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Mafalda G. Teixeira de Sampayo


mgts@iscte.pt

ISCTE_Mestrado em Desenho Urbano


Instituto Superior em Ciências do Trabalho e da Empresa
Orientador: Professor Doutor Manuel C. Teixeira
Arguente: Professor Doutor António Dias Farinha
Outubro de 2001

Enquadramento à Tese de Mestrado:


O modelo urbanístico de tradição muçulmana nas cidades portuguesas

1. Objectivos do estudo proposto

1.1. Justificação e objectivos do tema

A importância dada às localidades sobre o aspecto


urbano só há bem pouco tempo passou a ser tida em
conta. Deste modo, encontramos muitas monografias em
relação a edifícios arquitectónicos, sobretudo ligados à
igreja e à nobreza, mas poucos estudos relativos a
cidades. Assim, o estudo proposto irá contribuir para o
enriquecimento dos conhecimentos do mundo urbano,
especialmente no que se refere ao urbanismo
muçulmano em Portugal, sobre o qual ainda não existem
muitos trabalhos de investigação.

Temos de ter em consideração que, mesmo depois da


conquista do Sul de Portugal pelos Cristãos, o povo
então presente irá continuar no território, mantendo as
características da organização social muçulmana,
embora fosse obrigado a habitar bairros específicos
denominados mourarias e tivesse de pagar os seus tri-
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butos aos governantes. Deste modo, é impossível


esquecer esta metade de Portugal que fala Português de
influência arabizada.

Como sabemos, na segunda metade do século XIX havia


já quem se dedicasse ao estudo da história local, mas a
maioria destes estudos limitava-se à história de uma
cidade e não se faziam confrontações/comparações com
outras cidades.

Evidentemente, não podemos esquecer autores como


Henri Pirenne ou mesmo Torquato de Sousa Soares,
historiador português do início do século XX, que irão
valorizar as investigações urbanas. Amorim Girão,
Orlando Ribeiro e Jorge Gaspar apresentam também
trabalhos nesta área - a cidade. Mas, para o estudo dos
centros urbanos medievais, o grande contributo devemo-
lo, em parte, a Oliveira Marques e José Mattoso. Assim,
os estudos urbanos são ainda insuficientes para uma
análise mais precisa das cidades, sendo a maioria dos
textos que encontramos da autoria de historiadores
sociais, políticos ou económicos.

Deste modo, a justificação do tema desta investigação


tem razões diversas:

- Antes de mais, será um contributo para os estudos


urbanísticos do universo português, uma vez que aqueles
são escassos e são normalmente obras de pessoas sem
formação em urbanismo e arquitectura. Servirá também,
assim, para a intervenção nas cidades antigas. Nos
PDM’s e nos PU’s raramente se faz um esforço por com-
preender a forma urbana preexistente e entretanto vão-

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se propondo áreas de expansão. Se forem realizados


trabalhos desta índole para os núcleos antigos, pode-
remos evitar opções de crescimento urbano bastante
infelizes e a destruição de um vasto património histórico
e cultural.

- Apresentará um estudo comparativo do urbanismo


muçulmano, no Norte de África, em Espanha e em Por-
tugal, através da análise de diversos casos, sendo dada
primazia aos portugueses. Para isso, serão tidas em
conta cidades destes respectivos territórios nos quais a
presença muçulmana foi mais marcante. Não se pre-
tende fazer um levantamento exaustivo de todas os
aglomerados muçulmanos, mas escolher alguns con-
juntos que se consideram representativos e formular opi-
niões, contribuindo assim com fundamentos teóricos
numa área tão pouco estudada.

- Servirá também para mostrar a criatividade da cidade


islâmica, assim como para expor as particularidades
deste fazer cidade introduzido por uma cultura muito mar-
cada pela religião muçulmana.

Os principais objectivos propostos para esta investigação


são os seguintes:

- Demonstrar que o modelo da cidade islâmica é


idêntico nas cidades do Ocidente (em Portugal,
Espanha e Marrocos) e que em termos morfo-
lógicos é resultado da adaptação ao sítio e clima.

- Demonstrar que a cidade islâmica é organizada,


isto é, que a forma urbana muçulmana tem

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regras de estruturação específicas com prin-


cípios de ordem e hierarquização dos elementos
que a compõem.

- Esboçar o modelo da cidade islâmica em Por-


tugal.

Pretendemos com este estudo demonstrar que a tão aba-


fada presença islâmica deixou marcas profundas de uma
civilização sábia no nosso País. E fá-lo-emos através da
análise de algumas vilas e cidades do Sul de Portugal
onde é sabido da ocupação daquele povo.

