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TRILHAS DO REDESCOBRIMENTO

O TEMPO CONTADO NO ESPAÇO NO MEMORIAL DAS IDADES DO BRASIL

CAVALCANTE, Luciana Lopes


Trilha Mundos – Cooperativa de Turismo, Cultura e Meio Ambiente
lulopes_bsb@yahoo.com.br/ 55.61.95584435
Eixo temático: Trilhas Interpretativas e Educação Ambiental

Introdução
A percepção do passado é um importante elemento de amor a terra.
Yi-fu Tuan

A formação integral de cidadãos conscientes demanda, cada dia mais, que a


educação formal seja capaz de penetrar no cotidiano dos aprendizes, trazendo
significação ao conteúdo. Nesse sentido, o turismo e as atividades extra-escolares são
importantes elementos na geração de referências concretas para o aprimoramento do
processo de aprendizagem, através do ver, sentir, tocar e viver as temáticas abordadas.
O uso das trilhas interpretativas como instrumentos educativos constitui um
importante recurso na legitimação da aprendizagem, na medida em que estas conduzem
a percepção para os contextos em destaque, estimulando a curiosidade, encorajando a
exploração mais aprofundada do assunto e estabelecendo um vínculo de afetividade do
visitante com o local visitado.
O Memorial das Idades do Brasil é um museu a céu aberto didaticamente projetado
para contar a história de três fases de formação dos planaltos brasileiros, que vão desde
a formação geológica da terra até a ocupação humana, onde a representação do tempo
ao longo da trilha mostra-se efetiva na construção dos conteúdos.
Toda a trilha, com seus três focos temporais, é composta por diferentes ambientes
que possuem respaldo em um plano pedagógico. Trata-se de uma criativa releitura de
amplos estudos e pesquisas científicas, especialmente de cunho histórico, possibilitando
ao público leigo o aprimoramento de noções a respeito dos longínquos processos pelos
quais suas paisagens cotidianas passaram até que se estabelecessem como hoje as
conhecemos.
Objetivos

O objetivo geral do trabalho é, a partir do estudo de caso do Memorial das Idades


do Brasil, refletir sobre as abordagens transdisciplinares em trilhas interpretativas, com o
estabelecimento de diálogos com relevantes pesquisas e hipóteses científicas, em geral
restritas a um público acadêmico. É igualmente objeto de reflexão, a valorização da
paisagem a partir de uma perspectiva temporal (e não somente espacial e estrutural,
como convencionalmente se procede), utilizando a arte de contar e vivenciar histórias na
geração de relações de afeto e cuidado com o espaço cotidiano.

Metodologia

O presente trabalho foi desenvolvido mediante o levantamento bibliográfico em


fontes secundárias nas temáticas de educação, interpretação ambiental e nos assuntos
específicos ligados ao Memorial das Idades do Brasil, em sua maior parte contemplados
em seu plano pedagógico, buscando verificar as variações e possibilidades de utilização
desses instrumentos educativos no enriquecimento dos processos de aprendizagem na
recepção de visitantes e na trilha interpretativa implementados.

