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GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica.
In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento.
Évora: Universidade de Évora.
O texto foi tecido basicamente com três fios: tempo, conhecimento e narrativa e
organizado em quatro momentos: a temporalidade, o tempo e o conhecimento,
tempo, conhecimento e narrativa cinematográfica.
O ato de tecer seguiu os seguintes passos: no primeiro, um fio referente ao
tempo, foi selecionado entre tantos do mesmo nome e a escolha recaiu sobre
aquele que contém a obra de Minkowski, que é um marco nos estudos sobre esse
tema. Aspectos da temporalidade foram revisitados e selecionados por serem
fundamentais à compreensão desse elemento essencial na tecitura do texto.
O segundo passo foi dado pela incorporação de um novo fio, o conhecimento,
que aparece muitas vezes sozinho e em outros, entrelaçado ao primeiro fio. Os fios
referentes ao tempo e ao conhecimento, que foram entrelaçados para compor o
texto, forneceram os primeiros elementos resultantes da articulação entre eles.
O terceiro passo trata da integração de um novo fio aos anteriores ⎯ o cinema,
especialmente no que se refere à narrativa cinematográfica. Cada fio foi objeto de
muita atenção em relação, especialmente, à sua especificidade, quanto ao
conhecimento que contém, para que no momento de juntar‐se aos outros
componha um desenho novo, harmônico e articulado.
As considerações finais ao encerrarem o artigo apresentam uma forma de
compreensão preliminar da influência da narrativa cinematográfica sobre o tempo
e o conhecimento. Ao ser integrado ao devir o texto será exposto aos leitores, e
embora não se tenha como saber sua repercussão fica a certeza que comporá com
os demais, juntamente com aqueles que estão guardados nas dobras do passado e
com aqueles outros que virão do futuro, a força que faz girar eternamente a roda
do conhecimento.
A TEMPORALIDADE
Os fundamentos que serviram de base para nortear a busca de respostas sobre
as inquietações relacionadas ao tempo vivido e ao conhecimento foram
encontrados na obra de Eugène Minkowski.
Minkowski afirma que entre o devir e o ser, entre o tempo e o espaço se
escalonam em nossa vida, fenômenos de ordem espaço‐temporal que nos indicam
porquê e como, o pensamento chega a assimilar o tempo ao espaço. Esses
fenômenos formam dois escalões: a duração e a sucessão vividas de um lado e a
continuidade vivida de outro. O laço que une estes dois escalões representa um
princípio especial denominado princípio de desdobramento, cujo sentido é o
passar do tempo.
Quando refletimos sobre o passar do tempo, o presente, o passado e futuro são
evocados. Minkowski refere‐se a Pierre Janet para enriquecer essa reflexão, pois,
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GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica.
In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento.
Évora: Universidade de Évora.
este, apresenta também dois escalões do tempo, mas sobre outro aspecto.
Descreve o tempo em dois níveis: a forma inconsistente e a forma consistente e
utiliza‐se da memória para explicá‐los por considerá‐la como algo próprio do
homem e que consiste em uma conduta particular intimamente ligada à função da
linguagem, ou seja, do discurso.
Assim sendo, a origem da memória está relacionada a uma conduta social que se
desenvolve a partir do momento que o ser humano descobre a vantagem de
colocar sentinelas não diretamente no campo, como fazem os animais que vivem
em grupo, mas fora do campo, comportamento que se utiliza da faculdade de avisar
verbalmente a uma pessoa ausente ou de transmitir‐lhe uma ordem.
Para a memória foi preciso sair dessa inconsistência encontrando um ponto
absoluto que tornasse possível ordenar de uma maneira unívoca o passado e o
futuro. Surge assim a noção de presente, que é um relato de uma ação, que fazemos
enquanto estamos executando, que reúne a narração e a ação.
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GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica.
In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento.
Évora: Universidade de Évora.
Minkowski define o agora como sinônimo de existência, pois existe apenas o
agora, porque o que não é agora não existe. Não conseguimos fixar o agora, pois
ele foge do nosso olhar, permitindo‐nos ver somente como se desdobra na nossa
frente, dando lugar a outro fenômeno ⎯ o presente.
