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Ariovaldo Tersariolli
São Paulo
2008
TERSARIOLLI, Ariovaldo
CDD 702.81
ARIOVALDO TERSARIOLLI
Examinador (a)._________________________________________________
Examinador (a)._________________________________________________
Examinador (a)._________________________________________________
AGRADECIMENTOS
Este trabalho aborda o livro como objeto da arte, mais conhecido como livro de
artista. Para tanto, foi elaborada uma pesquisa sobre o assunto através da bibliografia
disponível no Brasil.
This paper discusses the book as object of art, better known as book on artist.
Thus, a search was drafted on the matter through available literature in Brazil.
1 INTRODUÇÃO 7
4 ARTUR BARRIO 37
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 48
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 49
7
1 INTRODUÇÃO
Neste trabalho será abordado como tema o livro como objeto da arte. Os estudos
sobre o assunto são ainda muito escassos e, por isso, recebem diversos tipos de
nomenclaturas: livro de arte, livro do artista, arte do livro, livro-obra, livro-objeto, etc.
Como forma de facilitar a compreensão do trabalho, utiliza-se aqui a nomenclatura livro de
artista. Justifica-se essa escolha, por considerar que ela não restringe essa nova categoria
artística, possibilitando englobar os diversos formatos oferecidos, não se limitando a uma
obra com o formato do livro tradicional. Além disso, se fixa na linha de pensamento de
teóricos como Paulo Silveira e Galciani Araújo, vislumbrando uma possível definição para
o assunto.
Os livros de artista criaram uma ruptura na linguagem escrita abrindo espaço para
experimentações artísticas consideradas por muitos críticos como uma espécie de
linguagem marginal. Esses livros poderiam ser considerados como uma evolução dos
livros convencionais, mas sem evidentemente substituí-los. Durante o Neoconcretismo,
com o aprofundamento das experiências, aparecem os chamados livros-objetos, entendidos
como objetos puramente escultóricos que se apropriaram da forma do livro e ganharam
uma linguagem própria, como é o caso do Livro de Carne de Barrio. Os livros-objetos
podem ser considerados uma extensão do livro de artista. Encaixam-se perfeitamente
dentro deste movimento, mas sua construção escultórica baseada na forma do livro lhe
confere uma particularidade que nos permite diferenciá-los dos demais livros de artista.
Assim todo livro-objeto será considerado um livro de artista, mas nem todo livro de artista
será um livro-objeto.
Por meio desta pesquisa, pretende-se investigar os caminhos percorridos pelo livro
de artista, desde sua origem, baseada no livro tradicional até o momento em que se torna
alvo dos artistas. Para tanto, como processo metodológico, foi utilizado o levantamento
bibliográfico. Segundo Cervo e Berviam (2002), o levantamento bibliográfico consiste em
8
Para atender aos objetivos deste trabalho, será utilizado levantamento bibliográfico
das fontes secundárias que remetam às informações pertinentes ao desenvolvimento do
tema proposto. Os materiais utilizados foram extraídos da Biblioteca de Comunicação e
Artes da Universidade de São Paulo, Biblioteca do Museu de Arte Moderna –MAM,
Instituto Itaú Cultural, Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB, Biblioteca da
Fundação Armando Álvares Penteado, Biblioteca do Serviço Nacional de
Aprendizado Comercial – SENAC, Biblioteca da Faculdade de Biblioteconomia e
Ciência da Informação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Todos
os locais visitados se situam no município de São Paulo-SP.
Aborda-se rapidamente no primeiro capítulo, a história dos livros, passando por
vários suportes que abrigaram a escrita de alguma maneira, até chegar ao formato de
códice. Por não ser o foco da pesquisa, pouco será abordado da história da escrita, fixando
a pesquisa mais no suporte que a contém.
É evidente que a escrita levou alguns milhares de anos para se mostrar da forma
como a conhecemos hoje. O desenvolvimento da escrita ocidental é baseado,
principalmente, na oralidade: símbolos transformando-se em letras, palavras e frases e
deixando de significar “coisas” (objetos, animais etc.), para representar “sons” (LINS,
2002, p. 18).
De acordo com McMurtrie (1997, p. 32), histórias do livro costumam repetir que
Ptolomeu Epifânio, desejando combater a Biblioteca de Pérgamo, criada por Eumênio II
(197-158 a.C.) e que se mostrava uma rival perigosa à Biblioteca de Alexandria, proibiu a
exportação do papiro.
Coube aos habitantes de Pérgamo inventar um novo tipo de material, feito da pele
de animais, chamado de pergaminho. Seu termo deriva do grego pergamene, que significa
“pele de Pérgamo” e apesar de ser usado há séculos com os egípcios servindo-se das peles
para escrever desde 2000 a.C., o pergaminho só começou a generalizar-se dois séculos
antes da era Cristã, e por necessidade. A preparação deste material aperfeiçoou-se por
processos mais engenhosos do corte, curtimento e branqueamento, a ponto de se
transformar num produto de fina qualidade, que depressa ganhou renome (McMURTRIE,
1997, p. 32).
por cadarços e/ou cozedura e encadernação. Material que podemos dizer ser o antepassado
imediato do livro (MARTINS, 1998, p. 68).