As trilhas interpretativas como elo entre a educação e o turismo

A introdução dos indivíduos aos processos sistemáticos de aprendizagem e a


transmissão dos conhecimentos básicos demandados em cada fase evolutiva são as
principais funções sociais desempenhadas pela escola. Contudo, teóricos do assunto há
muito discorrem sobre a real essência do aprendizado e os processos educativos sofrem
constantes reformas na busca de alternativas que favoreçam o desenvolvimento integral
de crianças e jovens.
Apesar do surgimento de novas correntes de pensamento e da aplicação de
inovadores métodos de ensino, uma abordagem de interação com o meio e entre os
aprendizes mostra-se um fim ainda distante de ser amplamente alcançado nos longos e
diários contatos realizados entre as quatro paredes de uma sala de aula, onde o
distanciamento entre aprendiz e objeto de estudo tornam o conteúdo destituído de
significação.
O entusiasmo em aprender somente pode ser conquistado por meio de um
processo educativo que estimule as competências e talentos dos alunos, que compreenda
seus limites e dificuldades, usando-os como escada para a auto-superação, que
possibilite sua auto-expressão, aguce sua curiosidade investigatória e favoreça o diálogo,
o debate e as reflexões científicas, aproximando-as da realidade e revestindo-as de
sentido.
Nos últimos dez anos, essa constatação é traduzida na adoção de políticas
públicas e diretrizes básicas de aprimoramento do ensino em todo o Brasil. Nesse
sentido, o Governo Federal destaca a necessidade de “valorização da experiência extra-
escolar”, em sua Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional1, aponta o meio
ambiente e a pluralidade cultural como temas transversais a serem adotados em seus
Parâmetros Curriculares Nacionais e estimula a adoção de “instrumentos e metodologias,
visando à incorporação da dimensão ambiental, de forma interdisciplinar, nos diferentes
níveis e modalidades de ensino”, na Política Nacional de Educação Ambiental 2.
Segundo o artigo 1º, capítulo I, desta mesma Lei Federal,
Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o
indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências voltadas para conservação do meio
ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de
vida e sua sustentabilidade.
Considera-se aqui o meio ambiente em seu sentido mais abrangente, visto que
todas as formas de vida, o meio natural e as relações que essas formas de vida
estabelecem com esse meio natural, compõem uma unidade concreta constituída por
componentes indissociáveis.
A Política Nacional de Educação Ambiental deixa nítida, ainda, a necessidade de
reforço às iniciativas complementares ao delegar ao poder público, em seus diversos
níveis, o incentivo à ampla participação na formulação e execução de programas e
atividades vinculadas à educação ambiental não-formal e ao ecoturismo.
O mercado turístico, por sua vez, também vem ao encontro dessa tendência,
deixando aos poucos de ofertar produtos essencialmente recreativos, e sofre intensos
incrementos, agregando aspectos educativos e sensibilizadores capazes de sugerir novos
conhecimentos e atitudes aos visitantes.
Nessa conjuntura, ecoturismo e o turismo cultural, segmentos estreitamente
ligados à educação e à valorização dos elementos de atratividade envolvidos, se
estabelecem e passam a atrair novos consumidores, com expectativas cada vez maiores.
Variações destes segmentos voltadas para classes escolares também se consolidam e

1
Lei N° 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
2
Lei N° 9.795, de 27 de abril de 1999.
ganham público ao converter conteúdos antes teóricos e abstratos em oportunidades de
vivências in loco3.
As trilhas, que sempre tiveram a acessibilidade como função primordial nos
diversos segmentos turísticos, constituindo essencialmente um meio de se chegar ao
destino final, seguindo os mesmos preceitos, passam a contar com crescentes adesões e
incorporam novos sentidos, constituindo o fator de atratividade por si só, com maior
presença em diversas propostas nas quais a experiência proporcionada ao visitante é
difundida ao longo de todo o percurso.
Segundo Lima (s.d), a combinação de fatores educativos e recreacionais nas
trilhas interpretativas adquire um sentido especial ao unir curiosidade, reflexão,
multiplicidade de estímulos, elementos temáticos e companheirismo, este fundamentado
em técnicas e estimulado pela compreensão de uma vivência onde cognição e afetividade
são combinadas. E complementa:
Os objetivos de uma trilha podem ser desdobrados em vários pontos
relacionados à experiência e à percepção ambientais, mas o objetivo
principal de toda ela, é o resgate do significado da integração e
conservação ambiental mediante o conhecimento. Esta integração
Homem/Paisagem estabelecida durante uma trilha interpretativa,
transcende objetivos imediatos, fundados em informações superficiais ou
não, explicações técnicas, temáticas, etc. Na realidade, a experiência de
uma trilha é impossível de ser restringida aos conteúdos referentes aos
ecossistemas, ciclos vitais, recuperação e proteção, poluição e
degradação, entre outros. (LIMA, s.d)
Nesse sentido, a interpretação ambiental se consolida como instrumento de
valorização das trilhas, estreitando o contato entre o caminhante e a paisagem
circundante e expandindo a compreensão e as perspectivas de satisfação do usuário
menos informado e observador ao destacar elementos que certamente passariam
despercebidos.
Além do prazer proporcionado por uma caminhada ao ar livre, as trilhas de
interpretação podem vir agregadas a outros instrumentos de sensibilização, como
dinâmicas, jogos cooperativos e arte-educação, capazes de abrir os canais sensíveis da
criatividade, da percepção e da compreensão da paisagem em suas dimensões de
espaço, tempo e influência mútua com os aprendizes, e mais além, dimensões intangíveis
das paisagens que se remetem aos espaços psicológicos individuais, induzindo a