O presente não é um nãoagora, pois conserva em si algo dele ⎯ é um agora que
se desdobrou. A característica peculiar desse fenômeno é quanto a sua duração e
sua extensão, cujos limites são fluidos, flexíveis, sendo tanto o agora, como o hoje
ou a época e fazendo que todas essas formas pareçam incrustarem‐se umas nas
outras, mas continuando subordinadas à noção de tempo vivido.
O presente é referência para a existência do passado e do futuro.
O passado não é aquilo que desapareceu para sempre, mas é o que existe no
passado ou o que já foi presente.
A atividade e a espera, o desejo e a esperança, a prece e a busca da ação ética, são
os fenômenos vitais suscetíveis de dar resposta ao futuro, na medida em que
constituem o fundamento e a contextura deste.
O TEMPO E O CONHECIMENTO
As sucessivas e rápidas mudanças que vêm ocorrendo nos modos de produção
de bens materiais no mundo globalizado refletem‐se em todos os setores da
cultura e da subjetividade. Assim, o conhecimento e a experiência humana com a
temporalidade modificam‐se mutuamente, tanto nas formas de produzir
conhecimento como no sentido do tempo.
No tempo da oralidade primária, a linguagem e a memória eram dois aspectos
do mesmo fenômeno, e a organização temporal da narrativa representava o tempo
como circular. As histórias eram contadas e recontadas, mantendo a circularidade
das lembranças.
A invenção da escrita rompe com essa circularidade. Inaugura‐se um novo
tempo, o tempo da escrita, tempo cronológico e linear. O conhecimento sofre uma
grande mudança, pois é separado do sujeito que o produz.
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GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica.
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A invenção do cinema trouxe uma grande mudança na perspectiva do tempo. O
cinema (imagem e som) modifica os processos de transmissão de conhecimento
dessa matriz, tradicionalmente apoiados na leitura e na escrita, a narrativa torna‐
se menos racional e mais sensorial e a organização menos precisa e mais intuitiva.
O modelo de linguagem, narrativo clássico, marcou a história do cinema, pela
estrutura linear e naturalista. Mas a evolução em busca de recursos que
permitissem a expressão de várias possibilidades de linguagem, traçou um
caminho que partiu de produções com estruturas narrativas mais simples até o uso
de tecnologia de ponta, criando efeitos especiais de imagem e novas experiências
de linguagem.
O cinema, baseado na simples ação, ao transformar‐se em cinema de idéias cria
uma outra organização temporal, pois, sendo uma representação indireta depende
da organização de imagens e sons para a expressão da temporalidade, pano de
fundo para o desenvolvimento da narrativa.
As novas tecnologias ofereceram os recursos necessários para que o tempo
cinematográfico rompesse definitivamente suas amarras com a noção da
continuidade temporal.
As transformações sociais modificaram as relações do ser humano com o mundo
e consigo mesmo, o que gerou a necessidade de estabelecimento de novos padrões
para a compreensão do conhecimento, das relações do homem com seu próprio
mundo e, conseqüentemente, consigo mesmo.
O cinema (...) ritualiza em imagens, visuais e sonoras, os eventos locais
que o espectador fiel deve recordar ao debruçarse sobre o passado, o
presente e o futuro de sua vida. (Teixeira & Lopes, 2003, p. 10)
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GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica.
In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento.
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Com as gravações de filmes em DVD que podem ser alugados em lojas
especializadas ou adquiridos, o cinema ganhou um grande espaço nas residências,
acrescido ainda pelas “sessões de cinema” veiculadas pela TV, especialmente a
cabo, com canais especializados em exibição por categorias: infantil, nacional,
drama, cult, comédia, suspense, ação, arte, documentário, história e ficção, entre
outras. Os filmes de longa‐metragem foram objeto deste estudo porque são
narrativas, eles contam histórias, sejam elas baseadas em fatos reais ou apenas
ficção.
Vive‐se em uma sociedade audiovisual, em que o ser humano, na construção do
seu currículo “cultural”, conta com a grande influência da narrativa imagem‐som
para, ao longo do tempo agregar cotidianamente, de forma mais ou menos
organizada, informações, valores e saberes, propiciados pela exposição freqüente a
esse tipo de narrativa.
