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Reginâmio Bonifácio de Lima 1

RETORNO À
SANTIDADE

De volta aos braços do Pai

Reginâmio Bonifácio de Lima


2 Retorno à Santidade

Retorno à Santidade – de volta aos braços do Pai.

Reginâmio Bonifácio de Lima

Copyright  2006 LIMA, R. B. 2006.

Projeto de Capa: Sônia Queiroz


Ilustração de Capa: Reginâmio Bonifácio de Lima
Revisão: Maria Iracilda G. C. Bonifácio
Composição: Graf-Set

Ficha catalográfica preparada pela Biblioteca Central da UFAC.

LIMA, Reginâmio Bonifácio de. Retorno à Santidade:


L732r de volta aos braços do Pai. Rio Branco, Ac: Graf-Set,
2006. 131p.
1. Teologia Cristã, 2. Deus, 3. Fidelidade, 4.Santidade,
I. Título
CDU 230.1

GRAF-SET Ind. Com. e Rep. Ltda


Rua Dourado, 38 Estação Experimental
Fone: (68) 3226-2173 - Rio Branco – Acre

2006

Fica explicitamente proibida qualquer forma de reprodução total ou


parcial deste livro, sem o expresso consentimento do autor.
Contate o autor: 68 9997-4974
Reginâmio Bonifácio de Lima 3

SUMÁRIO

Apresentação...............................................................07
A construção dos deuses e o Deus Redentor ........... 09
À Imagem e Semelhança de Deus............................. 27
A Fidelidade............................................................... 41
Nos Braços do Pai..................................................... 63
O Andar no Caminho das Alturas.............................. 89
Segundo o Coração de Deus...................................... 111

REFERÊNCIAS........................................................ 127
4 Retorno à Santidade
Reginâmio Bonifácio de Lima 5

Agradecimentos

Ao Deus Todo-Poderoso pelas misericórdias, bênçãos


outorgadas e permitir a conclusão desta obra.

A meus pais Severino e Maria que tanto me apoiaram.

A meus irmãos Reginaldo, Regineison, Regiglenis e Pedro,


minha cunhada Ana Íris, e, meus sobrinhos Stive e Kelven pelo
amor, paciência e confiança.

À Missionária Sônia Queiroz que muito tem me ensinado


acerca das coisas de Deus.

À minha musa inspiradora, Iracilda Bonifácio, que me


ensinou a viver de forma prática a teologia explicitada nessas
páginas, interpelando por maior intimidade com o Criador.

A todos que ajudaram direta ou indiretamente para a


execução deste trabalho. Muito obrigado.
6 Retorno à Santidade
Reginâmio Bonifácio de Lima 7

Apresentação
Um dos maiores dilemas da humanidade refere-se a seu
relacionamento com Deus. Tanto cristãos como não cristãos, em
algum momento da vida, ao se depararem com um problema que
lhes parece insolúvel, buscam ajuda em “um ser superior”. De onde
vem, pois, essa necessidade de não sentir-se só? Por que precisamos
recorrer, como alguns colocam, a um “ser que nossos olhos não
podem ver” para que possamos prosseguir nossas vidas?
Esses questionamentos são bastante comuns, pois fazem
parte do que os homens têm de mais belo e precioso: a possibilidade
de relacionar-se com o Deus Criador, que nos fez à Sua imagem e
semelhança e nos interpela constantemente para que andemos
“segundo o Seu coração”, no caminho das alturas, nos braços do
Pai.
Este livro é um instrumento baseado no princípio norteador
da prática de vida cristã, contida nas Escrituras, que nos impele a
buscar constantemente “prosseguir para o alvo”, avançando mais e
mais em maior intimidade com Deus, pois a vida eterna começa
aqui e agora, é um presente contínuo que se estende rumo ao futuro.
Necessitamos de ajuda para vencer os obstáculos. A vida
cristã é uma luta, em que, muitas vezes, somos nós próprios, nossos
maiores inimigos (Rm: 7.19). Avançamos, tropeçamos, levantamos,
prosseguimos... Como crianças inseguras, ao lado do nosso Pai,
caímos, mas, logo Sua mão nos ergue e Seu cuidado nos inspira à
confiança... Então, levantamos, espanamos a poeira, e seguimos
em frente, na busca de sermos “segundo o coração de Deus”.
Nas páginas que se seguem você será interpelado por
experimentar, na prática, uma vida cristã na essência. Não é possível
ter um relacionamento com Deus pela metade, ou você O aceita e
se doa por completo, ou continua enganando-se, achando que Ele
8 Retorno à Santidade

“não se importará se só neste ou naquele caso” você agir fora de


Sua vontade. Descubra em Retorno à Santidade, o prazer de escolher
ser fiel a Deus, e trilhe o caminho de volta aos braços do Pai.

Maria Iracilda G. C. Bonifácio


Reginâmio Bonifácio de Lima 9

A construção dos deuses e o Deus Redentor

A experiência humana em relação a Deus não é totalmente


independente, no contexto de uma liberdade total. Homens e
mulheres experimentaram suas situações e relações, ainda que
por interesse ou antagonismos, e em seguida assimilaram e/ou
construíram sua consciência e cultura para agir sequencialmente
como resposta a situações determinadas. Nesses termos criou-se
um aprisionamento estrutural pela mistificação de si mesmos e
de sua consciência afetiva, moral e espiritual.
O homem foi criado com o fim principal de louvar a Deus
e gozá-lo para sempre. Deus o mandou cuidar da criação e povoar
toda a terra. Isso foi dito a Adão e repetido a Noé e seus filhos. Os
homens se multiplicaram rapidamente, mas não queriam separar-
se para povoar a terra, mesmo após Noé ter predito o futuro de
seus filhos e apontado Sem como a semente escolhida para
abençoar o mundo. Um número considerável de pessoas deixou
o monte Ararate e se instalou nas planícies de Sinear, entre os
rios Tigre e Eufrates.
Após a queda, o sofrimento já existente foi acrescido pelo
distanciamento entre o “Justo Criador” e a “desobediente criatura”,
as conseqüências descritas em Gênesis três dão idéia de um
sofrimento para maridos, esposas, filhos, animais, toda a criação.
Assim ocorreu no Éden, o homem ficou com medo; em Babel, a
síndrome do isolamento parecia algo terrivelmente arrasador,
porque o homem havia falhado. A vastidão da terra, a auto-estima
enfraquecida, seria mais fácil e atrativo encontrar alguém superior,
mas não supremo. O homem envolto em culpa e pecado sente
medo de Deus e Sua possível resposta para outras transgressões,
por isso, planeja encontrar algo que lhe diminua o pesar. Pondo-
se esses pontos, tem-se a idéia de um Deus iracundo, soberbo e
10 Retorno à Santidade

prepotente, mas não é assim que Ele Se apresenta na criação; o


capítulo um de Gênesis afirma: “Viu Deus tudo quanto fizera, e
eis que era muito bom”, e após a queda do homem, o amor de
Deus é latente ao oferecer um novo pacto, mesmo com o não
cumprimento humano do primeiro, o Pacto das Obras, no verso
15 do capítulo 3 de Gênesis está conclamada a vinda de um que
possa vencer a ardilosidade da serpente.
A culpa e o pecado adentraram o coração humano, como
conseqüência, perdeu-se a intimidade com Deus. O pecado
penetrou no coração humano. Assim, projetou-se no interior do
homem uma divinização do palpável e sacralização do plausível,
tornando necessária uma construção imaginária da complacência
divina com os seres rebelados, formando-se seres mitificados,
numa tentativa de diminuir o remorso. A solidão implícita no
coração humano, deferida pela necessidade religiosa de um ser
superior, concomitada ao sentimento de culpa, remete ao íntimo
da alma a chamada “culpa teológica”, disposta como ato e,
portanto, envolto em implicações.
A esse sentimento de culpa, assim como a muitos outros,
trata-se de aceitá-lo e dispor-se a assumir as conseqüências ou a
simplificação, não necessariamente solução de ignorar
deliberadamente. É perfeitamente possível errar e não sentir culpa,
todavia, as implicações continuam, independente do autor aceitar,
repudiar ou ignorá-las. O domínio do consciente pode ser
trabalhado por alguns homens, mas o cerne do subconsciente é
surpreendentemente espontâneo, involuntário, não necessita de
estímulos externos para ser gerido, independe da volição humana.
A subjetivação da culpa, assume um papel que freqüentemente
surge ao se fazer sentir ou pensar que algo está errado. Para
Narramore, os complexos de culpa podem ser fortes ou fracos,
adequados ou inadequados, subdividindo-se em três categorias:
medo do castigo, perda de auto-estima e um sentimento de solidão,
rejeição ou isolamento.
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O Deus Supremo continuou presente, mas o homem,


envolto em culpa, não se apercebeu e sentiu-se só. A solidão é
algo que atinge a todos os seres humanos em um período ou outro
da vida. Algumas pessoas são atingidas por ela durante toda a
vida. Ela traz consigo mais que uma sensação de desconforto,
envolve-se na estima, destacando sentimentos que culminam na
insatisfação, seja em construir relacionamentos ou manter as
ligações produzidas no transcorrer das atividades. Esse problema
comum, normalmente descrito como uma das fontes mais
universais do sofrimento humano, não escolhe raça, cor, religião,
classe ou idade; ao tomar consciência da falta de um contato
significativo com outros, o ser humano torna-se solitário. Não se
trata de isolamento; solidão e isolamento são diferentes, este se
dá pela escolha voluntária de afastar-se de outras pessoas, trazendo
a sensação de prazer, refrigério, agradabilidade; enquanto aquela
traz a idéia de um envolvimento involuntário a exaurir as forças,
por um penoso dissabor. Pode-se romper o isolamento a qualquer
tempo e retomar o curso que se lhe convier, enquanto a solidão
aglutina-se na sensibilidade ainda que se a tente repelir.
O sentimento de abandono, desespero e necessidade
intensa de um tipo de relacionamento, algo a que se possa apegar
expropria o homem lasso, e então, ele se sente sem valor, culpado,
indigno de um retorno às atividades antes executadas. O psicólogo
cristão Craig Ellison, sugere a existência de três tipos de solidão:
social, emocional e existencial. Segundo ele a solidão social se
dá em um sentimento de ansiedade e vazio, na sensação de uma
vida sem propósito. O indivíduo sente-se à margem da vida, nada
lhe é internalizado como propósito fixo a alcançar, não tem forças
para sociabilizar-se; a solidão emocional está intimamente ligada
à perda ou ausência de uma relação psicossomática com uma
pessoa ou um grupo; a solidão existencial se faz posta pela
percepção que se tem sensivelmente do isolamento em relação
12 Retorno à Santidade

ao Criador, despertada pelo vazio de uma vida sem significado


ou propósito. A despeito desse último item será discorrido mais à
frente. Embora não haja muitos textos específicos a respeito do
assunto a própria Bíblia tem em si relatos que versam sobre o
mesmo. O próprio Autor da Vida afirma “não é bom que o homem
esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea” (Gn:
2.18). A solidão pode ter várias causas: o desenvolvimento, sem
dúvida, é um marco contribuinte para a mesma. O mundo
conturbado deixou os humanos carentes de ligação com seus
semelhantes, mais distantes uns dos outros, trabalhos, plantações,
pastoreio, a aquisição de habilidades por diferentes tipos de
pessoas, a aceitação de si por outros, a dificuldade em confiar
nas pessoas levam as crianças a desenvolverem uma incapacidade
de relacionamentos íntimos. A baixa auto-estima e a sensação de
rejeição são a base de grande parte da solidão.
As situações em que se encontram os indivíduos
também podem construir neles o sentimento de solidão devido às
condições especiais em que se encontram. A riqueza, viuvez,
genialidade, solteirice, deformidade corpórea, causam uma
retração comportamental pela forma que os “normais” os tratam,
num afastamento voluntário. O resultado dessa condição de
distanciamento físico pode ser uma solidão egoística; o fator
psicológico está intimamente ligado à internalização de preceitos
que tornam o indivíduo solitário, muitos têm a atitude derrotista,
baixa auto-estima a ponto de uma retração ou de armarem-se com
uma atitude hostil, sentem medo e raramente são capazes de uma
comunicação fluente. Os homens, mesmo vivendo em sociedade,
isolam-se em suas comunidades, conhecem o outro que se faz
presente, mas são ligados a suas próprias prioridades. A mudança
de locais, o desenvolver-se numa lógica grupal com novas formas
de se manter e o aprimoramento das técnicas, a indiferença ao
mundo os torna reclusos em si mesmos, involuntariamente
solitários.
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Além de todas as causas postas, as causas espirituais


assolam o coração humano desde os primórdios. Quando de sua
decisão no paraíso, Adão e Eva poderiam escolher confiar em
Deus e viver por Sua graça ou duvidar dEle e quebrar o elo de
confiança que os unia. O fato de uma inquietação, um desobedecer
voluntário, enche o coração de insegurança e faz um atribuir ao
outro a culpa pelas conseqüências advindas do ato de repúdio. O
homem culpa a Deus pelo que fez, procura viver como se Ele não
existisse e sente em seu coração o vazio da perda, a falta de alguém
maior que o proteja. Foi assim no Éden, foi assim com os que
não entraram na arca com Noé, com os construtores de Babel e
repetiu-se em espiral a desobediência humana. Ainda assim, as
misericórdias de Deus permaneceram sobre a terra (Lm: 3.22).
A solidão ocasionada pelo desobedecer e fuga da
presença do Criador levou ao coração humano uma forte pressão,
medo de estar sozinho, receio de animosidades. O homem
necessita de arrependimento, vontade própria de querer voltar a
ter relacionamento com o Criador, manter uma posição favorável
a Deus. Só que não foi isso que ocorreu, a prepotência humana o
impediu de querer voltar ao início. É óbvio e salutar que uma
busca coletiva ou individual não necessariamente implica a
absolvição incondicional e volta ao jardim do Éden. Seria agarrar-
se ao Nihilismo Ético, pondo Deus como igual ao homem e o
pecado de Adão como um simples mal entendido.
Por que voltar a Deus ou para que arrependimento –
são perguntas muito usuais. Ele prometeu enviar O nascido de
mulher para pisar a cabeça da serpente. Pode-se dizer que, a partir
daí, a salvação se daria pela graça divina. Deus cria uma forma
de o homem voltar à Sua presença, sem precisar abrir mão de Sua
justiça e soberania. Adão e Eva pecaram por não confiar, Deus
permitiu-lhes a livre escolha e a decisão foi tomada por eles. Isso
implicou a queda deles e de sua descendência. Ao arrepender-se,
14 Retorno à Santidade

o homem não se livra da culpa, as conseqüências continuariam a


advir e ele não voltaria ao Éden, mas, pela confiança de que o
Criador pode cuidar, e a decisão de estar a seu lado faz do homem
alguém melhor para si, para seu próximo e para a humanidade.
Não se trata de uma prova, barganha ou troca, mas pessoas que
estão morrendo buscam a um ser vivificador.
A precisão de sentir-se seguro e a não aceitação de uma
solidão total e completa fez o homem se aproximar de seus pares
e juntos contemplaram a criação. Com o passar do tempo, por
não entender o Criador; Sua voz quase muda aos ouvidos humanos
soava distante dos corações dilacerados pelo pecado, os fez querer
aproximar-se, numa ânsia quase infantil de estar no seio de alguém
que se importasse, mas não apenas isso, que se fizesse
corporeamente presente, num limiar de toque liberador de tensões
e inteligência emocional, assim nasceram os deuses: seres
dicotômicos transcendentes, verborrágicos, mas que estavam nos
pensamentos do homem como lembranças vivas, cerne,
condescendentes rins, amantes do homo aviltado, soavam suas
vozes como o barulho de muitas águas em arrulho selvático, sopros
de refrigério em ventos ciciosos, de brisa a vendavais, tão suaves
quanto o entardecer, fortes como chuva torrencial e voluptuosos
como o sol de um dia perfeito. Não se constituíam senhores de
nada, não traziam presentes em seu alforje ou traços, tão somente
refletiam de forma turva a imagem do carisma que se-lhes era
outorgado. Um sentimento de confiança, credibilidade e presença
incondicional. Palpável em corpos insólitos e olhos atentos. Os
braços que não abraçam tinham em seus símbolos a formação de
partes mensuráveis, continuadas e que poderiam estender-se tanto
para a bênção de uma colheita e prosperidade quanto para o castigo
de um não reconhecimento de sua figura. A construção escolhida
para suprir um sentimento de carência imposto pela religiosidade
humana. Quanto a isso, Alexander Jr. escreveu, conceituando
Reginâmio Bonifácio de Lima 15

religião: “No sentido mais fundamental, a religião de uma pessoa


é a apreensão que ela tem do significado do universo, aquela
filosofia de vida, aquele conjunto de valores que comandam seu
íntimo ser, orientando-a nos alvos a alcançar na vida, dirigindo
suas atitudes, suas ações”.
A criatura mitificada passa a ser objeto de adoração e não
seu homo criador, o elementar se torna latente pelo fato de o ente
sacralizado ser incapaz de transpor os domínios do intelecto de
quem o criou. Daí a mitificação ao colocar como senhor alguém
que serve, não como prestador de serviço, mas sim como
aproveitável para fins rituais e objetos de culto. O ser ontológico
passa por um processo de sacralização, outrora relegado ao “Deus
desconhecido” e se torna palpável, num processo de aculturação,
rodeado de simbolismos inteligíveis por alguns, inimagináveis
por outros.
O homem vivia segundo as conseqüências dos atos de
Adão. Em Cristo, houve a libertação, sendo possível viver em
Cristo ou permanecer em Adão. A desobediência do homem criou
um débito que precisava ser pago, “porque o salário do pecado é
a morte”; Jesus, com sua morte, assumiu a penalidade, transferindo
ao homem a salvação do pecado para “o dom gratuito de Deus, a
vida eterna”. A fé é a única exigência para participar da vida com
Cristo.
O ato da redenção só se faz possível quando o sacrifício
expiatório do Cordeiro de Deus para justificação de pecadores se
encontra com o anseio humano de servir ao Criador dos céus e da
terra. É claro que Deus poderia salvar e acalentar Seus filhos
independente da vontade deles, por Sua graça irresistível, já que
é Todo-Poderoso, contudo, Ele preferiu que os homens – outrora
rebeldes – que verdadeiramente o busquem, possam encontrá-
Lo.
O compromisso com Cristo não apenas designa um novo
estado de existência, significa que a velha natureza foi despojada,
16 Retorno à Santidade

o perdão torna-se uma circunstância no relacionamento humano


e a fidelidade aplaca como escolha consciente.
Por esses valores de comunhão com Deus e entrega total,
o homem ama a seu próximo, falando desse Deus manifesto,
ensinando sobre Jesus e atuando como mordomo na prática do
serviço. Tendo Cristo como modelo, a marca do amor flui nos
homens na esperança da plenitude dos tempos, quando da
consumação de todas as coisas, em que haverá o encontro com o
Pai.
Conhecer a Cristo é essencial para uma maior
compreensão de como se dá o amor de Deus para com os homens.
Antes da solidificação dos montes, da terra existir ou mesmo antes
de haver estrelas no firmamento, Ele estava com Deus e era Deus.
Quando da criação do universo, formação da terra e chamamento
dos habitantes da terra à existência, Ele estava presente. Mesmo
no dia em que o pecado entrou no mundo, fruto da desobediência,
ocasionando a perda da natureza santa do homem e corrupção do
gênero, Cristo estava presente. Adão e Eva esconderam-se com
medo, corruptos e culpados, mereciam a morte e a separação
eterna. Nesse mesmo dia foi proferido que O descendente da
mulher haveria de esmagar a cabeça da serpente. O proto-
evangelho afirma a obtenção do direito à vida eterna, pela vitória
do Salvador contra o Diabo. Desde Adão até os dias atuais há a
salvação para os homens.
Jesus é o cumpridor das profecias israelenses, filho da
promessa, descendente da casa de Davi, nascido de mulher para
desempenhar na linhagem sacerdotal o cumprimento pleno do
sacrifício voluntário para a expiação de pecados, sendo Deus
manifestado na carne, para resplandecer na glória, tendo cumprida
Sua missão de dar aos homens o livre acesso ao Pai.
Ele é alguém muito especial, nos anos de Seu ministério
foi mais que um homem popular para a presença de quem afluiram
Reginâmio Bonifácio de Lima 17

as multidões. Ensinava como alguém que possui poder, falava


com tamanha soberania a ponto de dispensar qualquer exegese e
interpretação da lei no estilo sacerdotal ou dos escribas. Jesus
explicava os textos sagrados e “lia” a vontade de Deus a quem O
escutasse. Da experiência comum tirava Sua doutrina, falando
por parábolas, agia no cerne das coisas. O Seu modo de atuar era
como de alguém livre, com poder e autoridade para confrontar a
realidade e a ordem vigente. A Sua presença modificou as
estruturas do velho mundo, as pessoas admiravam-se de Seus
ensinos e ficavam maravilhadas com Sua doutrina. Pelo Seu operar
a natureza Lhe obedece, as potestades e impurezas cedem lugar
ao Espírito de Deus, a morte é vencida e novamente se pode crer
numa vida plena em comunhão entre os homens e Deus.
Quando veio o Cristo, o reino tão esperado foi anunciado,
e as multidões afluíram de todas as partes da terra. O povo de
Deus não seria mais uma raça à parte, e sim, uma sociedade
enviada a proclamar as boas novas a cada língua, povo, raça, nação
e a esses discípulos Jesus chamou de “minha igreja” (Mt: 16.18).
Esse conforto é revigorado através dos séculos pelo Santo Espírito,
como dantes os pactos em Israel. O apóstolo Paulo escreveu
aos cristãos da Galácia “se sois de Cristo, também sois
descendentes de Abraão e herdeiros da promessa” (Gl: 3.29).
A vida cristã está diretamente ligada aos ensinos do
Cristo, ao ter em vista a necessidade do homem estar de volta à
comunhão com Deus, precisa-se analisar Suas palavras, para tanto,
esta obra foi produzida como forma de buscar perceber nas
palavras e atitudes de Jesus, contidas na Bíblia, o conhecimento
da vontade do Criador para com Suas criaturas, tendo como fonte
principal para estudos o Cristianismo Essencial.
O cristianismo é muito mais que uma coleção de
pensamentos ou catálogo de exortações morais. É a anunciação
das “Boas Novas”, como escreveu Stott: “não é um convite
18 Retorno à Santidade

para que o homem faça alguma coisa; é a declaração suprema do


que Deus fez em Cristo, por seres humanos como nós”.
A união com Cristo está embasada na obra redentora
planejada para se estender por toda a eternidade. Ela foi planejada
por Deus pré-temporalmente e estende-se pelo estabelecimento
do povo de Deus como o alvo da glorificação da vida nAquele
que os redimiu, estabelecendo Suas raízes desde a graciosa decisão
divina em salvar os homens. A obra redentora foi suficiente para
toda a humanidade, nos Cânones de Dort está contido que “esta
morte do filho de Deus é único e perfeito sacrifício pelos pecados;
de valor e dignidade infinitos, abundantemente suficiente para
expiar os pecados do mundo inteiro”, contudo, Deus fez essa obra
eficiente para Seu povo.
Estar em Cristo é ter uma inicial regeneração, por uma
apropriação contínua de vivências na união, pela fé; a justificação
e a santificação retratam o crescer em Cristo, pelo
desenvolvimento da maturidade cristã e perseverança na vida de
fé. Morrendo em Cristo, há a certeza de ressurreição para uma
glorificação eterna, alegre e vitoriosa.
Falar de Jesus não é apenas complexo, mas também,
intrigante. A abordagem retratada nos evangelhos de Mateus,
Marcos, Lucas e João, dão conta de Seus feitos, como escritos
mais propriamente sobre Sua morte que sobre Sua vida. Apenas
dois dos Evangelhos mencionam Seu nascimento extraordinário,
contudo, todos relatam em cerca de um terço de suas páginas a
mensagem, a forma, as circunstâncias e o porquê de Sua morte,
podendo-se afirmar o fim principal dos Evangelhos ser a
proclamação de, na morte de Jesus, existir vida a todo que nEle
crer.
Jesus é o homem mais estudado em todos os tempos. Mais
de setecentas mil obras foram escritas sobre Ele. Por muitos
séculos, Sua vida e feitos foram referência para o mundo que O
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conheceu. Seu ensino guiou sociedades à civilização. Reinos


foram destruídos e tantos outros edificados sob o símbolo de Sua
cruz. A face de Jesus tem levado sociedades inteiras a buscar
algo de novo, algo de sobre-humano que ao mesmo tempo aja
como um alívio para corações compungidos e bálsamo para o
corpo ferido por tantas lutas no mundo em que vivem.
Dizer que Jesus propicia alívio aos corações e, como um
bálsamo, traz refrigério para o corpo, é colocá-Lo como mais
uma solução para os problemas terrenos, como uma outra fonte a
jorrar dentre muitas já existentes e tantas outras que foram cavadas
ou percebidas no decorrer dos milênios. Foi preciso mais que
corpo, mais que um simples efeito placebo. Ele não era apenas
um homem andarilho pregando o arrependimento a um povo
sofrido e ultrajado. Em momento algum Ele Se pôs em levante
contra o domínio romano ou Se auto-intitulou um rei terreno de
propriedade e direito para tentar uma revolta, destruir os
adversários e tomar em Suas mãos o comando do povo escolhido;
porque não se toma algo que se lhe pertence, nem se contende em
desordem almejando o que já lhe foi entregue.
Suas atitudes O arremetiam a algo maior, Seus profundos
ensinos ao ponto que fulguravam de acordo com a Lei,
proclamavam o início de uma Nova Aliança. Haveria novamente
a perspectiva de uma aproximação. Multidões percorriam dezenas
e até centenas de quilômetros para ouvirem as maravilhas que
estavam sendo proclamadas. Falava-se de fé, esperança e amor,
alguém ensinava com autoridade e discernimento. A autoridade
dEle não vinha da terra e, por isso, não foi Ele o renascer de um
velho profeta. Um Ser muito especial estava diante do povo e
falava como alguém que tem poder.
Ele não foi um ser isolado que nasceu dos céus,
resplandecendo em glória para impor Sua vontade. Nasceu de
mulher, viveu com o povo e pregou Sua mensagem. Mas não
20 Retorno à Santidade

havia uma grande arena onde o povo se pudesse ajuntar, em Israel


não havia o Coliseum, Acrópole ou teatros monumentais,
inicialmente sua pregação foi feita nas planícies, ora caminhava
com seus discípulos próximos à água, ora peregrinando de cidade
em cidade, todavia, o número de ouvintes aumentou
consideravelmente. “Sua fama correu por toda a Síria, e traziam-
Lhe todos os enfermos. Acometidos de todas as doenças e
tormentos (...) seguiam-lhe grandes multidões da Galiléia, de
Decápolis, de Jerusalém, da Judéia e dalém do Jordão” (Mt : 4.24a
e 25).
Desde muito tempo atrás, a mensagem de salvação
confirma a lei por meio da fé, porque esse é o propósito da lei. O
propósito do evangelho é o mesmo proclamado na lei do Antigo
Testamento. A lei era considerada o aio a levar o povo de Deus
para Cristo. Judeus e gentios somente foram justificados pela fé;
sendo uníssonas as vozes veterotestamentária e neotestamentária,
proclamadoras da mensagem que todos são pecadores, estão sob
a ira de Deus, carecem de salvação e das boas novas da redenção
prontamente anunciadas no Messias prometido. Não existem
revelações separadas uma da outra, tanto que o processo das
alianças entre Deus e os homens se iniciou do Édem e foi até
Jesus.
A esperança messiânica é o fator motivador para a prática
cristã e o objeto ou o sujeito desta expectativa é Cristo. Os
patriarcas tiveram sua missão baseada na esperança da promessa
e das bênçãos; enquanto a missão dos profetas é baseada na
esperança do reino messiânico.
Deus amou o homem de uma maneira inexprimível, tão
intensa quanto valorosa. Não somente o colocou no mundo, como
Se ligou a ele. O Deus Santo, Todo-Poderoso planejou estar com
o homem tanto antes, quanto após a queda. Em toda a Bíblia, o
que se pode notar primordialmente é o amor de Deus para com
Reginâmio Bonifácio de Lima 21

