamos (nossos livros: Sistema, 1, 459-478, li, 264, 266, 448, 500 e 389; Introdução à
Sociologia Geral, 213 5.; Política Cientifica, n. 163; Fontes e Evolução, 140 s.>, principalmente no escrito Sub
jektívismus und Voluntarismus im Recht, inserto no Vel. XVI do Árchiv liii- Rechts- und Wirtschaftsphilosophie,
fundado por JOSEF ROULER e FRITz BEHOLZHEIMER (volume em honra de ERNST ZITELMANN), esse
mesmo voluntarismo que, ali, não se compreende, aqui, constitui o único intuito, o único critério interpretativo.
Nas suas performas históricas, foi o testamento algo de lei especial, lex privata. A aprovação pública, como lei, bem
o mostra. A lei de 25 de junho de 1766, pr., ainda o disse ato sério e legislativo. Mas, depois que se fêz instituto
autônomo, inconfundível, deve tratar-se tão-somente como ato jurídico e sujeito às regras de interpretação deles, e
não das leis. Nunca é demais insistir-se na essencial diferença entre uma e outra. Graves são as conseqüências da
confusão.
6.FORMAS TESTAMENTÁRIAS E CONTEÚDO DOS TESTAMENTOS. toda O art. 1.666 do Código Civil não
incide quanto às formas testamentárias. Só se refere ao conteúdo dos testamentos. A observância das solenidades é
ius cogens toda interpretável, aliás, como toda lei toda porém não suscetível de nele dispensar o testador, nem o juiz,
quando conhece da infração. Onde quer que se sancione o favor da vontade (art. 1.666), como no Código Civil
alemão, § 2.084, a regra só se refere ao conteúdo, e não às formas solenes (W. MANTEY, Das Erforderniss richtiger
Datierung eines holographischen Testaments, em Gruchots Beitrãge, 48, 642). É um favor voluntária.
8. REGRA GERAL DO CÓDIGO CIVIL, ART. 85. toda A regra primeira está no Código Civil, art. 85: “Nas
declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem”. Deve-se procurar o
intuito do testador, porque este, mais do que tudo, esclarecerá. Porém há de ser evitado o sentido absolutamente
contrário às palavras, porque, então, poderá dar-se o erro. Por conseguinte, a anulabilidade (E. HERZEELDER,
Erbrecht, 3’. von Staudingers Kúmmentar, V, 457).
9. Disposição CLARA. toda Se não é obscura, nem ambígua, nem lacunosa, a cláusula, diz-se, não cabe interpretá-
la (E. MEISCREIDER, Die letztwilligen Verfiigungen nach. dem BOR., Só; F. HELZFELDER, Erbrecht, 3’. von
Staudingers Kommentar,
nem procurar dar-lhe maior alcance e melhor aplicação; e nisto consiste uma grande diferença entre a interpretação
das leis e a dos atos jurídicos, que a incidência sói confundir. Mas, ainda em testamento claris verbis, pode aparecer
a necessidade de dar-lhe a categoria ou outra circunstância.
Certa vez, ANDREAS VON TUMR dehniu testador como a pessoa que “os juristas ordinariamente contrariam”. E
não só o jurista: as gentes do foro, os práticos, os interessados, todo o mundo. Daí dificilmente, pela afluência de
todos esses elementos conturbadores, que tecem em torno das verbas, o mais espesso labirinto, poder ser obra
conscienciosa, só do juiz, a interpretação e classificação das verbas testamentárias. Ora, diante da cláusula, deve ele
primeiro atender ao que lá se diz, se claramente foi dito, e só após a evidência de que algo escapou à expressão é
que deverá, segundo o art. 85, buscar a intenção, que lhe dê o verdadeiro conteúdo da declaração testamentária. Os
dados exteriores poderão auxiliar. Auxiliar, e nada mais.
10.INTERPRETAÇÃO FILOLÓGICA. toda Deve evitar-se interpretação estreitamente filológica. Nos testamentos,
há fins econômicos, há fins morais, há precauções de ordem doméstica: se está claro o que pretendeu o testador,
nada temos a alterar, toda assim o quis, e o regime vigente permite-lhe dispor do que é seu, nos limites da lei, do
razoável e da moral. Se não está claro, procure-se o que mais servirá àqueles fins econômicos ou morais, àquelas
precauções. Se estas e aquele não ressaltam, adote-se a solução que maior eficácia e utilidade reconhece à cláusula
escrita.
O que se deve procurar é o que ele quis dizer, ainda que as palavras empregadas não o digam bem. Às vezes, por
exemplo, enumerando os legatários, porá o mesmo nome em duas séries. Já se discutiu isto (H. PEISER, Fúr und
Wider, Das Recht, VI, 609) . Quis o testador que a cada número (1, 2, 3...) correspondesse uma quota (1, 2, 3...).
Decidiu-se que tal deve ser a interpretação, quando outra não caiba. “Deixo os sete prédios 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 para os
meus seis sobrinhos”. Será o conjunto para todos: cada um receberá um sétimo dos sete prédios, ou a sétima parte
do produto da venda deles.
12.REGRA ESPECIAL DO DIREITO TESTAMENTÁRIO. toda Os efeitos das declarações, dos negócios jurídicos,
determinam-se pelo conteúdo da vontade, que se declarou. Daí o papel, teórica e praticamente relevante, da
interpretação. ~ um tornar visível. patente, o que se quis, e do que se quis se irradiam os efeitos. As expressões, a
linguagem, os meios usados, vêm em primeira plana; mas cedem desde que, sob eles, transpareça a vontade. Nas
declarações de última vontade toda em que, por definição, pois que não temos contrato de herança, a vontade do
testador ~é só toda se discordam terminologia comum e terminologia pessoal ao declarante, vence essa, e a essa é
que se atende.
Já os romanos punham em regra: “In testamentis plenius voluntates testantium interpretantur (L. 12, 111., de
diversis regulis iuris antiqui, 50, 17). fl uma das conseqüências da unilateralidade imediata, a que nos referimos.
Nos nossos tempos, as leis não trataram do mesmo modo, tecnicamente, esse dado apreciável da natureza das
coisas, das relações.
13.INTERPRETAÇÃO DOS TESTAMENTOS NO DIREITO ROMANO. todaJá os juristas romanos queriam que,
em primeira linha,viesse a consuetudo (lo quendi) testatoris, depois, o uso geral, cotidiana loquendi consuetudo (,
Soziologische Rechtsanwendung im rõmischen Recht, Archiv fir Burgerliches Recht, 38, 232). Cons-uetudo boi,
regionis, civitatis. Mas a casuística do Digesto é perturbante, e bem se justifica a acusação pilhérica de ERNST
FUCHS (fie GemeinscMdlichkeit der Konstruktiven .Jurisprudenz, 261 s., 265) : “escolásticas partilhas de cabelos e
talmúdicas sofisticárias” (die scholastischen Haarspaltereien und talmudistischen Sophistereien).
No direito romano, devia a instituição fazer-se em palavras diretas, imperativas, e em língua latina. Ao tempo de
TJLPIANO, permitem-se formas elípticas (L. 1, ~§ 5-7, D., de heredibus instituendis, 28, 5), mas reprovavam-se as
que não eram diretas e imperativas (GAIO, II, 117; ULPIANO, Reg., XXI). Não se tinha o mesmo rigor para os
codicilos. Sob Constantino, no ano 339, é que se atende à voluntas testantium e se desprega do formalismo o
espírito jurídico.
Em matéria de interpretação testamentária, a história do direito romano não conseguiu regra jurídica fixa, concreta,
que constituísse solução técnica do problema que temos diante de nós: a regra jurídica interpretativa especial aos
testamentos. Acentuou diferenças, proclamou a precipua significação da vontade do testador. Contudo, não chegou a
cristalizações: a teoria interpretativa, quando abstrainnos da perturbante casuistica a que nos referimos, não é
formulável estàticamente, toda é algo de dinâmico, algo de vir a ser, regra jurídica in fieri. Mas, cronologicamente,
observa-se a linha de uma evolução:
Omnimodo testatorum voluntatibus prospicientes (L. 30, pr., C., de inofficioso testamento, 3, 28) : sempre vigilantes
pelas vontades dos testadores.
In omnibus etenim testatoris voluntatem, quae legitima est dominari censemus (L. 23, § 2 a, C., de legatis, 6, 37) em
todos os casos queremos que prevaleça a vontade do testador, que é legítima.
Quia semper per vestigia voluntatis sequimur testatorum (L. 5, § 1 a, C., de necessarii.s et servis heredibus
instituendis vel substituendis, 6, 27>.
Cum frequentissimas leges posuimus testatorum voluntates adjuvantes (L. 4, § 1, C., de postumis h,eredibus
instituendis rol exkeredandis vel praeteritis, 6, 29).
Novela 1, de heredis et Falcidia, caput 2: Sancimus igiturs quoniam tuenda nobis ubique est deficientium voluntas
(assim, mandamos, porque, em todos os casos, há de ser defendida por nós a vontade dos que falecem).
Novela XXII, caput 44, 9: ... tunc enim sequenda est de functi voluntas. Studii enim nostri est defunctorum
conservare secundum legem voluntates. (...pois que Se há de seguir a vontade do defunto. Porque é nosso empenho
conservar as vontades dos defuntos, ajustadas às leis.
Novela XXII, caput 46, 1: qula ubique custodire morientium volumus voluntates (porque queremos, em todas as
partes, guardar as vontades dos que morrem).
Novela XLVIII, praef.: Semper hanc unam habemus intentionem dispositiones morientium esse firmas, nisi resultent
legi et aperte contrariae sint his quae 11h placent. (Sempre uma só intenção tivemos, a de que sejam firmes as
disposições dos que falecem, se não se opõem à lei, ou não são abertamente contrárias ao que ela há por bem.)
Novela LXXIII, caput 9: in ipsis testamentis, quibus maxime studemus, iam a nobis sancitum est.
14.DIREITO ANTERIOR. toda Esporadicamente, o direito anterior recorria a regras jurídicas romanas de épocas
diferentes, ora favor testamenti, ora voluntas testantium, ora favor voluntatis puro, toda e nos atos jurídicos em geral
a concepção dominante cabia nos textos das L. 67, 96, 12, D., de diversis regulis juris antiqui, 50, 17; L. 80, 219,
D., de verborunt signifiratione, 50, 16, e Preussisches Alígemeines Landrech,t, 1, 12, §§ 71, 66, 67 e 73. (O Código
da Prússia e o Código Civil francês foram as leis estrangeiras que mais influíram no direito luso-brasileiro, posterior
às ordenações.)
Nos comentários de AGOSTINHO DE BEM FERREIRA à L. 12, D., de diversis regulis juris antiqui, 50, 17, tem-se
uma noção de como se acolhera em Portugal o direito interpretativo romano em matéria de testamento (7-10).
As vontades dos testadores devem interpretar-se mais largamente, e não por modo estrito; na dúvida, deve-se estar
pelo testamento.
Importa ao público que os testamentos se sustentem (AGOSTINHO DE BEM FERREIRA, Comentário ao Tit.
Digestis de regulis juris, 7; ÂLVARO VALASCO, Constatiomum et Decisionum, ac rerum judicatarum, 436).
Se fizer instituição ou deixar legado com alguma condição impossível, torpe, ridícula, ou contra os bons costumes,
rejeita-se como se não fora escrita, e o testamento se sustenta (AGOSTINHO DE BEM FERREIRA, Comentário ao
Tit. Digestis dc regulis iuris, 8; FRANCISCO PINHEIRO, Traetatus de Testamentis, d. 3, 8, § 2, n. 169), toda
proposições que, em parte, hoje não cabem no direito brasileiro, conforme se viu.
