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de São Paulo ⎯ aesposito@ho
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SILVA, G. et al. (2007) A complexidade da ação educativa e os conhecimentos que se
fazem necessários. Estudos e pesquisas em educação e saúde. In, V. Trindade, N.
Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade
de Évora.
Como ensina Gadamer (1997), trata‐se de buscar sentidos, tendo em vista que a
compreensão é um evento histórico, dialético e lingüístico pois, como seres
humanos que somos, frutos de uma tradição, a linguagem é por excelência, o
midium que possibilita o “encontro de horizontes” e, neste movimento, avançar,
produzir conhecimentos.
Nesse pensar, de forma convergente às nossas pesquisas, observamos que, na
era da modernidade, acentua‐se a ausência do mito e do rito, havendo
sobrevalorização de conteúdos cognitivos e esquecimento da educação de atitudes,
fazendo com que, na contemporaneidade, autores como Stanley Krippner (1997)
recomendem o resgate de uma mitologia pessoal, metafórica e de aspectos
desconhecidos da psique. É Campbell quem nos relembra que:
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SILVA, G. et al. (2007) A complexidade da ação educativa e os conhecimentos que se
fazem necessários. Estudos e pesquisas em educação e saúde. In, V. Trindade, N.
Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade
de Évora.
Mais ainda, que as idéias elementares (Bastian) e os arquétipos do inconsciente
coletivo (Jung), bem como a referência à formação do sistema bio‐enérgico de uma
espécie tornam‐se significativas quando Campbell anuncia sua perplexidade ao ver
a bota de Armstrong descendo da nave espacial para deixar sua marca na
superfície da nossa lua. Foi nesse momento que compreendeu os “a priori” da
razão de Kant. As leis do espaço, da ordem do conhecimento da mente, já estão em
nós desde o nascimento. São suficientes para, matematicamente, garantir ao
astronauta chegar à lua. Entretanto, somente o toque da bota no solo lunar
garantiu‐lhe o conhecimento “a posteriori”, o conhecimento da experiência, o
conhecimento depois do vivido.
Ora, o conhecimento do espaço exterior está dentro de nós porque que as leis do
espaço também estão dentro de nós: o espaço exterior e o espaço interior são a
mesma coisa.
Postos alguns pensamentos que nos parecem convergir para o estabelecimento
de uma “meta compreensão”, na recursividade movimento iniciado, voltamos ao
tema por nós proposto.
Nos vinte anos em que temos nos dedicado aos estudos e pesquisas que
investigam a ação educativa, o conhecimento e a formação do educador, temas
base em nossas pesquisas, concluímos que necessário se fazia desenvolver nossas
investigações a partir de outras dimensões. Mais ainda, estabelecendo um recorte
no trabalho como um todo, nosso objetivo, a partir de certo momento, centrou‐se
no estudo de como se dá a inteligibilidade humana, perguntando pela forma como
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SILVA, G. et al. (2007) A complexidade da ação educativa e os conhecimentos que se
fazem necessários. Estudos e pesquisas em educação e saúde. In, V. Trindade, N.
Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade
de Évora.