Seus filhos. Ele sempre procurou fazer tudo como Lhe aprouve e
nem por isso esqueceu a obra prima da criação – o homem.
O que O difere dos demais mestres, sacerdotes e líderes é
o fato de Ele ser Deus, título que ocorre com toda clareza várias
vezes no Novo Testamento (Hb: 1.1; Jo: 1.1; 1.18; 20.28). Vários
foram os nomes e títulos dados a Jesus. Dentre os nomes atribuídos
a Jesus, pode-se perceber a ligação direta entre a pessoa de
Jesus e Deus (Jo: 1.1), pedra angular (Ef: 4.15), o cabeça (Ef:
4.15), o princípio e o fim (Ap: 22.13), a luz (Jo:1. 4), o caminho,
a verdade e a vida (Jo: 14.6), o pão verdadeiro (Jo: 6.45), o bom
pastor (Jo: 10.11), a videira verdadeira (Jo: 15.1), a paz (Ef:
2.14), a sabedoria de Deus (1 Co: 1.30), o poder de Deus (1
Co: 1.24), a glória de Deus (Jo: 1.14), a imagem visível do
Deus invisível (2 Co: 4.4; Cl: 1.15), o novo templo (Jo: 2.21),
o Deus conosco ( Mt: 1.23), o maná verdadeiro (Jo: 6.32), a
água que mata a sede (Jo: 7.37-39), dentre dezenas de outros
nomes expressos no Novo e também no Velho Testamento.
Mesmo as profecias veterotestamentárias já davam conta
de Seu nascimento. Nelas estão contidas as mensagens de Sua
primeira vinda (Ml: 3); seria humano (Gn: 3.15; Hb: 2. 14 a 17)
e divino (Is: 9.6; 40.9); seria da posteridade de Abraão (Gn: 22.18);
da família de Davi (Is: 11.1); iria nascer em Belém de Judá
(Miquéias 5.2); que nasceria de uma virgem (Is: 7.14); fugiria
para o Egito (Is: 9.1-6); falaria por parábolas (Sl: 77.2); seria Servo
(Is: 53; Zc: 3.8); Ungido (Dn: 9.20); Mestre (Is: 55.4); Pastor (Is:
40.10 e 11); Profeta (Dt: 18.18); Sacerdote (Sl: 110.4); Rei (Sl:
2.6; Is: 9.7); teria um precussor (Is: 40.3); curaria todas as
doenças (Is: 53.4); muitos não O aceitariam (Is: 6.9-10);
instituiria a nova aliança (Is: 42: 6-7); sofreria muito (Sl: 22);
seria vendido por 30 dinheiros (Zc: 11.12); seria insultado e
flagelado (Sl: 22 e 72); sofreria pacientemente como um cordeiro
(Is: 53.9); morreria entre criminosos (Is: 53.9); ressuscitaria dos
22 Retorno à Santidade

mortos (Is: 53.10); e ascenderia (Sl: 68.18); até o dia de Sua


segunda vinda (Dn: 7.13), como Ele mesmo profetizou (Mt:
12.40). Sua ressurreição constitui maior prova de Sua divindade.
O ato de falar em Seu próprio nome O torna alguém
diferente dos outros profetas. Jesus atribui a Si poderes divinos,
faz a remissão de pecados, nenhum outro profeta ousaria tal
audácia. Nesse ponto surgiu uma nova imagem de Deus
continuamente progressiva ao cerne humano, até o ápice da nova
aliança consumada com o “Tetelestai”. A imagem do Deus
legislador e juiz, criada como um recompensador de méritos,
comerciante, barganhador de indulgências por atos ritualísticos,
necessitava ser rompida. Não foi assim no início, com Adão,
tampouco nas alianças. Os líderes religiosos criaram uma imagem
monstruosa de Deus, e Jesus a desfez. Ele reclama a primazia
antes de Abraão e o mesmo tratamento dispensado ao Pai.
As mensagens de amor, piedade e arrependimento não
têm nenhum valor escatológico por si mesmas; seria mais uma
face do judaísmo pós-exílio. A diferença está no ato do Cristo. A
sublime pregação de conduta e vida está intimamente ligada a
um momento posterior, um encontro com Deus. Não em forma
de promessa futurística alienável, mas na real diferenciação
incutida a partir dos feitos terrenos de Jesus. O reino de Deus é
manifesto como algo a alcançar todos aqueles chamados por Cristo
para crer nos ensinos messiânicos, baseados no cristianismo
essencial.
A reconciliação entre Deus e o homem é dada quando do
término do conflito, pela união expressa em Cristo, “porque
aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude e que, havendo
feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse
consigo mesmo todas as cousas, quer sobre a terra, quer nos céus”
(Cl: 1.19-20). Jesus providenciou a reconciliação através de Sua
morte, reconciliando Consigo o mundo.
Reginâmio Bonifácio de Lima 23

A morte de Cristo é retratada nos evangelhos, nas cartas


paulinas e nas epístolas gerais, sendo as de Pedro as que mais
chamam a atenção, não por conter indícios de uma rebuscada
teologia, com argumentos lógicos, profusamente elaborados, mas
pela simplicidade e fé com que os argumentos são postos. Pedro
participava do círculo íntimo de Jesus, juntamente com Tiago e
João. Foi ele o primeiro a reconhecer Cristo, foi ele quem
interpelou sobre a real necessidade da morte de Jesus, também
no Monte das Oliveiras tentou deter os guardas, seguiu o Cristo
de longe, negou três vezes, se arrependeu e, com a ressurreição,
compreendeu o real sentido da nova vida, pela morte do Messias.
Para Pedro, a morte de Cristo foi mais que um exemplo a
ser seguido de mansidão e domínio próprio. Ela é a prova da
necessidade de um Salvador. É a chance de ser conduzido a Deus
pela purificação do ser e perdão dos pecados, pois os pecados
foram carregados pelo Cristo, Ele assumiu a responsabilidade das
conseqüências, expiando voluntariamente os pecados de muitos.
No Antigo testamento, os sacrifícios eram constantes e repetidos,
a morte de Cristo foi única, como está escrito “Cristo morreu por
nossos pecados, segundo as Escrituras” (1 Co: 15.3); “Cristo
morreu, uma única vez, pelos pecados” (1 Pe: 3.18); “sabeis
também que Ele se manifestou para tirar os pecados” (1 Jo: 3.5).
Todos esses versos ligam a morte de Jesus aos pecados cometidos
pelos homens.
Através da morte de Cristo, o homem pôde ser
reconciliado com Deus, justificado para novamente haver paz,
uma harmonia nascente a culminar num convívio onde a
purificação e a santificação estão presentes após terem sido os
pecados perdoados. Em Jesus, o livre acesso compele os homens
à adoção como filhos de Deus, dando glória e vida eterna através
de Sua morte. O fim tendente na ação de Sua entrega vistava a
redenção humana, e é certo que os meios empregados foram os
24 Retorno à Santidade

da época, sendo a razão de Sua morte, indubitavelmente, o amor


pelos pecadores. O apóstolo Paulo, ao escrever aos Gálatas,
afirmou que Jesus Cristo “se deu a si mesmo por nossos pecados,
para nos livrar do presente século mau” (Gl: 1.4) e a Timóteo “...
Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores” (1 Tm:
1.15). Jesus mesmo afirmou ter vindo “buscar e salvar o que se
havia perdido” para “dar sua vida em resgate de muitos” (Lc:
19.10; Mc: 10.45), Segundo o evangelho escrito pelo apóstolo
João: “Deus amou ao mundo de tal maneira que deu seu Filho
unigênito para que aquele que nele crê (...) tenha a vida eterna”
(Jo: 3.16).
A obra de Cristo nunca deve ser apresentada de forma
dissociada da Sua pessoa. Ele encarnou como homem para salvar
os pecadores, conforme os eternos desígnios de Seu Pai; viveu
como justo homem, debaixo da lei, como fiel representante da
ação salvadora, morreu ressuscitou e ascendeu aos céus. De
mesmo modo, a ação não deve se dissociar do agente, porque o
sujeito da fé que salva não é a expiação. Também a cruz não deve
ser isolada dos benefícios que ela traz, nem do Cristo nela
crucificado, para que não se creia nas coisas adquiridas por feitos
grandiosos, antes, a mensagem precisa estar centrada no autor de
tais coisas.
Deve-se crer no Jesus bíblico. Ele não morreu à toa, antes,
quis dar a vida a todos os que crêem. Dois mil anos se passaram
desde sua vinda ao planeta Terra, e o mundo O renega, tenta
alcançar a redenção de uma forma cômoda e livre de compromisso.
Os séculos que se passaram tiveram, como num espelho corroído
por interferência de ações externas, a imagem da salvação
obscurecida por teologismos e comodismos tracejados. A figura,
por vezes turva, que se propaga é o reflexo do que se almeja,
enquanto seres pensantes e temporais. As fantasias religiosas estão
impregnando grupos humanos, fazendo barbáries em meio a
espectros construídos de um Cristo metamórfico.
Reginâmio Bonifácio de Lima 25

Teólogos em suas cabines falam mais da via crucis e do


sofrimento que do objetivo da morte de Cristo, constroem em
amplitudes de projeções um Cristo “camaleão”, adaptado a
qualquer realidade. Assim tem sido nos últimos dois mil anos, a
sociedade como um oleiro tenta moldar um ser simpático às suas
causas, por um idealismo, transformando-O em parceiro heróico
ou um líder faccional, tendo Seu sacrifício sido relegado a um
segundo plano, como conseqüência de um ódio de alguém
contraproducente às idéias ensejadas. Assim, a escolástica o
construiu um pedagogo, o liberalismo realizou um cristo liberal,
o marxismo o teve como um revolucionário, o pragmatismo viu
nEle um pragmático. Qualquer que seja o reflexo que se faça
dEle, todos terão distorções, a menos que se busque encontrá-Lo
na fonte primária de referência, as Escrituras.
É necessário que a cruz de Cristo seja compreendida à
luz das Escrituras. Faz-se preciso anunciar a real doutrina em
que ela está inserida. Não se deve falar dela nostalgicamente,
com sentimentos de perda e tragédia, como se Jesus fosse um
coitado por ter sido pendurado nela, nem também querer que por
ela se quebrantem os corações endurecidos, para despertar senso
de compaixão. O homem estava morto em seus delitos e pecados
e somente pela entrega de alguém perfeito, sem mácula, poderia
novamente voltar à comunhão com Deus. Portanto, a lei precisava
ser cumprida, e seu cumprimento se deu na cruz. Deus não poderia
abdicar de Sua natureza santa e inculpar algo que Ele havia dito
ser castigado com a morte. Não poderia simplesmente abrir mão
de Sua verdade e não punir o erro. É preciso ter em mente que o
homem só foi redimido porque alguém morreu em seu lugar,
alguém puro, santo, sem mácula, e esse é Jesus, que deu Sua vida
para remissão, ao mesmo tempo em que cumpria a lei de Deus.
Jesus cumpriu os holocaustos e sacrifícios do Velho
Testamento, toda a lei cerimonial, moral e judicial; pagou o preço
26 Retorno à Santidade

com Seu próprio sangue. Ele é o Sumo-sacerdote, a oferenda, o


holocausto e o cumprimento da lei.
A Bíblia, em suas muitas referências, atribui à morte de
Cristo o propósito de salvar as pessoas do pecado, libertando-as
do mundo mau para torná-las puras e santas, regeneradas para
toda boa obra. A visita ao planeta não foi um passeio ou uma
cosmogonia antropocêntrica. Todas as evidências testificam que
o propósito da vinda de Cristo ter sido trazer comunhão ao homem,
perdoando-o e redimindo-o.
Jesus morreu como um bom judeu, fiel à tradição judia,
lutou até o fim pela instauração do plano divino de libertação.
Seu sacrifício não foi para acalmar um Deus sequioso de vingança,
mas para cumprir o propósito de justificar e libertar o pecador.
De fato, a morte e ressurreição são o centro da mensagem cristã.
Não se trata de uma vida embasada na lei e nos profetas com
tantas regras, condutas e disposições a serem seguidas sob pena
da não entrância no reino dos céus.
A morte da morte se fez na morte de Cristo; por Sua
ressurreição, o pecado, o diabo, o inferno e as coisas que causavam
separação entre Deus e os homens foram vencidas. A presença
do reino significou o cumprimento da esperança messiânica
veterotestamentária, prometida a Israel; agora não apenas à nação,
Deus, pessoalmente, agia na formação de um povo santo, então,
os que aceitaram foram constituídos como povo do Altíssimo,
tornando-se, pela fé, a descendência espiritual de Abraão, tão
grandiosa e numérica quanto as estrelas do céu.
Reginâmio Bonifácio de Lima 27

À Imagem e Semelhança de Deus


Há no mundo um curso natural da vida, que, apesar de
não experimentar a redenção, exibe muitos sinais do verdadeiro,
do belo e do bem. O salmista, no Salmo 19, exprime: “Os céus
proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de
suas mãos”. O que firma o mundo, ordenando a vida, mantendo
em certa medida a ordem moral do universo e derramando
incontáveis bênçãos sobre os filhos dos homens é a graça comum
dada por Deus. É ela que distribui em vários graus dons e talentos,
promove o desenvolvimento da ciência e da arte e possibilita a
vida para que o mundo não se torne um caos.
Mesmo com o homem se afastando do Criador, é pela
graça comum que são produzidas as operações gerais do Espírito
Santo, por meio da sua revelação que o pecado sofre restrição e a
justiça civil é promovida, isso quer dizer que Deus não abandonou
o mundo, antes, Ele, em certa medida, abençoa a todos
indistintamente com a chuva, o sol, a água, alimentos e abrigo.
Mesmo tendo Deus pronunciado a sentença de morte no pecado,
é devido à graça comum que Deus não executou plenamente a
sentença da morte do pecador.
É pela aplicação da graça comum que se manifesta nos
homens a religiosidade e a prática de solicitudes nas atividades
civis e naturais, embora inteiramente destituídas de qualquer
qualidade espiritual, porque mesmo tendo perdido o direito a
qualquer bênção de Deus, ele recebe abundantes provas de Sua
bondade, dia após dia.
A orientação dada por Deus após criar Adão e colocá-lo
no Édem foi para que cuidasse e zelasse do jardim. Essa missão
se encaixava em três responsabilidades: o mandato social, “sede
fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra”, havia a necessidade
de uma sociabilidade para realizar tal missão, sendo iniciada com
28 Retorno à Santidade

o primeiro casal e continuada por sua descendência; o mandato


cultural, “enchei a terra e sujeita-a, dominai sobre os peixes do
mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela
terra”, a cultura sendo o produto das relações inter e intra grupais
diretamente associadas ao meio em que se está inserido, portanto,
o comportamento não degradante tem fundamental importância
para a plenitude do cumprimento à missão recebida; e o mandato
espiritual, sendo o terceiro o norteador dos anteriores, pela
proibição que lhes é feita – a árvore do conhecimento do bem e
do mal. A orientação de Deus, que norteia as ações humanas e de
toda a criação, foi dada antes do pecado.
O homem não apenas foi criado, mas também é a imagem
e semelhança de Deus, isto é, há uma diferenciação entre os seres
que pela palavra foram gerados e a descendência daquele que foi
feito do pó da terra, pelas mãos divinas. Após a criação de ambos,
apenas no homem foi soprado o fôlego de vida – um espírito que
se distingue do corpo e da sensibilidade. Há a percepção do que
está além da experiência material, a consciência de Deus. Os
homens têm a capacidade de traçar objetivos, planejar o futuro,
lembrar das coisas que passaram e fazer um auto-exame para
avaliar se algo é possível ou não, dentro das limitações, a liberdade
de escolhas conscientes, feitas por decisões e juízos, são inerentes
à responsabilidade que se lhes corresponde. Ao afirmar que o
homem é à imagem e semelhança de Deus não implica imputar
um título de deuses menores, e sim, acrescer a seres substanciais
criados a liberdade de tomar suas próprias atitudes conscientes.
Pouca coisa é dita no Velho Testamento acerca da imagem
de Deus. De forma específica, o conceito é tratado apenas em
três textos, contidos no livro do Gênesis, sendo Gênesis: 1.26 e
27; 5.1-3 e 9.6. Quando em Gênesis 1.26 é dito: Façamos o homem
“à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”, segundo Francis
Brown, léxico britânico do Novo Testamento, a palavra hebraica
utilizada para “imagem”, tselem, deriva de uma raiz que significa
Reginâmio Bonifácio de Lima 29

“esculpir” ou “cortar”; aplicada à criação, indica que o homem é


uma representação de Deus, conforme a imagem refletida.
Também, a palavra hebraica para “semelhança” é demuth,
proveniente de uma raiz significante “ser igual”. Embora a
Septuaginta e a Vulgata insiram um “e” entre as duas expressões,
o sentido do termo hebraico não é de soma complementar, visto
que em Gênesis 1.26 vê-se tselem e demuth, no verso seguinte
apenas tselem. O capítulo cinco, verso um do mesmo livro
apresenta tselem e demuth, enquanto em Gênesis 9.6 há somente
tselem, novamente. Daí dizer que a imagem e semelhança juntas
afirmam ser o homem uma representação de Deus, que é
semelhante a Ele em certos aspectos. No texto original em
hebraico não há nenhuma conjunção entre “imagem”
“semelhança”, também a Bíblia não especifica no ato criacional
os aspectos da semelhança com o Divino. É atribuído a Lutero,
no Comentário Bíblico do Velho Testamento, a interpretação do
significado de “à imagem, conforme a nossa semelhança”, como
sendo ambas indissociáveis no sentido de Deus ter propositado
fazer o homem uma imagem que é semelhante a Si.
A habilidade humana de agir de acordo com os seus
próprios desejos está intimamente ligada com a vontade
permissiva de Deus estendida da amplitude de Sua vontade
soberana. É impossível uma liberdade plena na essência do termo
se houver um Deus moderador, assim, ao se falar de liberdade, e
mais à frente será tratado esse assunto, tenha-se em vista a
liberdade plena ser apenas a divina e nenhuma outra. Em grande
medida, pode-se afirmar as escolhas humanas dentro das opções
que lhes são presentes.
Para Schafer, o livre arbítrio do homem é um instrumento
pelo qual Deus realiza Seu plano soberano. Ele não analisa
profundamente a liberdade humana, mas a idéia que se apresenta
é um aterrorizador emblema de liberdade cerceada por projetos
pré-dispostos. A idéia de uma liberdade tão condicionada e
30 Retorno à Santidade

diretivista faz parecer que Adão era refém no paraíso, e que os


homens não são chamados para a liberdade em Cristo e sim para
a escravidão. A obra da volição humana é deixada de lado por
Schafer, transparecendo não a idéia de ser o homem dependente
de Deus, mas prisioneiro de seus caprichos e protetorado sombrio.
Muitos e controversos debates foram travados sobre o
livre-arbítrio do homem, muitas vezes arraigados por um caráter
especulativo sobre a liberdade do homem com a soberania de
Deus ou com a eleição ou a reprovação, por alguns vista como
eterna ou parcial. Por mais que se afirme ou se renegue a natureza
caída do homem, o pecado e a desobediência, a comprovação da
existência do mal está clara na sociedade. O presente escrito não
se propõe a tecer tratados, muito menos uma neutralidade moral
sobre esses assuntos. Modelos prontos foram construídos no
decorrer dos milênios aumentando as controvérsias por
extremismos ou medianismos que almejam desnudar o cerne das
questões como prevalecentes virtuosos sobre o erro dos
discordantes.
No princípio, o homem era um ser bom, e, com o auxílio
de Deus, viveria uma vida agradável a Ele. Havia não apenas a
capacidade de fazer escolhas, como também de fazer escolhas
certas. Ao contrário da afirmativa de alguns filósofos, o homem
não é mau, tampouco é neutro. Antes da queda, os homens
usufruíam de um estado de integridade, no qual foram criados e
possuíam uma liberdade verdadeira, com possibilidades reais de
progredir na graça e no conhecimento de Deus ou cair em um
estado de depravação e pecaminosidade.
O fato de criar o homem propõe o compartilhar das
mesmas características gerais que as outras criaturas: a limitação
na capacidade de compreender e nas habilidades referentes às
espécies. Os homens dependem de Deus para obter todo o
necessário à sua sobrevivência, assim como depende de seus
semelhantes para fazer muitas coisas. A humanidade foi criada
Reginâmio Bonifácio de Lima 31

para administrar o mundo, para honrar a Deus e ter como objetivo


cuidar-se mutuamente e da criação. Com o erro, os habitantes do
mundo incorreram em culpa e vergonha, pelo mau uso que fizeram
das coisas criadas. A mortalidade entrou no mundo com o pecado
e atinge de forma geral a todos os seres criados, breve ou distante,
ela flui na criação. Iniciada a partir do nascimento, precipita-se
em seu auge a separar o ser de sua continuidade em vida.
Alguns teólogos têm afirmado acerca da narrativa de
Gênesis, 3, 1 a 7, não ser verdadeira, mas uma saga, um exemplo
representativo do homem culpado, a ser compreendido como um
modelo didático, sendo irreal a historicidade de Adão. Pessoas
com esse tipo de pensamento demonstram entendimento incorreto
das Escrituras. Como dito anteriormente, o Gênesis refere-se ao
início da criação, às ações divinas e à história humana. Jesus, em
discursos como o proferido acerca do divórcio, citou palavras do
Gênesis, a genealogia, em 1 Crônicas 1, começa com Adão, assim
também a de Lucas termina com ele. Paulo também o citou
em várias de suas cartas, assim, Adão não foi uma figura mítica
ou simbólica, não haveria o porquê de citá-lo se assim o fosse,
nem contrastá-lo com Jesus, como Paulo o fez, escrevendo aos
coríntios e aos romanos.
O homem falha por buscar relativismos, por excluir a idéia
de pecado concebido e querer entender os desígnios divinos numa
antropopatização limitada à psiké humana. Somente Deus é o
centro de tudo, já que a corrupção humana não permite a
aproximação plena para com o Criador. Sobre o estado humano
após o pecado adâmico, Calvino escreve: “O homem, visto ter
sido corrompido pela queda, não é forçado a pecar ou pela vontade
mas voluntariamente; não por compulsão violenta ou força externa
mas pelo movimento de sua paixão”.
As questões da imagem e da semelhança de Deus têm
aguçado o espírito de muitos teólogos. Alguns pensam como
Irineu, Bispo de Lion, na França, que ainda no século II da era
32 Retorno à Santidade

cristã, escreveu “Contra as Heresias”, afirmando ter Deus criado


o homem à sua imagem e semelhança, mas após a queda, o homem
perdeu a semelhança de Deus, obtida através do Santo Espírito
de Deus, por isso, tornou-se um ser pecador, imperfeito, sem a
devida restauração, é incompleto, até que por ato do Verbo Divino
possa adquirir novamente a semelhança divina.
Para Irineu, a racionalidade e liberdade para tomar
decisões, bem como a responsabilidade por elas, é o significado
da imagem de Deus, que após a queda são retidas em parte, o
homem não é mais livre para agir indistintamente e a racionalidade
tornou-se restrita; a semelhança de Deus era o “manto de
santidade”, uma atuação direta do Espírito no ser humano, daí,
para ele, os incrédulos possuíam corpo e alma e os cristãos, corpo,
alma e espírito.
Os ensinos de Irineu são válidos enquanto tentativa de
refutar o gnosticismo que estava às portas da igreja, contudo, a
distinção feita entre imagem e semelhança é errônea, por querer
tornar diferentes duas expressões sinônimas. Também a natureza
humana centrada na idéia racional do pensamento grego se
distancia da verdade bíblica. A imagem e semelhança de Deus
não são questões de adição ou subtração de um algo divino;
quando da queda houve a corrupção de todo o ser humano, em
suas particularidades e generalidades.
Também em Tomás de Aquino, a imagem de Deus está
contida na psiké humana, para ele, quanto maior o amor em ato e
o conhecimento de Deus, maior o reflexo da imagem de Deus.
Tomás de Aquino percebe a distinção entre a imagem e
semelhança de Deus, mas não a constrói conceitualmente; para
ele, cada pessoa possui uma aptidão natural para compreender a
Deus e amá-Lo, embora necessite da graça divina para alcançar a
vida eterna.
No pensamento de Aquino fica latente a idéia de que,
após a queda, o homem ainda é capaz de merecer a vida eterna,
Reginâmio Bonifácio de Lima 33

através da graça cooperante. Pensamento errôneo, de acordo com


as Escrituras, se o homem pode merecer, logo, não foi dado, mas
compreende um esforço meritório; e a graça cooperante, então,
não dá salvação ao homem, mas o ajuda a adquirir, pensamento
que é totalmente equivocado, de acordo com a Bíblia.
João Calvino, um teólogo exegeta da Reforma Protestante,
sobre a imagem e semelhança, em seu livro “As Institutas”, afirma
que a imagem de Deus consistiu, originalmente, da justiça, da
verdadeira santidade e do verdadeiro conhecimento, sendo os
homens capazes de um bom relacionamento com a criação, com
Deus e com seu próximo.
Para Calvino, o homem possuía a imagem de Deus em
sua perfeição: fé, santidade, retidão, amor ao próximo, mas com
a queda tudo isso se perdeu. Numa análise aprofundada feita por
Hoekema aos escritos de Calvino, ele afirma não só o efeito
devastador na imagem de Deus, mas também percebe os aspectos
sob os quais o homem decaído ainda é a imagem de Deus. Por
vários momentos, segundo Hoekema, Calvino fala da imagem
de Deus como tendo sido destruída pelo pecado, suprimida pela
queda, extinguida ou perdida, cancelada, rasurada ou totalmente
esfacelada pelo pecado. No entanto, numa análise mais
aprofundada, mostra que, para Calvino, em determinado aspecto
o homem ainda reflete a imagem de Deus, embora esta de forma
muito deformada, e que por reconhecer a imagem de Deus em
todos os homens, deve-se ser benevolente e amoroso com eles.
Para Calvino, o homem não perdeu a imagem e a semelhança de
Deus na queda, antes, houve a perversão e deturpação das mesmas,
pela corrupção do gênero humano e depravação de seu estado
natural.
A Bíblia diz que o homem é à imagem e semelhança de
Deus. A imagem de Deus não é um apêndice ou um anexo, ela é
real, intrínseca ao homem. Heman Bavink expressou de forma
correta essa verdade:
34 Retorno à Santidade

O homem não apenas traz ou possuí a imagem de Deus;


ele é a imagem de Deus. Da doutrina que o homem foi criado à
imagem de Deus decorre uma implicação óbvia de que esta imagem
estendeu-se ao homem como um todo. Nada no homem é excluído
da imagem de Deus. Todas as criaturas revelam traços de Deus,
mas somente o homem é a imagem de Deus. E ele é integralmente
essa imagem, no corpo e na alma, em todas as faculdades e poderes,
em todas as condições e relacionamentos (BAVINK, Herman,
1918, appud HOEKEMA, 1997).