Como o discurso presente na narrativa cinematográfica faz parte da experiência
temporal de milhões de pessoas, este influência na forma do ser humano aprender,
sentir, julgar, pensar, conhecer e na sua relação com o tempo: presente, passado e
futuro.
É importante destacar a diferença entre assistir um filme na tela grande e o
mesmo na televisão. Ir ao cinema pode ser considerado um “evento”, pois é preciso
sair de casa, ou do trabalho para adentrar no espaço organizado e preparado para
a projeção do filme. Na maioria das vezes trata‐se de uma atividade compartilhada
por uma ou mais pessoas, pois é bem menor o número de pessoas que vão ao
cinema sozinhas em relação ao número das que vão acompanhadas. Pode‐se
perguntar, mas, o que este dado tão banal tem a ver com tempo e conhecimento?
A resposta aparentemente simples é bastante complexa, portanto, neste artigo
apresentamos sinteticamente alguns aspectos importantes para a compreensão
das relações envolvidas na presente questão.
A decisão de ir ao cinema implica na organização de um tempo anterior ao
evento que é preenchido por inúmeras atividades, a partir da decisão de ir ao
cinema para assistir determinado filme, tais como, escolha da roupa, considerando
o espaço de tempo entre a decisão e o horário da projeção do filme, definição de
meio de transporte para chegar ao local, contatos com a(s) companhia(s) para
combinarem o encontro, providências necessárias para que essa ruptura na
organização cotidiana do tempo não traga problemas de ordem pessoal e/ou
profissional.
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GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica.
In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento.
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Esse tempo é preenchido por atividades que fazem parte do antes, selecionadas
e organizadas para que um depois possa acontecer, assim, embora estejam
aparentemente dentro do presente constituem parte integrante de futuro vivido, na
concepção de tempo de Minkowski. Compreender isto fica mais claro quando
entendemos que nosso impulso vital pessoal contém de uma maneira primitiva, a
noção de direção no tempo, que orienta a nossa vida em direção ao futuro.
A atividade é um fenômeno essencial à vida, porque tudo que vive é ativo e o
que é ativo vive, faz parte do devir e não do ser, portanto trata‐se de um fenômeno
de natureza temporal. A atividade na medida que não se deixa parar, fixar, limita‐
se ao nosso futuro imediato.
Tão somente com minha atividade chego a criar algo, ainda que a criação
não esteja ligada de uma maneira imediata com a atividade. Por outro
lado, unicamente a obra parece poder separarse da atividade, sem ser
absorvida por ela. (Minkowski, 1973,p.80)
Entre a preparação para ir ao cinema e assistir o filme existe em maior ou
menor abrangência, o tempo da espera.
A espera é o fenômeno vital que se opõe à atividade A diferença entre esses dois
fenômenos é que na atividade tendemos para o futuro e na espera acontece o
inverso: vemos o futuro chegando té nós e esperamos que esse futuro se faça
presente.
A espera contém, em si mesma, um fator de brutal detenção que torna o
indivíduo ansioso, como se o devir concentrado fora do indivíduo viesse
caindo sobre ele aniquilandoo, enchendoo de terror, frente a essa massa
desconhecida e inesperada, prestes a engolilo. (Queluz, 2005,p.91)
Independentemente do tipo de espera, e da forma como se espera, trata‐se
sempre de deixar passar certo lapso de tempo até que o esperado aconteça.
O desejo de assistir um filme, fato gerador da ida ao cinema, constitui uma das
dimensões temporais do futuro vivido, na zona do futuro mediato.
No desejo a atividade é ultrapassada, porque olho mais longe em todos os
sentidos. Quando o ser humano lança‐se no futuro movido pelo desejo, este se abre
com maior amplitude. Como se deseja o que não se tem, deseja‐se mais do que se
tem, e este é o sentido da vida.
Brinco livremente na água; por isso traço ao meu redor uma espécie de
esfera de minha atividade, com limites, que são excessivamente móveis e
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GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica.
In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento.
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fluidos (para nosso pensamento espacial); ao mesmo tempo apropriome
desta esfera, ao encontrarme em contato imediato com ela. Mas percebo
ao longe um objeto que me seduz, agora sei o que está ao meu alcance e o
que não está, e meu desejo, ultrapassando a esfera de minha atividade,
orienta minhas forças para além dela. E a simples atividade, descuidada e
alegre, se faz agora mais séria, mais grave, porque é dirigida pelo desejo.
