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Filosofia
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IRONIA E MAIÊUTICA <Ademir Aparecido Pinhelli Mendes1
Professor Erasmo Pilotto. Curitiba - Pr < Violência da polícia contra acampamento do MST em Getulina/SP em
1993.
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Ensino Médio
z Ironia e filosofia
Observando o mundo à nossa volta, vemos que todos somos pri-
sioneiros: os filhos abastados vivem atrás das grades dos condomínios,
cercados de seguranças; os filhos dos pobres são prisioneiros da vio-
lência nas ruas, nos sinaleiros, onde vendem bugigangas. E todos ou-
vem falar que a Sociedade Moderna é aquela que melhor realizou o
ideal de liberdade defendido há duzentos e dezesseis anos pela Revo-
lução Francesa. Como se pode entender neste contexto a afirmação da
liberdade? Não é irônico que aqueles que se dizem livres por ter atingi-
< Rebeliões em presídios São Pau- do o ideal de liberdade proposto pela sociedade capitalista sejam tam-
lo em Março de 2006. www.esta-
dao.com.br
bém prisioneiros do medo e da violência? O que podemos aprender
com esta situação?
z O que é filosofia?
Que relação existe entre a realidade descrita acima e o pensamen-
to filosófico? A filosofia nasceu como uma forma de pensar específi-
ca, como interrogação sobre o próprio homem como ser no mundo,
quando o homem passou a confrontar-se com as entidades míticas e
religiosas e procurou uma explicação racional para a sua existência e
a existência das coisas.De uma explicação mítica, que entendia que o
homem e todas as coisas tinham sido gerados por deuses, o homem
elaborou novas explicações racionais a partir da reflexão sobre si e so-
bre o mundo.
Para tanto, o homem criou novos métodos de abordagem da reali-
dade, métodos que possibilitavam identificar relações causais, princí-
pios explicativos existentes nas próprias coisas e que, depois de iden-
tificados, permitiam descobrir uma certa regularidade nos fenômenos
naturais e a criação de instrumentos de medida e de previsão dos
acontecimentos. A filosofia nasceu junto com as ciências, buscou re-
ferencial na matemática, na astronomia e, aos poucos, definiu seus li-
mites e suas características próprias. Por exemplo: os primeiros reló-
gios, o da água ou o do sol, iniciaram a medida do tempo. A filosofia
desenvolveu novas leituras da temporalidade, as quais não dependem
necessariamente do relógio, mas certamente a medida do tempo cro-
nológico tem relações profundas com a reflexão sobre a origem de to-
das as coisas, o movimento ou o vir-a-ser, que se tornaram temas re-
correntes na filosofia.
Quando dizemos que os primeiros filósofos pensavam na origem
dos tempos, precisamos lembrar que, para os gregos, não se tratava
do começo dos tempos, mas da participação do homem na ordem uni-
versal, que os gregos denominavam cosmos. A origem pode ser tanto
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DEBATE
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Sócrates proclama que ele não sabe nada, e esta é sua maneira de tra-
zer à luz o que ele sabe e o que já sabiam as pessoas honestas à sua volta,
(hora pessoas honestas, acreditam saber tudo e é preciso ironizar um pou-
co delas para confrontá-las entre si e ensinar-lhes que elas só tinham opi-
niões contraditórias, cuja verdade devia extrair-se do que tivesse verdade!).
(LEFEBVRE, 1969, p. 14). < Teseu e o Minotauro. Psykter-ânfora de fi-
guras negras de Lidos. 560/540 a.C. Lon-
dres, British Museum
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ATIVIDADE
A missão de Sócrates
“ A ignorância mais condenável não é essa de supor saber o que não sa-
be? É talvez nesse ponto, senhores, que difiro do comum dos homens; se
nalguma coisa me posso dizer mais sábio que alguém, é nisto de, não sa-
bendo o bastante sobre o Hades1, não pensar que o saiba. Sei, porém, que
é mau e vergonhoso praticar o mal, desobedecer a um melhor do que eu,
seja deus, seja homem; por isso, na alternativa com males que conheço co-
mo tais, jamais fugirei de medo do que não sei se será um bem.
“Portanto, mesmo que agora me dispensásseis, desatendendo ao pare-
cer de Ânito, segundo o qual, antes do mais, ou eu não devia ter vindo aqui,
1
Os gregos acreditavam que, depois da morte, iam para o Hades, no centro da terra, onde continuavam a viver como
sombras (nota do tradutor do texto citado)
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ATIVIDADE
(...) a vida e a morte de Sócrates são a história das difíceis relações que o filósofo, que não é prote-
gido pela imunidade literária, mantém com os deuses da cidade, isto é, com os outros homens e com
o absoluto imobilizado cuja imagem lhe apresentam(...) ( MERLEAU-PONTY, s/d., p. 46)
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< www.literatura.hu
derna descobre o duplo sentido e, com ele, a relatividade da verdade,
a fragmentação e a fraqueza do pensamento que não consegue con-
solidar-se em sistema. Ambos se aproximam na prática do duvidar e
interrogar, no valor que atribuem ao homem, na sua dignidade sedi- < Protágoras nascido entre 491 e
mentada na liberdade de pensamento e em, principalmente, no reco- 481 a.C.
nhecimento de sua fragilidade existencial.
ATIVIDADE
z A ironia moderna
Entre os modernos, salientamos Marx e Engels como os pensado-
res que exerceram a ironia ao longo de todo seu trabalho teórico. Su-
as reflexões filosóficas e políticas apreenderam o escondido nas pro-
fundezas de estrutura do modo capitalista de produção e, ao vincular < www.acton.org
filosofia e história, “(...)restituíram à negação seu poder revolucioná-
rio(...)” (LEFEBVRE, 1969, p. 25-26).