3
Atualmente, um novo programa do Ministério do Turismo, denominado Caminhos do Futuro, inicia um
processo de inserção transversal desse campo de estudo no ensino médio e fundamental, reforçando sua
reflexão por meio da educação formal.
redescoberta do meio ambiente e o reconhecimento da essência da presença humana no
espaço externo.
Nas palavras de Tuan (1980), percepção, atitudes e valores preparam-nos,
primeiramente, a compreender nós mesmos. Sem a autocompreensão não podemos
esperar por soluções duradouras para os problemas ambientais que, fundamentalmente,
são problemas humanos.
Dessa forma, cada pessoa, por meio do filtro de sua própria história de vida e
sensibilidade, estabelece uma diferente compreensão dos conhecimentos e experiências
vivenciados. É essa compreensão, íntima e intransferível, que congrega o afeto e
sentimento de ‘fazer parte’ que os indivíduos têm em relação ao seu meio, pertencendo
conscientemente aos fatos históricos e aos ciclos naturais, religando-se aos processos
maiores, valorizando a paisagem de dentro pra fora e, a partir daí, estabelecendo
relações positivas com o mundo e, por conseqüência, com seu próprio bem estar.
Partindo desse princípio, não apenas apelos ligados à ecologia e conservação,
temas convencionalmente trabalhados, servem de ponto central. Os deslocamentos às
paisagens consideradas transtemporais, por expressarem testemunhos e marcas que
representam as sucessivas relações do homem com a natureza, constituem, por si só, um
elo consigo próprio e com seus antepassados.
Para Santos (2001), a idéia de paisagem é o conjunto de formas heterogêneas, de
idades diferentes, pedaços de tempos históricos representativos das diversas maneiras
de produzir as coisas, de construir o espaço. É a materialização de um instante da
sociedade, como em uma fotografia.
Nesse sentido, a “espacialização da história”, um dos campos de estudo da
chamada geografia histórica, instituindo um enredo temporal ao longo do percurso de uma
trilha ao mesmo tempo em que reproduz cenários, sejam eles reais ou fictícios, é capaz
de unir as dimensões espaço e tempo e gerar novas noções a seu respeito.