Quando o homem foi originalmente constituído, ele podia


se inclinar para qualquer lado. O ato da escolha fica latente com
a figura da árvore do conhecimento do bem e do mal. Para
Agostinho, antes de pecar, o homem tinha liberdade para agir
com bondade, dispondo-se a servir a Deus com grande satisfação,
por isso afirma que a vontade é verdadeiramente livre quando
não é escrava de vícios e pecados; que dessa forma foi dada por
Deus aos homens, e tendo sido perdida pelo próprio erro, só pode
ser restaurada por meio dAquele que foi capaz de dá-la em
primeiro lugar.
O pecado faz a separação entre o homem e Deus, nesses
termos, o Deus Criador que livremente criou o homem imaculado
segundo Sua vontade, poderosamente tomou a iniciativa de libertá-
lo da impureza. A mente humana não pode discernir as coisas
espirituais sem a prévia iluminação do Espírito Santo, por isso, a
regeneração é necessária para libertar da escravidão do pecado.
Após a queda, o homem não deixou de ser humano, continuou
com sua essencial distinção: o homem continua tendo espírito e
razão. A queda não destruiu a humanidade natural do homem,
embora, por seu afastamento de Deus, os homens tenham
dificuldades em compreender as coisas celestes, ficando mais
claramente compreensíveis as terrenas.
A imagem de Deus não foi aniquilada, mas pervertida.
Permaneceram as habilidades do homem, e seus desígnios não
mais satisfazem a vontade de Deus, mas os desejos da carne, pois
não houve uma mudança estrutural no homem, contudo o seu
Reginâmio Bonifácio de Lima 35

modo de agir e o rumo de sua vida mudaram, pervertendo seu


relacionamento com Deus, com a natureza e com os outros
homens. A imagem subsistente de Deus está corrompida; Adão e
Eva fizeram uma auto-imagem maior que Deus, desobedecendo
a ordem clara de não comer da árvore do conhecimento do bem e
do mal, com esse ato, julgaram-se como maiores que Deus,
capazes de decidir por si mesmos quanto ao que era certo ou
errado.
Assim criou Deus homem e mulher e teve comunhão com
eles no jardim do Édem, até que a desobediência fizesse separação
entre Deus e os homens. Com isso não houve mais a possibilidade
de eles estarem juntos, o pecado humano separou os homens de
seu Deus.
Após comer do fruto proibido, ao invés de sentirem-se
iguais a Deus, Adão e Eva ficaram desapontados, o sentimento
de vergonha tomou conta deles por perceberem o erro que haviam
cometido, sentiram-se culpados do erro e, por isso, sentiram temor,
medo do que Deus poderia fazer, por isso, fugiram da
responsabilidade do erro e tentaram encobrir sua culpa. Deus
sentenciou a Adão, a Eva e a serpente.
Dizer que Adão é inexistente enquanto pessoa histórica,
dando-lhe apenas a semelhança e simbologia da transgressão, é
incoerente, uma vez que de algum lugar a raça humana foi gerada.
Ou ela veio de um homem primeiro, a Bíblia chama o homem
primeiro de Adão, ou ele veio de uma mutação, adaptação,
evolução, como se prefira tipificar. Desacreditar o ensino bíblico
de um homem primeiro, criado por Deus, é desacreditar o ato
criativo divino gerador da humanidade, assim, alguém que não
foi criado à imagem e semelhança de Deus, que não tenha
compartilhado do paraíso e da promessa nele proclamada, não
precisaria de salvação. Não se pode voltar para um lugar onde se
não esteve, nem retornar a algo de onde não se contactou.
Desacreditar a existência adâmica é negar o proto-evangelho, é
36 Retorno à Santidade

tentar tornar nula a promessa de um reencontro, porque não se


reencontra algo nunca encontrado antes. Em várias partes da Bíblia
há a comparação entre Adão e Cristo, e o Novo Testamento afirma
ser Jesus o Cristo.
É necessário compreender a existência de um homem
original, Adão, e de um pecado original, cometido por ele para
que se tenha conhecimento dos efeitos do pecado, dentre eles: a
culpa e a corrupção humana. Há dois pontos que necessitam ser
analisados para compreender a situação existencial humana. O
primeiro é que a Bíblia ensina ter havido um primeiro Adão e um
pecado original; o segundo é que somente pela compreensão da
condição natural do homem é que se pode entender a necessidade
de uma renovação efetuada pela redenção em Cristo.
A história dos homens não começou com o planeta
visitado por Jesus, antes, deu-se com o ato criativo contido em
Gênesis. Não foi apenas Jesus quem disse “façamos o homem à
nossa imagem e semelhança”, e sim, também o Pai e o Espírito
Santo, em um ato majestoso proferiram tais palavras. A história
do relacionamento cristão com Deus não pode ser alienada por
uma construção turva de pensamentos, sentimentos e reações
ocorridos a partir de uma visão dos evangelhos. Eles têm o seu
valor, mas toda Bíblia também o tem. O fato de alguém tentar
construir uma imagem e semelhança de Deus segundo apenas
um dos Testamentos reflete, de um lado, uma divindade inefável,
remota e inalcançável e de outro, um Messias que não salvou a
Si, uma incógnita no processo perpassado até o nascimento
virginal.
O pecado estendeu-se de Adão para toda a raça humana,
não por imitação como afirmam os pelagianos, mas pela derivação,
nas palavras do apóstolo Paulo: “Ele é quem vos deu a vida,
quando vós estáveis mortos em vossos delitos e pecados (...)
fazendo a vontade da carne, e dos pensamentos, éramos por
Reginâmio Bonifácio de Lima 37

natureza filhos da ira” – objetos da cólera divina (Efésios: 2.1 e


3). O mesmo apóstolo, em outras passagens bíblicas, afirma que
“todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Rm: 3.23.
Bíblia Corrigida), “porque o salário do pecado é a morte” (Rm:
6.23a), “portanto, os que estão na carne não podem agradar a
Deus” (Rm: 8.8).
Fica claro o caráter da natureza caída humana, havendo
uma comunhão com Deus apenas na redenção divina. Quanto à
nova vida debaixo da graça divina, segundo o Espírito de santidade
e adoção, é visível o fato de a graça de Deus estar intimamente
ligada com seu desígnio salvífico, daí derivar a vontade humana
de praticar boas obras, com o intuito de louvá-Lo ou, por
conseqüência de Seus feitos, o resultado da graça recebida.
Na pessoa de Jesus não está contido outro Deus, mas uma
outra forma de revelação do mesmo. Mesmo quando Paulo escreve
aos Romanos para que se considere a bondade e a severidade de
Deus, muitos preferem agir como se a severidade de Deus não
existisse. Tem sido criada no seio dos discípulos de Jesus a idéia
de um Deus amoroso, apaziguador, compassivo, manso; Ele é
tudo isso, mas também é justo, reto, o criador e sustentador de
toda a raça humana.
O homem caído inclina-se a Deus como resposta da graça
regenerativa, e a bondade de Deus o torna salvo, não por uma
compulsão, mas fruto de Sua natureza perfeita. Assim, quando
Deus proporciona o reconciliar entre Si e os homens, a vontade
humana é modificada na orientação dos ensinos de Cristo. O amor
a Deus sobre todas as coisas e o amor ao próximo não é uma
destruição da vontade pela regeneração, antes, a justificação
propiciada converte a disposição humana, orientando-a em direção
a Deus. É preciso entender que a espontaneidade do amor não
exclui a obediência, nem esta aquela. Obedecer não significa
necessariamente sujeição civil, antes, é um ato de amor a Deus e
à Sua palavra.
38 Retorno à Santidade

Só se pode regressar a alguém que se assistiu


pessoalmente, e que por escolha, dissuasão ou supressão deslocou-
se, ocasionando distanciamento. O homem foi feito à imagem e
semelhança de Deus, inclusive na santidade. O que difere a
santidade de Deus da humana é que nos homens ela é adquirida e
derivada de Deus, ou seja, a santidade não é necessária na criatura
enquanto separada do Criador. O homem foi criado santo e, no
entanto, deixou de ser santo; a santidade humana é finita e mesmo
após a redenção, será santo por causa da graça divina nele efetuada,
não por mérito próprio; enquanto Deus, mesmo separado da
criatura, é Santo em Si mesmo, substancialmente infinito e tendo
santidade inerente ao Seu ser.
A santidade é o grande atributo majestoso e moral de Deus,
embora não tenha a simples conotação de qualidade moral ou
ética. Do hebraico qadosh e do grego hagios, a palavra “santo”
significa cortar, separar, retirar do uso comum. No caso dos
sacerdotes, dos utensílios do templo; da conotação dada aos seres,
há relevante distinção entre os colocados para o serviço de Deus
e os demais; contudo, ao referir-se a Deus, a denotação aplicada
é a de estar separado da criação e transcendentemente elevado
acima da mesma. Sua santidade é plena, contudo, não se pode
enaltecer Sua transcendência em detrimento de Sua imanência.
Deus não é apenas santo, mas também justo, misericordioso,
amoroso, rico em graça, dentre vários atributos – Se houver ênfase
exagerada na transcendência, pode-se correr o risco de não
perceber o agir de Deus no decurso da história; ao ponto que ao
enfatizar a imanência divina, pode-se perder a noção de um
pessoal, por este estar profundamente um Deus pessoal, por este
estar profundamente envolto na história humana. Deus é santo
em Si mesmo, e não tendo ninguém maior por quem jurar, jura
por Sua própria santidade, todos os Seus atributos estão
intimamente ligados ao Seu santo ser, Sua obras e Suas leis, porque
Ele não se contamina com o mal.
Reginâmio Bonifácio de Lima 39

Quando Deus restaura o homem de seu estado degenerado


e corrupto, a imagem de Deus é renovada pela santificação. Não
há uma nova imagem a ser implantada no homem, antes, a
capacitação ao homem para voltar-se para Deus em
arrependimento, fé e o livramento da “escravidão da vontade”,
pelo processo redentor, liberta o justificado para fazer a vontade
de Deus – liberdade essa perdida com a queda. Deus, ao criar o
homem, o fez à Sua imagem e semelhança; o pecado o maculou,
degradando a relação com o Criador. Pelo agir realizador de Deus,
o homem é limpo, justificado e a imagem divina existente nos
seres humanos é restaurada na vida presente, ainda no corpo
corruptível. O julgo do pecado foi rompido e a plenitude de vida
a ser usufruída com Deus propiciou a libertação do pecado, pela
transformação outorgada por Deus, para um aperfeiçoamento
progressivamente renovado, por um genuíno aperfeiçoamento no
futuro escatológico, com o novo corpo incorruptível.
40 Retorno à Santidade
Reginâmio Bonifácio de Lima 41

A Fidelidade

Não é possível falar em fidelidade sem levar em


consideração a liberdade para tal. O homem precisa sentir-se livre
para ser fiel, mais que isso, a fidelidade ecoa espontaneamente
de seres livres, com propósitos definidos, embora esses não sejam
estáticos. Isso não torna a fidelidade e a liberdade terminantemente
ligadas por um elo aquém, mas a vontade de realizações as une,
ainda que em maior ou menor proporção, para a presteza dos
objetivos alçados. Daí dizer-se que os homens, em sua essência,
têm dentre seus atributos a vontade atuante de escolha acerca de
como utilizar a liberdade de ser fiel. Não se enseja um livre-arbítrio
ou um intransigente antropomorfismo, o que se busca é a essência
atuante da vontade humana em seus relacionamentos e escolhas.
Essa liberdade não pode ser pensada de modo
reducionista, cerceador de possibilidades, tampouco por
determinismos. Os caminhos da liberdade se manifestam nas
contradições entre o determinismo bio-antropo-social e o livre-
arbítrio. É fato latente a limitação humana por sua herança genética
e sujeição cultural. A construção de suas idéias, bem como a
constituição conceitual na psiké, estão intimamente ligadas à
tomada de consciência e implementos de princípios éticos na
própria vida, tendo como base o desenvolvimento em suas diversas
faces.
Portanto, pode-se dividir a liberdade em interior e
subjetiva, ou seja, uma liberdade mentalmente possível; e exterior
e objetiva, aquela materialmente possível, com possibilidade de
ação. A liberdade é uma espécie de autonomia dependente, porque,
sendo livre, prende-se a uma necessidade de transparecer
existencialmente. Nos humanos, aplica-se sujeitando os seres a
determinantes bioquímicos, físico-culturais e hereditário-sociais.
42 Retorno à Santidade

Assim, enquanto forma libertadora depende dialeticamente da


autonomia.
A influência cultural recebida por cada indivíduo
combinada com a hereditariedade biológica cria uma espécie de
sistema automático de impressões psico-sensoriais. A liberdade
consiste em romper as prisões existentes dentro do próprio ser –
sendo elas isoladoras das necessidades básicas, que levam o ser a
conflitos – podendo escolher o amor e a cooperação com o
próximo ou a submissão por não conseguir desenvolver-se
produtivamente, tendo como conseqüência o isolamento, a
violência e a fuga da realidade.
O ser livre, com pensamento elaborado, objetivos
traçados, ciente de suas potencialidades tem a chance de escolher
o que quiser, inclusive ser fiel. Não se trata de uma obrigação, e
sim, de entregar-se voluntariamente. A liberdade permite ao ser
consciente incluir em suas mensurações não dogmas ou padrões
constituídos, mas o projetar cognatos sensitivos e construções
sociabilizantes, inclusive a fidelidade.
A liberdade de ser fiel, tantas vezes envolta em seus
antinômios – sedução e traição – encontra-se no conjunto das
forças de vida como prosseguimento de afirmações e contradições
dos esforços humanos em transformar as traições do inconsciente
em fidelidade à razão e converter a sensibilidade seduzida em
raciocínio moral inculpado.
A fidelidade não abstrai-se em definições prontas, há toda
uma vertente por onde brotam possibilidades e implicações
postuladas de forma tangível, nem sempre eloqüentes, onde a
única certeza é sua não sistematicidade. A traição, tantas vezes
reclamada por Deus acerca da conduta de Seu povo escolhido, é
um caso fantástico do antagonismo à fidelidade; por outro lado,
alguns profetas israelenses acusam Deus de tê-los seduzido com
sua graça irresistível. Essa ligação conturbada tem como pórtico
não as relações vigentes entre ambos, e sim, um algo maior: o
Reginâmio Bonifácio de Lima 43

plano redentor divino. Dito isto, necessita-se traçar construções


não lineares, por vezes rompidas e reatadas para um acesso à
idéia proposta do conjunto das forças existentes na continuidade
do caminho em direção ao alvo a ser atingido.
A fidelidade não é objetiva, nem pode ser imposta como
se fosse uma segurança real, anunciando o fim do desejo. Ela
atravessa as muitas vias do desejo, perpassando pela traição e
sedução. Ao pensar a fidelidade, é interessante considerá-la um
valor, com suas provações, dificuldades e vínculos. Assim, a
confiança necessária para o seu fluir está intimamente ligada com
o ponto de equilíbrio na relação entre seres. A fidelidade não é
algo em si e para si, há a presença do relacionamento, tênue,
prazeroso, edificante e até atemorizador e separatista, como no
caso de Israel e seu Deus. O fato de o Criador ser plenamente
confiável levou Israel a uma pressão tremenda de cumprimento
para também ser fiel; a fidelidade perdeu seu sentido para tornar-
se obrigação e pesar. Por outro lado, a constante instabilidade em
ser fiel apresentada pelo povo eleito causou em Deus tristeza e
ira. Como conseqüência, ambos se afastaram. A fiabilidade mútua,
quando inexistente, permeia a fragilidade, tornando-se
insustentável.
Esses sobressaltos aplicam-se de forma antagônica, mas
não contraditória, na busca de fundamentos a algo que tem origem
ausente. Na relação dos fundamentos, estão amplamente
entrelaçados entre si numa evocação à vida. A plenitude almejada
declara amor consciente, seguido de uma entrega, por isso, a
necessidade de sentir-se fundamentado, pela confiança que se lhe
é atribuída. É mais que uma ligação, há uma certa suposição no
âmbito da aliança; a determinada fantasia escapa ao projeto
consciente, mesmo sendo necessária à construção de uma
identidade. Como, então, ser fiel a um Deus que tem fundamentos
não conhecidos? E a volição humana? Pela não existência dos
fundamentos últimos no relacionamento é preciso construir uma
44 Retorno à Santidade

identidade fundamentada em ambos. Não basta para isso afirmar


que o homem é feito à imagem e semelhança de Deus, nem querer
misturar o Santo com o pecador.
Por vezes, a única maneira de ser fiel à sua identidade é
romper consigo mesmo, não por mutações de vínculos ou
metamorfoses. O conjunto de atitudes pela reaproximação
encontra a origem do relacionamento no amor. O homem não
deixa de ser humano ao desposar a vida com Deus, e Este não
deixa de ser Deus ao planejar, executar o plano e morrer por
pecadores humanos.
A questão da fidelidade é apaixonante quando interpela o
diálogo entre Deus e Seu povo. Um Deus que revela-Se pouco a
pouco, num período de gerações, fundamentando a solidificação
ideária de origem; permitindo uma aproximação humana a longo
prazo. Vêem-se, nesse contexto, os conflitos desde o Édem, o
êxodo, a terra prometida, os exílios. Há o reconhecimento de
solicitudes, afronta e renúncia. Não são as soluções finais mais
importantes que o querer voluntário. Não se deve confundir
fidelidade com fanatismo, este necessita de um preenchimento
como início ou fim do ato faltoso, uma troca do ato digno de
repúdio por outro virtuoso que o substitua.
Não há como separar um erro da memória, a psiké humana
é construída também com erros. Esses desacertos ultrapassam a
lembrança, são marcas, ainda que deixadas para trás ou
esquecidas, continuam existentes, e direta ou indiretamente
contribuem para a construção do relacionamento. A inobservância
do processo vivido pode seduzir a uma fixação, invocando,
sobretudo, a eliminação do erro, só possível com uma ruptura da
vida ou dilaceração do amor. Assim, a fidelidade passa a ser
prisioneira de um amor tirânico e ameaçador. Absoluta fantasia
de uma carga emocional tirana e arrogante.
No outro extremo, a fidelidade não pode ser embasada
em permissividades postuladas por arquétipos de fiabilidades e
Reginâmio Bonifácio de Lima 45

confiabilidades, fundamentados no imaginário como coisas,


sensações e emoções a serem desfrutadas, numa liberação de fazer-
se ao outro, permitir-se o agravo e invocar em momento último o
perdão total, por práticas desconcertantes, causadoras de feridas
no outro, num relacionamento evasivo, produtor de traições e
contendas recíprocas; para, novamente, recomeçar com a certeza
de existir no final novamente uma solicitude.
Fidelidade a um sofrimento ou a um obcecado anseio,
não é um valor, porque tomados em si mesmos só causam mal, e
maldade não é uma virtude. Pelas intermitências propiciadas em
ambos não se pode requerer o sofisma de uma pretendida
redenção, por uma natureza que, em si mesma, não ocasiona
nenhuma bonança.
A fidelidade perpassa por caminhos onde logra a volição
por coisas tidas por virtuosas ou louváveis, porque fidelidade a
coisas estúpidas é uma estupidez maior. O fato de os apóstolos
serem fiéis a Jesus é altamente conceituado por qualquer pensador
de bom grado; que se diria, pois se esses mesmos apóstolos fossem
fiéis às suas sandálias? A fidelidade não é apenas livre, virtuosa,
deve dirigir-se apenas ao que vale. O valor de valer está
intimamente ligado com a razão de se fazer fiel. Não se trata de
ser fiel a qualquer coisa, um retroagir constante às memórias,
pelo rememorar constitutivo de uma obstinação fanática ao
passadismo. Talvez em sua falta de obstinação ou versatilidade é
que ela seja fiel. A fidelidade livre para sentir e querer está
parcialmente figurada no amor, não que todo amor seja fiel, mas
toda fidelidade é amante. Amante a si, amante de si, por si mesma
amante, sem egoísmo, ou tentativa de centralidade, porque quando
se é fiel, se é fiel a algo ou alguém. Daí dizer-se necessária
existência externa a ela para que se postule a fidelidade, bem
como os valores intrínsecos a ela.
A fidelidade e a compaixão são duas virtudes diferentes,
não devem ser confundidas, pois uma coisa é não fazer sofrer, e
outra coisa é não trair, isso é ser fiel. Ao se afirmar a fidelidade
46 Retorno à Santidade

ser uma virtude, faz-se necessário dizer que seu valor não se
compõe em si mesma, antes, a sua fundamentação está na
existência ou resistência a que se propõe. Ninguém diria que o
ressentimento é uma virtude, embora ele permaneça fiel à cólera
e à ira. Não se deve ser fiel a coisas ou circunstâncias que não são
valorativas para um aproveitamento de grandezas.
O ato de o ser não ter acesso ou dispor dos meios
necessários para cometer falta, pelo abrangente objetivo de
conservação do fiel, não configura fidelidade, e sim, precaução.
A sedução precisa estar presente, a alternativa do distanciamento
também; a sustentação de determinadas idéias, o caminho a ser
ou não desviado, a razão da percepção preserva a identidade do
ser fidedigno. A liberdade para aprisionar-se ou não, nesse fluxo
de potencialidades, manifesta-se a possibilidade de ser fiel, não
por uma obrigatoriedade nostálgica, mas por uma escolha.
Ainda assim, alguém pode indagar acerca de onde fica o
inconsciente nesse emaranhado de potencialidades. Bem, não há
necessidade de explicar como ele funciona, para tanto, autores
como Sigmund Freud, William James e Pierre Bordeau já o
fizeram; quanto a seu comportamento, vai além da intransigência,
da construção do superego, em contraposição ao id, sua
significância está em aprovar ou não o desabonado pela moral,
negar a constituição do real latente, ou ainda, afastar-se sem razão
aparente de algo ininteligível pela busca da sensação de reconforto
ou segurança emocional.
Dadas as bases para uma fidelidade livre e voluntária,
embora não se tenha a intenção de esgotar o assunto, será discutido
de forma mais aprofundada a relação entre Jeová e Israel. Não
tentando eternizar a existência judaica, pretendendo ser ela a
essência de toda a escolha referente à espécie humana ou tratar
Deus como um velho bonachão, fazendo dos homens seus
“brinquedinhos”. Falar de Israel por temporalidades impregnadas
de rupturas e suas complexas relações de homens para família,
Reginâmio Bonifácio de Lima 47

tribos, reinos, nação, faz-se uma tarefa memorável. Contudo, é o


vínculo particular da fidelidade que será abordado, tendo sempre
o Criador, Seus eleitos israelenses e cristãos como atores da
conjuntura apresentada.
Não se trata de expor muitas fidelidades, um antagonismo
conflituoso de adjetivos antônimos. A fidelidade pressupõe o ato
de pensar, aceitando os erros e acertos contidos na memória.
Assim, ocorre a reflexão a ser submetida ao pensamento do
essencialmente verdadeiro. Não é possível ser fiel a si se os
próprios pensamentos divergem da verdade em que se acredita,
A fidelidade ao verdadeiro é diferente de ter fé. A fé é acreditar
em algo que não se vê.
Ser fiel ao pensamento não é tornar-se dogmático,
intransigente em mudar de idéia, nem submetê-lo e trocá-lo por
algo que se não compreende. É sim, recusar-se a mudar sem que
tenha boas razões para isso. O devir constante de uma duração
cabal não deve ser posto como regra por uma pretensa invenção
da história do mundo que para ser verdadeira pressupõe memória
superior, sendo esta própria memória, Deus. Ele não é uma simples
memória, ou uma lembrança de fatos ocorridos, o Eterno tem em
Seu íntimo todas as qualidades de alguém que criou, capacitou e
ainda cuida. Não se cuida daquilo que se não lembra, nem antes
se executa planos esquecidos. A fidelidade ao pensamento é, antes,
em Deus, e, por Sua eterna onisciência, sempre atuante; no
homem, é a tentativa de um encontrar o que se lhe é presente, que
com o tempo se torna passado. Marcel Conche, ao estudar o
pensamento, afirma que todo ele correrá o risco de se perder se
não houver esforço para guardá-lo. Para ele, o pensar livre
necessita estar em concomitância com a memória, por não existir
pensamento sem memória e sem luta contra o esquecimento. Pelo
fato de o risco de esquecer ser grande, é necessário uma luta contra
a versatilidade frívola ou interessada do renegamento, da perfídia,
da inconstância. A fidelidade não é contra o esquecimento, mas
48 Retorno à Santidade

se opõe a ele. Porque primeiro se trai o que se lembra e depois se


trai o que se esqueceu, por conseguinte, se esquece do que se
traiu. Uma constante interposição do racional com a memória, a
lembrança e o reconstruir constante do não esquecimento, pelo
rememorar. Não basta lembrar, é preciso querer lembrar, a
fidelidade é o ato virtuoso dessa volição.
A questão é ligada mais ao motivo da lembrança que à
lembrança em si. Porque o fato de lembrar não necessariamente
ocasiona uma permanência na forma de pensar. A necessidade de
manter o pensamento vivo de nada serviria se não se tivesse em
mente o querer permanecer, sem mudar, por uma conservação
viva da concepção das experiências vividas. O pensamento
humano, após a separação, foi criando com o passar do tempo a
sensação de um abismo maior entre a criatura e o Criador. Nisto,
precisou o Criador uma forma de reaproximar-Se, como havia
prometido no proto-evangelho, para tanto, escolheu um povo e
deu-lhe um código de conduta a ser cumprido para consigo e
com o próximo. Esse era o código moral, atemporal que serviria
como acessório para o reencontro. Contudo, os homens
transformaram-no em dogmas, postos não como acesso, mas como
restrição ao encontro. Ele serviria para nortear as condutas e foi
transformado em prisão. Se há uma lei que aprisiona, seria
impossível a fidelidade a Deus, uma vez que novamente se
encontrava distante. Uma fidelidade à lei não é fidelidade, é
imposição, um dever subordinativo.
A relevância dada por alguns teólogos e cientistas sobre a
conduta moral de Israel é, no mínimo, aprisionante. Uma
sistematização de atributos primeiros, tergiversantes com
ritualismo talmúdico, fazem transparecer mais uma idéia de
escravidão que de liberdade. Israel nunca foi escravo de Deus,
ele viveu sim uma escravidão moral religiosa implementada por
seus líderes e representantes. Tampouco, Deus obrigou a esses
escolhidos tornaram-se escravos fiéis, portanto, dois pontos
Reginâmio Bonifácio de Lima 49

precisam ser destacados. O primeiro é que nenhum escravo pode


ser fiel, ele não é livre para escolher, não tem a liberdade de tomar
decisão contrária à do seu possuidor. Segundo, mesmo que o
escravo o ame e sirva com presteza, esse amor, em última
instância, é caracterizado como uma forma de extrema obediência.
A conduta moral agressiva à liberdade deve ser repensada
por não condizer, tampouco conservar a fé, a lealdade e a
fidelidade. A lealdade é uma escolha objetivada mediante
compromisso implementado, a fé é um estado de espírito, de
crença sensitível e espiritual, enquanto a fidelidade caracteriza
um comportamento. A moral é válida e importante enquanto
conseqüência de um fundamento primeiro, podendo, então,
fundamentar outros valores. O que não se pode é colocar a moral
como fundamento primeiro da ligação com Deus, fazê-la imposta
e requerer bom grado para com esta que se tornou algoz.
A fidelidade é a base de toda a moral, se for levado em
conta a moral ser a fidelidade às leis e ao modo de vida sócio-
cultural estabelecido, ela torna-se contra a derrocada de valores
estabelecidos, para que ela mesma não seja derrubada. A fidelidade
está intimamente ligada com a verdade. Quando se é fiel, busca-
se ser fiel àquilo considerado como verdadeiro, e mesmo com o
passar do tempo, a lembrança do pensamento verdadeiro permeia
o cerne, causando uma fidelidade à memória das experiências
vividas, da verdade pensada, enquanto concepção polida. Em
sentido estrito, nem a moral nem o amor estão presos por princípio;
cabe a cada um escolher, de acordo com sua força ou com suas
fraquezas. A fidelidade não é exclusivista; enquanto aprisionante,
se entristece o fiel, causando aflição e sofrimento, não é essencial.
Porque não se é fiel preso a preceitos e vicissitudes, nem por um
juramento pesaroso. A fidelidade necessita da condição duradoura
da memória e da vontade, num misto de gratidão e confiança,
partilhando o amor conservado ao que aconteceu, sem exigências
ou encargos.
50 Retorno à Santidade

O fundamento moral tanto liberta quanto aprisiona.


Liberta por dar regras a serem seguidas, caminhos a serem
percorridos sem deslizes ou rupturas, não há como culpar por
uma violação precedente a um posicionamento contrário. E
aprisiona porque o descumprimento causa agravo à parte
transgressora, cabendo a esta a devida punição com justiça
motivada para que não mais haja descumprimento, e à outra agir
em defesa de seus direitos. A fidelidade precisa ser voluntária em
amor, por uma vontade livre e permitente fundamentada na
soberania divina. Não sendo instaurada por juramento, vitimando
ao aprisionamento o ser juramentista, relegando-o à solidão do
estar por precisar e não pelo querer. A fidelidade é uma virtude
que não deve ser suprimida ou inconseqüente, nem mesmo pelas
inconstâncias multiformes do desejo.
A primeira vez na Bíblia que Israel é chamada de povo
está contida nas palavras de Deus a Moisés: “Certamente vi a
aflição do meu povo, que está no Egito e ouvi (...) pois o clamor
dos filhos de Israel chegou até mim, e também vejo a opressão
com que os egípcios os estão oprimindo. Vem, agora, eu te enviarei
a Faraó, para que tire o meu povo, os filhos de Israel, do Egito”
(Ex: 3.7, 9 e 10). É interessante lembrar o fato de o povo estar
cativo, como escravo no Egito. A liberdade ocorre quando o Eu
Sou resolve retirá-lo de lá. Não há uma fuga do Egito, com
prisioneiros rebelados escapando do julgo de Faraó. A providência
divina age para fazer Faraó libertar Israel. Há liberação, por uma
liberdade dada a esse povo. Essa liberdade não é apenas política,
moral ou social, ela é também religiosa. Não há cadeias a
aprisioná-lo, o povo pode escolher tomar atitude. A fidelidade de
Deus é inseparável de Sua veracidade, ambas estão entre os
atributos intelectuais morais de Deus.
Portanto, Deus escolhe a Israel, mas essa escolha não é
unilateral. O povo livre pode escolher pactuar com Deus para sua
graça ou ficar a mercê das nações. Israel escolheu pactuar com
Reginâmio Bonifácio de Lima 51

Deus, nesse pacto ambos tinham determinada conduta a seguir:


Deus deveria cuidar de Israel enquanto Seu povo seguisse Seus
preceitos, e o povo deveria seguir os preceitos de Deus enquanto
Este fosse fiel. Há algo nessa questão que, muitas vezes, passa
desapercebido: Deus não prometeu ser fiel a Israel, e sim, a seu
propósito de eleição redentora. Deus escolheu salvar a muitos,
tendo Israel como testemunha de Seu propósito, posto que ambos
queriam. O povo, temendo a majestade dAquele que destruiu os
exércitos de seu opressor – portanto, mais fortes eram os egípcios
e tombaram ante o Altíssimo – acampou-se aos pés do monte
Horebe, também chamado de Sinai, enquanto Moisés subiu o
monte. O povo poderia ter partido, ter saído, contudo, sentiam
haver proteção, segurança na presença de Eu Sou, por isso ficaram.
Não houve imposição de nenhuma das partes; Deus chamou
Moisés e disse:

Assim falarás à casa de jacó e anunciarás aos filhos de


Israel: Tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre
asas de águia e vos chegeui a mim. Agora, pois, se diligentemente
ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis
a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda
a terra é minha; vos me sereis reino de sacerdotes e nação santa
(Ex: 19.3 a 6).