15. SOLUÇÕES CONFUSAS. toda Vimos que o direito romano evolveu da interpretação típica, fundada nas
expressões este toda esteriotipadas do testamento (HEINRICH DERNBURG, Pandekten, III, § 78, 148), para a
interpretação individual, pesquisaste do real querer, expresso, do testador. Sensível, desde o fim da República aos
tempos imperiais. (Na causa Curiana, percebe-se o choque, cp. CICERO, Brutus, c. 52, §§ 195, 198.)
Tanto o direito romano quanto o comum, o mais que conseguem é a sugestão da benignidade (HEINRICH
DERNBURG, Partdekten, III, 149, nota 10, no n. 2 do § 78, todo excluído na 8ª ed.).
Aos legisladores portugueses, espanhóis, mexicanos e argentinos deparou-se o problema. Mas todos fracassaram.
O velho Código Civil português, art. 1.761, estatuía: “Em caso de dúvida sobre a interpretação da disposição
testamentária, observar-se-á o que parecer mais ajustado com a intenção do testador, conforme o contexto do
testamento”. Ora, essa regra jurídica interpretativa, em vez de servir, de serve às verbas testamentárias. É fruto
daquela confusão entre forma testamentária e conteúdo do testamento, que profligamos. Concebida como foi,
retrogradou: alguns interpretaram que excluía qualquer prova não derivada do contexto material do testamento
(interpretação estereotípica da República romana) ; outros, qualquer esclarecimento exterior; outros, só admitiam a
exceção da dúvida sobre a pessoa do legatário (antigo Código Civil português, artes. 1.741 e 1.887).
No nôvo Código Civil português (1966), art. 2.188, diz-se: “1. Na interpretação das disposições testamentárias
observar-se-a o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento. 2. É
admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um
mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa”.
O legislador no Código Civil espanhol, art. 675, não vacilou em ordenar critério literalista: “Toda disposición
testamentaria deberá entender-se en ei sentido literal de sus palabras, á no ser que aparezca claramente que fué otra
la voluntad dei testador. En caso de duda se observará lo que parezca más conforme à la intención del testador según
el tenor del mismo testamento”. Cp. Código Civil mexicano, art. 3.247. O argentino, assaz vago, art. 3.619, 1la parte:
“Las disposiciones testamentarias deben ser la expresión directa de la voluntad del testador”.
16.PROBLEMA TECNICO E A PRAXE. toda Nas interpretações, a praxe aplicava, sem formular de modo preciso,
tal regra jurídica revelada e útil. Mas esse mesmo era o problema legislativo: escrever a regra jurídica. Ela aparece
no 1 Projeto alemão, § 1.778 (II Projeto, § 1.957) e daí passou ao Código Civil alemão, § 2.084. Através do Projeto
revisto, art. 2.026, ao Código Civil brasileiro.
Donde duas formas definitivas: a) A do Código Civil alemão, § 2.084: “Lãsst der Inhalt uiner letztwilligen
Verfiigung verschiedene Auslegungen zu, 80 ist im Zweifel diejenige Auslegung vorzuzichen, bei welcher die
Verftigung Erfolg haben kann”. Quer dizer: Permitindo o conteúdo d.e uma disposição de última vontade diferentes
interpretações, é de preferir-se, na dúvida, aquela interpretação pela qual possa ter resultado a disposição.
b) A do Código Civil brasileiro, art. 1.666, que manda prevalecer “a que melhor assegure a observância da vontade
do testador”.
Nem uma nem outra é perfeita. Porém a brasileira é mais imperfeita. Isso, aliás, não lhes tira o valor histórico de
fixação.
19.REGRAS DA INTERPRETAÇÃO DAS VONTADES ULTIMAS. toda. a) Diz o Código Civil, art. 1.666:
“Quando a cláusula testamentária for suscetível de interpretações diferentes, prevalecerá a que melhor assegure a
observância da vontade do testador”. O’ que há de vir em primeira plana é a vontade, o que, no testamento, quis o
testador, e não as palavras: essa regra jurídica, que é a do art. 1.666, nele implícita, e explícita no art. 85, não esgota
todo o conteúdo do art. 1.666. Esse diz mais que o art. 85: quer que, na dúvida, se prefira a solução que mais
“assegure a observância da vontade do testador”. b)Assim, na dúvida, há de entender..se que o testador quis o
juridicamente possível, e não o juridicamente impossível, que lhe tornaria ineficaz toda a disposição. Mais: que
ordenou o lícito, e não o ilícito, se cabe duvidasse do que ele quis. Além disso, que subordinou o querer a condição
fisicamente possível, e não a impossível, que seria inexistente. Sempre que a dúvida dê ensejo a entendimentos
diferentes, e um deles dei eficácia, ‘mais completa eficácia, ou mais plenamente serve à observância do querer,
esse se há de ter por mais acertado. É um dos favores do direito testamentário.
c)Deve abster-se o intérprete de interpretação que esteja em contradição com as palavras: contudo, se a contradição
é inevitável, e o sentido se impõe toda a voluntas tústatoris será respeitada. Certo, com as palavras do texto é que se
sabe qual a vontade última de alguém, mas a contradição parcial pode coexistir com a invocação do principio de que
só há vontade testamentária ex testamento Elementos externos não podem compo-la ; se bem que possam auxiliar a
revelação do verdadeiro sentido.
d)Se a verba testamentária é clara, só suscetível de um entendimento (não só clara: clara e de uma só significação,
Mar und unzweideutig, feriu o ponto E. HERZFELDER, J. v. Staudingers .Tlommentarr V, 454) e sem obstáculos
jurídicos, que suscitem dúvida na execução, não cabe interpretar-se. Certo, se é clara, não cabe a exegese (in claris
cessat interpretatio, regra jurídica formulado para a interpretação das leis, e só aplicável aos atos jurídicos, porque
as leis claras se interpretam), e nenhum ensejo se teria, no tocante aos dizeres, de interpretar. Porém sem o
absolutismo da proposição de E. MEIsCHEWER (Die letzwilligen V’erfUgungen, 85); porquanto pode, também a
verba testamentária, ser clara e ter de ser interpretada para o efeito de salvar-se, segundo o art. 1.666, se, por
exemplo, a despeito da clareza, a deixa pode ter mais de uma figura jurídica.
e)Se há inexatidões, que se possam corrigir, corrigem-se: é o campo da escusabilidade do erro, nos testamentos.
Aqui, não é questão de interpretar, mas de restaurar a verdade, com a predominância do querer sob a forma
acidental inadequada e errônea (E. HERZFELDER, J. v. Staudingers Kommentar, V. 843
455). Poderá ocorrer que a mesma verba precise de ser interrretada e restaurada.
1)Nas declarações de última vontade, o papel da interpretação é maior do que nos atos entre vivos. Está na natureza
das coisas, porque, havendo, como há, o lapso entre a feitura do texto interpretável e os efeitos <Mie (morte do de
Guina), há elementos que mudam, quer a respeito do objeto das heranças e legados, quer do número e condições de
vida dos beneficiados. A lei dá algumas regras jurídicas, e.g., arts. 1.678, 1.680-1.686. Mas hei outros casos, além
desses, não consignados em regras legais de interpreta$o. Mudanças de situações econômicas e murais podem
influir.
g)Se forem dois ou mais os testamentos, a regra é tratarem-se como um só, salvo onde se infirmou a disposição do
anterior. Procura-se a vontade do testador. A parte infirmada pode ser utilizada na interpretação do primeiro
testamento, porque foi parte dele. Aliás, um testamento revogado, ou inflinado em todas as disposições, pode ser útil
na interpretação de testamentos posteriores. Razão essa, que muito pesa, para os membros da família do morto, ou
os guardadores dos seus papéis, apresentarem, com o testamento, os outros papéis testamentários (ainda revogados),
que estejam em seu poder.
h)Testamento, nulo por falta de solenidade, anterior ou posterior ao válido, pode ser invocado para a interpretação
das cláusulas desse. Mas, se bem que feito sob forma de testamento, o auxílio, que prestar, não será melhor do que o
que prestaria qualquer manuscrito ou documento firmado pelo testador, do que, por exemplo, um diário ou as
memórias do desponte. Tudo isso é conseqüência de não ser estereotípica a interpretação hodierna do testamento.
20.DECLARAÇÕES T.4 CITAS DE VONTADE. toda A vontade do testador exprime-se por si, ou com o auxilio da
lei; e interpreia-se com os seus termos e com os meios comuns de interpretação dos atos jurídicos. Não se lhe
exigem fórmulas fixas, nem termos técnicos, nem determinadas expressões. Pode haver, nos testamentos,
declarações tácitas de vontade (E. MEISCREIDER, Die letztwilligen Verfitgungen, 81).
O testamento é, por si, inteligível, ou poderá, com elementos pessoais do testador (manuscritos, diário, notas,
contratos), ou pela interpretação, tornar-se inteligível. A reserva mental toda isto é, o fato de ter o testador feito a
reserva de não querer o declarado toda não faz nulo o testamento, ou a disposição; o que se poderá alegar é a
anulabilidade por violência, erro, ou coação. Porém isto já exige outra prova.
1.APRECIAÇÃO JUDICIAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS. toda Nos atos da vida de negócios, quer bilaterais, quer
unilaterais, as “circunstâncias do caso” em regra não se atendem. O juiz somente busca conhecê-las, e só as toma
em consideração, quando foram notórias para outro figurante, ou, de certo modo, transparecem no ato. É regra de
boa fé, de segurança jurídica, que toda a despeito do Código Civil, art. 85 toda tem de intervir nos atos entre vivos.
Não cabe nos testamentos. Donde dizer-se: a anulação por erro tem mais ampla aplicação nas disposições de última
vontade (EMIL STROHAL, Das deutgche Erbrecht, 1, 299). Por isso mesmo, procura-se, com mais afinco, como a
descer aos motivos, a real intenção do declarante. Nelas, não há o interesse de outrem, que se tenha de resguardar.
Tudo está na intenção do disponente, senhor do seu querer.
O juiz deve apanhar o fim econômico da disposição. As palavras, segundo as circunstâncias, podem ter significação
diferente. Os dizeres hão de ler entendidos dentro dessas circunstancia, mergulhados na ambiência, na situação
moral> afetiva, material, em que o testador os empregou. Aqui, os escritores e a jurisprudência dividem-se: a) é
preciso que a vontade esteja no testamento, expressa, para que se interprete. b) Bastam sinais in testamento da
existência da vontade. A última é que é a verdadeira. Não se cria a vontade do testador. Mas, com o dado, que está
no testamento, se recompõe o pensado por ele e mal expresso ali.
Lacuna e falta, são coisas diferentes. Preencher e fazer, criar, não se confundem. O grossolano que diz: “Tudo que
deixo é de meus filhos e de minha mulher”, pode ter querido apenas declarar “minha mulher é comuneira pelo
regime de casamento, e meus filhos herdam a parte disponível”. “Deixo 10 a A, 10 a B, 10”, sem dizer a quem, e o
testador tem três filhos, é a C, terceiro filho, que deixa, porque o dado volitivo, para essa interpretação, está no
começo das disposições. Há. lacuna, porém com o sinal, que a enumeração nos dá: cumpre preencher. Para se pôr
ao vivo o valor das circunstâncias> basta admitir-se que o testador tivesse dito antes: “são meus herdeiros A, B, e o
filho de C”; e adiante, como legados, dispusesse: “deixo 10 a A, 10 a B, 10’ Sabendo-se estava de relações cortadas
com C, o filho de C é o legatário. O dado está na instituição de herdeiros e nas circunstâncias. As circunstâncias,
que se hão de considerar na interpretação, podem ser as objetivas e as subjetivas. Os testadores rudes, incultos, são
exemplo, não raras vezes se tratará disso.