Segundo Lins (2002, p. 21), a história pôde a partir da criação do códice, ser
contada em páginas, em capítulos, ganhou-se um ritmo de leitura que não existia.
Outro termo de produção literária é o Líber (livro). Em seus estudos, Arns (2007, p.
95) conclui que em toda parte o termo líber aparece como termo genérico, aplicado no
século IV, tanto ao volumen, quanto ao codex. O termo líber tem um conteúdo elástico e
designa uma unidade de extensão indeterminada, assim se aceitará que um livro possa ser
muito fino ou muito volumoso.
Além disso, nem sempre uma obra era editada de uma só vez; publicavam-na à
medida que as partes iam sendo terminadas. Essas obras são conhecidas como gênero
epistolar, ou seja, eram correspondências que unidas formavam uma obra completa. Sua
divisão em livros obedecia, às vezes, apenas ao que estava pronto na hora da partida do
correio. De acordo com Arns (2007, p. 84), uma das funções do prefácio é justamente
assegurar a ordem dos livros e das partes tratadas.
A diferença entre o livro moderno e o códice está nos tamanhos reduzidos do livro,
graças ao corte das folhas de impressão, ao passo que o pergaminho não era dobrado nem
cortado em folhas pequenas, o que significa que os códices são livros grandes, “infólio”,
quer dizer, “em folha”, no tamanho da folha que media entre 35 a 50 cm de comprimento e
25 a 30 cm de largura. Embora escritas dos dois lados das folhas do pergaminho,
conservou-se, até o fim da Idade Média, o hábito de apenas numerá-las no anverso,
significando que a noção de página somente aparece no fim desse período (MARTINS,
1998, p. 68).
De todas as Ordens, a que mais se identificou como o livro na Idade Média foi a
dos Beneditinos, a tal ponto que seu nome se transformou num adjetivo para qualificar o
trabalho intelectual de grande valor, minucioso, paciente e correto. Na Ordem Beneditina,
também se copiavam os livros considerados pagãos, talvez pelo fato de tentarem se
aprimorar na língua latina (MARTINS, 1998, p. 85).
Sendo os mosteiros e abadias locais responsáveis pela escrita dos codex, cada um
deles possuía seu próprio scriptorium, onde os manuscritos eram copiados, decorados e
encadernados. Cada copista dispunha de um assento e de uma mesa, onde escreviam em
média, uns quatro fólios por dia, sendo que cada fólio equivale a uma folha do códice.
tempos, com um estilete ou com tinta vermelha; mais tarde, o lápis foi
empregado. A escrita se fazia com pena de ganso ou de cisne. A tarefa
dos copistas era examinada por corretores que reviam cuidadosamente o
trabalho executado e colacionavam os manuscritos. Em seguida, os
rubricadores e miniaturistas se ocupavam da cópia dos títulos e das
iniciais em tinta vermelha. Os iluministas e ornamentadores colaboravam
igualmente na ilustração do livro (MARTINS, 1998, p. 100).
Mais tarde, alguns copistas saíram dos mosteiros formando oficinas e associações,
onde técnicas de escrita manual foram sendo aprimoradas (ARAÚJO, 2006, p. 15).
O papel popularizou-se somente por volta do século XIV por toda a Europa e, como
nos mostra McMurtrie (1997, p. 91), o livro impresso só foi possível graças ao
desenvolvimento da indústria do papel, dando-nos como exemplo a Bíblia das 42 linhas,
impressa por Gutenberg por volta de 1455: cada exemplar pediria cento e setenta
pergaminhos, sendo assim, para os treze exemplares de pergaminho, que hoje são
conhecidos, exigir-se-iam, pelo menos, dois mil animais. Mas já os 120 exemplares que se
deviam ter feito da tiragem em papel ficariam muito mais baratos. A Idade Média
proclama a permutação do papiro pelo pergaminho e depois deste pelo papel, da mesma
maneira que permuta o rolo pelo códex.
Como visto anteriormente, foi na China que o papel ganha vida e foi também na
China que surgem os primeiros relatos dos tipos móveis, mas, segundo McMurtrie (1997,
p. 159), as condições não eram propícias à aceitação daquela arte, de modo que a invenção
não se radicou e floresceu ali. Somente no século XV, com seu aparecimento na Europa, é
que os tipos móveis ganham notoriedade e profusão. Com a imprensa, o tempo de
reprodução do texto é reduzido consideravelmente, influenciando também em seu custo,
além de eliminar erros ou acréscimos atribuídos aos copistas. Gutenberg valendo-se da
invenção chinesa adaptou os tipos móveis feitos em madeira para tipos cunhados em
chumbo, em seguida, mecanizou os procedimentos de impressão (QUEIROZ, s.d., p. 11).
Silveira (2002, p. 86) afirma que o livro é sempre presente, ele sobreviveu ao
passado e, espera-se, prosseguirá no futuro, carregando consigo o mito de ser uma cápsula
do tempo que comporta as “verdades da lei”.