Contudo, numa investigação deste âmbito coloca-se,


primeiro que tudo, a necessidade de averiguar o que
caracteriza o modelo da cidade islâmica. Tem sido docu-
mentado com vasta bibliografia o modelo da cidade
romana, menosprezando, a maioria dos urbanistas e his-
toriadores, o período da ocupação árabe. Todavia,
sabemos que, embora a cidade islâmica seja uma
herança das culturas anteriores, das urbes pré-helénicas,
ela reúne uma série de condições que nos permitem falar
num arquétipo de cidade para aquela civilização. Os
poucos investigadores, que se debruçaram sobre o
estudo desta cidade, fizeram-no com maior intensidade
para o Médio Oriente e para o Norte de África, ficando de
lado as nossas urbes assim como as espanholas. Desta
forma, é nosso objectivo primordial demonstrar que o
modelo da cidade islâmica no Ocidente repete-se de
cidade para cidade. Iremos apontar aquilo que o carac-
teriza e, para isso, serão observados diferentes aglo-
merados nos actuais territórios de Portugal, Espanha e
Marrocos, confrontando as imagens urbanas actuais com

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textos do passado. Queremos provar que a malha urbana


destas cidades resulta da topografia do sítio e duma inte-
ligente adaptação a este.

Por outro lado, queremos deixar bem claro que a cidade


islâmica obedece a princípios de organização, contra-
riamente àquilo que se tem divulgado. A forma urbana
islâmica caracteriza-se por um crescimento de tipo
espontâneo, mas está ordenada em função de um
esquema funcional.

Em toda e qualquer cidade, com passado árabe, existe


uma medina implantada na encosta ou sopé de um
monte e uma alcáçova no topo do mesmo, a unir estes
dois núcleos surge, geralmente, uma muralha, que nasce
amarrada às extremidades da alcáçova, desce a encosta
do monte e “abraça” a medina. Como resultado de um
aumento demográfico surgem arrabaldes, bairros exte-
riores à muralha situados junto das portas de maior
importância.

Na alcáçova encontrava-se o poder político. Nalguns


casos este espaço funcionava como uma pequena
cidade do dirigente. Podia, inclusive, incluir uma mes-
quita, mas era sobretudo o lugar do governo.

No espaço da medina, encontramos, certamente, em


lugar central, a mesquita maior e, perto desta, um edifício
de banhos públicos, sendo também aqui localizado o edi-
fício de comércio mais importante. Dentro da medina
encontram-se todos os outros edifícios necessários ao
funcionamento desta cidade.

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Os arrabaldes poderiam ter funções diferenciadas; nal-


guns casos, e pela localização junto a um rio ou mar,
concentravam uma população ligada ao comércio
marítimo. Cada um destes espaços (medina, alcáçova e
arrabaldes) tem funções diferenciadas e uma orga-
nização e implantação específicas no território.

Quando os Árabes chegaram à Península existia já uma


rede urbana consistente, resultado da presença romana
por estas paragens. Assim, os Muçulmanos não sentiram
necessidade de fundar muitas mais urbes. A maioria dos
centros islâmicos por nós estudados, mesmos os de
maior importância, tinham já sido castros e/ou cidades
romanas.

Desta forma, as preexistências não podem ser ignoradas


na análise destes aglomerados e, em alguns casos,
iremos ver que nos servem para explicar as divergências
ao modelo.

No estudo deste tema destacam-se, em Portugal, os


investigadores Cláudio Torres e Santiago Macías, que
fazem referência a duas teorias sobre a islamizaçãoi:
uma, é a favor dum processo de orientalização da
Península; outra, defende que os Árabes se teriam
integrado nas estruturas existentes, restando muito
pouco da sua presença na área por eles ocupada: “Con-
tinuam em confronto duas teses sobre os primórdios da
islamização. Por um lado, perfilam-se os argumentos da
escola tradicionalista espanhola, que postula a “hispa-
nização” dos invasores árabes. Ou seja, embora admi-
tindo a existência de uma conquista em inícios do século
VIII, afirmava-se que os estrangeiros chegados à

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Península se teriam progressivamente integrado, não


restando, alguns séculos depois, mais do que vestígios
muito ténues da presença desses orientais.
Outros autores, porém são partidários de uma orien-
talização da Península. As estruturas familiares teriam,
segundo defendem, sido radicalmente modificadas com a
chegada ao Ândalus de outras populações, maiori-
tariamente berberes, fortemente organizadas em clãs.”ii

É lícito levantar a seguinte questão: Não terá sido um


misto das duas teorias? Ou seja, os Árabes invadem a
Península, são aculturalizados pelos povos que aqui
vivem mas também introduzem novas formas de viver e o
resultado final é uma união de tradições manifestada nas
mais variadas formas, dando origem, entre outras, à
cidade islâmica ibérica.

Outras interrogações se colocam quando abordamos


este tema, como seja a forte presença do Islão, enquanto
religião, no arquétipo da cidade muçulmana. Será o Islão
o responsável por um determinado tipo organizacional de
cidade? Há quem defenda o Islão como processo urba-
nístico, mas também existem autores para os quais o
Islão não teve qualquer papel na organização da cidade.
Aida Youssef Hoteitiii na sua Tese de Doutoramento
sobre a cidade islâmica chama a atenção para a forte
influência do Islão na concepção desta cidade.

Aida Youssef aponta alguns autores a favor do Islão,


enquanto processo urbanístico, como sejam: William e
Georges Marçais, Benet e Dominique Chevalier; e outros
que ignoraram o papel do Islão na organização da
cidade, como: Cahen, Planhol e Eugene Wirth.