se faz a ordenação do pensamento e pelas estruturas de conhecimento necessárias
à expressão de certas características humanas, como sentimentos, emoções,
sensibilidades, compreensões, sabendo que essas, ao se organizarem como
discurso na interioridade do ser, solicitam expressar‐se, comunicar‐se constituir
linguagens. Foi o momento de estabelecermos as diferenças entre ciências
humanas e exatas. Às primeiras, diziam nossos estudos hermenêuticos, competia
compreender e interpretar; às segundas, cabia conhecer e explicar. Posta essa
dicotomia, estabelecemos uma trajetória de investigação para dar suporte e rigor
ao nosso trabalho, tendo como base as ciências humanas. Com a fenomenologia e a
hermenêutica auxiliando‐nos a apreender nas manifestações de descrições
ingênuas o pré‐reflexivo presente nos discursos da experiência vivida, dedicamo‐
nos à compreensão do ser na sua mundaneidade, um ser que é presença. Ser que
é carne, ou seja, um corpo vivo, operante, síntese das representações, pois é na
imbricação corpo‐mundo que se polariza a existência e surge uma situação,
possibilitando ao homem atribuir significados (MERLEAU‐PONTY, 1971). Trata‐se de
uma unidade, quando consciência e corpo não podem existir por si sós, seja como
um ‘em si’, seja como ‘para si’. Em Heidegger (1988), aprendemos que o homem é
um ser dado à compreensão, sendo esta uma forma de ser e estar ao mundo,
gerando interpretações. Mais, é no encontro com o mundo que se abre ao ser a
primeira compreensão que a interpretação expõe, mesmo que o apreendido não o
seja ainda, de forma temática. É esse o modo pelo qual a compreensão se torna o
fundamento essencial da interpretação cotidiana, da circunvisão. São pois,
elementos constitutivos da compreensão o dar‐se a partir de uma posição prévia,
fundando uma visão prévia ⎯ que recorta o que foi assumido na posição prévia ⎯
segundo uma possibilidade determinada de interpretação, tornando‐se
conceituação provisória ou definitiva, o que nos apresenta diferentes visadas.
A interpretação fundada na apreensão prévia nunca é isenta de pressuposições.
Contudo, é esse o modo do homem ser‐aí, no mundo, um ser de compreensão ⎯
constituindo‐se esse modo de ser um dos existenciais básicos da Pré‐sença
(Dasein) ⎯, o que possibilita embrenharmo‐nos no círculo existencial
hermenêutico. Neste movimento, o conhecimento nascido de uma compreensão
assim dada foge à linearidade, seja posteriormente e/ou de forma concomitante ⎯
o que nos lembra a recursividade posta por Morin para a compreensão do que hoje
se faz necessário à inteligibilidade nascente. Apoiadas nas estruturas de
pensamento a partir do ‘corpo operante’, espacialidades se abrem organizando
outras formas, que se dão na profundidade, permitindo ver descontinuidade,
criando condições para que no desenvolvimento se dêem saltos ou crises.
Autores como os anunciados nos permitem organizar e tecer um movimento de
‘in‐flexão’, saindo do tema geral do Congresso, que pergunta pelo conhecimento, e
mergulhando na subjetividade e intersubjetividade interrogar pelo ser que é
compreensão. Ao buscar uma meta compreensão, abrimo‐nos para um retorno aos
estudos sobre o conhecimento. Os exaustivos estudos hermenêuticos de Paul
Ricoeur, que exploram os processos de compreensão/interpretação e
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SILVA, G. et al. (2007) A complexidade da ação educativa e os conhecimentos que se
fazem necessários. Estudos e pesquisas em educação e saúde. In, V. Trindade, N.
Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade
de Évora.
Em: A inteligência da complexidade: 2000, p. 251.
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SILVA, G. et al. (2007) A complexidade da ação educativa e os conhecimentos que se
fazem necessários. Estudos e pesquisas em educação e saúde. In, V. Trindade, N.
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de Évora.
Observamos que esses trabalhos, sendo teóricos‐práticos, consideram o
enraizamento do homem no mundo contribuindo efetivamente para a formação
acadêmica, com reflexos na qualidade dos serviços de educação e saúde,
apontando a possibilidade de fazer ciência pautada pela experiência. O caráter de
intervenção da ação educativa é o que a expõe prático‐poíetica, desvelando mais
do que sua perspectiva inter/multi e transdisciplinar, a sua natureza existencial.
CONHECIMENOS NECESSÁRIOS
Após dizer da complexidade da ação educativa e da trajetória que optamos
percorrer para trazer a público este texto, produzimos um recorte no já realizado,
retomando alguns saberes cujo desvelamento consideramos terem sido essenciais
para o desenvolvimento dos trabalhos aqui indicados.