Afinal, o livro é um objeto portátil, você leva-o onde quiser, guarda, empresta,
esconde, dá de presente, além de poder ser manuseado ao bel prazer, e esse, creio, deve ser
o desejo de todo bom apreciador de um livro.
17
Entretanto, é fato, a crescente difusão dessa mídia ao longo dos anos. Verdadeiros
cultos se formaram em torno do livro. O livro desperta o interesse de todas as camadas
sociais, é alheio à cor, raça ou credo. Na sua história, o livro foi o instrumento utilizado
para contestar, declarar amores, sofrimentos, descobertas, etc. Dessa forma, ao analisar a
história e o desenvolvimento da escrita e do conhecimento da humanidade, é possível
afirmar que o livro é o suporte natural da literatura, ou seja, é o portador de todo o nosso
conhecimento, guarda o registro de nosso comportamento e nossos afetos, é o portador das
leis e responsável pela divulgação da fé na mensagem divina (SILVEIRA, 2001, p. 246).
Machado (1994, p. 5) define o livro numa acepção mais ampla, como sendo todo e
qualquer dispositivo através do qual uma civilização grava, fixa, memoriza para si e para a
posteridade, o conjunto de seus conhecimentos, de suas descobertas, de seus sistemas de
crenças e os vôos de sua imaginação.
Desta maneira, Machado além de se referir aos suportes antigos, como as tábuas,
placas de argila, papiro, pergaminho, etc., inclui também os novos suportes como disquetes
(hoje praticamente em desuso), CD-ROM, internet, entre outros.
Mas será que o livro só interessa por ser um suporte para a escrita? Os bibliófagos,
por exemplo, são leitores insaciáveis, ávidos por novas edições, colecionam tudo o que
podem e formam magníficas bibliotecas.
(1987, p. 232), para o colecionador, a verdadeira liberdade do livro é estar nalguma parte
de suas estantes.
José Mindlin, um dos mais conhecidos bibliófilos do Brasil, com uma coleção
invejável de cerca de trinta mil títulos, em entrevista concedida ao Jornal do Band1, ao ser
questionado sobre se sentir frustrado ao fato de não poder ler todos os livros que possui
responde:
Outras formas de se escolher um livro são pelos seus títulos, seus autores, pelas
suas ilustrações, sua diagramação, pela tipografia empregada, que garante a fluidez da
leitura e uma melhor acomodação para os olhos e até pelo seu formato. Dentro de suas
variantes, seja pelas placas de argila, pelos papiros, pergaminhos e tantos outros suportes,
um dos requisitos para um texto desde os primórdios da escrita é sua seqüencialidade. “Um
livro consistia de várias dessas tabuletas, mantidas talvez numa bolsa ou caixa de couro, de
forma que o leitor pudesse pegar tabuleta após tabuleta numa ordem predeterminada”
(MANGUEL, 2006, p. 149). Mas o que poderia acontecer se por algum motivo a
linearidade da escrita e por conseqüência a linearidade da leitura fosse rompida?
1
Entrevista disponível no site http://cultural.colband.com.br/jornal/not_zoom.asp?idNot=143&idCat=2.
Pesquisa realizada em 12/01/2008.
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Nesse caso, a resposta para a pergunta anterior, seria não. Poderíamos ter um
conjunto de palavras que em sua totalidade se tornem sem sentido, ou ainda apenas um
conjunto de letras reunidas que não formem palavras alguma. Nesse sentido, não passariam
de manchas, ou melhor, uma palavra fora de foco deixa de ser palavra, uma imagem fora
de foco permanece na sua condição de imagem.
O poema Um coup de dés jamais n’abolira le hasard [Um lance de dados jamais
abolirá o acaso], de Mallarmé, datado de 1897, segundo Panek (2006b p. 107), é um
paradigma, um dos precursores do livro de artista, porque transforma o poema em objeto
visual, unificando a narrativa literária e a narrativa plástica, ou seja, além da visualidade da
letra, considera também a construção de uma imagem que surge a partir da disposição
dessa mesma letra.
Benjamim (1987, p. 27) chega a afirmar que o livro, nessa forma tradicional, vai ao
encontro de seu fim, e que Mallarmé emprega, como uma espécie de premonição, as
tensões gráficas do reclame na configuração da escrita.
Faustino (1957 apud CAMPOS, A.; PIGNATARI; CAMPOS, H., 2000, p. 26)
escreve sobre Mallarmé em seu artigo publicado no Jornal do Brasil em 1957 - “... seus
20
poemas são atos e são coisas – não apenas celebrações, elogios, louvores ou censuras ou
lamentos. São novas maneiras de ser das palavras e das coisas”.
O próprio Mallarmé compreende seus poemas como coisas quando afirma “...
denominar um objeto é suprimir três quartos da fruição do poema, que é feita da felicidade
de adivinhá-lo pouco a pouco: sugeri-lo... eis o sonho...”. Os poemas de Mallarmé não
estão colocados para serem lidos, mas para serem interpretados, toda a construção do
poema, o projeto tipográfico indefinido, com fontes de tamanhos e formas diferentes, o
espaço entre as palavras, a composição poética, contribuem para despertar diversas
interpretações.