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William Marçais e Georges Marçais são de opinião que


só numa cidade islâmica o muçulmano poderia con-
cretizar a sua vida religiosa e, para além da função
defensiva desta cidade expressa nos muros, nas suas
portas e na cidadela (alcáçova), é muito importante o
facto de os seus habitantes serem Muçulmanos. Benet é
defensor do Islão, enquanto religião urbana, e vai
demonstrar exactamente isso - o Islão está ligado à vida
urbana. Para Dominique Chevalier, o habitat, os planos,
as instituições da cidade islâmica foram concebidos em
função das exigências do meio físico e da vida privada do
povo muçulmano, “que determina una proyección
espacial de las normas, todo respondiendo al ideal uni-
tario y transcendental del Islam.”iv Dos investigadores,
que estão contra a influência da religião nesta cidade, é
de destacar a opinião de Cahen para quem a cidade do
século X não mostrava grande diferença das cidades da
antiguidade clássica. Deste modo, é lícito opinar que a
terminologia de “cidade islâmica” não faz sentido para
este autor.

Do que se disse outras questões se levantam: - Será que


existe a “cidade islâmica”? E se existe, o seu modelo
enquanto arquétipo inspirado no Islão está presente em
alguma das cidades ou aglomerações portuguesas?

1.2. Metodologia de abordagem ao tema

No que diz respeito à metodologia adoptada para a con-


cretização dos objectivos propostos, podemos enumerar
três vias principais de investigação, a saber:

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- Uma abordagem histórica de enquadramento com base


em vasta bibliografia, que fará a caracterização das
épocas em estudo. Serão aqui revistos alguns trabalhos
referentes a cidades e vilas, monografias isoladas, que
nos fornecerão informação de alguma utilidade para os
estudos de casos escolhidos.

- Será realizado um levantamento de cartografia actualv


dos aglomerados escolhidos para este estudo que anali-
saremos à luz de muitos textos que descrevem estas
cidades em épocas tardias. Sempre que se justifique e
seja possível, procederemos a um estudo de campo que
será registado com imagens fotográficas. Toda esta
informação gráfica será devidamente tratada e docu-
mentada.

- Em cada uma das cidades analisadas em Portugal


iremos salientar cinco factores que considerámos pre-
ponderantes para as conclusões relativas às nossas
hipóteses de trabalho. São os seguintes: a fundação do
aglomerado; a situação topográfica; a situação e
desenho urbano da alcáçova e traçado da muralha da
cidade; a localização da mesquita principal e dos edi-
fícios públicos de destaque na cidade árabe; e as carac-
terísticas do traçado urbano assim como o seu desen-
volvimento urbano.

1.3. Enquadramento do tema

Com este estudo, pretendemos objectivar as caracte-


rísticas da cidade islâmica considerada por muitos, erro-

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neamente, uma cidade sem ordem e irregular no seu


desenho urbano. Iremos observar que a civilização árabe
também construiu urbes onde a métrica, a organização e
o racionalismo primam, como em outras culturas ante-
cedentes. E, mesmo nos desenvolvimentos urbanos mais
espontâneos, a expansão da cidade segue a lei
muçulmana, que absorve para além de questões reli-
giosas, normas de conduta para o meio físico.

Durante os primeiros séculos de Islamismo viveram-se


períodos de grande instabilidade política, social e eco-
nómica, que não permitiram um desenvolvimento urbano
mais sistemático. Por outro lado, o povo muçulmano, ao
contrário do romano, encontrou uma rede urbana já esta-
belecida. Se isto foi marcante para a Península Ibérica e
para o Médio Oriente, para o Norte de África foi de certa
forma ignorado. Na vizinha Espanha poucas cidades se
construíram, comparando com aquelas que já existiam;
em África, as cidades romanas, abandonadas por um
Império em decadência, foram rejeitadas pelo povo
árabe. Tudo isto se processou desta forma, porque os
ideais de cidade do povo muçulmano não eram exac-
tamente os mesmos do povo romano.

Enquanto a economia da civilização antecedente vivia


sobretudo da agricultura, para os Árabes era fundamental
uma localização em cruzamento de rotas comerciais,
pois as suas cidades e as suas receitas provinham das
trocas estabelecidas entre os vários territórios que
povoavam a bacia mediterrânica.

Desta forma, são também edificadas de novo algumas


cidades na Península Ibérica: umas, por razões políticas;

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outras, por razões económicas. Ao contrário do que


acontecera em Madinat al-Zahra (perto de Córdova), nas
novas cidades nem sempre foi possível construir a régua
e esquadro. Mas, em todas as cidades de fundação
islâmica, está presente uma excelente escolha e adap-
tação ao sítio. São, fundamentalmente, estas duas
situações que os Portugueses vão herdar das cidades
islâmicas e vão generalizar nas suas novas cidades do
Renascimento. A cidade colonial portuguesa, em opo-
sição à espanhola, soube escolher os melhores sítios,
quer do ponto de vista defensivo, quer do aprovi-
sionamento de água. Os Portugueses estavam mais
preocupados com uma boa implantação do que desenhar
uma malha recticulada sobre o território, como fizeram os
Espanhóis nas suas primeiras cidades além-mar.