O resgate da memória da paisagem em novas perspectivas


historiográficas

Nômades, peregrinos, grandes navegadores, conquistadores, cientistas,


missionários, exilados, negociantes, fugitivos e os mais diversos tipos de viajantes desde
a pré-história se deslocaram pelos mais remotos lugares com diferentes objetivos.
A exemplo das abordagens simplistas sobre o descobrimento do Brasil pelos
europeus, os veículos de mídia e materiais didáticos que tratam da história e geografia de
Brasília, induzem-nos a considerar que a vida e o movimento da região somente se deram
a partir da determinação desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, com sua
campanha monumental para construir uma cidade inteira a partir do nada, em uma área
inóspita e abandonada no centro árido do país.
Paulo Bertran foi historiador e poeta do Brasil Central e, inevitavelmente, da
chamada “Brasília Pré-Jusceliniana”. Como pesquisador de vestígios que contribuíssem
para a preservação da identidade do homo cerratensis, expressão por ele cunhada,
registrou as ocupações humanas, do indígena pré-histórico ao recente, passando pelos
sertanejos, bandeirantes e colonizadores, apontando protagonistas e localizando os
caminhos pelos quais se locomoviam nos ermos cerrados.
Sua inquietação científica, levou-o a garimpar informações de diversas fontes,
dentro e fora do Brasil, trazendo à tona preciosidades documentais sobre a ocupação do
centro-oeste, além de reunir um importante acervo de materiais, fotos e pesquisas sobre
fases anteriores à chegada européia.
A transversalidade de sua obra e a historiografia centrada nos planaltos
brasileiros, levou-o a recorrer a outras áreas do conhecimento, de modo que a história
não contemplasse apenas a figura humana, mas todo o meio ambiente, até onde a
produção científica, hipóteses e suposições históricas pudessem alcançar. Deste modo,
agregou aos elementos científicos convencionais, a biodiversidade e a geodiversidade, a
eco-história e a geo-história, para contar a história da terra e do homem no planalto
central. Em suas palavras:
Quanto mais o homem escapa e sobrepõe-se à natureza de si próprio e
do ecossistema em que vive, mais condenado fica a reencontrar-se, a si
e a seu ambiente. Nessa terrível dicotomia há de gerar-se o novo Sísifo
do terceiro milênio, o homem não natural que buscará sofregamente a
natureza. (BERTRAN & FLEURY, 2004)

O Memorial das Idades do Brasil

O Memorial das Idades do Brasil é um espaço criativo e didaticamente projetado


para a experienciação de uma rede de conhecimentos que podem ser adaptados para
públicos da educação infantil ao ensino superior, e também para o visitante comum.
Localizado na cidade de Brasília, em uma gleba com 13.500 m2, possui uma biblioteca
com o acervo pessoal do historiador Paulo Bertran, em fase de catalogação, e uma área
para recepção dos visitantes, com cerca de 250 m2. Dessa recepção, inicia-se uma trilha
interpretativa em um circuito com aproximadamente um quilômetro, passando por rochas
expostas, fragmentos de cerrado e por painéis com reproduções de pinturas rupestres
encontradas em 21 Estados do país. (Figura 1)
A área possui algumas porções degradadas como herança da extração e rejeito
de materiais rochosos para os alicerces na construção da capital, iniciada a partir de
1956. Adquirida no fim da década de 1980, somente em meados de 1999, a partir de
toques de inventividade e tendo a história como embasamento central, a propriedade
começou a se transformar no museu a céu aberto hoje consolidado. Idealizado pelo
historiador e poeta Paulo Bertran, foi aberto ao público geral em 2002, a partir da
concepção pedagógica da doutora em Psicologia da Educação, Graça Fleury.

Figura 1. Trecho da trilha


interpretativa onde se vêem rochas
expostas, fragmentos de cerrado e
painéis com reprodução de
pinturas rupestres. Abaixo, à
esquerda, uma das placas com
informações de subsídio às
atividades educativas.
Fotografia: André Bertran.