Embora seu projeto não chegue a ser de fato realizado, é evidente que a estrutura
empregada em seu poema, fundamenta boa parte da prática artística contemporânea:
Marinetti trouxeram idéias inovadoras para a tipografia, além de terem contribuído para as
mudanças de percepção no campo poético e literário (PANEK, 2003, p. 26). Somam-se
ainda as contribuições do Cubismo, do Abstracionismo, do Dadaísmo, além do
Expressionismo e, mais tarde, o Surrealismo, conhecidos como vanguardas européias,
entram em cena e modificam o comportamento do homem no século da velocidade,
quando as vanguardas adquirem uma atmosfera artístico-cultural.
Fica difícil temporalizar com precisão o surgimento do livro como objeto da arte,
uma vez que, dentro desse conceito, podem-se incluir os livros de anatomia de Leonardo
da Vinci (1452-1519), os livros de gravura de Gustave Doré (1832-1883), e até mesmo, os
livros infantis com suas ilustrações e/ou dobraduras, entre outros. Porém entre os
estudiosos e pesquisadores como, por exemplo, Paulo Silveira, Annateresa Fabris, Cacilda
Teixeira da Costa, essa apropriação do livro como foco artístico acontece de maneira
consciente por volta da década de sessenta e início da década de setenta.
livro de arte, livro de artista, livro-obra, livro-objeto, livro-poema poema-livro etc. Nas
linhas que seguem, para facilitar a compreensão do trabalho, será adotada a nomenclatura
“livro de artista” como a melhor definição. Justifica-se essa escolha, por considerar que ela
não restringe essa nova categoria artística, possibilitando abordar os diversos formatos
oferecidos e não se limitando a uma obra com o formato do livro tradicional. Além de
englobar, no meu entendimento, todas as classificações encontradas até o momento,
permite uma melhor desenvoltura para o trabalho.
Se antes o livro era envolto por uma espécie de aura, principalmente em se tratando
de sua ornamentação e contando com o alto índice de analfabetismo, depois da tipografia
de Gutenberg com maior divulgação e circulação, o que contribui inclusive para a
laicização do livro, passa a ter evidentemente no conteúdo das idéias expressadas no texto
o que mais interessava (BARCELLOS, 1983, p. 10). O livro de artista vem resgatar de
certa forma essa aura que envolve o objeto livro, transformando as obras,
independentemente de suas idéias, em verdadeiras peças de arte. Segundo Fabris e Costa
(1985, p. 3), numa acepção mais ampla, o livro de artista constitui um veículo para idéias
de arte, uma forma de arte em si, apresentando pouca ou nenhuma relação com as
monografias.
Outro livro que se originou dessas experiências é o Nella notte buia [Na noite
escura]. Bruno Munari concilia texto, ilustração e projeto gráfico em uma única proposta,
reinventando a maneira de se ler um livro: além da parte visual, a obra requer uma leitura
sensorial, por meio de seus diversos papéis em formatos diferentes. Trata-se de um
exercício metalingüístico, nos quais discute o que um livro pode comunicar através de sua
materialidade, cores, desenhos etc., suprimindo o seu conteúdo verbal (TEIXEIRA, 2008).
Esse livro, segundo o próprio Munari (1998, p. 219), foi recusado por diversos
editores porque não tinha texto, mas depois teve várias edições. No Brasil, em 2008, foi
reeditado pela Cosac Naify.
Para Castleman, em seu livro A Century of artists book (1995), o livro de artista
surge a partir da década de setenta como uma total obra de arte, preenchida com palavras,
fotografias, desenhos e colagens. Castleman destaca o grupo Fluxos (grupo internacional
de artistas formado no início dos anos sessenta) como provável influência para o
aparecimento do livro de artista. Castleman (apud SILVEIRA, 2001, p. 32) afirma ainda
que o livro de artista é um dos “mais importantes subprodutos da arte conceitual e para
muitos artistas a única expressão tangível”.
Para Drucker (apud SILVEIRA, 2001, p. 36), o livro de artista está ligado
exclusivamente à produção artística do século XX, mesmo que influenciado por
movimentos anteriores identificados com valores burgueses das escolas francesas e
chamados por elas de livres d’artistes ou meramente livros luxuosamente ilustrados.
Drucker, em suas considerações, descarta o livro como objeto escultórico, mesmo
afirmando que não existem limites ao que os livros de artista podem ser e nem regras para
sua construção.
2001, p. 40) confirma a influência dos movimentos de vanguarda no surgimento dos livros
de artista.