O primeiro deles consiste em que, tendo interrogado pelo ‘isto’ que o
conhecimento é, resgatamos o sentido original desse termo como fundamento da
vida mental e consciente. Sentido que, historicamente, tem oscilado entre uma
interpretação fraca do termo, como ‘informação’ ou ‘representação’, e aquele
considerado forte, como participação e realização criadora. Assim,
apresentamos, neste item, parte dos estudos e pesquisas contidos em ESPÓSITO:
2006, observando a necessária recursividade para aquilo que, neste momento, nos
dispomos a elucidar ao buscarmos a complexidade das ações educativas e os
conhecimentos que se fazem necessários. Para tanto, interrogamos:
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Servimo‐nos, para essa revisita, do disposto na Enciclopédia Luso‐Brasileira de Filosofia, edição realizada sob
o patrocínio da Sociedade Científica da Universidade Católica, Departamento de Enciclopédias do Editorial
Verbo, sob a direção de João Bigotte Chorão (s/d), p. 1103‐12.
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SILVA, G. et al. (2007) A complexidade da ação educativa e os conhecimentos que se
fazem necessários. Estudos e pesquisas em educação e saúde. In, V. Trindade, N.
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com os intentos de uma metodologia geral, de uma epistemologia, ou, ainda, de
uma filosofia das ciências. Essa diversidade de possibilidades interpretativas
solicita‐nos um mergulho nas origens do termo, quando surge do latim cognitio, co
+ gnoscere (cum + gnosco), ou, em grego, γιγνωσκω e γνωσιζ, e no sânscrito, jñana,
‘captação conjunta’ e ‘com‐preensão’.
Esse modo de ver o mundo e situar‐se nele, instigado a conhecer, apreendendo
o objeto conhecível como algo que é ‘em si’, induz o ser a dimensionar o espaço
como algo reduzido ao visível, mensurável, cognoscível ⎯ às suas dimensões
físico‐geográficas. Essa apreensão leva à hegemonia de um tempo mecanicista,
cujas marcas refletem‐se no currículo escolar, seja pela ênfase na perspectiva
reprodutiva do ensino, seja pela prevalência do conhecimento factual, como, por
exemplo, no ensino de história ou geografia, reduzindo‐o à sua dimensão física e
enfatizando um ensino de ciências dirigido à reprodução laboratorial dos
fenômenos da natureza que, segmentados, congelados, perdem todo o sentido de
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A palavra ‘aí’ refere‐se, fenomenologicamente, a mundo.
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SILVA, G. et al. (2007) A complexidade da ação educativa e os conhecimentos que se
fazem necessários. Estudos e pesquisas em educação e saúde. In, V. Trindade, N.
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vida. Esse modo de ver e compreender o mundo e de trabalhar o conhecimento na
sua perspectiva ‘fraca’ privilegia uma dimensão reprodutivista, conformadora de
condutas, reduzindo o conhecimento ao pré‐determinado pelos signos produzidos
no passado, calcada numa ordenação disciplinar focada no produto e não no
processo. Em detrimento de um conhecimento construído pelos participantes ⎯ na
dimensão produtiva desta palavra ⎯, e marcada pela capacidade crítica de construir
novos signos, saberes e fazeres de natureza criativa, instala‐se a dimensão fraca do
conhecimento. Envoltos na ‘onticidade’ alienadora desse processo, nem nos damos
conta disso.
O direcionamento da consciência, assim se constituindo, vem modelar a forma
de pensamento considerada mais adequada para ‘ver o mundo’, privilegiando
semelhanças, descrevendo‐as, catalogando‐as, estabelecendo hipóteses,
comprovando‐as, generalizando resultados. O método experimental tem, nessa
concepção, o seu sustentáculo e validação, revestindo‐se as ciências da natureza
dessas conseqüências em detrimento de uma concepção de ampla vinculação à
vida e respeito à criação.