Há uma proposta feita por Deus ao que Israel afirma:


“Tudo o que o Senhor disser faremos”. Há uma entrega, o povo
livre escolhe seguir os princípios divinos, aceitando a escolha.
Não cabe aqui dizer se a aceitação se deu por uma vontade
permissiva de Deus, graça irresistível ou vocação eficaz; o que
precisa ficar claro é o fato de Israel não ter o livre arbítrio, como
tinha Adão, não pode escolher a seu bel-prazer voltar para Deus,
nem barganhar. Pode aceitar a oferta de uma nova chance em
busca da aliança perdida ou continuar separado. Novamente há a
necessidade de expressar a natureza da escolha.
52 Retorno à Santidade

Ao estudar a eleição de Israel está clara a escolha feita


por Deus, mas também Israel quis, como povo livre, seguir Aquele
que o libertou. É complicado dizer, como alguns estudiosos fazem,
que Israel era livre para servir. Não, Israel era livre para servir ou
deixar de servir; a escolha tinha duas opções, uma delas anularia
a outra. Israel escolheu seguir a Deus, conseqüentemente, servir
de testemunha da soberania, graça e misericórdia do Criador às
outras nações.
Deus prepara a aliança a ser feita e a manifesta nos dez
mandamentos formadores da matriz da Torah. Não é uma lei
injusta, errante ou humilhante para o povo. O Senhor a põe como
sustentação para o convívio pleno do homem para com Deus e
para com seus semelhantes. A aliança feita não é imposta ou caída
do céu, o povo escolhido aceita que seu líder volte ao monte
Horebe para a receber e fica esperando. Quanto a Deus, não envia
um anjo ou uma legião, Ele mesmo desceu sobre o cume do monte
para pactuar. Assim foram entregues os dez mandamentos,
elevando a liberdade ao nível de axioma: “Eu sou o Senhor teu
Deus, que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão. [E por
isso] não terás outros deuses diante de mim” (Ex: 20.2 e 3).
Não é um contrato de servidão, a aliança feita constrói o
pleno sentido da fidelidade de Deus para com Israel, em não
desampará-lo e a fidelidade última se manifesta pela renovação
da aliança. As lutas e aflições viriam, as tentações estariam à frente,
do contrário, não haveria motivo para Deus admoestar, dizendo:
“Não terás outros deuses (...) honra teu pai e tua mãe (...) não
furtarás (...)”. Israel sabia precisar enfrentar as dificuldades, e
assim o fez.
O arrependimento de Israel pode ser visto em duas
distintas situações: caso o povo se revelasse capaz de retornar
espontaneamente a seu compromisso inicial, a transgressão da
aliança não seria punida – nesse ponto, vê-se a atuação de Deus
comprovando sua própria fidelidade –; ou o povo não retorna
Reginâmio Bonifácio de Lima 53

diretamente o respeito à aliança, concluindo por seu


arrependimento ser dado no exílio, onde demonstra em paralelo
à inanidade de outros deuses, além de fazê-los perceber a vaidade
e corrupção de suas relações adúlteras. Então, são perceptíveis
os vários nomes recebidos pelo povo de Deus, nomes a simbolizar
situações e realizações históricas. É chamado Israel quando luta
e supera, e quando revela-se capaz da constância que manifesta
sua fidelidade, Yechurum.
Moisés cria na aliança, ele sabia que Deus se revela,
mostra-se amoroso, gracioso e rico em misericórdias, por isso,
cria na necessidade do cumprimento da aliança. A aliança não
era uma prisão, uma forma de escravizar, mas o elo de uma
reciprocidade positiva. Não há uma lógica para compreender
porque Deus escolheu aquele povo, poderia ter escolhido qualquer
outro, contudo, elegeu a Israel pelo beneplácito de Sua vontade.
A aliança é esse elo posto onde ambas as partes escolheram aceitar.
O fato de Israel pactuar com Deus e depois cultuar a deuses
cananeus não implica um rompimento do pacto, mas uma
deformação do que antes fora tratado como liberdade: o culto, a
idolatria, o descumprimento do pacto da aliança dão a Israel não
o sentido de liberdade para agir, mas o de descumprimento de
suas responsabilidades.
A pergunta feita por muitos é: Por que Israel é fiel? Podem
ser feitas muitas analogias, rebuscamentos teológicos e
antropológicos, sendo a resposta prática: Israel é fiel à fidelidade
de Deus, não à Torah ou à moral judaica. Ele sabe ser Deus o
Criador, o mesmo que fez alianças nos céus com regras que ele
nunca quebra: o dia sempre sucede a noite; o ar é dado a todos; o
Deus que não trai seus pactos não trairia a aliança feita com o seu
povo. Nisso, Israel preferiu uma sobrevivência espiritual em
detrimento de uma existência pessoal física. A experiência
histórica tem demonstrado Israel importar-se mais com uma vida
espiritual que com uma vida terrena. Israel nunca se encontrou
54 Retorno à Santidade

num vazio religioso ou de assepsia teológica. Sempre existiu


alguém fiel aos preceitos divinos contidos na aliança.
Não foi fácil permanecer na aliança, os povos vizinhos,
os exílios, as circunstâncias advindas de conflitos internos fizeram
Israel precisar escolher entre a vida com Deus ou sem Ele. Escolher
a vida sem Deus não implica fulminante morte, pois não havia
antes uma aliança com esse povo; representava a escolha de viver
sem a vida eterna de Deus, ou seja, a perdição. Escolher a vida
com Deus não foi apenas resplendoroso, era necessário ser
testemunha e bênção a todas as outras nações.
Israel não se constitui em etnia como as outras nações,
não foi uma civilização no sentido clássico do termo, conforme
expresso na introdução, porque se assim o fosse, as diversas
tentativas de etnocídio e os aprisionamentos como o egípcio, o
de Assuero e o de Ciro, a teriam vencido. A alteridade de Israel
motivou a sua fidelidade. Um povo especial aguardando seu
Messias, cumprindo através de renovações e arrependimento, a
aliança feita com Deus.
A fidelidade perpassa não apenas por uma liberdade
simplista de uma escolha puramente espontânea. A sensibilidade,
as emoções, os conflitos e tensões em grande medida dão sentido
a essa conduta por vezes arrogante, moral ou inconsciente. A
vontade humana em tornar um ao outro ponto de sua percepção
inteligível traz à tona a necessidade de escolha em paralelo com
a vontade de fazê-la.
A liberdade verdadeira consiste em ser o homem
transformado em nova criatura e poder usufruir a nova vida em
Cristo. No tempo presente, Cristo propicia liberdade genuína,
embora ela não seja completa ainda. Não há necessidade do
aperfeiçoamento dessa liberdade, pois, mesmo tendo o homem
sido regenerado e retirado o jugo do pecado, ele continua pecador
e sua velha natureza permanece existente, assim como a nova
natureza, outorgada pelo Espírito de Deus. A liberdade precisa
Reginâmio Bonifácio de Lima 55

ser exercitada com responsabilidade, o poder de fazer escolhas


está intimamente ligado às responsabilidades advindas das
escolhas feitas. Deus libertou da escravidão do pecado, mas é
tarefa humana viver como seres livres: “Agora, cuidem de
permanecer livres, e não fiquem novamente presos pelas cadeias
da escravidão” (Gl: 5.1. N. T. Vivo). Não se trata de ser compelido
pelo temor da punição ou perdição eterna, mas o impelir pela
gratidão e satisfação em servir a Deus. Quanto mais livre se achar
o homem para servir em amor e exercitar o amor, que é o
cumprimento da lei, mais se assemelha a Deus, que é amor.

A verdadeira liberdade, portanto, não é contrária à lei...


nem mesmo no mundo natural existe liberdade sem restrições.
Um peixe tem a liberdade de nadar, mas apenas enquanto
permanece dentro da água. Um violinista é livre para apresentar
suaves melodias e glamurosas cadências somente se tem o domínio
e a destreza necessários para isso. Só depois de dominar a técnica
vocal um cantor é livre para inspirar audiências. Toda boa música
é uma espécie de casamento em que lealdade às leis da composição
se une à liberdade de expressão... concluímos que guardar as leis
de Deus com gratidão, como filhos e filhas e não como servos, é o
caminho da verdadeira liberdade (HOEKEMA, 1998, p. 265 e
266).

A vontade livre do homem não se contradiz com a vontade


soberana de Deus. O que é preciso deixar claro é até onde vai a
liberdade humana – uma vez comentada, sem perspectiva de
esgotamento, como se dava a vontade adâmica. Assim, o
relacionamento homem e Deus passa de uma liberdade assistida
no paraíso para uma liberdade tirânica, enquanto sem propósito,
fundamentada apenas na visão do homem pelo homem, tentando
excluir ou equiparar-se a Deus; passando, em seguida, por uma
vontade de buscar suprimento de seus anseios, é claro que o
56 Retorno à Santidade

homem por si só não é capaz de buscar a Deus, mas também não


pode ir ao outro extremo a afirmar Deus seduzir ao homem, porque
isso não seria liberdade, como já foi comentado; o próximo passo
é uma liberdade de estar com Deus por vontade, tendo essa última
nascido a partir da graça divina, voltando novamente à liberdade
assistida, onde o pacto constituído não se torna um pesar, mas
deleite, sendo posicionado mais um alicerce da fidelidade.
O caminho da verdadeira realização não vem pelo receber,
mas pelo entregar-se voluntário. Uma vida de isolamento não
necessariamente implica uma atitude fiel. A fidelidade está contida
em todas as partes de um relacionamento teocêntrico, o fato de
ela ser ou não atuante está intimamente ligado com o propósito e
a vida espiritual dos seres envolvidos. Deus fez o homem para
estar em comunhão com o próximo, foi assim desde o Édem. O
que parece ter caído no esquecimento foi o propósito do relacionar-
se. Deus fez-Se homem, e na pessoa do Cristo mostrou humildade
ao servir, lavando os pés dos discípulos, sendo Ele mesmo o
cabeça. Todos os Seus seguidores fazem parte do corpo visível
de Seus discípulos, como partícipes interdependentes. Logo, sendo
membros, os homens precisam relacionar-se uns com os outros,
como células corpóreas. O que difere as células atuantes nos
membros de um corpo é essencialmente o fato de as células sadias
doarem-se espontaneamente para servir, enquanto as células
tornadas cancerosas têm como princípio fundamental o ser
servido.
Jesus foi fiel aos planos de redenção, teve total liberdade
para desistir, deixando os homens com seus pecados para tentarem
expiar a si mesmos. Ele poderia ter feito, contudo, preferiu ser
fiel à Sua promessa, sendo livre, permitiu-Se aprisionar, humilhar
e morrer por amor a muitos. Aquele que Se fez carne, morreu,
esteve no lugar de descanso dos mortos, voltou à vida ao terceiro
dia. Esse amor incompreensível deu livre acesso ao Pai,
novamente é possível adorar, sentir, entoar louvores sem medo,
porque Cristo ressuscitou.
Reginâmio Bonifácio de Lima 57

A fidelidade de tudo que o homem faz está em Deus, Ele


é fiel e toda a Palavra remonta a isso. Ser fiel faz parte do caráter
de Deus. Após a queda do homem no Édem, houve um
distanciamento entre criatura e Criador, e, geração após geração,
a herança do pecado trouxe prejuízos morais e espirituais que se
constituem em verdadeiros obstáculos à fidelidade do homem,
tanto em suas relações com outros homens, quanto em relação a
Deus. Como tratar, pois, de um tema tão controvertido se o próprio
homem não tiver em sua essência a característica da fidelidade?
Compreender como pode um pecador ser fiel a Deus vai
muito além de uma mera análise comportamental do homem.
Muitas vezes, é sobremaneira decepcionante a relação com o
semelhante. Sendo a questão da fidelidade de difícil compreensão
nas próprias relações humanas, não há como tratá-la em relação a
Deus se não a considerar como fruto da graça divina.
Muitos homens confiaram uns nos outros e quedaram-se
sem esperanças, frustrados com as alianças da terra. A Bíblia
afirma: “maldito o homem que confia no homem e faz da carne o
seu braço” (Jr: 17.5). Ao contrário do que parece, o texto acima
não é uma recomendação a que se perca a fé nos homens, antes, é
uma forma de despertamento para que se coloque a vida e todo o
ser nas mãos de Deus. Todos são passíveis de erros, pode-se cair,
magoar, ferir; mas Deus é fiel. Ele provê todos os meios para
revelar a Sua graça, trabalhando a vida dos Seus, a fim de que
possam chegar à estatura perfeita em Cristo.
Uma vez reconciliado com Deus, o homem continuará
sendo homem, com todas as imperfeições advindas com a queda.
Sua fidelidade a Deus não se dá no nível que Deus a possui,
tampouco consiste em guardar irrepreensivelmente todos os
mandamentos, sem falhar em um sequer. Pelo contrário, o homem
tido como fiel a Deus reconhece sua falibilidade, sua incapacidade
de agradá-Lo em si mesmo. Ele reconhece a grandeza e a glória
de Deus, anelando em amor ter uma perfeita união com seu
Criador.
58 Retorno à Santidade

Responder ao amor de Deus por meio de suas atitudes,


traz ao homem, não apenas satisfação interior, mas também o
habilita a desfrutar na vida presente das bênçãos que o Pai reservou
a Seus filhos. A vida abundante prometida por Cristo não se
resume a uma perspectiva futura. Se não é possível viver a vida
em Deus, no presente, como, pois, será possível esperar vivê-la
na eternidade? O homem que se propõe a viver em fidelidade a
Deus deve considerar que sua relação com o próximo no tempo
presente deve ser reflexo do amor de Cristo em sua vida.
Por mais bem intencionado que alguém seja, não pode
por seus próprios méritos ser fiel a Deus. A fidelidade só aporta
no coração humano mediante a graça transformadora que há em
Cristo. O sacrifício de Jesus no Calvário reconciliou o homem
com Deus, de sorte que, por mais que traga consigo a herança do
pecado, através de Cristo, pode desfrutar de vida abundante no
presente. “Mas todas as coisas provêm de Deus, que nos
reconciliou consigo mesmo por Cristo, e nos confiou o ministério
da reconciliação” (2 Co: 5.18). Assim, mesmo tendo perdido a
comunhão com Deus pela queda, o homem pode tê-la novamente
reatada, sendo capaz de demonstrar fidelidade a Deus.
A segurança de ter um Deus fiel impulsiona o homem a
buscar viver em comunhão com o Pai. Essa busca é fruto de um
anelo pela presença de Deus. Não se trata de vistar Deus como
remédio para todos os problemas, ou um Deus submisso às
vontades humanas. Anelar a presença de Deus significa a
necessidade mais básica do homem. Sem o homem, Deus continua
sendo Deus; sem Deus, não há razão ou sentido para o viver do
homem.
Quem almeja ser fiel a Deus não está isento de passar por
tentações e adversidades, mas o amor de Deus flui em seu coração,
renovando e capacitando a também demonstrar amor a Ele através
de suas atitudes. A fidelidade humana é fundada no amor e na
dependência a seu Criador. O demonstrar fidelidade e amor se
Reginâmio Bonifácio de Lima 59

revela em pequenos atos de grandes efeitos, como a oração. Mais


que mera repetição de palavras, a oração é o elo, através do qual
o homem reconhece a soberania divina e busca conhecer e ver
cumprida em sua vida a vontade de Deus. Ao orar, o homem
desfruta de um relacionamento mais íntimo com o Pai, honrando-
O e louvando-O como soberano em sua vida.
Uma outra forma de demonstrar fidelidade é através da
leitura da Bíblia, tendo prazer na lei do SENHOR. A leitura da
Palavra estimula a fé e esperança, a fim de que não se desfaleça
frente às lutas do cotidiano. De nada valeria adquirir conhecimento
da Palavra de Deus se não for colocado em prática. A chave para
uma vida em fidelidade a Deus está na obediência à Sua vontade.
Não há como ser fiel se não houver confiança nEle acima de
todas as coisas, amando-O e colocando-O acima de todos os
planos, tendo a firme convicção que “tudo coopera para o bem
daqueles que amam a Deus” (Rm: 8.28). Assim, se a confiança
em Deus não se der no todo, havendo restrição em determinada
área, algo estará errado. Não há como contar com Ele em algumas
coisas e excluí-Lo de outras.
Não se trata apenas de esperar que Deus faça tudo porque
Ele é fiel. Não basta confiar na fidelidade de Deus, é necessário
responder ao Deus fiel. É certo que nem sempre se conseguirá
agradá-Lo, porque o homem continua pecador. Mas, em Cristo,
há a certeza do livre acesso ao Pai. Como afirma Timóteo: “Se
formos infiéis, Ele permanece fiel; porque não pode negar-se a si
mesmo” (2 Tm: 2.13). Ele é fiel em Sua essência; deve-se,
portanto, reconhecê-Lo em tudo que se fizer, reconhecer a
falibilidade humana e, ao cair, achegar-se a Ele, na certeza de que
é fiel e justo para perdoar e restaurar a comunhão.
A Bíblia é clara: “Sê fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da
vida” (Ap: 2.10). Deve-se ser fiel até as últimas conseqüências,
mesmo que isso represente abdicar de algo de que se gosta muito,
mas que não seja digno de Cristo. Cristo sabia onde chegaria
60 Retorno à Santidade

amando os Seus: “Sabendo Jesus que era chegada a sua hora de


passar deste mundo para o Pai, e havendo amado os Seus que
estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo: 13.1). O amor e a
fidelidade de Deus são fundados na ciência divina. Os discípulos
não sabiam até onde podiam ir amando a Cristo, entretanto, isso
não os impediu de serem fiéis a Cristo.
A comunhão que se estabelece entre o homem e Deus,
por Cristo, faz o homem desejar compartilhar com o próximo as
bênçãos do amor de Deus. Testemunhar as maravilhas do Senhor
pressupõe uma experiência real com Jesus. Não apenas palavras,
o testemunho de quem é alcançado pela mão de Deus deve ser
sua própria vida, confirmando a obra da salvação de maneira
completa.
Essa é a realidade que deveria estar presente na vida de
todos os que escolheram segir a Deus, mas o que se tem visto é
um desapego às coisas espirituais, um atrelar-se ao mundanismo,
pela prática concupiscente de valorações duvidosas, embasadas
numa moral separatista. Muitos cristãos têm escolhido ser fiéis a
Deus e depois corrompem a aliança produzida. Não há uma
quebra, uma ruptura, mas um sujar por profanação o que é sagrado
por pactuação voluntária. Nem por isso Deus deixa de ser soberano
ou agir em amor e justiça, quem sai perdendo é quem violou a
formação aliançada.
Como conseqüência do desapego humano à obra divina,
há uma insatisfação generalizada no meio do povo escolhido.
Muitas teses, modismos, manuais de conduta ensejam formular
propostas para uma readequação das doutrinas e fundamentação
teórico-metodológica condizentes à prática religiosa dos cristãos.
A facilidade encontrada pelos homens para afastar-se de Deus
demonstra o negligente caráter humano, como o estado de
perplexidade e instabilidade que há alguns séculos assola o meio
cristão como forma de justificar ações propostas e pecados
cometidos. A prática da santidade, a vida congregacional, o culto
Reginâmio Bonifácio de Lima 61

doméstico, o ensino e o evangelismo parecem relegados a um


segundo plano, como se o reino de Deus, proclamado pelo
Messias, iniciasse apenas na glória eterna.
O problema tem raízes mais profundas do que muitos
admitem. Não basta enumerar pontos divergentes e formalizar
práticas exegéticas. Não é uma simples questão de hermenêutica.
Ao longo dos séculos, foi-se construindo uma cadeia de
pensamento, onde a inversão de valores foi aprofundada pela troca
da antropopatia por uma teosofia, não mais sendo atribuídas a
Deus características humanas para uma melhor compreensão do
Soberano, presentemente dando princípios universais de sabedoria
ao homem, tornando-o mais divinizado. É a tentativa de tornar o
Criador menos importante que a criatura.
Esse enfoque traz à tona o fato de o ser humano afastar-
se do Criador. O plano de redenção já foi posto em prática, o
Messias, quando vier novamente, agirá como juiz. A religiosidade
vivida por alguns lembra os ritos egípcios, ou ainda, o templo de
Jerusalém no tempo de Jesus. Há uma barganha do evangelho,
uma tentativa de ajudar o homem com uma mensagem de conforto,
satisfação, há uma limitação, um fazer sentir-se bem. O homem
foi centralizado e tudo, inclusive Deus, está a seu dispor.
A Bíblia ensina diferente, o evangelho de Jesus Cristo,
escrito por Mateus, Marcos, Lucas e João, não fala de um Jesus
serviçal, antes, trata de um Jesus humilde e amoroso. O produto
por muitos utilizado como substitutivo para essa verdade atende
apenas parcial e momentaneamente aos anseios humanos. O
homem precisa ser fiel a Deus, Deus tem que estar no centro,
essa é a mensagem da salvação. Uma fidelidade espontânea de
corações contristados e pensamentos introspectos em sua vontade.
O verdadeiro evangelho mostra o fim principal do homem,
segundo Westminster: glorificar a Deus e gozá- lo para sempre.
A proclamação da soberania divina é mostrada, em sua amplitude,
através de sua misericórdia e julgamento.
62 Retorno à Santidade

O homem não é obrigado a ser fiel, mas é convidado para


tal. Ele, espontaneamente, deve buscar uma relação mais concreta
com o Criador. A fidelidade de Deus não é garantia de que se
esteja livre de toda e qualquer tribulação, antes, as tentações virão
tanto para fiéis quanto para infiéis. A diferença está no fato de
que quem almeja ser fiel, ainda que veja sua fé vacilar, clamará
por socorro a Deus, e Ele, em tempo oportuno, o atenderá.
Deus sempre foi, é, e será o centro, não importam as
distorções provenientes de um prisma antropocêntrico. O objetivo
da prática de ensino e instrução nos escritos canônicos é ensinar
os homens a adorar a Deus, porque dEle depende o homem para
todo o bem, seja em natureza ou em graça. A Bíblia não deve,
nem pode ser usada como serviçal do homem. A ênfase da
proclamação do livre acesso ao Pai deve estar não nas obras dos
homens, mas na graça de Cristo, pela misericórdia divina. Isso é
fidelidade, pura e simples.
Reginâmio Bonifácio de Lima 63

Nos Braços do Pai

Deus busca Seus eleitos com o intuito de redimi-los. Ele


é e sempre será adorado de verdade por aqueles que
verdadeiramente Lhe pertencem. Deus não vive numa busca
desenfreada por qualquer tipo de adorador que O adore de qualquer
maneira.
Os dias atuais testemunham uma geração cristã vitimada
por doutrinas alheias ao evangelho, tantas entusiásticas reuniões,
muitas antibíblicas, solenidades e modismos que apresentam
conceitos errados sobre a vida cristã. Em grande medida, essa
geração enganada tem vivido rodeada de tão baixo padrão moral,
que o simples fato de usufruir um padrão ético diferenciado é
visto como algo pleno em si, isso quando é vivido. Muitos cristãos
estão moribundos, fracos espiritualmente, em estado de letargia,
pelo fato de não buscarem as coisas melhores que acompanham a
salvação. O homem é a imagem e semelhança de Deus, por
conseguinte, após ser salvo pode e deve usufruir de uma vida
plena nEle. Não se está fazendo analogismo à teologia da
prosperidade, apenas falando de vida em Deus. Ele não salva
escatologicamente, a salvação é real e presente. O morrer em
Cristo e ser crucificado com Ele, deve ser acompanhado do desejo
de crescer espiritualmente.
Há conceitos que são basilares para a compreensão da
mensagem de Jesus Cristo: o conceito do reino de Deus, o do
arrependimento, o da fé e o do significado da salvação expressa
nos Testamentos. Esse reino foi preparado desde a eternidade, o
evangelho está posto, anunciando as Boas Novas a todas as nações;
Jesus encoraja ao arrependimento e à confiança absoluta e
exclusiva. O Reino de Deus é Deus reinando sobre todas as coisas,
a Sua soberania é eterna, ninguém pode medir ou comparar. Deus
está no controle.
64 Retorno à Santidade

Contra aqueles que dizem que o mundo pertence a


Satanás ou às forças do mal o próprio Deus anuncia: ‘O mundo é
meu e quanto nele se contém’ (Salmo 50:12). Ele o criou e o sustém
pelo seu poder. Mesmo no estado atual de rebeldia em que o
mundo se encontra, a sua graça comum traz o bem do mal e
restringe a maldade humana. ‘Ele faz nascer o Sol sobre maus e
bons e vir chuva sobre justos e injustos’ (Mateus 5:45), sendo isto
que nos conduz a imitar a generosidade de Deus para com os
incrédulos (HORTON, 1998, p. 175).
A palavra grega usada para arrependimento é metanóia,
que literalmente significa “mudança de mentalidade”. E isso não
é fácil, como, às vezes, se pensa. Porque para os homens, na
verdade, não pode haver reino de Deus sem quebrantamento de
coração, ou seja, o governo de Deus se faz no coração arrependido.
Esse é um dos conceitos centrais do arrependimento. Mas
arrepender-se de quê? Não se pode, em momento algum, perder
de vista o real significado do pecado. É ele que faz separação
entre os homens e Deus, por isso, é preciso ter em mente a
santidade de Deus, que em Sua glória e majestade proporcionou
a salvação a Seus amados.
A vida cristã não é um compêndio de bênçãos e vitórias,
é a certeza do cuidar divino, de que o Espírito intercede, que
Cristo pagou o preço. A vida prática precisa ser a demonstração
natural de que Cristo fez, faz e continuará fazendo a diferença. A
vida eterna começa aqui e agora, o ato de cultuar, adorar e louvar
a Deus demonstra o amor sentido pela dádiva salvífica. O cristão
precisa compreender melhor o desenvolvimento de sua salvação
para poder sentir-se nos braços do Pai e tornar-se maduro na fé.
É preciso fazer a diferença, inconformar-se com o mundo
corrompido, não pactuar com as obras das trevas. A conduta cristã
está embasada nos ensinos de Cristo; a prática da honestidade
em todos os seus aspectos, o amor ao próximo, a sinceridade de
coração, o respeito pelas leis de Deus e o aperfeiçoamento dos
santos são fatores fundamentais para o usufruto de uma vida de
Reginâmio Bonifácio de Lima 65

conformidade com a vontade de Deus. Alguns poderiam dizer


que é impossível fazer isso. Morrer na cruz não foi fácil, Ele era
inocente, ainda assim, pagou o preço, em amor. A vontade de
Deus deve ser buscada e vivenciada para a Sua glória, como
conseqüência, haverá uma igreja viva, exultante, proclamadora
das Boas Novas, e cristãos, gozando no presente uma vida intensa
em Deus. Escolher o caminho estreito não é fácil, é necessário
ter fé para continuar na jornada, ela está presente em todo o
decorrer da vida cristã, no engajar-se por ser cheio do Espírito,
na busca pela santificação. O pecado continuará existindo, as
quedas e tropeços também; as dificuldades sobrevirão e as trevas
farão cerco, ainda assim, “somos mais que vencedores, por meio
daquele que nos amou” (Rm: 8.37). Essa é uma verdade que
muitos tentam anular, com teorias de auto-estima e conformismo
mundano, por um desencargo de consciência. A única realidade
biblicamente aceita é, nas palavras de John MacArthur Jr:
Afaste a realidade do pecado e você eliminará a
possibilidade de arrependimento. Anule a doutrina da corrupção
humana e você invalidará o plano da salvação. Apague a noção da
culpa pessoal e você eliminará a necessidade de um Salvador.
Destrua a consciência humana, e você levantará uma geração
imortal e irredimível. A igreja não pode se juntar ao mundo nesse
empreendimento completamente satânico. Agir assim é destruir o
verdadeiro evangelho que fomos chamados a proclamar (2002:
9).
A salvação não é algo em si só, pronta e acabada. O
processo salvífico perpassa por uma continuidade. Jesus, ao
morrer, pagou o preço, não mais há dívidapara os que estão nEle.
Entrementes, deve-se pensar em um Deus poderosamente
soberano e no homem como criatura dependente do Criador, sendo
capaz de tomar decisões responsáveis. As diversas linhas de estudo
da soteriologia têm entendido a doutrina da salvação como a
salvação e restauração do povo terem sido efetuadas por Deus
para uma vida plena com Cristo, ficando a aplicação das bênçãos
66 Retorno à Santidade

e a fé subentendidas. Deus salva, e os homens uma vez salvos,


segundamente cooperam no desenvolvimento do processo
salvífico, não esquecendo as palavras do apóstolo Paulo: “Pela
graça sois salvos mediante a fé, e isto não vem de vós é dom de
Deus, não de obras para que ninguém se glorie” (Ef: 2.8).
A salvação é dada por Deus, mas isso não exime o homem
de cumprir o “ide”, ou de salvaguardar-se para Deus. O sentido
de desenvolver a salvação é, por uma constante, buscar a Deus e
o homem estará cumprindo os mandamentos de amar a Deus
acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, por
conseguinte, esse pensamento firma na vida cristã as verdades da
soberania de Deus e a da responsabilidade humana.
Por que Deus não salva tratando os homens como
marionetes, brinquedinhos nas mãos de um Ser que faz e desfaz,
age e muda de idéia para com Suas criaturas. Nem é o homem
que escolhe se será salvo ou não, relegando Deus a um mero
anfitrião, a quem se deve dar ouvidos ou não na hora que se bem
entender. Ambas as idéias são perigosas por terem como centro a
ênfase exclusivista. Tanto Deus como os homens são partícipes
no processo salvífico, sendo Deus o agente gracioso rico de
misericórdia, pleno Salvador do homem, enquanto este, ser
agraciado, necessita aperfeiçoar a santidade para uma vida em
comum com Aquele que é Santo.
O homem não nasceu em um estado de neutralidade
espiritual, como afirma a teologia pelagiana, nem ainda houve
uma queda parcial, por assim dizer que os homens estão apenas
doentes espiritualmente, tendo perdido sua natureza moral, mas
dissociada desta, e viva, em seus corações, a natureza espiritual
busca o Todo-Poderoso, dando por si só o primeiro passo para a
regeneração; e que tal como se aproximam de Deus para se ganhar
a salvação, por se afastar dEle também podem perdê-la. A Bíblia
testifica a natureza totalmente caída do ser humano, e afirma que
os seres humanos “estão mortos em seus delitos e pecados” e
somente a intervenção de Deus pode vivificá-los.
Reginâmio Bonifácio de Lima 67