Um dos motivos, que contribuiu para o desenvolvimento


das cidades islâmicas na Península Ibérica, foi o facto de
os Árabes se terem tornado num estado independente de
Bagdade, o que lhes permitiu a fundação de novos
núcleos urbanos.

É importante o estudo das estruturas urbanas anteriores


à ocupação árabe, para entendimento dos posteriores
desenvolvimentos. Veremos que, nas cidades romanas
que conseguiram sobreviver à desgraça que precede o
século III e naquelas que já em tempo do Império eram
fortes nós de uma rede urbana perfeitamente esta-
belecida, a presença árabe não destruiu a malha urbana
antecedente. Nestes casos, existiu uma adaptação, que
apenas é visível no fechar de algumas ruas e no entortar
de outras, resultado da aplicação da lei da heredi-
tariedade. Esta lei da herança é responsável pelo avanço

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sucessivo e abusivo sobre a rua. Isto irá ser observado


em Évora, Beja e noutras povoações romanas, em ter-
ritório vizinho, onde a escala da cidade se manteve
idêntica para a população romano-visigótica e para a
população árabe.

Contudo, iremos ver também alguns casos de cidades


romanas que irão dar um salto substancial no período
seguinte, como Lisboa, Saragoça, Sevilha, entre outras.
Nestas, a expansão da malha urbana muito se asse-
melha aos desenvolvimentos de fundação nova, quer no
Norte de África, quer na Península. Existiu sempre, em
ambos os casos, uma grande preocupação na loca-
lização do reduto fortificado, para que em situação de
invasão os habitantes lá se refugiassem, como ocorrera
em alguns castros.

Os Árabes desenvolveram sistemas ligados ao abaste-


cimento de água, mesmo dentro das alcáçovas que,
como sabemos, estavam localizadas em lugares bem
altos. Esta dificuldade, em levar a água a sítios elevados,
terá sido uma condicionante nas cidades visigóticas que,
não alcançando tal intento, tiveram de permanecer em
solo plano.

Embora não possamos dizer que as cidades islâmicas


são resultado apenas da influência do Islão, uma vez que
o território onde estas se localizam é de extrema impor-
tância, é lícito afirmar que esta cidade se organiza com
base nos princípios do Islão e das suas leis.

Esta cidade é uma herança de duas civilizações, a


oriental e a greco-romana; em alguns casos sobressai

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mais uma, noutros evidencia-se a outra. Quando as


preexistências da cidade romana-visigótica apre-
sentavam ainda uma estrutura sólida, os Árabes limi-
taram-se a ocupar e alterar ligeiramente a organização
da cidade, prevalecendo a malha regular dos primeiros
tempos.

Os estudos realizados sobre as estruturas que ante-


cederam e precederam a cidade dos séculos VIII/ XIII em
Portugal serão de grande utilidade. Houve, sempre, um
diálogo entre passado e presente, ao longo da história.
Os diferentes povos que habitaram o actual território por-
tuguês não fizeram tábua rasa dos períodos anteriores;
os Árabes aprenderam muito com as estruturas dos
Romanos e estes alteraram a forma de habitar nos
castros.

Não é por acaso que alguns castros começam a apre-


sentar malhas ortogonais, onde é perceptível uma certa
ordem, como em Briteiros. É do acumular e cruzar de
todas estas gerações e saberes que nasce a cidade
medieval portuguesa. Como iremos ver, muitos castros
surgem ao longo de cursos de rios e em montes estrate-
gicamente colocados no território. Se os Romanos não
ocuparam estes espaços, houve uma reurbanização, em
época islâmica, em muitas destas situações. Aliás, a
maioria das grandes cidades árabes na Península tem
um passado cultural marcado pelas civilizações que
antecederam a civilização árabe.

Vários investigadores têm procurado um arquétipo para a


cidade islâmica: uns, dedicaram o seu estudo ao Médio
Oriente; outros, fizeram algumas análises em cidades do

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Norte de África; e poucos foram aqueles que viram a


situação da Europa. Neste processo, existiram factores
que não foram tidos em consideração; no caso dos inves-
tigadores das cidades orientais descuraram-se as pree-
xistências. Depreendendo estes um modelo regular de
base ortogonal para aquelas cidades, esqueceram a
cidade romana que estava nos alicerces da mesma
estrutura. Em relação aos interessados por cidades islâ-
micas em África, são de grande contributo as suas aná-
lises, tendo nós reparado situações muito semelhantes
para a Península, se bem que no Norte de África não
está tão expresso o carácter bélico das nossas cidades.