Com apoio na visão pontual das coisas, elabora‐se idéias, concepções. O
conhecimento, visto como representação, algo que é dado ‘para mim’, constitui‐se a
partir de uma consciência externa, de natureza divina e situada fora do sujeito. O
idealismo cartesiano, privilegiando na relação sujeito‐objeto o primeiro elo da
cadeia, mantém a explicação psicológica de como o homem apreende o mundo, tal
como explicado pelo associacionismo, não se vendo dele participante, pois esse
mundo já seria produto de uma consciência constituinte de mundo. Apoiados nessa
filosofia, os processos de pensamento lógico‐dedutivos encontram na matemática e
na física o respaldo legitimador, e o homem se alija da condição de conhecer como
participante de um processo aberto.
Essa dicotomia ‘em si’ (empirismo) e ‘para si’ (idealismo racionalista) mantém‐
se mesmo com os avanços da Gestalt. Esta, ao ressaltar a visão de figura e fundo,
movimento e perspectiva, considera a percepção como resultante de uma
apreensão pontual do mundo ⎯ reifica a forma sem avançar no ‘como esta se dá ao
ser apreendida como experiência vivida’. Esse salto qualitativo surge, ao
questionar‐se a dicotomia sujeito/objeto, vendo‐se a estreita ligação homem‐
mundo (noema–noesis–noema), fazendo emergir o ser em situação, um ser que tem
corpo, cultura, linguagens ⎯ histórico. É a partir desse movimento que o homem
se coloca participante do mundo, passando a ver a história não como algo que lhe
pesa, mas que nele e por ele se projeta em direção a infinitas possibilidades. Mais
do que ‘viver’ ou ‘morar’ num mundo dado, ou apenas representá‐lo, esse homem
passa a ser o que pode conhecer, construir e habitar o mundo:
Construir que, para Heidegger (s/d), não é apenas um meio ou modo de se
chegar ao, já é em si mesmo um habitar, seja este da criatividade, da afetividade ou
de outras possibilidades humanas. É este o aspecto do construir como forma de
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SILVA, G. et al. (2007) A complexidade da ação educativa e os conhecimentos que se
fazem necessários. Estudos e pesquisas em educação e saúde. In, V. Trindade, N.
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atribuir significados, que se aproxima da natureza da formação (Bildung); como
enfatiza Gadamer (1997), uma construção antropológica e sócio‐cultural. É pelo
habitar que se criam novas condições de vida, marcos humanos em cada cultura, o
que permite avançar sempre, romper limites dados, avançar para além... construir
novos horizontes, fazer educação.
Nessa intenção resgata‐se a experiência sensorial numa outra perspectiva, pois
tal experiência, ao capturar a forma, transforma‐a em algo que, sem deixar de ser a
forma originária, constitui‐se em algo diferente, já que contém qualidades
pertinentes ao sujeito que a apreende. A exploração sensorial, ao ser vivenciada,
possibilita uma transformação da forma originária em forma sentida. Constitui‐se,
assim, a camada primeira do ver a que Merleau‐Ponty denomina de ‘primado da
percepção’. Nesse movimento que o sentir realiza, a síntese temporal se dá,
portanto, para um ser encarnado (corpo próprio), torna‐se, dessa maneira,
também síntese espacial, pois há a interligação presente‐passado e projeção de
futuro. Coloca‐se, aqui, o papel ativo daquele que conhece e que, ao fazê‐lo, se ‘re‐
conhece’ na ação que realiza. Mais, ainda: o que se mostra como fenômeno é a
forma, como matéria primeira de exploração sensorial. Rompe‐se, então, com a
explicação de que o conhecimento se dá a partir de uma representação pontual do
mundo, supera‐se a solicitação de que a atenção e o juízo sejam os elementos
catalisadores e selecionadores do olhar. Para além da apreensão pontual e da
segmentação sujeito/objeto, insere‐se o homem no mundo, resgata‐se, numa
perspectiva mais ampla, o ‘entre pontos’, o ‘entre si’, berço da profundidade que
possibilita o evadir‐se da bidimensionalidade. Esse ‘entre si’, passível de ser
capturado por alguém que, ao movimentar‐se, afastando‐se e aproximando‐se,
deixa ver profundidade, apreende não só figuras, mas também a fluidez das formas
que se mostram e se ocultam aos olhares. Formas em estruturas, que se mostram
em configurações, fluidas. Fluidez que possibilita desvelar perfis, anunciar outras
organizações do olhar ⎯ como a agudeza da apreensão do pintor, cuja palheta
captura luzes e sombras e as registra, ou como o poeta, cuja sensibilidade consegue
traduzir em palavras emoções, sentimentos, capturando diagramas, pensamentos
que se manifestam, materializam‐se em palavras, como a fragrância de um
perfume que se esvai ao vento e que é percebido por poucos.