Um dos objetivos do Memorial é a desconstrução do estigma de que em Brasília e


adjacências se pisa em uma terra com pouco mais de 40 anos e, para tanto, expõe
registros das três idades de formação dos planaltos do Brasil, da conformação geológica
ao estabelecimento e formas de ocupação humana, mostrando ao visitante que, na
realidade, o vazio nunca existiu.
Em caráter complementar à infra-estrutura e equipamentos implementados, foi
publicado um pequeno livro que pode melhor orientar e informar os visitantes mais
entusiasmados. O último capítulo da obra destina-se exclusivamente a professores e
diretores de escolas que desejem incrementar seus conteúdos e formas expositivas em
visitas monitoradas ao local, com sugestões de pequenos projetos pedagógicos e
explanações sobre assuntos que podem ser desdobrados a partir da trilha interpretativa.
Em sua fase inicial, o Memorial das Idades do Brasil contou com o apoio de
profissionais de diversas áreas do conhecimento, considerados autoridades nas linhas de
trabalho desenvolvidas, que agregaram importantes contribuições na construção do
conhecimento veiculado.
A versatilidade de interpretações que pode assumir a trilha, sem desvencilhar-se
de sua temática central, vai ao encontro dos preceitos da interdisciplinaridade desejáveis
para o sucesso de atividades de educação ambiental, onde a abordagem holística reverte
noções de um mundo fragmentado em áreas do saber. A Figura 2 expõe sinteticamente a
rede de conhecimentos que podem ser combinados para o enriquecimento das vivências
no Memorial das Idades do Brasil.

Figura 2.

Trilhando a História

Por tratar-se de uma abordagem histórica sob uma perspectiva diferenciada, para
iniciar o enredo é desejável que haja dinâmicas que ampliem as noções de tempo dos
visitantes, de forma lúdica e criativa, antes da imersão nas três diferentes eras
didaticamente projetadas para o Memorial.
A estimativa de surgimento do planeta gira em torno de quatro e meio bilhões de
anos, uma escala geológica de tempo cujas dimensões são praticamente
incompreensíveis tendo como referência a extensão da vida humana. Didaticamente, a
introdução na história da terra e do homem pode ter início no trabalho com as diferentes
noções tempo. No ensino introdutório da geologia, é costume transpor a vastidão do
tempo para escalas mais compreensíveis ao entendimento humano, como na
comparação conduzida por Eicher (1968):
"Imagine que os 4,5 bilhões de anos da Terra foram comprimidos em um
só ano (entre parênteses colocamos a idade real de cada evento). Nesta
escala de tempo, as rochas mais antigas que se conhece (~3,6 bilhões
de anos) teriam surgido apenas em março. Os primeiros seres vivos
(~3,4 bilhões de anos) apareceram nos mares em maio. As plantas e os
animais terrestres surgiram no final de novembro (a menos de 400
milhões de anos). Os dinossauros dominaram os continentes e os mares
nos meados de dezembro, mas desapareceram no dia 26 (de 190 a 65
milhões de anos), mais ou menos a mesma época em que as
montanhas rochosas começaram a se elevar. Os humanóides
apareceram em algum momento da noite de 31 de dezembro (a
aproximadamente 11 milhões de anos). Roma governou o mundo
durante 5 segundos, das 23h:59m:45s até 23h:59:50s. Colombo
descobriu a América (1492) 3 segundos antes da meia noite, e a
geologia nasceu com as escritos de James Hutton (1795), Pai da
Geologia Moderna, há pouco mais que 1 segundo antes do final desse
movimentado ano dos anos."
No Memorial, foi utilizada uma técnica similar, transmutando tempo em espaço,
onde a história geológica da Terra é narrada em uma espiral projetada no chão, em
tamanho adequado para que se ande sobre ela, ilustrando a evolução física e biótica do
planeta. A espiral do tempo congrega os períodos e eras geológicas (Proterozóica,
Paleozóica, Mesozóica e Cenozóica), além de seus respectivos eventos mais
significativos na evolução física e biótica no planeta.
A dinâmica pode ser feita de várias formas de acordo com o público, por exemplo,
por meio de jogos cooperativos onde se avança para o próximo período geológico da
espiral a cada desafio cumprido. Os desafios podem ser perguntas que estimulem o
raciocínio e a concentração dos visitantes, para o caso de grupos dispersos, ou propostas
que reforcem a integração entre as pessoas, para o caso de um grupo de desconhecidos.

