Sei sulla pagina 1di 17
FICCOES CRIADORAS: AS IDENTIDADES NACIONAIS Anne-Marie Thiesse “Quand Ie royaume de fa représcntation est révolutionné, la réalité ne résite pas.” (Hegel, carta a Nicthammer, 28/10/1808)! Ao longo do século XIX, operou-se a converséo da Europa dos principes para a Europa das nagGes. Antes de ser uma transformagio da cartografia estatal, a mudanga foi uma mutagao radical das representa- ges, O advento dos Estados Nagées foi promovido por meio da elabo- ragao de um sistema de identidades coletivas inteiramente novo. Atual- mente, a existéncia de identidades nacionais fortes é incontestavel; mais ainda, estas identidades nacionais, que parecem irredutiveis e ancoradas nas profundezas da histéria, parecem constituir o maior obstéculo para a Unido do continente. Entretanto, estas identidades nacionais nio exis- tiam em 1800. Sua criagdo foi uma das grandes obras européias do sé- culo XIX, da qual participaram massivamente intelectuais, artistas e es critores*. Paradoxo maior: as diversas identidades nacionais foram for- jadas no contexto de intensas trocas internacionais, cujo resultado foi a determinagio de um modelo comum de produgao das diferengas. O QUE E UMA NACAQ? Segundo um topos constitufdo no final do século XLX e retomado recenlemente, existiriam duas concepgées antagénicas de nagiio. Uma se- ria resultante da Revolugiio e, a outra, do romantismo. A primeira, dita fran- cesa, seria racional e progressista; a segunda, qualificada como alema, es- taria baseada na emogio e seria reacionaria. De um lado, portanto, a ex- pressiio da livre vontade de adesiio a uma entidade politica (a nagiio como “plebiscito renovado de todos os dias’’*), de outro lado, a submissao a um Amne-Marie Thiesse, CNRS/Paris. Tradugao de Eliane Cezar, Anos 90, Porto Alegre, n.15, 2001/2002 7 determinismo organicista (a nagdéo coma Volksgeist originaria do sangue edo solo). Falaciosa oposi¢&o: todas as duas concepgées participaram da construgao das cliversas nagGes, ainda que seus pesos respectivos tenham variado de acordo com os contextos politicos e sociais. Esta dupla refe- réncia encontra-se, de fato, no préprio centro da idéia moderna de nacdo, tal como ela se esboga na Europa do Oeste na metade do século XVILL A nagdo €, naquele momento, uma idéia nova ¢ subversiva, que provoca a contestagao da sociedade de ordens e de um poder mondrquico que se vale do direito divino ou do direito de conquista. No contexte da grande revo- lugdo ideolégica que comega, a nagiio € concebida como uma comunida- de de nascimento, instituindo uma igualdade e uma fraternidade de prin- cipio entre seus membros. A nacdo, diferentemente de um agrupamento da populagao definido pela sujcigéo a um mesmo monarca, coloca-se como independente da histéria dindstica e militar: ela preexiste e sobrevive asen principe. O que constitui a nagdo é a transmissio, através das geragées, de uma heranga coletiva e inaliendvel. A criagdo das identidades nacionais consistiré em inventariar este patrim6nio comum, isto 6, de fato, em in- venti-lo. Qual é, efetivamente, o patriménio simbélico e material que pos- suem de maneira indivisa o junker prussiano e 0 camponés bavaro? Ou o burgués toscano e 0 pastor calabrés, ou o notdrio normando e o artesao da regiao das Cevanas? Inicialmente, e é o minimo que se pode dizer, a res- posta nao tem nada de evidente. Seré necessdrio mais de um século de in- tensa atividade criadora para constituir a identidade nacional dos alemaes, dos italianos, dos franceses e de todos os seus hométogos europeus. Isto implica, sen&o abolir as identidades preexistentes baseadas no estatuto social, na religido ou no fato de fazerem parte de uma comunidade local restrita, implica, no minimo, redefini-las como caracteristicas secundari- as, subordinadas a identidade nacional. A organizagiio espacial e hierdr- quica das representag6es 6 perturbada por um duplo movimento que ins titui a unidade 14 onde dominava o disparate, ¢ que traga fronteiras em es- pagos continuos ou de imbricagao identitaria. A formagio das identidades. nacionais, além disso, nao consiste unicamente na elaboragaio de novas re- feréncias coletivas: ela est4 acompanhada de um gigantesco trabalho pe- dagégico para que parcelas cada vez maiores da populagao as conhegam e nelas se reconhegam. Atuatmente, a lista de elementos que uma nagiio digna deste nome deve possuir esta bem estabelecida: ancestrais fundadores, uma histéria que estabelega a continuidade da nagao através das vicissitudes da his- téria, uma galeria de herdis, uma lingua, monumentos culturais e histé- ricos, lugares de meméria, uma paisagem tipica, um folclore, tudo isso 8 Anos 90 sem contar algumas identificagdes pitorescas: modo de vestir, gastrono- mia, animal emblematico. Esta lista é prescritiva: as nagdes que acabam de ter acesso ao reconhecimento estatal em decorréncia da fragmenta- gio da lugoslavia, da Tchecoslovaquia ou da U.R.S.S., nao param de manifestar ostensivamente sua adesiio. Quanto & Padania de Umberto Bossi, ela foi munida de um “Delegado para a Identidade cultural” en- carregado de cuidar de sua execugdo. Esta check-lts/ identitaéria é a ma- triz de todas as representagGes de uma nag&o. Ela compée o primeira capitulo dos guias de viagem e a iconografia das cédulas bancarias, ela € encenada nas festividades que acompanham a visita de um chefe de estado estrangeiro ou nas celebragdes nacionais*. Mas o plenipotencid- rio persa ou o enviado de Sirio despachados para a Europa do século XVII teriam tido dificuldades para reconhecé-la, mesmo naquelas na. gGes que se vangioriam de estarem entre as mais antigas. Iniciada prec: samente na Europa das Luzes, a lista identitdria foi constituida, essenci- almente, ao longo do século XIX, elemento por elemento. A ESCOLHA DOS ANCESTRAIS Logicamente, a construgao das nagdes como comunidades de nasci- mento comega pela determinagdo dos ancestrais fundadores de cada uma. delas. A reivindicagao de filiagdo vem acompanhada do enunciado de um postulado: o Povo é um museu vivo dos grandes ancestrais, depositério dos vestigios de sua cultura original. Certamente, a tradigdo permitiu, mediante alteragdes, a conservagao do legado primitivo através das gera- goes. A investigacdo destes vestigios permite, portanto, colocar em dia e estabelecer, apds reconstituigéo, os auténticos fundamentos de uma mo- derna cultura nacional. O procedimento etnografico aparece, ento, como uma via de acesso privilegiada para a arqueologia do nacional. Coerente com a revolucdo ideoldégica que faz do Povo constituido em nagao o tini- co detentor da legitimidade do poder, esta promogéo da cultura popular também permite estabelecer um novo universalismo. A hegemonia da cul- tura francesa, que se coloca como a detentora privilegiada da heranga co- mum greco-latina, suscita, de fato, na Europa do século X VIIT, uma inter- rogagda freqiientemente enunciada pelos eruditos ingleses ou alemies: como criar culturas nacionais que néo sejam unicamente imitagées e, con- seqiientemente, versGes inferiores da cultura francesa? A resposta é for- necida pela promulgagio de uma pluralidade de fandamentos culturais da Europa. Ela corresponde a um universalismo do particular, excluindo toda Anos 90 9

Potrebbero piacerti anche