Evidentemente, essa direcionalidade da consciência para o mundo, produzindo
conhecimento a partir de um corpo próprio, coloca o homem junto, no cerne do
acontecimento vivo. Entretanto, estar como parte do acontecimento (ser no
mundo) pode também gerar no homem a dissolução de si mesmo naquilo que
observa, causar um estado de fascinação, de alheamento ao diferente, ou de
alienação, e, assim, nesse estado, quedar‐se dogmaticamente. Por outro lado,
tensões e oposições, como dadas pelo movimento, possibilitam distanciamentos,
afastamentos. Ao apreender dimensões diferenciadas, dá‐se a possibilidade de
novas atribuições de valores, pois, conforme delas o homem se distancie ou
aproxime, outros panoramas se lhe colocam, novos horizontes se lhe anunciam. É
esse o sentido existencial da condição humana, como ser ôntico‐ontológico, estar
sempre sendo e sofrendo a facticidade do corpo, do mundo...um ser para a morte.
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SILVA, G. et al. (2007) A complexidade da ação educativa e os conhecimentos que se
fazem necessários. Estudos e pesquisas em educação e saúde. In, V. Trindade, N.
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É nessa perspectiva que entendemos que deve ser colocado o conhecimento que
buscamos, aqui qualificado como ‘de construtor’, e que ainda predicamos como
‘sendo’ de natureza prático‐poiética.
O rompimento de um pensamento disjuntivo não se dá pela invasão de um
campo disciplinar em outro, como também não se encerra no holismo, que será
também uma forma de redução, conforme nos diz Ardoino em seu diálogo com
Morin (2000, pp.176 e 177). Não se trata da proposição de um outro trono; ao
contrário, enfatiza sua inexistência.
Observando que a complexidade solicita o ponto de vista da totalidade quando
no movimento, ao privilegiar o todo, ignorando partes, tem‐se uma perspectiva
reducionista. Em nossa meta compreensão reforçamos a necessidade de
considerar‐se o ponto de vista do observador, a recursividade de ir‐se das partes
ao todo num arco hermenêutico, vendo‐se o homem dialeticamente ao mundo a
partir da corporeidade de um corpo próprio. Quando apreender profundidades,
espacialidades é o que possibilita produzirem‐se saltos, patamares, crises, pontos
estes que temos focado em nossas pesquisas pela própria natureza do pensar
hermenêutico e fenomenológico que se propõe perspectival.
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“Se bem que toda prática implique a utilização da ciência, não quer dizer
que haja identidade entre as duas, pois a prática não significa a simples
execução daquilo que se pode fazer; a prática é também e principalmente,
uma escolha, uma decisão entre possibilidades diversas, tem sempre uma
relação como o ‘ser’ do homem.”
(HansGeorg Gadamer, 1977)
Diferentemente do conceito rigoroso de ciência tal como posto em Aristóteles,
ao referir‐se especificamente às ciências da natureza, os saberes que dizem
respeito ao homem e ao humano como tal são considerados parte de um ethos, um
modo de ser e viver (ética), que veio a constituir as chamadas ciências do espírito,
que passam a configurar‐se como ciências morais, ou do fazer.