Da observação de todas estas cidades e abstraindo-nos


do território geográfico em que estão inseridas, factor que
vimos ser de extrema importância, é possível indivi-
dualizar elementos caracterizadores do espaço urbano
nas cidades árabes, ainda hoje visíveis em muitas delas.
Em todas, a casa, o pátio, a mesquita, as muralhas, a
alcáçova, o minarete, a rua, o cemitério, o mercado,
ocupam lugares próprios, possuem os mesmos dis-
tintivos, o que nos leva a pensar estarmos no mesmo
lugar, no mesmo espaço físico. É um vocabulário arqui-
tectónico que se repete. Às vezes, mesmo com grandes
distâncias, o cenário urbano é exactamente o mesmo.

Conseguimos definir diferentes tipos de espaços e, de


alguma forma, verificar que alguns se repetem a dife-
rentes escalas e em áreas bastante diferentes.

Mesmo com fisionomias bastante variadas, das nume-


rosas cidades apresentadas para a Península, é possível
extrair uma, aquela que Basilio Pavón denominou como

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cidade “hispanomusulmana”. Este protótipo de cidade


tinha, certamente, sua mesquita maior ao centro, mer-
cados - os “zocos” ou “suqs” - de diversa índole na
envolvente deste templo, uma alcáçova onde estava
localizado o poder, ruas, travessas e muitos becos,
sendo toda a cidade rodeada por uma muralha.

Numa primeira abordagem, estivemos convencidos


serem mais os exemplos de identidade destas cidades,
mas, embora o clima seja praticamente o mesmo em
toda a bacia mediterrânica, ocorrem variadíssimas
situações topográficas.

O sítio onde estão implantadas estas urbes condicionou


as suas expansões. É possível categorizar diferentes
tipos dentro de cidades que assentam em terreno plano e
nas que procuraram terrenos acidentados. O facto de
existir uma grande variedade de situações topográficas,
onde se implantaram as cidades islâmicas, não nos
impossibilita desenhar um modelo único de cidade
islâmica característico da Península Ibérica e Norte de
África.

As cidades, onde houve uma forte presença islâmica em


Portugal, reservam-nos algumas semelhanças entre si,
isto é, são cidades onde os aspectos físico e climático do
território as marcou de forma determinante. E, como a
paisagem a Sul de Portugal tem características muito
parecidas, acontece com frequência surgirem cidades
com o mesmo modelo de formação aqui e no resto dos
aglomerados que dão para a bacia do Mediterrâneo.
Contudo, a cultura dos povos, que por aqui passaram, foi
de alguma forma deixando também as suas marcas.

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Helena Catarino afirma que a cultura é uma adaptação


do homem ao ambiente e, se assim é, uma vez mais se
justificam as grandes semelhanças entre todas estas
cidades estudadas, pois o ambiente do Sul de Portugal
tem muito em comum com o do Norte de África e com a
área de influência do Mediterrâneo.

Todas as semelhanças entre Norte de África e Sul


Peninsular não são de estranhar, até porque os arqui-
tectos, que construíam de um lado e do outro, eram os
mesmos; muitos artistas foram de Espanha para Mar-
rocos durante os períodos Almorávida e Almoáda.

O que caracteriza as cidades islâmicas na Península Ibé-


rica é, sem sombra de dúvida, a sua função defensiva.

O que se manteve, na passagem das cidades islâmicas


para as mãos do povo cristão, foram os bairros e suas
actividades, o comércio perto da mesquita e o comércio
às portas da cidade. A excelente função defensiva terá
sido também gratificante para os novos ocupantes. Na
Alta Idade Média, em muitos casos, as cidades não modi-
ficaram a estrutura antecedente; deu-se apenas a alte-
ração funcional de alguns monumentos, como seja a
passagem da mesquita a igreja cristã.

A grandiosidade da cidade árabe está muito mais na


escolha do sítio do que na planta e é, exactamente, isto
que nos dá uma boa lição. A escolha topográfica para a
construção de cidades, no período do colonialismo por-
tuguês, é resultado da presença árabe por estas
paragens.

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No entanto, no período que medeia o fim dos reinos


muçulmanos em Portugal e o período do colonialismo irá
construir-se à maneira dos Romanos, em sítios quase
planos e com quadrículas, mas não é esse modelo que
enforma as nossas primeiras cidades na América.

Tal como nas cidades romanas, nas cidades islâmicas


portuguesas nem sempre foi possível a aplicação do
modelo ideal; no caso das cidades, que antecedem a
presença árabe, a topografia e as preexistências foram
um obstáculo para a imposição da planta hipodâmica.
Para as cidades estudadas mais detalhadamente, neste
trabalho, as divergências estão, muitas vezes, asso-
ciadas à apropriação dum sítio já ocupado, tal como no
caso anterior. Exemplo disso é a cidade de Évora.

Vimos também que, quando existe um poder executivo


forte e uma estabilidade política, estão criadas as bases
para a possibilidade de fazer vigorar os ideais de uma
determinada civilização.