A doutrina da salvação somente pode plenamente ser


compreendida tendo Jesus Cristo como Deus expiador,
justificador, intercessor, dispensador e salvador de Seus santos.
No agir do Espírito Santo tem-se a aplicação da salvação pelo
regenerar santificador para o gozo das presentes bênçãos, como
participantes de uma nova maneira inaugurada pela completa obra
de Cristo, associando a existência da obra presente com a futura,
pela garantia da filiação, o Espírito age, sendo primícia, depósito
de bênçãos futuras e selo de garantia para comprovar e testificar
aqueles que foram comprados pelo sangue do Cordeiro, para ser
propriedade do Pai.
A justificação pela fé tem dois aspectos intrinsecamente
correlacionados: o presente, inaugurado com o cumprimento da
lei e restauração provenientes do Cristo no Calvário, e a vida
futura, almejada para ser usufruída no reino vindouro. O andar
com Deus inicia-se no presente, pois Cristo já morreu, a vida
cristã precisa ser plena e atuante nos desígnios de Deus para agir
segundo o propósito de Seu agrado. Por ter antecipada garantia
de ressurreição no dia de Cristo, é preciso lutar continuamente
contra o pecado, porque a luta findará e a vitória já é manifesta
nAquele que retornará no último dia, pois mesmo sendo novas
pessoas, restaurados pela graça, em amor, um dia haverá a
plenitude da presença com Deus, em novos corpos incorruptíveis;
os cidadãos do reino usufruirão a perfeição gloriosa de estar com
Deus.
Ainda acerca da salvação precisa ser salientado que a
decisão de salvar cabe à graça divina e não à vontade humana.
Deus, por Seus decretos, a Seu bel-prazer, escolheu salvar os
homens, isso não implica que os homens sejam passivamente
omissos dessa decisão, já que a mensagem dos evangelhos convida
a aceitar a salvação de Cristo, o que se tem é um Deus longânimo
que estendeu a mão para o homem perdido, e uma vez estando
salvo, o homem não mais pode perder a salvação. Isso não sugere
que o ser salvo não possa desviar o caminho de Deus, significa
68 Retorno à Santidade

sim, que a vontade de Deus não permite que Seus escolhidos


percam a salvação. É válido dizer que a salvação do povo de
Deus envolve aspectos distintos, aparentemente contraditórios
como a vontade soberana de Deus e a liberdade humana de
desenvolvimento da santificação.
Paulo, em sua carta aos Filipenses, escreveu: “assim, pois,
amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha
presença, porém, muito mais agora, na minha ausência,
desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque é Deus
quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a
sua boa vontade” (FP: 2.12 e 13). Ele se refere aos santos em
Jesus Cristo, segundo o capítulo 1, verso 1 da mesma carta, então,
o desenvolver a salvação não é um apelo evangelístico aos não
salvos, e sim, uma palavra aos cristãos. Era necessário que os
cristãos continuassem a desenvolver aquilo que foi dado por Deus.
Hoekema afirma que a palavra katergazesthe, traduzida por
“desenvolver”, era comumente utilizada pelos fazendeiros na
descrição do cultivo de terra. Então, pode-se parafrasear Paulo,
afirmando que o desenvolver a salvação é no sentido de cultivar
para que permaneça em evidente atividade, ou seja, que se possa
notá-la expressa a partir do cuidar para que sejam manifestos os
efeitos da graça divina.
Ao falar da salvação é preciso ter em vista que não é Deus
que faz uma parte e o homem a outra, pensar assim é um erro
grave. Deus faz a parte dEle, e o homem também opera para a
salvação. O que diferencia ambos é o fato de a ação de Deus ser
a causa primeira da qual decorre a ação humana que,
segundamente, age como efeito da operação divina.
O Espírito transfere santidade aos Seus, propiciando uma
atração a Deus e a Seu caminho, esse conhecimento experimental
que se tem envolve uma apreciação da glória e da beleza de Cristo,
ocasionando uma mudança radical na pessoa afetada pela
regeneração. O Espírito Santo transforma por uma mudança
Reginâmio Bonifácio de Lima 69

interior para o que se chama nascer de novo, num processo


duradouro e gradual. A graça salvadora dá temor de Deus, faz ter
receio de pecar, não por medo do inferno, mas por não se querer
entristecer o Salvador. A prática cristã envolve um comportamento
de acordo com os princípios ensinados por Cristo e obediência à
Sua palavra, por isso, a alegria em Deus faz querer conhecê-Lo
mais.
A obra de aplicação da graça de Deus no indivíduo é um
processo unitário; dar uma ordem seqüencial aos atos relacionados
ao processo da salvação por uma perspectiva lógica ou cronológica
é querer compreender uma ordem que a Bíblia não fornece
explicitamente. A relação entre os aspectos salvíficos não é
temporal ou seqüencial; a experiência provocada pelo Espírito
Santo na aplicação da salvação em Cristo é composta por distintas
evidências. Estas nunca ocorrem separadamente, com sucessivos
passos ou estágios.
Os aspectos do processo de salvação são simultâneos e
interativos, sendo a vocação predecessora da própria salvação,
enquanto a glorificação tem um aspecto escatológico. Serão
tratados os aspectos referentes à salvação, sem contudo o intento
de discriminá-los enquanto processo permeador das ações
humana, divina, justificativa ou atos contínuos de renovação moral
e espiritual, sendo eles: a regeneração, conversão – subdividida
em arrependimento e fé –, justificação, santificação, perseverança
e vida suficiente em Cristo. Por esses não serem passos sucessivos,
mas simultâneos, é preciso estar atento aos ensinos de Deus para
continuar crescendo na direção de maior compreensão e gozo da
salvação. O Espírito Santo faz o cristão e o Cristo serem
constituídos filhos do mesmo Deus, pelo processo da salvação,
tornando o crescimento espiritual não um luxo, mas uma
necessidade. Uma vez recebido o Espírito de adoção, somados
os distintos movimentos da obra aplicados, ocasionam uma
70 Retorno à Santidade

mudança no homem, “pois todos que são guiados pelo Espírito


de Deus são filhos de Deus” (Rm: 8.14).
O operar do Santo Espírito, envolvendo a participação
responsável do homem, contrasta o velho homem, com o novo
homem; a vida de pecado, com o revestimento de Cristo. O homem
precisa santificar-se para seu Deus, para glorificá-Lo, porque todas
as bênçãos advindas da parte de Deus, incluindo a santificação,
são para o louvor e a glória de Deus. O povo de Deus precisa
separar-se para Ele, como no deserto, Deus mandou o povo se
santificar para pactuarem a aliança.
A santificação precisa ser desenvolvida cotidianamente,
no presente contínuo, para uma vida plena e abundante. Santificar
é separar algo ou alguém do comum ou profano, para um algo
mais sublime ou sagrado. O motivo da separação é para que não
haja a mácula ou sujeira. A Bíblia trata, no Velho Testamento, a
santidade do povo de Deus de forma mais cerimonial e religiosa,
dando ênfase a uma vida limpa de impurezas, imundícies, ritos
de purificação e observância de preceitos a serem seguidos; no
Novo testamento, a santidade é vista como uma união com Cristo,
por isso, a necessidade de o cristão permanecer em novidade de
vida.
O homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, com
a queda, o acesso não mais era possível, o pecado maculou o
coração humano e degradou sua condição moral. Como num
espelho turvo, o reflexo de Deus pouco aparecia no sujo reflexo
humano. A verdade é que o homem, morto espiritualmente, perdeu
o sentido de Deus, o seu agir não mais exprimia uma vida santa
ante o Criador, e Jesus o libertou, por uma regeneração e
justificação, trabalhando junto com o homem a santificação para
um renovar segundo a imagem e semelhança de Deus.
A fé em Jesus dá ciência aos homens de sua santificação,
causando, na união com Cristo, uma anterior habilitação
Reginâmio Bonifácio de Lima 71

regenerativa para crer, e aceitabilidade da condição de pecador,


com a plena certeza de que o pecado não mais tem poder mortífero
contra os que estão sob a graça de Cristo. Porque assim como o
Espírito capacitou a mortificar os feitos do corpo, também
vivificou para ter plenitude de vida. O agir de Deus no ser humano
vai fluindo a ponto de operar uma vida grata, produtiva de frutos
espirituais, porque pela fé não apenas se recebe o amor de Deus,
mas também atua, pelo amor de Cristo, as obras concernentes a
uma vida com Ele, expressão vívida de um Deus atuante.
Acreditar que Jesus, com Sua morte, apenas justificou e
perdoou os pecados dos Seus escolhidos é tê-Lo como um meio-
Salvador. Jesus não apenas justifica os Seus, mas também regenera
para que haja novidade de vida; não apenas perdoa pecados, mas
livra o homem do jugo do pecado, conferindo-lhes o Seu Espírito
Santo. Com o remir de toda sorte de impurezas e purificação,
reconciliou para uma vida com Ele, a ser vivida intensamente em
separação providente para Si.
O pecado está dentro do homem, em sua natureza, não
basta esconder-se ou fugir como um eremita. O enclausurar-se
em alguma muralha não deixa o diabo do lado de fora. O santificar-
se não consiste em evitar as dificuldades, antes enfrentá-las no
poder de Cristo Jesus, para uma vitória certa. A graça de Cristo
floresce nos corações humanos em qualquer tempo. As
circunstâncias e a vida diária podem tentar abalar, ainda assim, o
intento do salvo é glorificar a Deus, cumprindo com seus deveres
e atributos, sendo sal da terra e luz do mundo. Como Jesus orou
ao Pai: “não peço que os tires do mundo; e sim, que os guardes
do mal” (Jo: 17.15). A vida de santificação precisa ser diária;
estando no mundo, o cristão age para influenciá-lo, por sua vida
habitual de preceitos práticos e conformidade com a vontade de
Cristo.
A santificação não é apenas individual, sua dimensão
rompe as barreiras do ego e age na sociedade em que se está
72 Retorno à Santidade

inserida. A salvação é individual, contudo, os salvos fazem parte


de um corpo, o corpo de Cristo, para viver em comunhão com
outros cristãos. O propósito da santificação é o “... arrependimento
dos santos para o desempenho de seu serviço, para a edificação
do corpo de Cristo” (Ef: 4.12). A vida cristã não mais se embasa
apenas no plano terrestre, como cidadãos do reino de Deus
precisam testemunhar as maravilhas desse reino, como afirmou
o apóstolo Pedro: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real,
nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus; a fim de
que proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das
trevas para a sua maravilhosa luz” (2 Pe: 2.9). A santificação
necessita de zelo para com as coisas de Deus, é preciso zelar
pelas coisas espirituais, sem esquecer as terrenas, o envolvimento
precisa ser feito diligentemente na promoção da justiça, do amor
prático ao próximo e cuidado em bem utilizar os recursos naturais
deixados por Deus.
A santificação não leva a uma perfeição na vida presente,
embora ela precise ser buscada para alcançar na vida futura. A
perfeição impecável não pode ser obtida nesta vida, contudo, é
necessário lutar contra a poluição, obras más e contaminação. Os
cristãos não mais são velhas criaturas, foram vivificados em
Cristo, pessoas novas num progressivo renovar contra a natureza
pecaminosa que ainda subsiste pela tendência da carne. É
necessário revestir-se de toda a armadura de Deus para resistir
aos desejos da carne, lutando o bom combate em Cristo; pois o
homem revestido da graça divina ainda peca, só que o pecado
não mais tem domínio sobre ele.
A justificação é a graça de Deus derramada para declarar
justos os pecadores crentes, por uma adoção de filhos, dando-
lhes o direito à vida eterna. Deus é santíssimo em Si mesmo e em
Seus atos. Para que haja justificação é necessário reconhecer a
realidade da ira de Deus, posto que esta paira sobre o pecado; ou
Reginâmio Bonifácio de Lima 73

o ser humano tem essa percepção ou não compreenderá o motivo


da justificação.
Independente da compreensão humana, Deus continua
irado com o pecado e sua ira incide sobre os filhos da
desobediência. As obras malignas dos homens os alienaram da
presença de Deus, e só podem ser desfeitas pela propiciação
justificativa do Cristo, o único capaz de salvar da ira de Deus.
Essa justificação é recebida pela fé somente, de uma vez por todas,
e uma vez recebida, ocasiona infindável consolo, paz e alegria.
A justificação é uma dádiva divina, imerecidamente,
justificando de todo o pecado. Desde os tempos antigos, como
no caso de Abraão, o poder justificador de Deus já atuava. Houve
uma creditação a Abraão como justiça, e essa justiça não veio do
próprio, antes, de alguém superior a Ele. Um homem morto em
seus delitos e pecados não pode tornar a si justo, nem vivificar o
seu próprio ser, quanto mais dar-se vida plena em abundância.
“Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor
com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos e
pecados, nos deu vida juntamente com Cristo...” (Ef: 2.4 e 5a).
Em toda a lei e profetas é possível a ação justificadora de Deus.
Alguém poderia se indagar, justificar de quê? Do pecado – essa
falta de conformidade com a vontade de Deus, que faz a separação
entre ambos.
Deus tomou a decisão de justificar os homens, imputando
graça e justiça a eles, como se fossem perfeitamente obedientes
como Cristo foi. A partir desse momento o homem não tem uma
infusão de justiça diante de Deus, tendo seus pecados perdoados.
O homem continua pecador e ciente de sua inclinação ao pecado,
mas, pela fé em Cristo, recebe os benefícios mais que adequados
para cobrir os pecados cometidos. Essa justificação recebida está
repousada na fé em Cristo, não por merecimento de obras
humanas, mas pelo perdão de Deus, em conjunto com as demais
graças salvíficas.
74 Retorno à Santidade

A união com Cristo pela justificação não pode ser


creditada aos homens, antes é dada por possessão baseada na
substituição por uma troca de lugares feita por Cristo, suportando
a ira de Deus que era devida aos homens. Pela fé estes se
apropriam da bênção outorgada pela justificação gratuita. James
Packer faz um abrangente sumário da significância da justificação:

Conforme o entendimento dos reformadores e seus


seguidores, e segundo Paulo, tal como leio, o tema da [justificação]
é teológico, declarando uma obra de surpreendente graça; é
antropológico, demonstrando que não podemos salvar a nós
mesmos; é cristológico, baseando-se na encarnação e na expiação;
é pneumatológico, fundado na união com Jesus realizada pelo
Espírito; é eclesiológico, proclamando o verdadeiro veredicto final
sobre os crentes aqui e agora; é evangelístico, convidando almas
atribuladas à paz permanente; é pastoral, identificando-nos como
pecadores perdoados – o que é básico para a nossa comunhão; e é
litúrgico sendo decisivo para a interpretação dos sacramentos e
dando forma aos cultos sacramentais. Nenhuma outra doutrina
junta coisas preciosas e vivificantes (PACKER appud
HOEKEMA,1997, p.160).

A comunhão adquirida entre Deus e o homem manifestou


ambos os lados de um ato de amor. Não foi em detrimento da
justiça de Deus, uma vez que a graça e a justiça de Deus se
encontram no providente sacrifício gracioso de Jesus, suportando
a justa penalidade do pecado, nem houve impunidade para com o
pecado, mas misericórdia para com os pecadores. Cristo substituiu
o pecador, lançando sobre Si os pecados “Cristo nos resgatou da
maldição da lei, fazendo-se Ele mesmo maldição em nosso lugar”
(Gálatas 3.13). Por Sua misericórdia e justiça Ele perdoa os
pecados presentes e passados, dando base judicial para o perdão
dos pecados futuros. Isso quer dizer que, mesmo sendo justificados
no presente pelo ato de Cristo, é necessária uma vida de oração
buscando a vontade de Deus, confiantes da vitória certa em Cristo.
Reginâmio Bonifácio de Lima 75

Há diferenças entre a justificação e a santificação, como


já descritas por Calvino em sua “Institutas”, por G. C. Berkouwer,
em “A Obra de Cristo” e outros autores. O que se deve ter em
mente é o fato de mesmo sendo elas distintas, não devem ser
separadas, pela associação de uma com a outra por uma necessária
união com Cristo e envolvimento no processo progressivo da
santificação. Porque Deus não santifica a quem não é justificado,
nem justifica a alguém sem santificá-lo.
A justificação é a imputação da justiça de Cristo, é obra
exclusiva de Deus, com a remoção da culpa do pecado, por uma
declaração divina sobre o estado judicial humano, ocorrendo de
uma vez por todas. Enquanto a santificação é conjunta, feita por
Deus e conseguinte pelo homem, removendo a poluição do pecado
e habilitando para o crescimento espiritual. Esta ocorre no interior
do homem, renovando progressivamente sua natureza, através
da vida, só se completando ao fim da vida terrena.
O fato de todos os cristãos serem batizados com o Espírito
Santo não significa que estejam sempre entregues plenamente ao
Espírito ou cheios do Espírito. Em 1 Coríntios 12, verso 13, Paulo
afirma que os cristãos de Corinto, mesmo tendo sido batizados
com o Espírito, permaneciam carnais (1 Co: 3.1), porque
encontrava muita inveja e briga entre eles. Eram como crianças
em Cristo. É interessante ter se reportado pouco antes a dois tipos
de homem: o natural (1 Co: 2.14), e o espiritual (1 Co: 2.15). Não
há nenhuma menção ao sentido que alguns ensinamentos
teológicos anunciam, chamando de cristão carnal, onde Cristo
está dentro da vida do homem, mas não está no controle, ficando
relegado a um canto. Esse ensinamento é totalmente antibíblico,
porque Deus não pode estar em alguém imperfeito e, sendo Ele
perfeito, majestoso e Todo-Poderoso, ser destronado da vida de
alguém. Por isso, ao se referir aos homens de Corinto, o apóstolo
afirma que eles eram naturais ou espirituais. No início da carta,
Paulo escreve “à igreja de Deus que está em Corinto, aos
76 Retorno à Santidade

santificados em Jesus Cristo ...” (1 Co: 1.2), Paulo afirma que


são carnais, que quer dizer os da carne ou mundanos, mas não diz
que não são espirituais; Paulo os chama de irmãos, crianças em
Cristo, afirma que seus corpos eram templos do Espírito Santo,
O qual estava neles. Portanto, aquele que está em Cristo é de
Cristo, e o Espírito habita nele, ali permanecendo em morada,
por isso, os coríntios são espirituais como crianças na fé,
aprendendo doutrinas elementares e carnais por seu estado de
infantilidade espiritual, de brigas e contendas, andando segundo
o homem. Em momento algum Paulo afirma que os cristãos de
Corinto destronaram a Cristo e agiram em conformidade com
suas próprias vontades, antes o sentido de carnais é de imaturos,
cristãos que não amadureceram na fé, e por infantilidade na fé,
agem em desacordo com a vontade de Deus.
Alguém sendo carnal agiria na própria carne, estaria no
controle de si. Não se pode ser cristão e relegar a Cristo parte do
domínio, porque Cristo não salva pela metade. Ou Ele está no
controle da situação, tornando o homem espiritual, ou o homem
natural ainda está sem a experiência da graça redentora divina.
Ao se dizer que alguém é carnal não implica estar essa pessoa
escravizada na carne ou ter seu ego novamente centro de sua vida,
antes, é um problema de comportamento que deve ser superado
para o gozo de uma vida plena, pois “se alguém está em Cristo, é
uma nova criatura” (2 Co: 5.17), “mas, seguindo a verdade em
amor, cresçamos em tudo, naquele que é o cabeça, Cristo” (Ef:
4.15), e para que isso ocorra “antes, crescei na graça e no
conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo ...” (2 Pe: 3.18).
O homem não está só. A salvação é algo dado por Deus,
tendo o Consolador para cuidar e guardar os Seus eleitos. O
Espírito Santo age no indivíduo, participando também do plano
redentor, consolando o povo de Deus e, através de Seus dons,
marcando cada um como pertencentes a Deus, não mais como
Reginâmio Bonifácio de Lima 77

escravos, mas como filhos preservados e guardados em comunhão


com Deus até o dia da redenção final.
A regeneração no Antigo Testamento, muitas vezes tinha
seu sentido intimamente ligado ao conceito de renovação nacional,
por uma renovação dos indivíduos que a compõem. No Novo
Testamento, a palavra substantiva regeneração, palingnesi, ocorre
apenas em Mateus e em Tito: no primeiro com um sentido
escatológico, referindo-se à restauração da todas as coisas,
enquanto na última, o sentido é com referência individual. Essa
alteração efetuada pelo Espírito é encontrada em várias outras
passagens, em diversos livros do Novo Testamento, ora como
ato inicial de renovação, como idéia de fazer de novo, indicar
novo nascimento ou o resultado dele por uma alteração do ser.
A regeneração não é progressivamente gradual como a
santificação, ela é uma transformação instantânea e sobrenatural,
poderosíssima. Não é uma questão de Deus fazer Sua parte e o
homem a dele, Deus age graciosamente, operando uma mudança
radical na pessoa a partir da implantação outorgada pelo Espírito
Santo, ocorre por completo até o nível do subconsciente,
conduzindo a pessoa a uma mudança plena a que se dá o nome de
conversão.
Quando do encontro de Nicodemos, um fariseu, sacerdote
de Israel, e Jesus, Nicodemos afirmou que pelos sinais de Jesus
podia-se perceber ter Ele vindo de Deus, ainda mais, o chamou
de Mestre vindo da parte de Deus, mas Nicodemos ainda não
tinha o conhecimento da verdadeira missão do Messias. Ao que
Jesus afirma: “Em verdade, em verdade vos digo, que se alguém
não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (Jo: 3.3).
Mesmo quando da surpresa de Nicodemos e inquirição
da possibilidade de uma geração ventral, Jesus afirma a
necessidade de ser um nascimento da água e do Espírito. Da água
porque, como já visto, em várias civilizações ela simboliza a vida,
78 Retorno à Santidade

a geração, a purificação, pelo regenerar para que se fique limpo;


e do Espírito porque Ele é o agente desse novo nascimento
espiritual, divinamente superior em sua essência ao carnal,
fisicamente não-regenerado. A regeneração muda a natureza
humana, de uma forma a expressar a soberania de Deus, pelo
profundo mistério da providência divina, renovando a natureza
interna humana para uma união com Cristo.
A Bíblia fala de regeneração em três diferentes sentidos,
mas relacionados: o início da nova vida implantada pelo Espírito
Santo; a primeira manifestação da nova vida; e a restauração de
toda criação até a perfeição final. As duas primeiras reportam-se
à atividade espiritual internalizada nos homens, com manifestação
de mudança interior e a habilitação ao arrependimento e à fé,
enquanto a última, é a tradução para regeneração, descrevendo a
renovação do universo todo.
O Espírito Santo age, trazendo as pessoas a uma conversão
pela união com Cristo, transformando seus corações para habilitá-
los ao verdadeiro arrependimento. É certo que muitos teólogos
da atualidade sentem a necessidade de fazer uma diferenciação
entre o sentido estrito e o sentido lato da palavra, o que não é o
propósito aqui. Só se precisa regenerar algo que esteja com sua
força e valoração enfraquecidas, ou o que tenha o seu estado
natural degradado a uma inferioridade por um corrupto
definhamento. A esse estado corrupto de ser humano, Calvino
chama de depravação. Uma vez inferiorizado por uma valoração
enfraquecida, o homem definhou, deixou de ter vida em Deus,
estando os homens mortos em delitos e pecados.
A condição natural do homem é a de morto, não meio
vivo espiritualmente, ou apenas doente. A natureza caída do
homem não pode dar vida a si, nem mesmo ajudar a Deus a operar,
a graça manifesta de Deus é que constitui a vivificação humana.
Assim como uma criança é passiva em seu nascimento natural,
Reginâmio Bonifácio de Lima 79

sendo necessário um impelir dos pais para a geração gametófita e


seqüencial participação do ser no decorrer do processo até dar à
luz, também no nascimento espiritual o homem passivamente é
gerado, regenerado em Deus, só então, cheio do Espírito Santo
poderá caminhar em direção a Deus.
O ser regenerado busca a santificação porque, a princípio,
Deus regenera o homem e a santificação se dá ao longo de toda a
vida. Para que não mais o homem esteja só, no sentido
individualista, ele faz parte do corpo de Cristo e deve zelar para
que este, ou seja, os membros do corpo, formado por pessoas
também regeneradas, não venha a sofrer dano. Então, como forma
de demonstrar pertencer ao corpo de Cristo, o cristão é batizado
não como um batismo regenerador como querem fazer os católicos
romanos, mas como um sinal figurante e confirmativo dessa
bênção. Os teólogos de Westminster escreveram que o “batismo
é um sacramento do Novo Testamento, para ser ministrado como
sinal e selo do pacto da graça, da implantação em Cristo, da
regeneração, da remissão dos pecados e da sua entrega a Deus,
através de Jesus Cristo, para andar em novidade de vida”.
Os adultos regenerados são batizados e a bênção do
sacramento é confirmada a partir do momento em que procuram
andar em novidade de vida no Eterno. Para as crianças, no entanto,
a bênção do sacramento se confirma quando eles ao ter
compreensão do significado, aceitam o que o batismo simboliza,
como ato de fé. O batismo dos filhos menores de pais crentes
deve ser efetuado porque, pela fé, os pais que são membros do
pacto da graça, almejam nos filhos a continuação da herança
divina.
Após o ser humano ter sido regenerado há uma evidência
externa que Paulo parafraseia como o bom perfume de Cristo.
Um bom perfume se evidencia independente da vontade de quem
esteja exalando; é certo que o bom perfume é de Cristo, mas exala
80 Retorno à Santidade

de quem esteja nEle por uma evidência externalizante, a essa


evidência dá-se o nome de conversão. A conversão é o ato de
voltar para Deus em arrependimento e fé, é um retorno para longe
do pecado e na direção de Deus. Nela, Deus e o homem agem,
diferente da regeneração, onde só Deus age.
Deus chama os Seus ao arrependimento e à fé para uma
reconciliação com Ele. Várias passagens da Bíblia falam de Deus
convertendo os homens e os homens sendo convertidos a Deus.
O arrependimento genuíno restaura pelo perdão de Deus, como
quando Pedro foi indagado sobre ser um dos que estavam com
Jesus, negou por três vezes, o galo cantou e ele ao sair dali, chorou
amargamente. Houve uma mudança na forma de agir e pensar de
Pedro, ele reconheceu a santidade e a majestade de Deus ali
manifestas, entendeu as palavras proferidas por Cristo e se
entristeceu verdadeiramente, sabia o desagrado que fizera, por
isso buscou o perdão, arrependeu-se e teve sua vida modificada.
A fé é um dos pontos centrais na vida do povo de Deus,
porque envolve a aceitação das verdades contidas nas Escrituras,
confiar em Jesus como pleno Deus, divinamente designado Autor
da salvação Eterna. Mais que crer, é apoiar-se na centralidade de
Deus para uma vida abundante em Cristo.
A conversão pode ser dita como causada por Deus, para
Sua honra e glória. Ela se dá de diversas formas e tipos, não há
um padrão estabelecido pela conversão. A conversão tanto pode
ser dada de uma só vez na vida, como em Naamã, no dia de
pentecostes, e como Paulo, na estrada de Damasco, eles realmente
converteram-se de seus maus caminhos e voltaram-se para Deus
no mesmo instante; pode ser também nacional, quando o povo de
Israel prometeu servir e obedecer a Deus; ou em resposta à
pregação da mensagem divina.
A conversão está no ato de buscar separar-se do pecado
para servir a Deus. Em alguns momentos em Israel, percebe-se
Reginâmio Bonifácio de Lima 81