Dadas as características das ciências do espírito ou das humanidades, o saber
prático, que é ético, mostra‐se como saber que não solicita comprovações, que
busca, nas questões do homem, apreender imagens, formular esquemas daquilo
que se pretende perseguir, capturando diagramas da realidade que possibilitem a
projeção de possibilidades, delineando perspectivas, perfis que possam auxiliar a
consciência moral na sua ação específica de torná‐las concretamente possíveis.
As ciências da prática lidam com situações, contextos e culturas diferenciados e
nessas culturas propõem‐se a descobrir espaços para as intervenções que se fazem
necessárias. Em tal caso, não cabe um conhecimento meramente normativo, mas
orientador. Exige um saber prévio, norteador, para orientar a escolha do fazer
pretendido.
Situado no tempo e no espaço, o homem desenvolve uma vinculação moral,
contextual e política, a partir das quais abarca um certo horizonte em que
apreende determinadas imagens das coisas. Essas imagens não se constituem em
algo que se possa ensinar, como no caso do saber teórico, mas servem como
diretrizes. Sua validade está em funcionarem como esquemas que só se
concretizam na situação particular em que se dá a ação e só se determinam por
meio da aplicação que a consciência moral faz dela (GADAMER: 1997). Tratando‐se
de situações contextuais, quando o homem opera, intervém, depara‐se com
incertezas ⎯ incertezas estas que se acham sempre presentes na concretude e no
movimento da ação prática. E, neste fazer, constrói a si mesmo. O saber ético da
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práxis constitui‐se, pois, numa forma de poder que perpassa toda a estrutura social
com que a vida humana se organiza, e mostra sua faceta política ao introduzir e
legitimar algo novo na sociedade. Numa outra instância, mostra‐se ao projetar e
executar intervenções que podem vir a gerar reações, fazendo eclodir resultados
em cadeia nem sempre inteiramente passíveis de controle. Gestados no interior da
própria sociedade, ao se manifestarem como teia (esses processos), configuram
“uma base social que, de um lado, impõe limites ao indivíduo; de outro (sendo o
elemento), é imprescindível para a sua humanização. Por isso, a condição social é
ambivalente, sendo simultaneamente espaço de personalização e de
despersonalização” (SEVERINO: 2001).
Os saberes práticos próprios às ciências do espírito, sendo éticos, não são
saberes que simplesmente podem ser ensinados ou aprendidos a partir de
diferentes estratégias de ensino, mas, sendo sociais e significativamente
vivenciados, constituem‐se na saga humana de ser e estar dialeticamente no
mundo, nele poder intervir, projetar‐se, produzir cultura e construir linguagens.
“A ação educativa é uma ética”. (Paul Ricoeur)
Ao perguntar pelos sentidos de algo, no caso a ação educativa, estamos
buscando retirar este algo do ocultamento e vê‐lo tal como se apresenta.
Subentende‐se, neste fazer, buscar apreendê‐lo em suas múltiplas manifestações e
nas suas diferentes relações, pois o sentido não se encerra na coisa mesma, dá‐se
em uma situação; isto é, em um espaço e tempo, num determinado contexto ou
época.
Sentido, palavra tomada aqui como “consciência de”, ‘consciência’ como sendo o
modo como as coisas são vistas e compreendidas pelo ser humano. Sentido que, ao
explicitar‐se pela compreensão, coloca‐se como o horizonte a partir do qual este
algo por que perguntamos pode estar presente.