Primeira Idade: Geo-história do Planalto Central

Sobre a primeira idade, sua abordagem inicia-se na própria recepção do Memorial,


onde são feitas as primeiras explanações e de onde se inicia a trilha interpretativa. Neste
ponto, é apresentada a Teoria da Deriva Continental, baseada nas massas de terras que
teriam emergido dos oceanos gerais e se fraturado em um quebra-cabeça quase evidente
de continentes. Com ilustrações seqüenciais da posição dos protocontinentes projetadas
no chão, desde a Pangéa até a disposição atual, o assunto pode ser trabalhado não
apenas em relação aos grandes movimentos tectônicos, mas também abordando os
processos de intemperismo e formação dos diferentes tipos de solo. De acordo com o
público, também podem ser agregados outros tantos argumentos geológicos e
paleontológicos.
A narrativa pode sofrer recortes e passa a ter como foco a plataforma continental
sul-americana, com destaque para o planalto central de altitude, que sobe do litoral até
Brasília dali descendo ao pé da cordilheira andina. Um importante elemento que
enriquece a absorção dessas noções em um segundo momento, quando se passa à
trilha, é que o visitante tem contato com as rochas expostas do grupo geológico
denominado Paranoá, com datação aproximada de um bilhão de anos de idade e que
fazia parte do fundo de um antigo lago interno que abrangia quase todo o Distrito Federal,
estendendo-se por mais de 200km ao norte, até a região da Chapada dos Veadeiros.

Segunda Idade: Os Campos Gerais do Cerrado

Passando à segunda idade, onde se tem como cenário o primeiro trecho da trilha,
com cerca de 700 metros em uma porção de mata preservada, podem ser abordados
aspectos diversos ligados à formação e peculiaridades do bioma cerrado. As teorias sobre
o estabelecimento e distribuição geográfica dos biomas no continente através dos tempos
podem abrir brechas para reflexões, dentre outros, sobre clima, pedologia, intervenções
de fauna e ação antrópica.
Nessa fase da vivência, dependendo do público envolvido ou dos objetivos
específicos da visita, pode-se dar uma seqüência mais fluida ao enredo, reforçando o elo
entre a formação dos cerrados e a geo-formação anteriormente aludida, por exemplo, ao
se comparar os ecossistemas de savana sul-americano e africano ou destacar a
coincidência (ou não) de sua ocorrência junto a áreas de substratos pré-cambrianos.
Outra possível opção é enfatizar os elos entre a eco-história do cerrado e aspectos
relacionados à vida animal e à ocupação humana, abordando, por exemplo, os primeiros
habitantes da megafauna e fauna moderna regional e suas relações com a vegetação, os
prováveis usos e destinações dadas às espécies vegetais encontradas ao longo da trilha
pelo homem, ou o cerrado visto aos olhos do colonizador, remetendo-se a trechos de
relatos históricos disponíveis no acervo do Memorial.
Terceira Idade: O Homem pré-histórico no Brasil

No terceiro foco trabalhado no Memorial, passa-se à porção final da trilha


interpretativa, cerca de 300 metros onde foram reproduzidas, em grande escala,
substanciais artes pré-históricas brasileiras. As inscrições são oriundas de sítios
arqueológicos de todo o país, especialmente das regiões de cerrado, escolhidas de forma
representativa entre os tantos motivos e símbolos imortalizados pelo homo cerratensis.
(Figuras 3 e 4)

Figura 3. Reprodução de motivos


astronômicos, zoomorfos e de
cenas de caça, encontrados na
Chapada Diamantina e em Central,
Bahia. Na porção esquerda, são
representados os círculos terrestres
– 31 raios equivalentes ao mês
terrestre – e lunares – 29 raios
representando o mês lunar -, além
de um evento cósmico,
provavelmente um grande cometa.
Na porção direita do painel, vêem-
se animais que viveram no Brasil há
milhares de anos, supõe-se: um
páleo-llama, um hipidion, um
taxodonte sendo acossado por
guerreiros e o que parece ser um
grande urso em posição de ataque.