que o líder buscava a vontade de Deus, o povo também servia ao


Senhor. Quando, porém, o líder se desviava dos preceitos de Deus,
a nação voltava à prática pecaminosa. Isso explica o fato de
algumas serem “conversões temporárias”. Estas foram citadas por
escritores neotestamentários, quando da parábola do semeador,
Jesus conta que um semeador saiu a semear e a semente caiu
sobre solo rochoso; ao explicar a parábola, Ele descreve o homem
que “ouve a palavra e a recebe logo com alegria, mas que não
tem raiz em si mesmo, sendo antes de pouca duração; em lhe
chegando a angústia ou a perseguição por causa da palavra, logo
se escandaliza” (Mt: 20.21). Existem outros exemplos nas
Epístolas Paulinas, como no caso de Demas, que amou o “presente
século” (2 Tm: 4.10) e nas Epístolas Gerais, afirma João: “...saíram
do nosso meio, entretanto, não eram nossos, porque, se tivessem
sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se
foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos”
(1 Jo: 2.19). Quanto a essas “conversões temporárias”, pode-se
dizer serem elas por vontade humana, sem uma anterior
manifestação da regeneração produzida pelo Espírito Santo.
Também existem mudanças de atitude, quando o cristão
convertido, ao cair em pecado, torna-se compungido, voltando-
se para Deus. É certo que a conversão verdadeira não se repete,
contudo, é possível que o verdadeiro cristão regenerado por Deus
se desvie, voltando para Deus em seguida. Não se trata de tentar
destrinchar o mistério escatológico da vida após a morte, mas
sim, de asseverar as verdadeiras palavras de Jesus, ao dizer que
“Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a
mim, de modo nenhum o lançarei fora” (João: 6.37). Não é
possível um homem, justificado, regenerado e purificado, ir para
o inferno. Daí, falar-se em um retorno a Deus. Como foi dito
antes, a conversão não é tarefa unicamente divina, mas também
humana. Davi, um homem segundo o coração de Deus, caiu em
82 Retorno à Santidade

pecado ao adulterar com Bateseba, e mandou colocar Urias, o


esposo dela, no fronte mais intenso da batalha; tanto adulterou,
quanto cometeu homicídio com premeditação; e ainda assim, o
Salmo 51 fala de sua compunção ou volta para Deus. Pedro
converteu-se ao Caminho que é Jesus, após tê-Lo negado. Alguns
estudiosos afirmam ser esse o momento da conversão de Pedro.
Se de fato houvesse sido, porque ou como teria se dado a confissão
prodigiosa “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt: 16.16).
Como alguém reconheceria Deus e não se voltaria, não se
converteria a Ele? Essa compunção modificadora de atitude,
também é conhecida pelos nomes de reencontro com Cristo, volta
para Deus, regressar ao caminho e tantos outros nomes. Isso não
implica afirmar que todos os cristãos precisam de uma aventura
no mundo de lascívia e concupiscências para uma mudança de
atitude e retorno a Deus, e sim, que “o Espírito está pronto, mas a
carne é fraca”.
Não há um padrão definido para a conversão. Algumas
pessoas são convertidas após uma crise; outras, após uma
explanação da palavra de Deus; e outras, ainda, nascem em lares
cristãos, têm toda uma vida familiar ligada a Cristo, não haverá
algo de brusco em sua conversão, antes, espera-se uma conversão
gradual até a maturidade da fé. Além das três formas citadas,
existem várias outras apresentadas para a conversão. O que todas
elas têm em comum é a necessidade de se fazer um compromisso
pessoal com Cristo. A conversão é um aspecto necessário no
processo da salvação, não importa o local ou data exata de sua
ocorrência, mas sua autenticidade, mediante a fé em Jesus Cristo
e arrependimento dos pecados.
O arrependimento é a mudança de direção, do caminho
errado para o certo. Deus age no homem e o homem é instado a
arrepender-se, por uma prévia capacitação divina. Após ser
regenerado, o homem não adquire uma incapacidade para pecar,
Reginâmio Bonifácio de Lima 83

mas adquire uma vida nova no Espírito, esse mesmo Espírito se


alegra pelas vitórias em Jesus e se entristece pelos pecados
cometidos, por isso, o homem nascido do alto precisa agir de
forma a não entristecer o Espírito. Buscando agir conforme os
preceitos cristãos, tendo uma vida convertida, arrependendo-se
de atos pecaminosos e buscando a santificação em Cristo. O negar-
se a si mesmo é estar pronto para uma vida abundante em Deus.
Vida essa que inicia-se no presente, perpassando à imortalidade.
E o arrependimento, ainda que imperfeito, deve ser parte contínua
nessa vida.
O arrependimento e a fé estão intimamente relacionados
com a conversão. A fé em Cristo transpõe todos os obstáculos.
Como na parábola da videira os ramos só podem frutificar estando
nela, os cristãos frutificam por descansar em Cristo, numa vida
de comunhão, confiança e conhecimento em Deus. Essa fé pela
recepção da obra de Cristo a faz passiva, mas na obediência ela é,
e deve ser ativa. A fé é um dom dado por Deus, e deve ser segura
a quem crê, “ora, a fé é a certeza das coisas que se esperam, a
convicção de fatos que não se vêem” (Hb: 11.1). Embora algumas
vezes haja certa insegurança no coração dos cristãos, o próprio
Messias, ao referir-Se aos discípulos, afirmou: “Homens de
pequena fé” (Mt: 6.30; 14. 31), Jesus não disse que eles não tinham
fé, eles a tinham, contudo, a confiança depositada em Cristo era
menor que as tribulações e dificuldades. O reconhecimento da fé
insuficiente é dado por um homem a Jesus: “Eu creio, ajuda-
me na minha falta de fé” (Mc: 9.24). Ao reconhecer sua pequenez
ante as dificuldades e pôr a confiança em Jesus, o homem tem a
certeza da perseverança e cultiva a certeza da salvação, com
discernimento e segura confiança, “O próprio Espírito testifica
com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm: 8.16).
A fé é muito importante, contudo, não é a única coisa a
ter importância em uma vida santa, é preciso agir, esmerar-se no
84 Retorno à Santidade

servir a Cristo. Ela tanto é justificadora quanto santificadora. A


fé justificadora está apoiada em Cristo, sendo uma graça
imerecida, agindo simplesmente pela confiança no Salvador; e a
fé santificadora é uma graça que atua pelo amor, impulsionando
o homem interior. Stephen Charnock escreveu que o caráter da fé
pode ser impresso no coração, como podem ser gravadas as letras
de um carimbo, ainda que este fique tão recoberto de pó e sujeira
que as letras não possam ser bem distinguidas. A poeira impede a
leitura das letras, mas não as apaga.
Às vezes, em meio a adversidades, pode-se sentir medo
ou temor pelos perigos que afligem. Uma fé pequena pode fazer
um desencorajar, de igual forma, a segurança de uma fé grandiosa
influencia na forma que se vive. A fé necessária e suficiente para
a salvação é aquela centrada na expectação do Divino. Cristãos
com pouca ou muita fé serão salvos, tanto um quanto o outro, o
que vai influenciar é a forma que se vive e se usufrui a vida
presente fruto do amor de Cristo. A santificação e a alegre
confiança centradas em Cristo Jesus proporcionam, na vida
presente, o gozo de uma plenitude que é completa no porvir.
Uma vez salvo, salvo para sempre. É isso que ensina a
Escritura Sagrada. Uma pessoa justificada em Cristo, santificada,
regenerada, convertida em arrependimento e fé pela graça de Deus
não pode perder a salvação. Ele preserva até o fim, em Cristo,
com Cristo, e para Cristo. Não é por força humana que o homem
permanece na vontade de Deus, sua perseverança está em Deus,
pelo amor de Cristo, “eu lhes dou a vida eterna, jamais perecerão
eternamente, e ninguém as arrebatará da minha mão” (Jo: 10.28).
Essas são as palavras de Jesus, falando uma parábola, onde Se
coloca como o Bom Pastor, e os cristãos, como Suas ovelhas. As
ovelhas seguem a seu Pastor, ouvem a sua voz e obedecem a sua
vontade, porque Ele está no controle, não como ditador ou
mercenário, mas como alguém que cuida. Assim como um
Reginâmio Bonifácio de Lima 85

verdadeiro pastor cuida de suas ovelhas, Cristo cuida de seus


escolhidos para que permaneçam nEle.
Os verdadeiros crentes não podem perder totalmente sua
fé, nem cair do estado de graça. Deus não brinca de salvar e depois
desamparar, de regenerar e em seguida desonerar. Não é um Deus
bonachão. Pelo Seu poder Ele faz com que os Seus perseverem.
Não implica dizer que todos os freqüentadores de templos
religiosos, membros de igrejas e amigos do evangelho
permanecerão na fé. Os que por convencimento humano, senso
de conduta, vã religiosidade ou qualquer outra atividade
antropocêntrica usufruem o compartilhar de uma caricatura
doutrinária, de um evangelho não compreendido, como joios no
meio do trigo, no dia final, serão retirados do meio do povo santo,
porque Jesus há de separar os Seus e lançar fora todo aquele que
não se encontrar debaixo de Sua graça salvadora.
A preservação divina é para dar segurança de uma
novidade de vida aos cristãos, essa novidade de vida está contida
na expressão justificativa e redentora, com a atuação direta e
contínua do Espírito Santo, por isso, alguém preservado não mais
age como um homem natural, porque foi selado pelo sangue
remidor do Cordeiro.
O fato de Jesus não permitir que ninguém arrebate Suas
ovelhas dá a firmeza de que Ele está no controle e não há quem O
possa derrotar ou retrair de Seu controle a capacidade de cuidar e
agir em prol dos que o Pai entregou em Suas mãos. Jesus salva
totalmente a quem vai a Deus por Seu intermédio. Ele os guarda
“como uma galinha que aninha seus pintinhos embaixo de suas
asas” (Mateus 23.37) para proteger os Seus filhos e fazer com
que não se afastem dEle.
Deus ama aos Seus de maneira sobremodo excelente,
importa-Se com o que acontece com Seus amados, está pronto
para ajudar e corrigir quando necessário. É incrivelmente
86 Retorno à Santidade

consolador o fato de saber ser tamanhamente considerado a ponto


de ter o Filho de Deus dado importância, amado e Se entregando
por pecadores. Ele foi humilhado, esbofeteado, cuspido, ultrajado,
dilacerado, abatido e ainda assim não Se envergonhou de passar
por tudo isso para dar acesso ao Pai. Ele não Se envergonhou dos
que ama, nem desistiu de continuar, por amor aos Seus.
Muitos crentes tantas vezes pensam já serem auto-
suficientes, capazes de andar sozinhos, grandes a ponto de guiar
seus próprios passos. Perdem-se em sermões e analogias acerca
de um Deus distante, escatológico, futuro em atuação; acham que
já estão grandes o suficiente para caminhar com as próprias pernas
e acabam por fazer coisas erradas; corrompem seus corações
pensando ser bons o bastante para conhecer a vontade do Altíssimo
e conseguir agir sem Seu auxílio. Envergonham-se de anunciar
as Boas Novas, de clamar por Seu auxílio, de orar em público, de
dizer que têm a paz de espírito por amor de Cristo, esquecem-se
da alegria de estar nos braços do Pai, um local seguro, onde as
hostes espirituais da maldade não podem atacar. Então, alimentam
o próprio ser com comidas e bebidas que não edificam, tantas
delas corruptoras de entendimento. Não é uma questão de ser
boneco nas mãos de Deus, mas de confiar nEle como filhos
amados. “Ninguém tem maior amor do que este: de dar a própria
vida em favor dos seus amigos” (Jo: 15.13). Já não trata mais por
servos pertencentes a Ele, mas de amigos, aqueles que têm livre
acesso, por um sentimento de fiel afeição.
Deus quer que, como crianças, sejam os Seus filhos,
cuidados por Sua graça, andando debaixo de Sua misericórdia.
Que não se envergonhem de louvá-Lo, de chorar em Sua presença
ou dizer: como Deus queira. Ele tem cuidado com o alimento,
com a bebida e vestimenta, como um Pai. Age preocupado com
os problemas, até daqueles que se pensa não lhe interessar, espera
cuidadosamente o tempo certo e resolve, providenciando o melhor
Reginâmio Bonifácio de Lima 87

para a vida dos Seus. Ele protege, livra e guarda por Sua vontade
perfeita, boa e agradável. É necessário crer e se pôr inteiramente
nos braços do Pai, pois lá ninguém poderá fazer mal algum, ferir
ou machucar. É necessário que se pratique a humildade sincera
de coração, o amor ao próximo, sem rancor nem mágoa. A
inocência de filhos pequeninos, tantas vezes promulgada quando
chamados de filhinhos, não é apenas amor, mas amor protetor,
pleno e requer inocência para com as coisas do mundo. Não deve
existir malícia nos corações. Jesus quer que não se tenha vergonha
de expressar todo amor sincero e espontâneo a Ele.
Seu amor é infinitamente incomparável, foi Ele quem
sonhou com a criação, deu vida ao homem, Se entristeceu com
sua queda, propôs e executou o plano de salvação. Seu cuidado e
proteção nem sempre dão o que se quer – muitas vezes, se os
pedidos são por volúpia ou concupiscência –, mas Ele sempre dá
o que é necessário, e como um Pai, repreende, protege e cuida.
88 Retorno à Santidade
Reginâmio Bonifácio de Lima 89

O Andar no Caminho das Alturas


Muitas pessoas têm buscado nas religiões uma saída para
seu estado de tristeza ou de pesar, contudo, não percebem ser em
Jesus o verdadeiro alívio para as situações de angústia, porque só
Ele salva. Muitos têm se perguntado: Salva de quê? Só Jesus
salva da escravidão do pecado. Ele limpa os corações, regenera
os Seus e proporciona vida em abundância.
As religiões não devem ser vistas como portas de saída
ou caminhos a percorrer para encontrar Deus. Não há como ter
comunhão com Deus se não for através do Salvador. O Cristo
proporciona salvação e comunhão com Deus, do contrário, não
seria necessário ter se despido de Sua glória para morrer em lugar
dos pecadores.
Invenções e perversões humanas não fazem Deus mais
próximo dos pecadores. Mesmo seguindo fielmente os princípios
de uma religião ou mesmo sendo uma pessoa de consagradas obras
benevolentes, não há por mérito humano uma reentrância na
salvação para um livre acesso. É certo que Deus ama o pecador,
contudo, o pecado faz separação entre os homens e o Criador.
Supor que a salvação de Cristo apenas significa o acerto
dos pecados passados é um grave erro. O presente e o futuro fazem
parte de Sua preocupação. Se Ele perdoa e reconcilia, com certeza
também pode vencer as demais conseqüências malignas do
pecado. Não é o mero fato de ser aceito por Deus, isso é grandioso,
mas existem coisas além: restauração da harmonia com o próximo,
a comunhão em amor, as bênçãos da libertação progressiva da
tirania do egocentrismo, fazem parte dessa salvação, ela é
completa em Deus.
A expressão da natureza interior pode ser modificada, o
Espírito Santo age no homem modificando o seu ser. Mas não há
uma lavagem cerebral, o Espírito age e o homem interage com
90 Retorno à Santidade

Ele. Então, a Bíblia diz que se alguém está em Cristo é uma nova
criatura e seus frutos serão bons. Essa é uma mudança completa,
agindo até mesmo nas experiências de relações no íntimo do ser.
Não é uma questão de o homem tornar-se imaculável, e sim, o
fato de o Espírito permanecer nele, vivendo nele e com ele. Então,
o vistar Jesus não mais será o de um bom exemplo a ser seguido,
e sim, de O Salvador.
Buscar andar no caminho das alturas é ser tomado de uma
alegria interior, na certeza de que o alvo a se dirigir é o Deus
sobremodo excelente, conduzido por Sua fidelidade à disposição
com a qual os cristãos se submetem a Cristo, numa melodiosa
ação de graças, evidencia o enchimento produzido pelo Espírito
de Deus. O mesmo Deus que habilitou Pedro quando de seu
discurso no Sinédrio, após curar um homem coxo, capacitando-o
a falar ousadamente, pode fazer “infinitamente mais do que tudo
quanto pedimos ou pensamos, conforme seu poder que opera em
nós” (Ef: 3.20).
É certo que na passagem de Atos, 4, 8, há um verbo,
“encher”, podendo-se dizer que houve um derramamento do
Espírito específico para aquele momento, por isso se crê que o
mesmo Deus imutável, ainda nos dias atuais, poder enviar o Santo
Espírito para capacitar os Seus. Em passagens como Lucas, 4, 1,
diz-se que Jesus estava cheio do Espírito Santo, quando retornou
do Jordão; assim também os sete homens escolhidos pelos doze
para distribuição diária dos alimentos; da mesma maneira Estevão
e Barnabé. A expressão “cheio do Espírito Santo” não contém
verbo, o adjetivo é utilizado como característica permanente.
Ainda existem dois lugares no Novo estamento onde o verbo
“encher” expressa característica permanente ou momentaneidade,
havendo a descrição de continuidade.
No texto de Efésios, 5, 18, “não vos embriagueis com
vinho, no qual há dissolução...”, há a idéia de uma vida de
dissipação por um prazer degradante, em contraste com a
Reginâmio Bonifácio de Lima 91

conjunção adversativa “mas”, em contrariedade ao ato, não por


uma oposição sem fundamento, entretanto com o propósito de
um “enchei-vos do Espírito”. Pelo imperativo do ato de “encher”,
não é opção ou sugestão, é uma ordem direta, no tempo presente,
expressando ação contínua, havendo aí uma exortação para de
contínuo buscar o “esvaziar-se de si mesmo”, para o “enchimento
de Deus”. Esse verbo, “encher”, está no número plural, não sendo
reservado para poucos, nem sendo um ideal inatingível. A ação
do verbo é posta na voz passiva, não é o homem que enche a si do
Espírito, mas a pessoa do Espírito continua o pleno prosseguir
quando de uma entrega a Ele.
Andar no caminho das alturas é esperar em Deus a
fortificação para cada necessidade, na certeza da adequada direção
divina, vivendo positivamente a escutá-Lo e entregar-se a Ele,
quando de Sua revelação. Porque o Deus rico em misericórdia
não abandona os Seus, nem os lança na perdição eterna; perseverar
é reconfortante por saber ser fiel o Deus da promessa, e desafiante
para uma vida capacitada no pleno exercício da mordomia cristã.
As Escrituras claramente ensinam que o evangelho precisa
ser pregado a todos, não há dúvida sobre a grande comissão, Jesus
disse aos Seus discípulos, àqueles que O seguem e seguiram em
todos os tempos: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho”, é
necessário atentar para isso. Se a salvação será para alguns ou a
eleição é particular, isso é um outro assunto a ser tratado.
Falar do evangelho é responsabilidade humana, é
obrigação inalienável divulgar as Boas Novas. A comunidade
cristã e o cristão individualmente têm que levar extremamente a
sério essa ordenança. Todavia, alguns cristãos usam por desculpa
o fato de Deus ser soberano, e, por isso, não ser necessário pregar
o evangelho. A Bíblia deixa duas coisas claras quanto à soberania
divina e a responsabilidade humana. A primeira é que Deus está
no centro, é o ordenador do universo e tudo está debaixo de Seu
controle; a segunda é que o homem é responsável por seus atos,
92 Retorno à Santidade

podendo agir responsavelmente e responder diante de Deus por


suas escolhas. Essas são duas verdades bíblicas e, portanto,
precisam ser aceitas. Não é possível abrir mão de uma em
detrimento da outra, nem desqualificar uma pela sobreposição da
outra. A menos que descaracterize uma delas, e isso seria defraudar
as verdades bíblicas, não há como refutar nenhuma. Esse é o típico
exemplo de antinômio bíblico. Existem vários outros como esse,
não só na Bíblia, como na sociedade e ciências em geral. Não é
possível se desfazer de nenhum dos dois, antes é preciso aceitá-
los.
Ao seguir os ensinos de Jesus, evangelizar, orar, buscar
servir a Deus, amar o próximo, fazer a diferença, sendo sal da
terra e luz do mundo, os cristãos não fazem mais que cumprir os
desígnios divinos. Não há um acréscimo, há o executar; nem por
isso suas atitudes e serviço devem ser depreciados. Quando Pedro
estava afundando na tempestade poderia ter tentado nadar até o
barco, poderia ter pedido uma corda, ter se afundado, mas ele
ousou. A ousadia de Pedro estava em por sua confiança nAquele
que pode todas as coisas e agir, contristadamente, clamando o
salvamento do Senhor. Essa passagem bíblica tem sido mostrada
por muitos como o ápice da falta de fé. Não é assim que a Bíblia
ensina. Pouco antes, houvera o milagre da multiplicação dos pães
e peixes. Jesus ordenara que os discípulos fossem de barco para
o outro lado, para Betsaida, em direção a Cafarnaum; havia
escurecido e o barco viajado cerca de 5 quilômetros da margem
de onde saíra, quando forte rajada de vento contrária os assolou
por horas seguidas; Jesus havia ido orar no monte, ao ver a
tormenta foi andando por sobre as águas, sendo confundido com
um fantasma pelos discípulos. Onde está a falta de fé de Pedro?
Ao ver o Mestre ele ousou pedir um milagre a Jesus. Pedro andou
por sobre as águas. Pouco depois, começou a afundar por temer
as intempéries advindas não por não crer no poder salvador de
Jesus.
Reginâmio Bonifácio de Lima 93

Muitos cristãos agem como Pedro, com medo das


adversidades, receosos pelo bramir das tribulações, só que não
têm a mesma coragem que Pedro de não fazer nada, depositando
o socorro unicamente nas mãos de Jesus. Ou como o pai do jovem
lunático, prostrar-se aos pés do Senhor e dizer: “Eu creio, ajuda-
me na minha falta de fé” (Mc: 9.24). Por mais que persistam as
tempestades da vida, deve-se buscar com manifesta propriedade
o auxílio do Senhor.
Deus é soberano e isso não anula o dever humano de
evangelizar. O homem evangeliza, nem por isso Deus se torna
menor ou depende da atividade humana para agir. Proclamar o
evangelho é tarefa humana, mas é Deus quem salva. É Ele quem
conduz à fé em Jesus, pelo ouvir o evangelho. O homem é um
instrumento evangelístico usado por Deus, e isso não o torna um
brinquedo nas mãos do Altíssimo, antes, a graça outorgada pela
regeneração interior, na justificação salvadora, torna em gozo o
exprimir a obra do Espírito. O poder está nas mãos do mesmo
Deus, que faz dos homens Seus instrumentos.
Deve-se anunciar a mensagem do Criador a toda a
humanidade rebelde, falar de Seu amor, Seu plano salvífico, deixar
claro a situação humana de pecadores, necessidade de
arrependimento, abrigo certo nAquele que pode salvar, e, por fim,
convidar para a tomada de decisão em aceitar a Cristo como
Redentor; é preciso encarar de forma realista e escravidão do
homem caído em relação ao pecado; não é menos verdade o fato
de a evangelização incansável, confiante e engajada nos preceitos
de Cristo, confirmar a confiança de a Palavra não retornar vazia.
Essa confiança aumenta o reconhecimento de importância em si
mesmo para entregar-se a Deus. Homens e mulheres mantêm vida
de oração e súplica, permanecendo embaixo da vontade de Deus;
sendo ousados em testificar com veemência as novas de salvação,
agindo em toda a obra, pacientes e perseverantes, aguardando o
94 Retorno à Santidade

tempo perfeito de Deus para que, em Sua livre graça soberana,


ilumine e conduza os Seus ao novo nascimento.
A conversão é tarefa do Espírito, e isso já foi tratado
anteriormente. O homem, por mais que se esforce, por mais bem
elaboradas que sejam as suas técnicas ou eloqüentes suas palavras,
não consegue salvar uma alma sequer, o máximo que pode fazer
é uma lavagem cerebral e constituir um grupo de fanáticos, mas
não de regenerados. O espírito de autoconfiança não deve ser
partícipe na obra evangelizadora. Seria ótimo se todos os ouvintes
do evangelho mudassem de atitude, produzissem resultados
proporcionais aos esforços implementados, mas não é dessa forma.
O agir de Deus é fundamental, preponderante, decisivo para o
novo nascimento. A função do evangelista é falar do Caminho,
explanar o Verbo, apresentar a Porta, ficando o ato salvífico por
conta dAquele que é o único capaz de dar a vida, e vida em
abundância. De mesmo modo, Deus deve ser o centro, em
qualquer circunstância da vida dos homens. Se houver um lugar
ou situação onde Deus não possa ocupar o lugar central, esse é
impuro, quiçá vilipendioso, por indigna concupiscência ou
defraudada conduta. O que Deus quer é que os Seus filhos O
sirvam na forma como Ele determinou. Eles não são capazes de
acrescentar nada à glória de Deus, nem mesmo são indispensáveis.
O Deus que enviou, capacita, auxilia e está junto todos os dias
até a consumação dos séculos. Quando se tem essa consciência,
passa-se a ver quão grande é a seara, quanto ainda precisa ser
feito, e que Deus poderia fazê-lo com uma só palavra; a partir de
então, os filhos de Deus procuram servi-Lo não por uma relação
dativa de dupla troca, mas põem-se em segundo plano. Fazendo
a obra que lhes foi dito para fazer, na certeza de o Senhor da seara
sustentar ininterruptamente.
A evangelização precisa ser natural, espontânea;
evangelizar é um grande privilégio, não é a única tarefa dada por
Reginâmio Bonifácio de Lima 95

Deus, nem foi dada a todos as mesmas oportunidades e habilidades


para lidar pessoalmente com aqueles que necessitam de Cristo,
mas todos têm o dever de evangelizar, de se importar e orar pela
salvação dos não convertidos. O fazer discípulos é demonstrar o
amor de Cristo, dar ciência da real bonança usufruída pelo entregar
o coração a Jesus, e o conteúdo a ser exposto é a aplicação fiel da
mensagem do evangelho, na vida prática dos amados de Deus.
A evangelização não deve ser medida pela quantidade de
convertidos nem pelos resultados obtidos, mas pela fidelidade às
Escrituras. Os preceitos elaborados e as declarações produzidas
devem especificar o estado caído do homem, a decisiva
participação de Jesus, o amor misericordioso de Deus e a
necessidade de se colocar compungido e contrito diante do Senhor.
Para evangelizar, é necessário proclamar a salvação, sendo fiel
em divulgar a mensagem do evangelho. Agindo com autoridade,
como um embaixador que ensina a verdade sobre o Soberano a
quem representa, para, com intrepidez, ensinar a verdade sobre
Jesus, a fim de como objetivo último, converter os ouvintes a
Cristo.
Deus chama para uma obra completa, inclusive
administrar como mordomos os bens que Ele deixou sobre os
cuidados dos Seus. A Bíblia fala que Ele é o dono do ouro e da
prata, o mundo é dEle porque o fez e tudo criou, portanto, nada
pertence aos homens, Ele dá em concessão e precisa-se ter a
noção que essa bênção é voluntária. Deus não carece de dinheiro,
pensar assim é agir com mesquinhez. Quando Ele ordena que se
entregue o dízimo de tudo o que concedeu, age para provar a
fidelidade e obediência dos Seus filhos.
Alguém poderia se indagar: Ele não é Todo-Poderoso e
Onisciente, então, porque provar a nossa obediência? Ele quer
que cada um dê prova de si, por si e para si. Quer que cada um
saiba que é capaz, que perceba as dificuldades e tentações, que as
96 Retorno à Santidade

enfrente e vença. Quer que se entenda os limites e os supere. O


dízimo é ordenança, tem que ser cumprido. Em Malaquias está
escrito: “Trazei todos os dízimos à casa do Tesouro, para que
haja mantimento na minha casa; e provai-me nisto, diz o SENHOR
dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar
sobre vós bênçãos sem medida” (Ml: 3.10). Falando de
obediência, Jacob Silva afirma: “Deus não precisa de uma
árvore no jardim do Édem, proibida para o uso do homem.
Aquela árvore era apenas o teste ou prova da obediência e
fidelidade de Adão”.
Parece incompreensível Deus afirmar ser provedor e ficar
tentando e provando os homens. Indo por partes. Deus a ninguém
tenta. A provação existe e é parte natural da mordomia cristã para
que os servos de Deus percebam que sua obediência implica
bênção e galardão. Isso não quer dizer que só haverá dias maus,
nem que as necessidades sufocarão os justos. É preciso entrega
total, plena, constante, compungida, com a certeza de que aos
Seus dá o pão enquanto dormem. A morte de Jesus não foi um ato
político, como alguns tentam colocar, não foi intriga de fariseus e
saduceus. Havia um plano desde o início, um plano que Jesus
voluntariamente seguiu.
Após colocar sua confiança no Altíssimo, o propósito da
vida cristã será apenas seguir a Cristo e viver eternamente com
Ele. Mesmo em meio às dificuldades, o realizar a obra gloriosa
não será um pesar. Jó foi fiel, também Abraão, não desistiram de
Deus nem O injuriaram. Eram homens de carne e osso, sujeitos
ao pecado como todos os demais, mas criam e buscavam ao
SENHOR. A fidelidade precisa ser real, a obra do ide tem que ser
cumprida, e a forma ordenada por Deus para manutenção de Sua
casa e auxílio aos filhos necessitados é o dízimo e as ofertas. A
igreja de Deus não precisa de esmola, não precisa de churrasco
arrecadatório, almoço beneficente, não precisa de uma pequena
contribuição para comemorar uma data especial.
Reginâmio Bonifácio de Lima 97