Os textos jurídicos são, não raro, empregados pelos testadores com impropriedade.
O testador disse que podia dispor dos seus bens e o faz “da seguinte forma”. Seguem-se a essas duas proposições
dois pontos. O testador poderia, então, declarar que deixava todos os seus bens, e.g., às suas irmãs, em partes
iguais, ou àquela que lhe sobrevivesse, “sem condições de espécie alguma”, isto é, sem termos, condições,
gravames, clausulações ou limitações de poder, ou modus, porque tudo isso está na expressão “condições”, com que
o testador quis, em sua linguagem sem técnica, referir-se à disposição pura e simples da propriedade e da posse. Não
no fêz, porém, com a alusão à totalidade dos bens. Lê-se no testamento: “Deixa a sua meação disponível, como lhe
é facultado por lei, para as suas duas irmãs, em partes iguais, ou àquela que sobreviver a ele testador e sem
condições de espécie alguma”. Primeiro testamenteiro foi a própria mulher do testador, o que de si só provou a
confiança do marido e serviu de elemento de interpretação da vontade, por se tratar de declaração de vontade, como
é toda nomeação. Se o testador tivesse elidido o nome da mulher, ao fazer as nomeações, teria dado ensejo a
interpretação contrária a ela, como interessada no testamento. Inventariante teria ela de ser, por haver comunhão e
ser cabeça de casal. Testamenteiro, não: o marido, ao testar, poderia ter escolhido outros testamenteiros, afastando-a
dessa missão de confiança. Em vez disso, ele a colocou no primeiro lugar. O testador, não-legista, sabia que podia
dispor dos seus bens, que todos eles eram disponíveis, e essa disponibilidade lhe importava muito, para deixar parte
deles, a metade, a “meação”, às suas irmãs. Na sua doença e pressa, quis dispor dos bens e deixou-os, não todos,
mas a imeação deles às suas irmãs. À expressão “meação” acrescentou “disponível”, porque é comum, havendo
herdeiros necessários, pospor-se a “meação”, “metade”, esse adjetivo; e não é de estranhar em testador leigo
confusão entre herdeiros necessários e herdeiros legítimos não necessários. O testador só-mente quis dispor, a favor
das suas duas irmãs, da meação dos seus bens, e não da outra meação deles. Essa palavra meação nunca foi
empregada pelas Ordenações do Reino a respeito de metade dos bens comuns matrimoniais. As leis do tempo e de
antes só se serviam de “meyadade”, “meiadade”, “ametade”, “metade”. Os próprios Vocabulários e Dicionários, até
os de ANTÔNIO DE MORAIS E SILVA e de FRANCISCO SOIANO CONSTANCIO, não consignaram “meiação”
ou “meação”.
Meação é a metade de qualquer coisa ou patrimônio. No direito de família, a metade dos bens comuns (meação do
marido, meação da mulher). No direito das sucessões, a metade disponível, que é a metade dos bens que alguém
pode deixar. De modo que, se tenho z, e digo deixar a meação a A e B, deixei-lhes x/2. Para deixar-lhes x, teria de
dizer que A e B são meus herdeiros universais únicos, ou A e E são meus herdeiros de todos os bens, ou
simplesmente meus herdeiros.
Essa é a interpretação com os elementos do próprio testamento. Porém os testamentos não são somente o que neles
está escrito. São também as regras legais, dispositivas (ius dispositivum), isto é, as regras que a lei estabelece para
que se entenda declarada alguma vontade, se outra não o foi pela própria pessoa. Tais regras têm por fito,
exatamente, encher o vazio de vontade”. Por exemplo: o testador tem dez bens e somente testa quanto à metade ou
meação, ou quanto a cinco ou quatro ou seis, ou mais, ou menos, sem estar quanto aos dez. ~ o caso do testamento
que há alguns anos lemos, e o Código Civil, art. 1.725, estatui: “Para excluir da sucessão o cônjuge ou os parentes
colaterais basta que o testador disponha do seu patrimônio, sem os contemplar”; no art. 1.726: “Quando o testador
só em parte dispuser da sua metade disponível, entender-se-á que instituiu os herdeiros legítimos no remanescente”;
melhor ainda no art. 1.678, que estudaremos à parte. Do art. 1.725, isto é, quando não há herdeiros necessários,
conclui-se: a) que a instituição de herdeiro universal afasta a sucessão legitima não necessária; b) que, se a
instituição é em frações cuja soma seja a unidade, não há sucessão legítima; e> também não na haverá se o testador
distribuir toda a herança em legados, ou se nomear herdeiro de parte da herança e ordenar legados de todo o resto,
ou nomear legatário e distribuir toda a herança em encargos e recomendações. Quanto à letra a), não houve
instituIção de herdeiro universal (“deixo a A, na qualidade de herdeiro universal, o que tenho”, ou “é meu herdeiro
universal A”): a verba “deixa a sua meação disponível” a A e E não as fêz herdeiras universais únicas. Quanto à letra
b), também não se pode pensar que se tenha deixado metade ou meação a A e metade ou meação a E, de modo que,
somadas as meações, se perfaça o todo dos bens disponíveis: o testador falou de “meação disponível” deixada “para
as suas duas irmãs”. Quanto à letra e) não houve outra disposição que a da “meação” às irmãs.
Dir-se-á que, falando de “meação”, o testador aludia à sua parte, a sua “ametade”, como se exprimiam as
Ordenações, nos bens comuns com a mulher, e não à metade dos seus bens. Essa interpretação destoaria do teor das
verbas testamentárias. O testador nenhuma alusão fizera à totalidade dos bens toda os seus mais os da sua mulher. A
única referência é anterior à parte do testamento que contém as disposições de última vontade; e essa referência é
tão-só ao regime matrimonial de bens. O testador, ao iniciar a sua declaração unilateral de vontade, precisa que vai
dispor do que é seu, sem confusão possível com a metade que é da mulher: lá está escrito “pode livremente dispor
dos seus bens e o faz da seguinte forma, etc.”. Nesse momento, o seu pensamento recaiu na totalidade dos seus bens.
Se quisesse deixá-los, todos, às suas irmãs, teria dito: “nomeio minhas herdeiras minhas irmãs A e B”, ou “deixo os
meus bens, em partes iguais, a A e E, minhas irmãs”. Não no disse. Em confusão com a quota disponivel (que fora,
ainda em sua vida e na maior porção dela, “têrça disponível”, e passou, depois, a ser “meação disponível”), toda o
testador, querendo que sua mulher herdasse, só dispôs da metade desses bens. A lei mesma prevê tal hipótese e
possui a regra dispositiva do art. 1.678, a que antes aludimos, e a regra do artigo 1.726: “Quando o testador só em
parte dispuser da sua metade disponível, entender-se-á que instituiu os herdeiros legitimos no remanescente”. O art.
1.678 não se refere à metade disponível, e é o que mais nos interessa, como regra dispositiva.
Se o testamento, de que se cogita, fosse de alguém cuja lei pessoal contivesse a regra romana Nemo pro parte
testatus pro parte in.testatus decedere pot eM, a solução poderia ser diferente: o testador deixara metade, sem testar
quanto ao resto. No direito romano, o prius é a instituição, a determinação sobre o sujeito da herança, o ius
successionis, ao passo que a distribuição da hereditas, objetivamente, é posterius. A falta desse não poderia
prejudicar àquele; e a instituição encheria o resto. Tal foi o direito que nos regeu até às Ordenações Filipinas, Livro
IV, Título 88, § 3, e Título 86, pr., exceto para os soldados. Porém com a reforma josefina, isto é, com as Leis de 18
de agosto e de 19 de setembro de 1769, a doutrina assentou a proscrição da regra Nemo pro parte testatus pro parte
intestatus decedere potest.
No direito brasileiro, a lei interpretativa ou a sucessão legitima entra, como sucessão legítima, se sobram bens; e
isso por forca do art. 1.725 (se há herdeiros necessários) ou do art. 1.673 (se só há herdeiros legítimos não-
necessários).
2.OFICIAIS PÚBLICOS E INTERPRETAÇÃO DAS VERBAS. toda Já vimos que elementos externos podem
auxiliar a interpretação. Pergunta-se: ~ os oficiais públicos que escreveram, ou aprovaram os testamentos, podem
ser ouvidos como elementos informativos, esclarecedores? Duas tendências, que atuaram na jurisprudência alemã e
de outros Estados: a) Mero instrumento, nenhuma consciência nem conhecimento tem do que teria sido, ou foi, a
vontade do testador: seria um intruso no incidente da interpretação (Reiehsgericht, 3 de abril de 1911).
b) Pode ter melhores informes e ser ouvido. Cp. Sammlung v. Entsch. des Bayer O.L.G., 22 A, 94. Assaz se
caracterizam. E a verdadeira solução, não a encontramos exposta, nem na jurisprudência, nem nos autores; e é a
seguinte: Quando elementos de fato, suscetíveis de provarem-se por testemunhas, puderem ser úteis no auxilio à
interpretação, e o oficial público constituir uma delas, toda será ouvido. Fora disso, é impertinente qualquer valor,
por farsa do cargo ou da função, meramente instrumental, que exerce.
1.PROBLEMAS E PRINCÍPIOS. toda A fim de darmos ordem a assunto em estado caótico, ainda nos melhores
tratados, procedamos à seguinte distribuição, que muito nos facilitará, assim em teoria como em prática, o trato dos
problemas da interpretação testamentária: a) pretenso favor interpretativo da sucessão legítima e, em geral, relações
entre o testamento e a sucessão ab intestato; b) a disposição testamentária em si; e) as categorias jurídicas e a
interpretação dos testamentos; <1) o papel da conservação e da conversão no direito testamentario; e) a natureza da
regra interpretativa do art. 1.666 do Código Civil.
Já vimos os papéis dos dois princípios toda o da sucessão legítima e o da liberdade de testar toda na formação do
direito hereditário. Cabe-nos volver à questão dos favorabilia e dos odiosa. Reina, na maior parte dos autores, grave
confusão, aquela mesma que antes censuramos, consistente em se tomar como favor na interpretação do testamento
o que poderia ser aplicável à interpretação das leis relativas à sucessão. Outras vezes, trazem, para o campo assaz
diferente da interpretação das verbas testamentárias o que só poderia ser invocado quanto .a interpretação do direito
cogente, dispositivo imperativo, das formas de testamento.
2.PRETENSO FAVOR DA SUCESSÃO “AR INTESTADO”. toda A despeito da advertência de 5. STRIK, muitos
escritores insistiram no favor da sucessão legítima, quando se está a interpretar disposição testamentária. Grave erro.
Todos elos dizem que o testador, normalmente, deseja que os seus bens se distribuam entre os seus parentes. Certo.