Minkowski, 1973, p.92)
O desejo de compreender, de aprender, de escrever está presente no
conhecimento. A obra cinematográfica projetada sobre a tela integra um complexo
muito maior e mais poderoso do que ela, diferente daquele do qual ela se originou,
enquanto obra pessoal. O complexo no qual a obra se integra, ao ser oferecida ao
público é o devir, que por sua vez não estático, nem morto. A obra passa a integrar
algo que é infinitamente vivo e em movimento: o mundo em sua marcha. O mundo
segue seu caminho com ou sem a obra, entretanto esta obra consegue marca‐lo.
Este livro em que trabalho já há alguns anos e que, como eu o sinto,
contém uma parte de meu ser, uma vez terminado escapará de mim, por
assim dizer, se converterá em um volume assinado por Minkowski e, se
tem algum valor, exercerá influência que ignoro e que provavelmente de
maneira alguma terão estado entre os motivos profundos que me levaram
a escrevelo. (p.58)
Assim como foi do “escape” do livro citado que tirei os motivos para produzir
esse artigo, que com certeza não estavam entre aqueles que geraram o livro em
questão, o espectador será influenciado na sua maneira de estar no mundo pelos
conhecimentos que absorveu do filme, da forma como os absorveu e os utilizará
livremente como desejar, pois ao tomá‐los da obra os organizou dentro das
categorias de tempo, que conduzem o seu caminhar rumo ao futuro.
O impacto da narrativa cinematográfica atinge o espectador de múltiplas formas
e em múltiplas direções. O aspecto emocional é constantemente acionado durante
a exibição, causando reações de riso, choro, entre outras, em resposta aos
sentimentos que foram gerados no tempo vivido em que o espectador a
experimentou medo, alegria, amor, ódio, como se estivesse dentro do filme. O
aspecto cognitivo é mobilizado tanto durante a projeção como posterior a ela, pois
pode levar o espectador a procurar mais informações, a compartilhar com os
outros o apreendido e a construir argumentos a partir da sua experiência com o
filme. Este conjunto de informações, emoções, conhecimentos e aprendizagens,
aliado à experiência estética vivenciada passa e integrar o repertório humano e a
ser utilizado pela memória, que por ser seletiva desdobrará seu rico conteúdo de
acordo com os motivos e a busca daquele que a acessou.
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GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica.
In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento.
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Voltando ao nosso espectador frente á tela, assistindo um filme. Ele é, durante o
tempo de projeção, o ser em cuja mente milhares de imagens e sons são
registradas simultaneamente enquanto sua emoção e seus sentimentos o colocam
nas diferentes dimensões do tempo vivido. Assim, diante de situações de
desespero, presentes na narrativa cinematográfica, o espectador acompanha o
desenrolar da ação, preenchido de esperança que aquilo que parece impossível
encontre uma solução.
A prece tem sua afirmação na vida, e é por isso que quando esta parece
estar ameaçada diante da morte, de calamidades, ou outras razões que
colocam em perigo o nosso eu, e a esperança parece demasiadamente
débil, oramos. (Queluz, 2005, p. 93)
O cinema de catástrofe ou a dor inerente ao cotidiano age sobre o espectador
muitas vezes como anúncio do que está por vir, criando a necessidade imperiosa
de proteger‐se daquilo que pode acontecer. O tempo da prece, não é aquele em que
se recita uma oração decorada. Trata‐se da interiorização total vivida porque na
prece me afasto do devir, recolho‐me, penetro em mim, enfim, a prece se eleva do
mais profundo do meu ser.
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GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica.
In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento.
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Se tentarmos vincular a prece a um fenômeno intelectual, encontraremos
apenas um que tem afinidade com ela, por menor que seja: o problema. Na prece
não afirmamos nada, não fazemos nenhuma pergunta.
A busca da ação ética é o coroamento do futuro vivido, porque nela afastamos os
interesses que constituem a materialidade da vida, penetramos ato o fundo do
nosso ser, apagamos os nossos próprios limites, para nos apoderarmos do melhor
de nós mesmos. Essa tendência para a ação ética escancara o futuro diante de nós,
sendo a ação ética um fenômeno que se impõe por grandeza e não por sua
freqüência.