O Deus da promessa ordena: “trazei todos os dízimos à


casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa”. Deus
utiliza esse método em primeiríssimo lugar, só depois, após ter
sido dado o dízimo, é que Deus vai aceitar as ofertas e o
cumprimento da oferta juramentada. Entenda-se que não é
qualquer tipo de oferta, a Bíblia não trata de algumas moedinhas.
A única vez que se fez menção a oferta de moedas foi quando, no
templo, Jesus viu a oferta da viúva pobre que deu tudo o que
tinha. Portanto, oferta não é esmola, Deus não está mendigando.
As ofertas que Deus aceita são a oferta Alçada, no hebraico,
teruma, que significa oferta alta, de grande valor, que seja
produtiva; e ofertas juramentadas a Deus. Na Bíblia, existem
exemplos de oferta, como as angariadas pelas igrejas da
Macedônia e da Acaia, e isso foi excelente, porque foi para aliviar
as necessidades que os cristãos estavam passando após o
imperador Cláudio os expulsar de Roma; logo que Paulo ficou
sabendo aconselhou que outras igrejas fizessem assim. A oferta é
boa e agradável a Deus. O problema é que muitas pessoas esmolam
a Deus, dão migalhas, fazem compromissos, tornam-se associados
e esquecem-se de cumprir a ordem divina.
A igreja fiel a Deus não mendiga. Se todos os cristãos,
salvos em Cristo Jesus, forem fiéis à Sua mensagem e trouxerem
os dízimos e oferta alçada para a casa de Deus, não precisarão de
apoio financeiro de político ou de favor para desconto no imposto
de renda. Acaso os apoios e favores concedidos seriam sem
nenhuma intenção? O político não estaria pensando em eleitores
potenciais e a empresa não teria que entregar esse dinheiro para a
receita federal? Não é errado ofertar ao SENHOR. Políticos, pessoas
físicas e jurídicas podem fazê-lo. O que não deve ser feito e tirar
proveito da situação, autopromoção com o intuito de se beneficiar
da relação estabelecida com o povo de Deus. Primeiro o dízimo,
só então as ofertas, e sem barganha. As ofertas devem ser
98 Retorno à Santidade

voluntárias em benefício coletivo, sem pedir nada em troca. É


para a obra do Senhor na terra, obra essa que não pode parar, mas
nem por isso, pode se sujeitar a uma corrente de pedintes que
mendigam e imploram ajuda do povo que a percebe.
Não se pode ofertar para Deus animal coxo ou cego. Ele
não se agrada disso. Tem-se de escolher honrar ou não o
compromisso firmado, inexiste meio termo. Ou se é fiel nos
dízimos e nas ofertas ou a igreja sofre as conseqüências, e façam-
se tantas campanhas quantas se quiser. O servo mau e desobediente
que foi infiel no pouco, também o será no muito. Não se pode
aceitar a desculpa de que se ganha pouco e dez por cento vai
fazer falta, nem a de que se ganha mais que todos os outros irmãos
juntos, e tirar um pouco não fará falta. Matemática, pura e simples,
influencia no ato de ser ou não fiel no compromisso com a obra
de Deus. Dez por cento de um centavo e dez por cento de um
trilhão continuará a ser dez por cento. Deus não obriga a ninguém
a devolver o dízimo, mas ordena. Cada um terá que prestar contas
diante dEle.
Desacreditar parte do ensino de Cristo, e desmerecê-Lo.
A profecia da graça foi produzida pelo mesmo Deus que ordenou
a mordomia. Ou se busca seguir a Deus em todos os aspectos que
Ele pronunciou ou se estará fadado a uma vida voluntária de
migalhas e fraca espiritualidade.
Os que viviam pela lei, por ela eram julgados, os que
crêem em Jesus, são salvos por Sua graça, não por mérito humano,
mas pela soberana vontade de Deus. Deus dispensou vários dons
para a proclamação do reino ao mundo cercado de escuridão. O
povo de Deus tem por obrigação cumprir o ide de Jesus, não é
uma opção, é uma ordem. O Messias foi categórico ao afirmar:
vão, sejam minhas testemunhas, falem da redenção até os confins
da terra, promulguem que há salvação em Cristo Jesus. O acesso
ao Pai novamente é possível ao que crer. O apóstolo Paulo,
Reginâmio Bonifácio de Lima 99

contudo, exprime em sua carta aos Romanos: “como, porém,


invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele
de quem nada ouviram? E como ouvirão se não há quem pregue?
E como pregarão, se não forem enviados? (...) A fé vem pela
pregação, e a pregação pela palavra de Cristo.” (Rm: 10.14, 15 e
17).
Deus não apenas chama, Ele instrui para o trabalho e toda
boa obra, aos filhos nascidos segundo Sua vontade. Embora haja
fraqueza no coração humano, o Espírito de Deus cuida dos Seus,
sondando os corações humanos, intercede por todos com gemidos
inexprimíveis. Logo, percebe-se a presença do Deus Eterno
continuar entre o povo, como dito pelo profeta Isaías acerca do
povo escolhido. Pode-se aplicar agora não apenas ao aprisco de
Israel, mas ao povo santo espalhado pela terra, o fato de Deus ter-
Se feito achar por um povo que não O buscava e não chamava o
Seu nome, revelou-Se voluntariamente aos que por Ele não
perguntavam, a capacitação foi dada a Israel para ser testemunha
de Deus, ser bênção para todas as nações da terra, tendo o povo
decepcionado a Deus. “Estendi as mãos todo dia a um povo
rebelde, que anda por caminho que não é bom, seguindo os seus
próprios pensamentos” (Is: 15.1 e 2). Como antes dera a Israel,
Deus também deu aos cristãos capacidade para viver e proclamar
as novas de alegria em todo o tempo.
Os dons surgem no povo de Deus como uma espécie de
presente, dádiva, concessão. No Antigo Testamento, uma dúzia
de vocábulos foram utilizados para denotar dom, cada um em
conformidade com certas características: de presente dado a Deus,
dotes, presentes festivais, presentes dados por homens a outros
homens e até suborno.
No Novo Testamento, os dons têm uma outra ênfase: as
palavras ligadas ao termo dom referem-se à idéia de dádivas dos
homens a Deus, dádivas dos homens a outros homens, e os dons
100 Retorno à Santidade

que Deus concede ao homem. A verdade fundamental está no


fato de Deus conceder o dom da salvação aos homens, todo o
restante estando baseado nessa verdade. Assim, o dom gratuito, a
dádiva, o dom perfeito e as dotações outorgadas a certos indivíduos
pelo Espírito Santo, estão entre os presentes dados por Deus. Todas
as pessoas receberam dons provenientes do alto, contudo, certos
dons são específicos aos filhos de Deus, para que estes sirvam a
seus semelhantes. Os próprios indivíduos dotados com essas
características são dons de Deus, mediante Seu Filho, à Igreja.
Todos os cristãos têm pelo menos um desses dons. Isso
não quer dizer que, ao ter um, os outros estarão relegados ao
descaso e abandono. Deus dá os dons para Seus filhos agirem
com propriedade em Sua obra, não querendo, com isso, que haja
uma submissão por grupos de dons. Cada um tem seu dom ou
seus dons específicos, mas, ainda assim, precisa ser testemunha
em outras áreas também. Cada cristão precisa pregar, servir,
ensinar, estimular a fé, doar, exercer autoridade e consolar seus
irmãos.
O cristão justificado em Cristo, purificado por Seu sangue
e restaurado pelo poder do Santo Espírito de Deus, tem não apenas
os dons como presentes de Deus, mas livre acesso ao Pai, para
uma vida plena em santificação e amor. O Senhor fala a Seus
filhos através de Sua Palavra e estes falam com Deus pela oração.
A oração impele e nutre a obediência a Cristo. A experiência
advinda de um contato com Deus leva ao cerne humano um
conforto de descanso na sensação de ter seus anseios ouvidos.
Deus deu dons e talentos a cada um de Seus filhos, todo o
projeto divino foi posto em prática para que houvesse a religação
entre Deus e os homens. A morte e ressurreição de Jesus deram
plena vida eterna aos homens. Não uma vida eterna futura, mas
sim, uma vida que se inicia no presente, para toda a eternidade,
para um desfrutar a intimidade com Deus, fazendo Sua boa obra.
Reginâmio Bonifácio de Lima 101

Ela começa após a conversão, a liberdade para servir e adorar


tem início com um relacionamento de fidelidade, confiança e
entrega nas mãos de Deus.
O conhecimento das Boas Novas, pela morte e
ressurreição de Cristo, pode ser elevado a Deus através da oração,
como forma de compreensão e aceitação de Jesus, enquanto
Senhor e legítimo Salvador, rico em misericórdias e que ouve a
súplica dos que O buscam.
A morte de Cristo é suficiente para cumprir o propósito
de Deus. Deus fez Sua parte, sendo fiel até o fim. Os homens
precisam ter em mente o fato de sua parte precisar ser feita, a
aceitação plena de Jesus em suas vidas, depositando nEle a fé,
rogando pela salvação. O arrependimento em si não salva; a oração
apenas, não surte efeito. Muitos ímpios oram, e é perfeitamente
possível que isso ocorra, todavia, é impossível testificar a fé
crédula em Deus sem uma vida de oração. É impossível testificar
veementemente fidelidade a alguém com quem não se tenha
intimidade, e a intimidade com Deus só é possível através da
busca pela santificação.
Todo aquele que almeja ser representante fiel de alguém
precisa saber sua vontade, necessita de entendimento e
proximidade. Não é possível falar de novas de salvação sem uma
intimidade com o Salvador, é agir como um címbalo que retine
ou um letreiro que anuncia algo sem ter o entendimento do que
está exposto. Uma vida sem oração é estar paralisado pelas
assolações mundanas, cair no conformismo letárgico de um
emaranhado de relativismos descompromissados. Se mesmo
buscando a Deus, pela essência humana, é impossível exprimir a
profundidade dos sentimentos e emoções da alma, sendo
necessário o Espírito Santo intervir, intercedendo pelos santos,
quanto mais uma vida sem buscar a presença divina.
Alguém poderia afirmar ser Deus soberano, pleno em
poder e graça, não havendo, portanto, motivo para buscá-Lo
102 Retorno à Santidade

através da oração, já que Ele sabe tudo, conhece todos os anseios


e necessidades. Quanto a isso, três coisas precisam ser ditas:
primeiro, a oração visa à glória de Deus e o benefício humano,
nesta exata ordem; segundo, a oração não é opcional, é um dever,
porque Jesus mandou orar; terceiro, na oração, os homens são
convidados a fazer seus pedidos a Deus. Calvino, na obra “As
institutas”, escreveu:

Porventura ele não conhece sem um monitor quais são


as nossas dificuldades, o que é próprio para os nossos interesses?
(...) Ele realmente quer, conforme é justo, que uma honra devida
lhe seja dada, reconhecendo que tudo quanto os homens desejam
ou sentem ser útil e oram para obter, seja derivado dEle, mas até o
benefício da homenagem redunda em favor de nós mesmos.
(CALVINO, Livro 3, capítulo 20, seção 3).

No início, após criar o homem, Deus lhe falou


determinando seu papel na criação. Esse ato de agir/falar ao
homem estabeleceu uma aliança de vida e morte. De forma geral,
Deus instituiu ao homem, além dos mandamentos já expostos no
capítulo II, ordenanças que se embutem na criação para a
estruturação do mundo como Deus ordenou, sendo elas o
descanso, o casamento e o trabalho.
A Bíblia afirma que Deus abençoou o dia sétimo e o
santificou. Não se trata de uma bênção vazia, o dia do descanso
foi abençoado no contexto da criação. Deus o produziu dia do
descanso não porque precisasse descansar, mas para abençoar toda
a criação. É preciso “lembrar-se do dia de sábado para o santificar”
(Ex: 20: 8-11). Nesse dia devem descansar todos na casa, a terra
e os animais. Esse modo estabelecido por Deus deve ser honrado,
porque Ele o instituiu. Israel deveria guardar não somente um
sábado por semana, mas também o ano sabático e o jubileu; para
descanso dos animais, da terra e dos homens. Todos deveriam
descansar, ou seja, tomar alento em Deus (Ex: 23.12). Como fôra
Reginâmio Bonifácio de Lima 103

indicado por Jesus, o sábado foi feito por causa do homem e não
o homem para o sábado, para indicar a relação entre o homem e o
mundo, ficando protegida a terra do abuso e proporcionando alento
ao homem.
O descanso sabático veterotestamentário dava-se com
vistas de trabalho em seis dias para um descanso futuro, no sétimo
dia. Na nova aliança, regozija-se no primeiro dia, descansando
em Deus pelo cumprimento redentivo da ressurreição de Cristo,
e alegremente se trabalha os seis dias seguintes, confiando no
sucesso da vitória em Cristo. Por mais que se tente, nenhum
dispensacionalista ou antinominiano pode negar a ordenança do
dia do descanso surgida na criação.
Segundamente, Deus instituiu o casamento. No ato
criativo, Ele assinalou: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn:
2.18). Então criou uma auxiliar que fosse apropriadamente
correspondente a ele, e fez uma auxiliadora; Deus não fez uma
serva ou empregada, fez alguém que auxiliasse; a derivação do
termo em hebraico expressa a idéia de “igualdade de pessoa”,
“em frente de”, “face a face”. Por o homem ter sido criado como
o único ser a trazer a imagem de Deus, em conseqüência, sua
correspondente, a mulher, também a traz em igualdade e
pessoalidade. O próprio Jesus afirma: “o Criador desde o princípio
os fez homem e mulher... por esta cousa deixará o homem pai e
mãe e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne”
(Mt: 19.4 e 5; Mc: 10.6-8; Ef: 5.31). O Criador os uniu, homem e
mulher, não para tornar um apenas no ato marital, mas em todo o
tempo, honrando-se, respeitando-se e amando-se mutuamente,
tornando-se os dois como um só. Implica uma necessidade de
doar-se voluntariamente para o bem comum e a glória de Deus.
Em momento algum há na Bíblia, com exceção de Adão e Eva,
uma predestinação para o casamento; não há duas metades da
mesma laranja ou eleição para o matrimônio. É necessário que
104 Retorno à Santidade

ambos, entrelaçados em matrimônio, busquem continuamente a


santidade, o amor, a benignidade e a reciprocidade mútua no
SENHOR, para o bom convívio na relação conjugal. Aos que
pensam contrariamente e buscam exemplos em Isaque e Rebeca,
Sansão e Dalila, Davi e Bateseba, José e Maria, a Bíblia é enfática:
a salvação é individual, não conclamando em pares homogêneos.
A mulher auxilia o homem para proporcionar o alvo-
consumação da criação. Ela não é uma mera reprodutora, ambos
têm a tarefa de subjugar a terra e formar uma cultura que glorifique
a Deus. O encher a terra é ordem a ser cumprida até os dias atuais
e os cristãos devem desempenhar isso. Contudo, precisa-se atentar
para dois pontos: Deus não mandou que todos se casem, e sim
instituiu o casamento entre homem e mulher; segundo, o mandato
foi para crescer, multiplicar e povoar a terra, não superpopulá-la
– seria complicado se todos os casais quisessem ter tantos filhos
quantos teve Jacó. Partindo-se da população atual, em pares, por
cinco gerações, no período de cem anos, desconsideradas as
guerras, litígios, acidentes, doenças e fome, o número de habitantes
na terra saltaria dos seis bilhões atuais, para mais de vinte trilhões
de habitantes, o que tornaria impossível sustentar a vida na terra.
O homem não deveria apenas se multiplicar, mas também cuidar
da terra. Homem e mulher são interdependentes, fundem-se como
parte do projeto divino. O homem é o cabeça da mulher, e esta o
auxilia, devendo ser amada como a si mesmo e mais, como Cristo
amou a igreja. “No Senhor, nem a mulher é independente do
homem, nem o homem, independente da mulher. Porque como
provém a mulher do homem, assim também o homem é nascido
de mulher, e tudo vem de Deus.” (1 Co: 11.11 e 12).
A família tem uma profunda significação no propósito
redentor divino, porque Deus realiza Seus atos não contra o que
criou, mas pela Sua criação. Não se pode ignorar a ordenança do
casamento, nem enxertá-la com aberrações. Deus fez uma só
mulher para Adão, enfatizando a integralidade de ambos, e
Reginâmio Bonifácio de Lima 105

exclusividade da união no relacionamento conjugal. Desde o início


está posto que os dois formarão uma só carne, não são os três ou
os quatro, são os dois. E esses, após “cortar uma aliança”, ou
“pactuar um casamento” só ficam livres do que pactuarem por
dois motivos: o primeiro é a morte, e o segundo, o adultério.
Brigas, discordâncias, arrependimentos não são motivos para a
separação e conseqüente divórcio; tão somente a morte e o
adultério podem romper o pacto aliançado. Destarte, uma família
precisa ser produzida a partir de um casal, homem e mulher. O
homossexualismo contradiz a ordem da criação. Todas as vias
periféricas são inaceitáveis, uma vez que ao homem foi
apresentado O Caminho. O homossexualismo, como originário
ou resultante do abandono judicial de Deus, é inaceitável. De
acordo com o apóstolo Paulo:

Por causa disto, os entregou Deus a paixões infames;


porque até as suas mulheres mudaram o modo natural de suas
relações íntimas, por outro contrário à natureza; semelhantemente,
os homens também, deixando o contato natural da mulher, se
inflamaram mutuamente em sua sensualidade, homens com
homens, cometendo atos indecentes e recebendo em si mesmos a
merecida punição de seus erros (Rm: 1.26 e 27 – grifo do autor).

Em terceiro lugar, o trabalho. Há uma ligação entre o


descanso sabático e os seis dias que o precedem na velha aliança,
e, o sucedem na nova; neles está presente o trabalho. O trabalho
deve ser constante com certos descansos, e ao sétimo dia, o
descanso de um dia inteiro. De acordo com John Murray, em sua
obra “Princípios de Conduta”, a causa de muitos males físicos e
econômicos procede da falta de observância do dia semanal de
descanso.
O trabalho é visto em ambos os Testamentos como forma
de propiciar os víveres humanos. Desde o Édem, o homem já
trabalhava. O trabalho não deve ser desmedido ou exagerado,
106 Retorno à Santidade

tampouco desconsiderado ou desleixado, todo trabalho deve visar


à glória de Deus. A relação de seis dias trabalhados com um de
adoração deixa bem claro isso. Todo cristão com condições físico-
sensoriais para isso deve fazê-lo, para que possa acudir ao
necessitado, sustentar a si e a sua família e dizimar – para que
haja mantimento na casa de Deus. O próprio Deus trabalhou, e
ainda trabalha, então o homem, feito à Sua imagem e semelhança,
não pode se eximir de tal ordenado. Como está escrito: “se alguém
não quer trabalhar, também não coma... porém, determinamos e
ordenamos no Senhor Jesus Cristo que trabalhando
tranqüilamente, comam o seu próprio pão” (2 Ts: 3.10-12).
É preciso que os cristãos de hoje voltem os olhos para a
igreja primitiva, herdeira dos privilégios conhecidos por Israel
outrora. Não eram uma seita, nem parte de Israel, eram o Novo
Israel. Essa comunidade se fez missionária e proclamou o
evangelho, segundo a grande comissão. Os cristãos da atualidade
são fruto desse trabalho missionário. É preciso se preocupar menos
com titulações e posições elevadas, e ocupar-se mais com a
adoração ao Criador e o conseqüente convívio mútuo dos cristãos
no projeto divino expresso pela obra redentora. Presbíteros,
evangelistas, anciãos, diáconos, bispos não eram autoridades
maiores ou menores, não eram mais ou menos importantes, e não
devem sê-lo na atual conjuntura. Jesus instituiu o amor pelos
pecadores e mandou que lhes fossem anunciadas as Boas Novas
– não que se brigasse por cargos e prestígios.
Uma igreja unida, seguidora dos padrões de adoração
estabelecido por Deus, terá o usufruto conjunto de maior
comunhão coletiva como conseqüência do amor por Deus. O culto
de louvor ao Soberano, adoração e ensino/pregação conduzem a
uma vida exortada, de acordo com a Palavra, em regozijo e
testemunho pelos feitos do Santo Deus. Desse modo, a simbologia
da ceia não será apenas um rito tradicional, mas o rememorar o
Reginâmio Bonifácio de Lima 107

ato especial da libertação ocorrida na Páscoa, não mais a libertação


da escravidão do Egito, mas a libertação do pecado e da morte.
Não há a transubstanciação do pão em corpo de Cristo, nem do
vinho em sangue, antes, a lembrança torna unidos os fiéis pelo
rememorar o sacrifício outorgado até o dia da segunda vinda.
Jesus disse que o batismo tinha que ser com água, em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A forma como ele se
dá, por imersão, aspersão ou efusão, não foi especificada por Jesus,
embora os três casos estejam presentes nas Escrituras.
Os cristãos não foram os primeiros a batizar. Essa prática
já existia entre os judeus, que batizavam os convertidos gentios;
os essênios também praticavam o batismo com água como
símbolo de purificação; João Batista também o fazia. Os cristãos,
contudo, batizavam seguindo o próprio exemplo de Jesus. Todo
cristão, como membro do corpo de Cristo, deve buscar o batismo,
por este ser uma ordenança do próprio Jesus. Isso não implica
que os não batizados deixarão de ser salvos: o ladrão da cruz não
foi batizado e Jesus afirmou que aquele estaria com Ele no paraíso.
O batismo é o sinal da aliança entre o homem e Deus, a forma de
se confessar publicamente a fé no Salvador. Isso não quer dizer
que todo batizado é um cristão, já que o regenerar vem da parte
de Deus, mas que todo cristão regenerado, como conseqüência
do ato justificativo divino, deve demonstrar publicamente a aliança
firmada em sua vida, sendo o sinal do batismo uma das formas
de expressão.
O Cristão verdadeiro se diferencia do pseudo-cristão. A
diferença não está na forma geral de agir, mas nas especificidades.
Andando pelos campos de plantações, logo após as primeiras
chuvas, é perfeitamente possível ver joios mais tenros que trigos
e mais aprazíveis aos olhos, contudo, apenas com o passar do
tempo, próximo à colheita é que se os diferencia de forma atuante.
Também no mundo, muitos pseudo-cristãos estão inchando as
108 Retorno à Santidade

igrejas, se fazendo passar por cristãos verdadeiros, mas somente


nos períodos de tribulações se consegue distingui-los. A aparência
do cristão verdadeiro o firma na rocha que é Cristo, podem
sobrevir as chuvas, enchentes e vendavais de adversidades, e não
será abalado.
O indivíduo que vive em Cristo tem fé nAquele que o
salvou. A transparência em sua personalidade denota a regeneração
outorgada e o firme fundamento. Jesus disse: “Todo aquele, pois,
que ouve essas minhas palavras e as pratica, será comparado a
um homem prudente ...” (Mt: 7.24). As palavras às quais Jesus
está se referindo são as que Ele estava expondo no Sermão do
Monte, princípios de vida em um cristianismo essencial. Ser
comparado a um homem prudente por praticar os preceitos de
Jesus não significa justificação pelas obras, porque no contexto
em que a comparação é expressa há um fulgurar divino e condutas
humanas aprazíveis, principalmente no início do contexto, com
as bem-aventuranças; também não significa que é necessário ser
perfeito para entrar no reino que Jesus estava anunciando, não
quer dizer que por não cumprir tudo o que Jesus falou, se vá ficar
relegado ao abandono; antes, significa o que Tiago escreveu em
sua Epístola, “... a fé sem obras é morta” (Tg: 2.26), isso mesmo,
uma pessoa que crê em Jesus age demonstrando com isso sua fé.
O agir não se dá para uma pretensa justificação, nem mesmo por,
como afirmam alguns teólogos, uma compensação. Ela se dá como
reflexo do amor de Deus, é o fluir do bom perfume de Cristo
exalado, destilando graça como luz que brilha e sal que dá sabor.
Os pseudo-cristãos exclamam, Senhor, Senhor! Sim,
Cristo o é, até as pedras sabem disso, contudo, aqueles que não
têm seus alicerces firmados em Cristo, não prevalecerão no dia
do juízo. A diferença entre os pseudo-cristãos ou cristãos nominais
e os cristãos verdadeiros é que estes buscam pôr em prática os
ensinos de Cristos em sua inteireza. Não são perfeitos, nem
Reginâmio Bonifácio de Lima 109

imaculados, mas almejam refletir, com maior propriedade


possível, a santidade de Deus.
No dia do encontro com a morte todas as máscaras cairão.
A morte é uma realidade presente na trajetória de todo ser vivo
terreno, todos irão se deparar com ela – exceto no dia de Cristo.
Alguns, ao vê-la se aproximar, lutam, debatem-se e tentam a todo
custo esquivar-se dela. Assim são os cristãos nominais, assolados
pelo receio e medo de enfrentar o fim. A morte causa expectativa
e até certo anseio aos homens, isso não quer dizer que não sejam
salvos. É notada em toda a história humana a expectativa causada
pelo desconhecido, e como a morte visita com freqüência, sem
que haja nenhum retorno para aclarar as idéias, muitos não se
sentem à vontade com a realidade ou por uma longa visitação da
morte tornando pesaroso o moribundo. Quanto a isso, a Bíblia
está repleta de exemplos de como viveram os homens santos,
cristãos verdadeiros, autênticos, que se encontraram com a morte
e descansaram em Cristo. Paulo afirma em sua carta aos Romanos:
“Porque eu estou bem certo de que nem [a] morte... poderá nos
separar do amor de Deus que está em Jesus Cristo”. A morte foi
vencida “Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (1 Co: 15.55). No
Juízo final, a morte não triunfará, como está escrito: “... A morte
e o além entregaram os seus mortos que neles havia (...) Então a
morte e o inferno foram lançados no lago de fogo e enxofre” (Ap:
20.13 e 14). Não se deve temer a quem já foi vencida, e sim, lutar
até o fim da batalha contra as coisas que desagradam a Deus,
buscando fazer a vontade de Deus pela fé nAquele que nos amou
primeiro.
110 Retorno à Santidade
Reginâmio Bonifácio de Lima 111

Segundo o Coração de Deus

Nos capítulos que se seguiram, muito se abordou e


demonstrou o encontro da vontade dos homens com a vontade de
Deus. Qualquer um que ouse escrever sobre tal tema corre o risco
de não expor todas as verdades bíblicas acerca do assunto, pior
ainda, pode manifestar ensinamentos que não estão contidos na
Palavra de Deus. Verdades extrabíblicas não passam de heresias
camufladas por tentativas conflituosas e concupiscências de
paralelos sem precedentes na vida com Deus. Um homem feito à
imagem e semelhança de Deus precisa andar em novidade de
vida, ser fiel aos desígnios de Deus, com a plenitude da salvação
em sua vida. Ao agir com fidelidade, o homem não se prende ao
Todo-Poderoso, pelo contrário, é liberto por Ele para gozá-Lo e,
por conseguinte, usufruir a plenitude da criação, e, então, se pôr
nos braços do Pai, o perfeito regenerador, Santo em justiça e
misericordioso justificador, que pela abundante graça salva e
glorificará no último dia.
Não existem muitos trilhos, embora existam muitas
pradarias aconchegantemente convidativas para uma vida sem
propósitos. O mundo oferece muitas possibilidades passageiras
que entretecem os corações momentaneamente, mas não suprem
os anseios, nem suprem as necessidades. O caminho espaçoso
que conduz para a perdição está constantemente cheio de pessoas
decepcionadas com a vida, agindo sem propósito, morrendo sem
firmar compromisso com Deus.
O pecado está presente no homem desde a queda e o
arrasta a conflitos com seus semelhantes. Todas as experiências
humanas estão embasadas em relacionamentos com Deus, com
Sua criação, com os semelhantes ou a associação destes. O pecado
interfere nessas relações e só não as destrói pela graça comum de
112 Retorno à Santidade