A cidade portuguesa é o resultado da intervenção de


diferentes culturas num determinado território que, por
questões geográficas, se assemelha bastante a outros
países da bacia do Mediterrâneo. A cidade medieval vive
essencialmente da posição escolhida e, numa fase de
lutas e disputas por territórios, a localização escolhida foi,
de uma maneira geral, a de topo de colina conciliando a
proximidade de um rio ou linha de água. Desta forma, e
até determinada data, as identidades eram mais acen-
tuadas; em determinada altura o cimo do monte não
suportava toda uma população que é obrigada a edificar

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suas casas na falda do mesmo, como em Lisboa, ou aos


pés do monte, quando este era demasiado inclinado,
surgindo a cidade alta e a cidade baixa, que não é espe-
cífica da cidade grega, mas resultante de uma conse-
quência geográfica.

O Sul de Portugal foi, até muito tarde, o grande centro


urbano e aqui se localizavam a maioria das cidades que
estavam em contacto directo com os povos que habi-
tavam as margens do Mediterrâneo, entrando, cons-
tantemente, através das vias marítimas no nosso ter-
ritório para dar curso ao seu comércio. Durante muito
tempo, o Sul apresentou-se mais desenvolvido e, entre
outros factores, conta-se a presença de uma sociedade
de cariz urbano, a árabe, que contribui nos contactos
comerciais de então.

Nos últimos séculos da nossa história assistimos a um


maior desenvolvimento do Norte e Litoral do País.
Podemos dizer que muitas das cidades do Sul, estu-
dadas por nós, quase pararam no tempo. Não é mais
preciso assegurar fronteiras e lutar contra o inimigo
espanhol por um território geográfico. Neste momento,
tudo se passa em volta de duas grandes metrópoles,
Lisboa e Porto. Assim, as nossas cidades do Sul dis-
tanciam-se de algumas espanholas que, já em tempo
árabe, tinham uma proporção muito superior, e das mar-
roquinas, que até ao século XIX, cresceram em conti-
nuidade com o passado.

Não há duvida que os princípios, que estão na génese


destes conjuntos urbanos, têm muito em comum; é pos-
sível comparar, ainda, cidades do Norte de África com

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aglomerados peninsulares, como Moulay Idriss e Vejos


de la Frontera, que parecem cidades “irmãs”. Não é tão
notória esta semelhança entre Silves e Fez; por uma
razão de escala, Silves parou no tempo, Fez continuou a
crescer, sendo mesmo difícil, para quem a contempla
num plano superior, perceber onde surgiu o primeiro
grupo de casas. Hoje, Fez estende-se de tal forma que
apenas distinguimos zonas, bairros através dos ele-
mentos verticais que se destacam no horizonte – os
minaretes. Contudo, e numa abstracção à escala, a pai-
sagem urbana, nas pequenas e nas grandes, é a mesma;
muda apenas a cor. Sempre que estamos em presença
de lugares mais quentes, surge-nos o branco; quando é
necessária a diluição na paisagem aparecem-nos os
ocres. Depois de uma sessão fotográfica, no interior
destes diferentes recintos, seria tarefa ingrata responder
que cidade ou aglomerado estamos a contemplar, uma
vez que alguns parecem fazer parte de uma mesma
entidade. É tudo isto que nos faz falar numa cidade
islâmica e, consequentemente, no seu modelo.

Embora tivéssemos passado pelas mãos de muitos e


diferentes povos, apenas dois se destacaram: Romanos
e Muçulmanos. Estas duas culturas, que nos ensinaram
bastante, fizeram com que muitas das cidades coloniais
portuguesas se destacassem em relação às espanholas.
Com os Árabes aprendemos a escolha de uma boa loca-
lização; dos Romanos herdámos a lógica, a racionalidade
na apropriação do território.

Assim, a cidade medieval é, de uma maneira geral, de


origem muçulmana e as vilas planeadas, dos reis D.
Afonso III e D. Dinis, de influência romana, sendo

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retomada esta concepção urbanística aquando das


cidades renascentistas.

Com tudo isto, é lícito afirmar que a cidade ibérica é o


resultado de diferentes intervenções: primeiro os
Romanos, depois os Muçulmanos com as suas ruas sem
saída e, mais tarde, o povo cristão a querer impor nova-
mente modelos rectilíneos.

Existem cidades que, por um determinado motivo,


apenas sofreram a intervenção de um povo até um
determinado período; nessas, é possível tirar conclusões
mais apuradas das características culturais dessa
mesma sociedade. Assim aconteceu com as cidades de
fundação islâmica na Península ou com as vilas novas
dos séculos XIII e XIV.

Pretendemos dar a conhecer uma realidade “abafada”


durante tantos anos, que poderá ser útil aos urbanistas,
como fonte de inspiração. Sabemos que arquitectos de
todo o mundo procuram criar novas estruturas urbanas e
diferentes tipologias; ainda há muito a aprender com os
tradicionais desenvolvimentos. Esperamos que esta
investigação seja de utilidade em projectos de recu-
peração/renovação de centros históricos portadores
destas mesmas características.

1.4. Descrição sumária dos capítulos da tese

Depois de termos realizado diferentes esboços de uma


estrutura para a tese, resolvemos dividir a dissertação
em quatro partes a que chamamos capítulos: 1º

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O modelo urbanístico de tradição muçulmana nas cidades portuguesas
Enquadramento

Estruturas urbanas anteriores à ocupação árabe; 2º O


arquétipo da cidade islâmica; 3º Da cidade islâmica no
Norte de África à cidade islâmica em Espanha; 4º O
modelo da cidade islâmica em Portugal.