Mas concluem: na dúvida quanto à disposição testamentária, há de preferir-se a interpretação que mais favoreça a
sucessão legítima. Errado. Porque os indivíduos normalmente querem que a sucessão vá aos parentes, já a lei manda
que, morrendo intestados, se transmitam os bens aos sucessores legítimos (Código Civil, arts. 1.603-1.619), e,
mesmo havendo testamento, se o testador só em parte dispõe da porção testável, ordena que se considerem Por
instituidos os herdeiros necessários quanto ao que restar (art. 1.726). Portanto, o legislador já tomou em conta
aquela ordinariedade do querer das pessoas, nas circunstâncias ético-econômicas do mundo hodierno. (A quota
necessária não constitui argumento: ainda contra a vontade do decujo, ela passa aos herdeiros: o fundamento
histérico é outro. Cf. art. 1.721.) Mas, se aquela presumida vontade do testador serviu de base à obra legislativa,
que, com os artigos 1.608-1.619, já a satisfez, não quer isso dizer que também tenha de ser levada em conta pelo
intérprete da disposição testamentária. Aqui, é questão .de ser ou não ser: ou. há verba de testamento, texto, sinais de
vontade, ou não os há. Se há, qualquer presunção de vontade chocar-se-ia com esse mesmo texto, com esses
mesmos sinais, que, ex hypathesi, existem. Donde a consequência oposta à que erradamente tiraram: não se deve
postular favor interpretativo à sucessão intestada. Os seus favores, de ordem Político-legislativa, ela já os teve, ou,
por considerações político-históricas assaz complexas, na quota necessárias (art. 1.721), ou, pelo presumido querer
das pessoas, na transmissão dos bens sem testamento (arts. 1.608-1.619) e no caso dos bens restantes (art. 1.726),
cujo fundamento adiante discutiremos. Na dúvida (isto é, se há disposição eficaz, ou se não há, devendo, nesse caso,
ser chamados os herdeiros legítimos), desde que há disposição, cabe o art. 1.666 que, neste caso de existência, ainda
incompleta, de verba, absolutamente não se compadeceria com o favor da sucessão legítima.
8.RESULTADO DAS CONSIDERAÇÕES ANTERIORES. toda Sempre que se está a interpretar testamento, deve-
se ter à lembrança o seguinte: as regras jurídicas sobre a herança intestada, isto é, todas as regras que vão do art.
1.603 do Código Civil ao art. 1.625, só supletoriamente se aplicam, no caso, exatamente, de não haver nenhuma
disposição do testador, quer completa, quer em sinais ou dados, que precisem completar-se. Havendo esses dados
ou sinais, primeiro se preenche a lacuna com as regras jurídicas da interpretação testamentária. porque esse esforço
para que exsurja a vontade do testador, ou se plenifique, constitui revelação do querido, que vem antes das leis de
sucessão legítima.
4.DISPOSIÇÕES AMBÍGUAS. toda Às vezes as disposições são ambíguas. (a) O testador disse: “Sou casado pelo
regime da separação de bens, e deixo o que tenho, metade à minha filha, metade a minha mulher”Como se há de
interpretar? Deixou à filha a legitima e a metade disponível à mulher, ou deixou a filha a legitima e mais metade da
porção disponível, cabendo à mulher só a outra metade da porção, isto é, um quarto do monte? (b) Disse outro: “Sou
casado pelo regime da comunhão, e deixo o que tenho, metade à minha filha e metade a minha mulher”. (o) Outro
dispôs: “Deixo do que tenho metade à minha filha e metade a minha mulher”. Regime: comunhão; tratando-se de
pessoa inculta, sem noção da comunhão conjugal de bens. No caso (a), a verba não fala em legitima:
o “deixo” pode ser só testamentário, ou em parte declaratório e em parte testamentário. Como resolver? Tudo está
nas circunstâncias de conhecimento do testador. Se ele conhecia o direito concernente à herança, e não deixou no
testamento elementos contrários à suposição de conhecer, só deixou metade da parte disponível. Mas, ainda que
fosse pessoa de letras toda digamos, até, advogado toda se nomeou todos os bens ou alguns por tal maneira que
ultrapassou, de muito, a metade, a expressão “deixo o que tenho” é relativa a todo o monte: metade à filha, metade à
mulher. No caso (b), a situação é menos delicada. Entender-se-á, de regra, que deixou metade à filha e metade à
mulher. Mas, excepcionalmente, se, pessoa insciente, enumerou todos os bens em comum e quis que coubessem a
filha prédios que excedem, de muito, a metade, dever-se-á entender que declarou, com a falsa deixa, a comunhão
com a mulher.
Ocaso de (o) é o mesmo (b), sem a expressa declaração de haver comunhão. Nesse, apenas é mais fácil ocorrer a
declaratoriedade, excepcional, do (b). As soluções, que aí ficam. atendem à velha lição, que vem no Tractatus de
Fideicommissio do cardeal J. E. DE LUCA (Tractatus de Fideicommissis, disc. 58, n. 3, 62, n. 6, 94, n. 9): ditada
por juiz perito, a palavra se há de tomar na acepção jurídica rigorosa; se por gentes rudes, conforme o uso comum e
verossímil vontade PASCOAL Josfl DE MEÍ.,o FREIRE (Institutiones Jurig Civizis Lusitani III, 7, §, 9> insisto: “In
quaestíon de signification verborum quibus legatum fuit relictum interpretatio voluntatís petenda est non ex
proprietate Latini sermonis neque ex iuridica verhorum signification quam testator Plerumque ignoran, sed ex
naturali obvia, et popular! quam lingua qua testator usus .fuit, admittit Secundum vulgaren adceptbonem et
colnmunen, loquen usum”.
4.(a) Se O testador diz “deixo aos meus filhos a outra metade”, entendem-se os legítjmos ou estes e os naturais?
Nesse assunto qualquer regra simplista poderia in concreto ser injusta Se, no testamento O testador omitiu, entre os
herdeiros ex tege, os naturais que só pela invocação da lei, irão pleitear a inclusão claro que deles não cogitou no
testamento , se, ao enumerar os filhos, mais a preço deu à qualidade de filho que ao ser de matrimônio e depois,
dispondo ex testamento, fala em filhos, toda os naturais são tidos como inclusos nos herdeiros testamentário5
Fora desses dois casos, tudo se resolve pela interpretação.
6.DEIXA A DESCENDENTES. toda 1) A regra é que toda contemplando “filhos”, se algum é morto toda na
dúvida, se há de entender que contemplou os descendentes desse, conforme a sucessão intestada para esse. (fl regra
jurídica interpretativa,.toda para o caso de dúvida. Assim, aliás, no Código Civil alemão, § 2.068. Há,
necessariamente, a consulta à vontade do testador, procurando-se, nas circunstâncias objetivas ou subjetivas, qual a
solução a dar-se. Na dúvida, é que cabe invocar-se o critério da regra jurídica.> É indiferente ter o testador sabido,
ou não, da pré-morte do filho (F. RITGEN, em O. PLANCR, Bilrgerliches Gesetzbuch, V, 234) . Se o testador não
tem filhos, e só netos, contemplando netos, quando um já morreu, os bisnetos ou outros descendentes do neto pré
morto herdam, segundo a regra jurídica, O legislador alemão não colheu, como devera, o dado das relações
jurídicas, da vontade provável do testador: a verdadeira compreensão afetiva da regra jurídica é a de que netos,
quando não há filhos, como filhos se tratam. Se o testador diz filhas, ou filhos varões, a regra jurídica éinteiramente
aplicável quanto à filha, ou ao filho, que já estava morto. É grupo menor, mas grupo (F. HERZFELDELI, Erbrecht,
J. v. Staudingers Kominentar, V, 468). A regra jurídica não incide quanto aos filhos de outrem, e.g., sobrinhos,
primos, filhos de estranhos.
2) Se o testador contemplou um dos seus descendentes, e esse faleceu após a feitura, deve-se presumir, em caso de
dúvida, que assumirão o seu lugar os descendentes desse, segundo a ordem legal da sucessão. A regra jurídica
interpretativa constitui aquisição indutiva de primeira ordem. Nada mais injusto do que reputar só instituído o
descendente, ou caduco, por força do Código Civil, art. 1.708, V, o legado. Colheu-a o Código Civil alemão, §
2.069, com o simples caráter de regra jurídica de interpretação, como deveria ser: se há. dados para se aceitar outra
vontade do testador, seria impróprio invocá-la, e.g., “deixo a meu filho, passando, por sua morte, a B”. Nesse
exemplo, se o filho morre antes da abertura da sucessão, os bens não devem passar aos filhos do filho, mas. a B.
Outrossim, quando a regra jurídica fala em filhos do testador, e a verba regra diversamente a passagem aos netos.
Tal regra jurídica interpretativa também se aplica aos fideicomissários: se o nomeado para receber os bens é o filho
ou outro descendente (exemplos: deixo a minha mulher, passando aos meus filhos; deixo a meu filho A, passando a
meu neto E), no caso de dúvida deve entender-se que a morte do fideicomissário descendente não faz caducar o
fideicomisso, consolidando-se a propriedade, se tal fideicomissário tem quem o represente como descendente, que é
(no primeiro exemplo, se todos ou algum filho morre, deixando filhos ou netos; no segundo, se o neto E falece,
deixando filho). No direito alemão, a regra jurídica também se aplica à pós-herança (F. HELiZFELDEIt, Erbrecht,
3’. v. Staudingers Kommentar, V, 464). (Cumpre notar que não se trata do direito de representação, arte. 1.620-
1.625, porquanto esse só se entende com a sucessão legítima, em cujo título se acham os princípios legais. Direito
de representação é ex lege, e o que se interpreta, segundo a regra jurídica acima formulada, constitui vontade do
testador e apresentação, aí, é só resultado, e não causa.)
7.DEIXA A DESCENDENTE DE TERCEIRO. toda Se dor apenas falou de descendente de A (que não é, thesi, seu
descendente), deve-se presumir, na dúvida,o testador que contemplou todos os descendentes do tempo da morte do
testador. Portanto, não os que ainda não estavam concebidos. Se a liberalidade foi feita sob condição suspensiva,
hão de ser chamados todos os descendentes do tempo em que se verificar a condição. O direito brasileiro não
permite os termos apostos às heranças (art. 1.665); mas não os exclui quanto aos legados e aos fideicomissos (art.
1.738). Se a deixa foi a termo inicial, devem chamar-se todos os descendentes do tempo em que se atingir o termo.
Também essa regra se induziu dos fatos: quem institui descendente de descendentes, ordinariamente (e isso é o que
importa para a indução), quer toda a linha reta, a descendência toda, ao passo que o testador, ao instituir descendente
de terceiro, não estende tão longe o seu ato de liberalidade. Por isso mesmo, se o testador diz “deixo aos
descendentes de meu filho A” (quer se trate de herança pura, quer sob condição suspensiva, quer de legado sob
condição suspensiva, ou com termo inicial, quer de fideicomissos), os descendentes são todos os que cabem na
figura de direito sucessório: a) se herança simples, os herdeiros do tempo da morte; b) se outros podem haver, a
herança, por força do Código Civil, art. 1.666, perde o caráter de pura o simples, para se obter a Categoria jurídica
que torne possível contemplar-se todo um grau.
3.DISPOSIÇÕES EXTRAVAGANTES. toda Se extravagante a disposição, não se há considerar qual devia ser a
vontade do testador, mas sim, somente, qual é (AGOSTINHO DE BEM FILAREFILA, Comentário ao Tit. lligestis
de regulis inris, 9). O juiz deve abster-se toda quando lhe pareça extravagante o dispor todade lhe procurar desrazão;
porque as disposições extravagantes só são nulas, se houve incapacidade de testar (art. 1.627, II e III): “a última
vontade”, dizia AGOSTINHO DE BEM FERREIRA (Comentário ao Tit. Digestis de regulis iuris, 9), invocando
os romanos, “não se regula pela razão, mas pela pura vontade”.