Clive Phillpot, segundo Silveira (2001, p. 45), é um dos mais influentes nomes no
estudo do livro de artista, produzindo diversos textos sobre o assunto, entre eles o “Book,
book objects, book works, artist’s books” publicado na revista Art’forum de maio de 1982,
em que amplia o conceito de “livros feitos por artistas” para “livros feitos ou concebidos
por artistas”. Desta forma, evidencia uma possível participação de outros profissionais na
confecção dos livros, onde uma equipe de pessoas envolvidas neste processo, pode se
responsabilizar por áreas técnicas de impressão, encadernação, distribuição, por exemplo,
sem comprometer a autoria da obra (ARAÚJO, 2006, p. 32).
Fig. 10 A Noiva Despida pelos Seus Celibatários, mesmo ou O Grande Vidro, 1915-23.
Óleo, verniz, folha de chumbo, fio de chumbo e pó sobre dois painéis de vidros montados em molduras de alumínio, madeira e aço,
272,5 x 175,8 cm
Filadélfia (PA), Philadelphia Museum of Art: Bequest of Katherine S. Dreier
Fonte: MINK, 1994.
Esta obra estava sendo trabalhada ao longo de oito anos, compreendidos entre 1915
e 1923, data em que abandona a obra inacabada (MINK, 1994, p. 73). Depois de um
acidente que cobriu de rachaduras o Grande Vidro, durante a volta de uma exposição no
Brooklin em 1926, Duchamp frente aos fatos declara - Gosto mais dela agora! (CANUTO,
2007, p. 1).
28
Duchamp reuniu em uma caixa feita de cartão e revestida de veludo verde – daí seu
título, a Caixa Verde – réplicas das suas anotações ao longo dos anos sobre o Grande
Vidro.
Segundo Paz (2002, p. 31), as notas da Caixa Verde são consideradas uma chave,
uma chave incompleta como o próprio Grande Vidro, que não possuem uma ordem, senão
a cronológica e são, a seu modo, um quebra-cabeças, signos dispersos que devemos
reagrupar e decifrar.
O problema ressaltado por Paz, para a leitura da Caixa Verde, pode ser encontrado
em praticamente todos os livros de artista. Não é fácil a leitura das obras, e sua
interpretação, quando possível, fica restrita a uma leitura pessoal. O artista mexicano
Ulisses Carrion, em um artigo publicado na Revista Plural de fevereiro de 19752, sob o
título A Nova Arte de Fazer Livros, faz uma comparação entre o livro comum e o livro de
artista ao que ele define como velha arte e nova arte onde diferencia a leitura entre ambas.
2
Retirado do site http://escreverparaoboneco.blogspot.com/2005/07/bruno-munari.html
29
No Brasil, segundo Carrión (apud FREIRE, 1999, p. 86), o livro de artista nasce
claramente do encontro entre poetas e artistas visuais da fase Concreta e Neoconcreta do
final dos anos cinqüenta e começo dos anos sessenta. Fundamental para sublinhar aspectos
formais e sonoros das palavras, fazendo com que se deslocasse da sintaxe tradicional e
inventando outra sintaxe poética-visual para o texto, os concretistas e neoconcretistas
podem ser considerados o pilar da construção do livro de artista no Brasil, principalmente
quando as publicações começam a se configurar como um espaço alternativo para a
difusão da obra de arte. Os livros de Augusto de Campos e Júlio Plaza como Poemóbiles,
Objetos Poemas e Caixa Preta são excelentes exemplos (DOCTORS, 1994, p. 4).
Fig. 12 Augusto de Campos e Júlio Plaza Fig. 13 Augusto de Campos e Júlio Plaza
Poemóbiles, 1994 Caixa Preta, 1975
Fonte: Silveira, 2001, p. 62 Fonte: Silveira, 2001, p. 137
Para Carrión, os livros que conhecemos como livros de artista não foram
originalmente feitos por artistas, mas por poetas e escritores e os primeiros foram os poetas
concretos – “eles descobriram o potencial espacial e visual das páginas de um livro”. Mas,
não podemos deixar de assinalar a importância da obra de Mallarmé nessa
contextualização, uma vez que, através de sua obra, também os concretistas se fixam para
formar seus conceitos:
O livro de artista constitui uma produção que se insere no campo dos novos meios,
ao lado do vídeo, arte postal e poética visuais, como possibilidade de criar uma experiência
diferente de leitura visual. São livros concebidos como obras destinadas a veicular uma
idéia de arte (COSTA, 2004, p. 68).
Esses livros podem ser realizados artesanalmente, como é o caso do livro O amor,
realizado por Gislaine Cássia Ataulo, onde é apresentada uma proposta às avessas da
tendência do mundo contemporâneo. Em vez do acréscimo, a artista trabalha com o
decréscimo de informação, com a ocultação de palavras e a alteração ou subtração de
imagens, a fim de multiplicar os sentidos da obra. Se antes, os copistas tinham a função de
preservar os documentos originais, hoje os artistas contemporâneos colocam os livros de
maneira geral no campo da obra aberta3, assim, Ataulo por meio do apagamento reescreve
o livro O amor de Mítia do autor russo Ivan Bunim criando sua própria obra:
3
A poética da obra aberta, tende como diz Pousseur, a promover no intérprete “atos de liberdade consciente”,
pô-lo como centro ativo de uma rede de relações inesgotáveis, entre as quais ele instaura sua própria forma,
sem ser determinado por uma necessidade que lhe prescreva os modos definitivos de organização da obra
fruída (ECO, 2003, p. 41).