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SILVA, G. et al. (2007) A complexidade da ação educativa e os conhecimentos que se
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Considera o autor que a palavra ética diz do ethos de uma cultura, de princípios
e de valores que inspiram costumes, hábitos, modos de ser e estar em determinado
tempo, espaço e cultura. Quando ao longo da história ocidental, encontramos a
predominância de uma ética cuja intencionalidade sempre privilegiou a crença da
infinitude humana, quando, desde Platão e Aristóteles, considerou‐se que o homem
alcançaria um estado de perfeição semelhante ao da imortalidade. O infinitismo,
princípio organizador da metafísica ocidental, constituiu‐se pautado na idéia de
que o homem foi criado à imagem de Deus e de que a natureza foi feita para ser
dominada. Agir, nesta perspectiva, é um agir moral, causal, do mesmo tipo que o
agir técnico, que tem como uma de suas conseqüências o encobrimento da
acontecência humana. Agir, nessa acepção racionalista, é planejar e administrar o
mundo.
Em nome das crenças decorrentes, respaldadas na concepção do homem como
ser infinito ou dele se servindo para legitimar o poder de determinadas instâncias,
muitos foram sacrificados, outros condenados ao silêncio e fadados ao
esquecimento. Constituíram‐se, nessa perspectiva, acordos sociais, quando o
sentido de dever moral passou a ser sinônimo de obediência e a realidade
compreendida a partir de fatos comprováveis.
Diferentemente dessa ética calcada na crença da infinitude humana, a ética da
existência é aquela que vem a considerar o homem como um ser finito, um ser
fadado à morte. A finitude humana posta na obra heideggeriana coloca‐se como o
conceito fundante de uma ética radicada na existência humana, também
denominada ética fundamental ou originária.
A Ética da Existência considera que ser é ter que “ser aí no mundo”. “Eu sou”
significa que eu estou morando, eu estou me demorando, “aí”, no mundo que eu
apreendo, no espaço da manifestação e, ao mesmo tempo, do ocultamento do ser.
Uma ética que considera o ser na sua existência, um ser finito, considera
também a incessante busca de sentido para o que há. Sentido que desvela aquilo
em que se funda a compreensibilidade de algo e, a partir do que se pode conceber,
a possibilidade desse algo como “aquilo em que este essencialmente é”.
Como ser finito, o homem tem existência no mundo, e, sendo ser social e
histórico, cabe‐lhe responsabilizar‐se não só por si mesmo, mas também pelo
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SILVA, G. et al. (2007) A complexidade da ação educativa e os conhecimentos que se
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mundo e pelos outros seres com os quais se dá a co‐existência humana ⎯ co‐
existir, que é co‐habitar, resguardar, edificar, isto é, salvar a terra, receber o céu,
aguardar os divinos, acompanhar conjuntamente a morte.
Heidegger (1999), ao voltar‐se para o estudo da técnica moderna, frente à
implementação de um mundo totalmente calculado e orientado pelo logos
tecnológico, admite que, no mundo da técnica, o homem desaprendeu como
manter‐se na terra.
Entretanto, sendo mortal, em face da possível desolação decorrente deste
esquecimento, o homem há que reaprender a morar no mundo. Este é o seu
destinamento: convalescer da própria essência da metafísica e deixar‐se interpelar
pela presença mediatizada pela ausência. Essa forma de atribuir sentido ao modo
humano de ser é um agir: o agir fundamental, para o qual o homem é convocado.
Diferentemente do agir causal, este agir se cumpre quando o homem aprende uma
outra forma de morar. Morar significa, então, “ter que habitar a quadrindade10, na
vastidão do mundo entre a terra e o céu, os mortais e os divinos”; sendo que o
traço fundamental desse modo de morar é o resguardar, quer dizer, proteger,
preservando de ameaças, não agredindo, cuidando, cultivando coisas que crescem
sozinhas e erigindo outras que não crescem. Edificar. Edificar, deixando aparecer a
palavra que nos traz o pensar poeticamente, o pensar não aprisionado por uma
lógica proposicional apoiada no enunciado e dirigida à comprovação do verdadeiro
e do falso. Quando, trazendo a fala de Heidegger nos diz Loparic (2002), que “no
enunciado que visa à identidade, o pensamento da diferença perece e o pensar
poeticamente desapega‐se da palavra inteira para ouvir o gestado na palavra
quebrada (quando), o quebrar‐se da palavra é o próprio recuo (na direção da
origem) no caminho do pensamento”.