Figura 4. Reprodução de motivos


antropomórficos encontrados em
Jaraguá, Goiás. O estilo da gravura
é único em toda a região. As duas
figuras maiores parecem usar
cocares e todo o resto do painel é
de significação ainda desconhecida.

Fonte: acervo Memorial das Idades


do Brasil.

Segundo Bertran & Fleury (2004), estudos e escavações clássicas no centro do


Brasil geram hipóteses de que a história indígena, que até uns poucos anos atrás
chegava aos 12.000 anos (ou aproximadamente 600 gerações), agora está em mais de
50.000 anos (ou 2.500 gerações). São variadas as opções indicadas para desenvolver a
temática através da visita às pinturas,
[...] podemos inferir como seria a vida destes homens pré-históricos,
como se relacionavam com a natureza, quais as atividades que
desenvolviam para seu sustento, quais os objetos ou artefatos utilizados
para estas atividades, como representavam objetos ou cenas de suas
vidas (danças, acrobacias, rituais, etc.) (BERTRAN & FLEURY, 2004).
Nessa fase da vivência é possível tecer reflexões acerca dos primórdios da
ocupação humana e suas influências sobre os modos de vida atuais, além de permitir o
elo com outras áreas do conhecimento, como a climatologia, a filosofia, a astronomia, a
toponímia local, dentre outros, novamente de acordo com o público em questão e os
objetivos específicos da visita.

Desfecho da trajetória e transição para o presente

Como encerramento da trilha, há ainda um relevante ponto de interpretação: o


Lago Paranoá de Brasília e a imponente Ponte JK, cartão postal da capital que é
considerada um dos ícones do movimento modernista urbano. (Figura 5)

Figura 5. Vista do Lago Paranoá


de Brasília, da Ponte JK e da
expansão urbana em área nobre
da cidade. Fotografia: André
Bertran.

A vista privilegiada de uma significativa paisagem da cidade é usada para trazer a


percepção do visitante de volta no tempo e no espaço e para levar, por meio do
contraste, à intensificação do conteúdo absorvido e sentido, dando um desfecho de
impacto ao enredo que se passa em bilhões de anos, narrado e vivenciado durante a
caminhada. Também entre os pontos de destaque para reflexão nessa paisagem estão
as manchas de expansão urbana às margens do Lago Paranoá, no fundo de um
fragmento de cerrado. Esses elementos podem, ainda, estabelecer diálogos com outras
tantas temáticas quanto a criatividade permitir.
O encerramento da trilha não possui procedimentos pré-estabelecidos, podendo
se moldar à situação, aos participantes e aos objetivos pedagógicos almejados, dentro
das inúmeras possibilidades transdisciplinares de informação, conscientização,
sensibilização e transmutação da experiência em valores e posturas otimizadas em
relação ao mundo, a Brasília, aos outros e a si mesmos.