32
“Por um lado, temos o ser pensador que venera a forma familiar desses
entes quase sacros, os livros (bíblia). O livro traz consigo o gosto pela
perpetuação da forma clássica, de ser o mais nobre depositário do
conhecimento, valores expressados através do zelo e do respeito pela
superfície e pelo ato de folhear e seu tempos. Em outras palavras: a arte
limpa e plana, de texturas e sombras coniventes com a compleição do
suporte, suave e clássico, pedindo a malícia do nosso olhar, da nossa
memória e da nossa imaginação. Por outro lado, nos surpreendemos com
o criador que se expressa pela idéia da transgressão, confrontando o
escultórico como o plano, rompendo a página, dilacerando a estrutura,
ferindo, formando, deformando e transformando. A possibilidade integral
do tato (o toque pleno e sensual) e a profanação das regras quase sagradas
de apresentação e uso do objeto livro”. (SILVEIRA, 2001, p. 24).
Como efeito, em alguns casos de livros de artista, toda a parte gráfica, ou seja, as
palavras, os desenhos, as gravuras, as ilustrações, etc., são desprezadas, mantendo-se o
espaço do livro enquanto lugar, por excelência, da intervenção estética. Entendidos como
livros-objetos (ou, como classifica Clive Phillpot: livros-obras), embora assumam a forma
conceitual do livro, são objetos recriados como obras de arte meramente escultóricas, a
narrativa literária é substituída por uma narrativa plástica passando a ser considerados
objetos de percepção que muitas vezes é privado do contato manual para se restringir ao
campo da contemplação.
O livro de artista pula das prateleiras e seu deleite, por vezes, não cabe
nas mãos. É um livro para ser visto e admirado a certa distância, para ser
contemplado em ambientes amplos, como museus ou galerias, pois se
apresenta com status e dimensões escultóricas (ARAÚJO, 2006, p. 34).
Dessa maneira podemos dizer que todo livro-objeto, observando sua forma
escultórica, pode ser considerado um livro de artista, mas nem todo livro de artista,
observando sua intervenção na página, o que não implica na falta de escrita, será um livro-
objeto.
Talvez seja a única subcategoria dentro do livro de artista que possa ser realmente
diferenciada das demais, são obras raras, muitas vezes únicas, ou com tiragens
extremamente reduzidas. Para Moeglin-Delcroix, em entrevista concedida para Paulo
Silveira em 1999, o livro-objeto pertence à escultura e não ao livro:
Uma boa parte dos exemplos de livro-objeto, são assinalados por um critério anti-
narrativo, em que a figuração se dá através da construção dos materiais empregados sem
acrescentar notação de caráter, por assim dizer, explicativo.
Para Silveira (2002, p. 227), os livros-objetos não são mais intermidiais, pertencem
apenas às artes plásticas. Sem vínculo direto com a literatura, a comunicação social ou
outros produtores de informação legível.
37
Barrio, dentro de seu espírito contestador, chama o que faz, não de obra de arte,
mas, prefere chamar apenas de trabalho, acredito que, dessa forma, seja uma maneira de
questionar o que é a arte. Segundo Fernandes (2000, p. 16):
Barrio não produz “obras de arte”, antes suscita situações nas quais
constrói um discurso pessoal em que se apropria do real, reconstituindo-o
poética e politicamente nos resíduos desse mesmo real que evidencia e
que nos são freqüentemente ocultados pela domesticação social do gosto
e pela autolegitimação social do objecto artístico [...].
Também não vê necessidade de ser chamado de artista plástico, prefere abrir mão
da identificação em troca da liberdade e do descompromisso com ismos e sistemas que
39
limitam sua condição de liberdade/ atuação (BARRIO, 1970). Com trabalhos no mínimo
provocativos, considerado transgressor e inovador, tem como objetivo explorar os sentidos
nos seus aspectos auditivos, gustativos, olfativos, táteis e visuais, seja em suas implicações
de prazer ou repulsa:
Como suas obras são feitas, como pudemos ver, de materiais extremamente
perecíveis, os registros de seus trabalhos se dão através da fotografia do filme, etc. A
captação das imagens pelos processos da fotografia, filme, etc., segundo Benjamim (1994,
p. 168), é tida como uma reprodução técnica, tendo como principal fator, maior autonomia
que a reprodução manual, como por exemplo, através da fotografia, destacar aspectos do
original e selecionar ao acaso um ângulo de observação. Ou ainda com processos de
ampliação ou câmera lenta, buscar imagens que fogem inteiramente à ótica natural.