O primeiro capítulo trata as estruturas urbanas existentes


em Portugal, Espanha e Norte de África anteriores à
invasão árabe, sendo dado especial destaque ao caso
português. Começamos por fazer referência e explicar
que tipo de aglomerados são os castros, onde surgem e
quais as características mais urbanas deste tipo de ha-
bitat.

Seguidamente abordaremos a civilização romana e a sua


ocupação nos três territórios acima referenciados; procu-
raremos saber quais as preferências na implantação
escolhida por este povo, cuja actividade económica privi-
legiada era a agricultura. Entender o modelo da cidade
romana será outro dos nossos objectivos.

Entre o período de decadência do Império Romano e a


chegada dos Árabes a Portugal continuaram as lutas e
as disputas por este território. Durante esse tempo, Visi-
godos e Suevos disputavam o Sul e o Norte; averiguar o
que construíram e destruíram, e se introduziram técnicas
novas na construção faz ainda parte deste capítulo.

Depois de uma descrição do espaço herdado, que cor-


responde, grosso modo, aos castros, às cidades
romanas e a algumas pequenas alterações realizadas
pelos povos que antecederam os homens vindos do
Norte de África, passamos ao segundo capítulo. Aqui, o
objectivo principal é fazer um retrato do arquétipo da

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O modelo urbanístico de tradição muçulmana nas cidades portuguesas
Enquadramento

cidade islâmica. Como nesta fase da investigação ainda


não procedemos à análise dos nossos estudos de caso,
a leitura de outras interpretações, realizadas para várias
partes do mundo onde os Árabes estiveram, durante a
Idade Média, será bastante benéfica.

Assim sendo, a Tese de Doutoramento de Aida Y. Hoteit


foi decisiva para a compreensão do modelo da cidade
islâmica. Com este capítulo, chegamos à conclusão que
existe um ideal de cidade para o povo muçulmano e que
o arquétipo é, ligeiramente, diferente no Médio Oriente e
no Norte de África. Esta diferença pode estar na geo-
grafia de ambos os territórios, mas também nas pree-
xistências, que são outro dos grandes motivos para a
diversidade de arquétipos.

William Marçais e Georges Marçais, Albert Hourani,


Heinz Gaube, Jean Sauvaget, entre muitos outros, exa-
minaram a fundo as características da cidade islâmica e
formularam os seus modelos para cada território por eles
estudado; contudo, em nenhum destes estudos
encontrámos referências à cidade islâmica em Portugal.
Pretendemos chegar ao fim desta dissertação com a
ideia de como os Árabes construíram as suas cidades no
nosso espaço e, se possível, desenhar um protótipo.

Desta forma, o segundo capítulo é apenas uma


introdução teórica ao tema da tese; é o pilar de desen-
volvimento da mesma.

O terceiro capítulo, intitulado “Da cidade islâmica no


Norte de África à cidade islâmica em Espanha”, é bas-
tante extenso e pretensioso. Seria grande a nossa aspi-

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O modelo urbanístico de tradição muçulmana nas cidades portuguesas
Enquadramento

ração alcançar o título na sua amplitude. Muito ficará por


dizer e muitas serão as cidades não abordadas, mas o
tempo, estipulado para a concepção de uma dissertação
deste tipo, não o permite.

Neste capítulo esperamos, então, dar uma noção muito


breve sobre os movimentos históricos da invasão da
Península Ibérica pelos Muçulmanos. Existe uma
bibliografia muito vasta, neste campo, da qual selec-
cionámos apenas uma parte.

Serão, primeiramente, apresentadas algumas das


cidades do Norte de África, por nós visitadas, como Fez,
Moulay Idriss, Meknes, Salé, Rabat, Marraquexe, etc., e,
com base naquilo que observámos para o segundo
capítulo, confirmaremos ou não o arquétipo apresentado
pelos investigadores daquele território. Posteriormente,
será abordada a cidade islâmica em Espanha; a análise
genérica de algumas cidades de fundação árabe na
Península poder-nos-á fazer chegar às características
mais marcantes da cidade islâmica ibérica. Contudo, não
são deixados de lado aqueles aglomerados que con-
tavam já com estruturas de outras civilizações, uma vez
que a adaptação e alteração destas urbes também
poderá contribuir para evidenciar as principais caracte-
rísticas da cidade em análise.

Contrariamente, ao que muito se tem divulgado, existem


cidades e bairros islâmicos geométricos; aqui serão
exemplificados alguns desses casos figurativos.

Já no quarto capítulo, e em relação aos casos de estudo


das cidades islâmicas portuguesas, procuramos siste-

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O modelo urbanístico de tradição muçulmana nas cidades portuguesas
Enquadramento

matizar os factores a serem observados. Assim, ana-


lisamos cinco factores: a fundação do aglomerado; a
situação topográfica; a orientação e desenho urbano da
alcáçova e traçado da muralha da cidade; a localização
da mesquita principal e dos edifícios públicos de des-
taque na cidade árabe; e as características do traçado
urbano assim como o seu desenvolvimento.