6.CASOS EM QUE NÃO OPERA A CLÁUSULA PRIVATÓRIA. Em princípio, valem as cláusulas privatórias ou
cassatórias, sempre que forem concernentes às disposições e não ao testamento em si. Porém a cláusula não pode
operar: a) Quando se trate de validade formol e só seja êsse o fundamento da disputa (HERMANN MEXER,
Lehrbuch dos Familien.- urnd Erbrechts, 4? ed., II, 216). b) Quando se trate de incapacidade do testador, porque
isso interessa à ordem pública, e) Se versa a lide, ou discussão, sôbre a não seriedade ou ilicitude, porque é questão
de ser ou não ser. A cláusula privatória não poderia operar, se incapaz de testar o disponente, ou se ilicita a
disposição; mas, ali, cai todo o testamento, e aqui, ou cai a própria cláusula, se nela está o ilícito, ou cai a disposição
a ela sujeita. De qualquer modo, ineficaz. Contudo, é de advertir-se: se frívola ou manifestamente sem base a
questão levantada, a cláusula opera. (j,Quid juris, se, sem base, passar em julgado? Seriam afirmativos da aplicação
PAUL OERTMANN, FRÁNZ LFiONHARD e os outros. Já no Brasil há a ação rescisória e, quando essa cabe, os
interessados podem levantar a questão: vencedores, a cláusula opera.) d) Quanto aos defeitos de vontade (violência,
dolo, êrro), as ações tendem a restabelecer a verdadeira vontade do testador, o que seria forte argumento contra ag
cláusulas privatórias. Em todo o caso, o contra-senso, que aqui se quisesse ver, não seria tão grande como no caso
das letras a), b) e c). Se o testador disse “perderá o que lhe deixo, se tentar anular por erro ou dolo”, há de entender-
se que a cláusula opera, em quaisquer casos, se foi vencido o infrator, não~ porém, se havia interesse público em
causa e êle venceu, invalidando-se parte do testamento, não compreendida a cláusula. ~ impossível deixar de
atender às circunstâncias particulares, que rodejam cada uma destas cláusulas cassatórias, menos ainda o grau de
culpa do infrator. Aliás, essa culpa entendendo-se a violação consciente será sempre de mister, para que se cogite
de aplicação da vontade privatória do testador. Em regra, nos defeitos de vontade, a intervenção é a favor dessa, e
não contra essa. e) No caso de revogação ou de informação, que seja o objeto da discussão, trata-se de questão de
forma, pois que necessariamente se aprecia a existência de dois ou mais testamentos ou de ato que valha revogação
(art. 1.749).
Se não houve cláusula revogatória expressa no testamento posterior (art. 1.747, parágrafo Único), o anterior subsiste
no que o não contrariar. Se contraria, infirma-se. Quando a c1áusula cassatória está no segundo, a afirmativa de
haver incompatibilidade favorece o próprio querer do testador: pede-se que valha o último testamento. Quando
inserta no primeiro, a não-inserção no segundo põe no mesmo pé de igualdade o primeiro e o segundo. (Aliás, a
questão da infirinação pode versar sôbre a própria cláusula.) Ao juiz examinar as circunstâncias. Mas dificilmente a
caracterização da incompatibilidade escapa. à sua natureza ordinária, que é a de questão de interpretação.
7.CONSIDERAÇÕES FINAIS. Para que se estabeleça a violação, é preciso que o beneficiado sujeito à cláusula
tenha. litigado ou discutido, com intuito. Quer dizer: que a sua intervenção tenha sido consciente. Aqui, não caberia
aplicar-se a. regra do mandato quanto a podêres implícitos: havendo a cláusula, deve o juiz exigir do advogado
poderes especiais e expressos para qualquer impugnação, de que possa resultar aplicar-se a cassatória. Critério geral,
objetivo, para se procurar o verdadeiro cabimento da cláusula, é verificar-se se podia importar a discussão decisões
contra a prevalência da~ vontade do testador.
1.NEGÓCIO JURÌDICO. Negócio juridico é manifestação de vontade que entra no mundo jurídico e pode
produzir resultados juridicos, isto é, resultados juridicamente reconhecidos ao querer do declarante. Histôricamente,
porque negotium e cuctus juridicus são diferentes: aquêle cria, edifica, êsse é um vaso em que a plastilina se
deposita. Sociolôgicamente, porque nós regramos os nossos pensamentos íntimos (Religião), fiscalizamos,
censuramos, escolhemos, antes de os praticar (censura moral), ou depois de os praticar (sanções morais), os nossos
atos, e procuramos regrar o que concerne à nossa esfera de ação, por meio de negotia, a que o Direito recebe no seu
mundo e confere efeitos. O que alguém estatui é iex privatot; o que os órgãos sociais (Política) estatuem é lex
publica, que coordena e reconhece a respeitabilidade social das leges privatae.
2.CATEGORIAS JURÍDICAS. A vontade, dentro do negócio jurídico, é o que o encarna: o negócio jurídico é o
negotium, na vida social, juridicamente reconhecido. Do que se quer num’ contrato pode haver algo que se não
reconhece: aí, o querido é mais do que o ato jurídico. Negócio jurídico sem negócio seria a forma sem a matéria, o
esquema dos negócios possíveis: não teria realidade. Não há negócios jurídicos sem vontade. As regras jurídicas
dispositivas completam a vontade incompleta.
A ordem jurídica dos nossos dias evita formalismos, porém as categorias jurídicas existem inapagadas: direito real,
direito pessoal, herança, legado, modus, usufruto, hipoteca, penhor, fideicomisso, gravames de inalienabilidade e
outras restrições de poder.
Essas figuras fixam o essencial à ordem jurídica. Não se nega a autonomia da vontade, máxima do testador; mas
impõem-se às infinitas combinações das vontades humanas essas estradas abertas, esses corredores que a
experiência criou & conhece. Às vêzes ocorre: a) que a vontade do testador não se enquadre com qualquer das
figuras preestabelecidas; e isso acontece, porque são nítidos os contornos dos tipos jurídicos e variáveis, ao infinito,
as vontades humanas; b) que o testador se valha de uma categoria para usando dela, escondendo-se nela,
abroquelando-se com ela obter resultados que outra figura não permitiria.
CAPITULO VI
HERANÇA E LEGADO
1.POSIÇÃO DIANTE DO TESTAMENTO. Se o testador não ‘diz se é legado ou herança, cumpre ao juiz examinar
a espécie, e decidir. Seria impossível preverem-se todos os casos em que sucederá ter-se de interpretar a verba
testamentária. Mas algumas regras interpretativas e casos especiais podem, na prática, servir.
2.CASOS DE PRESUNÇÃO GERAL. É herança, e não legado (salvo outro elemento mais forte, que destrua a
presunção de se tratar de instituição de herdeiro) : a) Dizer deixo e referir-se à universalidade dos bens; não assim,
se diz deixo e refere-se a certo bem ou quantia (valor). Também não será herdeiro, mas legatário, fideicomissário,
se, depois de declarar qual o “herdeiro de todos os seus bens”, diz: “passando os bens imóveis, por morte do
herdeiro, a A”. b) Se dispôs “o resto dos meus bens deixo a B” (SAMUEL STRYK, De Cautelis testamentorum, 4?
ed., c. 16, § 16; FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus ‘de Testamentis, d. 3, sect. 4, n. 28). e) Se empregou a palavra
lego, referindo-se à universalidade dos bens, sem lhe dar outro co-herdeiro (FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus de
Testa mentis, n. 30), mas deixando legados. d) “Nomeio A herdeiro de minha casa e E do resto da minha herança”, E
é o herdeiro, A o legatário (J. BõEM, Das Erbreeht, 2~a ed., 92). Por isso bem se vê a importância do critério
discriminante.
3.VERBA COM OU SEM ESPECIFICAÇÃO. (a) Se o testador dispôs de toda a fortuna, ou parte dela, sem
especificar a qualidade da nomeação, considera-se instituíçâo de herdeiro.
(b)Inversamente, se só lhe deixou um objeto ou alguns objetos, individualizados ainda que lhe dê a denominação de
herdeiro, há de considerar-se legatário. Segundo a opinião dominante, a regra jurídica (a) é dispositiva; ao passo que
a inversa é simples regra juridica interpretativa de caráter negativo. Em todo o caso, encontra-se a opinião de
FRÀ&NZ Li»-. NHARn (LHe Beweiskxst, 2.~ ed., 416), que pretende seja a própria regra (a) de caráter
interpretativo. Se quanto à deixa de parte da fortuna, cremos que sim; não, porém, quanto à toda a fortuna, O
legatário de toda a fortuna é, pela natureza das coisas> herdeiro.
4.LIMITAÇÕES JURÍDICAS. Aliás, as regras jurídicas (a) e (b) sofrem as seguintes limitações: a) Se deixa o
liquido ou parte do líquido, não se aplica a regra jurídica (a). Porque o líquido não é o patrimônio, nem parte do
líquido ,parte do patrimônio. Deve-se a EMIL STROHÂL (Das deutsche Erbreckt, 5ª ed., § 26, nota 4) a advertência
a êsse respeito.
b) Se, praticamente, a deixa da coisa envolve a de todo o patrimônio (o estabelecimento comercial, se só ê]e é o
bem), não pode haver dúvida somente por isso, que justifique considerar-se legado, porque a regra jurídica (a) está
indicada pelas circunstâncias (F. HERZFETJDER, Erbrecht, J. v. Staudingers Kornmentar, V, 494). e) Se o testador
só de uma parte da fortuna dispôs, não parecendo que do mais houvesse disposto, é remanescente, no sentido do ad.
1.726, o que resta, e, no direito brasileiro, não cria grandes dificuldades: herdeiro ou legatário o nomeado, o restante
vai aos legítimos. Mas a qualidade de legatário pode patentear-se: “só exijo que se dê a A. a quinta parte do que
tenho”.
5.DISTRIBUIÇÃO EM BENS MÓVEIS E IMÓVEIS. 1) Se a testador deixou a um “todos os seus bens móveis” e
a outro “todos os seus bens imóveis”, cabe a regra jurídica (a) ; isto é, não se pode dizer que se trate de legatários,
porque houve seriação, e não particularização dos objetos legados. Há um herdeiro de móveis, e outro, de imóveis
(F. HERZFELDER, Erbre cht, J. v. Staudingerg Kornmentar, V, 495). Na Itália, encontramos opinião oposta, a de
PIETRO BONFANTE (L’Istituzione in tutti 1 beni mobili a immobili e la qualità di erede, Foro Italiano, 1897, 1,
col. 528 sj “Ora chi assegna ii complesso dei beni mobili o immobili assegna oggetti concreti, non pone alcun
rapporto aritmético cou la totalità”. Há engano: a relação com o todo é de mister, para ser herança; mas ser
aritinética, não se exige. “Deixo o que tenho na Brasil” não é relação aritmética; e é herança. ALFREDO AscoLI (II
Legato deli’ universalità dei beni, Foro Italiano, 1S89, co 635 s.) vê instituição de herdeiro, se o testador diz
“nomeio a Ticio herdeiro em todos os bens móveis (ou imóveis) “, e seria, à romana, ex re certa. Radicalmente
contra, querendo que a qualidade de herdeiro ou de legatúrio derive dos seus caracteres, e não da vontade do
testador, VIrroRio POLÁCCO (Deile Sucoessioni, 2•a ed., 1, 247 sj, que censuramos. Herdeiro, no caso referido, é
o que mais acontece nas vontades últimas. (14 Se divide:“A será herdeiro dos meus bens de São Paulo e B dos que
possuo no Rio”, ou “A receberá o que tenho na cidade e E o que fora eu deixar”, institui herdeiros, e não legatários
(JOSEF XOHLER, Gemeinschaften ndt Zwangsteilung, Archiv fur die dvilistische Praxis, 91, 847).