A ironia torna-se então instrumento para desmistificar o modo de
pensar alienado, a fim de descobrir a verdade subjacente à ordem ins- < Karl Marx (1818-1883).
tituída, a verdade dos oprimidos, explorados e emudecidos, que man-
tém a sociedade em funcionamento com o fruto de seu trabalho. Ao
buscar “(...) no social a verdade da política e da história e nas classes
a verdade da economia política, os dois compadres (Marx e Engels)
descobriram a ironia objetiva da história mundial, que traz aos homens
outra coisa que o que eles esperavam e queriam”. (LEFEBVRE, 1969, p. 26).
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z Alienação e ironia
Ao estudar a história econômica e política da humanidade Marx e
Engels desenvolvem o conceito de alienação. Existem muitas formas
de alienação e uma delas é a alienação do trabalho. Este conceito nos
permite entender como a humanidade está sujeita a uma ironia, ou se-
ja, a história aparente esconde o seu real significado.
< www.marxists.org
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< http://forbesonline.com.br
seus semelhantes. Nisto se constitui a alienação do trabalhador.
A ironia está em que a realidade apresenta dois sentidos, um apa-
rente e outro real, oculto de modo astuto por um discurso político, pe-
la forma de pensar cotidiana, pela história linear sedimentada em fatos
cronológicos que assinalam as vitórias da classe dominante. A ironia
está em que os homens agem a partir de certos objetivos para alcançar
< Linha de Produção.
certos fins, porém, a forma como as relações sociais se constróem e as
idéias se produzem acabam gerando uma outra realidade, diferente do
sonho inicial que moveu os homens para a ação.
< www.cm-espinho.pt
HISTÓRIA E ALIENAÇÃO
Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem,
não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que
www.diaadiaeducacao.pr.gov.br
se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição
de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vi-
vos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e
às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos
de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio
os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de
guerra e as roupagens, a fim de apresentar-se nessa linguagem emprestada.
(...) Inteiramente absorta na produção da riqueza e na concorrência pacífica,
a sociedade burguesa não mais se apercebe de que fantasmas dos tempos
de Roma haviam velado seu berço. Mas por menos heróica que se mostre hoje esta sociedade, foi não
obstante necessário heroísmo, sacrifício, terror, guerra civil e batalhas de povos para torna-la uma”. rea-
lidade. E nas tradições classicamente austeras da república romana, seus gladiadores encontraram os
ideais e as formas de arte, as ilusões de que necessitavam para esconderem de si próprios as limita-
ções burguesas do conteúdo de suas lutas e manterem seu entusiasmo no alto nível da grande tragé-
dia histórica”. (MARX, 1977, p. 18-19).
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DEBATE
z A ironia na música
< www.bancariosjequie.com.br
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Acorda amor
Eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
< http://www.cecac.org.br
Batendo no portão, que aflição
Era a dura, numa muito escura viatura
Minha nossa santa criatura
Chame, chame, chame lá
Chame, chame o ladrão, chame o ladrão < Polícia em ação após 1964.
< Composição: Leonel Paiva/Julinho da Adelaide (Chico Buarque de Holanda).
http://chico-buarque.letras.terra.com.br
PESQUISA
< www.vermelho.org.br
1. Pesquise e obtenha a letra da música “Acorda Amor” de Leonel Paiva e
Chico Buarque. Se possível, encontre também a música para ser ouvida
em sala de aula.
2. A música “Acorda amor” tem dois sentidos, um real e outro aparente.
Quais são os sentidos e qual o papel da ironia na ocultação e na revela-
< Redemocratização do Brasil.
ção deles?
3. Pesquise outras músicas e estilos de música onde a ironia está presen-
te. Traga para ser ouvida e discuta-a em sala de aula.
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que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como sau-
dosa lembrança estas Memórias Póstumas”. Leiamos um fragmento de
Memórias Póstumas de Brás Cubas:
Talvez espante ao leitor a fraqueza com que lhe exponho a realço a mi-
nha mediocridade; advirto que a fraqueza é a primeira virtude de um defun-
to. Na vida, o olhar da opinião, o contrate dos interesses, a luta das cobiças
obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remen-
dos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o me-
lhor da obrigação é quando, à força e embaçar os outros, embaraça-se um
< www.cce.ufsc.br
ATIVIDADE
1. O livro Memórias póstumas de Brás Cubas tem inúmeros exemplos de ironia da vida social, do amor,
da religiosidade, do ideário burguês. Procure, na biblioteca de sua escola, o livro Memórias Póstumas
de Brás Cubas e ao ler, anote outros exemplos de ironias para apresentar aos colegas da turma.
2. A partir do estudo sobre a ironia, escreva um texto comparando a ironia na filosofia com a ironia na
Arte e na Literatura.
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z Referências
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Scipione, 1994.
GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar - A escola do mundo ao avesso. Porto Alegre: Le PM, 1999.
HRYNIEWICZ, Severo. Para filosofar hoje: Introdução e História da Filosofia. 5ª ed. Rio de Janeiro:
edição do autor, 2001.
LEFEBVRE, H. Introdução à Modernidade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1969.
MERLEAU-PONTY, Maurice; Elogio da Filosofia. Lisboa : Guimarães Ed., s/d.
MARX, Karl; O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1977.
MONTAIGNE, Michel de; Ensaios - |Livro I, Cap. III, Pensadores, São Paulo : Abril Cultural, 1972.
PLATÃO; Defesa de Sócrates. Pensadores, São Paulo : Abril Cultural, 1972.
ANOTAÇÕES
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