Considerações finais

O esforço para desvelar importantes valores compartilhados apenas por grupos


fechados de pesquisadores, encontra no turismo e na educação não-formal eficientes
instrumentos de disseminação do conhecimento, popularizando a ciência ao traduzi-la
para a linguagem das pessoas comuns e proporcionando uma forma prazerosa de
descobrir e redescobrir o cotidiano.
Pessoas são sedentas por conhecimento, mas por um conhecimento aprimorado,
que envolve e encanta, por um conhecimento que as torne melhores e mais despertas ao
mundo à sua volta, por um conhecimento que, enfim, agregue experiência. E experiência,
nas palavras de Kant, é a percepção compreendida.
A interpretação ambiental, nesse contexto, torna-se a ponte entre dois mundos
outrora tão distantes: a teoria e a vivência prática. Ao se diluir dimensões temporais ao
longo de trilhas interpretativas, são criados cenários onde a arte de contar histórias torna
o espectador um personagem bem ambientado e participante.
Em contra-partida, a união do turismo e da educação pode servir de estímulo e
mesmo de subsídio financeiro ao aprofundamento de estudos, muitas vezes inviabilizados
por serem onerosos demais para terem um fim em si mesmos.
Exemplos disso são a Estrada Real, em Minas Gerais, as Missões Jesuíticas, no
cone sul-americano, além de outras pesquisas contempladas pelo próprio Paulo Bertran,
como a Estrada Colonial do Sertão, o Roteiro do Ouro do Urbano e mesmo o Memorial
das Idades do Brasil, objeto de estudo deste trabalho, que encontram no turismo e na
educação não-formal um argumento que justifique o investimento em sua revitalização e a
preservação de sua memória.
O estudo de caso do Memorial revela as tantas possibilidades de trabalho que são
fios condutores do redescobrimento e da re-valorização dos cenários impessoais, que dão
personalidade aos não-lugares, as tantas porções de terra desprovidas de identidade e
valor sentimental, revelando seus significados intrínsecos e aproximando-os afetivamente
de seus habitantes.
É um convite a transcender o tempo e, em cenários remotos, internalizar a
complexidade das paisagens em que vivemos, dialogando com nosso passado,
ampliando os horizontes temporais e mudando nossa maneira de nos relacionar com o
futuro, que está em permanente contato com o presente, quer percebamos ou não.

...Estes são os cenários profundos, geológicos, sobre os quais


transcorre, como tênue e envenenado risco de apenas 12 mil anos, a
presença humana no Planalto Central, a impelir-nos para a necessária
humildade que deve ter o homem ao deparar-se com as idades da Mãe
Terra e o desconhecido dos tempos imemoriais.

Paulo Bertran (1948-2005)

Bibliografia citada

BRASIL. Lei 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a Política Nacional de Educação
Ambiental e dá outras providências.
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional.
BERTRAN, P. História da Terra e do Homem no Planalto Central – Eco-história do
Distrito Federal: do Indígena ao Colonizador. Brasília: Verano, 2000.
BERTRAN, P. & FLEURY, G. Memorial das Idades do Brasil. Brasília: Verano, 2004.
Eicher, D.L.. Tempo Geológico. São Paulo: Ed. Edgar Blücher Ltda., 1969.
LIMA, S. T. Trilhas Interpretativas e Vivências na Natureza: reconhecendo e
reencontrando nossos elos com a paisagem. Depto. de Geografia – IGCE/ UNESP, Rio
Claro. (s.d) Disponível em:
http://www.ambiente.sp.gov.br/ea/adm/admarqs/Solange_Guimaraes01.pdf
SANTOS, M. e SILVEIRA M.L. O Brasil, Território e sociedade no início do século
XXI. São Paulo-Rio de Janeiro: Record, 2001
TUAN, Y-F. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente.
São Paulo, Difel, 1980.
Agradecimentos

A Paulo Bertran e Graça Fleury, por terem concebido e presenteado Brasília com tão belo
legado e nos acolhido em nosso desejo de unir forças para divulgá-lo.
A Bismarque Villa Real e Lana Guimarães, que me puseram, ainda que indiretamente, em
contato com tamanha riqueza.
Aos Bertran, em especial André Bertran, que iniciam um difícil trabalho para reativar e
manter vivo o conhecimento representado pelo Memorial.
A Helena de Oliveira, por tornar-se minha parceira, idealizando e recheando nossos
sonhos com a leveza da arte-educação, e a Ludmila Chaer, amiga e revisora dedicada de
meus textos pela madrugada adentro.
A Trilha Mundos – Cooperativa de Turismo, Cultura e Meio Ambiente, especialmente
Renata Bernardina, Clodoaldo Souza, Cláudia Sachetto, por acreditarem e fortalecerem
meu impulso de abraçar de corpo inteiro essa causa.

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