6.LIMITAÇÕES À REGRA JURÍDICAS DOS LEGADOS. Quanto à regra jurídica (6), cabe fazer-se a seguinte
distinção:
a)A designação de determinado bem pode constituir simples parte da fortuna, ou ordem de partilha: “deixo os meus
bens a A e B, cabendo a A os prédios z, y, z”.
b)A própria limitação à parte correspondente a um herdeiro, ou a todos os herdeiros, pode não ser legado, e sim
instituição de herdeiro: A, 1/3; B, 1/3; C, 1/8; e D, 10% de cada um. Será ordem de partilha.
c)É herança, e não legado, a deixa de usufruto das partes designadas, se o testador, por exemplo, diz: “instituo a A,
mas o usufruto cabe a ou “disponho do seguinte modo: a A, a nua propriedade, a E, o usufruto dos prédios, e a O, o
dos outros bens, convertidos em apólices”.
Alguns pensam o seguinte: constitui legado o usufruto de todos os bens. Por isso, não é o legatário obrigado às
dívidas, nem ao funeral. Vendem-se os bens, todos ou quantos bastem, solvem-se os débitos, o que é justo, porque
sofrem, equitativamente, nu-proprietário e adquirênte mortts causa de usufruto. Mas está errado. Tanto assim que a
venda, o trato equitativo do nu-proprietário e do adquirente supõe, exatamente, que se trate de herança, e não de
legado. Seria aplicar o certo como consequência falsa do errôneo.
d)Se o testador deixa ao beneficiado uma universitas facti (por exemplo, biblioteca), e só isso, é legado; quando diz
“só possuo uma biblioteca e deixo a A”, morrendo com a biblioteca e mais x em dinheiro, deixou tudo a A, que é o
herdeiro.
‘7. DEIXA DE TODOS BENS MÓVEIS E IMÓvEIS. Se o testador disse “deixo a C todos os meus bens móveis e
imóveis”
entendem-se incluídos todos os direitos e ações (FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus de Testamenti,s, n. 29>. Mas
duvidava FRANCISCO PINHEIRO da inclusão, se dizia “os meus bens situados em tal lugar”. Claro que só inclui
os direitos e ações relativos a esses bens, se o lugar era uma rua, ou um arrabalde; todos os direitos e ações do
lugar, se era outro país, ou outro Estado, ou outra cidade, Os “bens situados na França” compreendem, na falta de
outros elementos interpretativos, todos os bens, móveis ou imóveis, direitos e ações. Se trata de uma casa comercial,
com sucursal lá e no Brasil, os bens, direitos e ações de lá, segundo os respectivos balanços. Assim respondemos às
dúvidas centenares de FRANCISCO PINHEIRO (Tractatus de Testamentis, n. 30, e seção 11, § 3, n. 320 s.).
1.“MODUS” E INTERPRETAÇÃO. dificilmente a dúvida é quanto a ser modus ou herança, posto que alguns casos
já víssemos. Um deles: não nomeou herdeiros e apenas disse “metade para se acabar a Igreja A”. Adiante, elementos
do modus e da herança. A solução foi herança modal. Mas, se não existissem os outros elementos, seria modus,
cabendo a obrigação ao herdeiro legítimo, que seria a Fazenda.
4.“MODUS” E SIMPLES RECOMENDAÇÕES. Regras para distinguirem modus e nuda pracceptúL, aquêle
juridicamente eficaz (obrigatório) e êsse só moralmente:
a)Procurar saber se, pelas circunstâncias, ainda que a favor do beneficiado, a intenção do testador era abrigado, isto
é, conferir eficácia jurídica. Um dos elementos é a intensidade do interesse que mostra o disponente na execução do
que recomenda.
b)Conseqüência da regra cuja modum nou tam verba faciunt, quam voluntas defuneti: as palavras, ou frases
precativas, não obstam a que se trate de modus, em vez de simples conselho.
5.DEIXAS DE NÚPCIAS. A deixa objeto de casamento não se entende condicional, desde que se nao determinou
com quem; é modu.s: entrega-se desde logo (E. CER. WESTPUAL, Diss. quaestionufl luris privati, au Legatum,
cui inodus dotis constitut odiectus, modo nou adimpleto, corruni, sist, § 18). Mas, se está de casamento ajustado
com filho, ou parente, ou pessoa que tenha sido a razão determinante, ou a condição de se deixar, é pressupostos ou
oondiciond.
1.CONSERVAÇÃO. Conservar algo de um ato é salvar essa parte. É nesse sentido que se fala em conservação. Tal
expediente técnico pode operar-se, ou por considerações sub jetipos, ou objetivamente, por ser conseqüência da
natureza das coisas. São conservações perfeitamente justificadas, ao passo que privilégios injustos aquelas. Os arts.
158 e 152, parágrafo único, do Código Civil, inspiram-se no que dissemos, e as leis foram aos poucos apagando os
privilégios conservatórios. Mas é indispensável o estudo deles.
1.CONCEITO DE ANEXO JURÍDICO. O direito romano conseguiu tipos de atos jurídicos, mas a teoria do
negócio jurídico, o conceito do ato jurídico, em sua inteireza de construção abstrata e sadia, constitui obra do século
XIX. A expressão Rechtsgeschdft, segundo F. REGELSEERGER (Pandelcten, 1, 488, nota 1), pela primeira vez
empregou GUSTAV HUGO, na 33 ed. do Lehrbuch der Pand ect eu, em 1805; contra M. WLAsSAK, que a atribui
a A. HEISE, em 1807, em Gr’undriss. Contudo, a perfeita sistematização foi obra de GUSTAV Huco (5.
ScnwssMANN, Der Vertrag, 131).
Que aos juristas romanos faltou a indução magnífica, basta, para prová-lo, dizer que êles falaram em negotium, mas
tão inexatos que doações não eram negotia (L. 58, D., de donationibus inter vivus et uccorem, 24, 1), pôsto que o
fôssem, para êles, os atos processuais (GAIO, IV, 84, 141, 184). Gest um, que também empregavam, só se referia
aos atos reais.
3.FIXAÇÃO DO CONCEITO DE CONVERSÃO. A ciência do Direito conseguiu, aos poucos, por sucessivas
aproximações do real, dos dados da vida, das relações e fenômenos jurídicos, caracterizar o fato da conversão.
Eliminou-se do conceito tudo que lhe era estranho. Deu-se vigor a tudo que a ele pertencia e obscura, confusa ou
apagadamente se via. Não se havia de cogitar de validade parcial de ato jurídico, como parecia a A. E. 5. THIBAUT
(System des Pandektenreckts 4a ed., § 79),
§§ 5.783 E 5.784. CONVERSÃO E TESTAMENTO
875
e a G. F. PUCETA (Pandekten, § 67, e Voriesungeu ilber das heutige rõmi.sche RecJ2.t, 43 ed., 1, 142). Seria
diferença quantitativa, a que se reporta o fato da conservação, e não o da conversão dos atos jurídicos. Nesses toda
a forma é nula, o que se salva não é parte, mas a vontade. Nem seria caso de invocar a falsa nominação, porque,
aqui, nem forma, nem parte seriam sacrificadas; todos sabem que o nome não tem tão grande importância.
Na conversão, é intacto o espírito, o espírito do negócio jurídico (R. RôMER, Zur Lehre von der Conversion der
Rechtsgeschãfte, Árch,iv flir die civilistisefle Praxis, 86, 68, falou em corpo e espírito do negócio: o corpo é que está
ferido). A conversão é algo que obriga o corpo, a forma, a seguir a direção da vontade para os fins jurídicos, isto é, a
Seele des Ge.sch4fts. Aproveitando e melhorando a imagem, digamos: na convalescença, o corpo morto ressuscita;
na conversão, o espírito persiste e, pois, busca a forma que a contenha; na conservação, salva-se o corpo a que se
cortaram os membros insalvaveis.
4.FUNÇÃO DA CONVERSÃO. Pela conversão, o conteúdo do negócio, passando a outra fana, produz os mesmos
resultados que se queriam. Não se quis o nôvo negócio: o que se dá é que os resultados queridos são os mesmos.
Ora, nos testamentos, o que o testador quer são os resultados, e não as figuras jurídicas. Pouco lhe importa que se
chame usufruto ou ínalienabilidade, fideicomisso ou usufruto, modus ou usufruto, púnsão, ou renda constituiria. O
que ele quer é a liberalidade, como lhe pareceu possível. Qualquer solução que irremediável. mente atinja a verba,
matando-a, riscando-a, canoelando-a, por se tratar de erro de direito, e não de fato, constituiria péssimo
procedimento de política jurídica.
Todo querer e querer de resultado e de maneira: se o resultado é lícito, nada obsta a que se procure a forma, em que
se possam meter os resultados queridos. Varia-se de forma, converte-se. O escopo econômico é o mesmo; mas não
se consegue pelo modo que o disponente quis, e sim por outro que ele talvez não tenha querido. A vontade é a
mesma, o actus varia 876 SOMENTE
5.REQUISITOS PARA A CONVERSÃO. Para que a conversão seja possível, faz-se preciso: a) que no negócio
nulo se encontrem todos os elementos do negócio jurídico em que se converta (requisito objetivo) ; b) que os
resultados do negócio jurídico saído da conversão possam ser idênticos, ou, pelo menos, provAvelmente queridos
pelos declarantes ou disponentes (requisito subjetivo).
Ora, quanto àquele primeiro requisito, quem o verifica é quem declara, implicitamente, existir (nem seria de crer
que se pudesse converter em forma insuficiente e, pois, também ela, nula). O segundo remete ao indagante a
interpretação da vontade. Se quiseram os resultados, isto é, se os resultados satisfariam os figurantes ou o
disponente, impõe-se a conversão. Não se confunde com a conservação, em que se mantém o mesmo negócio.
Exemplo de conversão: nula a venda, pela falta de forma escrita suficiente, vale como promessa (contratos) ; nula a
verba testamentária como usufruto, vale como inalienabilidade (atos unilaterais). Exemplo de conservação: se é nulo
o ato público por incompetência do oficial, mas, no que ficou, tem-se documento com os requisitos do instrumento
particular, e esse basta ao negócio, vale o que se contratou, isto é, conserva-se, a despeito da nulidade formal do ato
público.
É sutil a distinção; contudo, de grande interesse prático. Esquecê-la é estar prestes, a todo o momento, a cometer
graves injustiças, porque conservação e conversão atendem a sérios interesses pragmáticos da vida.
6.CONVERSÃO NOS SISTEMAS JURÍDICOS. Antes do Código Civil alemão, a conversão não estava em lei.
Precisava estar? Não. Foi resultado da ciência, no analisar as relações jurídicas e revelar a regra, induzindo-a. É o
produto de atividade sadia, como fora de desejar a todas as regras jurídicas. Nisso colaboraram E. VON SAVIANY,
A. E. J. THIEAUT (System des Pandektenrechts, § 79), G. F. PUCETA (Pandekten, § 67, Vorlesungen liber das
heutige rôrnisefle Recht, 4a ed., 1, 158, cp. E. L. v. KELLER, Pandekten, 23 ed., 1, 145), JOSEPH UNGER,
O. O. VON WÀCHTER, II. THÓL, B. WINDSCHEID, E. RÓMER, F. REGELSEERGER e E. DERNBURG.
Nem sequer as fontes costumeiras eram concludentes, posto que houvesse exemplos.
§§ 5.738 E 5.784. CONVERSÃO E TESTAMENTO
877
7.CONVERSÃO NAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS. Conversão é a transformação do negócio jurídico
nulo em outro que possa valer. Entre o negócio nulo e o que o substitui, querem uns que se exija o mesmo gênero,
outros o mesmo conteúdo, outros o mesmo efeito, ou o mesmo fim prático. Mais: indagar-se-á o que quis, ou, para
outros, o que se deve considerar como o querido, ou o que se quis, se não com o nome, com a substância. ~ preciso
que o declarante tenha querido, ainda tácita ou eventualmente, o que se substitui. Assim Joszrn UNGER (System, II,
§ 91).