Ficará provada a islamização de Portugal e a influência,


não de um povo, mas de vários na produção daquilo que
poderemos chamar de urbanismo medieval português.

Será traçado um esquema representativo do modelo


urbanístico de tradição muçulmana em Portugal.

i Com as devidas ressalvas, colocaríamos Orlando Ribeiro na teoria que defende a islâmização e Barata Salgueiro numa

não orientalização.

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O modelo urbanístico de tradição muçulmana nas cidades portuguesas
Enquadramento

A geógrafa Teresa Barata Salgueiro, professora na Faculdade de Letras de Lisboa, afirma que não sofremos influência do
povo árabe, tirando um caso ou outro, pouco significativo, que se resume a alguns bairros: “Os traçados irregulares, carac-
terísticos da cidade muçulmana, não enformam nenhuma cidade portuguesa e apenas são expressivos em dois bairros
lisboetas, sendo talvez ainda possível identificar sinais desta malha nos cascos de Évora e Faro.” Para esta autora, os Mu-
çulmanos não fundaram cidades em Portugal e o pouco que construíram em cidades já existentes a Sul do país, onde a sua
presença teve mais peso, não deve ter resistido por muito tempo, visto utilizarem materiais pouco resistentes na construção.
Teresa Barata Salgueiro, A Espacialidade no Tempo Urbano, Penélope: Fazer e Desfazer História, n.º 7, (dir. A. M. Hespa-
nha), Lisboa, Quetzal Editores, 1992, p. 14.
Segundo Orlando Ribeiro, embora muitas das construções muçulmanas fossem feitas com materiais efémeros, não significa
que a estrutura da malha existente tivesse morrido aquando da destruição das mesmas, e o Professor dá o exemplo de
Olhão, em que as novas construções seguem a malha antiga: “Poderiam citar-se mais exemplos desta persistência da
planta muçulmana, quer no casco desse tempo (Faro, Elvas), quer nos bairros reservados aos infiéis (Mouraria de Moura,
com as suas três ruelas sinuosas). Quando, no século XVIII, casas de pedra e cal substituem as barracas de palha dos
pescadores de Olhão, é ainda este traçado de ruas que prevalece: impressionante exemplo de um elemento estranho pro-
fundamente incorporado na tradição urbana.” Orlando Ribeiro, As Cidades de Portugal, Opúsculos Geográficos, Vol. V -
Temas Urbanos, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p. 145.

ii Cláudio Torres e Santiago Macías, A islamização do Gharb al-Andalus, Memórias Árabo-Islâmicas em Portugal, (coord.

Rosa Maria Perez), Lisboa, CNCDP, 1997, p. 29.

Aida Youssef Hoteit, Cultura, Espacio y Organización Urbana en la Ciudad Islámica, Cuadernos de Investigación Ur-
iii

banística do Seminario de Planeamiento y Ordenación del Territorio del Instituto Juan del Herrera, Madrid, Escuela Técnica
Superior de Arquitectura de Madrid, Departamento de Urbanística y Ordenación del Territorio, Nov. 1993, p. 5.

iv Aida Youssef Hoteit, ob. cit., 1995, p. 5.

v Infelizmente, não dispomos de cartografia datável daquele tempo. Deste modo, iremos recorrer a alguns esquemas gráfi-

cos que se encontram disponíveis nos livros e, no caso das cidades islâmicas peninsulares, o trabalho de Torres Balbàs
ser-nos-á muito útil. Procuraremos algumas plantas resultantes da investigação de muitos arqueólogos, assim como cartas
dos séculos XVII e XVIII onde será analisada a malha urbana correspondente ao espaço ocupado pelos Árabes. Mas será
fundamentalmente a cartografia actual que nos servirá de material de trabalho por considerarmos não existirem alterações
de maior em relação à morfologia da planta.
Ao longo dos diferentes estudos que fizemos para as aglomerações islâmicas portuguesas é unânime a opinião dos investi-
gadores para os quais os centros históricos das nossas cidades conservam uma morfologia medieval. O desenho urbano,
que se observa nestes espaços, é o mesmo de há 10 séculos ou mais, ou seja, as modificações respeitam a malha urbana
e muitas vezes são apenas epidérmicas – trata-se da lei da permanência do plano: “Os urbanistas estudaram aquilo a que
chamaram lei da permanência do plano. A análise da evolução das cidades através do tempo levou à constatação de que,
embora a edificação se transforme e seja substituída no decorrer dos anos, geralmente o plano permanece ou sofre muito
poucas rectificações.” Fernando Chueca Goitia, Breve História do Urbanismo, Lisboa, Presença, 1992, p. 32.

Notas: Fotos da autora páginas 1-3 Lisboa; 4 Espanha; 5-6 Elvas; 7-9 Évora 10 Faro 11-12 Mértola 13
Santarém 14Silves 15-17 Tavira 19 Granada 20 Silves desenho da autora 21 Elvas desenho da autora
22-24 Marrocos

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