Mas é preciso lembrar que Barrio acentua em suas obras a experiência sensorial,
cuja reprodução jamais a transmitirá como na realidade: é como ouvir uma orquestra por
meio de um CD e alguém comentar que a emoção seria maior se estivesse ouvindo ao vivo
– Imagina estar lá no meio da platéia!!! Há de se concordar que, no caso de Barrio, a
reprodução obtida pela fotografia, possibilita à luz das observações de Benjamim, levar a
cópia do original em situações improváveis para o próprio original, podendo aproximar a
obra do espectador. Imaginem levar o livro de carne de São Paulo para a Bahia! Essa
reprodução permite ainda manter guardada na memória da história as imagens da exibição,
mesmo que privada da experiência sensorial.
4
Texto LAMA/ CARNE ESGOTO (Belo Horizonte, 20/04/1970) publicado no livro CANONGIA, Ligia.
Artur Barrio. Rio de Janeiro: Modo, 2002.
40
Comecei com a arte aos 22 anos de idade e, da noite para o dia, fiquei
completamente pobre, sem grana. Antes eu trabalhava em escritório,
estava fazendo economia. Sai fora e radicalizei totalmente e isso me
deixou numa situação meio complicada. Finalmente, aos 25, a coisa se
acelerou (...). Nessa época eu morava num quarto. Então, o meu caderno
era o meu ateliê. Tudo em escala mínima. Já com 17 anos, eu escrevia
muito. Histórias, poesias, esse caderno-ateliê vem um pouco daí. Eu tinha
muitos cadernos daquela época, mas perdi. Os que eu consegui segurar,
vendi ao Gilberto Chateaubriand. Ele, como colecionador, guardou-os. Se
não, eu iria perdê-los nesse vai-e-vem, sem lugar fixo. Aí surge, pouco a
pouco, a idéia de usar o espaço expositivo como local de germinação das
idéias, experimentação real. E usar aquilo como uma coisa que não esteja
determinada.
Para Fabris e Costa (1985, p. 4), os cadernos de Barrio são um dos primeiros
marcos da nova concepção do livro de artista no Brasil, cadernos esses que vão além do
registro de idéias ou de trabalhos em andamento para abarcarem no todo o significado de
sua produção:
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Entrevista disponível no site <http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1759,2.shl> acesso em
08/03/2008
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A partir daí, fica mais fácil entender como o livro se torna parte de sua produção
artística. O interesse nesse trabalho surge do conhecimento da obra de Artur Barrio: o
Livro de Carne, exposto pela primeira vez em 1977, mas cuja primeira versão foi feita por
um açougueiro francês a partir de lâminas muito finas de carne unidas por um barbante.
Era manuseado diretamente pelos espectadores. Faz-se presente na vida do artista no fim
dos anos sessenta e início dos setenta, agressivo e contrário ao mercado de arte foi inserido
nos piores momentos da ditadura militar no Brasil (SILVEIRA, 2005, p. 223).
Na XXIV Bienal, em 1998, o seu livro foi re-exposto e, como o próprio nome diz, é
realmente um livro feito com carne: a cada três ou quatro dias, era preciso trocar o
material, que, com o passar dos dias, exala um forte cheiro, apodrece. As linhas da escrita
podem estar representadas pelos nervos e pelas fibras e as palavras, essas são para serem
imaginadas, interpretadas, buscadas, achadas ou sonhadas.
Através de seus cadernos de anotações, poderemos ter uma vaga idéia do que foram
suas obras, no entanto, mais uma vez deve-se acrescentar que essas anotações não
42
Barrio em 2000, lança para o projeto Fronteiras o trabalho “Três livros e meio”,
uma idéia contrária à idéia do livro de carne, onde:
Tal como o artista designou a área em que realizou seu trabalho, remete
evidentemente a intervenções em escala geográfica, ao lugar cósmico
onde o trabalho de arte não estaria confinado no interior de estruturas
históricas e sociais, designando, em vez disso, um campo tão limitado
quanto a superfície terrestre. (SALZSTEIN, 2005, p. 55).
obras, ou seja, não é perecível nem tampouco industrializado. Ao contrário, trabalha com
objetos da natureza que desafiam a ação do tempo, infundem como afirma Salzstein (2005,
p. 55), uma centelha de duração no tempo geológico, condensando tempos e distâncias
incomensuráveis em uma experiência pessoal, inefável e provisória. Na verdade, ambos os
livros – Livro de Carne e Três Livros e Meio – são antípodas: enquanto o primeiro é
perecível, o outro é justamente o seu oposto, o perene. Esta relação acaba evidenciando
que, para Barrio, a questão que está na base de seus livros é a resistência ou não ao tempo,
ou, talvez, em outras palavras (levando em consideração os cadernos de Barrio), a
resistência ou não à memória. Enquanto o Livro de Carne não se pode fazer presente em
matéria ficando sujeito ao resgate na memória, Três Livros e Meio se impõe no espaço e
tempo justamente pela matéria de que é composto.
Tanto o Livro de carne como Três livros e meio são livros de artista que se
encontram na fronteira entre o livro e a escultura, ou seja, são livros-objeto. Em sua
estrutura, ignoram totalmente a tipografia, o texto, a imagem e se fixam na forma plástica
do livro. A justificativa para a escolha do Livro de carne está no fato de que Barrio
mantém nessa obra sua investigação no campo de percepção do ‘outro’. Enfatiza, mais
uma vez, a participação do espectador e a percepção como condição necessária à sua obra.