Cumpre cercar as realidades. O que um testador quer são fatos, e não nomes. Se quis uma coisa em vez do que
disse, claro que se satisfaz a JOSEPH UNGELi. Se ele quis isso mais aquilo, que seria fideicomisso, e a lei só lhe
permite isso, e não aquilo, o juiz não pergunta se quis só isso: está no texto que ele quis as duas coisas, uma só das
quais foi possível. O escopo dos testadores é prático, e não teórico: e os não-juristas dificilmente penetram nas
peculiaridades jurídicas das relações humanas (F. REGELSBELtGER, Pandekten, 1, § 139, 490). Dir
-se-á que ai não há conversão, mas conservação (E. DERNBURG, Das Bilrgerliche Recht, 1, § 124, 2). Em
verdade, contra
F.RECELSEERGER (Pandekten, 688, nota 7), aqui o que se faz é aplicar o direito vigente, classificar a verba,
como dizemos no Brasil, e não converter. Porém será sempre assim? i.Tratar-se-á, sempre, de mera conservação, de
mero explicitar teórico-jurídico do que o testador prAticamente quis?
Imaginemos que o testador deixou a fortuna em prédios a A, como fideicomissário B, mulher de A, e por morte
desse “os bens que dêem para o sustento da mãe de A, que não será herdeira de E”. fl um fideicomisso proibido
(artigo 1.789). São bens que passam, de nôvo, a alguém, por morte de outrem. APode intervir, aí, a conversão? ~Se
o juiz disser que se trata de encargo ao fideicomissário, invocando “o que dê para o sustento”? Há diferença
substancial entre o herdeiro fideicomissário e o beneficiado pela pensão. O testador falou em bens, e não em
quantias. Verdade é que há elementos que a nulidade não atingiu e podem configurar o modus. Mas, se o testador
quis isso, é coisa difícil de saber-se. a conversão que se dá.
8.CONVERSÃO E FIDEICOMISSO. A quase totalidade dos escritores admite que se converta a substituição
fideicomissária em vulgar, quando os elementos restantes possam perfazê-la. É conversão? “Deixo os bens a A; por
morte de A, a E; por morte de E, a O”. Antes do testador, morre A. Pode converter-se a disposição, originariamente
em parte, nula? Já não ocorre violação da lei: se ocorresse, nula seria a substituição de O a E; porém, como
premorreu A, satisfez-se a lei. Não é conversão, é aplicação da regra jurídica utile per mutile non vitiatur (art.
1.740).
No campo do adágio utile per mutile non vitiatur, divide-se o ato: cancela-se o que é nulo, salva-se o que é útil. No
da conversão, não é parte do ato ferido, que se resguarda: é todo um outro ato.
1
9.“ERROR IN NOMINE NEGOTII”. Por Vezes, a interpretação descobre tão rente satisfação dos requisitos de
outro negócio jurídico, que a conversão quase desaparece: resolve-se em simples proclamação de um error in
noinine negotii. O disponente ou os declarantes quiseram, não só os resultados, como os resultados e a maneira:
erraram no nome.
12. NULIDADE, INEXISTÊNCIA E CONVERSÃO. A conversão exige que o ato seja nulo, porém não pode
ocorrer se inexistente. O que se quer é salvar um mínimo de ato, que resta nos atos nulos, e é nenhum no inexistente.
Demais, no ato em que se converteu o nulo deve haver o querer inicial, a vontade inicial (G. SATTA, La
Converzione dei negozi giuridici, 9 s.). Se trata de ato informe, seria demasiado o propósito conservativo, pois a
conservação é outro instituto, mas legítimo o de pretender convertê-lo (OH. LYON-CAEN et L. RENAULT, Traité
de Droit eommerciaí, ga ed., IV, n. 470).
Se, na declaração de vontade, faltam os elementos para outro negócio jurídico, em que o nulo se converta, do nada
não se pode tirar o que possa, juridicamente, ser. É preciso, portanto, que o negócio nulo, de que se trata, seja, não o
negotium non datum, mas o negotium inutiliter datur. O ser do que vai valer há de achar-se no que inútil se fêz. (Por
onde se vê, no fundo, o parentesco entre a conversão e a conservação.) Por isso mesmo, o objeto ilícito ou imoral
obstaria à conversão. Mais: se é possível,.783 E 5.734. CONVERSÃO E TESTAMENTO cogitar em testamento, a
conservação, não se deve
§§ 5 de uma conversão do ato (todo o negócio jurídico), unilateral, como é, numa compra e venda de casas, que é
bilateral.
Nulo, ou anulável, o ato pode converter-se.
Quando se trata de instrumento de prova, exemplo, ato autêntico nulo, que vale como privado, não há conversão,
porém conservação.
14. PREVISÃO DO AUTOR DO ATO. Se o declarante reconhecia ou desconfiava da nulidade, e quis ou queria a
nova forma válida, não se trata de conversão, ainda que essa nova forma, e outro negócio jurídico, seja subsidiário.
Por isso, a cláusula codicilar nada tem que ver com a conversão (H. A. VOSS, Die Konversion des Rechtsgeschãfts,
47).
Quid, se o declarante não cogitou da nulidade e queria, de fato, a nova forma? Esse querer ou não querer do
negócio jurídico convertido é indiferente. Se não se sabe se queria, converte-se, porque é melhor que valha. Se se
sabe que era isso o que ele queria, tanto melhor. Queria, não só os resultados, como os meios.
Aliás, o juiz não cogitará da teoria da declaração, para se ater ao declarado, à palavra. Mas, para saber do querer
dos resultados (elementos que vão servir ao negócio jurídico nôvo), tem de procurar a vontade.
16. “TOTIUS UT VALEAT QUAM UT PEREAT”. Dada a vontade do testador, sob uma categoria proibida, deve-
se entender a que lhe dá eficácia 7’otins ut vaieat quam ut pereat. O argumento contrário é o de sacrificar-se,
preconcebidamente, disposição restritiva ou proibitiva (PRANÇOIS GENY, Scence a Techuique eu droit privé
positif, III, 171). Porém não tem razão. Se a outra categoria permite, a proibição é relativa a uma categoria, e não ao
negotium. Não é o deixar que se proibe; é a forma pela qual se deixa. Não é escapatória; é a aplicação de princípios,
principalmente do art. 1.666 do Código Civil.
Diante do juiz que lê, para cumprir, um testamento, pode desenrolar-se todo um mundo de categorias jurídicas, var-
iae causaram figuras: e os elementos, que as compõem, ali estão, como em caleidoscópio. O seu principal mister
vai ser o de distinguir tais elementos e classificá-los, como o botânico faria As plantas. Usufruto, fideicomisso,
inalienabilidade, propriedade resolutiva, legado condicional, modus, substituição, suspensividade do exercício,
suspensividade da aquisição da
•coisa... As formas estão na lei, nos livros: as matérias, com que as enche, dá-las-á o testamento. Umas cabem aqui;
outras, ali. A autonomia da vontade, que faz a negotium, e os quadros legais, os tipos, em que o negócio, actus
iuridicus, se submete .A lei publica.
18. GRAVAMES JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEIS Várias vezes ocorre dispor o falecido que fiquem em usufruto
as legítimas. ~ Como decidir: considerar nula, não escrita, a cláusula, pelo favor das legítimas ou quotas necessárias
(art. 1.721),. ou, pelo respeito da voluntas testantium, entender que as clausulou de inalienabilidade como a lei Ibo
permitia? Volta aquilo a que poderíamos chamar o drama dos favores.
Se ficarmos do lado do favor voluntatis (art. 1.666), atenderemos a que a verdadeira causa das disposições mortis
causa está no velar pelos herdeiros e que se presume o amor do falecido. Então, decidir-se á pela cláusula possível.
Se propendermos para o odium contra o testador, que escreveu a cláusula impossível, sofregamente a daremos por
não escrita, suvervácua e aplicaremos às cláusulas em geral o que o Código Civil só dispôs quanto às condições
(infeliz, confusão, a cuja conta correm, nos repertórios, graves erros judiciários).
Se quisermos invocar-o princípio, só restritamente atingível, da inviolabilidade das legítimas (arts. 1.576, 1.721 e
1.728), desviaremos o golpe que sôbre elas desferiu, erradamente, o testador.
Caracterizaremos a questão. Para isso, basta o exemplo concreto: “quero que as legítimas de meus filhos A e B
sejam em usufruto”. Trata-se de troca de expressões e a regra geral do Código Civil, art. 85, que se reforça no art.
1.666, por si só. resolve a dúvida: entre texto e vontade discernível, prevalece essa contra aquele. Não se dará o
mesmo noutros casos: “quero que as partes dos meus filhos sejam em usufruto e a propriedade pertença aos meus
netos”; “dos bens de A e B, usufrutuários, serão proprietários meus pais”. Nessas espécies, quis nulamente o
testador: infringiu a lei, solapou, inteiro, o princípio da inviolabilidade das quotas necessárias. Não se poderá dizer
que o seu fito era o de tornar inalienáveis os bens. Nem poderá esperar o testador que se lhe conservem as
disposições na melhor das suposições, tão insuficientemente esclarecidas. Lendo-as, seria difícil apontar-lhes como
causa o propósito de evitar dilapidação ou azares da vida. Mais transparece o de distribuir, em domínio e usufruto, a
propriedade dos bens herdados.
1.REGRA JURÍDICA INTERPRETATIVA, PORÉM, NEM POR ISSO, MENOS LEI. A regra jurídica do art. 1.666
é interpretativa, mas é inegável que intervindo questão de conversão ou de evitamento de nulidade . ressalta algo de
cogente, porque diz com a validade mesma do disposto. As regras jurídicas interpretativas, que aparecem nos
Códigos, são leis, regras positivas, têm conteúdo jurídico positivo. São leis, como as outras. O juiz que deixa de
interpretar segundo o art. 1.666 comete infração da lei, como se deixasse de aplicar qualquer outra regra jurídica (F.
STEIN, Das private Wissen des .Richters, 48).
São dirigidas ao juiz (W. WEDEMEYER, Áuslegung u?Zd Irrtum in ihrem Zusammmenhange, 8). Porém não proc
essuais; têm conteúdo material (E. STEIN, Das private Wissen des Richters, 49), de direito civil ou comercial, e por
isso só ordenáveis, no Brasil, pelo Congresso Nacional.
O fato de serem interpretativas não lhes tira a subst antividade: são regras de direito material. Determinam efeitos
jurÍdicos, criam direitos materiais: o juiz, aí, mediador aparente, é mero instrumento revelador. Os poderes, que os
artigos 85 e 1.666 lhe conferem, são no sentido de revelar o querer. Ora, o querer é que dá a parte mais material do
ato jurídico.
1.“QUAESTIO FACTI” E “QUAESflO IURIS”. A interpretação das verbas testamentárias é questão de fato e de
direito, da qual podem surgir controvérsias graves e estabelecer-se a contenciosidade. Para os efeitos processuais, é
de extraordinária relevância. Pode dar-se que se firme o caso julgado, e.g., se foram intimados, para isso, os
interessados, ou se houve recurso e foi definitivamente julgado.
2.EFEITO FIXADOR DA CLASSIFICAÇÃO DA VERBA. Convém advertir-se que a vontade do testador há de
ser procurada, para se conhecer o conteúdo das disposições; não, porém, para as suas conseqüências jurídicas (E.
HERZFELDER, Erbrecht, J. v. Staudingers Kommentar, 9? ed., V, 458). Classificada a verba, não cabe mais, para os
efeitos jurídicos, a indagação do que quis o testador.