O resguardar originário e fundamental, que está implícito na ética da existência,
significa habitar o “entre”, o hiato que separa e une o mundo e a coisa, o in‐visível.
O abismo, o lugar do sagrado. Buscando sentidos até lá, onde a palavra ainda não
se anunciou, mas está em gestação, esperando para ser dita. A ética existencial do
morar, nessa perspectiva, substitui a oposição metafísica entre o mal e o bem.
Considera ainda, que a palavra ‘salutar’ ao ser utilizada em substituição a ‘bem’,
evita a polarização sempre posta entre a bondade e a maldade, uma vez que a
maldade “não consiste na mera ruindade do agir humano, mas na maldade da fúria,
ou da agitação desenfreada... e só há fúria porque o próprio ser está em disputa”.
Niels Bohr, o formulador da Física Quântica, nos traz, ligadas à teoria do caos ⎯
o chamado efeito borboleta ⎯ a interligação e interdependência de todos os
fenômenos e todos os seres entre si. Terra e universo, homem e mundo, o visível e
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A dimensão da quadrindade reporta‐nos à fábula de Higino, apresentada por Heidegger em “Ser e Tempo”
(1988), para dizer do “cuidado”. Nela, apresentam‐se os quatro elementos: céu, terra, o divino e o humano,
quando o cuidado é a força originária capaz de aproximar e manter essas polaridades unidas. A quadrindade é
onde e de que forma, autêntica ou inautêntica, se dá a co‐existência humana.
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SILVA, G. et al. (2007) A complexidade da ação educativa e os conhecimentos que se
fazem necessários. Estudos e pesquisas em educação e saúde. In, V. Trindade, N.
Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento. Évora: Universidade
de Évora.
o invisível, em todos os pontos e em todos os seres entre si e em todos os
momentos, sendo que o elo aparentemente mais insignificante poderá ser o
responsável pela irrupção do novo (Boff, 2003).
Ter de morar significa, assim, no sentido da ética existencial, um agir
fundamental, ter de aprender a morar no espaço da manifestação e, ao mesmo
tempo, do ocultamento do ser: “pensar habitando a linguagem que desdobra a
diferença.” Encontrar sentidos. Sentido que a palavra poética anuncia ao renunciar
ao principio de identidade entre a palavra e a coisa, abrindo espaço para o in‐
dizível e o in‐visível, que, estando aí, alojados no simbólico, pedem para se mostrar.
É neste sentido que a época da técnica traz impasses sem precedentes. Repensar a
responsabilidade de cada um de nós para consigo mesmo, para com o outro e para
com o mundo ⎯ nisto se torna o nosso desafio.
CONCLUINDO
A construção de uma ética que considere a finitude humana exige a constante
busca de sentidos para o que há. Solicita uma séria disposição para o
desenvolvimento de permanente atitude de investigação, de análise e reflexão
sobre si mesmo como ser enraizado no mundo e sobre a existência humana. Exige
que a ação proposta, seja ela educacional, seja conceitual, poética, histórica,
filosófica, iluminadora, rigorosa, tenha como tarefa precípua trazer à consciência
as necessárias interrogações sobre o agir humano. Interrogações que, ao serem
postas no tempo e no espaço e no mundo‐vida, em situações educativas, venham a
ser refletidas, desvelando‐se sentidos, apontando‐se possibilidades; possam vir,
também, a contribuir para que se dê o salto qualitativo/quantitativo, necessário à
formação de profissionais das ciências humanas e da saúde, bem como à produção
do conhecimento que o mundo contemporâneo solicita. Coloca‐se, pois, a ética
radicada na existência como um dos eixos fundantes na perene busca de sentidos
que a complexidade da ação educativa nos solicita.
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