Reivindica como efeito uma capacidade mais apurada para proporcionar uma presença do
que ali não parece conter. Além disso, o Livro de Carne permite ser aberto e folheado,
mesmo sem tipografia ou figuras, nos parece permitir algum tipo de leitura. Ao contrário
dos livros de pedra cuja escrita mesmo que dentro do campo da imaginação, como no Livro
de Carne, encontra-se sob um lacre inviolável, são páginas que não se abrem. Não deixa de
ser enigmático, mas a meu ver, perde sua áurea de livro, que pode ser aberto, manuseado,
carregado... E torna-se somente uma escultura.
Como afirma Fernandes (2000, p. 16), Barrio suscita situações nas quais constrói
um discurso pessoal em que se apropria do real, reconstituindo-o poética e politicamente
nos resíduos desse mesmo real que evidencia. Portanto, podemos dizer que está implícito
no trabalho do artista, não só a plasticidade da obra e a apropriação do livro como objeto
da arte, mas também todo um conteúdo denunciatório de um regime político-militar que
emudece, amedronta e impõe.
Usar a carne como material de trabalho torna Barrio um homem ‘primitivo’. Sem
poder, ou sem saber, se expressar por palavras devido ao regime político da época, utiliza
métodos grosseiros e ofensivos à maioria das pessoas, para se fazer ouvir. Este trabalho,
feito do mesmo material de que somos feitos, ou seja, do sangue, das veias, das vísceras,
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da carne, pode ser considerada um pedaço de nós, faz parte do que somos, faz parte da
nossa história. E, num discurso sem rodeios, discorre sobre a tortura e todos os sofrimentos
que aqueles que eram contrários ao regime ditatorial estavam sofrendo. Ao leitor, nessa
leitura sem palavras, resta a reflexão, pois o livro vai além de sua forma escultórica para
quem realmente souber apreciá-lo, além disso, como afirma Freire (1999, p. 128), na arte
Conceitual o discurso participa da obra e, assim, particularmente os trabalhos de Barrio são
uma ação/reflexão, um gesto composto de matéria e pensamento ao mesmo tempo
(NAVAS, 2000, p.208).
A carne é uma matéria sempre presente nos trabalhos de Barrio, uma de suas obras
mais conhecidas e discutidas são as Trouxas Ensangüentadas, espalhadas pelos jardins do
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1969, e depois lançadas às margens de um
ribeirão em Belo Horizonte em 1970. As Trouxas Ensangüentadas continham carne, ossos
e sangue dentro de trouxas de pano, e foram colocadas propositalmente em lugares
públicos. Não é preciso ir muito longe para perceber que esse trabalho promoveu uma
grande polêmica dentro de um período em plena ditadura militar. Foi motivo de alarde
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público, e até policial, mas que também modificou o olhar dentro do campo artístico no
Brasil.
O trabalho foi interpretado como uma manifestação contra a ditadura militar e seu
movimento ideológico, mas segundo Canongia (2002, p. 197),
O livro de carne, nesse sentido, passa a ser um registro do que ocorreu durante esse
período de 9 anos que o separa das Trouxas Ensangüentadas. Trata-se de um relato de
experiência de vida dentro de um período cheio de incertezas e imposições. O livro nasce
não como um complemento, mas como uma conseqüência natural para não nos fazer
esquecer do que foi a Ditadura Militar no Brasil.
notícias, um recado aos tiveram seus entes arrancados do lar, da família e que, para os
açougueiros (Estado), não passavam de problemas sociais. Barrio nos leva a refletir sobre o
corpo, a carne, sobre nós mesmos enquanto seres passageiros, pois a carne é efêmera, se
desfaz, apodrece, assim como seu livro, é para se guardar na memória.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procurou-se verificar também se esse estilo que surge entre as décadas de sessenta e
setenta pode ou não gerar algum tipo de valor cultural ou informacional. Para tanto, foi
escolhido dentre diversos trabalhos, o Livro de Carne do artista Artur Barrio, através do
qual se constatou que este tipo de movimento artístico pode sim gerar certos valores no
campo cultural e informacional, mas é preciso muitas vezes um exercício de paciência e
instinto de explorador, a informação não está às claras, é preciso encontrá-la, decifrá-la.
A pesquisa aqui realizada demonstra que muito mais que uma escultura construída
somente para chocar o público, de caráter efêmero (características, aliás, bem peculiares
das obras do Barrio), o seu livro traz implícito uma manifestação político-social, que
envolve a obra, o público e os acontecimentos sociais, sem, entretanto, deixar de fazer
frente à arte industrializada, onde os altos valores dos materiais empregados despertam o
desprezo de Barrio.
A obra exige realmente uma pesquisa um pouco mais aprofundada, mas a partir daí,
concluímos que o artista luso-brasileiro, soube construir, no Livro de Carne, mais que um
livro artístico – pois engloba a escultura, o livro e a informação –: uma obra de arte
completa.
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