O testamenteiro não interpreta, autenticamente, a cédula testamentária. Nem o testador pode conceder-lhe isso. Se
lho concedeu, em termos expressos e claros, ainda assim é sem efeito. O direito de interpretar não se subsume
naqueles que decorrem da autonomia do testador. Nem ao juiz, pessoalmente, pode o testador conferi-lo. Seria sem
efeito a declaração do testador: “O juiz da Provedoria interpretará sem recurso É a opinião vitoriosa, e justa (F.
HERZFELDER, Erbrecht, 1. v. Staudingers Komment ar, 9? ed., V, 651; no direito alemão anterior, havia
divergências, cp. J. GOLDFELD, Streitfrageu aus dem deutschen Erbrecht, 150, nota 84).
Resta-nos uma questão: não pode o testador pré-escolher o testamenteiro, como juiz arbitral, nas divergências de
inter-prestação do testamento? Há, na Alemanha, jurisprudência favorável. Em todo o caso, no direito brasileiro,
cumpre distinguir: o testamenteiro exerce esse cargo, com recurso para o Juiz da Provedoria, nos termos dos arts.
1.040, III, e 1.046, e a execução depende de homologação (art. 1.045); há recurso sempre que se nega validade ou
eficácia à verba testamentária, porque não se pode deixar a outrem tal decisão (art. 1.667).
1. PRELIMINARES. A sucessão de leis, no tempo, é fonte de dúvidas na execução dos testamentos. A mudança de
lei pode intervir: a) após a feitura e antes da morte; b) depois da morte. Excepcionalmente, antes da feitura sem
ciência do testador. Esse caso excepcional, que, duas vezes, tivemos de apreciar em casos concretos, não é tratado
pelos escritores, mas constitui o primeiro problema na matéria do direito intertemporal da interpretação
testamentária.
8.MORTE DO TESTADOR ANTES DA LEI NOVA (E). Sobre a interpretação dos testamentos em direito
intertemporal, se o disponente morreu antes da lei nova, há duas opiniões: a) Entende L. KUHLENBECK
(Einftihrungsgesetz, .1. v. Staudingers Kommentar, VI, 597), após M. SCHERER (Einfiihrungsgeseiz zum B-
iirgerlichen Gesetzlncche, 1, 289), que se rege pela lei da feitura, quer se trate de preceitos dispositivos, quer
interpretativos. b) Porém outro é o modo de ver de H. HABICHT (Die Einwirkung de., .RGB. au>’ zuvor
entstandene Rechtsver)diltnisse, 8? ed., ‘740 5.): só se aplica a lei antiga quando valha por si, por seu conteúdo,
pelo fato de ter influído no disponente, aí o essencial é a vontade, e não a lei. Na primeira opinião, nada se
distingue; na segunda, procura-se saber se efetivamente interveio a norma. Mais: separa H. HABICHT regras
jurídicas de interpretação (Auslegungsregeln) e regras jurídicas dispositivas (dispositive Tlorsch,rif teu). Aquelas
servem para se ver o que o disponente quis; essas fazem as vezes da vontade, criam o conteudo da disposição, se o
contrário não se dispôs. (A diferença é indiscutível, existe; e lá está no Fausto de GOETHE, em jogo de palavras,
que clareia: “In jenen legt das Gesetz, was gewollte ist, aus, in diesen legt es etwas, was nicht gewollt ist, unter.)
Quanto as regras jurídicas dispositivas, disse, não haveria dúvida: são as do tempo da feitura:
tempus regit. Quanto às regras jurídicas çle interpretação, não se daria o mesmo: essas, quando perdem o vigor, não
podem ser invocadas como princípios de direito positivo (positive Rechtssà,tze). Há condição para que se apliquem:
ter sido influenciada por elas a vontade do testador. O que importa é a vontade verdadeira dele; não a lei, que lhe
rege a interpretação. Mas uma coisa é interpretação e outra regra jurídica de interpretação, redargúi-se: naquela, o
testador quis e busca-se, sem qualquer critério fixo, preestabelecido, o que ele quis; nessa, a autoridade do legislador
preestabeleceu alguma coisa, construiu cercas que nos tiram a liberdade dos caminhos. Não se pergunta: ,que foi que
o testador quis? Mas: 2.que é que a lei manda entender? Ele não disse; a lei é que diz por ele. “A essência das regras
legais de interpretação é completar a vontade incompleta do testador”. Daí tira Du CHESNE (Erbrechtliche
Auslegungsregeín in der Uebergangszeit, Das Recht, 471) que a lei antiga rege a pergunta ,que foi que quis o
testador? Mas a outra ,que é que o legislador manda entender? rege-a a lei em vigor, porque se trata de
modificação legal da vontade incompleta. No fundo, a opinião de H. HABICHT, se bem que diferentes os caminhos.
Com II. HABICHT, estão O. PLANCE (Biirgerliches Gesetzbuck, VI, 408) e A. NIEDNER (Das
Einfiúhrungsgeeeíz vom 18. August 1896, 2? ed., 470 3 b). Todos os que procuram distinguir vêem o plus, a
resistência, as cercas, que o legislador armou; mas essas cêrcas tiveram um fim, e esse ou foi o da verdadeira
vontade do testador, algo de certo, intrínseco, ou o de evitar a dúvida, cortando, cerca, as vacilações, por um critério
impositivo. Nesse último caso, não é regra jurídica de interpretação. Para nós, todos se afastaram do problema
central, só o vendo no terreno do direito intertemporal: toda regra de interpretação auxilia, é resultado de Ciência,
que a lei entendeu consagrar em texto escrito; se a nova lei a corrige, se a modifica, se a destrói, se a exclui, o
intérprete preferirá essa, em vez da antiga, como deveria preferir, sob a própria lei antiga, a solução hoje adotada,
porque outro não era o fim que revelar a verdadeira vontade do testador. Aliás, esse fim é o que importa, e pode
existir nos próprios textos dispositivos, o que trazendo o problema para o quaestio facti exclui a necessária e
absoluta aplicação da lei antiga.
4.MORTE APÓS A LEI NOVA (C). A pesquisa da vonLide do testador, da verdadeira vontade, é princípio superior
de direito. De modo que a questão paira acima dos tempos, do ontem e do hoje: atemporal, por bem dizer. Por isso
mesmo, sem importância para as perguntas peculiares ao direito inter-temporal, que implicam opção por tempos,
pelo ontem ou pelo hoje. Restariam os termos de técnica jurídica, das definições da nova lei, que mudando
significado mudariam a própria disposição.
No segundo caso, herdeiros hão de ser as pessoas existentes ao tempo da morte do testador. No caso de condição
suspensiva ou de termo inicial, as do tempo da realização. Salvo se cabe aplicar-se o art. 1.718.
Mas, no primeiro caso, a interpretação, havendo dúvida, não pode ater-se a tais regras interpretativas. O testador
quis tOda a descendência: é o que se há de presumir. Assim, se êle diz “deixo aos filhos da minha filha”, é mais
justo que se contemplem todos os filhos que a filha possa ter. Em tal caso, em direito que, a propósito, nenhuma
regra jurídica possui, como o alemão, entendia F. HERZFELDER, (Erbrecht, J. v. Staudingers Kommentar, 9? ed.,
V, 465) que a interpretação é inteiramente livre, ao passo que EMIL STROHAL (Das deutsche Erbreclit, 3a ed., 1,
137) evitava tirar do § 2.070 argumentum a contrario. De qualquer modo, é irrecusável que se devem tratar tais
descendentes como grupo, ficando os bens subordinados à condição de mais filhos, o que, por se tratar de morte
daquele descendente cujos descendentes se contempIam, se resolve num termo inicial de morte.
Aliás, a mesma dificuldade aparece quando se procura solução para a verba a descendentes de A, que é terceiro. Se,
por ocasião da morte do testador, A não tem descendentes.
F. HERZEELDER (Erbrecht, L v. Stctztdingers I<ommentar, 9? ed. V, 465), queria que se aplicasse a regra (só
interpretativamente, já se vê>, a despeito do art. 1.666 (Código Civil alemão, § 2.084). Outro fôra o parecer de
EMIL STROHAL (Das deutsohe Erbreckt, 8? ed., 1, 137) e de OTTO WARNEYER (Kommentar zum
R~iirgerlich,en Gesetzbuch, II, 1.117), que determinavam a aplicação, de modo a salvar-se a deixa por meio de pós-
herança, ainda nos casos em que, havendo descendentes ao tempo da morte, as circunstâncias aconselhem outra
construção. É irrecusável, porque a regra é só interpretativa.
A essa questão quem melhor resposta formulou foi 1-1. PEISER, no seu Tratado, 21, e no artigo Fiir und Wider (VI,
609) : em primeira linha, vem o art. 1.666 (Código Civil alemão, § 2.084). Ora, ai a verdade: a) porque o art. 1.666
já constitui a preciação preliminar, ao passo que a regra jurídica interpretativa viria invalidar a própria deixa; b)
porque o testador morreu, sabendo não existir tal descendência; e) se as circunstâncias podem excluir qualquer
aplicação de regra juridica, seria ilógico deixar de atender a tão importante circunstância, como a de ter morrido o
testador em pleno conhecimento de só se referir a descedência futura. Assim, é insustentável a nota 75 de CARL
CROME (System des deutschen bilrgerlicken Rechts, V, 97), que exclui a aplicação do artigo 1.666, porque, na
hipótese de não haver ao tempo da morte descendentes, já está resolvido pela ineficácia e por não caber a
preferência que o art. 1.666 supõe.
2.LIMITAÇÕES À AUTONOMIA. Em primeiro lugar, a lei que rege a sucessão ah intestato decide quanto à
possibilidade da sucessão voluntária, É a lei pessoal do decujo. Ela fixa as limitações à autonomia testamentúria:
todos os princípios imperativos são aplicáveis. O testador não pode fugir a tais regras com declarar que o seu querer
é a aplicação da lei estrangeira.
Ficam os princípios interpretativos e os dispositivos. Onde não há a imperatividade, exerce-se a autonomia
testamentária, inclusive (veremos a importância disso) quanto à escolha da lei que deve reger, como parte integrante
da vontade, a interpretação e a disposição em caso de silêncio. Escolhe a regra de interpretação e a supletiva, aquela
conteúdo da vontade, e também essa, que passa a ser vontade do testador e não lei supletiva.
3. SUBSTÂNCIA E EFEITOS. A regra é que a substância, os efeitos, como a validade intrínseca, se determinam
pela lei que governa a sucessão. Assim, as condições e termos, admitidos pela lei sucessoral, são válidos alhures,
onde o testador morreu.
(A questão de ordem pública é outra questão: não se dá competência a outra lei; cortam-se os efeitos da lei
competente.)
A lei do domicilio último do decujo rege, em virtude de presunção de vontade. Não, porém, de presunção absoluta,
que a lei de direito internacional privado imponha. A regra jurídica da Lei da Introdução do Código Civil somente se
refere, imperativamente, à sucessão legitima ou testamentária, à ordem da vocação hereditária, aos direitos dos
herdeiros e à validade intrínseca das disposições do testamento. Nesses casos, a lei sucessoral é imperativa ou
necessária. Quanto à substância e aos efeitos, não. É possível demonstrar que o testador obedecia, ou tinha em vista,
ao dispor, outra lei, que não a sua.
Nem sempre é fácil a distinção entre validade intrínseca e substância ou efeitos.
Tudo que concerne à interpretação da vontade do testador é do domínio da autonomia. A lei sucessoral não é
necessária ou imperativa. Outrossim, tudo que é efeito do querer. Substância e efeitos são tudo no ato que depende
da vontade dos disponentes.
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