Os fenômenos ⎯ existo, tenho, pertenço a ⎯ referem‐se, na mesma ordem às
dimensões do tempo: atividade, desejo e busca da ação ética.
A atividade, o desejo, a busca da ação ética parecem determinar em torno
do eu vivo três esferas ⎯ concêntricas, sendo a segunda delas mais
distante que a primeira e englobando a terceira às duas primeiras,
traçando em torno a elas um horizonte luminoso. (Minkowski,
1973,p.115)
Na vida, a perspectiva de nos integramos, por etapas sucessivas a formas de
vida cada vez mais vastas e maiores, sem que por isso percamos nossa
independência e nossa autonomia, constitui o verdadeiro elemento para o
desenvolvimento de nossa atividade e de nosso esforço.
A vida vasta e ampla estendese agora frente aos nossos olhos. Vastos e
amplos são também os problemas que ela nos coloca. Mas, também vasto
e amplo é igualmente nosso ímpeto dirigido para eles. E com isto sentimos
que nos engrandecemos. (p.122)
Na vida caminhamos para o futuro e para a morte, que são dois movimentos
diferentes: o primeiro é o grande, o infinito e o segundo, o fechado, o limitado.
Entre esses dois fenômenos existe uma diferença de nível; as duas forças
não se encontram no mesmo plano. Na realidade, ao invés de dizer: vou
para o futuro e vou para a morte, seria mais exato dizer: a vida em mim
vai para o futuro e eu vou para a morte. Esta forma é mais apropriada
porque mostra como nos afirmamos em relação ao devir e o que a morte
significa para nós. (Queluz, 2005,p.94)
A busca da ação ética permeia as narrativas cinematográficas, sendo alvo de
reconhecimento, de gratidão e/ou de algo que incomoda aqueles que se sentem
prejudicados por ela.
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GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica.
In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento.
Évora: Universidade de Évora.
A existência humana retratada pelo cinema expõe os conflitos entre esses
elementos no caminho traçado entre o nascimento e a morte, cenário de um tempo
vivido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tempo de duração de um filme é muito pequeno se comparado ao seu efeito
sobre as pessoas. Esse curto espaço de tempo em que um filme é visto está
duplamente contaminado, por um lado pelas condições sociais do momento e do
outro pela visão de mundo do espectador. Cada experiência originada pelo ato de
ver um filme afetará a maneira como o espectador verá o (s) próximo(s). O
conhecimento resultante da experiência com a narrativa cinematográfica vai sendo
enriquecido, vai definindo escolhas, cria um novo arquivo que guardará as
preferências do espectador por astros e estrelas, gêneros, diretores, entre outras,
assim como as suas resistências em relação aos mesmos aspectos. A riqueza de
mistura de sentimentos, emoções, informações, sons, luzes, cores, músicas, efeitos
especiais, pode, dependendo do significado que teve para a pessoa, acompanhá‐la
por toda a vida como um marco relacionado a algum aspecto importante da sua
existência. O conhecimento gerado pela narrativa cinematográfica não pode ser
reduzido ao entretenimento, pois mobiliza toda uma gama de elementos que
compõem o pano de fundo sobre o qual se desenha a vida. O resultado desse
conhecimento não pode ser generalizado, pois ele se dá na soma de experiências,
que influência de forma positiva ou negativa o espectador.
O filme é um discurso sobre o mundo, conseqüentemente ele fala para um
interlocutor.
Por lançar mão de vivências de pessoas como conteúdo desse discurso, o
mundo aí retratado e do qual ele fala sinaliza estar se tratando de
homens e coisas situados no tempo e no espaço, no passado e no futuro,
em um lugar concreto ou em um lugar presumível. E ao mesmo tempo,
essa comunicação que o filme propõe ⎯ qualquer que ele seja ⎯ oferece
ao interlocutor um testemunho de algo passado ou um desafio para o
futuro. De qualquer modo, sempre nos insere numa realidade que até
então estava ausente da vivência do interlocutor. (Rodrigues, 2003, p.44)
A possibilidade comunicativa de um filme é enorme na medida em que não
conta com apenas uma forma de linguagem, mas, com várias possibilidades
comunicativas uma vez que os objetos óticos e acústicos podem ser transformados
em signos, logo portadores de significação.