Deus que cuida dos mais latos conselhos divinos da terra. Para
muitos, Abraão foi um pai mítico, uma espécie de caricatura a ser
copiada; mas não é isso que a Bíblia afirma. Já nos primeiros
capítulos do livro de Gênesis, Deus chama a Abraão, o manda a
uma terra distante e anuncia ser numerosa a sua descendência.
Esse pacto foi renovado com Isaque e Jacó, a quem Deus chamou
Israel, e seus filhos levaram consigo o nome do pai para lembrar
o pacto. Passaram-se mil anos, exílios, guerras, acordos ilícitos.
A nação eleita para ser bênção mais parecia maldição às nações a
quem chamavam de impuras, Israel construiu muralhas e fechou-
se em si mesma. Mas os profetas sabiam através da palavra do
próprio Deus que quando o Salvador Ungido viesse, os peregrinos
afluiriam de todos os lugares a fim de entrarem no reino de Deus.
A mensagem de Cristo não apenas oferta, também implica
a exigência de submissão a Ele. O convite para segui-Lo também
concomita com a exigência de submeter-se a Ele, renunciando o
mundo e suas concupiscências. Há uma ligação direta entre o
buscar a Deus e o submeter-se à vontade de Cristo, porque para
tal é preciso renunciar o pecado, o ego e a própria existência física,
para doar-se espontaneamente ao Salvador. É mister abrir mente
e coração às mudanças a serem executadas.
Muitos homens e mulheres, ao longo dos séculos, têm
estudado sobre Jesus, admirando-se de Seus atos, admitem ser
Ele o Filho de Deus, mas isso não é o suficiente para ser um
cristão. A convicção intelectual é algo valoroso, contudo, a decisão
moral é indispensável. É preciso escolher ser de Cristo ou ser
contra Ele, não há neutralidade. O conhecimento intelectual
precisa fazer-se atuante a ponto de ocorrer a entrega pessoal. Em
Apocalipse, Ele afirma: “Eis que estou à porta e bato; se alguém
ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e cearei
com ele e ele comigo” (Ap: 3.20). Jesus não arromba a porta, Ele
bate, espera que abram para Ele; mesmo sendo Rei, cheio de glória
Reginâmio Bonifácio de Lima 113

e majestade, sabendo que o mundo é dEle e tudo o que nele habita,


Jesus propõe se fazer uma limpeza total na vida de quem O receber.
Ele não mendiga à porta, antes, por Seu amor insondável, busca
ajudar os homens, livrando-os do jugo do pecado.
O caminho estreito leva à reconciliação com Deus. A
justificação já foi feita, o Espírito Santo sela os escolhidos,
regenerando-os para viver a paz de Deus em seus espíritos, sendo
vivificados no sangue do Cordeiro. Não é uma jornada fácil, com
certeza vale a pena, mas está cheia de obstáculos. Buscar andar
segundo o coração de Deus não anula a pecaminosidade do
homem, mas, mediante a graça divina, tira-lhe a prisão antes
outorgada pelo pecado. Os anseios e desejos, a natureza caída
continuará presente até a glorificação, mas “caminhar é preciso”,
caminhar para usufruir na vida presente os benefícios da graça
divina.
O fim principal do homem é glorificar a Deus e ter prazer
nEle eternamente, por isso, é possível viver sendo santificados a
cada dia. Ter o hábito de orar para uma ligação maior pela
concepção acertada que Deus ouve; desde outrora escolheu
homens comuns e os capacitou. É mister esforçar-se por se
assemelhar a Jesus, tendo fé, tolerando e perdoando os outros tal
qual Cristo fez. Andar em amor é esforçar-se por evitar o pecado,
resistir ao Diabo, inclinar-se para Deus, fazendo Sua vontade.
Agindo assim, procurando moldar o curso de suas vidas pelas
qualidades de Cristo, o homem vai tomando conhecimento da
mente de Deus, conforme está na Bíblia, concorda com o que
Deus aceita e abomina o que Deus rejeita.
A santidade é um processo longo que somente alcançará
sua plenitude na vida futura. Ao praticar os ensinos de Cristo,
vivendo segundo Sua vontade, muitos erros, muitos pecados,
muita decepção deixa de ser sofrida. O autocontrole, a benignidade
e tantas outras partes do fruto do Espírito são dadas para fortificar
114 Retorno à Santidade

o espírito, a fim de que a vontade da carne não prevaleça, como


afirma o apóstolo Paulo: “Mas esmurro o meu corpo e o reduzo à
escravidão, para que, tendo pregado a outros, não venha eu mesmo
ser desqualificado” (1 Co: 9.27). A vontade da carne vai continuar
existindo, mas é preciso lembrar que “aquele que diz permanecer
nele, esse deve também andar como Ele andou” (1 Jo: 2.6)
Ao buscar a pureza de coração e o temor a Deus, segue-
se humildemente o alvo de viver a realidade da vida futura,
buscando as coisas que façam aproximar-se de Deus, como alguém
que vive nesse mundo com a certeza de ter bens entesourados no
céu, a verdadeira pátria. A partir de então, ter envolto nas relações
e deveres o propósito de agir com fidelidade e, à semelhança de
Daniel, proceder corretamente a ponto de não dar margem para
que se fale mal, cumprindo sempre as ordenanças de Deus. O
empenhar-se nesses preceitos, ainda que inalcançáveis por
completo na vida presente, é uma atitude santa, algo que pode ser
reconhecido, percebido e sentido por outras pessoas, como um
bom perfume de Cristo que exala um aroma de graça e amor,
independentemente da vontade de quem o esteja exalando.
A santificação propicia uma vontade próxima à vontade
de Deus, ainda assim, o homem pecador, em seu corpo imperfeito,
terá máculas e defeitos, por vezes até vencido; a Bíblia está cheia
de relatos de histórias de homens que antes de chegar ao fim da
jornada, caíram prostrados, cometeram erros, mas, pelas
misericórdias de Deus, se levantaram. Por mais que haja tropeços
ou escorregões, é necessário seguir os ensinos de Deus. A graça
não é menor por estar sobre um neófito, nem maior por estar
sobre um reverendo; não se pode esquecer as manifestações e
debilidades de um pecador arrependido, a perfeição deve ser
construída sem esquecer-se a florescência das obras primeiras,
nas palavras do profeta Zacarias: “o dia dos humildes começos”
(Zc: 4.10). A imperfeição mancha o relacionamento entre o
pecador e o Santo, nem por isso Este ama menos aquele.
Reginâmio Bonifácio de Lima 115

Não há como retribuir esse grande amor, só restando ao


homem cumprir a finalidade do propósito de Cristo, a vida
abundante, usufruída em santidade reconciliadora. Não se pode
dizer serem os homens salvos da culpa do pecado, sem que, ao
mesmo tempo, sejam salvos do domínio do pecado. Servir de
forma santa é a única prova que se pode dar de que se ama
sinceramente a Jesus, uma segura evidência da adoção de filhos,
agindo conseqüentemente uma vida de amor ao próximo, negando
a si mesmo os prazeres do pecado e os caminhos da vida maculada.
Ao compreender a pecaminosidade e o caráter enganador
do pecado há uma luta entre a carne e o espírito: o pensar e o agir
imperfeito denotam um estado de imperfeição, sendo necessária
para a profundidade, a confiança e o esforço para realizar a vontade
de Deus.
Talvez a mais difícil e prazerosa tarefa humana seja buscar
a vontade de Deus para suas vidas. O fato de ter uma nova vida é
algo reconfortante, pleno na salvação dada por Jesus. Só que Ele
não disse que seria fácil segui-Lo ou que não haveria problemas.
Ele afirmou: “No mundo tereis aflições, tende bom ânimo, eu
venci o mundo”. Essas foram Suas palavras e fazem lembrar o
amor mútuo no seio da família de Deus. Jesus demonstra que a
esperança está verdadeiramente fundamentada em Deus. Mesmo
com as perturbações aflitivas vindas do exterior ou mesmo pelas
fraquezas e pecados, pela transformação em Cristo há o
encorajamento de paz e segurança na mensagem por Ele
transmitida. Jesus não apenas previu Sua morte, mas enfatizou a
conquista da vitória produzida por Sua expiação em favor dos
homens. Ele sabia da alegria que podia transbordar nos discípulos
quando de Sua ressurreição em glória para a justificação dos Seus
seguidores.
O Novo Testamento está cheio de histórias de homens
que buscaram a vontade de Deus para suas vidas, não apenas
nele, mas no Velho Testamento há relatos de homens cheios de
defeitos que buscaram cumprir os desígnios de Deus, embora
116 Retorno à Santidade

caíssem em pecado, Deus os levantava e sustentava com Sua mão.


O que prova não ser o homem uma marionete nas mãos de Deus;
mesmo os mais próximos a Ele tiveram seus momentos de
afundamento em meio a adversidades. Abraão, o pai da fé,
inseguro, mentiu, dizendo que Sara era tão somente sua irmã;
Jacó enganou o irmão, mais tarde, lutou com Deus uma noite
inteira, tendo seu nome mudado para Israel e seus filhos, para
filhos do conflito; Moisés cometeu assassinato; Jeremias
lamentava tanto, a ponto de ser considerado o profeta chorão;
Davi, o homem segundo o coração de Deus, adulterou; Salomão,
a quem Deus deu muita sabedoria, maltratou Israel, permitiu a
construção de postes ídolos e teve a vida envolta em luxúrias;
Jonas deveria ir para Nínive, desobediente, foi para Tarsis.
Esses foram os homens que Deus escolheu, como eles
outros tantos têm sido chamados para toda boa obra, proclamação
das novas de alegria e viver plenamente com Deus. O que esses
homens têm em comum é o anseio por estar com Deus e o
arrependimento dos erros. Embora este seja um pequeno planeta,
ao redor de uma estrela amarela, o Deus infinito ama os seres que
nele habitam. A perplexidade contida nos escritos davídicos e
salomônicos expressa o amor e aprovação divinos para com Seus
filhos.
Homens e mulheres, primeiro de Israel, depois de todas
as nações, encontraram refrigério no Deus pleno. Não bastou a
Deus manifestar-Se como o “Eu sou o que Sou”, Ele pleno em
Si, quis mostrar-Se voluntariamente aos homens e manifestar-
lhes o que quer de suas vidas. A liberdade dada pelo Criador é
indescritível, porque Ele não apenas escolhe e capacita, mas
também age fielmente, sendo cheio de graça e misericórdia. O
vermezinho de Jacó pode esperar aliviado pelo socorro dAquele
que sempre esteve a seu lado.
Israel não é uma mera nação, um simples povo, pode-se
dizer que foi nele onde mais presentemente se viu manifestação
Reginâmio Bonifácio de Lima 117

de Deus para com os homens. A história israelita não apenas


conclama um Deus poderoso revelado, mas também usufrui uma
vida cheia de conflitos e reconciliações na busca pela vontade de
Deus. Essa relação de homens santos com o SENHOR traz à tona a
idéia da necessária solução manifesta por Deus paradoxal e
imprevisível, como dizer a Abraão que sua descendência seria
numerosa como os grãos da areia e permanecer Sara estéril, ou
ainda, preferir não restaurar toda a terra de uma vez, mas escolher
um só povo para testemunhar e preparar o mundo para a vinda do
Messias Salvador. Os conflitos são grandes, Deus, às vezes, deixa
os homens ganharem as discussões, como nos casos de Abraão,
Moisés e Jacó; é uma constância só compreendida tendo por centro
o propósito divino de redenção. Nesse ponto, Israel viveu uma
experiência inigualável com Deus.
A confiança depositada no Redentor não aumenta nem
diminui a salvação, mas pode propiciar nesse mundo o desfrute,
gozo, satisfação pelo privilégio de servir a Cristo, sendo
considerada a salvação um assunto resolvido e a atenção voltada
para o servir. Mesmo nas dificuldades é possível sentir a presença
de Deus. Sua glória inundando o ser sensitivo no tocar do Senhor,
a visão do poder de Deus na esperança contempla o pacto eterno
selado com o sangue do Cristo. O estado da alma é sondado, não
por uma falta de salvação, tantas vezes a fé absorvida em conflitos
íntimos não permite um propiciar o pleno gozo da presença de
Deus, livre de distrações, tormentas ou obscuridade.
Os cristãos que têm a segurança da salvação, têm maior
capacidade para um louvor sincero a Deus; sentem-se libertos do
pecado, na certeza de sua adoção para filhos, têm paz de espírito,
podendo dormir tranqüilos mesmo nas adversidades; e quando
enfrentam a morte, têm a plena tranqüilidade de um consolo na
sepultura, na certeza do que usufruirão na eternidade. Não é uma
questão de ser superespirituais, semideuses ou coisa assim, é o
exercício da vida cristã, no princípio da fiabilidade de Cristo.
118 Retorno à Santidade

Não há santidade sem luta. É preciso lutar contra a própria


carne, combater o mundo e resistir ao Diabo. Deus não chama
para ver Seus filhos ociosos, inseguros quanto o que deve ser
feito. Ele fala em Sua Santa Escritura de uma luta constante entre
as coisas santas de Deus e as coisas más. Entre o bem e o mal, as
coisas espirituais e as concupiscências. Muitas vezes, a esse
combate não tem sido dada a devida atenção, crentes lutam contra
crentes, acreditando a santificação estar na diversidade de idéias
e pensamentos, muitos tentam até permanecer neutros,
esquecendo-se da militância dada por absoluta necessidade:
“Porque a carne milita contra o espírito e o espírito contra a carne”;
“Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes ficar
firmes contra as ciladas do Diabo”; “e não vos conformeis com
este século”; “vigiai e orai”. São palavras fortes que
invariavelmente acompanham a genuína santidade cristã.
Há toda uma disputa entre as coisas espirituais e a natureza
humana. As ofertas mundanas, os ataques de Satanás e os desejos
carnais conflitam constantemente com a natureza daqueles que
são nascidos de novo. Essa luta não pode abalar quem busca andar
no caminho das alturas, pelo contrário, são vistas duas
características antagônicas sinalizando a obra interna da
santificação: uma guerra interna constante, pontuada pelo embate
do novo homem com o velho homem; e a paz interior, esperançosa
no consolo que vem do alto, pela fé na pessoa de Jesus Cristo e
Sua contínua proteção.
Nesse combate, todos os cristãos somos mais que
vencedores por meio daquele que nos amou. Jesus venceu a morte,
o Santo Espírito guia e conduz rumo à vitória. Deus pôs em prática
Seu plano de salvação e mesmo que haja lutas tremendas, por
conflitos e embates, não há como ser derrotado, ao final, todos os
crentes que lutaram em nome de Jesus receberão a célebre
recompensa, a coroa da glória. Ao ser cumprida a luta e recebida
Reginâmio Bonifácio de Lima 119

a vitória, no último dia, Jesus poderá afirmar novamente, como


fez no passado: “Não perdi nenhum dos que me deste”. Então,
será o fim, não mais haverá lutas, virá o galardão, não mais a
campanha; então a coroa, não mais a cruz. Porque nos dias atuais
muitos cristãos vêem apenas em parte, esquecendo-se da bem-
aventurança de servir como um bom soldado de Cristo. Mesmo
sendo alcançado pela morte pode-se crer na vida, porque não há
necessidade de se temer a morte.
A busca contínua por servir a Deus culminará na perfeição
dos escolhidos. Todos os remidos à imagem e semelhança de Deus,
redimidos pelo sangue do Cordeiro, manifestos numa existência
sem mácula, não apenas herdeiros de Deus, mas co-herdeiros com
Cristo, após serem revestidos de um corpo glorificado
incorruptível verão a santificação ser completada. A igreja
invisível louvará o Autor e Consumador da fé. Até o mais
aperfeiçoado santo é um pecador miserável ante a grandeza do
supremo Deus. As misericórdias, graças e plenitude somente
podem ser usufruídas na presença de Jesus. A graça comum
continua a agir no mundo para que o pecado não prevaleça e
destrua a terra. A percepção da humanidade pecaminosa pelo
arrependimento sincero une o homem com Deus, pelo beneplácito
divino, não há motivo para desespero, o sangue vertido de Cristo
propicia vida eterna, purifica do pecado, acolhe e perdoa o pecador
arrependido, implantando renovações e santificações nos corações
de Seu povo.
A segurança na vida eterna, a confiança de usufruí-la no
presente e no futuro não é um privilégio desfrutado apenas pelos
apóstolos. Todos os cristãos podem buscar essa vida em Deus,
pois ela já foi concedida onde superabundou a graça. Isso não
torna os cristãos presunçosos, pelo contrário, a mesma certeza
que manifestou-se em Jó, Davi, Isaías, Paulo e tantos outros, pode
se manifestar na igreja. A humildade vivida pelos homens citados
120 Retorno à Santidade

não lhes tirou a certeza de uma vida íntima e completa em Deus.


Na mesma medida, ao ancorar-se no Mediador do novo pacto,
que é Jesus Cristo, e apoiar-se nas doutrinas contidas nas
Escrituras, é exatamente a segurança de uma fé plenamente
desenvolvida. Uma fé confiante, pela certeza da salvação não é
orgulho, é devoção. Não se trata de presunção humana, é promessa
de Deus.
O Deus imutável, capaz de operar através de agentes
humanos a ponto de arrepender-Se, ou seja, retirar a ameaça, no
caso de Nínive, e cuidar da família de Ló, é o mesmo Criador de
todas as coisas, cheio de poder em Si, presente em todo lugar e
sabedor de todas as coisas. Ao andar no caminho das alturas deve-
se honrá-Lo, tributá-Lo, comungar e comunicar-se com o glorioso
Soberano. O buscar a Deus deve ser feito para pedir e suplicar,
assim também a adoração, honra, louvor e enaltecimento devem
ser uma constante na vida de quem busca andar em Sua presença.
A oração é a forma sensata de reconhecer a dependência a Ele,
preparar o coração e a mente no rememorar as maravilhas por
Ele produzidas, é o exercício da fé consciente nAquele que Se
importou e amou primeiro, cheio de graça e misericórdia.
Os próprios ensinos de Jesus testificam a veracidade do
conteúdo explícito no porquê de Sua vinda. No evangelho de João
está escrito: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que
deu seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crê, não
pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo: 3.16). A mensagem contida
em João: 3.16 é clara, o propósito da vinda de Jesus ao mundo é
propiciar vida eterna, como conseguinte, Jesus veio para salvar e
redimir. Em João: 10.10b, Ele afirma “Eu vim para que tenham
vida e a tenham em abundância”. A vida eterna é um presente.
Quanto a isso, qualquer cristão poderia ratificar,
testificando veracidade. O problema está na visão escatológica
que se tem colocado nessa vida. É como se Jesus tivesse pago o
Reginâmio Bonifácio de Lima 121

preço em caráter de consórcio, mesmo o homem sendo


contemplado, ainda necessitasse de complemento para a
transferência de domínio. O projetar futurístico, escatológico da
vida eterna traz ao coração humano a sensação de um alívio
posterior, uma liberdade póstuma, o que é totalmente antibíblico.
Talvez o fato de a esperança messiânica do judaísmo posterior
pós-exílio, ter-se juntado com a idealística talmúdica do reino
divino na terra, com um forte Salvador julgando nações,
transparecendo poder e majestade, tenha influenciado diretamente
a idéia construída de uma plenitude ser possível apenas no reino
do Messias, o que para os cristãos soaria como a segunda vinda
de Cristo de uma forma turva e postergada.
A vida eterna é também futura, contudo, mesmo com a
existência do presente século, é possível viver a vida eterna no
tempo presente porque o novo homem se faz atuante e a ação
decisiva do plano salvífico divino já foi consumada dois mil anos
atrás. A mesma vida eterna oferecida a Adão e Eva no paraíso é
dada ao homem através de Jesus Cristo. Não mais há separação.
É claro que se aguarda os novos céus e a nova terra, assim como
o dia em que todos ressuscitarão. A plenitude da vida cristã não
pode ser relegada a um futurismo, que, de tão distante, soa quase
cicioso; o povo de Deus já experimenta a voz de Deus no presente.
É incoerente dizer que o plano divino reconciliou o
homem com Deus, mas que essa reconciliação só se dará na
eternidade, ou seja, no futuro, após a morte. Não se trata de uma
tentativa de avivamento, saída do cerne humano para acordar um
povo que dormita, nem mesmo uma tentativa da construção de
uma teologia centralizada no homem, para um despertar coletivo,
pela alegria da possibilidade de um realizar presente das promessas
futuras. Fraudando a Bíblia, o mais que um teólogo conseguiria é
o comodismo de uma doutrina adaptada ao encaixe de suas idéias.
A vida eterna é real. Quando se diz ser ela iniciada no
presente, está se tratando de uma busca em andar com Deus, uma
122 Retorno à Santidade

“vida no Espírito”, tendo Deus por guia, através do Espírito Santo,


que age no meio dos remidos. A vida em Cristo, ou vida cristã,
precisa ser atuante para a proclamação da mensagem celeste. Isso
implica usufruir com Cristo uma vida dentro de Sua vontade –
não mais vivo eu, mas Cristo vive em mim. Ao participar no
presente da vida com Cristo tem-se o gozo de um andar com
Deus e a esperança da plenitude futura de algo já iniciado.
A vida eterna é um dom de Deus a todos os que crêem em
Jesus, uma possessão presente e uma esperança futura. A
justificação e a adoção como filhos de Deus apontam essa vida
eterna como presente e futura, porque se acabasse com a morte
não seria eterna e se fosse apenas futura seu valor escatológico
em muito afastaria os cristãos de uma vida de santidade presente.
A comunhão experimentada com Deus em Sua maravilhosa graça
outorga confiança e serviço em oração e louvor, porque a vida
eterna difere da vida meramente física, não somente na duração,
mas também na qualidade. A fé vívida transforma todo o que crê.
No tempo presente ela é apenas o princípio de tudo que ocorrerá
na eternidade.
Crucificado com Cristo, o velho homem morreu para dar
lugar a um novo, não deve mais viver como se fosse um homem
natural; o seu modo de pensar modificado e a vitalidade em Deus
garantiram a ressurreição futura e uma realidade presente
totalmente nova a ser vivenciada no domínio do Espírito.
Todos esses fatos indicam uma novidade de vida e
impelem na tarefa da proclamação do reino. A vida eterna,
expressa em obras pela prática do relacionar-se com o Salvador,
proporciona ao mundo a possibilidade de ouvir acerca de um
Alguém especial que escolheu dar a vida abundante no presente,
acentuando a esperança segura de que a salvação final já começou.
Deus fez a coisa certa, no tempo certo, propiciou regresso
aos que haviam partido de Sua presença e religou os homens a
Si. Mas Ele não age sozinho, fez questão de permitir ao homem
Reginâmio Bonifácio de Lima 123

caminhar a Seu encontro, como conseqüência de Seu amor


primeiro. Não se trata de erística, causa primeira ou essência-
matéria. É amor: puro, sublime e espontâneo. A decisão tomada
em como viver a vida no presente afetará todas as áreas do ser
humano, e cada um prestará contas de si quando do encontro
com o Criador. A vontade humana precisa ser atuante, enquanto
volição ativa, com efeitos concretos. Deus já fez a Sua parte.
A Bíblia dá evidências de sua historicidade e inspiração
divina. Tantas informações escritas ao longo de séculos, com
autores que não tiveram contato com grande partes dos outros
que também a escreveram: a inerrância e continuidade só poderia
ocorrer por inspiração divina. O próprio Deus declara ser de Sua
autoria as Santas Escrituras. Não adianta esconder-se diante da
falsa controvérsia da Bíblia, e crer que Jesus, no grande julgamento
utilizará o ditado latim: em caso de dúvida beneficie o réu. Não.
Ele já utilizou a expressão: está consumado, por esses crimes
ninguém mais pode ser condenado. E naquele dia, a todos que
nEle creram dirá: vinde, benditos de meu Pai. Mas a todos que
não o receberam ou se esconderam diante do pretenso benefício
da dúvida, dirá, como está escrito: apartai-vos de mim malditos,
para o fogo eterno.
Ainda há tempo. Ao Cordeiro, o Espírito e a noiva dizem:
vem. E eis que Jesus está à porta proporcionando uma vida plena
no Caminho reconciliador entre os pecadores e Deus. A morte de
Jesus Cristo na cruz rompeu o impedimento causado pelo pecado.
De todas as decisões que o homem tem que fazer na vida, a de
aceitar Jesus como seu Senhor e Salvador é a mais importante.
Não basta crer é preciso seguir Jesus.
A salvação adquirida em Cristo é para sempre:
justificação, santificação e glorificação representam mais que
passado, presente e futuro, são a certeza de que uma vez salvo,
salvo para sempre. “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu
124 Retorno à Santidade

as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais


perecerão” (Jo: 10.27 e 28 a). O homem salvo continua pecando,
mas não está mais sob o jugo do pecado. Jesus deu a vida eterna
e não a toma de volta. A vida eterna não é um presente condicional,
uma vez dada ela é para sempre.
Não é uma mera questão de legalismo. A vivacidade do
Deus Trino continua nos dias atuais, como foi no passado e como
sempre será. A salvação não é um ato isolado no passado, ela é
um presente contínuo em Deus pelas obras do Pai, do Filho e do
Espírito Santo. O Espírito selou os Seus e de semelhante modo
“nos assiste em nossa fraqueza”, sendo “o penhor da nossa herança
até o resgate da sua propriedade”. O habitar do Espírito em cada
um dos filhos de Deus garante que eles são propriedade divina, o
Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis, por isso,
o cristão jamais se perderá novamente.
A obra consumada na cruz propicia defesa aos homens
diante do Juiz do universo, Jesus advoga pelos Seus amados, ainda
no tempo presente, como fez no passado. O agir do Espírito
concomita com a ação presente do Cristo em favor dos filhos de
Deus e nada pode ser maior que Seu agir. O preço já foi pago; a
suficiência de Cristo sobressai acima de qualquer motivo acusador.
“Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem
os justifica. Quem os condenará? É Cristo quem ressuscitou. O
qual está à direita de Deus, e também intercede por nós” (Rm:
8.33 e 34).
Nada nem ninguém pode separar Deus dos homens, nem
os homens de Deus. A aliança foi selada por Deus, no agir do
Santo Espírito flui a vida conquistada no Calvário. As
adversidades podem vir com ímpeto, e as forças do mal, e em
tudo isso, somos mais do que vencedores por meio daquele que
nos amou. A confiança plena em Deus assegura o contínuo
restaurar de Sua imagem nos homens. Mesmo nas lutas ou falta
Reginâmio Bonifácio de Lima 125

de fé, nas dores ou pesar, a salvação continua sendo dádiva divina.


Uma vez ocorrido o reencontro com o Criador, permanecerá
eternamente.
Após ter sido restaurado, o homem é capacitado para
utilizar os dons e talentos dados a ele, pelo modo de agir, desígnios
e habilidades, tendo renovada a imagem e semelhança de Deus.
Essa restauração produzida pelo nascer de novo, renova a imagem
de Deus já existente no homem, envolvendo-o, pelo agir do
Espírito Santo, para uma progressiva libertação da corrupção do
pecado, capacitando o homem a viver para o louvor de Deus.
A imagem refletida, dantes pervertida, pelo agir e instrução
do Espírito Santo, capacita a viver numa santificação progressiva;
em amor a Deus, à natureza e ao próximo. O homem pode
novamente adorar com todo o seu ser, tendo suas relações
norteadas pelo princípio da obediência a Deus e conseqüente bem-
estar da criação. Esse ato de amar a Deus com todo o coração,
com toda a sua alma, com todo o entendimento e com toda a
força, capacita o homem a amar o semelhante, não porque este
seja considerado digno de ser amado, mas porque Deus o amou
primeiro. A relação estabelecida é de compartilhamento com o
próximo e cuidado com a criação divina, pelo despir-se do velho
homem em um aperfeiçoamento da santidade, em Cristo, porque
Ele é a imagem perfeita de Deus.
E quando essa imagem de Deus for finalmente
aperfeiçoada, com o refletir exato da perfeição futura, então na
glória, livre de pecado ou imperfeição, será possível ver um reflexo
cintilante das maravilhosas virtudes divinas em sua inteireza. Na
afirmativa de Hoekema, “se terá alcançado o propósito para o
qual Deus criou a humanidade”. Não mais haverá a necessidade
de buscar a alguém distante, porque Deus e os homens estarão
unidos outra vez, o futuro do universo e da humanidade novamente
se encontrarão, e, naquele momento, o Deus que reconciliou
consigo todas as coisas terá alcançado o objetivo da redenção.
126 Retorno à Santidade
Reginâmio Bonifácio de Lima 127

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