As linguagens, tanto orais quanto a dos objetos e das ausências se
entrelaçam de modo significativo, unindo os discursos, as imagens, a
música e o silêncio. No cinema o silêncio é prenhe de significação. Ele não
indica ausência de sinais, não representas falta. Pelo contrário, no cinema
o silêncio fala, assim como a música com o qual compõe um ambiente
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GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica.
In, V. Trindade, N. Trindade & A.A. Candeias (Orgs.). A Unicidade do Conhecimento.
Évora: Universidade de Évora.
discursivo fazendo parte da gramática da linguagem cinematográfica.
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Tal qual a música o cinema também é uma arte do tempo, ou da beleza em
movimento. Diferente das artes do espaço ou da beleza imóvel, quando assistimos
um filme, após o final da exibição, continuamos ligados àquela vivência da qual
participamos, pois para compreendê‐la desencadeamos uma série de atos de
memória coordenados, comparações instintivas e contínuas e sucessivos estados
de consciência.
O filme provoca reações no espectador que podem ser classificadas em quatro,
por serem mais freqüentes: sensorial que se explica pelos efeitos psicológicos e
fisiológicos intimamente relacionados às imagens‐som, havendo associação entre
estas e as reações corporais; emocional quando a pessoa projeta seus sentimentos
no filme, que pode então associar com características humanas particulares, como
por exemplo, alegria, tristeza, raiva, medo, entre outras; imagináriaassociativa
quando o filme leva a uma associação de imagens visuais; objetiva quando o
espectador reage de forma intelectual, fazendo comentários técnicos ou teóricos
sobre o filme.
Este mundo privado é denominado por Rogers de “campo fenomênico” ou
“campo experiencial”, e inclui tudo o que é experienciado pelo organismo,
sejam estas experiências percebida conscientemente ou não. (Queluz, A.
G., 1984, p.11)
A pessoa reage ao estímulo da forma como o vivencia e o percebe, assim, o
impacto da narrativa cinematográfico é pessoal e está relacionado às
características do indivíduo.
O ato de conhecer pode ser explicado pelo processo que ocorre quando a
narrativa cinematográfica traz para a pessoa um conjunto de imagens‐ação
inicialmente sem significado para ela e que no transcorrer da projeção vai
tornando‐se familiar e finalmente adquire significado. A narrativa cinematográfica
ao produzir textos que representam o pensamento e o tempo que se tornaram
visíveis e sonoros, materializados em imagens‐ação, constitui‐se em uma força
externa ao sujeito que torna significativos conhecimentos até então não
percebidos.
As imagens sobre o futuro veiculadas pelo cinema já fazem parte do nosso
repertório do presente e embora realmente não possamos ter acesso a ele, já
penetramos nele, nas suas múltiplas dimensões, conhecemos os andróides e seu
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GARCIA, A.; Vasconcelos, M. (2007) Tempo e conhecimento: narrativa cinematográfica.
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comportamento, os anjos em suas passagens pela terra, os seres de outros
planetas, o planeta destruído pelas próxima guerra, vivemos o último dia do
mundo e também do day after, enfim a magia do cinema que nos seduz e nos tira
da mesmice do cotidiano, nos coloca em contato com todo tipo de gente,
comportamento e situação. Fica tudo exposto á nossa escolha e
independentemente de quem somos traremos para o self aquilo que responde aos
nossos impulsos, tendências e formas de estar no mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Minkowski, E. (1973). El Tiempo Vivido. México: Fondo de Cultura Economica.
Queluz, A. (2007). A Questão da Temporalidade na Educação. In Fazenda, I. A
Pesquisa em Educação e as Transformações do Conhecimento.Campinas:
Papirus.
___________ (1984) A Pré Escola Centrada na Criança – Uma Influência de Carl R.
Rogers. São Paulo: Pioneira.
Rodrigues, N. (2003). Adeus, meninos: um discurso contra o esquecimento. In
Teixeira, I. A. C. & Lopes, J. S. M. (2003) A Escola vai ao Cinema. Belo
Horizonte: Autêntica.
Teixeira, I. & Lopes, J. (2003) A Escola vai ao Cinema. Belo Horizonte: Autêntica.
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